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As Aventuras de Tibicuera:

literatura infantil,
ÂNGELA DE CASTRO GOMES

história do Brasil

e política cultural

na Era Vargas

“Como qualquer história que este nome merece,


deve parecer-se com um Epos!” (Von Martius).

ERA UMA VEZ…

ma história bem contada certamente

U
pode ter mais de um começo, muitos
cenários, tempos e personagens. Um

possível e bom começo para a história


que aqui vai ser contada é o dia 29 de

abril de 1936, na cidade do Rio de


Janeiro. Nele, o ministro da Educação
ÂNGELA DE CASTRO
GOMES é pesquisadora e Saúde do então governo constitucio-
do CPDOC/FGV e
professora titular de nal do presidente Getúlio Vargas, Gus-
História do Brasil da UFF.
Foi uma das organizadoras tavo Capanema, criou, por uma por-
do livro A República no
Brasil (Nova Fronteira). taria, a Comissão Nacional de Litera-

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boa literatura para crianças e jovens.

Um conjunto de tarefas volumoso,

cuja ambição e sentido só podem ser


devidamente medidos quando inseri-

dos em um contexto maior de iniciati-

vas, que articula e potencializa essa ini-


ciativa particular. Um pouco antes da

criação da CNLI, em março de 1936,


Capanema havia autorizado os traba-

lhos do Instituto Nacional de Cinema


Educativo, o Ince, dirigido pelo antro-

pólogo Edgard Roquete-Pinto e encar-


regado de produzir filmes educativos.

Aliás, tarefa que iria cumprir muito bem,

pois, entre 1936 e 1945, o Ince roda


233 filmes, entre os quais 53 foram classi-

ficados como instrutivos, ou seja, volta-


dos diretamente para exibição escolar.

Dando continuidade a seu projeto, em


dezembro de 1937, em substituição ao
tura Infantil, designando suas atribui- Instituto Cairu, Capanema funda o Ins-
ções e componentes (1). Como atri- tituto Nacional do Livro (INL), colocan-
buições, entre outras, a CNLI deveria do-o sob a direção do literato gaúcho
realizar levantamentos sobre a situa- Augusto Meyer e lhe entregando, entre
ção desse tipo de produção literária; outras, a obrigação de espalhar bibliote-
selecionar livros para serem traduzi- cas pelo país. Um ano depois, em de-
dos; classificar, por idades, as obras exis- zembro de 1938, o ministro instala a
tentes e censurar as que fossem per- Comissão Nacional do Livro Didático
1 Todas as informações sobre a
niciosas; organizar um projeto de bi- (uma idéia que vinha de 1936), destina- Comissão Nacional de Literatu-
ra Infantil foram consultadas no
arquivo privado de Gustavo
bliotecas infantis e, com destaque, da a examinar e selecionar a literatura Capanema, GCg 1936.04.29
(rolo 42; ft. 814 a 1061),
promover o desenvolvimento de uma didática a ser utilizada na rede pública. CPDOC/FGV.

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Uma enumeração que não deixa dúvidas Sob a coordenação de Murilo Mendes,
quanto à preocupação do ministério com a Comissão passa a se reunir uma ou duas
uma política de incentivo à leitura, particu- vezes por semana, na sede do MES – Rua
larmente a da juventude, como era chama- Rex, 14o andar –, recebendo gratificação por
da a faixa etária em idade escolar, isto é, em encontro realizado. Na pauta dos trabalhos,
idade de formação de hábitos e valores, em uma questão fundamental e inicial precisa-
relação aos quais o Estado tinha interesses va ser respondida pela Comissão: o que é
e responsabilidades. Uma preocupação que literatura infantil, ou melhor, como situar o
se fundamentava em diagnóstico, corrente campo de obras de literatura infantil? Em
e compartilhado há décadas, sobre a “po- torno da definição desse problema come-
breza” de nossa literatura infanto-juvenil, çam os debates entre os integrantes, todos
tanto a didática e científica, quanto a que apresentando textos em que suas idéias são
compreendia o que se conhecia como “li- alinhadas e defendidas, o que é extrema-
vros de histórias” (2). Uma pobreza que mente interessante para se entender qual a
contrastava com o evidente e crescente in- perspectiva que a Comissão, como um todo,
teresse da imprensa, das casas editoras e irá tomar para nortear suas ações, que seri-
das livrarias nesse tipo de publicação, o am as ações do governo da época.
que ficava evidenciado pelo variado e bem- De uma forma geral e resumida, a CNLI
sucedido número de revistas “em quadri- chega a algumas constatações. Em primeiro
nhos” ou de periódicos assemelhados. lugar, que era muito difícil e complexo res-
Era, portanto, nesse contexto que a ponder à questão, pois quase todos os gêne-
CNLI devia atuar, o que começou a ocor- ros literários para adultos podiam se enqua-
rer, de fato, em maio de 1936. Tratava-se drar (e se adaptar) à literatura infantil. Ou
de um pequeno e primoroso grupo, basica- seja, uma ampla gama de produções podia
mente integrado por literatos e pedagogos se alocar nessa rubrica, entre as quais esta-
(ou as duas coisas ao mesmo tempo) do riam: poesias, romances, lendas, contos,
melhor renome, como Capanema gostava histórias do folclore, histórias maravilhosas
de fazer. Em sua primeira composição es- (de bichos, fadas, etc.), livros de gravuras,
tavam Manuel Bandeira, Jorge de Lima, canções de berço, cantigas de roda, fábulas,
José Lins do Rego, Elvira Nizinska da Sil- histórias bíblicas, narrativas de viagem e
va e Cecília Meireles. Essa última logo aventuras, narrativas cívicas e patrióticas,
deixará a Comissão, que é acrescida dos biografias, antologias, etc. Nesse sentido, o
nomes de Maria Eugênia Celso e Lourenço exame da documentação permite dizer que
Filho. Como secretário dos trabalhos, uma o caminho da Comissão foi, em boa medida,
espécie de coordenador do grupo, estava definir o que não é literatura infantil, o que
Murilo Mendes, intelectual mineiro, que foi respondido por todos, com um razoável
havia vindo para o Rio de Janeiro nos anos consenso. Não é literatura infantil todo um
1920. Como Murilo Mendes teve um papel conjunto de textos com explícitos objetivos
articulador dentro do grupo, vale mencio- didáticos e programáticos, além daqueles de
nar que em 1933 ele havia escrito uma caráter técnico e científico, não importando
História do Brasil, em 1934 convertera-se a faixa etária a que se destinavam. Isso sig-
2 Sobre esse diagnóstico, a refe- ao catolicismo e em 1935 publicara com nificava que a Comissão definia (desejava e
rência clássica é o livro do con-
sagrado intelectual e crítico li- Jorge de Lima, também católico e membro projetava) como literatura infantil aquela
terário José Veríssimo (1906). da Comissão, o livro Tempo e Eternidade. que, por excelência, investia na imaginação
3 Murilo Mendes contrai tubercu- Finalmente, em 1936, é nomeado inspetor infanto-juvenil e, nesses termos, contribuía
lose em 1943 e muda-se para
a Itália, onde passa a viver, em de Ensino Secundário do Distrito Federal, para educar. A “fantasia”, como se dizia,
1957. Nesse país, é professor
de Cultura Brasileira nas Uni-
um dos cargos, diga-se de passagem, mais deveria presidir o texto, que teria que ser
versidades de Roma e Pisa, vin- disputados no serviço público na área de “recreativo”, para, dessa maneira, ser “ins-
do a falecer em 1975. É inte-
ressante notar que, quando em educação, que praticamente montava o ní- trutivo”. Ou seja, a forma literária, e não o
1959 ele publica sua obra com- vel de ensino secundário, abrindo muitas conteúdo programático, conformava o cam-
pleta, não inclui seu livro de
História do Brasil. vagas (3). po que a CNLI queria delimitar e promover.

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Feita essa importante exclusão, a dos cia relações com a pedagogia, devendo pos-
didáticos, uma inclusão igualmente decisi- suir valor educativo. Nesse sentido, qual o
va é realizada, particularmente por Murilo seu “maior” compromisso? Devia curvar-
Mendes. Ele defende que também devem se para ser mais um instrumento pedagógi-
integrar o campo da literatura infantil, não co, dentre outros, ou também poderia afir-
só livros escritos para crianças, por adul- mar-se no espaço literário da criação artís-
tos, como igualmente os livros escritos tica? Um pecado original que atormentou
pelas próprias crianças, sugerindo o início os produtores culturais do gênero através
de coleções desse tipo de produção, com do tempo, pois, devido a ele, o valor esté-
particular atenção para as cartas, diários, tico desse tipo de literatura foi freqüente-
poesias e também histórias, em geral. Es- mente questionado, sendo ela tachada de
ses materiais poderiam ser publicados (ele menor e inferior ou mesmo não sendo situa-
sugere, inclusive, a abertura de uma edito- da como literatura (4). O que se pode veri-
ra), pois certamente atrairiam interesse. ficar, mesmo que não abertamente, na série
Tais observações certamente não sur- de documentos que fazem parte do dossiê
preendem, considerando-se que os muitos sobre esse debate, é que os membros da CNLI
estudos sobre literatura infantil apontam optam por afirmar a precedência do valor
exatamente para as ambigüidades e dile- estético do produto que pretendem estimu-
mas que são constitutivos do campo da li- lar, separando-o do espaço dos textos didá-
teratura infantil. A de ser escrita para di- ticos e entendendo que a “fantasia” deveria
vertir e ensinar, ao mesmo tempo, ao que se dominá-lo, o que, contudo, não o impedia de
acresce o fato de ser escrita por adultos para educar. Aliás, sua virtude e poder estavam
crianças, numa situação de desigualdade justamente em educar apelando para a ima-
que exige estratégias de “adaptação” lin- ginação e interesse das crianças e jovens, o
güística e cognitiva, entre outras. Esses que, é bom frisar, sabia-se que os livros es-
problemas se colocam porque a literatura colares raramente faziam.
infantil se afirmou no século XVIII, quan- Esse conhecimento sobre livros e leito-
do se construiu a noção de infância e de um res infantis vinha se desenvolvendo, no
certo modelo de família burguesa, marcada Brasil, desde os anos 1920, com o movi-
pela privacidade e pelo desenvolvimento mento da escola-nova e a fundação da As-
de laços afetivos entre seus membros, fos- sociação Brasileira de Educação (1924).
sem cônjuges, fossem pais e filhos. Foi esse Um conhecimento que tinha base em pes-
o período em que, na Europa Ocidental, quisas empíricas que utilizavam modernas
começou a se instalar a instituição escola, metodologias norte-americanas, como a da
a idéia de ensino obrigatório e, em decor- realização de inquéritos com aplicação de
rência, a necessidade de livros e materiais questionários tipo survey. Uma dessas pes-
destinados a educar (Zilberman & Maga- quisas, por exemplo, que teve a participa-
lhães, 1987, cap. I). Um processo que, no ção de Cecília Meireles e cujos resultados
Brasil, só vai deslanchar na virada do sécu- foram publicados em 1934, havia chegado
lo XIX para o XX, com uma forte inflexão a achados interessantes para os trabalhos
de um projeto de cultura cívica republica- da CNLI, que a professora e poetisa de iní-
na, particularmente no que dizia respeito cio integrava. Tratava-se de inquérito com
ao aprendizado da língua, da história e da escolares do Distrito Federal entre 7 e 17
geografia pátrias, o que obviamente não anos, que apurou que, em geral, as crianças
podia ser feito em livros estrangeiros, ain- e jovens gostavam de ler e davam valor ao
da que traduzidos. livro. Eles liam, sobretudo, “livros esco-
4 Vale observar que, no Brasil, o
O debate ocorrido no interior da CNLI lares” e na própria escola, mas preferiam
ano de 2003 assinalou a en-
atualiza, nos anos 1930, a questão que era largamente os “livros de histórias”, que se trada, pela primeira vez, de
um escritor de literatura infantil
a marca da literatura infantil, desde seu liam em casa, sem a interferência dos pro- na Academia Brasileira de
aparecimento. Ela tecia relações com a arte, fessores e dos pais. Também preferiam a Letras. Trata-se de uma mulher,
Ana Maria Machado, muito
donde seu valor estético, mas também te- prosa à poesia, interessando-se particular- saudada pelo fato.

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mente por “fantasias/narrativas imaginá- do grande renovador da literatura infantil
rias” e histórias de aventuras, o que se brasileira mantinham então boas relações.
acentuava com o crescimento da faixa etá- O autor que se lhe seguia em indicações era
ria (Zilberman, 2001). Viriato Correa (7 livros) (7), dos quais dois
Tais resultados, sem dúvida, ajudam a eram “narrativas cívicas”. Em seguida vi-
situar o “lugar” da literatura infantil. Ela nham Tales de Andrade e Arnaldo Barreto
era a preferida do público infanto-juvenil, (5 livros cada um) (8), e Olavo Bilac, com
o que era muito bom, pois os membros da três livros, entre os quais Através do Bra-
CNLI afirmavam que as leituras realiza- sil, escrito com Manoel Bonfim, em 1910,
5 Elvira Nizinska da Silva era pro-
fessora da Escola de Educação das na infância influenciavam de maneira para ser um “livro de leitura único” dire-
do Instituto de Educação do Rio especial a “psique do indivíduo”, habitan- cionado ao amplo público de estudantes que
de Janeiro.
do o “espírito do leitor” até a velhice e cons- a República queria criar (9). A popularida-
6 GCg 36.04.29; 0884/2.
tituindo-se em “lastro inestimável” para o de e o sucesso dessa publicação foram mais
7 Viriato Correa (1884-1967) foi
jornalista, político, romancista, resto da vida. Além disso, como também uma vez atestados na pesquisa em que
teatrólogo, autor de livros de observavam, era essa a literatura que “en- Cecília Meireles participou: ele foi aponta-
história e de literatura infanto-
juvenil. Membro da ABL, seu trava nos lares”, espaço vedado à regula- do, pelas crianças, como o preferido entre
livro de maior sucesso nessa
área foi Cazuza (1938).
mentação estatal, diferentemente do da os livros escolares, o que o transformava
escola. Tal observação é preciosa para que numa espécie de parâmetro da fronteira
8 Tales de Andrade e Arnaldo
Barreto produzem nas duas pri- se possa perceber todo o alcance e a sutil entre literatura infantil e didática que deu
meiras décadas do século XX.
Este escreve Primeiras Leituras estratégia da política cultural do ministério certo. Por fim, é bom registrar a presença
(1908) e Livro de Leitura (1909, Capanema, um católico respeitador dos de alguns autores que já eram ou se torna-
4 vols.). Aquele faz sucesso com
Saudade, de 1919. valores e da autonomia da família, mas um riam literatos consagrados, nessa lista. Entre
9 Marisa Lajolo calcula que, em político que apostava na intervenção am- eles estavam José Lins do Rego, com His-
sua primeira edição, o público
virtual de leitores chegava a
pla e centralizada do Estado. Com essa óti- tórias da Velha Totônia, Jorge Amado e
cerca de 600.000 escolares. ca, é possível examinar melhor algumas Matilde Garcia Rosa, com Descoberta do
O livro teve outras edições,
antes e depois dos anos 30, iniciativas dessa Comissão. Mundo, Erico Veríssimo, com Os Três
sendo que, em 1957, estava Após entender-se sobre o que era litera- Porquinhos Pobres, e João Ribeiro, com a
em sua 43 a edição (Lajolo,
2000). tura infantil, a CNLI realizou alguns proje- tradução de outro recordista de público:
10 João Ribeiro, intelectual que se tos. Um deles, de maio de 1936, foi a orga- Coração de Amicis (10).
consagra na virada do século
XIX, era filólogo, historiador e
nização, sob responsabilidade de Elvira N. Além de tais empreendimentos, vê-se
crítico literário, tendo escrito, da Silva (5), de um Catálogo Preliminar de pela documentação que a CNLI dedicou-se
em 1900, um dos mais aplau-
didos e bem-sucedidos compên- Obras de Literatura Infantil em Língua a organizar uma lista de livros que poderiam
dios de história do Brasil. José Portuguesa (Editadas no Brasil e em Por- ser traduzidos para o português, e se preocu-
Lins do Rego publicara Menino
de Engenho (1932), Doidinho tugal). O trabalho – um balanço do estado pou tanto com a emissão de programas de
(1933) e Bangüê (1934), sen-
do reconhecido como um gran- da arte – reuniu 658 títulos, dos quais 576 rádio para crianças, quanto com a
de romancista; Jorge Amado publicados no Brasil. Outra iniciativa con- popularização das chamadas “histórias em
publicara O País do Carnaval
(1931), Cacau (1933) e siderável, também sob o encargo da mes- quadrinhos”, quer pelos suplementos infan-
Jubiabá (1935), enquanto Erico
Veríssimo ainda não alcançara ma professora, foi a proposta de Organi- tis dos jornais, quer pelos “gibis” (11). Ou
o mesmo reconhecimento por zação de Bibliotecas Infantis, onde se aten- seja, a CNLI se interessava por uma das
suas obras, como Fantoches,
de 1932. tava desde as questões que envolviam a questões que também marcam o campo de
11 Gibi era o título de uma das instalação material da biblioteca, até a debates sobre literatura infantil internacio-
mais populares revistas em qua- apresentação de uma “lista de livros apro- nalmente, que é a de sua assimilação (e
drinhos da época, donde a
extensão dessa designação vados e recomendados”, que alcançava 68 minimização) a uma produção cultural de
para todas as revistas desse
tipo, que passam a ser conhe- títulos (6). Sobre tal lista valem rápidas massa, exatamente por meio dos “quadri-
cidas como gibis. O membro observações para que se tenha um panora- nhos”. Todas essas iniciativas, portanto, con-
da CNLI que dedica particular
atenção aos “quadrinhos” é ma da melhor literatura infantil, em mea- tribuíam para mapear o campo da literatura
José Lins do Rego, que chega a
fazer uma sondagem com o jor-
dos dos anos 1930. infantil, identificando e classificando aqui-
naleiro da rua onde morava, Em primeiro lugar, a de que o autor com lo que já existia, além de atentar para novas
em Botafogo. Fica impressiona-
do ao saber da facilidade com maior número de títulos recomendados é formas de produção cultural que a mídia
que as revistas eram vendidas Monteiro Lobato (16 livros), o que eviden- falada e escrita estava introduzindo no Bra-
e que havia edições de 30.000
exemplares! cia que o governo Vargas e o já reconheci- sil, bem de acordo com um projeto nacional

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de modernização tecnológica em todos os bem consideradas, em um universo total de
campos da economia e da sociedade. 80 concorrentes.
Nesse sentido, uma iniciativa diferen- O nome dos livros e dos autores esclare-
cial foi a decisão de se organizar um con- ce os contornos e a importância do escrever
curso de livros infantis, cujo objetivo pre- para crianças, nos anos 1930. Foram premia-
cípuo era estimular a redação de novas e dos para o grupo de “livros pré-escolares”:
boas histórias. Para tanto, foi debatido, O Circo, de Santa Rosa Junior; O Tatu e o
aprovado e sistematizado, em fichas de ava- Macaco, de Luiz Jardim; e Carnaubeira, de
liação, um conjunto de critérios que abar- Margarida Estrela e Paulo Werneck. Para o
cava tanto a forma, como o fundo das his- grupo de crianças de 8 a 10 anos: A Fada
tórias. Isso significava que se devia atentar Menina, de Lúcia Miguel Pereira, A Casa
para a “fantasia, moral e correção” do tex- das Três Rolinhas, de Marques Rebelo e A.
to, sem se desconsiderar suas qualidades Tabayá, e A Terra dos Meninos Pelados, de
gráficas, sobretudo as ilustrações, tidas Graciliano Ramos. E para as crianças de mais
como fundamentais para atrair o leitor in- de 10 anos: O Boi Aruá, de Luiz Jardim (que,
fantil (12). Assim, em setembro de 1936, é portanto, recebeu dois prêmios), A Grande
lançado um edital em que se instituem três Aventura de Luiz e Eduardo, de Ester da
concursos para livros de crianças, confor- Costa Lima, e As Aventuras de Tibicuera,
me a faixa etária: até 7 anos de idade, de 8 de Erico Veríssimo, que usou o pseudônimo
a 10 anos e de mais de 10 anos. Os traba- de Tio Luiz (13).
lhos deveriam ser originais, sendo entre- Nesse ponto e com a entrada de Tibi-
gues datilografados em três vias, assinados cuera na história, o primeiro ato dessa nar-
com pseudônimos, até 28 de fevereiro de rativa se conclui. Mas não sem uma última
1937. Bem ao molde de um governo que observação. Afirmou-se neste texto e se
procurava valorizar o trabalhador nacional, afirma em muitos textos sobre literatura
só poderiam concorrer brasileiros natos ou infantil, o quanto escrever para crianças é
naturalizados, e aos membros da CNLI algo ambíguo para os intelectuais, uma vez
estava vedada a participação no concurso. que a literatura infantil é, em princípio,
Em cada categoria seriam classificados três questionada e desvalorizada por seus víncu-
livros, recebendo o primeiro, o segundo e o los com a pedagogia, sendo vista como arte
terceiro colocados, respectivamente, prê- menor, instrumental, etc. Certamente o Bra-
mios de três, dois e um conto de réis. sil não é, nem nunca foi, a ilha de Pago Pago,
Tudo indica que a iniciativa foi um su- mas prestando atenção aos nomes dos pre-
cesso, pois no Relatório de Atividades da miados no concurso de 1937, e verificando-
CNLI para o ano de 1937, apresentado em se os autores que integravam a lista de livros
10 de janeiro de 1938, observa-se que a recomendados para uma rede nacional de 12 Manuel Bandeira é particular-
mente incisivo nesse item. Para
maior parte dos trabalhos da Comissão, bibliotecas infantis, o que se encontra são ele só a “fantasia realizadora”
e o bom gosto das ilustrações
durante aquele ano, foi julgar e divulgar os numerosos exemplos de autores que já eram do livro mereceriam ganhar 15
resultados do concurso. Foram examina- reconhecidos quando se dedicaram aos li- pontos. Todos os demais itens
teriam valores menores
dos 80 livros, que são enumerados com tí- vros infantis ou que se tornariam famosos (moralidade, correção e pro-
tulos e pseudônimos, o que não permite até por terem feito essa escolha (Lobato seria priedade da linguagem e ou-
tros aspectos gráficos: papel,
saber quem eram de fato os concorrentes. apenas o maior exemplo). diagramação, etc.). Quanto à
questão da moralidade pesa-
Os nove premiados tiveram que alcançar, Por conseguinte, é bom pensar o que vam as preocupações de com-
no mínimo, 70 pontos nas fichas de julga- faria com que tão significativos nomes da bate a preconceitos (raciais e
sociais) e o cuidado na
mento dos membros da CNLI e reunir três intelectualidade brasileira, sobretudo a veiculação de personagens
que tivessem virtudes e defei-
indicações de seus integrantes. Mas a dis- partir da Proclamação da República, se de- tos, de forma que a criança
puta deve ter sido dura e de boa qualidade, dicassem a esse gênero, em boa parte asso- não se sentisse esmagada e
inferiorizada com suas dúvidas
pois a CNLI resolveu, para além dos nove ciado à produção de uma literatura propria- e dificuldades.
premiados, fazer uma recomendação – es- mente didática, especialmente na forma dos 13 Erico Veríssimo nasceu na ci-
pécie de menção honrosa – a mais 17 títu- “livros de leitura”. De certa forma, anteci- dade de Cruz Alta, Rio Gran-
de do Sul, em dezembro de
los, o que dá um total de 26 obras muito pei minha hipótese ao destacar o compro- 1905 e faleceu em 1975.

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misso que se realiza entre a intelectualidade empolgante, mas nada que tenha durado
de toda a primeira metade do século XX, de muito tempo. Isso porque, em 1932, ele é
início com um projeto de regime republi- convidado para a função de assessor literá-
cano que acreditavam e queriam mais de- rio da editora, ganhando 200 mil-réis, “o
mocrático e, em seguida, com um projeto que foi uma injeção de óleo canforado (coi-
de nação, que também desejavam mais sa hoje tão obsoleta como o mil-réis) no meu
moderna, econômica, social e culturalmen- orçamento doméstico” (Veríssimo, 2000, pp.
te. Nos dois casos, o que abarca cerca de 50 297 e segs.) (14).
anos, a intelectualidade, a despeito das O ano de 1932, além de ser o da guerra
desilusões e descaminhos que identificou civil no país, com a eclosão da Revolução
na República (pois não deixou de fazê-lo), Constitucionalista em São Paulo, foi um
apostou numa ação educativa ampla, no ano de lutas para a Globo e para Erico
sentido da informação e da formação do Veríssimo. A editora começava a se afir-
leitor mirim. Essa aposta, que se vincula à mar no cenário nacional, dominado pela
construção de uma cultura cívica republica- José Olympio, por seu investimento na tra-
na, torna-se parte constitutiva da identidade dução de best sellers internacionais, o que
desses intelectuais, e pôde ser vivida como foi marcado pelo arrojo dos títulos escolhi-
“missão”, útil e prazerosa, quer porque se dos e pelo esmero do trabalho realizado. O
dirigia às crianças – sempre os futuros cida- próprio Erico dele participava, ao mesmo
dãos –, quer porque acenava com a pos- tempo em que começava a escrever sua
sibilidade de ganhos materiais e simbólicos própria literatura. É justamente nesse ano
em um estreito mercado editorial. No Bra- que ele apresenta a Henrique Bertaso seu
sil, escrever para crianças, desde o início da primeiro livro, Fantoches, aceito sem en-
República, além de lucrativo, passou a ter tusiasmo pelo editor e pelo público: ven-
uma certa aura de arte “engajada”, senão em deu 400 exemplares de uma tiragem de
projetos políticos específicos, como os de 1.500. O reconhecimento viria primeiro
antes e de depois da Era Vargas, certamente para a Editora Globo e, um pouco depois,
nos de uma política cultural que não era só para o escritor. Este, só no ano de 1938,
de governos, mas também da própria com Olhai os Lírios do Campo, alcança
intelectualidade, ainda que não de forma vendas acima de más ou medíocres, o que
articulada ou programada. lhe permite uma certa folga no orçamento.
Logo, entre 1931 e 1938, Erico Verís-
simo trabalhava muito e vivia apertado com
seus rendimentos advindos da Globo. Ele
AMIGO VELHO, O CONTADOR DE tinha uma família com dois filhos, vale
dizer, com mais despesas e alegrias, certa-
HISTÓRIAS mente. Nesse período, ele escreveu bastan-
te e, considerando-se a história aqui narra-
Um outro bom começo para essa história da, praticamente escreveu toda a sua obra
está em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no de literatura infantil. Ela é integrada por
ano de 1931. Mais precisamente na Rua da onze títulos, publicados entre 1935 e 1939,
14 A nova moeda – o cruzeiro –
começa a circular em 1942. Praia, onde ficava a Livraria Globo, uma que são distribuídos em dois subgrupos
15 Os livros são: Os Três tradicional casa editora (datava de 1883), pelos estudos literários que a ela se dedi-
Porquinhos Pobres (1936 ),
Rosa Maria no Castelo Encan- onde “um boticário desempregado, mas com cam. Um primeiro grupo, considerado
tado (1936), As Aventuras do grandes sonhos literários” (Veríssimo, 2000, stricto sensu de textos de literatura infantil,
Avião Vermelho (1936), O
Urso com Música na Barriga p. 295) é admitido pelo novo editor, um jo- é composto por seis livros, reunidos, em
(1938 ), Outra Vez os Três
Porquinhos (1939) e A vida
vem como ele, chamado Henrique Bertaso. 1965, no volume Gentes e Bichos (15). Um
do Elefante Basílio (1939). Erico Veríssimo, era o seu nome, é contra- segundo grupo é formado por cinco textos,
Estou usando aqui os traba-
lhos de Marchi (2000, espe- tado para tomar conta da Revista do Globo integrado por narrativas mais voltadas para
cialmente o capítulo 2) e de que, segundo ele mesmo, era provinciana, o público escolar (Meu ABC, de 1936, e
Zilberman e Magalhães
(1987, cap. 4). mal impressa e tinha matérias insossas. Nada Aventura no Mundo da Higiene, de 1939),

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por uma biografia (A Vida de Joana D’Arc, se anunciavam para o país. Sua fala é peda-
de 1935) e por narrativas históricas (As gógica e vale a pena acompanhá-la, para se
Aventuras de Tibicuera, de 1937, e Viagem entender o tipo de argumentação que então
a Aurora do Mundo, de 1939), o que talvez circulou e veio a se consolidar (16).
pudéssemos considerar, hoje e com algu- Bem ao estilo de um contador de histó-
ma licença, como uma literatura paradi- rias, Erico Veríssimo começa: era uma vez
dática. o coronel Chicuta, chefe do município de
Ao mesmo tempo, em 1936, quando já Jacarecanga, onde era prefeito o não me-
havia publicado vários livros para crian- nos prestigioso coronel Tinoco. Trocando
ças, todos pela Globo e todos bem recebi- em miúdos e abreviando a história do au-
dos pelo público, é convidado a criar, na tor, um belo dia os dois brigaram e, diga-
Rádio Farroupilha, programas de divulga- mos, o município, suas vacas e tudo o mais
ção de literatura infantil. Para fazer frente foram para o brejo. A moral da história é
às despesas da família, o convite é aceito, que o Brasil, antes do Estado Novo, era
o que dá origem ao Amigo Velho, o Conta- assim: cada município e cada estado como
dor de Histórias e ao Clube dos Três um país, o que acabava com a unidade da
Porquinhos. Segundo o autor: “Cerca de nação. “E é desse desastre que o Estado
seis da tarde, duas vezes por semana, eu Novo nos procura livrar.” Não se tratava,
saía apressado da redação da revista, subia portanto, de “mais uma cavação em torno
às carreiras as escadarias do viaduto, entra- de bons empregos”. E quem falava era al-
va nos estúdios da rádio e, ainda ofegante, guém que “já foi ou ainda é apontado como
improvisava diante do microfone um con- comunista por causa de um punhado de
to, pois não tinha tempo para escrevê-lo e idéias”. Queria dizer com isso, alguém in-
nem mesmo para prepará-lo mentalmente teiramente insuspeito, pois ser comunista
com antecedência” (apud Marchi, 2000, p. era das mais perigosas e terríveis acusa-
113). Um depoimento que caracteriza, com ções daquele momento. As idéias “comu-
algum desconto, uma boa porção de impro- nistas” eram o pan-americanismo, a oposi- 16 “A Oração Proferida, Sábado
viso e informalidade, reforçada pelo fato ção às perseguições raciais e a luta por boas Último, pelo Sr. Erico Veríssimo
na Rádio Difusora Porto Ale-
de o autor permanecer na rádio após os leis de trabalho, por exemplo. Para con- grense”, in Jornal do Estado,
Porto Alegre, 25 de abril de
programas, conversando com as crianças cluir, Erico confessa que tivera sérias des- 1938 (Arquivo Histórico
que iam visitá-lo e autografando livros. confianças quando da “proclamação do Moysés Velhinho).

Uma boa estratégia de marketing editorial Estado Novo”, pois teve a impressão de 17 Uma das características desse
tipo de produção literária, que
que, sem dúvida, também colaborava para “que era a ditadura integralista que se anun- é apontada como dificuldade
aumentar o gosto pela literatura infantil. ciava”. Chegou a pensar: “não se pode mais pelos estudiosos, é o fato de
serem muitos os autores que
Mas esses programas não duram muito, escrever no Brasil. Virão as perseguições e escrevem um ou dois livros para
crianças, mas que não conti-
sendo interrompidos quando da instalação a violência, a intolerância e o ódio. Quanto nuam produzindo. Isso é con-
do Estado Novo. Fato curioso, pois ele não custará uma passagem para a Conchin- siderado um sinal do des-
prestígio do gênero, bem de
parece ter ocorrido por qualquer questão china?”. Mas os fatos o tranqüilizaram: acordo com sua ambigüidade
constitutiva (arte/pedagogia),
política com o Amigo Velho. Tanto que, “nem esquerda, nem direita, mas sim o já mencionada. Sem descar-
em 23 de abril de 1938, portanto depois de centro, que é o equilíbrio e o bom senso”. tar esse argumento, acredito
que outras questões poderiam
ganhar um dos prêmios do concurso pro- Ele não viajou e escreveu bastante, inclusi- ser agregadas, como a situa-
movido pela CNLI, Erico Veríssimo com- ve literatura infantil. ção do mercado editorial e as
políticas governamentais. A
parece a um programa de rádio muito espe- Por conseguinte, os anos 1930 são um reforma de ensino ocorrida nos
anos 1970, por exemplo, ao
cial. Tratava-se de uma emissão do Comitê período em que Erico Veríssimo se afirma estimular o uso de textos literá-
de Propaganda do Estado Novo, uma inicia- como autor de livros para crianças, tanto rios em sala de aula, produziu
um boom na literatura infantil,
tiva diretamente capitaneada pelos irmãos pelo volume, como pela qualidade de sua que se prolonga até hoje. As-
sim, o fato de escrever um ou
de Getúlio, Viriato e Protásio Vargas, onde obra. Ele, nesse sentido, vai se juntar a um dois livros não precisa signifi-
se posiciona claramente a favor do novo elenco de autores engajados nesse tipo de car menor engajamento do au-
tor com esse tipo de produção
regime. Ele, como muitos outros intelectu- proposta, cujo grande nome antecessor e literária. Seria preciso exami-
ais, acreditou nas propostas do Estado Novo, renovador era Monteiro Lobato (17). Não nar os casos mais particular-
mente, o que poderia levar a
entendendo que novos e melhores tempos é certamente casual que educação e litera- conclusões diferenciadas.

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tura infantil se renovem nos anos 1920 e rer no enorme risco das cansativas enume-
que ganhem impulso nos anos 1930, inclu- rações de nomes. Coisa chata mas, mesmo
sive favorecidas por políticas públicas do assim, vamos lá.
Ministério da Educação e Saúde. Um bom e velho ascendente de Tibicuera
Mas a tradição intelectual a que Erico pode ser A História do Brasil Ensinada pela
Veríssimo se filia pode ser recuada e pen- Biografia de seus Heróis, do crítico literário
sada numa dupla chave, com evidentes ar- (entre outros títulos) Silvio Romero, publi-
ticulações: de um lado, uma literatura mais cado em 1890, visando às classes primárias
didática, sobretudo referente à história do de um Brasil republicano tinindo de novo.
Brasil ou do que se conhecia como educa- Seguindo-se a esse livro, as Lições de His-
ção moral e cívica; de outro, uma literatura tória do Brasil, de 1895, do literato e
infantil, muito pobre antes dos anos 1920, folclorista Basílio Magalhães. No ano de
mas que começava a crescer. 1900, muito mais aconteceu. O Brasil co-
Evidentemente, As Aventuras de Tibi- memorou 400 anos de vida, a República
cuera não comportam grandes vôos sobre apenas uma década, embora muitos já a
a produção de literatura infantil. O que achassem velha e desgastada. Talvez até
importa assinalar é que ela vinha ganhando estimulados por isso, os intelectuais escre-
impulso e contava, como se viu, com a veram, como sempre. Publicou-se, então,
participação de intelectuais que escreviam Pindorama, de Xavier Marques, que ganhou
para gente grande e já eram considerados o prêmio do Instituto Histórico e Geográfi-
bastante “grandes” nessa época. Cecília co Brasileiro, relativo ao 4o Centenário, e
Meireles, por exemplo, publica com Josué também Por que me Ufano de Meu País, do
de Castro A Festa das Letras (1937), um conde Afonso Celso, sócio do IHGB. Um
livro sobre preceitos de higiene e, sozinha, livro que faria grande sucesso, desejando
Rute e Alberto Resolveram Ser Turistas
Capa da edição (1938), com os conteúdos do programa de
ciências sociais da 3 a série elementar.
de 1966
Ambos são publicados pela Editora Globo,
na Coleção Nanquinote, que Erico Verís-
simo dirigia e onde também publicava. Ela
era uma professora, mas não era um caso à
parte. Os resultados do concurso da CNLI
mostram a participação de intelectuais
como Lúcia Miguel Pereira, escritora e
crítica literária; Graciliano Ramos, roman-
cista que escreverá, ainda para crianças,
Estórias de Alexandre; além de Jorge
Amado e Luiz Jardim. É certo que o prêmio
deve ter estimulado a empreitada, pois a
maioria dos escritores não andava de bol-
sos cheios nesse tempo. Mas, sem dúvida,
há mais coisas no ar…
No que diz respeito à história do Brasil
e à educação moral e cívica, As Aventuras
de Tibicuera permitem e mesmo deman-
dam uma incursão maior. Isso porque Erico
Veríssimo, ao escrever o livro, estava dia-
logando com uma já assentada produção
de “narrativas históricas e patrióticas”, ti-
vessem elas caráter escolar/didático evi-
dente ou não. Dito isso, é necessário incor-

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proporcionar prazer e proveito, com conse- enriqueceram editoras e autores, entre os
lhos úteis para despertar o amor à pátria. quais os destaques são Joaquim Silva, da
Assim, embora seu autor não amasse a Re- Companhia Editora Nacional, de São Pau-
pública (era monarquista), ele amava e que- lo, e Hélio Viana, da Editora Nacional e da
ria ensinar às crianças a amar o Brasil, razão José Olympio, do Rio de Janeiro (21).
pela qual acabou por contribuir para uma Erico Veríssimo, quando se decidiu a
das mais sólidas tradições de orgulho nacio- escrever As Aventuras de Tibicuera, certa-
nal: aquela que enaltece a grandeza e a be- mente conhecia boa parte dessa literatura
leza da natureza e que ressalta a contribui- que tratava da história do Brasil, quer como
ção das três raças que compõem as nossas livro didático tout court, quer como “livro
gentes. Ainda em 1900, o historiador e de leitura”. Eram narrativas cívicas, que
filólogo João Ribeiro lançou o compêndio cresceram com a República e que se desti-
de sua História do Brasil, reconhecido navam a enaltecer, se não o regime, certa-
como renovador pelo método de exposição mente o país, seu território e seu povo.
que empregava (pois se dirigia a alunos e
professores) e pelo conteúdo que expunha.
Nesse caso, o destaque era para nossa “his-
tória interna”, quer dizer, aquela que se vol- UM HERÓI ÍNDIO E SUAS AVENTURAS
tava para “dentro” do país (conquista e co-
lonização do território) e não para “fora”, Os dois começos dessa história são bons,
para a metrópole portuguesa, como até en- verossímeis ao menos. Mas pode-se dizer
tão predominantemente se fazia (18). que seu real começo não tem uma data cro-
Muitos outros seguiriam os passos des- nológica, nem um exato lugar no espaço
ses autores. Na linha de Afonso Celso e geográfico. Ele se situa de forma imemorial,
também muito bem-sucedidos, estariam num lugar maravilhoso como o das selvas
Olavo Bilac, primeiro com Manuel Bonfim, de Pindorama. Aí e só então nasceu Tibi-
em Através do Brasil (1910) (19) e, em cuera, um herói de muitas aventuras e o
seguida, com Coelho Neto, em A Pátria grande personagem dessa história. Mas,
Brasileira (1916). Além deles, sempre para entrar em tais selvas, é preciso entrar
enaltecendo as virtudes republicanas do no livro de aventuras, tomá-lo nas mãos,
país, escritoras como Júlia Lopes de como qualquer leitor.
Almeida, com Histórias de Nossa Terra O livro é pequeno e fácil de transportar:
(1906), e Alexandrina de Magalhães Pinto, não assusta em seus 12 x 18 cm. Foi publi-
que trabalhou com o folclore em As Nossas cado, desde 1937, na Coleção Catavento
Histórias (1907) e Os Nossos Brinquedos da Editora Globo, destinada a divulgar lite-
(1908) (Carvalho, 1995). Na linha de João ratura de alta qualidade a baixos preços.
Ribeiro, estariam Viriato Correa, com Con- Por isso, o formato é o dos livros de bolso,
tos da História do Brasil (1921) e A Histó- com grandes tiragens em papel mais barato
ria do Brasil para Crianças (1934), entre e com bom aproveitamento (tipos meno- 18 Ver sobre esse livro o estudo
outros (20); Rocha Pombo, com um con- res, margens estreitas, etc.). A coleção não de Hansen (2000).

junto de dez volumes de Uma Nova Histó- se destinava apenas à literatura infantil, 19 Ver sobre esse livro o estudo
de Botelho (2002).
ria do Brasil (1915-17); Murilo Mendes, como a Nanquinote, incluindo textos para
20 Ainda na área das narrativas
com História do Brasil (1933); e Otávio adultos de autores nacionais e estrangei- cívicas, esse autor escreveu A
Tarquínio de Souza e Sérgio Buarque de ros. Portanto, não se pode dizer que esse Descoberta do Brasil (1930) e
As Belas Histórias da História
Holanda, com uma outra História do Bra- livro seja bonito, embora não seja em nada do Brasil (1948), numa obra
de muitos “livros de histórias”.
sil (1944). Autores que, diga-se de passa- descuidado. Conforme o que a CNLI espe-
gem, trabalharam com a “história pátria”, 21 A crise de 1929 encareceu
rava, ele possuía ilustrações, feitas por muito a importação de livros,
mas não escreveram coleções pautadas em Ernest Zeuner, em branco e preto. Os 67 o que acabou possibilitando o
nascimento de uma indústria
programas seriados e oficiais, existentes capítulos que o compõem, com cerca de editorial no Brasil. Para se ter
desde o pós-1930, devido às reformas edu- duas páginas cada um, têm início com um uma idéia, a produção de li-
vros, entre 1930 e 1936, cres-
cacionais de 1931 e 1942. Coleções que quadro ilustrando o que vai ser lido, e se ceu em 600% (Reznik, 1992).

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possível não recordar a lição de Von Mar-
tius em Como se Deve Escrever a História
do Brasil e toda uma tradição cultivada no
Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
ro, desde o século XIX. Tradição populari-
zada por literatos e historiadores que se
dedicaram às narrativas cívicas nos livros
de leitura e nos manuais disciplinares, como
se viu. No caso, a intenção pedagógica do
autor fez algumas escolhas. Como era de
praxe ocorrer com esse tipo de literatura,
existe uma apresentação. Mas, diferente-
mente de outros exemplos, é muito breve e
não dialoga com um leitor adulto, visando
Ilustrações do explicar como, por que e para quem o livro
foi composto. Ela se dirige às próprias cri-
capítulo 7,
anças, para informá-las que não se incluiu
intitulado um vocabulário no volume, como ocorria
“Serenata para em outros casos (entre os quais o de Atra-
vés do Brasil), por se desejar que elas, quan-
as Estrelas” do em dúvida, consultassem um dicioná-
rio. Esse era um bom exercício, que ajuda-
va a gravar o significado da palavra. Por
outro lado, em edições posteriores, o livro
foi acompanhado de fichas de leitura para
alunos e de guias para professores, o que
não se faria sem a concordância do autor e
encerram com um pequeno desenho, um o que explicitava o uso escolar que podia
certo detalhe alusivo ao texto. ser dado à história (23).
Tibicuera teve vida longa e seu livro tam- Na apresentação, na verdade, o autor
bém. Em 1986, ele alcançou sua 30a edição, não quer explicar muita coisa. Ele quer
sendo que em sua primeira década de livra- ganhar o leitor, introduzindo-o no mistério
rias teve quatro edições: 1937, 1939, 1942 e que envolvia as aventuras que iria ler.
1947. Outros livros para crianças do mesmo Abrindo-se o livro, está escrito:
contador de histórias fizeram bastante su-
cesso e, nos anos 1940, autores e editores já “Aqui estão as aventuras de Tibicuera,
conheciam o potencial de reedições desse contadas por ele próprio. O herói narra sua
22 Viagem à Aurora do Mundo,
em 1987, teve sua 15a ed. e A
tipo de literatura (22). No caso de Tibicuera, espantosa viagem que começou numa taba
Vida de Joana D’Arc, em 1979, ainda havia o fato de ter sido premiado no tubinambá antes de 1500 e terminou num
sua 11a ed. Esses dados, bem
como outras informações vêm concurso do Ministério da Educação e Saú- arranha-céu de Copacabana em 1942.
do trabalho de Marchi (2000, de, mérito que é registrado na mesma página Não hesito em passar as mãos de vocês esse
pp. 139 e segs.). A edição de
As Aventuras de Tibicuera com em que o autor o dedica a seus filhos, Claris- romance, porque no fundo ele conta tam-
que estou trabalhando é a do
ano de 1966. Todas as cita- sa e Luiz Fernando. bém muito das aventuras do nosso Brasil.
ções serão dessa edição. A intenção pedagógica do livro é evi- A princípio pode parecer fantástico que um
23 Na pesquisa realizada no Acer- dente e se apresenta no título que aparece homem tenha conseguido atravessar vivo e
vo Literário de Erico Veríssimo
esse material não foi encontra- na folha de rosto: As Aventuras de Tibi- rijo mais de quatrocentos anos. Mas estou
do, bem como a primeira edi- certo de que, após a leitura do capítulo
cuera, que São também as Aventuras do
ção do livro ou qualquer outra
documentação mais específica Brasil. Na capa da edição de 1937 (e tam- intitulado ‘O segredo do pajé’, todos vocês
sobre sua produção: notas,
rascunhos, desenhos. Agrade- bém na daquela que utilizo), aparece uma aceitarão o fato e, mais, hão de fazer o
ço a Mônica Karawejezyz, que chamada: “A luta de três raças para formar possível para seguir os conselhos do feiti-
me auxiliou no levantamento em
Porto Alegre. uma nação e realizar o seu destino”. Im- ceiro a fim de vencer o tempo e a morte”.

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Fica-se então logo sabendo que o mis-
tério de Tibicuera era uma certa fórmula
mágica de lidar com o tempo. O tempo que,
como em outro capítulo se afirma, “é mes-
mo uma coisa muito relativa” (p. 76). Tan-
to é que “cem anos são cem dias na vida de
um povo…”. O tempo, portanto, tem velo-
cidades diferentes e pode ser vivido de for-
mas diversas. O tempo pode “passar” em
ritmos distintos para uma pessoa ou para
um povo. O muito tempo ou o pouco tempo
para se fazer algo pode depender. Assim, ir
do Rio de Janeiro a Porto Alegre demora
quanto tempo? Depende dos meios de trans-
porte: pode demorar dias ou horas. Dias Tibicuera é o único personagem da his- Ilustração do
pode ser pouco tempo no século XVII e tória. Todos os demais são figuras históri-
horas pode ser muito tempo em meados do cas “reais”, com as quais ele interage. E
capítulo 8,
século XX. Ou seja, viajar com Tibicuera elas são muitas, como se pode imaginar por intitulado
pelos 400 anos da história do Brasil não é um percurso tão longo. Entre todas, apenas
“Velas no Mar”
algo trivial, e só aparentemente tem o curso uma delas ganha relevo especial: Anchie-
de uma narrativa linear que começa antes ta. Tibicuera é, assim, um testemunho vivo
de 1500 e acaba em 1942, um ano que es- das aventuras que narra, sendo esse seu
tava no futuro, pois o leitor da 1a edição maior argumento de autoridade. De uma
vivia em 1937. maneira geral, o texto é uma narração de
Mas uma das razões que ajudam a en- eventos dos quais Tibicuera participou di-
tender os vários tempos dessas aventuras retamente, assistiu ou ouviu falar. Nesse
de Tibicuera liga-se ao fato de elas serem sentido, o relato vai situando o que aconte-
contadas por ele mesmo, na primeira pes- ceu na chave da memória: os eventos são
soa do singular. Dito de outra forma, esse relembrados e também “relativizados”, em
é um livro de memórias que, como todas as função de vivências ocorridas depois que
memórias, assume a perspectiva de um eles transcorreram. Um jogo de tempos
Ilustração do
presente que reconstitui o passado sob sua entre passado reconstruído e presente da
ótica. Esse fato é fundamental. Ele esclare- narrativa que não é escamoteado pelo au- capítulo 12,
ce que Tibicuera é, ao mesmo tempo, o tor/ator, muito pelo contrário. Trata-se de intitulado “A
narrador/autor e o principal personagem/ um jogo de tempos montado como um exer-
ator da história. Nela há, portanto, um tem- cício pedagógico de primeira ordem. Atra-
História É uma
po presente do narrador, que “começa e vés dele, Tibicuera/narrador pode his- Maravilha”
acaba” no ano de 1942, quando Tibicuera é
um homem branco que mora no bairro de
Copacabana, e um tempo da narração, de
um passado reconstruído que abarca quatro
séculos, nos quais Tibicuera vive, quer di-
zer, se transforma. O espaço no qual as aven-
turas ocorrem é meio vago, comportando
deslocamentos sucessivos, conforme se faz
a conquista e a defesa do território que viria
a ser ou que já era o Brasil. Esse espaço atua
como uma espécie de cenário, que incorpo-
ra a natureza e paisagens urbanas, permitin-
do que os acontecimentos sejam situados,
esses sim, com datas precisas.

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24 A análise que se segue muito se toricizar crenças, costumes e valores de como ele mesmo reconhece na página 47 do
beneficiou do trabalho de
(Kókot, 1997). Tibicuera/personagem, materializando essa livro, ao olhar pela janela de seu apartamen-
25 Não vou enumerar os títulos e operação histórico-antropológica para seu to de Copacabana, contemplar a calma dos
autores de livros que Tibicuera leitor infantil. banhistas e se lembrar das lutas contra os
leu. São muitos e constituem a
indicação de uma biblioteca A estratégia narrativa utilizada para franceses e da triste morte do fundador do
infanto-juvenil muito interessan-
te, posso garantir. Fica então a
marcar essa distância é, com freqüência, a Rio de Janeiro, Estácio de Sá. “A vida é assim
sugestão. do uso de parênteses, que sinalizam a “mu- mesmo. Depois, nem todos podem ter a
dança” do tempo e a presença das reflexões minha memória…”. Só que, na página se-
do autor sobre o personagem (24). Com guinte, ele mesmo reconhece: “Agora vem
isso, Erico Veríssimo obtinha um certo um período meio nevoento de minha vida.
efeito sobre o leitor, aproximando-o da Não me lembro do que fiz, do que pensei, do
perspectiva do narrador e distanciando-o que senti”. Tibicuera não tem o sonho de
da do personagem, que era “afastado” no Funes, o memorioso, personagem de Jorge
tempo. Um único e exemplar trecho ilustra Luís Borges. Sua memória é seletiva, não
a operação. No capítulo 6, “A Vitória”, registra tudo o que se passou e, nessas cir-
Tibicuera está escrevendo sobre sua pri- cunstâncias, recorre a ajuda preciosa:
meira guerra, experiência que o afirma
como adulto e guerreiro, diante dos seus e “A História me conta que após a expulsão
de si mesmo. dos franceses o governo de Lisboa resol-
veu dividir o Brasil em dois governos, – o
“[…] Surgiu um índio forte na minha fren- do Norte e o do Sul. […]
te, levantei o tacape e dei o golpe. Pan! O Eu nem conto a vocês o nome dos governa-
inimigo rolou. dores do Brasil naqueles anos entre 1591 e
(No momento em que descrevo esta cena, 1613. Foram tantos e fizeram tão pouco...
estou no ano de 1942. O meu rádio noticia Fizeram pouco – devo esclarecer – porque
vôos estratosféricos, conta maravilhas da estavam cercados de perigos, sujeitos aos
televisão. E a um anúncio de sabonete se- ataques dos índios e dos piratas estrangei-
gue-se uma sinfonia de Beethoven. Olho ros. Faltavam-lhes vias de comunicação. O
para minha máquina de escrever portátil e território era grande demais. O diabo qui-
para minhas mãos agora cuidadas e custa- sesse governar o Brasil!” (pp. 48-9)
me acreditar que estas mesmas mãos já
Detalhe do
empunharam armas brutais, já feriram, já Quer dizer, há períodos em que, não sen-
capítulo 55, derrubaram cabeças... Estremeço de leve. do possível lembrar, um outro tipo de nar-
intitulado Toco a campainha. Peço um chá ao meu rativa precisa ser mobilizada. A narrativa
criado e continuo a descrever a minha pri- histórica, diferente da memorialística, per-
“Voluntário no meira guerra.) mite condensar grandes períodos de tem-
Prata” Apareceu outro goitacá. Pan! A mesma po, que não se deseja desenvolver. Nesses
coisa. Todos caíam. A casos, os eventos se ampliam e são siste-
minha arma zunia no ar matizados num tempo mais longo e mais
sem descanso e sem distante do leitor. Quem faz essa operação
piedade” (p. 11). é a história que se aprende nos livros, que
Tibicuera lê ao longo de sua vida, cada vez
Olho para o meu mais e melhor, tanto que se tornou o autor
computador. Não te- de suas próprias aventuras (25). Por isso, no
nho criado para pedir capítulo 12, ele dá duas sugestivas defini-
chá (coisa de inglês). Já ções de história: “É a narrativa da aventura
se passaram 60 anos ou do Homem no Mundo. É um romance de
seriam 60 dias? Conti- aventuras que se passa na Terra e tem como
nuo me aventurando personagem principal a Humanidade”.
com Tibicuera, que tem Romance, aventura do Homem, com H
memória prodigiosa, maiúsculo. Tibicuera/narrador gosta de

128 REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 116-133, setembro/novembro 2003


história a seu modo, um modo mais praze- panhando o príncipe Pedro, o filho de Dom
roso e que reconhece que o saber, como João, em uma viagem a São Paulo, em perío-
tudo, também se constrói e reconstrói com do de tensões entre Portugal e o Brasil. Sen-
o tempo. Por isso ele afirma: do breve, assistiu ao grito do Ipiranga, nome
de um riacho inexpressivo, que continuou a
“Mas seja como for, a História é uma ma- correr sem entusiasmo, ignorando que tinha
ravilha. se tornado célebre (p. 99). De volta ao Rio,
A gente pára no meio da rua e grita: cheio de laços verdes e amarelos, se deu
— Quem foi que descobriu o Brasil? conta da atuação do ministro José Bonifácio
O garoto que está vendendo jornais levanta de Andrada e começou, pela primeira vez, a
o dedinho e grita: duvidar da força dos músculos e “pensar na
— Foi ‘seu’ Pedro Álvares Cabral! força do miolo”. Assim, quando agradeci-
No entanto, eu Tibicuera, guerreiro da taba do, D. Pedro lhe perguntou:
tubinambá, homem de trinta anos, não sa-
beria responder a essa pergunta no próprio “— Tibicuera, pede o que queres…
ano de 1500! … respondi:
E o Brasil por assim dizer tinha sido desco- — Um professor.
berto a poucos palmos do meu nariz…” O príncipe ficou surpreendido. Eu tam-
(pp. 22-3). bém…”.
Detalhe do
Tibicuera é um exímio narrador. Ele Momento decisivo. Independência as-
capítulo 41,
deixa claro para o leitor que os participan- sociada à reflexão, à figura do professor,
tes de uma história podem “vivê-la” de aos livros, aos quais Tibicuera irá se dedi- intitulado “A
forma muito diferente (até sem saber o que car, ao menos em dois capítulos inteirinhos Cabeça Posta
estão vivendo), e que essa mesma história (o 48 e o 63). Os livros integram de fato as
pode ter novas narrativas através do tem- aventuras de Tibicuera. Neles, também no Poste”
po. Ele sabe articular bem história e memó- viaja sem sair do lugar. Tanto que comenta,
ria, história e ficção; sabe dosar descrições ao ler os autores do Romantismo: “Confes-
e narração, enfim, sabe fazer a crônica dos so que os adorei. Lendo o ‘Guarani’ de José
acontecimentos da “formação” (palavra de Alencar eu me revi no índio Peri, herói
muito em moda em 1930) do Brasil, com da história. Quando li ‘As Minas de Prata’
imaginação. Por isso, também tem uma e ‘Iracema’, do mesmo autor, senti uma
estratégia para destacar um exato momen- vaga saudade da minha vida de aventuras”.
to, colocando o leitor em cena, fazendo-o, Uma boa deixa, afinal, para uma questão
digamos, entrar no clima do livro. São pou- básica dessa história. Afinal, quem é Detalhe do
cos os episódios em que faz isso, afastan- Tibicuera?
capítulo 27,
do-se da narração propriamente dita, que Bem, segundo ele mesmo, um indio-
domina o texto. Nesses casos, geralmente zinho que nasceu fraco e feio em uma taba intitulado
momentos de grande importância históri- tubinambá, antes do Descobrimento do “A Segunda
ca, alguns diálogos são construídos. Dois Brasil, que aconteceu debaixo de seu nariz,
deles são muito ilustrativos. como sabemos. Um nascimento difícil, pois
Invasão”
Por causa de uma dor de dente, título de seu pai chegou a pensar em sacrificá-lo, (holandesa)
um capítulo, Tibicuera conheceu e se tor- jogando-o ao mar:
nou amigo de Tiradentes. Veio com ele ao “– Filho fraco. Não
Rio a serviço da “revolução” (p. 84), perce- presta para a guerra”
beu que os seguiam e estava com ele quan- (p. 1). Mudou de
do de sua prisão. Nesse instante, numa tro- idéia, e o indiozinho
ca rápida de palavras, ouviu seu grito de acabou recebendo o
mártir: “Foge Tibicuera!”. Ele fugiu, mas nome de Tibicuera,
não se esqueceu do sonho dos inconfiden- que quer dizer “ce-
tes, tanto que, tempos depois, acabou acom- mitério”. “O nome

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sentava bem. Eu era magro e chorão” (p. ganar” o tempo e a todos que desconheciam
2). Ou seja, um começo de história triste, seu segredo. Era o Fantasma, herói de uma
nada animador, além de intrigante pelo revista de quadrinhos publicada no Brasil,
nome do personagem: cemitério, lugar dos desde 1936 (26). O Fantasma vivia nas sel-
mortos. Cruz credo! Mas, contrariando to- vas da África, morava numa caverna e usava
das as expectativas, Tibicuera cresceu e se sempre a mesma roupa, lutando pela ordem
tornou um bravo e forte guerreiro, como se e justiça na floresta. O Fantasma se perpe-
viu pelo desempenho que teve em sua pri- tuava através de seus filhos e netos, perpe-
meira guerra. Só que, antes disso, ele apren- tuando assim os ideais pelos quais comba-
deu um segredo do pajé, para o qual Erico tia. Tibicuera era meio Fantasma e, para nós,
Veríssimo chama a atenção do leitor desde do século XXI, meio Forrest Gump, aquele
a apresentação. O segredo podia fazer com personagem vivido pelo ator Tom Hanks,
que aquele índio tão sem esperanças se que estava nos lugares certos e nas horas
tornasse verdadeiramente forte e imortal. certas, conhecendo Deus e todo mundo (e
agradando), apesar de aparentemente inep-
“Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera to e desprotegido (27).
pode iludir a morte. O remédio está aqui. Bem, Tibicuera são muitos, mas ele
[…] – Está no espírito. […] Os filhos de nasceu índio. Essa foi a “raça” de origem
Tibicuera continuam. O espírito continua: escolhida por Erico Veríssimo, que lutava
a coragem de Tibicuera, o nome de contra os preconceitos de raça e classe,
Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é a como declarou na rádio, em 1938. Uma
continuação do pai. E teu filho terá outro escolha que tinha longa tradição, como o
filho e teu neto também terá descendentes próprio Tibicuera aponta ao ler José de
e o teu bisneto será bisavô dum homem que Alencar, um literato que se dedicou ao ro-
continuará o espírito de Tibicuera e que mance histórico, gênero que se afirmou no
portanto ainda será Tibicuera. O corpo século XIX (28). Um gênero de grande po-
pode ser outro, mas o espírito é o mesmo” pularidade no Brasil e no mundo, capaz de
(p. 21, grifos de Tibicuera/autor). narrar episódios da história de um país por
meio de tramas e personagens bem cons-
A mágica do tempo, assim podemos truídos, ancorados na ficção e figurando
chamá-la, é simples e fantástica. Tibicuera um “tempo passado”. Um gênero que era
não é uma pessoa singular. Ele é um indiví- “adaptado” à literatura infantil, principal-
duo coletivo, e por seu nome de família tra- mente por meio das biografias e dos relatos
duz sua permanência no tempo. Uma conti- de viagem e aventuras. Crianças, mas não
nuidade que lhe permite representar o povo apenas elas, desejam e precisam ter heróis:
brasileiro, cheio de famílias, cheias de fi- “homens superiores”, capazes de vencer de-
lhos, netos, bisnetos, etc. A afinidade entre safios e ameaças, recorrendo à força, à in-
26 Essa aproximação é feita por
Rostand Paraíso, um médico os fenômenos modernos do individualismo teligência, à ajuda sobrenatural, à ajuda dos
cardiologista pernambucano,
leitor de Tibicuera na infância e do nacionalismo é conhecida pelos estu- poderosos, não importa. O livro de
(“Tibicuera”, in Jornal do Co- diosos de ciências sociais, e a eficácia da Tibicuera era tudo isso: a vida de um herói
mércio, Recife, 22/2/1993.
Acervo Literário de Erico encarnação do coletivo em um indivíduo de aventureiro, que viajava no tempo.
Veríssimo, Ø 3C137 Ø-93).
carne e osso (real ou fictício, não importa), Ele tinha muitos ascendentes, pois o
27 O filme Forrest Gump é de também. Nesse caso, Tibicuera é o indiví- índio talvez seja a mais consolidada figura-
1994 e foi dirigido por Robert
Zemeckis. duo, a família e o povo brasileiro, que vive ção do mito de fundação nacional, no Bra-
28 Vale aqui a observação de suas aventuras, usando a força física e a do sil. Para tanto, o movimento romântico
Zilberman (2000, p. 34) sobre
o romance histórico como ten- miolo, durante 400 anos. Como tal, ele se muito contribuiu, através de várias formas
do “a capacidade de articular propõe a fazer a conexão entre passado, pre- de expressão artística (29). Na literatura,
passado e presente, unindo fi-
guras míticas e históricas, para sente e futuro, possibilitando que a eternida- além de José de Alencar, Gonçalves de
refletir sobre a atualidade e Magalhães (com Tibiriçá) e Gonçalves Dias
de possa ser imaginada e até acreditada.
tomar posição diante dela” .
E Tibicuera tinha, na época, ao menos (com I-Juca Pirama). Nas artes plásticas,
29 Sobre o tema ver: Schwarcz,
1998, capítulo 7. um semelhante que também conseguia “en- os pintores Victor Meirelles (A Primeira

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Missa) e Amoedo (O Último Tamoio) são “Relendo agora o que escrevi, vejo que mi-
imbatíveis. Na escultura, para não haver nhas aventuras foram uma sucessão de
dúvidas, Chaves Pinheiro elaborou uma guerras, cenas doidas, conspirações, corre-
peça cujo nome é Índio Simbolizando a Na- rias e brutalidade. Confesso que gostei de
ção Brasileira (1872). Uma tradição em tudo isso e que sempre lutei com muito
que o índio é uma figura indistinta da natu- prazer.
reza (território e povo se confundindo), tra- Hoje sou um homem civilizado e sereno
duzindo as virtudes físicas – força e beleza que não gosta de ver sangue, que não pra-
– e morais – coragem e bravura –, que devi- tica a violência e que procura ter boa von-
am ser guardadas, através do tempo, pelo tade, tolerância e compreensão com o pró-
povo brasileiro. Uma tradição com raízes no ximo” (p. 130).
Império, que a República recolheu, retoman-
do a figura do índio em outra chave: a do Dir-se-ia que o herói mudou completa-
índio “de verdade”, fotografado e até filma- mente. Mas não sei não… O Fantasma tem
do. É esse “outro” índio que se tornará a mesma roupa/pele pela qual é reconheci-
crescentemente conhecido e divulgado por do através do tempo. Tibicuera troca de
figuras como Rondon, tornando-se alvo das roupa, carrega uma cruz no peito, mas
preocupações da população e do Estado, que mantém o mesmo nome que o identifica.
então cria o Serviço de Proteção ao Índio. Ele cresceu, se casou, teve filhos, se con-
Ora, os índios românticos são, como verteu ao catolicismo, lutou muitas lutas,
Iracema mostra tão bem, uma imagem idea- estudou em muitos livros, viajou por mui-
lizada da nação, expressa por seu sacrifí- tos lugares e, principalmente, viveu em
cio. São “os que devem morrer” para que o muitos tempos. Mas ele não abandonou
Brasil venha a existir. Tibicuera não é as- valores, não renegou seu passado. Ao con-
sim; é um índio “de verdade”. Tanto que trário, passou a melhor compreendê-lo. E
ele aprendeu a ser imortal, porque apren- fez tudo isso com o mesmo nome. Bem que
deu a se transformar. Nasceu índio antes de Anchieta, a única figura histórica que se
1500, mas é um homem branco, urbano, torna meio personagem do livro, pelo exem-
culto e sofisticado, em 1942 (toma chá, plo que dá ao índio e pela afetividade que
gosta de música clássica, pintura, etc.). Uma este lhe dedica, tentou. O momento é estra-
mudança que lembra outra tradição literá- tégico. Tibicuera vira a morte de perto e
ria de figurar o índio: a modernista de Mário fora salvo pelo jesuíta. Converte-se e é
de Andrade, pois também há a dos verde- batizado. Anchieta quer lhe dar um nome
amarelos, que os tomam em matriz distinta cristão, como convinha (Peri recebeu um
(30). Como o inverso de Peri, Macunaíma nome assim): João, Tomé ou Pedro. A rea-
muda de cor, pintando-se de cores e tor- ção foi imediata:“Supliquei-lhe que me
nando-se mestiço. É também um herói conservasse o nome antigo. Eu me lembra-
muito especial, pois ao longo de suas aven- va das palavras do pajé: ‘e o neto do neto de
turas assume diferentes posturas e compor- Tibicuera ainda será Tibicuera’” (p. 39).
tamentos, o que permite sua identificação Católico, passo essencial para o proces-
como um herói “sem caráter”. Já Tibicuera so de civilização, mas com nome índio. E
tem muito caráter e por ele se orienta du- dando seguimento a sua longa vida, em
rante todo o percurso da história de sua vida, algum momento não localizável no tempo,
que é a vida do Brasil. Ele não é como Tibicuera torna-se branco, mas em nenhum
Macunaíma, nem quando Macunaíma é ponto da história torna-se negro. É verdade
criança e índio, nem quando é adulto e bran- que ele mora no quilombo dos Palmares e
co. Mas é fato que Tibicuera também se atesta a coragem e a capacidade de organi- 30 Vale lembrar que a saudação
transforma ao longo do tempo: civiliza-se zação dos escravos que fugiam de seus dos integralistas, que Erico
Veríssimo temia, era “Anauê”,
e progride, como o Brasil vinha tentando donos. Mas é nessa dimensão que o negro uma palavra indígena. Plínio
fazer e, nos anos 1930, acreditava que es- está presente, que ele se incorpora à histó- Salgado era o grande chefe
tanto dos verde-amarelos,
tava perto de conseguir. ria. E é essa operação que Tibicuera/povo quanto dos integralistas.

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brasileiro evidencia: a de um acúmulo de são escritas, ainda estava governando o
possibilidades, de misturas de identidades, Brasil, mas como presidente constitucio-
embora com hierarquias. Esse é um dos nal, é bom lembrar. A história de Tibicuera
segredos de Tibicuera. Ele guarda seu nome, tem bem mais momentos agradáveis do que
guarda a memória de suas muitas vidas, até desagradáveis, caso contrário, Murilo Men-
com uma certa nostalgia. Talvez por isso des e os demais membros da CNLI não lhe
possa escrever sobre ela, com sucesso, em teriam dado o prêmio. Mas há momentos
1942. Na verdade, já fizera uma tentativa pouco agradáveis, capítulos 62 e 66, quan-
antes, quando foi internado num hospício, do o narrador sistematiza muitas informa-
como louco, exatamente porque contara sua ções em quadros e listagens que interrom-
história. Impossível não lembrar de Lima pem o fluxo da narrativa. No geral, porém,
Barreto e de “seu” Policarpo Quaresma, Tibicuera é um Fantasma-Forrest Gump
propondo o tupi como língua nacional e muito interessante. E não porque inove ou
sendo considerado louco. Contudo, é bom discuta as interpretações então vigentes
lembrar, Tibicuera fala e escreve português, sobre a história do Brasil. Afinal, Tibicuera/
uma língua que perpassa seu processo de autor não era historiador de ofício, nem
transformação através do tempo (31). pretendia ser. Era um romancista, leitor da
As Aventuras de Tibicuera são ponti- historiografia da época, que destacava os
lhadas de alusões, explícitas ou implícitas, episódios de conquista do território; consi-
a textos literários e a seus autores, bem como derava a escravidão um mal que viera re-
a pintores, etc., além das figuras históricas solver um problema, mas lamentavelmen-
que contracenam com Tibicuera. Tais fi- te durara muito; que valorava a herança
guras não surpreendem. São as encontra- portuguesa e reconhecia a contribuição de
das nos livros de história do Brasil. Elas índios e negros, embora destacando muito
também não fazem nada de muito diferente pouco a dos últimos. Enfim, uma
do que os manuais do período diziam que historiografia que vinha ganhando espaço
fizeram. Nesse sentido, a sucessão de acon- desde início do século XX, e que, nos anos
tecimentos, que começa por volta do capí- 1930, servia-se das brechas abertas pelo
tulo 20, é absolutamente corrente e está no Estado que se centralizava e desejava im-
programa oficial (32): as invasões france- plementar uma política cultural que dava
sas e holandesas; as bandeiras; a escravi- destaque a uma cultura histórica (33).
dão e os quilombos; a Inconfidência; D. As Aventuras de Tibicuera se encaixam
João VI; a Independência; a Regência; a bem nesse conjunto de produtos culturais
Guerra dos Farrapos (o autor era gaúcho); que dão destaque à história do Brasil, na
a Guerra do Paraguai; a Abolição da escra- chamada Era Vargas. Também é um livro
vatura; a Proclamação da República e os adequado à preocupação dominante de
31 No ano de 1938, o ministério
Capanema desencadeia uma
governos que se seguem, até 1930. expandir o ensino além do primário, volta-
política que se torna conheci- do que é para crianças de mais de 10 anos.
da como de nacionalização do
ensino, que exigia que o portu- “No momento em que resolvo pingar um Não diferindo muito dos livros didáticos,
guês fosse língua obrigatória, ponto final às minhas aventuras, quem go- no que dizia respeito ao conteúdo da narra-
bem como o ensino da história
e da geografia pátrias. Tal ori- verna o Brasil é Getúlio Vargas. tiva, deles se afastava completamente pela
entação atingiu em cheio as
escolas de núcleos de imigra- Mudei-me em 1930 para Copacabana. Para forma como narrava, pela construção do
ção, principalmente nos esta- o apartamento do arranha-céu onde estou enredo, dos personagens. Embora eles fos-
dos da Região Sul, sendo mui-
tas delas fechadas nessa épo- escrevendo esta história. Esta história que sem quase os mesmos, comportavam-se de
ca.
não sei se saiu boa ou má, agradável ou de- forma diferente. Falavam, tinham sentimen-
32 O programa então vigente era sagradável. Esta história que durou mais de tos, dúvidas. Enfim, eram pessoas reais. O
o de 1931, relativo à história
da América e do Brasil. Have- 400 anos e cento e poucas páginas” (p. 149). livro permitia, dessa forma, um aprendiza-
ria mudança em 1940 e 1942,
esta relativa à reforma Capa- do gostoso, o que não é pouco para quem
nema, que deu maior importân- Erico Veríssimo não se mudou para o desejava ensinar as crianças a conhecer e
cia à história do Brasil.
Rio em 1930, mas Getúlio Vargas sim, e, amar o Brasil, independentemente de regi-
33 Sobre cultura histórica ver:
Gomes, 1996. em 1937, quando as cento e poucas páginas mes políticos que pudessem estar a governá-

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lo. Esse talvez seja o segredo da imortali- Depois disso, mais surpresas e aventuras,
dade de Tibicuera. pois Tibicuera certamente deve ter pintado
Aliás, pensando bem, chego a me per- sua cara de índio e saído às ruas pedindo o
guntar se suas aventuras se encerraram de impeachment de Fernando Collor. Durante
fato em 1942. Afinal, eu mesmo o conheci essas muitas décadas, ele continuou lendo,
nos anos 1950 (34). Nesse caso, aposto que ouvindo música, indo a teatros e assistindo
participou da campanha do “Petróleo é a televisão. Em 2003, continua em seu apar-
nosso”, ficou abalado com o suicídio de tamento de Copacabana, aguardando o de-
Getúlio Vargas e deslumbrado com a cons- sempenho do presidente da República do
trução de Brasília, lá no sertão. Dúvidas Brasil que veio da classe trabalhadora. 34 Como leitora de Tibicuera em
minha infância, nos anos
devem ter assomado à sua mente quando Afinal, um símbolo de transformação do 1950, guardei dele uma boa
do movimento militar de 1964. Dúvidas país. Enquanto espera, lê o jornal O Globo, lembrança. Já estudante de gra-
duação de História na UFF,
que se transformaram em angústias nos anos informando-se e divertindo-se com os arti- encontrei-o em uma livraria, no
1970, e que se dissiparam quando da gos de Villas-Boas Correa, João Ubaldo centro do Rio. Fiquei feliz,
comprei e guardei o livrinho. É
redemocratização do país, nos anos 1980. Ribeiro, Luiz Fernando Veríssimo, etc. com ele que escrevo agora.

BIBLIOGRAFIA
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