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I —INEDITOS 1. ACONCEPCAO HISTORICA DE VON MARTIUS Amo Wehling”? Por queo pensamento historico de um botanico, que escreveu basicamente dois pequenos textos a respeito de temas sociais, um sobre a escrita da hist6ria, outro sobre a concepeiio do direito nas comunidades indigenas do Brasil, revela-se importante e até polémico? Na resposta a esta pergunta, procuraremos considerar as diferentes visdes sobre seu pensamento, suas possiveisfiliagdes intelectuais e suas idéias sobre 6 process histérico, o conhecimento histdrico e a historia do Brasil. 1. Von Martius: as miltiplas visies Os contempordneos tiveram em geral em alta conta Karl Friedrich Phillip Von Martius. No concurso em que sua monografia sobre Como se deve escrever a historia do Brasil foi premiada, 0 parecer de Francisco Freire Alemao Considerava o texto um modelo para quando fosse possivel elaborar um obra de tal envergadura.' O cénego Januario da Cunha Barbosa, secretirio do Instituto Historico ¢ Geogréfico Brasileiro, em carta de 12 de agosto de 1843 a Von Martius, afirmou que «a sua meméria foi considerada como farol de uma histéria, que dara honra ao sibio que @ empreender”. Joaquim Manuel de Macedo, como orador do IHGB, fez seu elogio em 1869, destacando que um de seus bidgrafos o chamara «conquistador intelec- tual do Brasil»®. (*) I Vice-Presidente do THGB. (1) Froncisco Freire Alemso, Parecer, in Revista do Instituto Histérico e Geogrifico Brasileiro, 4, 1843, p. 345 (2) Januério da Cunha Barboss, Carta de 12 de agosto de 1843, n Arquivo do THGB, pasta Von Martius. {@) Joaquim Manuel de Macedo, in Max Fleiuss, 0 centendrio de Martins, n Kart FP. Von Martiis, O ertado do diretto entre os autéctones do Brasil, Sto Paulo, Edusp, 1982, p.3. RUIRGB, Riode Janeiro, 155(385):721-731, out.ltes. 1994: ma Arno Webling Varnhagen reconheceu-Ihe os méritos, embora lembrasse que fora menos influenciado por Von Martius do que se propalava.* Na geragio seguinte, a critica, negativa e contundente, partiu de Silvio Romero, Por ela, tomamos conhecimento da extensa influéncia do pensamento historico de Von Martius na segunda metade do século XIX. O critico sergipano comega por inventariar a alegada influéncia do autor: Gongalves Dias teria seguido sua tese de os indigenas serem a decadéncia de tum antigo sistema cultural; Varnhagen, a tese do reduzido nimero de indigenas no Brasil; Jogo Francisco Lisboa, a da forga municipal; Joao Ribeiro, a da divistio do Brasil em «zonas histricas»; Capistrano de Abreu, a da importancia dos primeiros caminhos usados pelos povoadores, o proprio Silvio Romero, a das diferentes contribuicdes de portugueses, indios ¢ negros na formagio brasileira. Ora, diz Silvio Romero, em seu tom polémico habitual, todas estas teses cram «coisas trivialissimas». Sua contribui¢do para a hist6ria era muito secun- daria; s6 a Flora brasiliensis tinha importinciaS A critica fuleral de Silvio Romero concentra-se em dois aspectos. Em Primeiro lugar, Von Martius escrevia como «obreiro da dissohugao» do Brasil, ao chamar a aten¢do para as diferengas regionais. Ao contrario, diziao critico, a0 historiador caberia destacar a unidade nacional evidentes na lingua e no folclore, «amesmos em todaa parte», escrevendo a histéria como desdobramento «da natural evolugao de um carditer étnicon.® Além disso, a «mistura de ragas», vista como positiva pelo naturalista, foi atribuida ao atraso cientifico de Von Martius. Para Silvio Romero, fundamento na antropologia racioldgica e racista de Gobineau, Amon ¢ Vacher de Lapou- ges, estaria provado que a miscigenaco geraria apenas «bastardos infecun. dos».” As posiges do autor criticado explicavam-se pela influéncia das «fantasias» de Rousseau sobre o bom selvagem.8 Silvio Romero via nas idéias histéricas de Von Martius, enfim, trés erros: a afirmagao do reduzido nimero de indigenas, estes como iiltimos elementos (Francisco Adolfo de Vamtagen, Carrespondéncia ativa, Rio de Janeiro, INL, 1963, p 172. (5) Silvio Romero, Histériada literatura brasileira, Rio de Janeito, José Olimpio, 1943, vol V, p. 134. (6) Idem, vol. V. p, 139, (1) Idem, vol. V.p. 143. (8) idem, vol, V,p. 145. m2 BR LHGB, Rio de Janeiro, 155 (385):721-731, out /dez. 1994, — A.concepeao histérica de Von Martius da queda de uma grande cultura ¢ & orga das instituigdes municipais. Via também trés «lacunas de exposigdon: a divisdo ‘do Pais em «zona historicas», aavminhos para ointeriorea contribuige das diferentes ragas para. formagio do Brasil.” ‘A critica, violenta como tantos ‘outros juizos de Silvio Romero, ef uma evidente leitura cientificista e particularmente ‘evolucionista, do texto de Von Saris, considerando o que hoje chamamos como teferencial te6rico deste como arama e ultrapassado. Ademais, a critica fo injuste, Porte © proprio Von ined ag tepras rousseaunianas sobre o cesiado da Tats Stee defendeu a tese centralizadora da unidade brasileira e nfo a da dissolugao, apenas defengeado o aspecto multifacetado da formagao brasileira. destas criticas, Von Martius continuou referéncia obrigatoria. ‘Teodoro Sampaio destacou suas contribuigdes para a peografia, ‘a etnografia a lingiiistica, além daquelas das ciéncias naturais.'” Max Fleiuss escreveu panegiricamente sobre ele a propésito do centenario da Viagem ao Brasil e da Pra O estado entre os autéctones do Brasil." Gilberto Freire classificou estas obras entre as fontes «boas ¢ honestas» sobre o Brasil? José Honério Rodrigues destacoy no texto sobre a historia do Brasil a concepgao conservadora € monarquista.'® Pedro Moacir Campos procurou encontar neste text0 influéncias histo- riograficas, apontando como possiveis —ja que o autor nao cita historiado- riograline de Thierry, de quem teria aprendido a importancia do «encontro de ragas» dominadas e dominantes, as de Guizot, Thiers e Mignet, associan- Go a defesa da liberdade burguess, feita por estes autores, ds posigdes de do a Martius sobre a tolerdncia para com indios © negr™ © a defesa da monarquis ‘onstitucional e, finalmente, ade Michelet, a propésito do quadro eografico frances." A conclusao do autor é que Von Martius, a despeito fe sua formacdo germanica, foi «veiculo da influéncia francesa no degenvolvimento cultural brasileiro» ."” SS (9) Idem, vol. V., p. 162. Wilson’ Martins, a propdsito da critica de Silvio Romero, afirma: wipaginas de insigne mé-fé e curt inteigencia, esis PoY ‘Silvio Romeson; Histéria da ineligncia brasileira, Sio Paulo, Cultix, 1979, vol. Il, p. 285. (10) Teodoro Sampaio, ‘Os naturalistas viajantes dos. Séculos XVIII e XIX, apud Max Fleiuss, op. cit, p- |. (11) Max Fleiuss, op. cit, p: 158. (12) Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala, Rio de Janeiro, José Olimpio, vol. 1, p. 53. (13) _ José Honério Rodrigues, Histria da histéria de Brasil, Sto Paulo, CEN, 1988, p. 40. (18) Pedro Moacir Campos, Um naturalist ¢ a hstria, n Revisia de Historia, S80 Paulo, Universidade de Sf Paulo, 87, 1971, p. 245-246. (15) Idem, p. 248. RIGB, Rio de Janeiro, 155(385):721-731, outides 19% m3

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