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A R T E

1. Newton Carneiro

2. Adalice Araújo
M A R I A N O D E L I M A E O E N S I N O D A S A R T E S EM C U R I T I B A
Newton Carneiro

A capital paranaense, mais do q u e Porto Alegre ou S. Pau-


lo, s o f r e u e evidencia a influencia que a imigraçao européia
exerceu sobre as artes e o sentimento estetico da populaçao.
Silva Bruno e Afonso de F r e i t a s confirmam-no, no caso da capi-
tal paulista, ao cara ter izarem a pertinaz resistencia que a
formaçao luso-colonial ofereceu aos n o v o s modelos artísticos;
o que é igualmente corroborado por Teodoro Sampaio ao s i t u a r a
transformaçao da cidade só no final do século. Porto Alegre
também prefere manter-se fiel ã velha inspiraçao lusa, regis-
trando-lhe os h i s t o r i ó g r a f o s a reaçao que despertou a iniciati^
va do G o v e r n a d o r Soares de A n d r é a , em 1850 ,ao c o n t r a t a r arqui-
tetos europeus para "modernizarem o estilo da cidade".

Em trabalho publicado por ocasiao do centenario da emanci-


pação do P a r a n á , p r o c u r a m o s mostrar as razoes desse impacto;
motivado, sobretudo, pelo elevado numero de artesaos aqui che-
cados na segunda metade do s é c u l o passado, contrastando com o
inexpressivo conjunto de p r o f i s s i o n a i s da terra.

Curioso é que tenha sido precisamente um p o r t u g u ê s o maior


divulgador do g o s t o ita1 o - g e r m a n i c o que prevaleceu entre nós,
na ú l t i m a m e t a d e do s é c u l o passado.
Como de e v i d e n t e influencia europeia via imigraçao, devem
ser considerados não só o n e o - c l a s s i c o tardio que inspirou as
construçoes curitibanas entre 1850 e 1890, como o mobiliário,

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a composição tipografica e litografica, a escultura, assim co-
mo todo o desenho d e c o r a t i v o . De resto, também o vitoriano e o
neo-napoleonico, que se exprimem pelo novo gotico e o novo re
n a s c i m e n t o , de que C u r i t i b a ainda oferece expressivos exemplos
arquitetônicos; o primeiro orientando os construtores alemães
e o segundo i n s p i r a n d o , s o b r e t u d o , os i t a l i a n o s , na forma das
suas tendências de origem. No ano de 1852, jã a C a m a r a de Curi
tiba registra 52 novas e d i f i c a ç õ e s , das quais 10 são de ale-
maes .

Também proveio da E u r o p a o e c l e t i c i s m o , com i n c l i n a ç ã o pa-


ra a m o n u m e n t a l i d a d e , de que a Exposição Universal de P a r i s , a
b e r t a em 1889, dã o m e l h o r testemunho. Aqui ficaram alguns dis
cretos exemplares desse m o d e l o , já todos postos abaixo. Indis
cutivelmente o projeto da E s c o l a de Belas Artes sofreu-lhe a
influência, como se pode constatar pela ilustração.
A ultima etapa dêsse processo é o movimento chamado de Ar-
te N o v a , "Art N o u v e a u " ou " J u g e n d s t i l l " , que surgiu no fim do
seculo, alcançou o seu apogeu nos anos anteriores ã primeira
g u e r r a mundial e foi suplantado pelo cubismo e outras tendên-
cias. Deixou em C u r i t i b a marcas arquitetônicas muito carateris
ticas que assinalam nao somente o proprio estilo, como uma
etapa da evolução da cidade na a d m i n i s t r a ç ã o Candido de Abreu.
0 notável engenheiro paranaense mostrou-se sensibilizado pela
nova voga, o que se constata nas edificações que p r o j e t o u ou
dirigiu: o palácio da M u n i c i p a l i d a d e , os portões do P a s s e i o Pu
blico, o "Belvedere" do Alto S. F r a n c i s c o , sua p r o p r i a residên
cia que se situava na esquina da A v e n i d a João G u a l b e r t o com a
rua Padre Antonio.

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A nova ordem estética já h a v i a sido revelada aos curitiba-
nos n a E x p o s i ç ã o do C i n q ü e n t e n á r i o em 1903, através dos "avan-
çadps" (sic) desenhos do m o b i l i á r i o exposto por Paulo Lein-
dorf, carateristicamente ART NOUVEAU, e que foram agraciados
com a m e d a l h a de o u r o no certame.

Digno de r e g i s t r o , sem dúvida, como ja o m e n c i o n a m o s , e o


fato de aqui termos abrigado um lusitano como divulgador de
uma arte de que os interpretes eram de o u t r a s origens européi-
as. A l i á s , n e s s e período afirmativo da e v o l u ç ã o social curiti-
b a n a há o u t r o s fatos extremamente curiosos, como o caso da RE-
VISTA PARANAENSE criada por N i v a l d o Braga. 0 periódico ilustrji
do o m b r e a v a com os m e l h o r e s do p a í s , concorrendo com a REVISTA
ILUSTRADA e com o DOM QUIXOTE, ambas de A n g e l o Agostini, com o
B E Z O U R O de B o r d a l o Pinheiro, com a VIDA FLUMINENSE de V a l e e
até com a primeira ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA, para a qual tanto
concorreu o nosso Franz Keller.
Na m a g n í f i c a REVISTA PARANAENSE, que infelizmente teve vi-
da m u i t o efêmera pois era b o a demais para a pequena sociedade
da é p o c a , só o d o n o era n a t u r a l da terra. 0 desenhista - chefe
da o f i c i n a que a imprimia era catalao, o mestre litografo wur-
teiv.burguês , m i n h o t o o principal tipògrafo e italiano o maqui-
ais ta.
Mas v o l t e m o s ao e n s i n o das b e l a s artes.
A rigor, organizações escolares específicas para as artes
e o artesanato, só as tinha a Corte. A princípio com a inicia-
tiva do Co'nde da B a r c a , a i n d a no período colonial, de que re-
sultou a atual E s c o l a N a c i o n a l de B e l a s Artes. Depois, com o

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benemérito missionarismo de B e t h e n c o u r t da S i l v a e o seu LICEU
DE A R T E S E O F I C I O S , que é de 1856. Mas somente em 1872 é que
vem a ser c r i a d o , na B a í a , o p r i m e i r o centro de a p r e n d i z a d o ar_
tístico f o r a da c a p i t a l do Imperio. Aliás, Salvador deveria
ter a b r i g a d o o primeiro curso oficial de arte no país, se a
CARTA REGIA de 8 de a g o s t o de 1812 tivesse tido e f e t i v a concre
tização. Mas, tanto faltaram condições para a prematura inicia
t i v a , que seis anos depois outra decisão do P r i n c i p e Regente
renovava a criaçao da " a u l a de d e s e n h o e figura" na cidade da
Baía, ainda d e s t a vez sem conseqüências práticas; o que sõ

veio a ocorrer muitos decênios após.


Antonio Mariano de L i m a , ao f u n d a r aqui a 22 de j u l h o de
1886 a sua " a u l a " de d e s e n h o e pintura (convertida em ESCOLA
DE B E L A S A R T E S E INDUSTRIAS, pelo D e c r e t o estadual n9 1, de
29 de n o v e m b r o de 1889, firmado pelo C o r o n e l Cardozo Junior,
primeiro chefe do E x e c u t i v o paranaense na R e p u b l i c a ) conquis-
tou p a r a C u r i t i b a posição especialissima na e v o l u ç ã o do ensino
artistico brasileiro. Foi, indiscutivelmente, a segunda escola
de e n s i n o das artes que se e s t a b e l e c e u no pais fora da capi-
tal; e, t e n h a - s e presente, Salvador fora sede do G o v e r n o duran
te a m a i o r parte do p e r í o d o colonial.
Quando se d e c i d i u vir para Curitiba o artista tinha 23
anos, nascera - como V i e i r a dos Santos - na ativa e alegre ci-
dade do Porto ( a A de m a r ç o de 1861).
Foi a complement-açao do T e a t r o Sao T e o d o r o que o atraiu.
Em P o r t u g a l e no Rio de J a n e i r o atuara como cenógrafo e a nova
casa de e s p e t á c u l o s da capital paranaense ainda não pudera fun
cionar por f a l t a de d e c o r a ç ã o e equipamento. Sua p e d r a funda-

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mental fora lançada em 1874 com grandes f e s t i v i d a d e s , mas como
iniciativa p a r t i c u l a r , em meio m o d e s t o , faltaram recursos para
o seu p r o s s e g u i m e n t o . Transferida a i n i c i a t i v a para o Governo
foram as obras a c e l e r a d a s , graças ao apoio do P r e s i d e n t e Car-
los de Carvalho. No r e l a t ó r i o de 19 de outubro de 1882 informa
o chefe do E x e c u t i v o da Provincia que as obras estavam conclui^
das. Nao se s a t i s f e z com elas e "mandou fazer n o v a s " (sic.)
Alguns meses depois a casa e s t a v a p r o n t a , mas nao funcio-
nava "por falta de verba para a d e c o r a ç a o " , informa o mesmo
Presidente no seu relatório de 26 de maio de 1883. Para enfren
tar o o b s t á c u l o decidiu-se abrir licitaçao para o arrendamento
do T e a t r o , recaindo o encargo das obras e e q u i p a m e n t o no con-
tratante. A n u l a d a a primeira chamada de propostas venceu a se-
gunda o Capitao D a m a s o C o r r e i a de B i t t e n c o u r t , que a ela se
devotou com interesse pois era comediografo.
0 empresário do S. Teodoro contratou M a r i a n o de Lima para
a decoraçao e a cenografia do teatro. T r a b a l h o de v u l t o , porem
mal r e m u n e r a d o , pois as despesas saiam do bolso do arrendata-
rio segundo rezava o contrato. 0 a r t i s t a m i n h o t o conformou-se
com a m o d e s t i a do salario buscando outras fontes de receita,
conforme se constata nos anúncios que fez publicar no "Dezeno-
ve de D e z e m b r o " , em janeiro de 1885.
Mariano vinculou-se logo ao m e i o cultural curitibano e ne-
le ocupava posição de excepcional destaque o Dr. Faria So-
brinho. 0 p r e s t i g i o s o advogado e p o l i t i c o se interessou pelo
jovem e talentoso esteta animando-o em seus projetos de educa-
çao artistica na capital da Provincia.
A ascenção desse procer conservador ã presidência do exe-

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cutivo deu-lhe oportunidade de efetivar o p r o m e t i d o a p o i o , que
e x t e n d e u , aliás, de m a n e i r a geral a todas as iniciativas educa
cionais. A s s e n t a d a a fundaçao da E s c o l a , ficou o Tesouro Pro-
vincial de suprir-lhe auxilio de dez c o n t o s , quantia avultada
para a é p o c a , mas que se j u s t i f i c a v a porque os cursos seriam
gratui tos.
Depois de encerradas as m a t r i c u l a s a 31 de a g o s t o , data e£
tabelecida por edital da Secretaria da Instrução P u b l i c a , cons
tatou-se que o Tesouro nao tinha como pagar nem m e s m o as m o b í -
lias especiais necessárias a E s c o l a , na forma do ofício de 2
de outubro dirigido pelo P r e s i d e n t e da P r o v i n c i a a Mariano.
Para a tenacidade do artista luso as d i f i c u l d a d e s momenta
neas convertiam-se em estimulo. Como as mobílias estivessem en
comendadas e faltassem ainda modelos para e s t u d o , paga-los-ia
com o resultado de espetáculo p ú b l i c o , que levou a cabo na da-
ta aniversária do I m p e r a d o r , a 2 de dezembro.
A "soirée" no Teatro S. Teodoro teve e x t r a o r d i n á r i o êxito,
tendo sido vendidos todos os lugares. Pensou-se a principio em
levar a cena a comédia "Meia hora de C i n i s m o " , idéia superada
pela exclusiva exibição de arte, a cargo de o r q u e s t r a integra-
da por 18 figuras, entre p r o f i s s i o n a i s e amadores.
0 concerto rendeu q u a s e um conto de reis!...
Assentada a data de 6 de janeiro para a i n a u g u r a ç ã o do es-
tabelecimento com razoável antecedencia, minuciosos preparati-
vos foram programados para que a festa m a r c a s s e época nas fas-
tos culturais da cidade. E , no Dia de Reis desse ano de 1887,
la estava todo o m u n d o s o c i a l , p o l í t i c o e cultural curitibano
"au grand complet". Nada menos de oito discursos foram proferi

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dos, culminando com o do proprio p r e s i d e n t e da Provincia.
A Escola se abrigava em d e p e n d e n c i a do Instituto Paranaen-
se,e abria as suas portas já com a s u r p r e e n d e n t e inscrição de
99 m a t r i c u l a d o s , dos quais 61 alunos e 38 alunas.
Ë ainda o Dr. Joaquim de A l m e i d a Faria que lhe consegue ca
sa propria com a cessão do predio da E s c o l a C a r v a l h o , na rua
Aquidaban. Para tal fim o edifício sofreu grandes reformas,
adaptando-se ãs suas novas e importantes atribuições. Que nere
ceu cuidados especiais confirma-o a esplendida litografia fei-
ta pelo mestre N a r c i s o F i g u e r e s , p o s s i v e l m e n t e reproduzindo
fotografia da epoca. Ve-se cavalete de boa altura ao pé do
qual esta aluna armada de pincéis: é a futura Senhora Carlos
Cavalcanti de A l b u q u e r q u e , que veio a ser p r i m e i r a Dama do Pa^
ranã em 1912. Ao fundo se podem observar outros d i s c í p u l o s . 0
m o b i l i a r i o , a d e c o r a ç a o , o equipamento sao admiráveis para a
pequena capital provinciana dos últimos tempos do Império.
Sem dúvida o artista minhoto e sua Escola passaram a cons-
tituir o grande motivo da cidade. Toda a imprensa da época o
confirma. Rocha P o m b o , nas páginas do DIÀRIO POPULAR nao se
cansa de promove-la. Encontra-a "elegantemente arranjada sen-
te-se que em tudo que vemos imprime o seu e s p i r i t o , o seu zelo
inimitável, o distinto moço que ali esta prestando a Provincia
com tanta dedicaçao e desinteresse o serviço enorme de aprovei
tar as melhores aptidões de seus filhos".
Mariano aproveita o proprio concerto para exibir os primei
ros trabalhos dos seus alunos. Faz erguer tabiques no saguão do
Sao Teodoro e incumbe ao m a r c i n e i r o Gaertner de u l t i m a - l o s , a¿
sim como ao pintor Paiva da respectiva decoraçao. Apresenta

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mais de 60 quadros a oleo e crayon, grande numero deles toma-
dos "do n a t u r a l " . Figuram como e x p o s i t o r e s : Raquel M u n h o z , Bal
bina de Loyola Pinho, Francisca C a n d i d a M u n h o z , M a r i a Rosa Go-
mes da Costa, Olympia da Costa N e t o , A y d é e Guimarães Carneiro,
Castorina R a m i r e z , Joaquim M i r o , Jorge Schmidlin, Francisco
D o u b e c k , Canrobert da Costa J u n i o r , Francisco Vale Guimaraes,
M a n o e l Azevedo da Silveira Neto e vários outros.

Tal projeção vai alcançando a iniciativa que M a r i a n o in-


tenta novos e ousados avanços: a criaçao de premios oficiais,
a construção de sede propria e a publicação de periódico para
divulgaçao do que se estava realizando "como m e i o de propagan-
da da arte e de estimulo ã Escola e alunos". Era a repetição,
em Curitiba da proesa de Bethencourt da Silva, na C o r t e , com
o seu famoso "Brasil Artistico".
A administraçao Provincial deixa-se convencer e a 6 de se-
tembro de 1888 o P r e s i d e n t e Balbino da Cunha sanciona a Lei n9
925, votada pela A s s e m b l é i a e que cria medalhas de ouro, prata
e cobre "para premio aos alunos da Escola de Desenho e Pintura
desta capital".
Esses premios devem ter sido conferidos com extrema parci-
m ô n i a , pois nao se conhecem exemplares nem das medalhas nem
dos respectivos diplomas. Mas foram i n d i s c u t i v e l m e n t e distri-
b u i d o s , pois deles encontram-se menções nos relatorios envia-
dos ao Governo com a citação nominal dos agraciados e registro
do numero de medalhas figurando em estoque.
A 4 de março desse mesmo ano viera a luz a p r i m e i r a tira-
gem de "A A R T E " , de que se conhecem oito n ú m e r o s , o ultimo dos
quais de 1897. Colaboram no periódico: João P e r e i r a L a g o s , Jus

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Ciniano de M e l o , E m i l i a n o P e r n e t a , Pamfilo de A s s u m p ç ã o , Leon-
cio C o r r e i a , Nestor V i t o r , Rocha P o m b o , os tres últimos ainda
estudantes.
No editorial de apresentaçao anuncia A n t o n i o Mariano que
"A A R T E " terá três s e s s õ e s , "sendo a primeira para a publica-
ção da parte oficial da E s c o l a , a segunda para os a r t i g o s , po£
sias, etc. dos distintos colaboradores e a terceira para a par
te n o t i c i o s a . Terá um procedimento irrepreensível no cumprimeri
to de seu i t i n e r a r i o , q u e , sendo completamente artistico, so
publicará em suas colunas artigos, poesias, anedotas, varieda-
d e s , n o t i c i a s , que tratem de engrandecer nao só a E s c o l a , que
deve estar em primeiro lugar, como também as Belas Artes em
geral e as artes subalternas".
Talvez porque "pago pelos seus professores e alguns alu-
nos", a d i s t r i b u i ç ã o do periodico foi r e a l i z a d a com parcimônia,
sendo r a r i s s i m o s , h o j e , exemplares da p u b l i c a ç a o . T e m e m o s , mes_
m o , que nossas b i b l i o t e c a s nao possuam coleçoes completas.
Com a m e s m a tenacidade lança-se M a r i a n o ã luta pela sede
própria.
A 11 de agosto de 1888 d i r i g e - s e , por o f i c i o , â Camara Mu-
nicipal para que lhe conceda terreno no centro da cidade. A
falta de resposta pronta o impacienta e a 28 do mesmo mes re-
corre ã Assembléia Provincial "por nao ter a Camara respondi-
do, DEVIDO POR CERTO A FALTA DE T E M P O " . Desta vez aponta a ã-
rea que a l m e j a , "terreno de p r o p r i e d a d e da P r o v i n c i a que fica
entre a rua Borges de M a c e d o e o lugar contiguo a rua do Obsej:
vatório entre a Bitiatuvinha e a casa de F r a n c i s c o Marques".
E s c l a r e c e mais que o aludido terreno nao só estava bem situado

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como jã possuía alicerces o que lhe facilitaria a construção.
A Assembléia o atende. Sua s o l i c i t a ç a o é incluida no arti-
go 36 das disposiçoes gerais do o r ç a m e n t o provincial votado pa
ra 1889. Mas o Presidente Balbino Cunha nao sanciona o orçamen
to, em consequencia da dura campanha que a oposição liberal mo
via contra os conservadores que estavam no Governo. Frustava-
se a grande esperança de M a r i a n o , quando prestes a ser alcança
da.
Os liberais, sentindo-se culpados pelo lance involuntario
e indireto desferido contra o ensino das artes, decidem ameni-
za-lo. 0 Conselheiro Jesuino M a r c o n d e s , agora ã frente da ad-
ministração provincial, autoriza a compra de imóvel de proprie
dade do Comendador Antonio Martins F r a n c o , na rua Aquidaban,
com área de alguns mil metros quadrados.
A eclosão da revolução republicana desfere novo golpe nas
generosas ambições do artista.
Mariano nao desanima. Em p r i n c i p i o de 1890 d i r i g e - s e ao
Presidente Americo Lobo destacando a imperativa n e c e s s i d a d e do
edificio p r o p r i o , onde seriam ensinadas "as matérias teóricas
das Belas Artes e industriais se possam estabelecer oficinas
para o estudo pratico das mesmas artes".
0 regime r e p u b l i c a n o assumia sérias responsabilidades po-
lítico-sociais e, ao i n t e r p r e t a - l a s , insiste o artista com o
Governo para que não falhe Ss esperanças populares. Seu pronun
ciamento revela certo sabor socialista.
"Apesar de feita a Republica ainda não temos a liberdade
do trabalho laborioso. E preciso que d e s a p a r e ç a a aristocracia
do d i n h e i r o , que deixe de existir a diferença entre o industri

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al e o empregado p u b l i c o , e, finalmente que o lavrador e o ar-
tista sejam levados a altura dos direitos que lhes competem.
Só assim poderá haver justiça e igualdade. Para a realizaçao
do que exponho, é preciso crear escolas de artes, de indus-
trias e de a g r i c u l t u r a , dando o máximo d e s e n v o l v i m e n t o ãs que
exist em".
As condiçoes de funcionamento e estrutura da Escola se a-
presentam com solidez surpreendente. 0 grupo de professores as_
cende a 22 e é razoavelmente qualificado. Realizam-se reuniões
periódicas de congregaçao. José Corrêa de Freitas ê o secretá-
rio do e s t a b e l e c i m e n t o , Vitor Ferreira do Amaral seu vice-dirje
tor, João Moreira do Couto o tezoureiro. Tanto professores co-
mo dirigentes continuam a exercer as funções gratuitamente.
A 11 de junho de 1890 a Camara Municipal de C u r i t i b a , por
proposta de Vitor do A m a r a l , decide aprovar a concessão do vas
to terreno, excedente da praça Eufrasio C o r r e i a , ã Escola de
Artes e Industrias do Paraná para nele construir a sua sede
"com a condição de começar a edificaçao no prazo marcado nas
posturas".
Vencia o esforçado educador dificil etapa. Mas começava a
b a t a l h a da m o b i l i z a ç a o de recursos e da confecção do projeto.
Contava para essa jornada com dois trunfos poderosos: o pro-
prio Governador Americo Lobo e o Vice-Governador Joaquim Mon-
teiro de Carvalho.
Com o ultimo, que assume o Governo entre a demissão de Ame
rico e a posse de Serzedelo C o r r e i a , no período agitado e in-
seguro da primeira fase republicana, acerta a criação de lote-
rias cujo resultado seria inteiramente destinado ao custeio de

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iniciativas e d u c a c i o n a i s , o que é confirmado pelo Decreto n9
103, de 5 de agosto de 1890.
Consegue que Candido de A b r e u , então diretor de Obras Pú-
b li cas, se incumba de desenhar o ante — projeto do edificio. Tarn
bem combinara com o Presidente Joaquim Monteiro que a nova
construção abrigaria o Museu Paranaense e a Biblioteca Publi-
ca, seria o virtual PALÁCIO DA CULTURA do Paraná.
"0 edificio projetado, com todas as acomodaçoes e necessi-
dades de uma Escola como esta, era impre scindive 1 uma secçao
para a Biblioteca e outra para o Museu especiais da mesma; mas
que, para cortar d e s p e s a s , se podia construir estas secçoes de
modo o ser possivel comportarem o Museu Paranaense e a Biblio-
teca P u b l i c a , que, além de poderem ser mais bem u t i l i z a d a s , po
derao ser cuidadas com o mesmo pessoal da E s c o l a , evitando-se
ao mesmo tempo a necessidade de, para o futuro edificar o Go-
verno as construçoes que se fazem precisas em vista das atuais
e precárias condições desses estabelecimentos", resa ata de
congregação da Escola levada a efeito a 19 de abril.
Tal imponência e proporçoes adquire o projeto do predio
que e enviado ã Exposição Internacional de C h i g a g o , com que
foi comemorado o quarto centenario do descobrimento da Ameri-
ca. Terá sido, p o s s i v e l m e n t e , uma das mais destacadas contri-
buições brasileiras para a secçao de arte do certame.
A essa altura já se dizia que a iniciativa dotaria Curiti-
ba com a primeira das escolas de artes e oficios da A m e r i c a do
Sul...
Na realidade o que se via tinha fôros de inveros imilhança.
Conseguia Mariano de Lima manter oito cursos: linguas e ciên-

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cias, m ú s i c a , d e s e n h o , a r q u i t e t u r a , g r a v u r a , e s c u l t u r a , pintu-
ra e artes industriais.
0 primeiro era m e r a m e n t e complementar e visava melhorar a
adaptabilidade de alguns alunos para o e n s i n a m e n t o teórico das
artes plasticas. 0 de m ú s i c a se compunha de teoria elementar,
solfejo, canto, p i a n o , i n s t r u m e n t o s de corda e s o p r o , harmo-
nia e conjunto de instrumentos.
0 curso de desenho abrangia p e r s p e c t i v a , desenho linear,
de figura e o r n a t o , h i s t ó r i a n a t u r a l , física e q u i m i c a , mitol£
gia, a r q u e o l o g i a e h i s t ó r i a das artes e estetica.
No ensino de a r q u i t e t u r a dava-se calculo, topografia, re-
sistência dos m a t e r i a i s , desenho arquitetônico e confecção de
p 1 an t as .
Os programas de e s c u l t u r a , gravura e p i n t u r a tinham as mes_
mas m a t e r i a s b á s i c a s , isto é, anatomia e f i s i o l o g i a , assim co
mo d e s e n h o , e v i d e n t e m e n t e com maior carga no curso de pintura.
Tudo indica que o ensino da g r a v u r a nao chegou a ter organiza-
çao d e f i n i t i v a , por d e f i c i ê n c i a de instrutores.
No setor de artes industriais dava-se desenho "a lapis e a
pena e colorido para aplicação na l i t o g r a f i a " , prendas domés-
ticas, m e c a n i c a , tipografia, litografia, fotografia, marcena-
ria e c a r p i n t a r i a , funilaria e encardenaçao.
Havia três categorias de p r o f e s s o r e s : os e f e t i v o s , os avul
sos e os instrutores alunos.
Entre os primeiros destacavam-se o proprio fundador da es-
cola, Vitor do A m a r a l , Custodio R a p o s o , Carlos H U b e l , Major
Bento de M e n e z e s , Camilo Vanzolini, Margarida Setragni, Geor-
gina M o n g r u e l , Jacinto M a n o e l da C u n h a , F r a n c i s c o de Paula Gui

254
m a r a e s . Do grupo de professores avulsos faziam parte Tertulia-
no Teixeira de F r e i t a s , Alfredo Caetano M u n h o z , A g o s t i n h o Er-
melino de L e ã o , Roberto S c h i e b l e r , Simon Block. C o m p u n h a m a
equipe de mestres alunos Alberto B a r d a i , Paulo F r e y e r , João Tu
rin, Mario de B a r r o s , Polixena C o r r ê a , M a r i a da C o n c e i ç ã o A-
feui ar.

Pequeno e dedicado grupo de auxiliares remunerados man-


tinha a casa em ordem e assegurava a regularidade dos servi-
ços, cabendo menção especial a Leão Nicolas e a João José de
Ramos.

Justificava-se, p o r t a n t o , o voto de louvor requerido por


Vicente M a c h a d o e aprovado pela A s s e m b l é i a , em que destaca a
d e d i c a ç ã o , o zelo e a eficiência do diretor Antonio Mariano
de L i m a , de uma escola que tao pouco custava aos cofres do Es-
tado ao contrário "de outros ramos do serviço público que acar
retam grandes onus muitas vezes sem atingir ã perfeição relati
va" .

Surgiram inesperadas dificuldades quando o caminho parecia


inteiramente desobstruido. 0 Presidente Serzedelo C o r r e i a de-
cide destinar o terreno da praça M a n o e l Eufrazio ao novo edifi-
cio da A s s e m b l é i a L e g i s l a t i v a , sem respeitar a decisão da Ca-
mera Municipal.

Também indefere o pedido de a d i a n t a m e n t o de recursos por


conta da arrecadação das loterias. M a n d a ouvir o Inspetor do
Tezouro do Estado (o Secretário da F a z e n d a do t e m p o ) e é infor
mado de que "não ha verba no o r ç a m e n t o pela qual se possam fa-
zer tais d e s p e z a s . 0 terreno concedido para a E s c o l a foi pos-
teriormente designado para a construção do C o n g r e s s o . As lote-

255
rias foram concedidas para a Instrução pública. 0 Estado nao
pode fazer adiantamento sobre receita duvidosa".
Evidenciada a má vontade da nova admini straçao estadual,
tem inicio insidiosa campanha contra o operoso artista. A priti
cipio era apenas difamaçao verbal p a r t i d a de invejosos ou fru£
tados sem maior repercussão. Depois começaramos ataques de im-
prensa.
0 pretexto foi exatamente a participaçao da Escola na Ex-
posição de Chicago. A f o r a a planta do novo edificio, Mariano
fizera seleção de quadros para serem enviados aos Estados Uni-
dos e os expusera no anexo da Escola que abrira na rua 15 de
ÍJovembro. Havia telas de Maria de A g u i a r , M i n e r v i n a Wanderley,
Alberto Bardai, Paulo F r e y e r , Oscar Sabhte e Benedito Antonio
dos S a n t o s , este último b o l s i s t a do G o v e r n o , Talvez o primeiro
pensionista de arte custeado pelo Tezouro do Estado.
0 efeito foi s u r p r e e n d e n t e . Leoncio Correia na primeira p£
gina da REPUBLICA eleva Mariano e sua Escola a nuvens, descre-
ve com rica adjetivaçao o quadro de M a r i a de A g u i a r , diz que
sem a sua iniciativa o Paraná ficaria ausente da grande mos-
tra, e graças ao artista fazia-se representar "pelos partos
gustos da imaginaçao e do talento".
Mas na página interna desse mesmo número do diário situa-
cionista, de 15 de março de 1893, Paulo Ildefonso de Assumpçao
insere critica contundente e barbaramente agressiva contra Ma-
riano.
A cronica é dedicada ã autora do mais apreciado dos qua-
dros, D. Maria de A g u i a r . Afora comentar-lhe desairosamente o
trabalho investe contra o Professor:

256
"Tendes um mestre inconsciente da A r t e , ignorante do Belo,
fatuo e sem talento; na ambiçao de figura ruidosa para si, vos
ilude e quer amesquinhar o merecimento intelectual dos nossos
compatricios. A esta hora sem d u v i d a , Ia vao eles, esses ates-
tados ridiculos de nossa ignorancia artistica, caminho da gran
de cidade americana".
Dois dias depois sai segundo artigo sob o m e s m o titulo e
igualmente ferino. Ao final promete um terceiro, que acabou
não sendo publicado. A investida tinha sido demasiadamente
traumatica e desgostara uma opinião pública inteiramente ab-
sorvida pelos graves acontecimentos politicos que já prenuncia
van a próxima guerra civil.
0 artista ficou profundamente m a g o a d o . Paulo A s s u m p ç ã o ini
ciara o seu aprendizado artistico na propria E s c o l a de Mariano
de Lima. D e p o i s , jã m a t r i c u l a d o no curso de escultura do Liceu
de Artes e Oficios do Rio de J a n e i r o , m a n t i n h a com o ex-profes
sor contactos permanentes e era como um correspondente do esta
belecimento na capital da República. Enviava-lhe m o d e l o s , par-
tituras, instrumentos.
Quando retorna a C u r i t i b a , depois de diplomado e laureado,
esperava-se que integrasse o grupo de instrutores da Escola de
Belas Artes e Industrias. Ao contrario e sem m o t i v o aparente
começa a guerrea-la. M o v e u - o , p o s s i v e l m e n t e , o intento de frus
tar a oficialização definitiva da instituição. D e s t a q u e - s e a
expressão d e f i n i t i v a , pois a rigor a Escola era orgão de Go-
verno e nos atuais padroes administrativos teria foro de autar
quia estadoal. Haja vista o que resa a Lei n9 22 de 19 de ju-
nho de 1892, sancionada pelo P r e s i d e n t e Xavier da Silva, que

257
manda anexar ã Escola de Mariano de Lima a P i n a c o t e c a Paranaen
se .
Nao é somente o angulo moral da agressao que abala Mariano
de Lima. Ele afinal era e s t r a n g e i r o e o jovem escultor filho
de importante familia da terra. T a l e n t o s o , influente, amaneira
do e de bom gosto logo passara a figura infalivel nas rodas so
ciais curitibanas. Acabara de ser p u b l i c a m e n t e elogiado por
Agostinho Ermelino de Leao pela ajuda preciosa que lhe dera na
restauraçao do Museu Paranaense.
Afora o impacto da i n g r a t i d a o , temia a açao erosiva que
seria intentada contra a sua obra. E tinha razao. Passado o
período critico da g u e r r a civil, seus adversarios tratam de
criar novo centro de aprendizado artistico em Curitiba. Sob a
direção de Paulo A s s u m p ç a o funda-se a 22 de outubro de 1894 o
CONSERVATORIO DE BELAS A R T E S , que recebe o apoio de figuras im
portantes como o engenheiro A l b e r t o Gaston Sanges diretor da
Estrada de F e r r o , A r i s t i d e s L i b e r a t o , Jorge da C o s t a , Marcos
Leschaud e outros.
0 estabelecimento se dedica prioritariamente ao ensino da
música, voltando-se para as outras especialidades artísticas
mais t arde.
Já a 2 de dezembro desse ano o novo orgao apela para a As-
sembléia Legislativa para que lhe conceda ajuda financeira.
Assim, as magras v e r b a s , que mal davam para uma institui-
ção teriam que ser repartidas...
E a campanha prossegue, com Paulo A s s u m p ç a o voltando aos
ataques de imprensa nas colunas de A R E P Ú B L I C A , e os amigos e
admiradores de M a r i a n o a defende-lo e a c o n t r a - a t a c a r no OPE-

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R Ã R I O L I V R E , no D I Á R I O DA TARDE e outros periódicos.
Procuravam retrucar com a tonica de que a nova instituição
era "um conservatório de Belas A r t e s , fundado especialmente pa
ra o e n s i n o da M u s i c a dirigido por um artista laureado em es-
c u l t u r a ! ..."
As dificuldades na esfera economica levam o artista portu-
gués a voltar-se ãs atividades particulares. Aceita encomendas
de r e t r a t o s tanto em C u r i t i b a , como no interior, em S. P a u l o e
até no Rio de Janeiro.
Aqui pinta as p e r s o n a l i d a d e s de m a i o r destaque: o coronel
Amazonas Marcondes, Carvalho Chaves, Jesuíno Lopes, o Barão do
Serro Azul, Joaquim Monteiro de Carvalho.
Em 1900 ainda teve o conforto sentimental de ver o grupo
da sua E s c o l a executar o "Requiem" no serviço funebre celebra-
do n a C a t e d r a l pelo rei Humberto I, assassinado em M o n z a por
um anarquista.
Nunca se v i r a ato religioso com tanta solenidade e apa-
rato. P r e s e n t e s todo o Governo, corpo consular, as diversas
sociedades da c o l o n i a italiana com seus vistosos estandartes e
toda a sociedade curitibana; emocionara vivamente os presentes
a orquestra ensaiada pela Professora Mongruel e dirigida pelo
regente Bento de Menezes.
Toda a imprensa a c o m e n t a nas primeiras paginas e os elo-
gios ao grupo da E s c o l a de Belas Artes e Industrias são unani-
mes. Um c o m e n t a r i s t a se engana, p o r é m , e dá a música como ten-
do sido executada pelo corpo do Conservatório.

No dia seguinte Mariano de L i m a escreve ao jornal pedindo


a r e t i f i caçao e publica a sua carta na A R E P Ö B L I C A * Ë de ima-
ginar-se o sentimento de euforia de que se viu possuido!...

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Mas ja nao se sentia em condiçoes de permanecer em Curiti-
ba. Decide-se a partir e escolhe Manaus como novo domicílio. 0
Teatro A m a z o n a s , em pleno fastigio, teria exercido atraçao so-
bre o antigo cenografo. Era o retorno as origens.
Nao conseguiu a d a p t a r - s e , porem, as condiçoes locais. A
presença subjetiva de D o m e n i c o de Angelis lhe teria sido cons-
trangedora. Realmente tudo no grande m o n u m e n t o da capital ama-
zonense fala de Domenico. Desloca-se para Belem, atendendo a
convite para dirigir a Escola de Belas Artes do Pará, fundada
em 1895 sob inspiraçao de Carlos G o m e s , e aí se radica em def^
nitivo. Permaneceria, assim, no outro extremo do Brasil...
Legou a Escola de C u r i t i b a ã sua dedicada e talentosa dis-
cípula Da. Mariquinhas de A g u i a r , com quem se havia casado, e
assim partiria sem amarras. A instituição nao r e s i s t i r i a , po-
rém, a sua ausencia e em 1906 estava fechada, e com ela capi-
tulo dos mais destacados e decisivos da evolução social curiti
bana.

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