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AMOR, CASAMENTO E FAMÍLIA NA GRÉCIA ANTIGA

APRESENTAÇÂO
O referido artigo nos dá a oportunidade de conhecermos parte da História Grega que
fica ou ficava esquecida nos manuais de História Antiga, já que estamos deixando um pouco
de lado a narrativa de guerras e dos feitos dos grandes heróis para nos determos à História
da vida privada, cujas peripécias e conflitos não tinham chegado ao nosso conhecimento
durante a Cadeira de Antiga II. Isto é de extrema importância para nós, sobretudo ao que se
refere ao entendimento da nossa própria sociedade, já que não podemos desprezar o
extraordinário legado deixado pela sociedade em questão, que vai desde as bases para a
formação de uma democracia – que no caso da Grécia não era tão democrática como
imaginávamos – chegando às teorias filosóficas, bem como aos seus principais
representantes, como a famosa trindade filosófica, Sócrates, Platão e Aristóteles, que tanto
contribuíram para o desenvolvimento do pensamento ocidental.
Abordaremos um tema de grande importância que é a formação da família grega,
analisando o seu inefável valor cultural, bem como todas as questões socioeconômicas que
estão intricadas em tal gênese, sem deixarmos de ressaltar todos os trâmites legais e jurídicos
que a legitimam como instituição social e lhe dão importância ao ponto de todo indivíduo,
considerado um cidadão, ter a obrigação moral e social de se unir a uma mulher – também
cidadã – com o intento de, apenas, dar continuidade à linhagem paterna, mesmo sendo contra
sua vontade ou contra a sua opção sexual.
A constituição da família nos permite adentrar, ainda que brevemente, nas
mentalidades, bem como na cultura da época clássica, que, como veremos mais adiante,
foram mutáveis de acordo a localidade geográfica, com a época e com os acontecimentos
históricos, que marcaram a sociedade grega, gerando algumas transformações cruciais ao
desenvolvimento social de tal civilização.
Um ponto interessante, que não nos podemos olvidar, é que, apesar de termos
relegado a uma posição secundária as guerras e as personalidades, percebemos que estas
não deixaram de estar presentes nas inúmeras obras que usamos como fonte historiográfica;
pelo contrário, estas se mostram de grande importância nas narrativas dos autores
consultados. Contudo, analisamos uma mudança de foco, que nos permite visualizar,
paralelamente, os protagonistas não nos "campos de batalhas", mas sim em sua vida
cotidiana, com suas frustrações pessoais, suas desilusões amorosas, suas intrigas e
rivalidades políticas.
Observamos também a presença dos ditos excluídos, ou seja, o povo – aqueles que
não participam ativamente das inúmeras batalhas contra os inimigos externos, como o
camponês, e sua tão humilde quanto desvalorizada atividade campesina, o pequeno
comerciante, e, sobretudo as mulheres, abrangendo também as hetairas ou as prostitutas,
que tanto animavam a sociedade machista e preconceituosa, em que estavam inseridas. As
obras usadas para o trabalho, nos mostram a vida destas mulheres as quais recorriam ao
próprio corpo para ganhar o pão de cada dia.
Atuando na "mais antiga das profissões", serviam como distrações nas diversas festas
reservadas para os homens, e muitas vezes agiam como um sistema canalizador das tensões
e frustrações conjugais ao mesmo tempo em que representavam uma espécie de calmante
natural para as animosidades frequentemente vivenciadas pelos exemplares do sexo
masculino, via de regra, carregados da ainda desconhecida, apesar de perceptível,
testosterona.
Nesse ínterim, não poderíamos deixar de fazer um comentário sobre a posição
socioeconômica da mulher, ser excluído dos meios masculinos, e, consequentemente, da
sociedade, devido a diversos preconceitos e mitos gerados sobre a sua existência, que
mostram seu rastro de desgraça, traição e armadilhas que poderiam destruir a humanidade.
Estas ficavam resignadas aos gineceus e não tinham autonomia nem para escolherem seus
maridos – no caso das Mulheres de Atenas. Sua função na sociedade era apenas a
procriação. O amor – ou amores – competia aos próprios homens, mutuamente, ou seja, os
amores se processavam através da pederastia.
Nesse ponto, veremos que na Grécia houve um número incontável de amores, que
iam desde ao amor servil, que incluía tanto as mulheres como os homens – já que alguns
também tinham a prática de comercializarem o seu corpo – até o dito amor de grego, que
como veremos, era destinado e praticado pelos homens. Os gregos, ou pelo menos os autores
consultados, determinaram um tipo de amor para cada situação da vida grega, estes, como
veremos, serão temas para debates.

OS FUNDAMENTOS LEGAIS: A FAMILIA: OS ASPECTOS JURÍDICOS


O casamento na Grécia não era uma instituição bem quista e sim determinada jurídica,
e, sobretudo, socialmente; era, portanto, um mal necessário que permitia a perpetuação da
espécie e da linhagem paterna, bem como o prolongamento dos rituais e festejos familiares.
Sob o aspecto jurídico não podemos deixar de ressaltar a importância de Sólon e suas
inúmeras leis nas quais se estabeleceram as funções do casamento e de seus respectivos
interessados na união. Ao homem cabia ser o chefe da família, provendo o sustento da
esposa, filhos e escravos ao passo que para a mulher ficava a concepção, além de algumas
atividades domésticas, dentre elas a arte do tear, bem como obediência e respeito a marido,
como veremos mais adiante.
Desse modo fica claro que na sociedade ateniense, um cidadão casava-se não por
amor, mais sim por convenção social, já que as normas sociais da época exerciam um poder
coercitivo sobre os seus participantes, obrigando-os a adquirirem um matrimônio, no intuito
de gerar filhos, não porque era de bom tom tê-los – posto que a existência destes gerava a
obrigações por parte do chefe da família de sustentá-los até a fase em que estes, sendo
meninos, iriam exercer o status do pai, não só na família, mas principalmente perante a
sociedade. Este filho – que no caso é o primogênito varão – viria lhe prestar auxílio durante a
velhice. Robert Flacelière corrobora com tal assertiva, já que acredita que aqueles "casavam-
se, antes de tudo, para ter filhos varões, ao menos um, que lhe perpetuasse a raça, e
assegurasse a seu pai o culto que este celebrara em honra dos seus antepassados, culto que
era considerado indispensável à felicidade dos mortos no outro mundo".(FLACELIÈRE, 1985,
p. 68).
Apesar de tal coação, percebemos que em Atenas não existia uma obrigação jurídica
de casar, visto que aquele que não adquirisse uma união com uma cidadã não ia contra as
leis e sim contra as normas sociais e religiosas, uma vez que a perpetuação do culto familiar
era fundamental para o estabelecimento e continuidade da religião e cultura familiar. Sendo
assim, aquele que possuísse um irmão mais velho que fosse casado, ficava isento de tamanho
infortúnio – uma vez que a família já tinha alguém que pudesse desempenhar as referidas
obrigações familiares –, podendo exercer as práticas do verdadeiro amor, que para eles era
o amor de grego, como detalharemos mais adiante.
Em Esparta, ao contrário da cidade democrática, verificamos que os seus cidadãos
sofriam a ação coercitiva das leis de Licurgo, que os obrigavam a adquirir um matrimônio
perante a sua sociedade, que possibilitasse a reprodução de novos cidadãos que iriam ser
treinados, como verdadeiros guerreiros, no intuito de defenderem sua mãe-pátria contra os
inimigos da própria Grécia e os de fora.
Voltando para a cidade de Péricles, a mulheres não tinham uma idade mínima legal
para casar, contudo, casavam-se logo que atingissem a puberdade, por volta dos 13 a 15
anos, já o homem podia se casar após a efebia, que correspondia ao serviço militar – entre
os 18 a 20 anos de idade. Era relativamente comum o casamento entre primos, entre um tio
e a sua sobrinha, ou até mesmo entre meios-irmãos, desde que estes não tivessem o mesmo
pai. As uniões eram monogâmicas, visto que a poligamia era proibida em Atenas pelo fato de
seus habitantes considerarem tal prática uma atitude "bárbara".
Normalmente, as meninas eram prometidas mediante a engiesis – que correspondia a
nossa festa de noivado –esta promessa criava laços entre o pretendente e a prometida. O
compromisso entre o pai e o futuro marido era realizado mediante um ritual, o que dava uma
veracidade ao ato de ambos, visto que a quebra do acordo seria acompanhada por severas
sanções por parte dos deuses. Flacelière (1985, p. 72) acredita que "a partir da engiesis, o
casamento começava a ter existência legal", muitas vezes ela era realizada anos antes da
concretização do casamento propriamente dito.
Mazel nos mostra o contrato, estabelecido entre o noivo e o pai da futura esposa, que
se caracterizava por ser oral, seguido por um aperto de mão de um com o outro, pronunciando
umas frases que correspondem ao ritual que consagrava o casamento como válido. Não
podemos esquecer que tal acordo era realizado em frente ao altar doméstico, todavia, o
supracitado autor não deixa claro a que altar se refere – se é o do pai da noiva ou do noivo.
É importante lembramos que algumas pessoas – suponhamos que as próximas ao noivo e ao
pai da noiva – assistiam tal contrato; estas poderiam atuar como testemunhas, caso houvesse
necessidade para tanto. O ritual, que foi citado tanto por Mazel quanto por Flacelière se
processa mediante os seguintes juramentos:
"Eu te dou esta filha para que ela ponha no mundo filhos legítimos – eu a recebo –
junto a um dote de três talentos – recebo isso também com prazer". O negócio esta
concluído, isto é, os negócios estão em boa ordem e o casamento pode
desenvolver-se sem prejuízo patrimonial maior. (MAZEL, 1988, p. 209).
O supramencionado contrato nos permite fazer uma alusão com o ritual da
Homenagem, na Idade Média, quando duas pessoas entravam em acordo mútuo, um
tornando-se vassalo e o outro seu suserano. Observamos que, assim como no Feudalismo,
os acordos na Grécia – no período de Péricles – eram feitos oralmente, e tinham um grande
cunho religioso, que os legitimavam, ao mesmo tempo em que exerciam um poder coercitivo
que impediam suas quebras, posto que, estas poderiam desagradar – no caso do Feudalismo
– não aos deuses e sim a Deus – que regia toda a sociedade da época.
É cabível salientarmos ainda que as Homenagens eram realizadas diante de um
participante do clero católico, com a presença da Bíblia Sagrada; os dois interessados em tal
acordo tinham que colocar as mãos em cima das escrituras para tornar válido o contrato
estabelecido. Logo, compreendemos que, assim como na Grécia Antiga, era a religião, e não
a lei, que determinava as normas sociais; ao mesmo tempo em que não podemos deixar de
observar que a religião, na maioria, das vezes age com uma poder de coerção bem mais
eficaz do que a própria lei.
A citação de Mazel deixa clarividente que o casamento nada mais era que um acordo
comercial que conferia ao pai a obrigação de pagar determinada quantia – que chamamos de
dote que poderia ser uma parcela de terreno, dinheiro ou outro bem que a família possuía –
para poder casar sua filha, que era entregue ao marido como uma mercadoria, já que existia
a "transação comercial" entre os dois interessados. Na cama de casados dos noivos, era
depositado o dinheiro oferecido pela a família da noiva a do noivo, e quem visitasse a casa
da pretendente costumava contribuir com dinheiro para a nova vida dos recém-casados.
Robert Flacelière, assim como Mazel acredita que "uma rapariga podia casar-se sem um dote,
mas isso só por exceção acontecia: parece mesmo que a existência do dote era sinal que
permitia a distinção entre o casamento e o concubinato”. (FLACELIÈRE, 1985, p. 71).
Não podemos deixar de fazer uma pequena digressão, já que, mais uma vez, podemos
traçar um paralelo entre a sociedade grega da época de Péricles com a nossa, posto que o
costume de oferecer um dote à família do noivo ao se casar também foi comum na cultura
brasileira, sobretudo na época colonial. Nesta sociedade a família, patriarcal e escravista,
determinava a oferenda de um dote à família do noivo.
A maioria dos casamentos era celebrada especialmente em Janeiro, período que
permitia uma maior proteção à mulher, já que este mês era dedicado às festividades da deusa
Hera, mulher de Zeus e defensora das mulheres e dos matrimônios; era também considerado
o mês da fertilidade.
O casamento, assim como todos os aspectos da vida dos atenienses, era
acompanhado de inúmeros rituais que legitimavam a união entre as duas pessoas. As
cerimônias religiosas "começavam no dia em que a noiva deveria mudar de para a casa do
noivo" (FLACELIÈRE, 1985, p. 73). A priori, a noiva entregava os seus brinquedos e todos os
objetos que se referissem a sua infância à deusa Ártemis, simbolizando o fim desse período
e a entrada numa nova fase da sua vida – a fase adulta. Logo após, as famílias dos noivos
realizavam sacrifícios a diversas divindades, tais como Hera e Zeus (deuses do casamento),
à Ártemis (deusa da virgindade) e à Ilítia (protetora dos partos), e adornavam a casa com
algumas plantas, como a oliveira e o louro. Em seguida, a prometida tomava o banho da noiva
e vestia a sua melhor roupa, enfeitando-se com uma coroa, já o futuro esposo também tomava
um banho especial, chamado de lustral; estes eram banhos rituais de purificação com água
da fonte Calírroe transportada em vasos especiais (os lutróforos) por mulheres em cortejo.
O pai ou tutor da noiva oferecia um banquete; durante a realização deste, a noiva tinha
o rosto coberto por um véu e uma coroa na cabeça. Um menino que tinha sido escolhido por
ter os dois pais vivos oferecia, aos convidados, pão que tirava de um cesto, ao mesmo tempo
em que declarava uma fórmula ritual – "Eu bani o mal e encontrei o bem". Ainda no banquete
trocavam-se presentes e comiam-se bolos de sésamo, que se acreditava favorecerem a
fecundidade aos noivos.
À noite, ocorria o ritual de condução da jovem para a sua nova casa; os noivos subiam
para um carro puxado por bois ou mulas, acompanhados por parentes e amigos que seguiam
a pé, carregando tochas e cantando o himoneu, ou o hino de casamento. Na porta da casa
do noivo encontravam-se os pais deste, prontos para receber a noiva; a mãe do noivo
segurava uma tocha na mão e o pai tinha uma coroa de mirto. Dava-se à noiva um bolo de
sésamo e mel ou uma tâmara. Atiravam-se então sobre a cabeça desta figos secos e nozes
enquanto era levada até ao fogo sagrado pela mãe do noivo. Chegava então o momento do
casal penetrar no seu quarto para consumar a união. Na porta do quarto ficavam jovens de
ambos os sexos, cantando. No dia seguinte, tinham lugar novos banquetes e sacrifícios.
Em Esparta o casamento se configurava num roubo, que representava a continuação
do ritual do matrimônio, que ia até o dia seguinte da ida da noiva a sua nova residência, como
nos mostra Mazel:
Quem se casava na Lacedemônia, raptava a mulher. A jovem, assim arrebatada
aos seus, era confiada a uma mulher chamada ninfeutria, que lhe cortava os cabelos
rentes, a enfarpelava com os fatos de homem e lhe metia os pés em calçado
masculino, acabando por a deitar num enxergão, sozinha e privada de luz. O noivo,
que havia tomado a sua refeição na companhia dos amigos, como habitualmente,
entrava, desatava-lhe o cinto e, tomando-a nos braços, levava-a para o leito. Depois
de ter com ela passado um espaço de tempo bastante curto, lá ia em seguida, dormir
junto com os seus camaradas. (MAZEL, 1988, p. 74).
O adultério feminino na Grécia era duramente a punido, sobretudo em Atenas, porque
era encarado como uma contestação à autoridade do marido. Este desvio se agravava ainda
mais quando surgia a hipótese de nascerem filhos ilegítimos, o que não era concebível em
uma sociedade na qual os casamentos só se realizavam com o intuito de gerarem filhos
legítimos que iriam continuar os ritos familiares, como já mencionamos anteriormente. Já o
adultério por parte dos homens só era punido se este tivesse se envolvido com a esposa de
outro homem, posto que as relações extraconjugais com hetairas e com outros homens era
uma prática corriqueira na sociedade em questão, conforme veremos mais adiante. Em caso
de adultério, o marido enganado tinha o direito de matar o ofensor, caso o apanhasse em
flagrante delito; aplicava-se o mesmo em caso de violação por parte da mulher cujo amante
não foi pego no ato da traição. O divórcio caracterizava-se no simples repúdio do marido pela
mulher.
(...) "Sejamos mais precisos: melhor que de homossexualidade, deveríamos falar
de relações entre pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo
homofilia. De fato, sem exacerbar o sentido do paradoxo, poderíamos até mesmo
afirmar que a homossexualidade não existe na Grécia".
Jean-Philippe Catonné

FORMAS DE AMOR E SEXUALIDADE ENTRE OS GREGOS ANTIGOS


A Grécia é uma civilização fascinante que sempre nos trouxe temas que geram
grandes interesses por parte dos estudiosos da referida sociedade, mas uma temática pouca
explorada é a relativa ao amor.
A História dos Annales, bem como a Nova História é uma corrente historiográfica que
contribuiu de forma significativa para colocar em destaque temáticas inusitadas, como
sexualidade, amor, sentimentos. Antes dela presenciamos a História que tinha como meta a
análise e a narrativa de aspectos referentes à política dos Estados e dos seus respectivos
governantes, cujos feitos e conquistas deviam ser ufanamente ostentadas. No entanto essa
História deixava à parte os verdadeiros agentes da história – o povo – com os acontecimentos
do dia-a-dia, como suas percepções de mundo e seus sentimentos. A nova vanguarda de
historiadores, influenciada pelos novos interesses históricos, passou a estudar não só o
homem em seu meio social, mas também seus dilemas internos, seus pensamentos, e –
porque não? – seus amores, bem como suas desilusões neste campo da existência humana.
A esse respeito, já que este trabalho tem como temática a vida dos gregos, não
poderíamos deixar de abordar as questões amorosas, que, como já foi dito, não estavam
inseridas no casamento, e sim fora dele, com as hetairas e/ou entre os próprios homens. Um
autor muito trabalhado para tal temática foi Robert Flacelière, cuja obra elenca os inúmeros
amores possíveis na Grécia de Péricles, que vai desde o amo heterogêneo, até o homogêneo.
Temos também a questão da sexualidade que, ao contrário do que pensa o senso
comum, não é sinônimo de feminilidade, posto que muitos homens usavam desse artifício
para adquirirem romances secretos com algumas personalidades – como Alcebíades com
Sócrates – ou com seus pupilos. Verificamos que raras mulheres eram "objetos de desejo"
por parte dos homens, na Grécia da referida época, e isso se dava pelo fato destas não
desfrutarem de um papel privilegiado na sociedade em questão – como detalharemos a
posteriori. Por isso a maioria dos homens relacionava-se entre si através de um amor
cognominado de "Amor de Grego". Este termo, como sabemos, é usado em nossa sociedade
de forma pejorativa, já que é sinônimo de homossexualismo, que, ainda segundo os nossos
parâmetros, não é bem quisto, ao contrário do que ocorria na Grécia.
O valor da superioridade do homem não se restringia apenas ao contexto familiar, mas
também ao social, militar, político e religioso. Essa suposta superioridade gerava uma
proximidade entre os homens gregos, já que o lugar das mulheres era no gineceu, resultando
numa atração entre uns aos outros. O homem dominara não só o corpo e seu conjunto, como
também a inteligência, bem como o amor, que normalmente era exercido entre um homem
mais velho – o professor ou filosófo – e um mais novo – o aluno. As relações homossexuais[1]
não alteravam a imagem do homem perante a sociedade, pois o amor ao belo, ao perfeito
não tinha sexo. Nada impediria estes homens desposarem ou cassarem com mulheres. "... o
apetite que a natureza tinha implantado no coração do homem para aqueles que são 'belos',
qualquer que seja o seu sexo". É bom deixar claro que na Grécia antiga não existiam palavras
para designar o que chamamos de homossexualidade ou heterossexualidade, visto que não
existia a idéia de sexualidade entre os gregos, está é uma construção cultural recente, que
segundo o supracitado autor data aproximadamente 200 anos. Vale também ressaltar que a
própria palavra homossexualismo na língua portuguesa é usada para aludir à afinidade,
atração e/ou comportamento sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. Como o dito termo só
foi criado no século XIX, os gregos antigos, evidentemente, não conheciam tal vocabulário.
Jean- Philippe Catonnè, em sua obra Sexualidade: Ontem e Hoje, afirma que para um
cidadão grego, a passividade sexual representava um problema, já que todos os homens
tinham que se mostrar ativos. Desde então, o amor entre rapazes confronta-se a uma situação
contraditória, que Foucault (1984) qualificou de "antinomia do rapaz", nela, o amado, ou o
rapaz, ocupa uma posição passiva, e o homem adulto, o amante, uma posição ativa. Ainda
segundo aquele, a função social da pederastia era a de ensinar ao rapaz a tornar-se um
cidadão, consequentemente, um homem sexualmente ativo, por meio de uma situação
paradoxal de passividade na relação amorosa. A contradição se resolve na distribuição dos
prazeres, uma vez que o rapaz era levado a proporcionar e não a obter, ou, ao menos, não
muito ostensivamente. Além disso, ela se desfazia num processo de passagem determinando
a idade. A relação cessa quando o jovem rapaz deixa de sê-lo um mero jovem; o sinal da
metamorfose era indicado pelo surgimento de pelos, no queixo e nas pernas. Para Jean-
Philippe, via de regra, se era rapaz entre os doze anos, a idade da flor, e os dezessete, a
idade dos pelos".
Algo bastante peculiar na história cultural da Grécia é que a relação sexual entre duas
pessoas adultas do mesmo sexo não era comum no mundo grego, e, quando ocorria, era
reprovada, principalmente entre dois homens, pois havia a preocupação com a questão da
passividade, posto que os dois tinham que ser ativos, o que era quase impossível. Um homem
não podia ter complacências passivas com outro homem, muito menos se este fosse um
escravo ou de classe inferior.
A pederastia – que para os gregos era o amor de um homem (geralmente com idade
acima de trinta anos) por um adolescente (entre os quatorze e dezesseis anos) – era então
um rito de iniciação daquela sociedade, que demarcava a passagem da infância para
adolescência, e desta, para o mundo adulto. Tal prática não prejudicava o casamento nem o
status do homem na sociedade, já que o fato de o homem ter sua esposa não o impedia de
se relacionar com um adolescente; nem o fato de se relacionar com o adolescente significava
o fim do seu casamento, pois o amor, nesse caso, era ao belo, ao sublime e o cultivo da
inteligência e da cultura em um ser em formação, sendo assim, este tipo de amor não tinha
sexo, portanto não podia se condenado pela sociedade. Nesse sentido o homem deveria ter
ascendência intelectual, cultural e econômica sobre o adolescente, afinal, ele complementaria
a formação do jovem, iniciando-o nas artes do amor, no estudo da filosofia e da moral.
O amor de gregos, pela visão de Robert Flacelière, é o amor mais prestigiado pela
sociedade grega, visto que era exercido pelos homens. Normalmente esse tipo de amor
iniciava-se durante a educação dos meninos que eram assistidos por um pedagogo – espécie
de tutor. Em Atenas o papel do pedagogo era exercido por um escravo que acompanhava os
meninos na escola e em todas as suas poucas saídas de casa; cabia a ele também manter o
menino em disciplina, para tanto, muitas vezes, o escravo fazia o uso de castigos físicos.
Em Esparta a educação cabia ao Estado, sendo assim o menino aos sete anos era
retirado do aconchego do lar para se dedicarem às práticas esportiva que viriam transformá-
lo num verdadeiro cidadão, capaz de proteger sua cidade. Entretanto é importante lembrar
que o ensino das primeiras letras não era desprezado, mas fica resumido a ler e escrever; o
resto da educação consistia em assimilar a obediência, em suportar tenazmente o cansaço
físico e em vencer no combate, conforme destaca Mazel.
Durante este processo de socialização secundária o menino era acompanhado por um
pedónomo – que corresponde ao pedagogo de Atenas. Eram esses tutores que
acompanhavam os meninos durante sua formação; muitas vezes, esses tutores se
aproveitavam de sua proximidade para seduzir os meninos, estabelecendo relações
amorosas com estes. Dentre estas relações entre iguais Flacelière destaca alguns tipos de
amores. O primeiro a ser destrinchado será o amor pedagogo, que tem como protagonistas o
filósofo Sócrates, que, como veremos, destinava não só sua atenção e seu conhecimento,
mas todo o seu desejo sexual aos seus discípulos, em especial, a Alcebíades. Assim
percebemos que não foi por acaso que Sócrates foi denunciado por corromper a juventude
não obstante à já mencionada liberdade de relacionamento desfrutada pelos gregos adultos
com adolescentes. Aqueles dois personagens traçaram uma relação de grande amizade e de
estima recíproca; Alcebíades admirava "a coragem física e moral", bem como a força e a
generosidade que permitem a Sócrates redistribuir seus alimentos. Este, por seu turno,
admirava as inúmeras características físicas daquele, como vemos no trecho que segue:
A resistência, superior a de todos os outros, que lhe permitia suportar os frios
rigorosos, caminhar descalço na neve, vestido apenas com o manto que trouxe de
Atenas, enquanto todos os seus vizinhos tremem, apesar de trazerem os pés
calçados e enrolados em faixas de feltro ou de pele de cordeiro.(MAZEL, ANO, p.
121).
Todavia, ao lermos o relato de Flacelière, percebemos que o sentimento que ligara
Alcebíades a Sócrates era muito mais admiração do que amor propriamente dito, já Sócrates
admirava a força e a resistência física daquele. O trecho que segue corrobora com tal
assertiva:
Sócrates, você está dormindo? – absolutamente, respondeu-me ele. Escute, sabe
em que estive pensando?... Você é, na minha opinião, o único amante digno de
mim, e é evidente que hesita em se declarar... Acho que é despropositado, também
neste caso, não ceder aos seus desejos, como naquele outro caso em que tinha
necessidade tanto de minha fortuna como de meus amigos. – Por mim, Alcebíades,
não posso encontrar melhor iniciador que você em matéria de amor e virtude, e seria
imperdoável não me beneficiar de suas qualidades. Que vergonha, e que erro para
eu não poder ceder aos desejos de um homem como você! – em essência, Sócrates
respondeu com ironia: ou você quer trocar minhas belezas reais e profundas pelas
belezas imaginarias ou efêmeras de suas formas? (MAZEL, 1985, p. 123).
Observamos em tal trecho que Sócrates iniciou sexualmente Alcebíades, da mesma
forma em que um pedagogo tinha a obrigação de mostrar aos seus discípulos, não só o
verdadeiro significado da filosofia, mas da vida e do amor. Logo, era comum, sobretudo em
Atenas, que os professores ou tutores mantivessem atitudes pederastas, contudo, estes
iniciadores não podiam ir contra as vontades dos meninos que dirigiam, visto que estes tinham
suas próprias vontades as quais tinham que ser levadas em consideração numa sociedade
formada para eles.
Sendo assim, o único caminho que restava ao professor que não era bem quisto pelo
aluno, na sua iniciação amorosa, a corte, que se caracterizava por uma ritualização
envolvendo a aproximação do homem que estivesse interessado por um adolescente. A
"corte" era necessária para que a relação tivesse o caráter de bela e moralmente aceita. Os
papéis, nesse caso, eram bem definidos; o homem fazia a corte e o adolescente (erômeno)
era o cortejado, podendo deixar-se conquistar, ou não.
O adulto ao cortejar, presenteava, prestava favores, ia ao ginásio ver o adolescente se
exercitar – como sabemos os exercícios físicos na Grécia antiga eram acompanhados pela
nudez dos atletas –, muitas vezes aqueles praticavam com ele os exercícios físicos até a
exaustão, já que a idade não permitia aos mais velhos o mesmo vigor físico da juventude. O
adolescente, por sua vez, deveria ser gentil e ao mesmo tempo por à prova o amor do
pretendente, cuja conquista era incerta, pois caberia ao jovem a palavra final.
O segundo tipo de amor a ser abordado será o amor servil, representado, segundo
Flacelière, por Neaira, este é o amor realizado de forma profissional, já que era o praticado
pelas hetairas. O amor servil pode ser resumido como prostituição que era executada tanto
por homens como por mulheres, esta era uma atividade corriqueira na vida quotidiana dos
Gregos, sobretudo na época de Péricles. As cidades gregas, especialmente aquelas mais
importantes, utilizavam nos seus portos uma parte da população que empregavam pessoas
que prestavam seus serviços amorosos, representando uma atividade econômica de grande
relevo. Esta atividade não era realizada na clandestinidade, posto que as cidades gregas não
a puniam a ponto de os bordéis ou casas destinadas a tal finalidade trabalhavam à vista da
população, sendo aberta a quem quisesse desopilar suas eventuais angústias conjugais.
Um ponto bastante interessante é que em Atenas foi atribuída à Sólon a criação de
bordéis estatais com preços regulados, pelas suas leis. A prostituição envolvia de forma
desigual os sexos: mulheres de todas as idades e jovens do sexo masculino prostituíam-se
para uma clientela majoritariamente masculina, como é o caso de Timarco – e o seu amor
abrasador. Este era um jovem que se prostituía desde de muito novo, que "mal saído da
infância, estabeleceu-se no Pireu, onde se faz passar por estudante da arte médica. Na
realidade, ele prefere se prostituir ali. Nessa época, numerosos comerciantes, estrangeiros
ou atenienses dormem com ele" (MAZEL, 1985, p. 82).
A partir das afirmativas feitas por Flacelière, observamos que a homossexualidade era
comum entre os homens e também entre as mulheres; estas relações, assim como todos os
aspectos da vida do mundo grego, foi justificado por um mito, criado pelo poeta cômico
Aristófanes:
Era uma vez... Três gêneros: um macho, uma fêmea e um andrógino...Cada um
possuía oito membros, mas também dois rostos, quatro orelhas e "as partes
vergonhosas em dobro", atribuindo-lhes "uma força e um orgulho extraordinários"
pelos quais os deuses se inquietaram. Zeus resolveu dividi-los em dois, ameaçando
dividi-los novamente se sua impudência continuasse... O que importa para nos é
que doravante, "o homem tem saudade de sua própria metade", da qual foi
amputado, e que Eros, o que torna a unir nossa natureza primitiva, reaproxima o
homem de seu semelhante; naturalmente, pode-se então falar do desejo como
resultado de um dilaceramento, e do amor como do efeito de uma cicatrização (
MAZEL, 1985, p. 126).
Ainda segundo a concepção de Flacelière:
Na vida, portanto, "deitadas ao seu lado, enlaçadas com eles", as metades
masculinas se unem para produzir os melhores efebos, os mais viris, os que, longe
de ser "impudicos", são o orgulho de Eros. Nessa volta ao estado idílico que
precedeu a falta, as coisas tornam a entrar na ordem, o amor se reencontra, se cura;
o amor homossexual está longe de ser um desvio ou mesmo um extravio. Mas
permanece o problema da escolha do amante. (MAZEL, 1985, p. 127).
Sendo assim, entendemos que Aristófanes explica a necessidade do amor entre os
homens, mas não podemos deixar de ressaltar que entre as mulheres era, também, comum
o amor homossexual, já que as mulheres, sobretudos as atenienses, eclusas no gineceu,
acabam por ceder aos encantos de outras mulheres, que conviviam com os seus dilemas,
conflitos e solidão de um mundo em que tudo era reservado para os homens. Temos também
um nítido exemplo de homossexualismo na cidade de Lesbo, onde as meninas tinham um
acompanhamento não só educacional, mas também sexual, por parte de suas tutoras.
Nesse viés, não poderíamos deixar de citar Epicuro e o amor filósofo, que tem por
finalidade dar um senso de direção a uma juventude perdida, já que para ele: "os tempos são
incertos; os espíritos estão angustiados pelos desmoronamento dos valores-refúgios, das
estruturas sociais e dos suportes religiosos".(MAZEL, 1985, p.155). O amor que Epicuro
destinava a seus iguais – ao contrário daquele que Sócrates oferecia aos seus seguidores –
que era mais um amor pederasta do que um amor pedagogo – era um apoio moral a juventude
diante de tantos conflitos pessoais e das angústias que o mundo reservava a tal juventude.
Epicuro acredita que só "somos felizes a partir do momento em que não temos mais
medo, medo de sentir dor, medo do amanhã, medo de si, medo dos deuses, medo da morte.
Todos esses medos perturbam a alma e transtornam a razão". (MAZEL, 1985, p. 157). Com
isso entendemos que "Epicuro trabalha para reconciliar o homem consigo mesmo e com a
natureza". (FLACELIÈRE, 1985, 161) e não busca um amor pederasta como os outros
filósofos.
Isto posto, o próximo tipo de amor a ser abordado é o de Hera, como seu amor
conjugal, que cuida do bom exercício do matrimônio, por isso as mulheres, como vimos acima,
realizavam um culto a referida deusa para que ela cuide e cultive um bom casamento. Em
contrapartida, temos Afrodite com o seu amor fatal, que só serve para causar brigas e
separações. Esta divindade "representa o amor aí o amor físico, a união carnal e sensual
ligada à natureza dos corpos e as necessidades da espécie" (FLACELIÈRE, 1985, p. 181). O
amor de Afrodite está relacionado aos diversos desentendimentos da mitologia, dentre elas a
que se refere à Guerra de Tróia, já que esta deusa influenciou a fuga de Helena para Tróia,
no intuito de ficar com seu amante Páris, em detrimento de Menelau – o grande espartano.
No desfecho da guerra percebemos que a sua verdadeira causa foi a rivalidade que Afrodite
tinha com a família de Menelau.
O último amor a ser analisado é o amor real, representado pela figura de Péricles e
Aspásia. Este era considerada uma cortesã que consegui conquistar o coração do grande
líder ateniense, que após um casamento mal-sucedido, que acabou num divórcio, se uniu à
referida mulher, que tinha uma elevada cultura e educação. Sendo natural de Samos, Péricles
não podia desposá-la porque os matrimônios com mulheres daquela ilha não estavam entre
os que eram consentidos entre atenienses e estrangeiros.
Mais bela (EVA) que Pandora a quem os deuses
Cumularam de todos os seus bens
E, ah! Bem semelhante na desgraça,
Quando ao insensato filho de Jafet
Por Hermes conduzido, a humanidade
Tomou, com sua esplendida beleza,
E caiu a vingança sobre aquele
Que de Jove furtou o sacro fogo.
(BULFINCH, 2001, p. 25).

IMAGEM DA MULHER NA HISTÓRIA E NA ARTE


A mulher não tinha uma posição de grande importância em Atenas, posto que não
participava da vida social, a qual ficava a cargo dos homens que não regiam apenas a
sociedade, mas também a vida daquelas. Este é um fato bastante paradoxal, visto que a
mulher, desde os primórdios da civilização grega, ou seja, desde o Período Creto-micênico,
fazia-se presente na religiosidade, representada pela Grande Mãe, deusa da fertilidade, que
conferia ao sexo feminino um papel relevante não só na religião, mas também na sociedade.
Com o passar do tempo e com os acontecimentos históricos que marcaram a história cretense
– como a chegada de novos povos – geraram significativas mudanças socioculturais que
resultaram, paulatinamente, na diferenciação social, colocando as mulheres em uma posição
inferior aos homens.
Não podemos deixar de ressaltar que apesar de a mulher ter sido exonerada de seu
status social e dos inúmeros papéis de realce da sociedade, ela não perdeu seu destaque e
sua posição na religião, uma vez que uma das principais divindades da cidade de Atenas era
a deusa Atena. Esta era a divindade mais cultuada da referida cidade, tendo seu próprio e
esplendoroso templo – a Acrópole – que fazia parte da vida cotidiana dos habitantes da
supramencionada urbe. Poderíamos citar tantas outras divindades do sexo feminino – como
Hera, Afrodite, etc – mas, advertimos que estas ficaram numa posição secundária, já que o
título de deus supremo ficou a cargo de Zeus. Estas, como veremos mais adiante, tinham uma
astúcia que só servia para prejudicar os homens, como isto, observamos que a mulher
começou a declinar em importância religiosa.
A História nos mostra que a ateniense apesar de ser considerada cidadã, estava na
mesma posição dos escravos e estrangeiros que por serem socialmente inferiores estavam à
margem das decisões sociais e políticas da cidade, que era governada pelos cidadãos, ou
seja, pelos homens. Na maioria das vezes, a mulher ficava privada até das decisões
referentes a sua própria família; sua vida se restringia à estadia no gineceu – lugar reservado
às mulheres – onde ficavam reclusas, longe das vistas masculinas e longe das ruas, já que,
estas eram um recinto de imoralidade e perdição, habitada por mulheres que tinham por
profissão agradar e satisfazer as necessidades dos maridos das outras – por meros dracmas
– que não viam suas esposas como seres capazes de afirmarem suas masculinidades.
Um grande sociólogo brasileiro, Roberto Damata, traz uma comparação que, apesar
de ser bastante atual, é de grande importância para tal temática, uma vez que nos retrata a
concepção e a diferença entre a mulher casada e a hetaira do século de Péricles.
Realmente, a mulher tem – no Brasil e no mundo mediterrâneo – uma posição
ambígua, com duas figuras paradigmáticas lhe servindo de guia. A Virgem–Mãe,
isto é, da mulher que tem a sexualidade controlada pelo homem a serviço da
sociedade e é mãe permanecendo virgem. E a mulher com puta. A mulher que não
é controlada pelos homens. Ao contrario, é controladora e centro de uma rede de
homens todos os tipos, pois quem é a puta senão aquela que põem os homens em
relação? Como Virgem–Maria, a mulher não tem senso de comparação nem
medida, seu poder provindo da virtude. Como puta, ela reprime e susta seu poder
reprodutivo (pois a mãe–puta é uma ofensa e uma contradição)... (DAMATA, 1997,
p. 141).
O nosso autor continua:
Assim, como Virgem – Mãe a mulher abençoa e honra seu lar. E como puta ela
confere masculinidade aos homens. Num caso, a mulher coloca os poderes
reprodutivos acima dos favores (e prazeres) sexuais (é a Virgem-Mãe); noutro
coloca sua sexualidade acima da reprodução (é a prostituta). Ora, o lugar de cada
um desses personagens...é bastante claro. A Virgem e a mãe ficam em casa, no
local sagrado e seguro onde os homens têm o controle das entradas e saídas. Mas
a puta fica na "rua", "nas casas de tolerância"; em locais onde o código na rua invade
e penetra o local de moradia. (DAMATA, 1997, p. 142).
Roberto Damata deixa claro que o lugar da mulher casada e daquela destinada ao
casamento seria em sua casa, embaixo dos olhares da família, saindo apenas quando
necessário. É pertinente classificarmos com maior ênfase tais necessidades inadiáveis, que,
até o século XIX e começos do XX, faziam com que o sexo feminino pudesse ser visto, ainda
que de relance, através das pequeninas janelas das afamadas – e cobiçadas – cadeiras de
arruar, tão evocadas por Mário Sette em sua obra memorialista/sentimentalista Arruar: história
pitoresca do Recife Antigo (1978). Pois bem, não ignoramos hoje que nas vias públicas
recifenses de outrora, bem como nas demais cidades, ao dito sexo frágil, à exceção das idas
à missa e ao confessionário, era consentida a saída tão somente em três épocas de sua
existência: quando de seu batizado, à época de seu casamento, e na ocasião de seu enterro.
Mas ainda poder-se-ia indagar o porquê de tantas idas à Igreja, mas especificamente
ao confessionário. A resposta não exige muita reflexão, posto que o padre confessor cumpria
o papel de psicólogo destas mulheres, que precisavam desabafar seus temores, suas
frustrações e suas tensões diante de casamentos, via de regra, arranjados com homens que,
muitas vezes, tinham a idade suficiente para ser seus pais, e, que, seguindo os padrões da
época, não entendiam seus desejos e interesses.
Diante dessa vida tão reclusa, de tanta repressão exalada pela família patriarcal – cujo
código de ética indicava que a mulher, quando solteira, obedecesse ao pai, ao se casar,
aquiescesse aos desmandos do cônjuge, e caso enviuvasse ainda teria de se submeter, a
rigor, às "ordens" do filho mais velho – entendemos como interessante reportarmo-nos,
novamente, ao caso das gregas, que só saiam quando precisavam comprar roupas ou ir as
festas religiosas; vale lembrar que as atenienses sempre saíam acompanhadas por alguém
da família.
Às mulheres dignas de respeito, mesmo no início do século XX, não era nada
conveniente serem encontradas desfilando pelas ruas desacompanhadas. Aliás, mesmo
resguardadas por pai ou maridos, não era de bom tom a exposição recorrente no passeio
público, que só era permitido as idas a templos religiosos.
A rua, para estas, seria o lugar das aventureiras ou – usando as palavras de Roberto
Damata – das putas, que estavam em busca de alguém que quisesse fazer uso do único bem
que lhe restava – o corpo e a sua experiência nas práticas amorosas. Percebemos, com as
citações usadas, que os anos se passam e as concepções e/ou culturas tornam-se pouco
mutáveis a ponto de permitir que alguns valores perpassem pelo tempo, muitas vezes,
aproximando uma civilização da outra.
Várias foram as teorias usadas pelos gregos para justificar a inferiorização da mulher
na sociedade; dentre elas, podemos ressaltar os mitos, que se propõem a explicar as causas
primárias da existência humana assim como todos os fenômenos sociais de sua civilização.
Tal literatura nos permite adentrar, até certo ponto, na mentalidade da época, bem como seu
cotidiano, costumes e crenças. Muitas das comédias trazem as ditas imoralidades praticadas
por algumas personalidades; mostram-nos também o sexo feminino, dependente e resignado
com seu pequeno papel social, num mundo criado para os homens e dominados por eles.
Uma explicação para a referida condição submissa é o fato de a mulher, na visão
ateniense, estar ligada ao pecado, seus atos e sentimentos, sobretudo à curiosidade, só
serviram para espalhar os males que afligem a humanidade, que seria perfeita se fosse
dominada pelos homens, seres dotados de sabedoria.
Ao lermos certos autores, percebemos que há uma comparação da mulher grega com
Eva, a autora do pecado original, que por causa da sua personalidade influenciável e por sua
curiosidade em demasia, contribuiu para trazer a morte, assim como a dolor e o labor a uma
suposta humanidade que seria isenta de todos as mazelas mundanas. Uma das inúmeras
narrativas mitológicas que nos traz tal comparação é a de Pandora, como vemos na obra de
Thomas Bulfinch (2001, pp. 19-20), esta mulher foi criada por Júpiter e ofertada como presente
a Prometeu, contudo, este "pobre homem" não sabia dos intentos maquiavélicos da deusa
que o queria punir pela ousadia de ter furtado o fogo do céu e dado ao homem.
Pandora, embevecida pela curiosidade, abriu uma caixa que Prometeu guardara em
sua casa, a qual possuía certas pragas que iriam acabar com a humanidade, a esperança,
que era a única salvação do homem ficou, presa. Assim o ser humano ficou a mercê de todos
os horríveis sentimentos que podem afligi-lo, sem ter com o que se consolar. Nessa atitude
insensata, Pandora colocou em risco a humanidade, tal como Eva colocara um fim ao plano
de uma sociedade perfeita idealizada pelo Criador.
Um outro autor usado foi Jacques Mazel, ele nos oferece a concepção de alguns
escritores como Hesíodo, que faz a seguinte assertiva:
A mulher é recoberta de todos os males; queixa-se desse ser feminino moldado
pelos deuses por ordem de Zeus para o castigo dos homens. Esse "mal tão belo",
ordado "pela graça, pelo doloroso desejo, pelas preocupações que partem os
membros", encerra "um espírito imprudente, um "coração artificial". A mulher é uma
armadilha, a mulher esta destinada a enganar o homem, pelo menos a pô-lo à prova.
Cúpidas, insatisfeitas, ingratas, cruéis – "elas armazenam em seu ventre os frutos
das dores de outrem" – as mulheres são identificadas com Pandora, que levanta a
tampa da caixa de onde saem todos os flagelos da vida. (MAZEL, 1988, p. 108).
Um outro mito que corrobora com tal óptica é de Zeus e Hera. Mazel afirma que Hera
usou de todos os meios para conquistar Zeus, fez uso até do cinto de Afrodite, que continha
"ternura, desejo e práticas amorosas com finalidades sedutoras, capazes de enganar o
coração até do mais sábio". (MAZEL, 1988, p. 204). Sendo assim, Hera conseguiu conquistar
o deus dos deuses, fazendo cair num sono profundo, quando este despertou viu que tinha
perdido todo o seu trabalho de fazer os atenienses vencerem a Guerra de Tróia, vendo o
corpo de Heitor atirado ao chão, Zeus se encheu de fúria e descobriu logo a trapaça de Hera.
Portanto, a mulher, para os gregos, era dotada de um gênio mal que a levava a
enganar os homens, por isso uma forma de conter esse gênio era aprisioná-la em um lugar
destinado a elas – o gineceu – impedindo que estas entrassem em contato com o mundo
exterior, que era destinado apenas aos homens. "Quem deixasse de falar mal das mulheres
era um infeliz, e não um sábio (MAZEL, 1988, p. 109), portanto um verdadeiro sábio na
sociedade ateniense era aquele que inferiorizasse a mulher".
Alguns pensadores, como Platão e Aristóteles igualavam o homem à razão, à ordem
e ao controle, enquanto mulher representava o irracional. Nos seus escritos percebemos que
estes descreveram a natureza das mulheres e afirmavam que as mulheres, comparadas aos
homens, são movidas a lágrimas, ciúmes, lamúria, repreensão, violência, melancolia;
detentoras de um vazio de vergonha, possuíam um discurso inexato e enganoso. Baseando-
se nos escritos dos supramencionados filósofos, os homens acreditavam terem sido feitos por
Zeus para controlarem as mulheres, assim como os homens livres dominam os escravos e a
razão domina o irracional.
Um outro filósofo que não media esforços para minimizar as mulheres foi Sócrates que
agradecia todo dia pela manhã a Zeus por ter nascido homem, dotado de razão; acreditava
que a mulher era regida por uma animalidade e uma bestialidade, que a aproximava mais aos
animais do que ao homem propriamente dito, isto se dava porque seus corpos e suas funções
pareciam estar mais ligados aos processos da natureza, por isso mais instintivos e menos
racionais, já que nos seus corpos havia o predomínio do fluxo vital – o sangue – representado
pela menstruação.
Um autor que corrobora tais ideias é o filósofo Diógenes de Apolônia, este assertava
que a fraqueza mental da mulher estava diretamente ligada aos fluídos, acreditava que estes
podiam "enevoar um espelho de metal, tirar o corte de uma lâmina de aço, o brilho do marfim,
enferrujar bronze e ferro, destruir colméias de abelhas e enlouquecer cachorros".
Escritores médicos da época grega atribuíam um grande número de distúrbios
psicológicos e fisiológicos à descarga inadequada causada pelo sangue menstrual, posto que,
quando a menstruação é retida, não podendo fluir para fora, ela acabava fluindo de volta para
o útero e dele para dentro do coração e da mente – que segundo os gregos estavam localizada
no peito – levando, dessa maneira, à insanidade e/ou causando tendências assassinas ou
suicidas. O "útero errante" era considerado uma das enfermidades mais sérias da história da
medicina grega. De acordo com Hipócrates, quando o útero desejava procriar e não podia
conceber, ele ficava com raiva, movendo-se por todo o corpo, bloqueando passagens de ar e
causando todos os tipos de doenças, tais como: asfixia, torpor e espumação na boca. A cura
era atrair o útero de volta ao lugar com supositórios vaginais aromáticos (simbolizando a
relação sexual), todas essas enfermidades serviam para ressaltar sua influência letal da
mulher à sociedade em questão.
As sátiras também contribuíram para o desenvolvimento da visão negativa do
feminino, Semonides, categorizou os desejos do sexo frágil a desejos bestiais que estavam
ligados a um animal ou elemento natural, assim surgem diversos tipos de mulheres: a porca,
a raposa, a da terra – que era estúpida e preguiçosa – a do mar – que era extremamente
emocional, rindo feliz num dia, enraivecida em outros – está última era a mais temida por
Sócrates, que mandou embora suas mulheres, ao ingerir a cicuta, para que seus últimos
minutos na terra não fossem preenchidos com as incômodas demonstrações emocionais e
exacerbadas das ditas inferiores.
O supracitado autor acreditava que a "mulher abelha" era a ideal ao casamento a
mulher, sendo esta é a única que simboliza a boa mulher, já que trabalhava duro, não tendo
tempo de criar problemas ao marido. Esta amava seu marido, tinha filhos e evitava a fofoca
sexual de outras mulheres; este tipo de ser tinha sua sexualidade completamente subordinada
aos afazeres domésticos, que ela cumprira como uma abelha, o que lhe permitiu manter sob
controle outros desejos e paixões, tão criticadas em uma sociedade machista e controladora.
Já Aristófanes, em Banquete, nos mostra um exemplo de comparação da mulher com
um animal, especialmente a leitoa, nela temos Mégara que tenta vender suas filhas para o
sexo, ou seja, ao que parece ao casamento, anunciando-as como "leitoas do mistério" que
irão fazer os mais belos leitões para sacrificar a Afrodite, a deusa do amor fatal. Esta alegoria
se dava porque a leitoa estava ligada à fertilidade, sendo assim, uma "mulher leitoa" poderia
oferecer inúmeros filhos sadios, sobretudo varões, que pudessem dar continuidade à religião
familiar.
Uma outra justificativa para a exclusão da mulher estar na legislação de Sólon, que
determina a sua posição, o estabelecimento do casamento, que seria "um mal necessário"
(MAZEL, 1988, p. 207), sua função e até a proibição do luxo, o que restringia o número de
peças de roupa por ano, com a finalidade de não onerar os seus maridos. Sólon, ainda
segundo sua "grande sabedoria" "poupará às mulheres livres até mesmo o risco de amar,
condenando-as a evitar a estima dos homens para poderem ser estimáveis". (MAZEL, 1988,
p. 107).
A educação que as mulheres recebiam era distinta da dos meninos, visto que "visava
apenas fornecer os rudimentos que permitirão à futura mulher servir" ao marido. No gineceu,
a mulher aprende que uma boa esposa é aquela que pouco viu, ouviu e falou, sendo assim,
escasso era o seu contato com o mundo exterior, restringindo-se apenas às saídas às festas
religiosas. Robert Flacelière asserta que "se as mulheres casadas raramente cruzavam o
limiar da porta exterior de casa, as jovens, essas, mal se avistavam no pátio interior, pois
deviam viver longe de vistas alheias, separadas até dos membros masculinos da própria
família”. (FLACELIÈRE, 1985, p. 65).
Com o que foi visto até agora, não nos arriscamos ao afirmar que a mulher não tinha
vontades próprias, o seu querer estava, a priori, na vontade de seu progenitor, que escolhia
o seu pretendente e a "prometia por volta dos catorze anos, após ela é transferida para a casa
do pretendente, onde a festa (de casamento) assume por vezes o aspecto de um rapto".
(MAZEL, 1988, p. 110).
Normalmente a mulher não tinha autonomia em escolher o seu pretendente, o que
ficava a cargo do pai, o casamento como vimos, era uma espécie de comércio, em que o pai
pagava – o dote – para tirar dos seus ombros um fardo que, se não fosse a existência do
casamento, teria que sustentar para o resto da vida. Mazel (1988, p. 210) nos mostra que "de
todos os seres dotados de razão, que vivem sobre a terra, as mulheres é que tiveram o destino
mais desgraçado. Por alto preço temos que comprar os esposos e a ele nos sujeitar. Toda a
felicidade da nossa vida depende do bom ou mau esposo que nos couber". A mulher ao
assumir seu papel de esposa teria que aceitar as suas atividades sem nunca rivalizar com os
seus maridos nem se opor a eles.
O papel de esposa começa a ser interiorizado a partir do transporte da noiva à casa
do seu futuro esposo, já para "simbolizar sua vocação industriosa, traz à mão uma espécie de
cetro e símbolo de sua feminilidade – uma grelha e uma peneira". (MAZEL, 1988, p. 209).
Mas observamos que mulher, mesmo depois de casada continuava na mesma situação, que
se perpetua até o fim de sua existência.
Não poderemos deixar de ressaltar que a sociedade que estava, até o momento,
sendo retratada foi a Ateniense, que como vimos tinha uma política de exclusão e
diferenciação sexual, resultando na opressão das mulheres e seu isolamento no gineceu;
contudo fica clarividente que as mesmas condições da mulher ateniense não são verificada
em todas as cidades grega, posto que estas se diferenciavam de acordo com a situação
geográfica, já que algumas regiões da Grécia eram formadas por cadeias de montanha ou
cortada por mares, o que dificultava o acesso a outras cidades, gerando um isolamento por
parte de algumas, como o caso de Esparta – que possuía uma sociedade organizada de forma
rígida, xenófoba e avessa a mudanças.
É importante lembrar que a Grécia de Péricles passou por uma expansão territorial,
chegando à região da Ásia Menor, que, apesar de ser considerada uma possessão grega
tinha uma cultura e sociedade própria, o que gerou diferenças socioculturais significativas,
distinguindo uma sociedade de outra e gerando peculiaridades próprias de normas sociais, e,
consequentemente, de comportamentos.
Dentre as sociedades que trazem um comportamento distinto da existente em Atenas,
é a cidade de Esparta, que, apesar de não ser democrática, não tinha uma política de exclusão
da mulher. Enquanto que a mulher ateniense fica submetida ao gineceu longe dos olhos
alheios, as espartanas, assim como os rapazes, ficavam em público exercitando o seu corpo,
já que precisavam ter corpos perfeitos e fortes para gerarem os verdadeiros cidadãos. O
objetivo, segundo Mazel, era "preparar mães de famílias robustas e vigorosas e mulheres
dotadas de qualidades viris". (MAZEL, 1988, p. 96).
A posição das mulheres na cidade de Esparta foi muito criticada por alguns filósofos,
sobretudo Aristóteles, na sua obra Política; este diz que o sistema que político-social Esparta
tinha muitas falhas, dentre elas a relativa liberdade que ofereciam as mulheres. O nosso
filósofo acreditava que os cidadãos espartanos sofriam ameaças não só dos hilotas, mas
também das mulheres. Segundo ele, as espartanas tinham inúmeros defeitos, eram
licenciosas, depravadas e luxuriosas. Acusava-as, principalmente, de mandarem nos maridos,
deixando subentendido que o motivo disto estava no fato de muitas viúvas casarem
novamente, levando consigo os direitos sobre o lote de terra (kléros) cultivado pelos hilotas.
A concepção de Aristóteles em relação às mulheres espartanas pode ser expressa
nas seguintes palavras:
(...) da mesma forma que o homem e a mulher são parte da família, é óbvio que a
cidade também é dividida em uma metade de população masculina e outra metade
de população feminina, de tal forma que em todas as constituições nas quais a
posição das mulheres é mal ordenada se pode considerar que metade da cidade
não tem leis. Foi isto que aconteceu na Lacedemônia, pois o legislador, querendo
que toda a comunidade fosse igualmente belicosa, atingiu claramente o seu objetivo
com relação aos homens, mas falhou quanto às mulheres que vivem
licenciosamente, entregues a todas as formas de depravação e da maneira mais
luxuriosa. Disto resulta inevitavelmente que numa cidade assim estruturada a
riqueza é excessivamente apreciada, especialmente se os homens se deixam
governar pelas mulheres (...) Existia tal característica entre os Lacedemônios, e no
período de sua hegemonia muitos assuntos eram decididos pelas mulheres (...) as
mulheres se tornaram possuidoras de cerca de dois quintos de todo o território da
Lacedemônia, por causa do grande número delas que herda propriedades e da
prática de dar grandes dotes (...) o mau comportamento da mulher não somente
infunde um ar de licenciosidade à própria constituição, mas também tende de certo
modo a estimular o amor à riqueza.(Aristóteles, Política, VI, 1270 a-b, pp. 60-61).
Na ilha de Lesbos – cidade oriental que ficava situada a Norte do Egeu – temos um
exemplo atípico da posição da mulher na sociedade grega, já que sua situação "nessa região
é eminente há muito tempo, consequência de um antigo matriarcado que confia em suas
divindades femininas". (MAZEL, 1988, p. 141).
Nessa sociedade vemos que a mulher tem uma situação contrária a da mulher
ateniense, já que, é considerada cidadã e domina a educação, sobretudo das jovens para
assegurar que esta tenha uma "formação que habilite a realizar aquilo que dela se espera.
Assim como ocorria com os homens na educação ateniense e espartana – que ficava a cargo
dos homens e era para os homens – em Lesbo a educação se não fosse voltada apenas para
as mulheres era, pelo menos, dava a elas uma maior importância. Estas eram monitoradas
por uma mulher que regia os estudos de determinada instituição pedagógica, acompanhando-
as em seus estudos.
Percebemos, com isso, que, da mesma forma que ocorria nas cidades de cunho
machista que foram estudadas acima, as tutoras mantinham relacionamentos amorosos com
suas pupilas, alicerçando o homossexualismo entre as mulheres, que, como nos mostra
Mazel, também era comum em Atenas. Nessa cidade o sexo feminino que estava restrito a
ele mesmo encontrava nas suas companheiras de gineceu a compreensão e afetividade que
os homens lhes privavam.
Percebemos que também na cidade da Jônia as mulheres tinham não eram excluídas
e nem viviam confinadas no gineceu, como vimos em Atenas, quem nos afirma isto é Mário
Attilio Levi, biógrafo de Péricles; ele alude sobre o relacionamento amoroso que Péricles teve
com Aspásia, mulher de grande cultura e elevada educação, detentoras dos costumes das
mulheres da cidade Jônia.Aspásia representa exceção na história grega. Seu nome chega até
nós por causa de vida em comum com Péricles, que eclipsou a política ateniense na época
clássica.

CONCLUSÃO
Este trabalho serviu para aperfeiçoar nossos conhecimentos a respeita do mundo
grego, já que nos preocupamos com os outros aspectos da história da Grécia, que pelo que
vimos, não se resume a guerras e conquistas territoriais. Observamos a vida dos gregos,
sobretudos as dos atenienses e espartanos, bem como suas crenças, praticas cotidianas,
ritos e também seus preconceitos, em especial aqueles que se referem ao dito sexo frágil.
Um ponto interessante na vida dos gregos é aquele que se refere aos aspectos
religiosos, que estão presentes em todo o cotidiano grego, já que observamos que existe um
rito para cada função social, sendo assim, podemos comparar tal sociedade com a sociedade
do medievo, posto que as duas eram regidas por uma (s) entidade (s) religiosa (s), com suas
sanções e castigos que serviam para disciplinar e manter a sociedade em ordem.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ARISTÓTELES. Política. Brasília, UnB, 1997.
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da Mitologia – (IDADE DA FABULA) – História de deuses e heróis:
Ediouro. Tradução de David Jardim Júnior 14° Ed. – Rio de Janeiro, 2001.
CATONNÉ, Jean-Philippe. Sexualidade: ontem e hoje: Cortez, São Paulo, 1994.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª
edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FLACELIÈRE, Robert. A vida cotidiana dos gregos no século de Péricles: Livros do Brasil. Tradução:
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FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2 - o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
LEVI, Mário Attilio. Péricles: um homem, um regimento, uma cultura: UNB, Brasília, 1991.
MAZEL, Jacques. As Metamorfoses de Eros: O Amor na Grécia Antiga: Martins Fontes. São Paulo,
1988.
SETTE, Mário. Arruar: História Pitoresca do Recife Antigo. 3ª edição. Recife: Governo do Estado de
Pernambuco, 1978.

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