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que ela ao mesmo tempo manifesta aqueles instintos e desejos que foram
reprimidos pela civilização e representa um meio para dirigi-los e racionalizá-los
(ADORNO, 1938/1991). O potencial da música como refúgio para aquilo que,
expulso da cultura, fascina e aterroriza os homens, permanece pela idiossincrasia
de sua técnica intrínseca. No entanto, também permanece o potencial, que parece
ser predominante, de a música pregar uma falsa harmonia e uma falsa
conciliação do homem com o âmbito da natureza, do finito e do assustador,
através de um encantamento agradável que conforta e conforma.
As funções mágica e sagrada são características das primeiras execuções
musicais, pois essas acontecem num contexto de medo e tentativas de delimitação
da natureza. Presente desde os primórdios da relação do homem com a natureza,
a música tem uma de suas raízes no fetichismo. Wisnik (1989) afirma que
O autor (1973/2011) afirma ainda que “o sujeito que, por meio da forma de
seu trabalho, foi desapropriado da relação qualitativa com a esfera do objeto,
torna-se com isso, necessariamente vazio” (p. 127), vindo a música a colorir esse
vazio de sentido interior. Ante tal tempo, “estrangulado pela repetição”, a função
da música se reduz a criar a ilusão de que, afinal, algo se transforma e se move, o
que não é senão um embuste, uma falsa promessa de felicidade que se instala no
lugar da felicidade mesma (p. 123). Porém, Adorno (1973/2011) argumenta que os
homens têm medo da passagem do tempo, inventando, por isso, “metafísicas
temporais compensatórias” (p.128), culpando a passagem do tempo por já não se
sentirem mais vivos no mundo reificado. A música, por sua vez, dissuade os
homens desse incômodo com a reificação, confirmando a sociedade que ela mesma
entretém e operando como ideologia ao atestar o existente (ADORNO,
1973/2011). Ela conforma, no sentido em que “arvora-se em uma insípida
afirmação da vida, própria aos anúncios de casamento e que nunca é assombrada
pela lembrança do mal ou da morte” (ADORNO, 1973/2011, p. 121).
Na contrapartida subjetiva da fetichização do material musical está o que
Adorno conceitua “regressão da audição”, que é discutida não como “um regresso
do ouvinte individual a uma fase anterior do próprio desenvolvimento, nem a um
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS