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Organização
Natalia Hanazaki
Dannieli Firme Herbst
Júlia Vieira da Cunha Ávila
Marian Ruth Heineberg
Thiago Caio Celante Gomes
Revisão
Dannieli Firme Herbst, Júlia Vieira da Cunha Ávila,
Marian Ruth Heineberg, Natalia Hanazaki, Thiago Caio Celante Gomes
Capa e diagramação
Kelly Rhein Gerevini
Culturas e Biodiversidade: o presente que temos e o futuro que queremos. Anais do VII Semi-
nário Brasileiros sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social e II Encontro Latino Americano sobre
Áreas Protegidas e Inclusão Social / Organizadores: Hanazaki, Natalia; Herbst, Dannieli Firme;
Avila, Julia Vieira da Cunha; Heineberg, Marian Ruth; Gomes, Thiago Caio Celante. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina, 2015.
http://sapiselapis2015.paginas.ufsc.br/anais
ISBN 978-85-8328-055-2
1. Compromisso com o futuro comum. 2. Áreas Protegidas, saúde e bem estar humano. 3. De-
safios do desenvolvimento e respostas da sociedade. 4. Diversidade cultural e manejo da biodi-
versidade. 5.Sistemas de Gestão e Governança. 6. Educação para sustentabilidade e cidadania.
Caro Leitor
Convidamos você a navegar pelos trabalhos apresentados na sétima edição do Seminário Brasileiro sobre Áreas Protegi-
das e Inclusão Social – SAPIS e segunda edição do Encontro Latino Americano sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social – ELA-
PIS. O evento aconteceu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis (SC), de 3 a 6 de novembro de 2015.
O Seminário Brasileiro sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social é um seminário aberto à sociedade que visa discutir o
presente cenário que temos dentro e fora das unidades de conservação da natureza, das terras indígenas, dos territórios quilom-
bolas, das reservas legais e de outras áreas protegidas e conservadas, que contribuem decisivamente para o equilíbrio dos
sistemas socioecológicos, essenciais à saúde e ao bem-estar humano. Pensando no futuro, o cumprimento dos objetivos de con-
servação da natureza pode se fortalecer de diferentes formas de manejo e governança da biodiversidade em áreas protegidas e
conservadas pelo Estado, pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e locais, e por instituições privadas.
O VII SAPIS/ II ELAPIS tem como pano de fundo os resultados do Congresso Mundial de Parques da IUCN, que ocorreu
em Sydney (“A Promessa de Sidney”) em 2014, assim como as perspectivas de atuação em redes transformativas de conheci-
mento para estreitar laços entre as comunidades científicas e locais na prática da governança socioambiental.
O evento representa um espaço para o intercâmbio de experiências de pesquisas, iniciativas e projetos em conser-
vação da diversidade biológica e sociocultural, com foco nas áreas protegidas e nos territórios tradicionais, e suas interfaces
com a questão do ordenamento territorial e do desenvolvimento, em âmbito nacional e latino-americano. Buscamos, no evento,
contribuir para a consolidação e fortalecimento de redes de pesquisadores e instituições, de âmbito interdisciplinar, interseto-
rial e transescalar, capazes de estabelecer parcerias e intercâmbios em programas e projetos no Brasil e na América Latina.
Procuramos também promover o diálogo de saberes entre a academia, o setor público, a sociedade civil, em especial, os povos
e comunidades tradicionais, com relação à gestão e governança de áreas protegidas e de territórios tradicionais no Brasil e na
América Latina.
O evento é, ainda, um espaço para compartilhar avanços, desafios e potencialidades dos campos científico, técnico,
político e social frente à implementação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC); da Política
Nacional de Biodiversidade (PNB); do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP); da Política Nacional de Desen-
volvimento Sustentável de Povos e Populações Tradicionais (PNPCT); da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de
Terras Indígenas (PNGATI); e do Marco da Biodiversidade, no cenário brasileiro.
A organização do VII SAPIS e II ELAPIS teve desde o seu princípio uma característica muito marcante que é a colabora-
ção interdisciplinar, envolvendo programas de pós-graduação de diferentes áreas do conhecimento, ONGs e instituições gover-
namentais.
Este volume congrega os trabalhos inscritos para apresentação oral e na forma de pôster, que consistiam em artigos
científicos ou relatos de experiências. Para respeitar a natureza interdisciplinar do evento, reunimos neste volume os 95 trabalhos
que foram aprovados por um comitê científico composto por 26 pesquisadores e docentes de instituições do Brasil e do exterior,
que, juntos, emitiram 248 pareceres. Alguns destes trabalhos tiveram apenas seus resumos publicados, por opção dos autores.
Os trabalhos estão organizados em seis eixos temáticos: 1) Compromisso com o futuro comum; 2) Áreas protegidas,
saúde e bem estar humano: natureza saudável, pessoas saudáveis; 3) Desafios do desenvolvimento e respostas da sociedade;
4) Diversidade cultural e manejo da biodiversidade; 5) Sistemas de Gestão e Governança e 6) Educação para a sustentabilidade
e cidadania e experiências de aprendizagem social. Como um foco transversal nestes debates está a necessidade aproximar a
interface entre a ciência, sistemas de governança e manejo e políticas públicas.
Desejando a todos uma proveitosa leitura, esperamos contribuir com reflexões sobre Culturas e Biodiversidade; e com os
desafios de, a partir do presente que temos, construirmos juntos o futuro que queremos.
Os Organizadores
Comissão científica
Presidentes
Natalia Hanazaki (ECZ/CCB/UFSC)
Marcos Fabio Freire Montysuma (HST/CFH/UFSC)
Secretaria Executiva
Iara Vasco Ferreira (Doutoranda, PPGICH/CFH/UFSC)
Edio Cunha Filho (Graduando em Geografia, CFH/UFSC)
Bruna Luiza Amante (Coletivo UC da Ilha)
Isabela Zignani (Mestranda, PPG Ecologia/CCB/UFSC)
Tesouraria
Sofia Zank (Doutoranda, PPG Ecologia/CCB/UFSC)
Gabriela Guimarães Orofino (Mestranda, PPG Ecologia/CCB/UFSC)
Comissão organizadora
Andrea Lamberts (ICMBio)
Aracídio Neto (Coletivo UC da Ilha e NESSOP/UFSC)
Carmen Tornquist (UDESC)
Carolina Alvite (ICMBio)
Edviges Marta Ioris (PPGAS/CFH/UFSC)
Elaine Zuchiwschi (FATMA)
Eunice S. Nodari (PPG História/CFH/UFSC)
Flora Neves (Coletivo UC da Ilha)
Gabriel Stroich da Costa (DEPUC - FLORAM)
Iara Vasco (PPGICH/CFH/UFSC)
João de Deus Medeiros (BOT/CCB/UFSC)
Julia Vieira da Cunha Ávila (Mestranda, PPG Ecologia/CCB/UFSC)
Luís Filipe Trois Bueno e Silva (FUNAI – CR Litoral Sul)
Marcelo Barbosa Spaolonse (INCRA)
Marcio Baldissera Cure (Mestrando, PPG Ecologia/CCB/UFSC)
Maria Tereza dos Santos (NESSOP/UFSC)
Mariana Reinach (INCRA)
Marina Campos Pinto (CEPAGRO)
Marinez E. G. Scherer (PPG Geografia/CFH/UFSC)
Neuza Cristina Rodrigues da Silva (DEPEA – FLORAM)
Orlando Ferretti (MEN/CED/UFSC)
Pedro Castelo Branco Silveira (Dept. Antropologia/CFH/UFSC)
Samira Safadi Bastos (NESSOP/UFSC)
Thais Vezehaci Roque (Mestranda, PPGFAP/CCB/UFSC)
1. Sumário
01 Compromisso com o futuro comum: Instrumentos jurídicos
ÁREAS PROTEGIDAS E A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA: DESAFIOS PARA O CUMPRIMENTO DA META
11 DE AICHI. Prates, Ana Paula Leite & Irving, Marta de Azevedo .........................................................................................................23
CONSELHOS GESTORES DE ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL, DESAFIOS
E POSSIBILIDADES. Prado, Deborah Santos; Araujo, Luciana Gomes; Chamy, Paula; Dias, Ana Carolina Esteves & Seixas, Cris-
tiana Simão ...................................................................................................................................................................................................25
02 Áreas protegidas, saúde e bem estar humano: natureza saudável, pessoas saudáveis
ÁREAS PROTEGIDAS E SEUS BENEFÍCIOS PARA O BEM-ESTAR. João, Cristina Gerber; Mattos, Cristiane Passos & Irving,
Marta de Azevedo.........................................................................................................................................................................................65
MALÁRIA E DENGUE: IMPRESSÕES SOBRE A SAÚDE DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA DO PARQUE NACIONAL SERRA DO
DIVISOR, ESTADO DO ACRE. Lana, Raquel Martins; Oliveira, Francisco Giovane Silva De; Schlosser, Andreus Roberto; Arruda,
Rayanne Alves De.; Araújo, Felipe Monteiro De; Santos, Ana Caroline Santana Dos; Bastos, Paula Rubia Jornada; Silva-Nunes,
Monica Da; Honório, Nildimar Alves & Codeço, Cláudia Torres ...........................................................................................................99
ÁREAS PROTEGIDAS: PARA QUEM PROTEGÊ-LAS? O SENTIDO DE PERTENCIMENTO COMO VIA PARA VALORIZAÇÃO
SOCIOCULTURAL EM ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS. Abreu, Manuela Muzzi de; Irving, Marta de Azevedo; Lima, Marcelo
Augusto Gurgel de & Correa, Frances Vivian ..........................................................................................................................................109
PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES E ESTUDANTES SOBRE A VIVÊNCIA DIÁRIA EM LUGARES DE NATUREZA PRESER-
VADA NA CIDADE. Albuquerque, Dayse da Silva; Sousa, Adria de Lima; Higuchi, Maria Inês Gasparetto & Kuhnen, Ariane .....117
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS POSSÍVEIS IMPACTOS AMBIENTAIS NA EXTRAÇÃO DO SHALE GAS NO BRASIL. Gomes,
Andréa dos Santos & Fernandes, Amarildo da Cruz ..............................................................................................................................125
O PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA” E SEUS EFEITOS SOBRE AS ÁREAS PROTEGIDAS: ESTUDO DE CASO DA
MATA ATLÂNTICA PARANAENSE. Sezerino, Fernanda de Souza & Tiepolo, Liliani Marilia ...........................................................135
A PROBLEMÁTICA DOS CASTANHAIS ACESSADOS PELA POPULAÇÃO TRADICIONAL DA RESEX ARAPIXI: AMEAÇA DO
DESMATAMENTO DO PAE ANTIMARY. Oliveira, Jardeson Monteiro de; Silveira, Leonardo Konrath da; Lopes, Jordan Fonseca &
Oliveira, Késsia Monteiro de .....................................................................................................................................................................145
CARBONO ESTOCADO NOS PLANTIOS DE RECUPERAÇÃO DE APP E RL NOS IMÓVEIS DA AGRICULTURA FAMILIAR.
Medeiros, João de Deus; Stefani, Marcia Rosana; Prochnow, Miriam & Schaffer, Wigold Bertoldo .................................................185
ALTERNATIVAS PARA QUALIFICAÇÃO DO TURISMO NO PARQUE NACIONAL DE SÃO JOAQUIM (PNSJ) - SANTA CATA-
RINA – BRASIL. Omena, Michel Tadeu Rodrigues Nolasco de; Schimalski, Marcos Benedito & Castilho, Pedro Volkmer de .....221
PARTICIPAÇÃO DE JOVENS NA GESTÃO DE BENS COMUNS: A RESEX MARINHA DE CAETÉ-TAPERAÇU- PA. Lamarão,
Maria Luiza Nobre & Maneschy, Maria Cristina ....................................................................................................................................281
A CIÊNCIA E AS POPULAÇÕES DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL ILHA DO COMBU, PARÁ. Barros, Benedita da Silva &
Jardim, Mário Augusto G ...........................................................................................................................................................................291
SOBRE A SUSTENTABILIDADE DA QUALIDADE DE VIDA: O QUÊ UMA COMUNIDADE TRADICIONAL AÇORIANA, INSTI-
TUÍDA EM UMA ILHA DO SUL DO BRASIL, TEM A NOS DIZER SOBRE ISSO? Wermuth, Gilvana da Silva Machado & Kuhnen,
Ariane ..........................................................................................................................................................................................................301
PAISAGEM, LUGAR E PERCEPÇÃO AMBIENTAL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A GESTÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA
MARINHA DEMOCAPAJUBA-SÃO CAETANO DE ODIVELAS-PA. Barros, Diego Merces de, Pimentel & Marcia Aparecida da Sil-
va .................................................................................................................................................................................................................311
CONHECIMENTO LOCAL SOBRE PLANTAS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO ANHATOMIRIM. Ludwinsky, Rafaela
Helena & Hanazaki, Natalia .......................................................................................................................................................................337
O “ESTADO DA ARTE” DOS PROJETOS DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NA COSTA VERDE (RIO DE JANEIRO – BRA-
SIL). Lima, Marcelo Augusto Gurgel de; Irving, Marta de Azevedo & Prado, Mariana Oliveira do ..................................................387
SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS NO BRASIL: O GIGANTE DESCONHECIDO. Fernandes-Pinto, Érika & Irving, Marta de Azeve-
do.................................................................................................................................................................................................................397
CRIAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE ITAIPU: UMA REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO. Simon,
Alba .............................................................................................................................................................................................................439
ESTRADA DO COLONO: ANÁLISE DOS ARGUMENTOS QUE SUBSIDIAM O CONFLITO. Kropf, Marcela Stüker & Eleutério,
Ana Alice .....................................................................................................................................................................................................447
A GESTÃO PARTICIPATIVA NA REDELIMITAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO PAPAGAIO, SUL DE MINAS. Jun-
queira, Mariana Gravina Prates .................................................................................................................................................................455
CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO GANDARELA: PARA QUÊ E PARA QUEM? Evangelista, Ana Carolina de An-
drade ...........................................................................................................................................................................................................465
USO E CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELOS POVOS INDÍGENAS DE RONDÔNIA E NOROESTE DO MATO
GROSSO. Gomide, Maria Lucia Cereda .................................................................................................................................................471
PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE ITAIPU – NITERÓI/RJ: O PAPEL DOS
ATORES SOCIAIS. Pinto, Maycon Correia; Moraes, Edilaine Albertino de & Irving, Marta de Azevedo .........................................519
DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA ROBUSTEZ INSTITUCIONAL DA PESCA ARTESANAL COSTEIRA EM UMA ÁREA
MARINHA PROTEGIDA DO SUDESTE BRASILEIRO. Freitas, Rodrigo Rodrigues de & Seixas, Cristiana Simão ..........................527
AS RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE O PARQUE NACIONAL DE SAINT-HILAIRE/LANGE E SUA ZONA RURAL DE ENTOR-
NO: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A GESTÃO. Campos, Larissa Aparecida de Paula; Adriano, Ana Paula Pereira & Quadros, Ju-
liana .............................................................................................................................................................................................................561
CRUZANDO OS LIMITES: REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO TERRITORIAL INDÍGENA NO NOR-
DESTE. Nilsson, Maurice Seiji Tomioka; Parra, Lilian Bulbarelli; Prudente, Hugo & Cardoso, Thiago Mota ..................................581
DINAMIZANDO E CAPILARIZANDO A GESTÃO: O CASO DOS NÚCLEOS DE BASE COMUNITÁRIA DA RESERVA EXTRA-
TIVISTA RIOZINHO DA LIBERDADE. Saldo, Pablo de Avila ................................................................................................................589
É PARQUE, MAS NEM TÃO PARQUE ASSIM: REPRESENTAÇÕES ACERCA DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ.
Souza, Leonardo Vasconcelos de .............................................................................................................................................................599
ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS PARA CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL: O CASO DAS
RESEX MARINHAS NO ESTADO DO PARÁ. Silva, Regina Oliveira da; Albuquerque, Adna; Almeida, Ruth Helena Cristo & Pereira,
Jorge Luiz Gavina .......................................................................................................................................................................................609
PERFIL DA FAMÍLIA BENEFICIÁRIA NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DA BAÍA DO IGUAPE: REFORÇANDO A AUTO-
NOMIA. Mendonça, Felipe Cruz; Cunha, Claudia Conceição; Tardio, Bruno Marchena Romão; Oliveira, Rosenil Dias de & Frei-
tas, Sérgio Fernandes ................................................................................................................................................................................647
PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS MUDANDO O FOCO DA RESEX ARAPIXI: DA PECUÁRIA PARA O SISTEMA
AGROFLORESTAL. Silveira, Leonardo Konrath da; Rios, Cláudia Márcia Almeida; Oliveira, Késsia Monteiro de & Gomes, Noel
Humberto Dias ...........................................................................................................................................................................................667
A CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL MARINHO DAS ILHAS DOS CURRAIS E A NOVA REALIDADE DA REGIÃO. Sant’ana,
Thamyres Pires, Santos, Carolina Santana & Krelling, Allan Paul .........................................................................................................695
A GESTÃO PARTICIPATIVA NA RESERVA EXTRATIVISTA RIO XINGU. Guedes, Maite Alves, Pereira, Mauro Braga Costa & Brus-
nello, Leidiane Diniz .................................................................................................................................................................................705
ZONA DE USO ESPECIAL INDÍGENA NO PARQUE ESTADUAL DO MATUPIRI/AM. Sakagawa, Sergio, Pereira, Henrique dos
Santos & Stancik, Juliane Franzen .............................................................................................................................................................787
ENTENDIMENTO JUVENIL DOS QUATRO ELEMENTOS NATURAIS: CONTRIBUIÇÃO PARA A CONSERVAÇÃO DA FLO-
RESTA AMAZÔNICA. Azevedo, Genoveva Chagas de & Higuchi, Maria Inês Gasparetto ...............................................................815
ENTENDIMENTO JUVENIL SOBRE PROBLEMAS AMBIENTAIS, PREOCUPAÇÃO E A ÉTICA NO CUIDADO COM O MEIO
AMBIENTE. Cordeiro, Themis Eliza Bessa S., Higuchi, Maria Inês Gasparetto & Azevedo, Genoveva Chagas de .....................827
.
POLITICAS EDUCACIONAIS EM ÁREAS DE RESEX MARINHA: GURUPIPIRIÁ/ VISEU-PA. Santos, Adria Macedo dos ...........835
EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA: EXPERIÊNCIAS NA CO-GESTÃO DO CAMPING DO PARQUE ESTADUAL DO RIO VER-
MELHO, FLORIANÓPOLIS (SC). Palermo, Pedro Rodolfo Ocampos; Abreu, Marcos José de; Bottan, Guilherme Angelo; Pereira,
Icaro Chrsitóvam; Teixeira, Camilo; Trivella, Renato Barretto Barbosa; Cardoso, Stephanye Oliveira; Gellert, Luana Jamayna;
Taffe, Bruna Lunardi; Lorenzi, Karina Smania de.; Ganzarolli, André Martins & Angeloletto, Fernando ..........................................853
Resumo
O Brasil apresenta a mais rica biodiversidade mundial e foi o primeiro país a assinar a Convenção de Diversidade Biológica.
Dentre os mecanismos para a conservação da biodiversidade previstos na CDB destacam-se as áreas protegidas destinadas
à conservação da biodiversidade. O objetivo do artigo é interpretar, avanços, desafios e tendências das políticas públicas para
as áreas protegidas no Brasil, à luz dos compromissos assumidos pelo país no âmbito da CDB frente às atuais Metas de Aichi e
aos desafios de um país emergente. Conclui-se que o Brasil dispõe de inúmeros instrumentos de políticas públicas voltados à
conservação da biodiversidade, em especial às áreas protegidas, por vezes desarticuladas e contraditórias com as demais políti-
cas. Permanece o desafio de integrar as políticas públicas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento e a inclusão da
sociedade no processo.
Palavras-chave: Convenção sobre Diversidade Biológica, Metas de Aichi, Áreas Protegidas, Políticas Públicas
Prado, Deborah Santos1; Araujo, Luciana Gomes2; Chamy, Paula 3; Dias, Ana Carolina Esteves4 & Seixas, Cristiana Simão1,2
Resumo
Os Conselhos Gestores têm sido considerados instrumentos institucionais inovadores e importantes no exercício da democracia.
Este artigo tem o objetivo de apresentar um histórico dos marcos legais de regulamentação dos Conselhos de áreas protegidas
no âmbito federal, no que diz respeito à evolução de diretrizes e critérios de participação social incluídos nesses documentos.
Os resultados mostram que a participação social é garantida em diversos aspectos das normas analisadas, o que deve ser con-
siderado uma conquista para a gestão de Unidades de Conservação. Ainda assim, são apontados alguns paradoxos e desafios,
incluindo questões de representatividade, independência, capacitação e compartilhamentos genuínos de poder e de tomada de
decisão. Mais do que um resultado final, a participação pressupõe um processo, que também se reflete no histórico dos arranjos
jurídicos.
Introdução
A criação de diversos mecanismos participativos no Brasil tem contrariado afirmações na literatura internacional ao longo
das últimas décadas, de que as características das instituições e padrões de ação política de atores sociais latino-americanos
impediriam a existência de canais institucionalizados de representação de interesses societais (CORTÊS, 2007).
No campo socioambiental, foco específico deste artigo, observa-se a incorporação de práticas discursivas sobre partici-
pação social desde os anos 1970 em fóruns e documentos internacionais, como a Conferência de Estocolmo, relatório Brundt-
land e Rio-92. Desde então, a participação social na questão ambiental tem sido colocada como condição para o sucesso da
conservação aliada ao desenvolvimento (SPÍNOLA, 2012). No Brasil, como salientam Ferreira & Tavolaro (2008), também se
iniciou uma mudança paradigmática e um processo gradual de difusão da reflexão sobre a temática ambiental entre diferentes
setores da sociedade, culminando em um movimento ambientalista diverso e multifacetado.
Em busca da redemocratização da sociedade no final da década de 1970, a temática da participação pública ou popular
pautava as demandas de protestos e mobilizações dos movimentos sociais no país. Como resultado dessa efervescência, a pro-
fusão de conselhos gestores foi considerada uma das mais importantes inovações institucionais das políticas públicas no Brasil
democrático na segunda metade da década de 1980 (GOHN, 2011).
Os conselhos gestores podem ser concebidos como fóruns públicos de captação de demandas e pacto de interesses
específicos dos diversos grupos sociais, e como uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao
aparelho do Estado (LUCHMANN & BORBA, 2008). Assim, os conselhos gestores constituem um espaço público onde indivíduos
interagem, debatem, apresentam demandas sobre questões estratégicas, tornando a autoridade pública sensível às suas deli-
berações (AVRITZER, 2000).
Os conselhos estão previstos na Constituição de 1988, bem como em outras leis, na qualidade de instrumentos de ex-
pressão, de representação e participação da população (GOHN, 2011), e têm o papel de mediar a relação entre sociedade e
... sem observar e combater desigualdades nas relações de poder, na informação e na linguagem
apresentadas, bem como nas restrições materiais e simbólicas vivenciadas pelos participantes, faz
com que a utilização desse importante instrumento de gestão ambiental possa seguir a orientação
pro forma e não cumprir com seus objetivos principais de mobilizar a sociedade, fomentar capital
social e viabilizar um real controle social sobre as políticas (FONSECA, 2011 p. 22-23).
Frente a essa problemática e com foco nos conselhos gestores de Unidades de Conservação (UC) no Brasil, este artigo
tem como objetivo geral apresentar um histórico dos marcos legais de regulamentação desses Conselhos no âmbito federal, no
que diz respeito à evolução de diretrizes e ferramentas de participação incluídas nesses documentos. Objetivamos ainda, discu-
tir as principais mudanças em fatores que afetam as possibilidades de participação e do controle social efetivos, elementos de
governança imprescindíveis para inclusão social em áreas protegidas.
Métodos de Pesquisa
Para analisar os marcos legais de regulamentação dos conselhos de UC no âmbito federal, foram levantadas as principais
normas jurídicas a eles relacionadas: (i) Lei Federal nº 9.985, de 18 de Julho de 2000, referência inicial da análise; (ii) Decreto
Federal nº 4.340, de 22 de Agosto de 2002; (iii) Instrução Normativa do ICMBio nº 02, de 18 de Setembro de 2007 (doravante IN
nº 02/2007); (iv) Instrução Normativa do ICMBio nº 11, de 8 de Junho de 2010 (doravante IN nº 11/2010) e (v) Instrução Normativa
do ICMBio nº 09, de 05 de Dezembro de 2014 (doravante IN nº 09/2014).
A análise das normas foi realizada com base nos critérios de avaliação de procedimentos de participação pública pro-
postos por Rowe & Frewer (2000). Estes critérios também foram utilizados por TRIMBLE, ARAUJO & SEIXAS, (2014) e ARAUJO
(2014) para avaliar a participação social em Conselhos Gestores de Unidades de Conservação da região de Paraty, estado do
Rio de Janeiro.
Essa proposta de avaliação de procedimentos de participação pública tem o objetivo de verificar a efetividade da par-
ticipação dos cidadãos em procedimentos de gestão ambiental e de riscos, além de permitir a comparação entre estudos com
base nos mesmos critérios de avaliação (ROWE;FREWER, 2000). Esses critérios baseiam-se em aspectos que ajudam a garantir
o efetivo exercício da participação e agrupam-se em dois conjuntos, denominados de critérios de reconhecimento e processuais.
O primeiro agrega a representatividade, a independência de coordenação, o envolvimento precoce dos participantes, a capaci-
dade do mecanismo de participação em influenciar políticas e a transparência do processo. Os critérios processuais incluem o
acesso às informações, definição de objetivos, processo estruturado de tomada de decisões e a disponibilidade de recursos para
a execução do processo de participação.
Neste estudo, são usados os critérios de reconhecimento (i.e. a representatividade, a independência de coordenação,
o envolvimento precoce dos participantes, a capacidade do conselho em influenciar políticas e a transparência do processo).
Optamos por não analisar os critérios processuais nesse momento, entendendo que os processos também devem ser analisados
e acompanhados localmente. Uma exceção foi dada ao critério de estrutura do processo de tomada de decisões, por entendê-lo
como critério extremamente importante para avaliar a participação e para compreender como esse critério se reflete nas normas
legais.
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Resultados e Discussão: A evolução normativa dos Conselhos de UC
com base em critérios de avaliação da participação social
A partir da análise dos instrumentos jurídicos que regulamentam os conselhos gestores (Quadro 1), foi possível observar
que as instruções normativas (INs) estão em consonância com o que dispõem a Lei e o Decreto que regem o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC), e existe uma tendência de maior detalhamento da estrutura e funcionamento dos mes-
mos desde a instituição da Lei n° 9.985/2000 do SNUC até a IN nº 09/2014. É importante reconhecer que no detalhamento das
Instruções Normativas, mecanismos de participação e representação são reforçados, como o princípio da paridade entre Es-
tado e sociedade civil, a representação de grupos sociais mais vulneráveis e a participação dos conselheiros na elaboração da
estrutura e regimento dos Conselhos.
A IN nº 02/2007 trata dos Conselhos Deliberativos de Reservas Extrativistas (RESEX) e Reservas de Desenvolvimento
Sustentável (RDS), enquanto a IN nº 11 de 2010 aborda os Conselhos Consultivos, cabíveis a todas as outras categorias de UC.
Os conselhos consultivos e deliberativos apresentam diversas competências comuns, mas se distinguem especialmente pela
característica única de conselhos de RESEX e RDS em deliberar sobre assuntos relacionados à gestão da UC e emitir resoluções.
Os conselhos consultivos, por sua vez, emitem manifestações, recomendações e moções, cabendo o poder decisório ao órgão
gestor1.
Após a publicação da IN nº 9/2014, o ICMBio produziu uma cartilha de orientação sobre os conselhos gestores intitulada
“Conselhos Gestores de Unidades de Conservação: Um guia para gestores e conselheiros” (ABIRACHED et al; 2014). Diversas
orientações do órgão que se mostram complementares às normas estão contidas nesse documento, ainda que sem peso jurídico,
como ferramentas metodológicas para identificação dos setores que comporão os Conselhos, entre outras atividades.
1
Os tipos de conselho podem variar de acordo com as categorias de UC no nível estadual. Em alguns casos de UC estaduais da região norte, como no Acre, Amazo-
nas, Tocantins e Pará, há variações e outras possibilidades de estabelecimento de conselhos deliberativos para além de RESEX e RDS.
Representação
Os princípios e diretrizes sobre representatividade dos conselhos se mostraram historicamente assegurados pelas nor-
mas, desde o Decreto nº 4.340/2002. Na IN nº 2/2007 há a inclusão de representantes não organizados como pessoa jurídica,
dando espaço para representantes de comunidades tradicionais na qualidade de pessoa física. Há de se destacar que a par-
ticipação da pessoa física ainda se consubstancia na representatividade de entidades constituídas (LUCHMANN, 2006) ou de
instituição-membro (IN n º 9/2014) e não deve se confundir com participação individual. Além disso, a evolução das normas
reforça a participação equitativa e qualitativa dos grupos sociais mais vulneráveis e especifica que nos Conselhos Deliberativos
a maioria do Conselho deve estar representada pelas populações tradicionais.
Embora a representação das populações afetadas pelas UC seja legitimada historicamente pelas normas, outras questões
também devem ser consideradas para reflexão, para além do que está “garantido como lei”. Considerando-se que a paridade
numérica não corresponde necessariamente à paridade política, deve-se observar que nos Conselhos a representação de popu-
lações afetadas pela implementação de UC estará assegurada de facto apenas quando existir transparência e comprometimento
político para que os temas de interesse desses atores sejam debatidos.
Como complemento à representação, a construção de confiança entre conselheiros e a coordenação dos conselhos é um
fator fundamental no processo de participação (BOOTH;HALSETH, 2011), especialmente quando há muita assimetria de poder.
Para Gohn (2011), a participação precisa ser qualificada para ser efetiva, ou seja, não basta a presença numérica das pessoas,
sendo necessário o fornecimento de apoio aos grupos mais vulneráveis para que sintam-se capazes de participar (ARNSTEIN,
1969).
Outro fator que merece reflexão está relacionado com a escolha dos representantes governamentais nos Conselhos. A
indicação desses membros pelo poder executivo não corresponde, muitas vezes, à familiaridade com as pautas socioambientais
das UC, o que pode tornar a representação da esfera governamental deficitária (KRUGER, 1998). Ainda assim, há outras diferen-
ças importantes nas condições de participação entre os membros advindos do governo daqueles advindos da sociedade civil.
Como afirma Gohn (2011), os primeiros geralmente trabalham nas atividades dos Conselhos durante seu período de expediente
normal e remunerado, com acesso a infraestrutura de suporte administrativo, informação e linguagem tecnocrática, fatores que
geralmente se tornam barreiras aos representantes comunitários.
Independência
Alguns mecanismos identificados na análise histórica das normas mostra o incremento de possibilidades de maior inde-
pendência como, por exemplo, a competência para criação de grupos de trabalho (GTs) e câmaras temáticas (CTs), que surge
pela primeira vez na IN nº 11/2010. Os GTs e CTs podem ser considerados instrumentos de gestão que ampliam a possibilidade
de descentralização, o que potencialmente expandiria o espaço de negociação, independência e controle social do conselho
em relação à sua coordenação. Os GTs e as CTs propiciam a análise e o encaminhamento de especificidades da Unidade, pos-
sibilitando tanto a participação dos representantes a partir de seus interesses e afinidades temáticas, quanto a participação de
representantes externos ao conselho. De acordo com o guia de orientação publicado pelo ICMBio, os GTs e as CTs podem,
ainda, “tratar de conflitos relacionados com a UC, amadurecendo questões que, quando chegarem ao Conselho, possam ser
discutidas e encaminhadas de modo mais ágil” (ABIRACHED et al; 2014).
Ainda que a inserção de GTs e CTs acene para uma maior independência dos Conselhos, esse fator ainda é bastante
limitado pelo papel de coordenação e presidência do órgão ambiental, principalmente nos Conselhos Consultivos que não têm
poder de deliberação. Os instrumentos jurídicos mostram uma tutela marcante do ICMBio tanto no nível local, quanto em níveis
hierárquicos superiores às chefias das UC, que necessitam, por exemplo, ser informados ou emitir pareceres-técnicos sobre a
formação dos conselhos, o seu regimento interno, a modificação dos seus representantes, a criação do plano de ação e a ava-
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liação periódica dos conselhos (IN nº 9/2014, arts. 8º; 10; 24; 26 e 30), o que ainda demonstra uma relação de muito hierárquica
dentro deste órgão e do Conselho para com o órgão ambiental.
A tutela hierárquica do ICMBio regulamentada pelos instrumentos jurídicos pode se constituir em um paradoxo da in-
dependência. Por um lado, assegura que os gestores das UC sigam as normas e garantam os quesitos de representatividade e
a realização de diversos procedimentos participativos e de competências previstas para os conselhos (incluindo a garantia da
conservação da biodiversidade). Por outro lado, considerando uma ampla diversidade de contextos locais, históricos e socio-
políticos de participação, permite que os interesses do órgão ambiental se sobreponham aos interesses do Conselho de forma
unilateral, e que no decorrer do processo haja desestímulo, desconfiança, e barreiras para inovação e para a participação efetiva.
Em estudo realizado em UC federais do estado do Acre, verificou-se que a participação comunitária nos conselhos
gestores, incluindo de algumas RESEX, é marcada pela influência direta da presidência do conselho. O estudo apontou que em
alguns casos os regimentos internos não retratam a realidade dos representantes comunitários desconsiderando, entre outros fa-
tores, o tempo necessário para preparação e organização dos temas de interesse local a serem incluídos nas pautas das reuniões
(CARRILLO;LUZ, 2013). Nestes casos, é necessário que a coordenação dos Conselhos flexibilize procedimentos para incorporar
as demandas e diversidades culturais dos conselheiros e as instituições-membro que representam.
Envolvimento precoce
A evolução das normas mostra um incentivo ao envolvimento cada vez mais precoce dos participantes no processo.
O Decreto nº 4.340/2002 estipulava a atuação dos conselheiros para a elaboração do regimento interno do conselho. A IN nº
2/2007 (art. 4, § 2º; e art. 5) altera esse dispositivo e prevê a participação de representantes das populações tradicionais na etapa
e atividades de formação dos conselhos deliberativos, o que se mantém nas sucessivas INs. A novidade da IN nº 9/2014 é a
instituição de um GT específico para essa etapa, “composto por um ou mais representantes do Instituto Chico Mendes, repre-
sentantes das instituições diretamente envolvidas com a Unidade de Conservação e das populações tradicionais beneficiárias,
quando houver (IN nº 9/2014, art. 9º, I). O envolvimento dos participantes passa a se dar, portanto, não somente na elaboração
do regimento pós-criação do conselho, como também na atividade de caracterização do território em que se situa a UC e na
mobilização e definição dos setores do poder público e da sociedade civil que comporão o conselho. Isso se mostra relevante
para a construção de confiança, antes que julgamentos e disputas se tornem salientes (ROWE;FREWER, 2000).
Transparência
De forma geral, as diretrizes contidas nos instrumentos jurídicos analisados têm explicitado a importância do caráter
público dos conselhos, o que objetiva garantir o acesso e a transparência aos processos. As INs nº 11/2010 e nº 9/2014 foram
explícitas sobre a necessidade de publicizar as recomendações ou deliberações dos Conselhos.
A transparência é um critério que necessita ser avaliado na dinâmica de atuação do Conselho. As atas devem ser redigi-
das, revisadas e aprovadas em Plenária, pois é o registro formal do que ocorreu nas reuniões. Outro aspecto importante é a divul-
gação de datas e locais de reuniões, que deve ser ampla e feita com antecedência para garantia de presença do maior número
de pessoas. O Guia de Orientação dos Conselhos ressalta a importância das atas e da lista de comparecimento (ABIRACHED et
al, 2014) complementando o que consta nas Instruções Normativas.
Ainda que as orientações contidas no guia publicado pelo ICMBio indiquem que as reuniões do Conselho devem ocor-
rer em local de fácil acesso e em ambientes que garantam a livre manifestação de opiniões (ABIRACHED et al, 2014), essas
recomendações podem ser obstadas na prática, devido, por exemplo, ao tamanho da área da UC, recursos financeiros, falta de
informação, condições climáticas, entre outros.
Influência
A partir da análise das normas, verifica-se que a possibilidade de influência dos conselhos esteve presente na delimitação
de suas competências desde o Decreto nº 4.340/2002 e repetiu-se nas INs que se seguiram. No entanto, em relação à promoção
2
“Processo conduzido de forma democrática e transparente, estabelecendo ações e fóruns que possibilitem a participação dos distintos sujeitos, instituições e grupos
sociais que têm relação com os usos do território de influência da Unidade de Conservação, com o objetivo de definir a composição e instituir a criação do Conselho”
(IN n.9/2014)
Considerações Finais
A participação social nos Conselhos Gestores está garantida formalmente em diversos aspectos das normas que o regem,
o que deve ser considerado uma conquista no âmbito da gestão de Unidades de Conservação. Na prática, é preciso lembrar que
os processos de participação se desenvolvem lentamente e no longo prazo (BASS; DALAL-CLAYTON; J. PRETTY,1995;STRINGER
et al., 2006; VON KORFF et al., 2010). Ainda que as normas legais tenham evoluído para o fortalecimento da participação, existem
lacunas quanto à necessidade de desafiar as assimetrias de poder, as fragilidades de independência, da representação de facto,
e as necessidades de capacitação de conselheiros e gestores.
A iniciativa do ICMBio em rever suas normativas e produzir materiais de orientação para conselheiros e gestores deve
“O requisito de avaliação e monitoramento está provavelmente relacionado com a Recomendação do ICMBio n.17 de 28 de Julho de 2014. O órgão recomenda esta-
3
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também ser contabilizada como uma conquista no exercício da participação. A capacitação e a avaliação sistemática e conti-
nuada das ações do conselho são dois aspectos fundamentais para que sua prática reflita as garantias de participação que cons-
tam das normas. Além disso, salienta-se a importância de que os critérios aqui analisados sejam considerados na elaboração de
normas futuras, incluindo os de caráter processual como a qualidade do acesso às informações, a definição de objetivos que seja
clara aos conselheiros na prática, e a disponibilidade de recursos financeiros para a execução dos processos de participação.
A análise dos instrumentos jurídicos nos permite ressaltar a emergência de paradoxos. Concordando com Gohn (2011),
que os Conselhos Gestores carregam suas contradições, eles podem ser instrumentos valiosos para a constituição de uma
gestão democrática e participativa, caracterizada por novos padrões de interação entre governo e sociedade, como também
podem se configurar como meras estruturas burocráticas formais que reforçam desigualdades sociais e políticas. O caminho
de abertura para a inserção de valores e conhecimentos distintos em instituições participativas é fundamental para o avanço
da construção coletiva nesses espaços, o que pressupõe um verdadeiro compartilhamento de poder e responsabilidades nas
tomadas de decisão.
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EFETIVIDADE DE NORMAS AMBIENTAIS, MANGUEZAIS E OPORTUNIDADES
SOCIAIS PARA COMUNIDADES TRADICIONAIS EM RESERVAS
EXTRATIVISTAS MARINHAS NO PARÁ
Resumo
A célere destruição do ecossistema manguezal no mundo impõe a urgência na efetividade de normas ambientais. O presente
estudo apresenta um cotejo entre normas ambientais e alguns aspectos práticos da interação entre instituições e atores sociais
em Reservas Extrativistas Marinhas - REMs - no Pará. O método da pesquisa foi o estudo de caso múltiplo com análise inter-
disciplinar qualitativa. Para o estudo, foram realizadas visitas exploratórias, entrevistas semiestruturadas e grupos focais. Os
resultados obtidos revelam que a criação e a implementação de REMs têm sido percebidas como medida eficaz na direção da
conservação dos manguezais por 87% das lideranças entrevistadas nas REM de Curuçá e São Caetano de Odivelas, em que
pese diversas dificuldades estruturais para efetivação das normas ambientais nas duas REMs.
Introdução
Em 2014, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA - divulgou relatório alertando que o ritmo ace-
lerado de destruição de manguezais no mundo impacta negativamente milhões de vidas e gera prejuízos de bilhões de dólares
(UNEP, 2014).
Estima-se que os serviços ecossistêmicos dos manguezais valham cerca de 33 a 57 mil dólares anuais por hectare para
as economias nacionais dos países em desenvolvimento e as ações para a conservação devem incluir o desenvolvimento de um
quadro jurídico e institucional necessárias para garantir que o desenvolvimento e gestão de planos para as zonas costeiras sejam
integrados com objetivos ambientais, incluindo sociais, feitos com a participação das pessoas afetadas (UNEP, 2014, p. 12).
Um quinto dos manguezais do mundo foi destruído de 1980 até 2012 (LAVIEREN et al., 2012, p. 12). A destruição do ecos-
sistema manguezal é de três a cinco vezes mais rápida que em outras florestas. Especialmente os países com maiores áreas de
manguezais precisam agir para diminuir a retração dessas áreas (UNEP, 2014).
Spalding, Blasco & Field (1997) afirmam ser o Brasil o segundo país em extensão de áreas de manguezal (13.400 km²) e
Souza Filho (2005) identifica cinco setores geomorfológicos em uma superfície total de 7.591 Km2 de manguezais da Amazônia,
que representa a maior faixa de manguezais contínuos do planeta e corresponde a 56,6% dos manguezais do Brasil. Essa faixa,
nominada Costa de Manguezais de Macro Maré da Amazônia – CMMA, é formada pelos manguezais da costa nordeste do Pará
e noroeste do Maranhão.
O Brasil comprometeu-se a aprimorar a proteção da biodiversidade marinha em pelo menos 9.300 Km² das áreas marinhas
e costeiras e a priorizar a conservação para ecossistemas costeiros e marinhos, durante o Congresso Mundial de Parques do
Mundo, ocorrido nos dias 12 a 19 de novembro de 2014, em Sydney-Austrália (IUCN, 2014).
Este trabalho objetiva identificar quais instituições e atores sociais multiplicam esforços para dar efetividade às normas
jurídicas voltadas à proteção do ecossistema manguezal a partir da busca por oportunidades sociais para as comunidades tradi-
cionais nas Reservas Extrativistas Marinhas – REMs - Mãe Grande de Curuçá, em Curuçá/PA e Mocapajuba, em São Caetano
de Odivelas/PA, à luz das percepções das lideranças dessas comunidades.
O resultado do estudo estabelece uma conexão entre as normas ambientais - enquanto medidas adotadas nos planos
internacional, nacional e local para a conservação do ecossistema manguezal e as relações construídas entre atores sociais e
Materiais e Métodos
O campo identificado neste estudo é o socioambiental e a metodologia utilizada é interdisciplinar qualitativa. O recorte
temporal foi estabelecido entre os anos de 2002, ano de criação da REM de Curuçá, a março de 2015, última visita aos Municípios
de Curuçá e São Caetano de Odivelas para entrevistar lideranças. O recorte espacial cingiu-se às REM Mãe Grande de Curuçá
e Mocapajuba, respectivamente criadas nos municípios de Curuçá (BRASIL, 2002b) e São Caetano de Odivelas (BRASIL, 2014),
que foram utilizadas como amostragem.
Os referenciais teóricos das ciências sociais aplicadas (POLANYI, 1980; ALLEGRETTI, 1990; SEN, 2000; SANTILLI,
2005; BENATTI, 2009; FERREIRA, 2012; MILARÉ, 2013) constituíram o suporte para a resolução do problema proposto: como
estão articuladas as instituições e atores sociais para conservação de manguezais e implementação das normas ambientais em
reservas extrativistas? A seleção da literatura disponível sobre o tema da pesquisa foi realizada em bibliotecas públicas, páginas
eletrônicas, organizações governamentais e não governamentais.
A pesquisa tratou de estudos de casos múltiplos, mediante pesquisa bibliográfica, documental, trabalho de campo, ob-
servação (direta e participante) e 76 entrevistas com lideranças (direcionadas e perceptivas).
Quanto à pesquisa de campo, foram realizadas visitas exploratórias em Curuçá/PA e São Caetano de Odivelas/PA para
identificar as lideranças e melhor conhecer as áreas pesquisadas do ponto de vista da temática do trabalho. As principais lideran-
ças identificadas pelos comunitários nos dois municípios participaram das entrevistas semiestruturadas, assim como servidores
públicos de entidades estatais com atribuições relacionadas ao estudo.
Resultado e Discussão
1
A Convenção Ramsar foi adotada na cidade Iraniana de Ramsar, em 1971 e entrou em vigor internacional em 1975. Essa convenção objetiva a proteção internacional
das zonas úmidas e aves migratórias. Para mais informações, vide The Ramsar Convention and its mission, disponível em: http://www.ramsar.org/about/the-ramsar-
convention-and-its-mission.
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ção em estudo, uma vez que a Reserva Extrativista - RESEX é uma unidade de conservação de uso sustentável criada para ser
A origem da criação das Reservas Extrativistas - RESEX dá-se a partir da reivindicação dos trabalhadores rurais BENA-
TTI (2009, p. 548). Para Allegretti (1990), a reserva extrativista representou uma ruptura com a visão colonial de desenvolvimento
regional implementada na Amazônia. O projeto colonizador impunha que as pessoas fossem deslocadas para um local desco-
nhecido por elas, enquanto o conceito de reserva extrativista reflete um diálogo permanente entre as comunidades tradicionais
e os cientistas que buscam habilidade técnica para transformar as necessidades apresentadas por essas comunidades em re-
alidade. Esse diálogo teceu o socioambientalismo - movimento fundado na perspectiva de que as políticas públicas ambientais
sejam elaboradas e executadas de maneira a incluir e envolver as comunidades locais, as quais detêm conhecimentos e práticas
de manejo ambiental (SANTILLI, 2005).
O socioambientalismo norteou a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, normatizado pela
Lei nº 9.985/2000 e pelo Decreto 4340/2002, cujos propósitos foram ampliados pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Pro-
tegidas – PNAP, instituído pelo Decreto nº 5.758/2006. Todas essas normas ambientais resultaram da correlação de forças de
diversos atores sociais e instituições (Estado, comunidades tradicionais, associações comunitárias, organizações não governa-
mentais, universidades) que construíram esses instrumentos jurídicos nacionais, dando cumprimento aos termos da Convenção
sobre Diversidade Biológica (BRASIL, 1998) ao enfatizar o dever do Estado de desenvolver estratégias, planos e programas para
conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, valorizar as comunidades tradicionais e seus saberes, estimular
a interação entre estas e a comunidade científica para a disseminação de pesquisas capazes de identificar formas de uso sus-
tentável dos recursos naturais.
As RESEXs são classificadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC como espécies
de Unidades de Conservação - UC de Uso Sustentável. O seu escopo é combinar conservação ambiental e exploração econômi-
ca, mediante o gerenciamento conjunto do Governo e Comunidades quanto ao uso dos recursos naturais.
O Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais - PNPCT, definiu como povos e comunidades tradicionais:
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas própri-
as de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para
sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inova-
ções e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).
A interação entre instituições estatais, notadamente o Ministério do Meio Ambiente e/ou instituições educacionais, comu-
nidades tradicionais e organizações não governamentais veiculou a efetividade das normas ambientais do SNUC e do PNAP ao
formular a Recomendação da Comissão Técnica sobre Manguezais – CNZU, a partir da reivindicação dos pescadores artesa-
nais presentes em diversas Conferências de Pesca e de Meio Ambiente que a antecederam (BRASIL. MMA, 2011).
De acordo com essa recomendação, mais de 500 mil pescadores no Brasil dependem direta ou indiretamente do ecos-
sistema manguezal para suprir suas necessidades de alimentação, emprego e renda. Por isso, esse documento ressaltou a
necessidade de manter os manguezais em toda a sua extensão enquanto área de preservação permanente no Código Florestal
de 2012, tendo em vista, dentre outras considerações, a necessidade de dar efetividade ao artigo 225, § 4º, da Constituição da
República, no que tange à proteção dos Patrimônios Nacionais ali elencados proibindo a supressão de vegetação em áreas de
preservação permanente - APPs, quando houver presença de espécies ameaçadas de extinção e quando protegerem o entorno
de unidades de conservação.
É sabido que, apenas por pressão de ambientalistas e ao custo de insatisfações de grupos representativos dos setores
agropecuários, o Código Florestal, em seu artigo 4º, inciso VII, inseriu o ecossistema manguezal no rol das APPs.
2
A Zona Costeira Paraense é constituída pelos seguintes municípios: Bragança, Afuá, Chaves, Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Barcarena, Belém, Ananindeua,
Santo Antônio do Tauá, Colares, Benevides, Vigia, Marapanim, Magalhães Barata, Maracanã, Salinópolis, São José de Pirabas, Primavera, Augusto Correa, Vizeu,
Santa Bárbara do Pará, Quatipuru, São Caetano de Odivelas e Curuçá (BRASIL, 1988b). Portanto, dos 144 municípios paraenses, 25 situam-se na faixa terrestre da
zona costeira (IBGE, 2014).
3
O Conselho Deliberativo é “presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da socie-
dade civil e das populações tradicionais residentes na área” (BRASIL, 2000).
4
Informação prestada por representante do ICMBIO durante reunião com grupo focal em 13 de dezembro de 2014.
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local (artesanatos, ostreicultura, meliponicultura, conservação do pescado, técnicas de catação do caranguejo) ou a educação
ambiental. Esses cursos promoveram mudanças nos hábitos inclusive pela população urbana desse município, onde é notável a
maior preocupação com a limpeza do espaço público, como praças e ruas, do que em São Caetano de Odivelas, que até meados
de 2014 não tinha REM em seu território.
A observação no campo, interação e grupos focais e entrevistas nos dois municípios apontam que instituições de fo-
mento, comando e controle, pesquisadores, pescadores, catadores de caranguejo, associações comunitárias no conselho gestor
da REM de Curuçá, entre outras, foram determinante para incentivar e implementar ações de educação, empreendedorismo e
mesmo maior controle sob as atividades prejudiciais ao meio ambiente no aludido município, conforme foi possível aferir das 17
atas do Conselho Gestor da REM Mãe Grande, referentes a reuniões realizadas no período de 2002 a 2012.
As lideranças de São Caetano de Odivelas, ao perceberem as mudanças no sentido de mais oportunidades sociais em
Curuçá, empenharam-se para acelerar a tramitação do processo de criação da REM em São Caetano.
Os avanços na implementação de relevantes instrumentos jurídicos previstos no Sistema de Unidades de Conservação
para significativas mudanças em favor da conservação dos manguezais e geradoras de oportunidades sociais para as comuni-
dades vêm sendo operadas na REM Mãe Grande de Curuçá, criada há mais de dez anos e já consolidada. O reconhecimento
dessas mudanças foi apontado com frequência nos grupos focais e por uma média de 87% dos entrevistados nos dois municípios.
Curuçá e São Caetano de Odivelas são municípios paraenses costeiros, onde a população rural é superior à urbana5.
Nos dois municípios o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH está abaixo da média nacional (0,727 em 2010). São Caetano
de Odivelas ocupa a 4515ª posição em relação aos 5.565 municípios brasileiros e a 70ª posição em relação aos 143 municípios
do Pará com 0,585 em 2010. Curuçá ocupa a 4.590ª posição em relação ao Brasil e 73ª posição em relação ao Pará, com 0,582
em 2010 (PNUD, 2013).
Segundo dados fornecidos pelo PNUD (2013), o índice de Gini é um instrumento usado para medir o grau de concen-
tração de renda num determinado território. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de 0 a 1. O zero representa a situação de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor 1
significa completa desigualdade de renda. Em Curuçá, onde a REM foi criada em 2002, o Índice de Gini passou de 0,55 em 1991
para 0,72 em 2000 e para 0,56 em 2010. Enquanto em São Caetano de Odivelas, esse índice passou de 0,41 em 1991 para 0,46
em 2000 e para 0,48 em 2010 (Figura 1), ou seja, a desigualdade social em São Caetano de Odivelas continuou aumentando,
enquanto houve diminuição em Curuçá, onde a REM havia sido criada há mais tempo.
Figura 1. Índice de Gini em São Caetano de Odivelas (PA) e Curuçá (PA). Fonte: PNUD (2013)
Tais dados, isoladamente, não constituem indicativo, mas agrega informação à análise se avaliados em conjunto com
outros fatores como inserção das comunidades em programas sociais, políticas de incentivo ao empreendedorismo, entre outros.
O ICMBIO, em informações prestadas durante a pesquisa documental, certificou que em Curuçá são implementadas as
seguintes políticas: o Plano Nacional de Habitação Rural, Bolsa Verde do Plano Brasil sem Miséria; Assistência Técnica e Exten-
são Rural e Pesqueira para as Populações Tradicionais - ATER e Projeto Manguezais do Brasil.
5
Curuçá possui área de 672,675 Km² e uma população estimada em 36.557 pessoas. São Caetano de Odivelas possui área de 743,466 Km² e uma população estimada
de 17.266 pessoas (IBGE, 2014).
A Pescada amarela, dourada, tainha, corvina, peixe-pedra, camurin (robalo), bagre, gurijuba, xaréu, arraia, piramutaba, piaba, pratiqueira, dentre outros.
6
A agricultura familiar é complementada com a criação de galinhas e a comercialização de polpas de frutas: taperebá, tucumam, bacuri, muruci e cupuaçu.
7
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que estradas, hotéis, postos de combustível, mercados, marinas, viveiros para carcinicultura e praias artificiais são continu-
amente construídas nas REMs sem atenção às áreas de manguezais em São Caetano de Odivelas e Curuçá.
O ponto nodal é avaliar as capacidades institucionais de forma associada às demandas do mercado, como tipologia fun-
damental a reger as relações do homem com o meio ambiente. Nesse passo, é mister destacar as lições de Polanyi (1980) para
quem a força das instituições, para a mudança de paradigmas sociais, depende do entretecimento de questões multivariadas,
exigindo a interrelação de conhecimentos nas áreas da economia, ciências sociais e a análise institucional, em especial, tendo
em consideração o mercado como tipologia fundamental da lógica que rege as relações humanas desde o advento da Revolução
Industrial.
Ainda há carência de regras claramente definidas para a utilização do ecossistema manguezal, num espaço em que a
demanda pelos seus recursos naturais só aumenta. Exemplo disso é a ausência de regulamentação do Plano Nacional de Ge-
renciamento Costeiro (BRASIL, 1988), como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar e da Política Nacional
do Meio Ambiente, que quantifica o valor da reparação pelos danos causados pela degradação dos ecossistemas, do patrimônio
e dos recursos naturais da Zona Costeira.
Conclusão
A implementação dos instrumentos jurídicos disponíveis para conservação dos manguezais em todas as escalas de-
pende da articulação entre os diversos atores sociais e instituições envolvidos em programas e ações para conservação dos
manguezais. A articulação entre instituições estatais, organizações não governamentais e comunidades tradicionais já produziu
avanços significativos no sentido de mitigar as demandas pelos recursos naturais oriundo de manguezais ou outras demandas de
mercado que pressionam para a destruição de áreas desse ecossistema. A implementação de ações de programas, a exemplo
do Programa Manguezais do Brasil, tem produzido resultados reconhecidos pelas comunidades tradicionais estudadas na busca
de alternativas para melhoria da qualidade de vida dessas comunidades e na efetivação dos princípios do dever do Estado de
proteger o meio ambiente, da função socioambiental da propriedade, do desenvolvimento sustentável e da participação. O de-
safio é compatibilizar os diversos interesses em pauta relacionados aos dilemas da conservação.
As normas de proteção ao manguezal e de gerenciamento das reservas extrativistas ainda apresentam baixa efetividade.
Contribuem para esse diagnóstico, a infraestrutura deficiente nos municípios estudados, a baixa escolaridade das comunidades
e a fragilidade das instituições e atores sociais afinados com propósitos de conservação dos manguezais, ainda muito dependen-
tes de investimentos financeiros e humanos. A despeito desse fato, os resultados quanto ao IDHM e o índice de Gine em Curuçá
são indicativos importantes de que a criação da REM Mãe Grande de Curuçá significou a introdução de mais oportunidades
sociais para os usuários da reserva e, em São Caetano de Odivelas a criação da REM Mocapajuba já importa em novas perspec-
tivas no mesmo sentido para os seus usuários, os quais já perceberam os avanços e benefícios para os usuários da RESEX em
Mãe Grande. Os incentivos governamentais para suprir as necessidades de mais educação, renda e oportunidades para essas
comunidades dão suporte importante para essa perspectiva. Tanto é assim que, nos anos de 2013-2014, 87% das lideranças en-
trevistadas na REM de Curuçá/PA reconheciam benefícios para o município com a criação dessa Unidade de Conservação. Em
março de 2015, lideranças comunitárias na REM em São Caetano de Odivelas estavam otimistas com a recém criação de REM
nesse município.
A divulgação da importância do ecossistema manguezal e a educação para sua proteção nos meios integrantes de toda
a teia de relações que envolve a utilização dos recursos naturais é imprescindível.
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Ribeiro, Ana Maria Motta1; São Clemente, Bernardo Raphael Bastos2; Freitas, Emmanuel Oguri3; Lobato da Costa,
Rodolfo Bezerra de Menezes4 & Azevedo, Thaís Maria Lutterback Saporetti5
1.Professora do PPG em Sociologia e Direito e Coordenadora do Observatório Fundiário Fluminense (OBFF); Universidade Federal
Fluminense, anamribeiro@outlook.com; 2. Doutorando do PPGSD e pesquisador do OBFF, Universidade Federal Fluminense,
bernardosaoclemente@yahoo.com.br; 3. Doutorando do PPGSD e pesquisador do OBFF, Universidade Federal Fluminense,
emmanuel.of@gmail.com; 4.Doutorando do PPGSD e pesquisador do OBFF, Universidade Federal Fluminense,
rodolfolobato@hotmail.com; 5. Doutoranda do PPGSD e pesquisadora do OBFF, Universidade Federal Fluminense,
thaislutterback@gmail.com;
Resumo
Este artigo pretende apresentar uma releitura sobre o histórico de ocupação da terra que deu origem à comunidade rural Sebas-
tião Lan, no município de Silva Jardim, interior do Estado do Rio de Janeiro. O assentamento localiza-se no entorno da Reserva Bi-
ológica (Rebio) de Poço das Antas, sendo impactados por restrições ambientais em decorrência da proximidade com a unidade
de conservação. No dia 11 de junho de 2015, foi comemorado o aniversário de 19 anos de ocupação. Por meio da observação
participante como metodologia, procura-se dar voz e enfatizar a morosidade e o “cansaço” dos trabalhadores rurais diante dos
impasses ambientais e agrários criados por órgãos federais em disputa (INCRA e IBAMA), processo acompanhado, desde 2002,
pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e que continua sem um encaminhamento definitivo quanto à situação das famílias
na área.
Apresentação
Pretende-se com este artigo apresentar uma releitura sobre o histórico de ocupação da terra que deu origem à comu-
nidade rural de Sebastião Lan, no município de Silva Jardim, interior do Estado do Rio de Janeiro. No dia 11 de junho de 2015,
foi completado o aniversário de 19 anos de ocupação. Além da releitura do processo territorial, apresentamos o novo cenário,
levando em conta a permanência do conflito que levou pela primeira vez os pesquisadores da Universidade Federal Fluminense
(UFF) a campo, em 2002. A morosidade da justiça, aliada aos impasses ambientais e agrários dos órgãos federais em disputa
(INCRA e IBAMA) apresentam-se como a principal queixa dos trabalhadores rurais.
Histórico da Região
A implantação da Reserva Biológica (Rebio) de Poço das Antas, em 1974, envolveu questões importantes e problemáticas
presentes no Brasil relativos à concentração de terras, modos de exploração do solo, dos recursos hídricos (minerais) e energé-
ticos (biomassa). Somados aos impasses provocados pela implantação da Rebio, ocorreu a construção de uma barragem que
redefiniu os limites da Lagoa de Jurtunaíba, local que, com o passar do tempo, tornou-se de grande interesse da especulação
imobiliária, por fornecer abastecimento de água para a ascendente “Região dos Lagos”, dando suporte para o início do desen-
volvimento da atividade turística nesta região1.
Simultaneamente, assiste-se a um processo planejado e flagrante no sentido de caracterizar a suposta decadência agrí-
cola - intencionalmente provocada em nome de um conceito de modernização, relacionada ao desenvolvimento urbano, como
característica a ser forjada enquanto imagem do Estado do Rio de Janeiro - vinculada a uma pretensa falta de vocação rural.
Assim, se seguem a morte da fruticultura fluminense de laranja, a devastação da Mata Atlântica, a decadência dos grandesci-
clos de cana e café que representavam alicerces econômicos do Estado e que passam a ser substituídos pelo capital espe-
1
Encontramos indícios da participação da empresa Camargo Correa e outras empreiteiras consorciadas do movimento urbanizador: a Barragem de Juturnaíba, a
privatização da estrada para a região dos Lagos e a privatização do fornecimento água para atender o aumento demográfico da Região dos Lagos.
2
Destaca-se do ponto de vista institucional a unificação dos Estados da Guanabara (centro de urbanização) que tem hegemonia nesse acordo, com o Estado do Rio
de Janeiro (eminentemente rural) em 15 de março de 1975, acaba por uniformizar desejos especulativos na região.
3
Verbete “Desagriculturalização”, Dicionário da Terra, páginas 158-161 (MOTTA, 2005).
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Figura 1. Mapa de Uso e Ocupação do Solo produzido pelo INCRA na área do assentamento Sebastião Lan II, com destaques
em azul para os canais construídos onde originalmente era um pântano. (INCRA, 2014, Portaria Incra SR 07).
A área onde se encontra o acampamento, chamada de Brejão, após a canalização na década de 70 para plantação de
arroz, foi grilada por um fazendeiro, posteriormente arrendada para continuidade da rizicultura e, depois, recebendo tentativas
de cultivo de aipim, batata-doce e banana. A área de 1466 ha que foi ocupada em 1997, possui um solo que carrega uma história
que se origina com a derrubada da mata nativa, queimadas e produção com agrotóxicos, dentro do pacote da Revolução Verde
(maquinário e insumos químicos).
Hoje, a desobstrução de alguns destes canais não ocorre para favorecer a atividade agrícola, nem o abastecimento hu-
mano. Ela acontece, principalmente, após as enchentes de 2003, quando o volume de água da represa de Juturnaíba superou sua
capacidade e forçou a abertura das comportas, inundando boa parcela de onde se encontra o Sebastião Lan causando efeitos
catastróficos para quem ali residia.
Ao mesmo tempo em que o Estado do Rio de Janeiro é hoje um dos mais urbanizados da Federação, se mantém
abertos uma série de processos que atuam em diferentes sentidos, dentre os quais destacamos a resistência dos trabalhadores
em luta constante por reforma agrária, o desenvolvimento da pluriatividade enquanto estratégia de permanência no campo e o
surgimento de novas iniciativas relacionadas com a questão ambiental, o turismo, o processamento de alimentos, entre outras.
Destaca-se, ainda, uma óbvia participação da ocupação no processo de modificação do status de perigo de extinção do mico
leão dourado que passou a frequentar um território com lavoura branca (alimentos) dos trabalhadores, uma vez que era pres-
sionado pelos “vazios espaciais” ocasionados pela pecuária, forma majoritária de ocupação territorial até o aparecimento dos
agricultores familiares.
Podemos, teoricamente, visualizar os processos de “desagriculturalização”, “desruralização” e “rerruralização” no tempo
e no espaço. Geiger e Mesquita, autores de um texto clássico sobre a questão agrária no Estado do Rio de Janeiro (escrito há 50
anos), colocam dados interessantes para a compreensão das raízes históricas da relação rural-urbano (GEIGER; MESQUITA,
1956, p. 36-37). A suposta decadência agrícola do Estado do Rio de Janeiro, vinculada a uma pretensa falta de vocação, é criti-
cada pelos autores com o exemplo que diz por si mesmo: a fruticultura colocou a produção fluminense de laranja como a maior
do país. A mudança da correlação de forças entre o campo e a cidade é o traço fundamental no desenvolvimento econômico da
região.
Ao mesmo tempo que o Estado do Rio é hoje o mais urbanizado da federação se mantêm abertos uma série de processos
que atuam em diferentes sentidos, dentre os quais destacamos a resistência dos trabalhadores em luta constante por reforma
Argumentação
No ano de 2002, a UFF recebeu uma solicitação para formação de um Grupo de Pesquisa na tentativa de responder ao
processo encaminhado pelo Ministério Público Federal (acionado pelo IBAMA e pela Rebio de Poço das Antas) relativo a algu-
mas demandas referentes a uma Ação Civil Pública ajuizada contra o INCRA, face aos supostos danos causados por assenta-
mentos rurais no entorno da Rebio de Poço das Antas4. Considerando o processo de extinção do mico leão dourado, eminente na
época, foi criado o GT Ecossocial5, com a contribuição de especialistas de diversas áreas para superação dos conflitos socioam-
bientais consolidados em uma cooperação técnica entre o IBAMA e o INCRA, mediada pela Academia.
Realizou-se formalmente um Laudo “multidisciplinar” envolvendo as expertises nas áreas de Sociologia Rural, Direito
Agrário e Ambiental; Engenharia Agrícola, Biologia e Geografia Agrária (MADERIA FILHO et al., 2007). Foi produzida, entre
outras tarefas, a caracterização dos agricultores e das atividades rurais no entorno da Rebio, através de um Diagnóstico Rural
Participativo (DRP). Esse diagnóstico tinha como objetivo inicial mapear as atividades realizadas pelos trabalhadores antes da
ocupação da terra, seus respectivos municípios de origem, as culturas produzidas, técnicas e recursos existentes6.
O Laudo, realizado através de ações coletivamente construídas em assembleias (envolvendo representantes da REBIO,
do IBAMA, do INCRA, da comunidade de assentados e da UFF), culminou com a proposta de Termo de Ajustamento de Conduta,
aceito por todas as tendências e grupos de interesses envolvidos. Apenas no final de 2013 é que a equipe da UFF voltou a ser
convidada para acompanhar um processo de sensibilização da comunidade de agricultores de Sebastião Lan. Agora, trata-se de
uma proposta conduzida por uma nova direção do INCRA, em outra conjuntura, que se relaciona a construção de um Projeto de
Desenvolvimento Sustentável (PDS) para a área. Trata-se de modalidade de projeto criada para o desenvolvimento de atividades
ambientalmente diferenciadas, destinado às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e
4
Localizado entre Silva Jardim e Casimiro de Abreu, considerando o processo de extinção, eminente na época, do “mico leão dourado”. A partir dessa demanda foi
criado por Portaria especial do Reitor o GT Ecossocial, com a contribuição de especialistas de diversas áreas para superação dos conflitos socioambientais consoli-
dados em uma cooperação técnica entre o Ibama e o Incra, mediada pela academia e centrada em agências federais públicas;
5
Sob coordenação dos professores Ana Motta (sociologia), Dario Prata Filho (engenharia agrícola), Mônica Cox (geogragia), Wilson Madeira Filho (Direito), o GT
ECOSOCIAL contava com os seguintes pesquisadores: Ana Claudia Tavares, Carlos André da Costa, Erika Moreira, Ernane Filho, Fernando Barcellos, Flávio Serafini,
Janaína Sevá, João Brito, Juliana Calomeni, Juliana Moreira, Luciana Silva, Marcelle Pires, Patrícia de Sá, Paula Pinto e Rodolfo Lobato.
6
O diagnóstico identificou as seguintes culturas: Coco, aipim, maracujá, laranja, feijão, banana, milho, inhame, abóbora, cana, manga. Além de também evidenciar
e pesquisar equipamentos utilizados, formas de adubação, tipos de defensivos, irrigação, comercialização, armazenamento, processamento de alimentos, energia
elétrica, construções rurais, saneamento, abastecimento de água, esgotos sanitários, resíduos sólidos, queimadas, extração de recursos florestais, entre outros.
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em outras atividades de baixo impacto ambiental.
Atualmente, esse estudo pretende acompanhar e observar o processo institucional que busca integrar os imperativos de
conservação da natureza com as necessidades de sobrevivência das comunidades agrícolas de pequenos produtores7. Merece
destaque o fato de que as 83 famílias originais encontram-se na condição de acampados há mais de 17 anos e um dos grandes
dilemas será o de assentar, deste total, apenas 44, segundo conclusões de estudos técnicos realizados pelo INCRA8. Durante o
longo tempo de espera, várias situações contraditórias emergiram. Venda de lotes por alguns que não suportaram financeira-
mente ou emocionalmente a longa espera (separações de casais, morte de parentes, pais idosos ou filhos que se envolveram em
situações de vulnerabilidade nas periferias do Rio de Janeiro, em busca de ocupação ou de lazer); alteração na direção política
da comunidade e rachas das lideranças; reocupação desordenada por “gente de fora” que não participou da luta inicial, oca-
sionando o surgimento de novos interesses, entre eles, a forte presença de uma Igreja Evangélica que foi construída ao lado do
prédio feito pela comunidade para sitiar a sede da associação9.
O fato é que hoje existe já consolidado um cinturão de agricultura familiar no entorno da Rebio de Poço das Antas, que
ainda se destaca como um campo privilegiado de pesquisa sobre o rural fluminense e sobre a “rerruralização”. São movimen-
tos de ocupação de terra em áreas historicamente ocupadas por um campesinato ribeirinho que foi expulso para a entrada da
monocultura de arroz e depois, pecuária em larga escala, os quais com sua presença “rerruralizam” o Vale do Rio São João com
a produção de alimento, ou lavoura branca. Esse cenário se desenha dinamicamente em variadas formas de conflito, uma diver-
sidade de atores em tensão permanente acerca de direitos sobre a titularidade da terra e, principalmente, no enfrentamento com
projetos econômicos, ambientais e agrícolas que colocam em jogo as diversas noções de territorialidade10.
Vários são os pesquisadores envolvidos no desafio de compreender as dinâmicas territoriais do território hidrográfico da
Bacia do rio São João, no foco desta pesquisa. Estamos seguros de que para uma redefinição da ocupação desse vale torna-se
fundamental uma releitura de trabalhos, como o do geógrafo Jacob Binstock (1998) que desenvolveu uma pesquisa na região em
um momento de transformação de um território camponês em um território de latifúndios.
Depois de décadas de ocupação no entorno da Rebio, alguns funcionários do INCRA já reinterpretam nominalmente
a situação atual das famílias não mais como “acampados”, mas como comunidades de produtores agrícolas, em vias de as-
sentamento. Situação que fortalece as demandas por acesso a serviços públicos e direitos, que se arrastam por anos, mas que
continuam suspensas por supostas incompatibilidades entre a implantação de uma atividade agrícola familiar e a preservação
ambiental.
O caso apresenta conflitos ideológicos que se refletem em disputas institucionais entre órgãos responsáveis pela reforma
agrária (INCRA) e a preservação ambiental (atual ICMBIO) acerca da legitimidade na ordenação do território. Há nítida diferen-
ciação a ser examinada com cuidado entre as exigências do Termo de Ajustamento de Conduta e as condicionantes da Licença
Prévia para a área.
Assim, trabalhando com um conceito importado da geografia, pretende-se delinear o território não como espaço natural
imutável, mas como artefato humano em que seus traços são ora desfocados pelos conflitos, ora invisíveis pelos consensos. A
expansão urbana do município de Casimiro de Abreu e os usos diversos de uma natureza preservada (turismo e ciência) su-
jeitaram os assentamentos a diversas influências que precisam ser melhor investigadas, o que possivelmente vem reforçando as
tendências identificadas sob a noção de “desagriculturalização” do Estado do Rio de Janeiro.
Até que ponto a especulação imobiliária apresenta-se como uma ameaça para a consolidação da agricultura familiar? A
“desagriculturalização” em nome da preservação ambiental ou mesmo como resultado de grandes fluxos de capitais do mercado
imobiliário colocariam as comunidades rurais do território em situação de vulnerabilidade? Quais são as reações ou posiciona-
mentos dos atores envolvidos diante da interseção entre conflitos fundiários rurais com conflitos fundiários urbanos? A especula-
7
Esse movimento de integração entre Reforma Agrária e Preservacionismo tem seu ponto de partida na luta de Chico Mendes que investiu na criação de uma Reserva
Extrativista, trazendo para dentro da luta sindical e político partidária a importância da questão ambiental para a agenda dos trabalhadores rurais em luta no País.
8
A situação de acampados representa a ausência de direitos por parte do estado uma vez que a ocupação de terras não constitui cidadania neste País.
9
Ambos os prédios são considerados ilegais por terem sido construídos em terras da união sem qualquer autorização. A vinda da família do pastor para um dos lotes
vendidos, novos “irmãos” atraídos para a área; uma nova geração de filhos dos ocupantes originais que depois de mais de uma década formaram novas famílias e
demandam o legítimo direito de um lote; a presença de um grupo de perfil diferente identificado pelos moradores mais antigos como membros da “milícia evangé-
lica” do ERJ.
10
“Disputando espaço com o avanço da urbanização, como é o caso do Rio de Janeiro; [...] A reapropriação de espaços pouco explorados, onde as atividades agrí-
colas dos assentados para além de proporciona-lhes os meios de vida também adquire funções políticas de delimitação de território, [...] (MEDEIROS, p.14, 1999).
11
Uma vez que a comunidade acampada está situada em Silva Jardim torna-se, portanto, um segmento de eleitores deste município embora utilize prioritariamente
os recursos e equipamentos urbanos de Casimiro de Abreu, de onde está mais próxima.
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possessórias que se deram ao longo das décadas de 80 e 90, que tinham como atores INCRA e supostos proprietários, apresen-
ta-se nas disputas entre concepções de uso da terra, que envolvem a autarquia fundiária e o IBAMA.
A função social da terra não se resume a critérios técnicos de produtividade, mas reafirma um compromisso de preser-
vação da força de trabalho e da natureza externa (MARÉS, 2003, p. 20). Nesse sentido, elementos de diferentes visões de mundo
passam a ser foco de disputas judicializadas, a partir de representações e mediações dos atores legitimados para exercício dos
papéis próprios do campo jurídico.
Durante os trabalhos que resultaram no Laudo Multidisciplinar em Conflito Socioambiental, o levantamento processual aponta
uma mudança nos sujeitos envolvidos nas demandas judiciais. Pereira (2008) organiza os dados relativos à mudança da seguinte
forma: década de 80, disputas entre Estado e Fazendeiros; década de 90, Estado e trabalhadores rurais sem-terra; a partir do ano
2000, IBAMA e INCRA. Por conta da participação do INCRA em qualquer dos polos das ações judiciais, todas se dão no âmbito
da Justiça Federal, mas apresentam diferentes objetos e partes.
O Ministério Público Federal promoveu Ação Civil Pública (ACP) no ano de 1998, processo número 980010661-8, com
o intuito de impedir que o INCRA promova assentamentos rurais no entorno da Rebio. As ações civis públicas visam recompor
danos morais e patrimoniais referentes a questões ambientais, bem como tutelar interesses coletivos e difusos, entre outras
hipóteses, tendo o Ministério Público e associações como legitimados para sua interposição. Utilizou-se, para tanto, a Resolução
CONAMA número 13/90, em seu artigo segundo, que estabelece a chamada zona tampão, em que qualquer atividade que possa
afetar a biota do entorno de até 10 quilômetros de Unidade de Conservação depende de licenciamento de órgão ambiental.
Pouco tempo depois a Associação dos Amigos do Rio São João – AMIRIO- interpõe ACP com o mesmo objeto. A primeira
reação do Judiciário – tanto da Justiça Estadual quanto Federal - é acatar de maneira liminar o pedido dos demandantes com base
na necessidade de prevenir um suposto dano irreparável ao equilíbrio da Rebio.
Durante o período que vai da propositura da ação e a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta- TAC- envol-
vendo o MPF, INCRA e IBAMA, as decisões foram no sentido de acatar os pedidos de impedir o INCRA de promover assenta-
mentos na área de amortecimento. Em 23 de maio de 2005, o TAC finalmente prevê a criação de projetos na área na modalidade
Projeto de Desenvolvimento Sustentável- PDS. O documento estabelece prazos e obrigações para que o INCRA estruture o as-
sentamento, levando em conta a situação específica do entorno de Rebio.
A partir da assinatura do TAC, com a devida homologação por parte do magistrado, a ação civil pública perde seu objeto
e é arquivada. A Resolução Conama 289/2001 passa a regulamentar a dinâmica do licenciamento ambiental, interferindo na
implantação do assentamento, visto que o tempo do mundo jurídico não acompanha o tempo da vida de camponeses. O licen-
ciamento ambiental termina freando a implantação do assentamento rural e sua imposição sem uma construção dialógica tem
sofrido críticas dos movimentos sociais de luta pela terra (PEREIRA, 2008, p. 56).
O processo foi desarquivado algumas vezes pelo INCRA e pelo MPF, entretanto, nunca foi imposta qualquer penalidade
a nenhuma das partes em relação a descumprimento dos prazos estabelecidos no TAC. A assinatura do TAC não diminuiu os
enfrentamentos entre as duas autarquias, que continuaram em desacordo acerca do tratamento aos acampados e a política am-
biental no entorno da reserva.
O processo é redistribuído para a 2ªVara Federal de Itaboraí em abril de 2011, tendo sido arquivado novamente nesse
mesmo período. Desde a assinatura do TAC, o caminho da resolução do conflito na região passa a ser resolvido pela lógica da
política e dos financiamentos públicos, sem, entretanto, avançar em termos de celeridade e participação dos sujeitos diretamente
tocados pelos imbróglios: os/as camponeses/as.
Referências
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TRANSFERÊNCIA DE RENDA: DIFICULDADES DE ACESSO DA POPULAÇÃO
TRADICIONAL AOS PROGRAMAS DO GOVERNO FEDERAL BRASILEIRO-
PROGRAMAS BOLSA FAMÍLIA E BOLSA VERDE NA RESERVA EXTRATIVISTA
ARAPIXI-AMAZONAS (2010 - 2014)
Oliveira, Késsia Monteiro de1; Neto, Gerson Carvalho Nunes²; Santana, Elizângela Leão³ & Silveira, Leonardo Konrath da4
Resumo
Este trabalho tem o objetivo de apresentar as facilidades e dificuldades com relação ao acesso aos Programas de Transferência
de Renda na RESEX Arapixi, no período de 2010 a 2014. Foi efetuado um estudo de campo em março de 2015, com a aplicação
de questionários a 41 famílias que residem na UC. O foco dos questionários foi efetuar um levantamento de dados sobre os
programas Bolsa Família e Bolsa Verde, buscando compreender como é o acesso destes pela população tradicional. Através da
análise dos questionários, constata-se que boa parte das famílias da RESEX acessam o programa Bolsa Família e uma menor
parte acessa o Programa Bolsa Verde. Fica evidente que estes programas influenciam positivamente a vida das famílias da UC, já
que houve aumento na produção. Os programas de transferência de renda não são a solução definitiva para a melhoria da renda
da população próxima a linha da pobreza, mas um caminho para a solução desta questão que afeta a tantas famílias brasileiras.
Introdução
O sistema de proteção social brasileiro, com seus programas de transferência de renda, vem sendo um importante instru-
mento no combate a desigualdade social, para a garantia dos direitos humanos e também para conservação do meio ambiente.
Sob esses eixos temáticos, são encontrados dois programas sociais que vem recebendo um destaque privilegiado nas políticas
sociais e, também na sociedade brasileira, que são: Programa Bolsa Família (PBF) e o Programa Bolsa Verde (PBV) (BICHIR,
2010).
O Programa Bolsa Família é um dos programas de transferência de renda que concedeu maiores êxitos às famílias que
se encontram na faixa de pobreza e/ou extrema pobreza desde a sua implantação. Este programa foi criado no ano de 2004 no
governo de Luís Inácio Lula da Silva, com o intuito de diminuir a pobreza das famílias de baixa renda.
Para Zimmermann (2006), o Programa Bolsa Família é avaliado como um novo jeito de atacar um problema social que já é
conhecido há muito tempo: a fome. O autor ainda enfatiza que, comparado aos outros programas que existiram e/ou existem, com
o mesmo enfoque, o Bolsa Família ainda é o caminho mais rápido para beneficiar as classes sociais oprimidas. Este programa
tem como condicionalidades a permanência das crianças e adolescentes matriculados em estabelecimentos regulares de en-
sino, mantendo a sua frequência escolar, e também levando-as às unidades de saúde para o devido acompanhamento nutricional
junto a assistência social. Esses vínculos têm como estratégia garantir um melhoramento no acesso a direitos sociais para essa
faixa da população que é tão desfavorecida.
Segundo os dados do Programa Brasil Sem Miséria (MDS, 2015), 52,40% da população de Boca do Acre/AM é bene-
ficiária do referido programa, o PBF se apresenta como um programa de transferência direta de renda com condicionalidades,
1
1
Beneficiário é a família que está inserida no CadÚnico, sistema informatizado do governo federal onde deve estar apta a participar dos programas de transferência
de renda.
Metodologia
Este trabalho é de caráter dedutivo, buscando explorar a forma como a transferência de renda é distribuída, e as dificul-
dades de inserção da população nos principais programas sociais desenvolvidos pelo Governo Federal, no qual evidencia a re-
alidade das comunidades que compoem a RESEX Arapixi assistidas pelos programas BF e BV. O tipo de pesquisa é bibliográfica,
respaldada em artigos científicos, monografias com temas afins, revistas eletrônicas e sites relacionados ao tema desenvolvido.
Em relação à coleta de dados, primou-se pela busca de informações primárias e secundárias. As famílias foram es-
colhidas de modo aleatório, de forma que foram entrevistadas as pessoas que se encontravam nas comunidades, iniciando a
pesquisa no órgão responsável pela Reserva Extrativista Arapixi em Boca do Acre/AM, o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio) para reunião dos dados sobre esta UC (Unidade de Conservação). Foram realizadas também com
o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como auxílio na compreensão da análise dos dados, utilizou-se gráficos afim de dar maior clareza sobre o tema abor-
dado. Posteriormente, na coleta de dados primários foi realizada uma pesquisa de campo com a aplicação de questionários
socioeconômicos em diversas comunidades da RESEX Arapixi, utilizando técnica de entrevistas para com os extrativistas.
Este trabalho foi desenvolvido em uma Unidade de Conservação (UC) Federal, a Reserva Extrativista Arapixi, localizada
no município de Boca do Acre/AM, a qual possui uma área aproximada de 134 mil hectares, dividida em quinze comunidades.
Nesta UC residem aproximadamente 700 pessoas, totalizando 129 famílias. A RESEX Arapixi foi criada através do Decreto Presi-
dencial s/n de 21 de junho de 2006, como objetivo de promover a proteção dos recursos naturais e o uso sustentável dentro desta
UC. O período de estudo se dá entre os anos de 2010 e 2014.
Os questionários socioeconômicos foram aplicados a 41 famílias, que compõem uma amostra de 31,78% da população
existente no local, para avaliar como estão sendo distribuídas as políticas públicas para essas famílias. Também foi objetivo deste
estudo verificar qual o impacto causado diretamente por estes programas em suas rendas.
2
O Cadastro Único para Programas Sociais ou CadÚnico é um sistema computadorizado usado pelo Governo Federal para coleta de dados e identificando a situação
socioeconômica das famílias de baixa renda, que são consideradas como aquelas com renda igual ou inferior a um salário mínimo por pessoa (per capita).
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Em concordância, Frota (2006 apud ZIMMERMANN et al., 2009) diz que esse conceito sobre renda mínima no Brasil teve
um olhar válido no início dos anos noventa, quando o Projeto de Lei nº 80/19913 criado pelo senador Eduardo Suplicy acabou
sendo aprovado por unanimidade no Senado. O Projeto seria para o cidadão com mais de vinte e cinco anos de idade, e seria
um complemento no rendimento daqueles que se enquadrassem como abaixo de um valor determinado. De início seria uma
complementação de 30% da diferença entre a renda recebida e o mínimo estabelecido. Depois de tantos embates e divergências,
o projeto teve início a partir do ano de 1995 e alguns municípios brasileiros foram pioneiros no assunto como: Campinas, Ribeirão
Preto e Distrito Federal, sob a forma de Programas de Renda Mínima.
No final do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), o Governo Federal ganhou simpatia com a implanta-
ção em cadeia nacional de alguns programas sociais, que renderam grandes resultados como: Bolsa Escola que era um pro-
grama federal que atuava em cadeia nacional sendo associado ao Ministério da Educação, sendo seguido pelo programa Bolsa-
Alimentação, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), o Brasil Jovem e o Vale-Gás, que por meio dos mesmos
conseguiu atender 12,6 milhões de brasileiros que se encontravam em situação de extrema pobreza até o ano de 2002 (FOLHA
DE SÃO PAULO, 2002).
O governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi marcado por haver um crescimento significativo no país, mantendo
uma economia estável, e um salto elevado na redução da desigualdade social, onde o governo deu predominância aos pro-
gramas sociais. Já no inicio de 2003, devido a essa inovação no governo, foi implantado imediatamente o Fome Zero um programa
com abrangência nacional, visando o direito de alimentação de qualidade à população brasileira. Isso iria garantir cidadania às
populações que se encontravam em situações de vulnerabilidade à fome (ESTADÃO, 2008).
Já o governo de Dilma Rousseff (PORTAL BRASIL, 2011) procurou não só dar continuidade aos programas de proteção
social deixados pelo governo anterior - como implantar várias novas políticas públicas - tendo como objetivo garantir uma renda
mínima a todas as famílias, promovendo alívio imediato à situação de extrema pobreza, fazendo com que as famílias mais po-
bres sejam inseridas no Cadastro Único tornando-as conhecidas pelo Governo Federal, podendo assim ter acesso às políticas
públicas voltadas à essa classe social.
Campello (2013) relata que eles deram uma arrancada, recadastrando quase 3,6 milhões de famílias, reorganizando a
origem dos programas implantados a cada cidadão, inserindo milhões de novas famílias, chegando 12,8 milhões de famílias
recebendo ao longo de seu governo o benefício Bolsa Família.
3
De acordo com projeto de lei da câmara nº 2561, de 1992, pls 80/91 art. 1º é instituído o Programa de Garantia de Renda Mínima - PGRM, que beneficiará, sob a forma
do imposto de renda negativo, todas as pessoas residentesno país, maiores de vinte e cinco anos e que aufiram rendimentos brutos mensais inferiores a CR$45.000,00
(quarenta e cinco mil cruzeiros). (programa de garantia de renda mínima)
as estratégias de enfrentamento são orientadas para atenuar o impacto do risco ao qual as pes-
soas ou comunidades pobres estão expostas , uma vez que a situação de pobreza já existe. As
estratégias de suavização e prenveção, por sua vez , são adotadas para dimunuir os riscos futuros.
É notório que os programas de transferência de renda tem uma relevância significativa para essas famílias tradicionais
que hoje se encontram no interior da floresta. Conforme Dilma Rousseff afirmou, no seu discurso em Manaus
“o Bolsa Verde por exemplo seria uma via de mão dupla, pois é uma maneira do Governo Federal
ajudar os extrativistas melhorando suas vidas e sua renda e em troca eles cuidam na conservação
do meio ambiente, sendo responsabilidade de todos a preservação do nosso meio ambiente, para
o futuro dos nossos filhos” (PORTAL BRASIL, 2011).
A problematização dos programas, busca saber se é a falta de informação que não chega até eles devido a longitude da
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cidade, ou se é descaso das secretarias responsáveis pela execução dos programas. Pois assim poderemos saber os efeitos
positivos desses programas na vida de cada família beneficiada, analisando assim o impacto causado na renda destas famílias.
Figura 1. Quantidade de famílias que acessam aos Programas BF/BV. Fonte: 41 pessoas entrevistadas,
esses dados foram obtidos em estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Por se tratar de um Programa relativamente novo, ou seja, de recente implementação, o PBV, em comparação com o
PBF, na Figura 2, mostra ainda um baixo percentual de famílias que acessam este, apresentando apenas 17,07% de famílias que
acessam o PBVcontra 60,98% que acessam o PBF, o que se alega é que o acesso deste programa as famílias ainda está sendo
efetuado de forma lenta, por parte dos responsáveis pelo cadastramento.
Figura 2. Quantidade de famílias por Programa. Fonte: 41 pessoas entrevistadas, esses dados foram obtidos em
estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Figura 3. Grau de Escolaridade dos Chefes de Famílias. Fonte: 41 pessoas entrevistadas, esses dados foram
obtidos em estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Apesar da pequena amostra exposta pelos questionários,torna-se visível que mais de 80% das famílias tradicionais não
chega a tirar mensalmente sequer, um salário mínimo (Figura 4). Essa questão inicialmente apresenta uma renda muito baixa,
mas precisamos levar em consideração que a população tradicional da RESEX Arapixi não paga impostos em sua maior parte, já
que não pagam o Imposto Territorial Rural (ITR) assim como não pagam energia elétrica e nem água, também não pagam taxas
públicas como as de iluminação pública e limpeza urbana.
Outro fator que deve ser levado em consideração é que parte de sua alimentação é proveniente da própria RESEX, seja
através de carne de caça, da pesca ou criações de pequenos animais (geralmente galinha, porco e carneiro), sem contar as
suas próprias plantações, onde se produz macaxeira para produção de farinha, feijão de praia, coco, cana, melancia e jerimum.
Quando analisamos estes fatores, que demonstram que seus rendimentos são mais do que suficientes para a manutenção
dos seus meios de vida, já que não possuem ou evitam diversos gastos tão comuns no meio urbano, percebe-se que mesmo
possuindo uma renda considerada baixa, esta renda atende bem as suas necessidades mais básicas. Talvez seja possível esta-
belecer uma relação entre seus baixos rendimentos e a falta de necessidade de maiores rendimentos, já que a maior parte de
suas necessidades básicas são devidamente supridas. Outro fato ainda preponderante é que estamos analisando uma popu-
lação tradicional que possui costumes totalmente diferentes daqueles existentes no meio urbano, principalmente daqueles de
grandes centros, desta forma receber menos um salário mínimo mensal na RESEX Arapixi representa uma problemática menor
do que receber dois salários mínimos em um centro urbano de maiores proporções, tal como uma capital.
A força de trabalho disponível também pode justificar os baixos rendimentos, já que a maior parte dos trabalhadores são
compostos de pessoas da própria família. Mendonça (2010) diz que, a divisão do trabalho para a população tradicional começa
na adolescência principalmente com os jovens do sexo masculino, que usam a força braçal para cuidar dos roçados, da coleta
de castanha (de onde a maioria das famílias da RESEX Arapixi retira boa parte do seu sustento), pescar.
Em relação as mulheres por sua vez, acabam tendo sua participação nas atividades que lhe são cabíveis, embora muitas
vezes acabam também auxiliando no trabalho braçal. Conforme informação dos gestores da RESEX Arapixi, verifica-se que os
jovens tendem a casar “cedo”, muitas vezes antes de completar vinte anos, o que ocasiona uma fragmentação na mão de obra fa-
miliar disponível e, assim ,diminuindo os seus rendimentos, já que passa então a existir uma nova família, com novos gastos, onde
a nova família focará sua atenção para sua produção, não mais fazendo parte da produção da família da qual são provenientes.
Contando ainda que essas famílias estão expostas a diversos tipos de desastres naturais,tais como problemas com a
perda de suas plantações devido as cheias dos rios, assim como a perda de suas moradias devido ao “derretimento” dos bar-
rancos, sem levar em consideração a problemática da saúde e questões sanitárias do uso d’água e da própria preparação dos
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alimentos. Gallo (2012) diz que, a pobreza e as condições precárias de vida estão em todos os lugares do mundo, e que devido
as famílias que se encontram vulneráveis em suas necessidades mais básicas, fiquem mais suscetíveis a doenças e a mortes
precoces. Diversas doenças relacionadas a má alimentação podendo levar a desnutrição crônica, acarretando assim em sérios
e drásticos problemas de saúde, principalmente no meio rural.
Figura 4. Renda Familiar dos Extrativistas da RESEX Arapixi. Fonte: 41 pessoas entrevistadas,
esses dados foram obtidos em estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Na Figura 5, verifica-se que 66% das famílias entrevistadas afirmam que houve um crescimento em sua produção após a
sua inclusão nos programas sociais analisados. Entre algumas das justificativas para este fato, alguns entrevistados alegam que
o benefício proveniente destes programas possibilita mais tempo para cuidar de suas plantações. Outros afirmam que como sa-
bem que o beneficio é certo, seja este mensal ou trimestral, focam em outras atividades para buscar melhorar ainda mais a vida
de sua família. Somente 12% das famílias entrevistadas afirmam que não verificam qualquer tipo de aumento na sua produção.
Figura 5. Quantitativo na Produção da RESEX. Fonte: 41 pessoas entrevistadas, esses dados foram
obtidos em estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Evidenciando as principais dificuldades encontradas pela população tradicional da RESEX Arapixi para acessar aos
Programas BF e BV.
Embora mais de 60,98% (vide Figura 2) das famílias desta UC está inserida nos programas sociais do Governo Federal,
ainda tem uma pequena parcela da população que não tem acesso a nenhum dos programas ou apenas um dos Programas
como no caso do BF que tem mais anos de atuação. Quase todas as famílias hoje dentro da RESEX tem acesso ao PBF, já o PBV
segundo dados do MMA (2015) são apenas 28 famílias cadastradas de 2011 até 2014. Assim sendo, em 3 anos de execução do
Programa ainda existem deficiências, pois de acordo com Decreto nº 7572 Art.5º parágrafo I, apresenta que as famílias que se
encotram em situação de pobreza ou/ extrema pobreza e estando dentro de Reservas Extrativistas Federais serão beneficiárias
devido a estes desenvolverem atividades de conservação ambiental. Já no Art. 6, §1º diz que as famílias que possuem o PBF são
priorizadas no momento de sua adesão.
São inúmeras as dificuldades para acessar os programas (figura 6). A distância foi a dificuldade mais recorrente entre as
demais, com um total de 46,34% de famílias entrevistadas relatam que a distância entre a RESEX e o local destinado para atender
as questões relacionadas aos Programas é um fator complicador. A falta de informação foi a segunda dificuldade elencada, com
36,58% das famílias entrevistadas apontando essa questão, pois como a maioria das famílias não possui rádio, não há energia
elétrica (somente através de geradores, que não passam mais de duas horas ligados ao dia), o que os deixa ainda mais isolados
da sede do município de Boca do Acre/AM. Já 14,63% afirmam que tanto a distância quanto a falta de informação os prejudica
Figura 6. Dificuldades de Acesso aos Programas. Fonte: 41 pessoas entrevistadas, esses dados
foram obtidos em estudo de campo/2015 - Estimativas elaboradas pelos autores.
Considerações Finais
Através do trabalho desenvolvido verifica-se que o Governo Federal via seus Programas de Transferência de Renda tem
buscado resgatar uma parte da população brasileira para situá-la acima da linha de pobreza. Entre estes Programas tanto o Bolsa
Família quanto o Bolsa Verde são de vital importância para este “resgate” conforme é possível constatar através dos dados aqui
apresentados anteriormente. Para uma Unidade de Conservação Federal, como a Reserva Extrativista Arapixi, estes Programas
tem sido um diferencial para a melhoria da qualidade de vida de seus moradores. Por se tratar de uma UC de Uso Sustentável,
um Programa como o Bolsa Verde, tem um grande potencial para o desenvolvimento sustentável, já que busca casar a conserva-
ção do meio ambiente com melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários (pagamento por serviços ambientais), os quais
tanto se vem falando nos últimos anos.
Programas que relacionam não somente a conservação, mas também a educação e saúde, como no caso das condiciona-
lidades do Programa Bolsa Família, garantem que parte da população antes tão esquecida possa agora contar com serviços de
melhor qualidade, e ainda, possibilita que o Governo Federal possa melhor conhecer onde estão as principais mazelas e lacunas
de parte de suas Políticas Públicas.
A Reserva Extrativista Arapixi embora apresente uma situação mais complicada em relação a educação, pois muitas
vezes não é possível para o chefe de família se dedicar para completar seus estudos, ela também apresenta um bom cenário
para as futuras gerações, pois conforme vários comentários destes mesmos chefes de família, hoje não permitem que seus filhos
abandonem seus estudos. Em parte isso pode estar relacionado às condicionalidades do Programa Bolsa Família, mas também
fica claro que estes pais não querem que seus filhos levem o mesmo tipo de vida difícil.
Finalmente os Programas de Transferência de Renda não são a solução definitiva para a melhoria da renda da população
mais pobre ou próxima da linha da pobreza, mas um caminho para uma questão que afeta a tantas famílias brasileiras.
Referências
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João, Cristina Gerber1; Mattos, Cristiane Passos2 & Irving, Marta de Azevedo3
1.Pesquisadora Dra. do Programa Eicos de Pós-graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e do PPG em Políticas
Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e-mail: cgerberj@gmail.com
2. Professora MS Geografia do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Sukow da Fonseca. 3. Profa. Dra. do PPG Eicos em
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (IP) e do PPG em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (IE) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Resumo
A criação de áreas protegidas vem se tornando uma forte ferramenta na busca pela conservação da natureza. No ano de 2002 o
Congresso Nacional aprovou a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – que dá continuidade
à tendência de resguardar parte da biodiversidade, como forma de garantir sua própria sobrevivência. O benefício gerado pela
biodiversidade preservada pode ser considerado um fluxo de bem-estar não quantificável. O presente trabalho tem como objetivo
principal interpretar esse significado que é gerado pelo convívio com o ambiente natural, segundo a percepção dos usuários
do PARNASO, utilizando-se de metodologias qualitativas de pesquisa. Com base nos resultados alcançados observa-se que o
trabalho vem oportunizando a vivencia de um processo participativo de gestão de uma unidade de conservação e a imersão em
diálogos com atores sociais, que constituem suas vidas dentro ou em áreas de influência de áreas protegidas de proteção integral.
Palavras-chave: Áreas Protegidas, Gestão, Bem-Estar, Parque Nacional da Serra dos Órgãos - PARNASO
Introdução
A criação de espaços naturais especialmente protegidos vem se tornando uma forte ferramenta na busca pela garantia
da manutenção dos serviços ambientais necessários à sobrevivência humana (SCHERL, et al., 2006), uma vez que provê serviços
essenciais à manutenção das necessidades básicas da sociedade, como regulação do ciclo de chuvas, fornecimento de água,
ciclagem de nutrientes e regulação do clima, dentre outros (COSTANZA, 2000).
No que toca ao arcabouço legal e regulatório do uso do ambiente natural no Brasil, a Carta Magna de 1988 trouxe, em
seu artigo 255, o ambiente sadio como um direito fundamental e eleva-o a categoria de “garantia coletiva” ao prescrever que um
ambiente equilibrado é direito de todos, o que vem ao encontro das atuais diretrizes do Conselho de Direitos Humanos da ONU
(BOBBIO, 1992) e é interpretado pelo filósofo como a terceira geração dos direitos fundamentais da pessoa humana, pois tem
clara a necessidade de que o ambiente saudável é vital para a manutenção da vida humana.
Com a necessidade de regulamentar esta parte da Constituição Federal, nos anos de 2000 e 2002 o Congresso Nacional
aprovou a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – (BRASIL, 2000, 2002), que dá continuidade
à tendência mundial de resguardar parte da biodiversidade, como forma de garantir sua própria sobrevivência. Além disso,
a existência de áreas protegidas proporciona qualidade de vida, bem-estar e saúde a uma importante parcela da população,
pois o ambiente natural, além do escopo mercadológico, onde exerce a função de fornecer serviços difusos e elementares à
nossa sobrevivência, gera um fluxo de bem-estar não quantificável e, muitas e diversas vezes, não perceptível ao ser humano,
principalmente,pela sua forma de gestão, que aparta do ser humano da natureza.
A gestão destes espaços ainda gera conflitos com a sociedade, sejam por questões culturais, pelo sentimento de per-
tencer a um determinado local ou pela disputa territorial. Fato é que não se podem dissociar questões ambientais e socio-
econômicas, pois que são interligadas e inseparáveis.
No sentido aqui exposto, o presente trabalho, que buscou interpretar os benefícios gerados pelo ambiente natural em
termos de seus efeitos para a geração de bem-estar, segundo a percepção de seus usuários, se constituiu em um estudo de caso
com atores sociais existentes na área de influência do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), em relação a sua qualidade de
vida e bem-estar providos pelo contato com a natureza.
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Com o passar dos tempos, o conceito se expandiu para outras áreas como saúde e psicossociologia e internalizou suas
subjetividades. Entretanto, não deixou de ser um conceito ligado a condição humana, e por esta razão, está intrinsecamente
conectado à percepção que uma determinada sociedade tem de bem-estar em um determinado momento e sob determinadas
condições.
Para Minayo (2000) a percepção de bem-estar está relacionada e é dependente de aspectos históricos, culturais e sub-
jetivos, além disso, esta percepção só pode fazer parte de uma determinada comunidade se ela usufrui o que percebe ser um
determinado nível de qualidade de vida, o que está intimamente relacionado ao grau de satisfação com a sua existência, tanto
material, quanto imaterial.
Assim, a ideia central passa a ser a de que o bem-estar de cada pessoa lhe é uma característica intrínseca e individual
e está ligada aos seus aspectos mentais e subjetivos. Significado esse que não está ligado unicamente às possibilidades finan-
ceiras de um indivíduo, mas também a outros aspectos como noções de justiça social, pertencimento, elos familiares, ciclo de
amizades, contato com o ambiente natural, etc.
O bem-estar, no seu sentido mais amplo, tira o foco do incremento de renda como o objetivo maior da sociedade. A renda
passa a ser o meio para a obtenção de felicidade e satisfação (BENTHAN, 1789 apud SEN, 2000). Subjetivamente, pode-se afir-
mar que o bem-estar é o estudo científico do significado da felicidade: o que a causa, o que a destrói e quem a tem.
A partir do crescimento do movimento ambientalista na década de 1970, a comunidade científica passa a questionar o
modelo de bem-estar predatório e agrega, à noção de conforto, bem-estar e qualidade de vida, a perspectiva da ecologia hu-
mana - que trata do ambiente biogeoquímico, no qual vivem o indivíduo e a população; e o conjunto das relações que os seres
humanos estabelecem entre si e com a própria natureza. Esse conceito questiona as condições reais e universais de manutenção
de um padrão de qualidade de vida fundado no consumismo e na exploração da natureza que, pelo seu elevado grau predatório,
desdenha a situação das gerações futuras, desconhece a cumplicidade de toda a biosfera e não é replicável
Na literatura médica, o termo bem-estar parece não ter um único significado. Gill & Feinstein (1994), defendem que a
percepção de bem-estar relaciona-se com a qualidade de vida e não inclui somente fatores relacionados à saúde, tais como bem-
estar físico, funcional, emocional, mental e econômico, mas também elementos não relacionados à saúde como trabalho, família,
amigos e circunstâncias de vida além do sentimento confortável advindo do contato com a natureza.
Assim, a comunidade cientifica da área da saúde, principalmente a saúde social, reconhece a importância da manuten-
ção de espaços protegidos a fim de proporcionar o fortalecimento da saúde humana. Além disso, nos mostram que a vida em
contato com a natureza reduz a desigualdade da saúde, independente da classe social (MITCHELL; POPHAN, 2008).
Maas et. al., 2006 mostram a conexão linear e negativa em relação a taxa de mortalidade existente entre pessoas da ter-
ceira idade e o ambiente natural, quando em comparação com aquelas que vivem em áreas urbanas sob stress. O convívio com
áreas naturais tem sido considerado como “reparador” tanto do ponto de vista psicológico como fisiológico (HARTIG et. al, 2003).
Para Herman Daly (1968), o foco da analise socioeconômico-ambiental deve ser alterado da percepção mercadológica
para uma calcada em princípios éticos e morais, levando-se em conta que os serviços gerados pela natureza podem não propor-
cionar um aumento da renda diretamente, mas podem evitar custos quando provêm à sociedade suas necessidades elementares.
Daly (1973 op. cit) descreve o uso dos serviços ecossistêmicos como “a satisfação experimentada pelo alcance de nos-
sos desejos ou necessidades”. Isso só é possível pela manutenção do estoque de capital natural.
Além da via de mercado, levantamentos feitos em estados americanos (THE TRUST FOR PUBLIC LAND, 2010) mostram
que comunidades que participam da gestão das áreas protegidas de seus lugares apresentam um sentimento de pertencimento
aguçado, o que contribui para o fortalecimento da coesão e da inserção social. Áreas protegidas são partes indissociáveis de
suas vidas diárias.
Se áreas protegidas forem geridas em harmonia com a sociedade local, elas virão a utilizar mais e melhor seu lugar de
viver, e, consequentemente, se sentem mais orgulhosos do local onde vivem. Além disso, a identificação com a terra, com sua
comunidade e com a gestão de áreas protegidas fazem emergir o sentido de empoderamento da sociedade em relação ao local
e a cultura de onde vivem, intensificando a percepção da importância da natureza no seu significado de bem-estar.
Foi nesse sentido que a Organização das Nações Unidas – ONU – por meio da Resolução 65/309 de 19 de julho de 2011,
reconhecendo que o PIB não reflete adequadamente o bem-estar da população de um determinado país e levando em considera-
ção a necessidade de se promover o desenvolvimento sustentável, indica aos membros de sua assembléia geral que busquem
Objetivos
O presente trabalho tem como objetivo principal interpretar o significado subjetivo do bem-estar gerado pelo convívio e
proximidade com o ambiente natural, segundo a percepção dos usuários do PARNASO.
Objetivos Específicos
Para que se possa alcançar o objetivo maior do presente trabalho fez-se necessário alcançar os seguintes objetivos es-
pecíficos:
• Identificar populações existentes sob influência da unidade de conservação sob estudo – Parque Nacional da Serra dos
Órgãos - PARNASO;
• Construir metodologia participativa que possa ser utilizada para abordar e capturar as reflexões dos participantes da
pesquisa;
• Extrair dos textos obtidos as informações que conduzirão ao processo reflexivo.
Justificativa
O Estado do Rio de Janeiro está totalmente inserido no bioma da Mata Atlântica, onde as áreas naturais tombadas e as
Unidades de Conservação criadas com a finalidade de proteger o patrimônio ecossistêmico do estado abrangem, em conjunto,
aproximadamente 18% do território (RIO DE JANEIRO, 2014). Isto faz do território fluminense o segundo maior no que se refere
à área de proteção aos ecossistemas.
Considerando-se que as unidades de conservação de proteção integral são aquelas que produzem, com efetividade, a
proteção dos ecossistemas a que se destinam, pode-se considerar que o Estado do Rio de Janeiro protege 10,62% da sua área
territorial (RIO DE JANEIRO, 2014, op cit.).
Esse percentual encontra-se acima do de diversos estados brasileiros e pode ser considerado dentro dos parâmetros consi-
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derados pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – IUCN (IUCN/UNEP/WWF, 1980).
A Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro constitui um “hotspot” em escala global e sua perda representa um dos
principais problemas a serem enfrentados pelo Estado nos próximos anos.
Parte importante das áreas protegidas no Estado do Rio de Janeiro encontra-se na região serrana e compõem a área co-
nhecida por “Serra Imperial”, tendo em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo seus principais municípios e que tem no turismo
histórico e, mais recentemente, no turismo ecológico uma importante fonte de recursos (BRASI, 2010).
Esses municípios, apesar de abrigarem em seu seio um conjunto montanhoso de rara beleza e guardarem aspectos
históricos do Brasil Imperial têm pouca participação no PIB estadual (BOTELHO, 2009). Com isso, a oportunidade de proteção
da natureza surge e com ela a criação de diversas categorias de unidades de conservação de proteção integral. Hoje, o município
de Teresópolis cede 8,8% da sua territorialidade à conservação do Parque Nacional da Serra dos Órgãos - PARNASO. É nesse
município que se encontra uma das 3 sedes do parque e sua porção mais urbanizada.
A fim de possibilitar a integração entre a cultura local e a possibilidade de desenvolvimento surge o ecoturismo como
parte importante de uma das principias fontes de arrecadação do estado – o turismo.
Entretanto, se o aumento de receita não tem um fim em si mesmo, qual o ganho em qualidade de vida que a população
destas áreas vem recebendo? Elas estão incluídas no planejamento turístico da região?
Metodologia
Caracterização da Área do Estudo De Caso
A região, conhecida como Serra Imperial, ou Micro Região Serrana, no Estado do Rio de Janeiro, é composta pelos mu-
nicípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo.
A denominação de “Serra Imperial” se deve às características históricas e culturais do país presentes nos municípios de
Petrópolis e Teresópolis e às suas ligações com a família imperial brasileira.
Essas municipalidades tem população marcadamente urbana – 90%, com um IDHM médio em torno de 0,74 (abaixo do
IDH do Estado – 0,837 em 2010) (BRASIL, 2010. Op. Cit ).
No que toca as áreas protegidas, o principal parque nacional é o Parque Nacional da Serra Dos Órgãos - PARNASO - onde
se concentra a pesquisa ora proposta, cuja localização está ilustrada na Figura1.
A Pesquisa de Campo
A metodologia descrita como estudo de caso, resulta de um histórico de pesquisa do Grupo de Pesquisa Lattes/CNPq,
intitulado “Governança, Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social” - GAPIS, e se deu através da realização de entrevis-
tas semi-estruturadas com os atores da gestão pública, lideranças locais e o público em geral e tiveram objetivam levantar, sob a
ótica do cotidiano da gestão e das lideranças locais e da população, os principais atrativos e problemas a serem enfrentados para
o desenvolvimento eco turístico no parque, bem como buscar a percepção dos atores quanto as principais fontes de bem-estar
ligadas às comunidades pesquisadas.
Além disso, realizou-se uma entrevista filmada com o gestor do Parque Nacional da Serra do Órgãos – PARNASO - Lean-
dro Goulart (PARNASO – ICMBIO em 29/08/2014) (IRVING et al., 2013)
As visitas a campo foram efetuadas pela equipe do Grupo de Pesquisa Lattes/CNPq - Governança, Biodiversidade, Áreas
Protegidas e Inclusão Social - GAPIS, com o envolvimento de 30 pessoas e que teve como base o trabalho realizado em pesquisas
do GAPIS no ano de 2009 (IRVING et. al., 2013. Op.Cit . ), para a execução de diálogos com atores sociais identificados, obtendo-
se a realização de várias entrevistas com atores sociais estratégicos (turismo e cultura), entre 28 e 30/08/2014 (UFRJ, 2015)
O trabalho de campo se deu em duas comunidades localizadas em municípios distintos: 1) Vila Inhomirim, em Magé (RJ)
e; 2) Vale do Bonfim, em Petrópolis (RJ).
Para empreender o levantamento de campo e a aplicação de questionários, a população local foi previamente convidada
a participar deste “dia de campo” com pesquisadores do GAPIS/Lattes/CNPq, e alunos e estagiários da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ.
Houve a aplicação de diversos questionários a todos os interessados, seguindo sempre a reafirmação dos compromissos
éticos e solidários, bem como uma postura crítica e de caráter investigativo, mantendo uma posição que permita uma troca a fim
de que se permitam emergir os reais anseios das comunidades pesquisadas
A Vila Inhomirim
Esta vila, localizada no município de Magé concentra a maior parte da sua população total (cerca de 100 mil habitantes)
do município.
As principais vias de acesso popular são feitas por trem urbano, à diesel operado pela SuperVia, sendo a Vila do In-
homirim o ponto final do tronco do ramal Guapimirim de itinerário férreo.
A hidrografia de Vila Inhomirim é desenhada pelas bacias dos Rios Inhomirim, Estrela e Saracuruna e formam uma área
de abrangência de 667,50 Km². Entre os afluentes do Rio Inhomirim estão os Rios Cachoeira, Piabetá e o Canal Caioba. O PAR-
NASO abriga importantes nascentes, cujas águas tributárias da bacia hidrográfica da Baía de Guanabara. Os principais rios que
fluem para a Baía de Guanabara são, além do Rio Inhomirim, o Soberbo, o Bananal, o Sossego, o Magé, o Santo Aleixo, o Iconha
e o Corujas.
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Os pesquisados apresentaram interesse pelo desenvolvimento do turismo de base comunitária, marcadamente o ecotu-
rismo e o de aventura, como fonte de renda, e citaram a existência de empresas de turismo na região. Algumas delas de proprie-
dade dos pesquisados.
Além disso, observou-se a percepção deles quanto a necessidade de melhoria dos serviços públicos prestados, princi-
palmente em relação à conservação do Parque. Apesar de tal, os pesquisados são usuários da UC, principalmente como fonte de
lazer, como escaladas e uso de cachoeiras e poços, igualmente, provê aulas de educação ambiental na rede de educação local.
O Vale do Bonfim
No Vale vivem mais de 3 mil pessoas, 400 das quais na área rural (IBGE, 2010).
A area caracteriza-se por uma paisagem predominantemente rural mesclada com o setor econômico hoteleiro, com ocu-
pação do solo de fundo de vale, onde pode-se obervar a forte ação da dinâmica das águas, que é potencializada pelo desenho
da topografia, o que denota sua vulnerabilidades do solo perante a ação das linhas d’águas do vale do Bonfim.
A hidrografia do Vale do Bonfim é composta pelas águas do Rio Bonfim que alimentam as águas da bacia hidrográfica
do rio Paraíba do Sul. Grande parte do abastecimento das cidades de Petrópolis e Teresópolis vem da vertente continental do
PARNASO - rios Paquequer, Caxambú e Bonfim, o que gera valor agregado às economias de bases comunitárias.
Um dos aspectos mais importantes levantados no Vale do Bonfim, é o que toca a localização de empresas engarrafamento
de águas do PARNASO, mas que não geram beneficios para a população local.
Os pesquisados, que são usuários da UC, principalmente como fonte de lazer – ecoturismo e águas – percebem a busca
por um convívio harmonioso entre a gestão do Parque e as lideranças comunitárias e entendem que hoje existe uma forte parceria
entre os moradores e lideranças da comunidade e o processo de gestão da UC.
Conclusões
Sob a ótica dos pesquisadores envolvidos, o trabalho vem representando uma excelente oportunidade de troca de apren-
dizado, exercício de cidadania, gerando integração acadêmica em todas as suas etapas.
Além disso, vem oportunizando a vivencia de um processo participativo de gestão de uma unidade de conservação e
a imersão em diálogos com atores sociais, que constituem suas vidas dentro ou em áreas de influência de áreas protegidas de
proteção integral.
Por fim, conclui-se que, apesar da complexidade do tema que envolve a relação entre homem e áreas protegidas, pode-
se afirmar que os atores das comunidades mais participativas na gestão do parque, tem clara a percepção de que é possível
ter-se direito à moradia o prover um ambiente saudável, com geração de bem estar para si próprio, quanto para outrem.
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Filho, Miguel F Fluminhan1; Coffani-Nunes, João Vicente2; Fernandes, Márcio Barragana1; Jankowski, Mayra3; Paixão, Rosiene
Keila Brito da3; Viezzer, Jennifer4; Deitenbach, Armin5; Becher, Martin5; Hach, Lukas5; Betti, Patrícia5 & Silva, Ricardo B. Alves da6
Resumo
A Inserção da Mudança do Clima e Adaptação baseada em Ecossistemas – AbE no Plano de Manejo da APA – CIP apresenta
uma proposta inédita de incluir um tema de importância global em um âmbito regional como uma das primícias de sua gestão.
Reuniões foram realizadas para viabilizar a inserção do tema dentro do Plano de Manejo que já estava em elaboração. A inclusão
se deu em quatro níveis: na inclusão de informações sobre Mudança do Clima no diagnóstico, na inclusão de dinâmicas e diálo-
gos nas Reuniões Temáticas junto às comunidades; a realização de uma Oficina sobre Mudança do Clima e AbE, e a elaboração
de um programa transversal sobre Mudança do Clima e AbE que atuará em conjunto com outros programas do Plano de Manejo.
Desta forma a inserção desses temas fortalece a APA-CIP como interlocutor regional sobre a temática.
Introdução
No contexto da Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável Brasil-Alemanha, no âmbito da Iniciativa Internacional
de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Construção e Segurança Nuclear
(BMUB) da Alemanha, o Ministério do Meio Ambiente – MMA implementa o Projeto Biodiversidade e Mudanças Climáticas na
Mata Atlântica – Projeto Mata Atlântica cujo objetivo é contribuir para a mitigação e adaptação à mudança do clima por meio de
medidas baseadas em ecossistemas (Adaptação baseada em Ecossistemas, AbE), implementadas nas regiões de três mosaicos
de unidades de conservação – Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense (MCF), Mosaico Lagamar e Mosaico do Extremo
Sul da Bahia (MAPES). Espera-se que essas experiências, que inter-relacionam os temas de biodiversidade e clima, sejam com-
partilhadas com instituições relevantes e incorporadas em instrumentos de gestão territorial e em políticas públicas.
Em meados de 2014 o Projeto Mata Atlântica iniciou suas ações na região do Lagamar (Litoral Sul de São Paulo e Litoral
do Paraná). Para desenvolver capacidades de AbE promoveu cursos de três dias sobre a Mudança do Clima e de Adaptação
baseada em Ecossistemas – AbE nos municípios de Curitiba (PR) e Cananéia (SP). Os cursos utilizaram o método de Harvard de
estudos de casos que foram construídos conforme a realidade de cada região. Alguns participantes destes cursos, que tinham
intenção de utilizar a AbE no seu trabalho profissional, participaram adicionalmente de um curso de “Formação de Formadores
em Mudança do Clima e Adaptação baseada em Ecossistemas”, abreviado “FoFo”, em setembro de 2014 em Brasília.
O curso FoFo, de cinco dias, adota uma metodologia participativa e que possibilita aos alunos vivenciarem os conceitos
e aplicá-los em situações reais. Ele acrescenta ao conteúdo técnico um conjunto de conteúdos didáticos que permitem aos for-
mados ministrarem cursos para diversos públicos. Ao final dele, seus participantes apresentam as intenções de aplicação desse
conhecimento em suas atividades profissionais.
No final do curso FoFo em Brasília, um grupo de participantes ligados à Área de Proteção Ambiental Cananéia – Iguape
– Peruíbe - APA-CIP, à Academia Nacional de Biodiversidade – ACADEBio/ICMBio e à Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” - UNESP Campus de Registro, colocaram a intenção de inserir, com apoio do Projeto Mata Atlântica, a metodo-
logia AbE na elaboração do Plano de Manejo da APA-CIP que se realizaria em 2015.
Tanto o gestor da APA-CIP, como a coordenação do Projeto Manguezais do Brasil em Brasília, que financia o Plano de
Manejo da APA – CIP, apoiaram a iniciativa. Assim, já na proposta da elaboração do Plano de Manejo e nos Termos de Referência
de contratação da consultoria especializada foi colocada a intenção da inserção do tema Mudança do Clima (MC) e Adaptação
baseada em Ecossistemas (AbE). Esta experiência envolve profissionais de diferentes diretorias do ICMBio e a parceria de dois
Base Conceitual
Área de Proteção Ambiental de Cananéia, Iguape e Peruíbe (APA-CIP)
De acordo com a Lei 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, a Área de Pro-
teção Ambiental – APA faz parte do grupo de Unidades Conservação de Uso Sustentável. (MMA/SBF, 2006).
A APA-CIP foi criada em 1984 abrangendo cinco municípios (Cananéia, Iguape, Ilha Comprida, Itariri, Miracatu e Pe-
ruíbe) (ICMBIO 2015a). Ela foi ampliada em 1985 (ICMBio 2015b), totalizando cerca de 234.000 ha.
Localizada na região costeira do litoral sul do Estado de São Paulo (Figura 1), está completamente inserida no domínio da
Mata Atlântica, com predominância de manguezais, restingas e floresta ombrófila densa.
Figura 1. Localização da APA Cananéia Iguape Peruíbe no Litoral Sul de São Paulo (Fonte: http://maps.mootiro.org/resource/919).
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Adaptação baseada em Ecossistemas
A Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) “usa a biodiversidade e os serviços ambientais que os ecossistemas
prestam como parte de uma estratégia geral para ajudar as pessoas a se adaptarem aos efeitos adversos da mudança do clima”
(GIZ, 2013a). Desta forma, procura minimizar os efeitos da mudança do clima sobre as formas de produção e na qualidade de
vida da comunidade.1 O conceito, pela primeira vez formulado pela Convenção da Biodiversidade, procura facilitar a valoração
de soluções “verdes”, em contraste a soluções “cinzas”:
“Adaptação baseada nos Ecossistemas é o uso da biodiversidade e dos serviços ambientais como
parte de uma estratégia de adaptação completa para ajudar pessoas a se adaptarem aos efeitos
adversos das mudanças climáticas” (CBD, 2009 apud GIZ, 2013b).
No entanto, outros conceitos relevantes para compreensão da estratégia de aplicação das medidas AbE são:
Adaptação - Ajustes dos sistemas humanos ou naturais em resposta a estímulos climáticos atuais
ou previstos, ou seus efeitos, para moderar os danos ou explorar oportunidades benéficas (IPCC,
2007).
Segundo Dieisner (2013), nem todas as medidas de adaptação às mudanças do Clima são boas, há as que podem
causar impactos negativos inesperados e as que podem apresentar baixo nível de eficiência e efetividade, além das incertezas
dos prognósticos climáticos e seus possíveis impactos, Portanto, uma medida de adaptação “ideal” é uma medida de “não ar-
rependimento”, aquela que traz benefícios para a comunidade apesar dos prognósticos eventualmente não se realizarem.
Medidas de AbE em geral são consideradas como medidas de não arrependimento, visto que a sua execução, indepen-
dente do fator impactante, como p.ex. Mudança do Clima, reestabelece os serviços ecossistêmicos. Em termos gerais, medidas
de Adaptação baseada em Ecossistemas focam na conservação, restauração ou uso sustentável de ecossistemas. Mas como
salientado por Olivier et. al. (2012), é uma abordagem antropocêntrica que tem como perspectiva a forma como os ecossistemas
poderão ajudar as populações, comunidades, por meio da redução da vulnerabilidade, a se adaptarem à variabilidade do clima
atual e às futuras mudanças climáticas.
Como AbE é um conceito relativamente novo, ainda existem poucas experiências sobre sua implementação, tanto no
Brasil como no mundo. Portanto a inserção de AbE no Plano de Manejo da APA CIP constitui uma experiência pioneira em escala
internacional.
O grande desafio, do ponto de vista metodológico, se refere à execução de uma análise de vulnerabilidade à mudança
do clima na etapa de diagnóstico da construção do plano de manejo, prévia à seleção e implementação de medidas de AbE.
Desta forma, as medidas são selecionadas com o objetivo de reduzir a exposição aos efeitos adversos de mudança do clima (p.
ex. ondas de calor, chuvas torrenciais) ou a sensibilidade aos mesmos (p. ex. solos propensos à erosão) de sistemas de interesse
centrados em pessoas. Desta forma, uma medida AbE (p.ex. implantação/manutenção de um sistema agroflorestal diversifi-
cado), pode contribuir a aumentar a capacidade adaptativa das mesmas.
A avaliação de vulnerabilidade é a atividade que permitirá estabelecer prioridades e direcionar as atividades de gestão
nas áreas com probabilidade de manterem a provisão de serviços ecossistêmicos. Segundo o relatório do IPCC (2007), a avalia-
ção de vulnerabilidade consiste em três etapas:
Etapa 1: Avaliação dos potenciais impactos das alterações climáticas sobre os ecossistemas e os sistemas de produção
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A GIZ fornece mais subsídios para entendimento e aprofundamento no site AdaptationComunitty.net” (GIZ, 2015).
Metodologia
Nesse relato de experiência focaremos nos aspectos relacionados à inserção do tema Mudança do Clima e Adaptação
baseada em Ecossistemas nas diferentes etapas do plano de manejo.
No planejamento ficou estabelecido que o tema seria abordado: (i) nas reuniões temáticas de diagnóstico, (ii) em uma
oficina específica para discutir Mudança do Clima e AbE, (iii) na inclusão de um capítulo no Plano de Manejo sobre Mudança
do Clima e Adaptação baseada em Ecossistemas e de um Programa de Ação focado no enfrentamento da mudança do clima e
dos seus impactos adversos.
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Figura 2. participantes de reunião temática.
No final das primeiras reuniões foi efetuado o resgate das atividades iniciais de percepção climática, passado um vídeo
sobre Mudança do Clima (A hora de decidir - GIZ - https://youtu.be/VW5R_rpDjm0) e realizada discussão sobre o tema e a sua
relação às atividades desenvolvidas pelos participantes na região da APA-CIP em que moram/trabalham. Como a reunião era
exaustiva e esta atividade acontecia no final, os participantes não conseguiam aproveitar os conceitos e mensagens e esta ativi-
dade não foi continuada.
No fechamento foi feito um convite especial para participar da Oficina sobre Mudança do Clima e AbE no dia 07 de maio
de 2015 na sede da APA-CIP.
- Mudança do clima e adaptação na região da APA-CIP (visão local): apresentação do Projeto da Organização Não
Governamental Iniciativa Verde sobre a Mudança do Clima e adaptação na região da APA-CIP.
- Identificação de impactos da mudança do clima na APA-CIP: dinâmica de percepção em que os participantes, em
grupos separados, sinalizaram no mapa da APA-CIP os impactos da mudança do clima relacionados a Aspectos Biofísicos
(Figura 4) e Aspectos Socioeconômicos. Depois, verificou-se a correlação entre os dois mapas e desses com os sinais climáticos
indicados na atividade de recepção (Figura 5).
Figura 4. Construção do mapa de Impactos Biofísicos da Mudança Figura 5. Análise dos mapas dos Impactos Biofísicos, Socio-
do Clima na área da APA-CIP econômicos e dos Sinais Climáticos na APA-CIP
- Dinâmica - aprendizado ativo: APA vulnerável: As atividades de aprendizagem ativa facilitam os processos de apren-
dizagem a partir das experiências vividas. A atividade “Adaptação organizacional” consiste em espalhar os membros do curso
aleatoriamente na sala. Em seguida pede-se que estes escolham um colega e passem (jogando) uma bola ou pequeno objeto.
Os objetos foram identificados como impactos da Mudança do Clima. Ao longo da aprendizagem o número e a velocidade de
objetos vão aumentando.
- Dinâmica: o que são serviços ecossistêmicos e o que eles têm a ver com o bem estar da população e com a adaptação
a mudança do clima? Uma reflexão da importância dos Serviços Ambientais no contexto de nossas vidas (Figura 6).
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Figura 6. Atividade de Análise da importância dos Serviços Ambientais.
- Identificar e Espacializar Opções AbE: analisar e organizar as e possíveis soluções AbE em categorias (Conservação,
Restauração, Uso Sustentável e Outros) (Figura 7). Em seguida, as principais opções AbE foram indicadas no mapa da APA-CIP.
- Apresentação e Reflexão sobre os resultados do dia e a sua inserção no Plano de Manejo da APA-CIP: a equipe
avaliou como positivas as contribuições da oficina e optou pela elaboração de um Programa que focasse no enfrentamento da
mudança do clima com especial atenção à adaptação baseada em ecossistemas.
Na Oficina contou-se com a participação de lideranças de comunidades da APA-CIP, pesquisadores, representantes das
esferas federal, estadual, municipal e os membros do Conselho Consultivo da APA.
Resultados e Discussão
A inclusão da temática de Mudança do Clima e Adaptação baseada em Ecossistemas nos passos planejados para a
elaboração do Plano de Manejo foi assertiva, proporcionando resultados significativos para a elaboração do Plano de Manejo.
As Reuniões Temáticas proporcionaram uma visão diversificada sobre a percepção da comunidade da APA sobre os
sinais climáticos, sendo que eles notam que já há alguma influência nas atividades desenvolvidas na região, mesmo sem um
entendimento claro sobre Mudança do Clima.
É importante ressaltar que as dinâmicas sobre a percepção da Mudança do Clima tiveram o objetivo de conduzir os
participantes das reuniões e da oficina a se inserirem na reflexão sobre o tema. As informações obtidas foram consideradas rele-
vantes em vista do conhecimento local e do envolvimento dos participantes com atividades de pesca, agricultura, extrativismo en-
tre outras que se relacionam com o meio ambiente e que por isso, de forma empírica, interpretam os sinais climáticos regionais.
Muitas das propostas levantadas durante as Reuniões Temáticas quando associadas à Oficina de Mudança do Clima e
AbE, durante a atividade de “Opções AbE e Espacialização na APA-CIP”, evidenciaram que são opções de medidas AbE pos-
síveis de serem realizadas na APA-CIP.
Da mesma forma, a dinâmica sobre os Serviços Ecossistêmicos e o bem-estar do ser humano, reforçou a importância de
desenvolver as medidas de AbE.
Dois desafios na metodologia aplicada foram detectados nas reuniões em relação aos temas Mudança do Clima e AbE
que precisam ser aprimorados:
- a inserção no final da reunião, quando os participantes tinham dificuldade de manter a atenção e concentração; e
- a falta de conhecimento prévio sobre o tema, que atuou de forma sinérgica com o item anterior.
Esse cenário ratificou a preocupação apresentada durante o planejamento referente ao tempo de cerca de 3 horas para
cada reunião destinada ao diagnóstico participativo e ainda abordar o tema de Mudança do Clima e AbE. Fato que reforçou a
importância de haver uma Oficina específica sobre Mudança do Clima e AbE para detalhar e trabalhar essa temática de forma
integrada com os resultados obtidos nas reuniões.
O formato dinâmico e participativo da oficina sobre Mudança do Clima e AbE com as palestras de sensibilização e (in)
formação sobre o tema central e a região da APA-CIP, valorizou o conhecimento e a percepção das pessoas. Essa metodologia
favoreceu a rápida integração do público com a temática e a produção de novas informações para o diagnóstico da APA-CIP.
Além disso, fez com que os participantes validassem a inserção da temática no Plano de Manejo da Unidade de Conservação.
Diante da relevância do tema e dos resultados obtidos na oficina consolidou-se a decisão pela elaboração de um Pro-
grama de Enfrentamento da Mudança do Clima e de Adaptação baseada em Ecossistemas. O programa representa a expec-
tativa da APA-CIP/ICMBio em estabelecer um canal de comunicação e ação com os atores envolvidos visando minimizar os
possíveis efeitos da Mudança do Clima por meio de medidas AbE.
O Programa propõe atuar diretamente sobre o tema por meio de eventos de sensibilização e de cursos de capacitação,
articular com outras instituições, incentivar a pesquisa, e auxiliar a inserção de medidas AbE nos demais programas do Plano
de Manejo quando pertinente. O formato participativo deste Programa ajudará aprofundar questões específicas, como p.ex.
análises de vulnerabilidade da APA-CIP.
Outro resultado concreto da inserção da Mudança do Clima e AbE é a presença de um capítulo no Plano de Manejo
tratando do assunto, no qual haverá um diagnóstico climático da região da APA-CIP.
Dessa forma, o Plano de Manejo da APA-CIP torna-se o primeiro a inserir essa temática e a estabelecer uma metodologia
de trabalho para a sua formulação, sendo este esforço passível de replicação para outros planos de manejo, servindo como um
referencial teórico/prático.
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Conclusões
Após a realização das reuniões temáticas e da oficina sobre a Mudança do Clima e Adaptação baseada em Ecossiste-
mas, concluímos que os objetivos propostos de levantar a discussão sobre a Mudança do Clima, identificar medidas de AbE em
conjunto com os atores relevantes na gestão dos recursos naturais e de consolidar essas reflexões no Plano de Manejo foram
atendidas.
A inserção da Mudança do Clima e AbE vem ao encontro dos objetivos estabelecidos no decreto de criação da APA-
CIP, contribuindo com o desenvolvimento sustentável, a conservação dos recursos naturais e o modo de vida das comunidades
tradicionais.
A metodologia de abordagem sobre Mudança do Clima e AbE nas reuniões temáticas pode ser aprimorada em relação
ao tempo e o material de apoio sobre o tema, visto que o público em geral apresentou dificuldade de acompanhar os conceitos
desenvolvidos nas apresentações AbE.
Por outro lado, a opção de dinâmicas em que o público possa interagir diretamente e nas quais o seu conhecimento seja
valorizado foi muito produtiva. Isto promoveu o envolvimento dos participantes com as propostas que emergiram nas reuniões e
da oficina sobre Mudança do Clima e AbE. Esse processo permitiu que os participantes identificassem alternativas de Adapta-
ção baseada em Ecossistemas.
A inserção do tema Mudança do Clima e AbE introduz um novo horizonte no planejamento regional, visto que nenhum
dos municípios ou órgãos gestores de outras Unidades de Conservação apresentam propostas para o enfrentamento da Mu-
dança do Clima.
A gestão da APA-CIP inova dispondo-se a promover o diálogo entre os diferentes atores a respeito da Mudança do Clima
e da necessidade de adaptação.
Conclui-se que tanto a inserção da Mudança do Clima e Adaptação baseada em Ecossistemas como a proposta me-
todológica foram decisões acertadas e que podem e devem ser estimuladas a serem replicadas na construção de outros planos
de manejo de unidades de conservação e em outros instrumentos de planejamento e de gestão territorial, em especial os que
visam o uso sustentável dos recursos naturais.
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MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS CULTURAIS
NO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA, RJ
Resumo
Numerosos estudos têm apontado os benefícios das áreas protegidas aos moradores dos grandes centros urbanos no mundo.
No Brasil, ainda são poucos os estudos nas regiões metropolitanas que visam verificar como estes benefícios são percebidos
e geridos, apesar da grande extensão e quantidade de áreas verdes urbanas no país, muitas delas unidades de conservação
formais. Este estudo, realizado na maior área protegida do município do Rio de Janeiro, o Parque Estadual Pedra Branca (PEPB),
traz a avaliação dos benefícios imateriais associados a sete serviços culturais ecossistêmicos: - Beleza Cênica, Interação Social,
Recreação e Ecoturismo, Aprendizagem e Valores Educacionais, Herança Cultural, Diversidade Cultural, Religiosidade e Es-
piritualidade. O trabalho foi realizado por meio de entrevistas e mapeamento participativo com 69 pessoas entre funcionários do
parque, visitantes e moradores da unidade. Os resultados mostram que o parque oferece importantes benefícios imateriais para
os entrevistados e assim atinge parte de seus objetivos de criação. Implicações para o manejo do uso público do parque e gestão
de conflitos com os residentes e população do entorno são discutidos.
Palavras-chave: Serviços Ecossistêmicos culturais, Sistema de Informação Geográfico Participativo, Benefícios Imateriais, Gestão
de Áreas Protegidas, Parque
Introdução
O número de áreas formalmente protegidas - AP cresceu significativamente na última década, no mundo. Atualmente
há mais de 100.000 AP registradas, cobrindo cerca de 12% da superfície do planeta (UNEP/CBD, 2005), o que as torna um dos
principais destinos turísticos da Terra. AP preservam importantes ecossistemas que por sua vez fornecem bens e serviços que
direta ou indiretamente satisfazem várias necessidades da sociedade (MEDEIROS et al; 2011). Sua formalização visa fazer frente
aos intensos processos de conversão de habitat em todo o mundo (como monoculturas e expansão urbana). No Brasil, dá-se
forte ênfase às unidades de conservação - UC, organizadas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000),
aqui genericamente chamadas de parques, dentre o conjunto maior de áreas protegidas, que incluem terras indígenas, reservas
legais e outras.
A importância das áreas entendidas como naturais para a saúde física e psíquica vem sendo evidenciada por muitos es-
tudos. Chiesura (2003) argumenta que parques e outros espaços verdes são de importância estratégica para o bem-estar nas so-
ciedades cada vez mais urbanizadas, reduzindo o estresse e aumentando a sensação de tranquilidade e sossego. O Congresso
Mundial de Parques da IUCN de 2014 trouxe a saúde e o bem-estar relacionados às áreas verdes como um dos principais eixos
de discussão e promoção para os próximos 10 anos (IUCN, 2014).
Há crescente evidência científica sobre os benefícios das áreas verdes para os habitantes das cidades (GODBEY; GRAE-
FE; JAMES, 1992, CHIESURA, 2004, BROWN; SCHEBELLA; WEBER, 2014), dos estudos mais qualitativos àqueles com aborda-
gem fortemente estatística, como o de Maas (2006) que avalia a relação entre bem estar e proporção de área verde.
Benefícios mais introspectivos podem ser associados a estas áreas: incluem o senso de desafio, privacidade e intimidade, beleza
cênica e herança histórica, por exemplo. Os valores recreativos, históricos e estéticos assegurados por estas áreas podem au-
mentar a atratividade da cidade (CHIESURA, 2004). Essa conexão é explícita e ativamente incentivada pelo sistema de parques
norte americano, mas ainda muito tímida no Brasil.
No Rio de Janeiro as áreas verdes ganham destaque na paisagem e na vida das pessoas, e em grande parte constituem
UC. O Parque Estadual da Pedra Branca (PEPB) é a maior UC deste município e é o maior parque urbano do país. Localizado no
maciço da Pedra Branca, na região oeste, o PEPB apresenta belas paisagens, rios e cachoeiras e áreas de floresta, que lastreiam
sua vocação para recepcionar variada atividade turística e recreativa.
Materiais e Métodos
Área de estudo
O Parque Estadual da Pedra Branca localiza-se no centro geográfico do município do Rio de Janeiro. Com 12.500ha, com-
preende todas as encostas do maciço da Pedra Branca acima de 100m do nível do mar (Figura 1). Abriga o Pico da Pedra Branca,
ponto culminante do município (1.024m de altitude) e numerosos outros morros.
Papel de destaque pode ser atribuído à unidade no equilíbrio climático e regulação dos processos ecossistêmicos da
cidade do Rio de Janeiro, por suas características e pela inserção em região muito industrializadas (INEA, 2013).
O entorno do parque apresenta fragmentos de mata atlântica e locais de visitação contíguos à unidade. Predomina no
entorno a expansão urbana desordenada, mas ainda há pequenas propriedades rurais e sítios e cinco UC que ajudam a proteger
remanescentes florestais.
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Figura 1. Localização do Parque Estadual da Pedra Branca no município do Rio de Janeiro e os locais onde as
entrevistas foram realizadas (Fonte: elaboração própria).
As entrevistas foram feitas nos finais de semana e feriados entre dezembro de 2012 e julho de 2013, com apoio de ques-
tionário semiestruturado com duas partes. Primeiro, os entrevistados eram solicitados a mapear, conforme sua percepção, a
ocorrência de cada um dos serviços culturais na área de estudo; em seguida, respondiam questões gerais sobre: frequência de
visitação, tempo gasto na unidade por visita, idade, sexo, grau de escolaridade, bairro de residência e renda. Coletaram-se ainda
impressões do entrevistado acerca da natureza do parque e o histórico da sua relação com a unidade.
Para auxiliar o mapeamento, foram disponibilizados em superfície imantada três mapas em tamanho A1, escala 1:15.000,
cada um correspondendo a uma porção do parque, cobrindo o todo. O entrevistado podia escolher quais mapas usar e tinha à
sua disposição cinco pequenos imãs para cada um dos sete serviços culturais, diferenciados por cores, para plotar nos locais
onde ele identificou a ocorrência de cada serviço.
Resultados
Dos 68 entrevistados, 79% eram homens e 21% eram mulheres, com média de idade de 39 anos. Do total, 40% termina-
ram o ensino médio e apenas 4% não completaram o ensino fundamental. Pouco mais da metade (53 %) ganha até três salários
mínimos. A frequência de visitação de 34% dos turistas não chega a uma vez por mês na unidade. Do total dos entrevistados, 19%
estão de dois a cinco anos frequentando o parque. Conhecimento razoável sobre o parque foi declarado por 35% dos entrevis-
tados. Apenas 13% disseram ter conhecimento excelente. Sobre natureza, 43% declararam ter um razoável conhecimento. Dos
moradores, 54% alegaram ter um bom ou excelente conhecimento e 9% declararam ter baixo conhecimento.
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sendo o segundo mais marcado entre moradores e turistas (54 e 73 pontos respectivamente). O serviço de informação ficou em
quarto lugar: 122 pontos. Diversidade Cultural, Herança Cultural e Religiosidade e Espiritualidade tiveram 81, 78 e 36 pontos
respectivamente.
Figura 2. Densidade de pontos marcados em malha regular de 400mx 400m, considerando todos os serviços culturais.
Quadrados azuis: nenhum ponto; quadrados vermelhos: de 44 a 59 pontos marcados.
Discussão
Esse estudo procurou avaliar a riqueza do Parque Estadual da Pedra Branca em termos de serviços culturais a partir da
percepção de moradores, visitantes e funcionários da unidade de modo a levantar questões para o manejo da unidade, sem que
se pretenda extrapolar para algo como análise da importância do PEPB para a sociedade carioca, que estaria para além do pos-
sível com a amostra realizada.
Os resultados revelam o quanto o PEPB é rico em serviços culturais percebidos, associados a ecossistemas e paisagens
e ao seu potencial em oferecer benefícios imateriais aos visitantes. A unidade engloba muitas áreas que possuem significados
subjetivos de ordem educativa, cênica, espiritual, religiosas, interativa, recreativa, diversamente cultural e hereditária para cada
um dos grupos.
De forma similar aos resultados dos estudos conduzidos por Brown, Montag & Lyon (2011), a apreciação da beleza
cênica, recreação e interação social foram os benefícios culturais mais mapeados pelos entrevistados e que apresentaram maio-
res índices de correlação entre si. Esta relação pode se dar pelo fato da beleza cênica estar associada ao grau de preservação
percebido dos ecossistemas e seus processos naturais e motivar a prática do ecoturismo, esportes ao ar livre e interação social
(MEA, 2005).
Os resultados também reforçam a constatação de que as pessoas percebem os serviços culturais diferentemente, de
acordo suas origens, coerente com os achados de Plieniger et al. (2013). Enquanto turistas relatam majoritariamente sentimentos
de prazer e cuidado com o parque, os moradores relatam sentimentos de enraizamento e identidade. De fato, ao considerar os
níveis de percepção, é comum que os grupos humanos revelem suas bagagens experienciais distintas devido a elementos como
cultura, ocupação, faixa etária, gênero, nível socioeconômico, entre outros, que revelam percepções sob diversas formas, inclu-
sive em relação às mesmas áreas (GONÇALVES; HOEFFEL, 2012).
A identificação e mapeamento dos hotspots de serviços culturais podem ajudar a revelar o grau de coincidência espacial
entre benefícios percebidos pelos usuários e o reconhecido e proposto nos instrumentos de gestão da área (BROWN; MONTAG;
LYON, 2011). No caso do PEPB viu-se que, em geral, ao redor dos atrativos já identificados oficialmente pela gestão do parque
concentram-se boa parte as áreas percebidas pela beleza cênica e oportunidades de interação social e aprendizado – em parte
o plano de manejo valorizou atrativos já usados pela população, por outro lado, a população usufrui com mais intensidade e co-
nhece aquilo que é divulgado. É importante mencionar que os moradores conhecem um número grande de atrativos históricos e
naturais no parque que ainda não foram identificados e mapeados pelos administradores da unidade.
Benefícios religiosos e espirituais também foram reportados pelos entrevistados. Parte desta percepção está associada
às igrejas católicas e evangélicas que servem como local de manifestação e referência religiosa para os moradores e visitantes.
Outros locais com exuberância natural também estão relacionados à religiosidade e sentimentos espirituais, embora não pos-
suam uma referência religiosa clara. Em geral, devido à sua riqueza natural, especialmente pelas matas e cachoeiras, associada
à tranquilidade em meio ao ambiente urbano em que o PEPB insere-se, a área acaba por ser muito procurada por pessoas que
buscam expressar sua religiosidade (INEA, 2013). O entendimento das motivações, valores e atitudes que envolvem a percepção
dos indivíduos, entre eles, os entrevistados da pesquisa, é fundamental para gestores de um parque das proporções do PEPB,
localizado no centro da segunda maior cidade do Brasil. Compreender essa percepção poderá, por um lado, auxiliar a adminis-
tração a melhorar o diálogo com os moradores na unidade e mitigar o impacto ambiental causado por sua presença na região,
por outro, poderá subsidiar a elaboração de programas que agreguem valores socioculturais aos ativos naturais da unidade na
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gestão do uso público. É possível assim que o manejo do parque, a partir levantamento das percepções dos principais atores
sociais sobre este ecossistema, fortaleça os elos entre os usuários e o PEPB, tornando a unidade mais conhecida da população
e contribuindo ainda mais para a qualidade de vida urbana.
Referências
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1. Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Ecologia e Zoologia e PPG em Ecologia e Zoologia, email: isa_zig@hotmail.com
Resumo
A APA de Anhatomirim (APAA) é uma UC de Uso Sustentável que foi criada com o principal objetivo de proteção da população
residente de Sotalia guianensis (botos-cinza).Estudos recentes sugerem que a APAA está sofrendo mudanças ambientais, assim
como alteração na área de ocupação dos botos-cinza. Nosso objetivo foi de investigar as percepções de moradores locais da
APAA sobre essas mudanças. As informações foram coletadas através 76 entrevistas individuais com moradores locais, dos quais
35% são pescadores artesanais. Todos os entrevistados perceberam mudanças ambientais na APAA e seu entorno e 84% per-
ceberam mudanças na área de ocupação dos botos-cinza. A consideração das percepções locais sobre mudanças pode trazer
indicativos importantes sobre a efetividade da UC, com vistas para uma gestão participativa, assim evidenciar possíveis conflitos
com órgãos fiscalizadores.
Introdução
No Brasil, as Unidades de Conservação (UC) compõem o principal mecanismo para conservação in situ da biodiver-
sidade (PRIMACK; RODRIGUES, 2001). Tais UC compreendem duas grandes divisões: as Unidades de Proteção Integral e as
Unidades de Uso Sustentável (BRASIL, 2000). Áreas de Proteção Ambiental (APAs), inseridas no contexto de Uso Sustentável,
compreendem a categoria de UC que possui maior área total em território brasileiro (CNUC/MMA, 2014).
Tal categoria tem como objetivo básico “proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegu-
rar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2000). Para garantir que estes objetivos sejam alcançados, a gestão
participativa e a efetiva implementação do plano de manejo e de seu zoneamento, constituem um tripé fundamental. A presença
de moradores em UC de Uso Sustentável fortalece a necessidade de entendimento da interface entre pessoas e recursos na-
turais, de modo a garantir e monitorar a funcionalidade do uso sustentável com a conservação da natureza.
A zona costeira de Santa Catarina é uma das regiões mais densamente povoadas no Estado e importante polo para ativi-
dades econômicas, tais como portos, indústrias, pesca e turismo. A maior parte dessas atividades utiliza-se dos atributos naturais
para se desenvolver, o que é notório no caso das atividades portuárias, turísticas e pesqueiras (BRASIL, 2011). Esta zona abriga
nove UC Marinho-costeiras, com diferentes instâncias de gestão: cinco federais, duas estaduais e três municipais (ECOMAR,
2010) e diversas categorias de manejo.
A APA de Anhatomirim, localizada ao norte da ilha de Santa Catarina foi criada em maio de 1992 e se enquadra como
UC de uso Sustentável, o que possibilita a permanência de populações em seu interior e exploração sustentável de recursos
(BRASIL, 2011). A criação desta UC tem como objetivos fundamentais a preservação dos remanescentes de Floresta Ombrófila
Densa e proteção das áreas de alimentação, reprodução e descanso da população de boto-cinza (Sotalia guianensis), que tem
nesta região o limite austral de sua ocorrência (SIMÕES-LOPES, 1988).
Estudos recentes sugerem que a população de Sotalia guianensis, residente na Baía Norte vem demonstrando uma
tendência de alteração em seus padrões de ocupação de áreas, onde se tem observado uma gradual diminuição da frequência
de relatos de avistagem dessa espécie nas áreas onde, no passado eram comumente avistadas, como na Baía dos Golfinhos,
chamada também de Baía dos Currais (BRASIL, 2013).
Nos últimos 23 anos, além da tendência de alteração nos padrões de ocupação dos golfinhos, a APAA e o seu entorno vem
sofrendo um acelerado desenvolvimento urbano e intensa atividade turística gerando ou intensificando problemas ambientais e
estruturais, tais como ocupação das encostas, tratamento de esgotos domésticos e poluição (FLORIANI, 2005). Diversos outros
componentes da APAA, apresentam-se ameaçados por este acelerado desenvolvimento urbano, como: a avifauna, herpetofauna,
Metodologia
Área de estudo
A APA de Anhatomirim está localizada no município de Governador Celso Ramos, compreendendo área marinha e ter-
restre com um total de 4.602,6 hectares (WEDEKIN; DAURA-JORGE; SIMÕES-LOPES, 2002). A área marinha da APA de Anha-
tomirim é constituída por enseadas e praias, incluindo a Ilha de Anhatomirim, onde se localiza a Fortaleza de Santa Cruz, a En-
seada da Armação e a Baía dos Currais. A população humana residente no interior da APA está distribuída em seis localidades:
Areias de Baixo, Caieira do Norte, Praia do Antenor, Costeira da Armação, Fazenda da Armação e Armação da Piedade. Como
núcleo adjacente à Baía dos Golfinhos, local de maior incidência dos botos da espécie S. guianensis, a comunidade da Costeira
da Armação foi selecionada para o estudo. A comunidade da Costeira possui como principal prática econômica a pesca arte-
sanal e, mais recentemente, o turismo.
Planejamento da amostragem
O cálculo do esforço amostral e delineamento foi baseado no universo de 282 moradores da comunidade e 10% de erro
amostral (BARBETTA, 2002), seguindo os critérios de inclusão: ser maior de 18 anos e residente fixo ou temporário da Costeira
da Armação há pelo menos cinco anos. Após a obtenção de anuências prévias e do consentimento do entrevistado por meio do
aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a coleta de informações foi realizada através de entrevistas individuais,
com questões abertas e fechadas.
As questões visaram analisar a percepção dos moradores locais sobre as mudanças ambientais, estruturais e sociais
percebidas na UC e seu entorno. Cada evento percebido como mudança foi classificado como mudança positiva, negativa ou
neutra, pelo próprio entrevistado. Os resultados obtidos nas entrevistas foram analisados através de estatística descritiva (eg.
porcentagens, médias) e comparados com a literatura.
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Resultados
Características da população amostrada
Foram realizadas 76 entrevistas,entre os meses de dezembro de 2014 e fevereiro de 2015, com moradores adultos, sendo
41 homens (54%) e 35 mulheres (46%), com média de idade de 52 anos e a maioria de origem local. Dos entrevistados, 35% são
pescadores, 21% são donas-de-casa, 16% são aposentados, 8% trabalham com atividades ligadas ao turismo (comerciantes,
restaurantes e embarcações de turismo) e 15% possuem outras ocupações ou desempregados (funcionário público, autônomo
e lavrador) (Figura 1).
Figura 2. Mudanças ambientais relatadas pelos moradores entrevistados na comunidade da Costeira da Armação,
Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim, Santa Catarina.
As mudanças relatadas quanto à Fauna e Flora e Fiscalização/Proibições e Turismo apresentaram-se positivas diante da
percepção dos moradores locais, destacam-se Fauna e Flora com 58% das respostas positivas, como aumento da mata nas en-
costas e Turismo com 56% das respostas positivas, relacionadas ao retorno financeiro aos moradores locais. Mudanças relativas
à Pesca artesanal, Estruturais e Outras, apresentaram-se em sua maior proporção de respostas como negativas, destacando-se a
Pesca artesanal, relatada negativamente com 81% das respostas, como as proibições de arrasto artesanal na Baía dos Golfinhos
e Outras mudanças com 73% das respostas negativas, como a mudança na área de ocupação dos botos-cinza.
Discussão
As mudanças locais citadas são mudanças que ocasionam interferência direta para os entrevistados, como problemas de
saneamento básico e proibições e delimitações relacionadas ao uso de recursos, o que pode intensificar conflitos de uso entre mo-
radores e gestão da UC. O relato de mudanças tais como os problemas com a fiscalização na pesca, persistem ao longo do tempo,
sendo relatadas no trabalho de Ferreira, Hanazaki & Simões-Lopes (2006), que coletou dados na mesma comunidade em 2004.
O maior de número de citações relacionadas à Fauna e Flora local e entorno da APAA referiam-se à regeneração da
mata nativa e um aumento no número de animais silvestres. Tal aumento deve-se às proibições de desmatamento e aberturas de
roças no interior da APAA, previstos pelo seu Plano de Manejo. O turismo é uma atividade recente na comunidade, muito intensa
e problemática para alguns moradores locais. Além do retorno financeiro, benéfico para a comunidade, os turistas geram pro-
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blemas ambientais e estruturais, tais como ocupação das encostas, necessidade de tratamento de esgotos domésticos e au-
mento da poluição (FLORIANI, 2005).
Uma sugestão de moradores para a mudança percebida relacionada à área de ocupação dos botos Sotalia guianensis
foi a de proibir a entrada das escunas na Baía dos Currais, local que, há cerca de dez anos apresentava-se como local residente
desta população de botos. A sugestão de organizar e diminuir o número de escunas por toda área da APAA também foi men-
cionada, similar ao que foi apresentado por Ferreira, Hanazaki & Simões-Lopes. Esta percepção dos moradores nos mostra o
seu interesse, para a conservação dos botos-cinza da região que, além de trazer benefícios para a comunidade, como o retorno
financeiro, contribui para a sua conservação.
Conclusões
A consideração das percepções locais sobre mudanças pode trazer indicativos importantes relacionados a conflitos
com órgãos de fiscalização e com a própria UC, onde moradores se sentem prejudicados à medida que muitas restrições são
impostas e não são discutidas alternativas para o seu sustento, principalmente para a comunidade de pescadores artesanais. No
caso de mudanças identificadas como positivas, elas também podem ser indicativos da efetividade de ações de gestão da UC.
Referências
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WEDEKIN, L.; DAURA-JORGE, F.G.; SIMÕES-LOPES, P.C. Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 3., 2002, For-
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MALÁRIA E DENGUE: IMPRESSÕES SOBRE A SAÚDE DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA
DO PARQUE NACIONAL SERRA DO DIVISOR, ESTADO DO ACRE
Lana, Raquel Martins1; Oliveira, Francisco Giovane Silva De2; Schlosser, Andreus Roberto3; Arruda, Rayanne Alves De.3; Araújo,
Felipe Monteiro De3; Santos, Ana Caroline Santana Dos3; Bastos, Paula Rubia Jornada3; Silva-Nunes, Monica Da3;
Honório, Nildimar Alves4,5 & Codeço, Cláudia Torres6
1.Doutoranda do PPG em Epidemiologia em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública Fiocruz, raquelmlana@gmail.com.
2. Graduando de Biologia, Universidade Federal do Acre. 3. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Acre.
4.Laboratório de Transmissores de Hematozoários, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz. 5. Núcleo Operacional Sentinela de Mosquitos
Vetores-NOSMOVE/Fiocruz. 6. Programa de Computação Científica, Fiocruz.
Resumo
Em fevereiro de 2015 foi realizado um inquérito domiciliar junto à população residente do Parque Nacional Serra do Divisor,
localizado no noroeste do estado do Acre, com o objetivo de caracterizar essa população em relação ao perfil socioeconômico
e principalmente em relação à saúde com foco em malária, conhecimento sobre dengue (recente na região) e impressões autor-
referidas sobre a saúde. Os resultados do inquérito mostraram que quase 100% da população relata ter tido malária alguma vez
na vida, mas nos últimos 12 meses, apenas 21%. Em sua totalidade, quase todos os entrevistados tinham conhecimento sobre a
dengue e mais da metade considerava seu estado de saúde como bom (42%). Das principais queixas de saúde, estão problemas
nos rins, coluna e gastrite e as demandas mais mencionadas são a necessidade de médicos, medicamentos e agentes de saúde.
Introdução
A Organização Mundial de Saúde aponta a exclusão social como importante causa de desigualdade em saúde (WHO,
2008). A exclusão social, sendo essa definida como o não acesso à direitos, independente da existência de leis que os garan-
tam, retira das pessoas suas formas e instrumentos de crescimento e autodeterminação (OLINDA, 2006). Para compreender e
interferir no binômio exclusão/inclusão e saúde/doença, é necessário aprofundar nos determinantes sociais da saúde a nível
local. Seguindo o modelo de Dahlgren e Whitehead, o conhecimento do ambiente de trabalho, de vida, o acesso aos serviços de
saúde, a habitação, e alimentos, interagem com hábitos e estilos de vida individuais, e é na complexidade dessa interação que
as políticas de redução de iniquidade em saúde devem ser pensadas (DAHLGREN; WHITEHEAD, 1992; BUSS; FILHO, 2007).
O alvo do presente estudo é a população residente no Parque Nacional Serra do Divisor (PNSD), localizado no noroeste
do estado do Acre, na fronteira do Brasil com o Peru. Criado em 1989 pelo Decreto Nº 97.839 (BRASIL, 1989), o PNSD protege
o divisor de águas das bacias hidrográficas do Médio Vale do Rio Ucayali no Peru e do Alto Vale do Rio Juruá no Acre, uma das
áreas de maior biodiversidade do país (PNSD, 1998).
Essa população tem hábito ribeirinho e descendem em sua maioria de nordestinos ex-seringueiros, que antes da implan-
tação do parque, tinham como principal atividade econômica a agricultura de subsistência, além da seringa, pesca, pecuária de
pequeno porte, extrativismo, extração madeireira, caça de subsistência e comercial (PNSD, 1998).
As populações ribeirinhas na Amazônia apresentam especificidades no que tange aos riscos à saúde decorrentes do
ambiente, das condições de vida e de trabalho em que vivem (LIMA; POZZOBON, 2005). Localmente, essas populações estão
expostas à um ambiente de alta diversidade biológica, baixa densidade demográfica, e difícil implementação de medidas sani-
tárias, assim como o difícil acesso aos serviços de saúde, componentes esses, que favorecem a exclusão e o aumento do risco
de adoecer. Além disso, há também um fluxo migratório entre a população ribeirinha e a sede das cidades (PNSD, 1998), o que
favorece o contato com agravos típicos de áreas urbanas.
Nas últimas décadas, ocorreram muitas mudanças no estado do Acre, e em particular na região do Alto Juruá, onde o parque
se localiza. Uma intensificada política de desenvolvimento levou à implantação de diversos assentamentos rurais, inclusive na área
de transição do PNSD, bem como programas de incentivos fiscais para estimular a pecuária e a instalação deatividades de piscicul-
Figura 1. Mapa de localização do PNSD no estado do Acre, estados vizinhos e países de fronteira.
Em amarelo, os limites do PNSD no noroeste do Acre. Fonte: ICMBio, 2015.
A dengue, por sua vez, era ausente no Acre até o final dos anos 90, enquanto praticamente todos os estados brasileiros
registravam importantes epidemias (NOGUEIRA et al., 1999). A partir do ano 2000, viu-se a dengue sendo introduzida e dissemi-
nando-se pelo estado do Acre, de forma a tornar-se atualmente uma das prioridades de controle na região (MS/SINAN, 2014).
Em 2014, a primeira epidemia de dengue assolou a região do Alto Juruá com um pico de 200 casos notificados em uma semana
no mês de setembro desse ano. Em 2015, até a semana epidemiológica 23, a taxa de incidência era de 750 casos por 100.000
habitantes (SVS/MS, 2015).
A dengue coloca em risco não só a população local urbana mas aquela que vive no ambiente silvestre e que comuta
entre os dois espaços. A mobilidade da população entre área urbana e ribeirinha expõe essa última aos agravos típicos do meio
urbano, tornando-a de especial interesse para a vigilância epidemiológica e para a assistência em saúde. Do ponto de vista da
vigilância, trata-se também de uma população exposta à novos patógenos, na qual o diagnóstico diferencial é muito difícil devido
às dificuldades de acesso.
Nessa perspectiva, este estudo visa contribuir para um melhor conhecimento das condições de vida da população ribei-
rinha residente no PNSD em relação à exposição à duas doenças de naturezas etiológicas distintas, uma predominantemente
silvestre e local (malária) e outra importada (dengue), para as quais existem políticas públicas bem definidas a nível nacional.
Além disso, caracterizar os principais problemas em relação à saúde da população e o acesso à assistência.
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Metodologia
Área de Estudo
O estudo foi realizado no setor norte do Parque Nacional da Serra do Divisor-PNSD (7°16’9°4’ S, 72°43’74° O), ao longo
dos Rios Moa e Azul. O encontro desses dois rios define o início do PNSD, que se estende pela margem direita do Rio Azul, a
montante, e ambas as margens do Rio Moa, também a montante. No Rio Azul, as localidades encontravam-se em sua maioria na
margem esquerda, que constitui uma área de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
O Rio Moa segue até a Serra do Divisor.
Nesse setor norte, o parque é vizinho de áreas indígenas (Nukini e Naua) e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) São Salvador. É também onde se encontram os principais atrativos turísticos do parque, na Serra do Divisor (GUERRA,
2004). O único acesso é por barco, e a sede municipal mais próxima é a cidade de Mâncio Lima, de 4 a 8 horas de viagem, de-
pendendo da embarcação e época do ano.
Descrição da Expedição
O inquérito domiciliar foi realizado em fevereiro de 2015 durante 7 dias por uma equipe de 9 pessoas além de 3 guias
que também foram responsáveis pelo transporte, acomodação e introdução da equipe às comunidades. O ponto de partida foi
o porto de Mâncio Lima, no Rio Japiim, seguindo primeiramente pelo Rio Azul até a Comunidade Bom Sossego e retornando ao
cruzamento dos dois rios, seguindo pelo Rio Moa até a Comunidade Serra do Moa.
Dados
Entrevistas por meio de questionário foram aplicadas ao responsável pelo domicilio, maior de 18 anos, em uma amostra
de 107 domicílios em 14 das 26 localidades ao longo dos rios. A entrevista era feita após a explicação do objetivo da pesquisa e a
assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O questionário coletou informações sobre: características do domicílio,
hábitos e costumes dos moradores, em particular associado ao risco de malária, características sócio-demográficas, morbidade,
e acesso ao serviço de saúde.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação
Oswaldo Cruz (nº 861.871). Além disso foi obtida a autorização do ICMBio para a realização das atividades no PNSD (nº 46911-1).
Resultados
Caracterização da População
Foram entrevistados 23 domicílios ao longo do Rio Azul e 84 no Rio Moa. A Tabela 1 mostra a relação de localidades
visitadas, o número estimado de domicílios por localidade e o número e porcentagem de domicílios entrevistados. Do total de
entrevistados 35% eram do sexo masculino e 65% do sexo feminino. A idade variou de 18 anos (mínimo exigido para a entrevista)
a 76 anos, com média de 39 anos.
Renda
Dois terços das famílias entrevistadas recebem algum tipo de auxílio financeiro do governo, sendo o mais comum o bolsa
família. A bolsa verde (assentamentos) e o auxílio pesca (para não pescarem na época de reprodução dos peixes) também foram
constantemente mencionados. Além das bolsas, a renda da população provem predominantemente do cultivo e venda da farinha
de mandioca. Com a redução do valor da saca de farinha, essa atividade encontra-se desvalorizada.
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Figura 2. Proporção dos 107 entrevistados residentes do PNSD que relataram ter tido malária, pelo menos
uma vez na vida (3 colunas da esquerda), ou nos últimos 12 meses (3 colunas da direita)
Em relação à dengue (Figura 3), praticamente todos os entrevistados já tinham ouvido falar da doença (97%), enquanto
apenas 3% afirmaram ter tido dengue e 89% conheciam alguém que já teve. Mas somente 34% tinham algum conhecimento so-
bre a transmissão da doença e 2% sabia pelo menos parcialmente como se transmite a dengue, afirmando ser pela água e pelo
mosquito.
Figura 3. Proporção dos 107 entrevistados residentes no PNSD que afirmaram já ter ouvido falar da dengue, ter tido dengue,
conhecer alguém que teve dengue e sabem informar como se pega dengue.
Sobre as impressões da população em relação ao seu estado de saúde, 42% considera ter boa saúde, enquanto 36% con-
sidera ter uma saúde regular e 21% afirma ter a saúde ruim (Figura 4). Dentre as principais queixas estão a pressão alta, problema
nos rins, coluna e gastrite. Alguns entrevistados relataram mais de um problema de saúde (Tabela 2).
Figura 4. Impressões sobre o estado de saúde coletadas em 107 entrevistados no PNSD em fevereiro de 2015.
Discussão
O presente estudo constatou que a população do PNSD em alguns aspectos ainda necessita de maiores investimentos.
Apesar do Programa Luz para Todos, não existe uma distribuição uniforme de energia elétrica, que é totalmente vinculada às
condições de compra de combustível. Isso tem impacto na segurança alimentar, pois a população não tem como estocar alguns
alimentos, recorrendo a formas primitivas de conservação como o sal e o açúcar. As práticas de consumo de água e saneamento
observadas resultam em alto risco de contaminação já que muitas vezes a população toma banho, lava roupa e louça nos mes-
mos corpos d’água utilizados para cozinhar e beber. Estudos em outras regiões similares da Amazônia mostram a alta endemi-
cidade de hepatite A em populações ribeirinhas, claramente relacionado à essas condições precárias de higiene (PAULA et al.,
2001). O desafio, porém, é implantar um sistema eficaz de tratamento de água e esgoto em uma área protegida e com tantas
regiões de difícil acesso. Mesmo com a construção de fossas, determinadas regiões necessitam de uma adaptação, uma vez que
o alagamento impossibilita a construção das mesmas.
Em relação a renda, não existe uma organização que formalize o comércio na região, para escoamento dos produtos
como a farinha de mandioca (principal produção), feijão, milho, entre outros. Além disso, a saca da farinha foi desvalorizada
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devido a concorrência com grandes produtores e o combustível para levar a produção de barco é extremamente caro, o que
muitas vezes inviabiliza o escoamento rápido da produção. Portanto, benefícios como o Bolsa Família, Bolsa Verde e Auxílio Pesca
são essenciais para que essa população garanta o mínimo de que precisa para sobreviver.
Ainda sim, nas localidades mais distantes, os moradores só conseguem ir à cidade retirar o benefício bimestralmente,
assim como comprar produtos de primeira necessidade para estoque até a próxima ida. Uma consulta à população, sobre o
interesse e a possibilidade de um serviço mensal de banco móvel poderia ser importante do ponto de vista da inclusão social.
Assim como um comércio mensal com itens de primeira necessidade. Caso fosse realmente uma demanda, poderia ser feita
uma parceria com a população para que isso acontecesse.
A organização em cooperativas para escoamento da produção agrícola, com capacitação e participação intensa da popu-
lação nas decisões e na mão de obra também poderia garantir melhores condições de trabalho e renda, assim como apontado
por SILVA et al. (2013). Mas é importante lembrar, que o PNSD é um parque nacional e por isso tem algumas restrições quanto
a forma de produção agrícola e extrativismo. De acordo com SILVA (2007), é importante ter as populações tradicionais e seu
conhecimento como parceiros na organização de Unidades de Conservação.
Assim como na década de 90, a população ainda recorre a plantas medicinais ou automedicação e somente em último
caso, as famílias se deslocam para a sede municipal de Mâncio Lima ou para o Hospital de Cruzeiro do Sul. Esse padrão de
busca por atendimento se repete em algumas áreas protegidas, como por exemplo na RESEX Catauá-Ipixuna (ANDRADE &
SATO, 2013).
Em alguns domicílios visitados, foram encontrados moradores doentes há vários dias e quando eram questionados o
porquê de não terem buscado atendimento, a justificativa era que no posto mais próximo só tinha atendimento para malária e
já tinham feito o teste, ou então, não estava funcionando e se deslocar para a cidade, era um custo alto, o que no momento não
podiam arcar. Essa situação se mostra uma demanda a ser solucionada pela inclusão social, e, no entanto é delicada, uma vez
que não é possível ter atendimento médico em toda e qualquer localidade devido à falta de recursos humanos e financeiros e a
distância. Por outro lado, as populações locais não têm condições financeiras de se deslocar sempre que necessário e muitas
vezes permanecem doentes até suportarem e de preferência, coincidir com a época de irem a cidade retirar os benefícios e
vender a farinha.
Sobre a malária, a maioria sabia que a transmissão era veiculada pelo mosquito anofelino, também conhecido como
carapanã, mas normalmente, pareciam não acreditar nessa explicação. Isso pode influenciar no uso do mosquiteiro (distribuído
gratuitamente pela equipe de Endemias da região) e outras proteções contra malária. O fato de ter havido uma redução na
transmissão de malária após uma grande epidemia em 2005/2006 (SVS/MS, 2012 e 2014) também faz com que isso não seja con-
siderado um grande problema para a população, resultando em descuido com a proteção e aceitação dos mosquiteiros. Muitos
moradores relataram que os agentes passaram pelas localidades e deixaram os mosquiteiros nos domicílios sem dar muitas
instruções, nesse caso, um trabalho delicado de educação sobre malária deveria ter sido feito, para que os mosquiteiros fossem
bem aceitos e tivessem o fim desejado.
A dengue apesar de ser recente na região, é uma doença conhecida pela população do PNSD devido a campanha em
massa apresentada na televisão, atividade que praticamente todos fazem ao anoitecer enquanto o gerador de luz fica ligado.
Portanto, mesmo nas localidades mais distantes a doença era conhecida e mais da metade dos entrevistados sabia dizer como
se transmite a doença, mesmo essas localidades não sendo propícias ao desenvolvimento do mosquito Aedes aegypti, transmis-
sor do vírus dengue. Entretanto, é essencial esse conhecimento para essas populações, pois de 2 em 2 meses ou uma vez por
mês, eles se deslocam para as cidades mais próximas para retirar os benefícios, quando, então, ficam expostos à dengue. Em
sua maioria, a população não sabia como se prevenir da doença, poucas menções foram feitam sobre evitar acúmulo de água e
uso de repelente.
Interessante notar que, em sua maioria a população se considera com a saúde boa ou regular. As principais queixas apre-
sentadas podem ser um indicativo do tipo de trabalho exercido, que exige bastante esforço físico, o que pode explicar as dores
e problemas na coluna, que provavelmente se confundem com problemas renais. No entanto, as condições de higiene também
podem explicar o alto índice de relatos de problemas estomacais e renais, o último também se confundindo com infecções
urinárias. A pressão alta que apareceu em 19% dos relatos, talvez esteja relacionada com o tipo de alimentação e uso exces-
sivo do sal para conservar alimentos. Seria importante realizar um acompanhamento mais detalhado sobre essas queixas para
Considerações Finais
Viver em áreas protegidas é complexo, uma vez que configuram uma diversidade de atores sociais e por consequência,
divergências de ideias, interesses econômicos, políticos, culturais e sociais (CABRAL, 2010). O estabelecimento de políticas
públicas locais deveria ser feito sempre após consulta à população e não decisões fechadas e restritas aos órgãos estatais,
uma vez que em sua maioria, elas têm suas próprias vontades e necessidades, e quando essas políticas são implantadas sem a
vontade dos mesmos, estão fadadas ao insucesso (IRVING, 2006; CABRAL, 2010). Dessa forma, propor políticas públicas para
populações residentes em áreas protegidas, seja na saúde, educação e economia, é um desafio para os gestores, que precisam
identificar as principais carências da população e qual a melhor forma de amenizá-las e um desafio para a população, que pre-
cisa se fazer presente nas decisões que impactam suas vidas.
Dentre a diversidade de determinantes sociais em saúde descritos pelo modelo de Dahlgren e Whitehead (DAHLGREN;
WHITEHEAD, 1992), os fatores hereditários da população do PNSD não foram caracterizados no presente estudo, porém pode
ser fruto de um novo trabalho, com uma equipe especializada na área. No nosso estudo, o foco foi a inclusão social dentro da
saúde, mas ainda há muito o que analisar com os dados coletados sobre educação, renda, hábitos e costumes. Em um panorama
geral, observamos que há evidências de exclusão social e desigualdades dentro dessa população. Concluindo apenas sobre a
saúde, isso é evidente quando os residentes do PNSD precisam recorrer à outras localidades para ter acesso à saúde e quanto
mais distante o local de residência, maior é a exclusão, ou seja, o acesso à assistência.
Como sugestão, a criação de serviços de saúde intermitentes, com prioridades e intervalos bem estabelecidos junta-
mente à população, poderia ser uma alternativa para amenizar a assistência à saúde na região, bem como um barco disponível
somente para encaminhar a população quando necessário, ao local apropriado para o tipo de necessidade do paciente. Vale
ressaltar ainda que seria necessário uma forma de comunicação viável entre os operadores do barco e a população.
A médio e longo prazo, uma política de promoção da saúde, em todos os seus aspectos e com intensa participação
dos moradores, feito em cada localidade (seria impossível realizar essa atividade ao mesmo tempo para todos os residentes
do PNSD, porque algumas localidades são muito distantes e isso acarretaria custos altos à população), seria interessante para
caracterizar à fundo e corrigir os principais problemas identificados como a falta de assistência à saúde, à uma educação de
qualidade, água limpa, esgoto, habitação e alimentação adequadas, trabalho estável e organizado em cooperativas. Ou seja, há
deficiências em todos os setores, setores esses, que trabalham muitas vezes sem parceria, acarretando prejuízo para a popula-
ção, pois é necessário que haja uma ação integrada desses setores para que a exclusão social seja revertida no PNSD.
Agradecimentos
ICMBio, principalmente ao Diogo Koga, Secretarias de Saúde e Endemias de Mâncio Lima, SESACRE, barqueiros Gilson,
Jorge, Genilson, equipe, moradores do PNSD, FAPERJ e CNPq. À Thais I. S. Riback por toda ajuda na confecção dos gráficos.
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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ÁREAS PROTEGIDAS: PARA QUEM PROTEGÊ-LAS? O SENTIDO DE
PERTENCIMENTO COMO VIA PARA VALORIZAÇÃO SOCIOCULTURAL
EM ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS
Abreu, Manuela Muzzi de1; Irving, Marta de Azevedo1; Lima, Marcelo Augusto Gurgel de1 & Correa, Frances Vivian1
Resumo
As áreas protegidas representam uma das principais estratégias de proteção da natureza e sua criação implica em transforma-
ções socioespaciais no território em que se inserem. Frequentemente são criadas em locais de elevada biodiversidade e que
abrigam também populações tradicionais, que estabelecem seus modos de vida e sua organização socioeconômica com base
na relação direta de uso da natureza. Este artigo apresenta uma discussão teórica resultante de uma dissertação de mestrado do
Programa de Pós-graduação EICOS/UFRJ. Buscou discutir a importância de se considerar estas relações sociais preexistentes
no território para a criação de áreas protegidas, uma vez que se constata a necessidade de valorização sociocultural e de se pro-
porcionar benefícios sociais, para que a importância da conservação da biodiversidade seja incorporada como parte da história
de vida da população local.
Introdução
A criação de áreas protegidas é uma forma de proteger recursos naturais, ecossistemas e biomas de sua degradação
ou extinção, em escalas local e global, haja vista a sobrexploração a que vem sendo expostos desde meados do século XVIII,
período da Revolução Industrial. As mudanças provenientes dos avanços técnico-científicos vêm trazendo consequências desas-
trosas ao ambiente, tais como o desequilíbrio ecológico e a deterioração do próprio modo de vida humano (GUATTARI, 1980).
Estas transformações vêm sendo observadas desde quando o sistema de produção passou a demandar muito mais o uso da
natureza do que nos séculos anteriores. A partir de então, a natureza passa a ser vista como recurso, e vem sendo incorporada
pelo mercado, baseada nos pilares expansionistas nos quais a modernidade capitalista-industrial se constrói (IRVING; GIU-
LIANI; LOUREIRO, 2008).
Assim, a preocupação com a questão ambiental e os debates em relação à proteção de áreas naturais como estratégia
para a conservação da biodiversidade vem se afirmando, cada vez mais, como prioridade em pesquisa e em políticas públicas.
Sua criação traz diversos benefícios em termos de recuperação e manutenção do equilíbrio ecológico de uma região consi-
derada como prioritária para a conservação da biodiversidade local. No entanto, vale considerar que estas regiões não estão
isoladas; se inserem no espaço geográfico e, portanto, interagem de alguma forma com o meio antrópico que está ao seu redor
ou seu interior. Assim, é importante se pensar em maneiras de criar interações positivas que agreguem valor e benefícios àqueles
que convivem com tais espaços, para que compreendam a importância de sua existência e da conservação ambiental de forma
mais ampla.
A premissa deste artigo é que se a população que vive próxima das áreas protegidas não se sentir parte integrante de
tais áreas e, da mesma forma, que tais áreas fazem parte de suas vidas, será bastante difícil que estas percebam seu valor e im-
portância e que apreendam os benefícios da conservação de tal área natural. E isto não é desejável tendo em vista a importância
de se trabalhar sobre os conflitos para que sejam minimizados com o objetivo comum de melhorar a qualidade de vida desses e
também a qualidade ambiental de tais áreas.
O embasamento teórico partiu assim de uma releitura da dissertação defendida em 2015 no Programa de Pós-graduação
em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS), no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, intitulada “Territorialidade e Pertencimento: o olhar local sobre o Parque Estadual do Pico do Itambé”. Nesta, a relação
sociedade-natureza e as implicações sociais das áreas protegidas foram abordadas, trazendo, em seu estudo de caso, o olhar
local sobre a criação do Parque Estadual para compreender de que forma as territorialidades foram desconstruídas e recons-
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da criação de áreas protegidas que não visam atender aos interesses dos locais, mas sim de um público externo.
Considerando a criação de um aparato legislativo direcionado a proteção e valorização do conhecimento tradicional e de
sua cultura, que envolve sua relação material e imaterial com o meio, e que os principais instrumentos brasileiros de proteção à
biodiversidade, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB, 2000), o Sistema Nacional de Unidades de Conserva-
ção (SNUC, 2000) e o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP, 2006) também incluem a questão da valorização
da sociodiversidade, é importante que haja uma integração das políticas em relação a sua aplicação prática. É necessária uma
releitura de tais instrumentos seguida por uma reinterpretação de forma conjunta, para que uma análise mais ampla seja rea-
lizada, a luz dos direitos garantidos aos povos tradicionais, tais como a autoidentificação, o direito ao uso do território e de seus
recursos, além da continuidade de suas tradições (SANTILLI, 2014).
Tais direitos são garantidos internacionalmente e foram internalizados no Brasil a partir da aprovação da Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto nº 5.051/2004. Esta convenção legisla sobre os
direitos dos povos indígenas e tribais, mas é abrangente o suficiente para incluir populações tradicionais. Ainda, preconiza a
necessidade do consentimento dos povos diretamente envolvidos para qualquer restrição ao uso dos recursos no território tradi-
cionalmente usado por eles ou ocupado, sobre as possibilidades de reassentamento, ressaltando, inclusive que nas decisões
governamentais se considere o respeito a sua cultura e aos valores espirituais.
Seguindo e reforçando os acordos assumidos pelo país em âmbito internacional, alguns estados brasileiros inovaram
criando legislações específicas sobre o tema, como é o caso da recém criada Política Estadual para o Desenvolvimento dos
Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014. Esta dispõe sobre a necessidade
de regularizar a propriedade sobre os territórios tradicionais, na condição de interesse social, para garantir sua reprodução
econômica, cultural e a preservação dos recursos naturais utilizados. Tais compromissos estaduais e nacionais chamam atenção
para a importância da valorização sociocultural e ao respeito à ligação e ao pertencimento da população tradicional com o ter-
ritório. Assim, Santilli (2014) destaca que a interpretação do SNUC deve considerar esses outros instrumentos legais vigentes,
tais como a PNPCT e a Convenção 169 da OIT, inclusive nos casos de criação de unidades de conservação de proteção integral,
se tratando de populações inseridas no território em voga ou próximo dos mesmos.
Entende-se que existe uma relação intrínseca entre diversas práticas culturais que dependem da diversidade biológica
para sua sobrevivência e que, por outro lado, a diversidade biológica também é garantida pelo manejo realizado de acordo com
os conhecimentos tradicionais de grupos sociais (UNESCO, UNEP, 2002). E este argumento é reforçado por Nazarea (2006),
que discute que a cultura local e a memória social são essenciais para a conservação da natureza, pois “possuem o papel de
repositório de alternativas, para que a diversidade cultural e biológica continuem florescendo”. Nessa perspectiva, a base cul-
tural local está diretamente ligada ao processo de conservação da biodiversidade, que possibilita o movimento da sociedade e
na qual apoia sua construção histórica.
Nesse sentido, as áreas protegidas são compreendidas, pela perspectiva de West, Igoe & Brockington (2006), como
“modos de ver, entender e (re)produzir o mundo”. A partir de sua análise antropológica, os autores alegam que a separação
sociedade-natureza reproduz o imaginário ocidental de natureza e cultura para o restante do mundo (GILLISON, 1980; JOHN-
SON, 2000; SEELAND, 1997; STRATHERN, 1980; apud WEST; IGOE; BROCKINGTON, 2006).
Estes autores apontam também importantes lacunas nos estudos sociais relacionados às áreas protegidas, menciona-
ndo que os mesmos carecem de aprofundamento, especificamente no que tange à dinâmica das populações em seu interior
e entorno. Para estes, as relações estabelecidas entre a população local e o ambiente são interpretadas, em geral, de modo
demasiado simplista, sendo geralmente compreendidas apenas como relações associadas ao uso de recursos (TSING, 2003;
WEST, 2005; apud WEST; IGOE; BROCKINGTON, 2006). Tal consideração representa um equívoco, pois nessa generalização
não são consideradas as relações de ancestralidade, de profunda ligação de povos com a natureza, que serve de alicerce para
a construção de sua cultura e de suas relações sociais.
West, Igoe & Brockington (2006) discutem que na literatura sobre áreas protegidas em geral, tais questões ainda não são
abordadas de forma clara e direta, como uma construção de novos espaços. E ressaltam a importância de se questionar “o que a
criação de novos lugares através da intervenção da conservação faz com os lugares sendo simbólica e materialmente remapea-
dos pelas topologias da conservação? Como essas produções do espaço alteram as relações sociais locais com o ambiente das
pessoas? E como alteram o modo com que as pessoas usam e atribuem sentido ao seu ambiente?”.
Dentro do amplo continuum que vai desde os territórios construídos com propósitos meramente
funcionais (uma espécie de “controle de mão única”, típico do produtivismo capitalista) até aqueles
com forte carga simbólica e identitária, como restituir uma territorialização capaz de significar não
apenas um “controle” do espaço, em sentido estrito, mas também a sua produção e vivência em
novas bases, onde “controlar” ou “exercer poder” signifique também “afetar” – na dupla condição
de afetarmos e sermos afetados pelo ambiente que criamos. Pois, como lembra Spinoza, o aumen-
to do nosso poder para agir significa também o crescente poder de sermos transformados – pelo
“afeto” – dos outros e do território que indissociavelmente construímos (HAESBAERT, 2009, p.16).
A partir da compreensão sobre as territorialidades e o que as envolvem em termos de uma base material espacial e de
um corpo subjetivo criado pelas interações sociais territoriais, a reflexão passa a ser dirigida à temática de pertencimento. Este
é um ponto central para que se possam interpretar as territorialidades em um contexto de relação sociedade-natureza e da pro-
teção de áreas naturais.
A dimensão analítica e conceitual de pertencimento é compreendida aqui como um dos aspectos fundadores na cons-
trução das territorialidades, visto que atribui sentido à relação de identificação social de um grupo com determinado território.
Nessa direção, Diegues expressa um entendimento sobre territorialidade compreendendo-a “como noção de pertencimento a
determinado território, em cujos limites se reproduzem crenças mitos, práticas, ancestrais ou não, que reatualizam e revificam a
memória coletiva” (DIEGUES; ARRUDA, 2001 apud RODRIGUES, 2009).
O debate sobre pertencimento tem sido recorrente na literatura relacionada às ciências sociais principalmente no que
tange às questões étnicas, raciais e da participação em grupos sociais ligados ao esporte, à dança, à música, entre outros
(SILVA, 2012; SILVA, 2007). Nesta discussão, o termo é compreendido como uma dimensão subjetiva diretamente ligada à noção
de territorialidade. Uma importante reflexão que vai de encontro a esta fundamentação teórica é apresentada pelo economista
marroquino Hassan Zaoual (2006), que propôs a Teoria dos “sítios simbólicos de pertencimento” para estudar o desenvolvimento
e iniciativas locais nos países do “Sul”.
1
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10/01/14.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
112
Este autor desenvolve sua argumentação com base nos problemas da importação de modelos, técnicas e projetos dos
países desenvolvidos para os países do “Sul”. Defende que é preciso haver uma adaptação à realidade local anterior à implan-
tação destes modelos importados nos países em desenvolvimento. Em sua obra, apresenta diversos casos de fracassos em
projetos que tinham a pretensão de trazer soluções para os problemas de desenvolvimento utilizando a mesma fórmula em
diferentes locais do mundo. Esses casos eram, em sua maioria, desenvolvidos na Europa ou nos EUA e trazidos como proposta
para a América Latina, África e Ásia. A partir de sua pesquisa, baseada em estudos empíricos e apoiada na obra de autores
como Amartya Sen, Zaoual constrói uma teoria que se debruça sobre a epistemologia do “homo situs”, ou o “homem situado”,
em detrimento do “homo oeconomicus”, utilitarista e oportunista. Este “homem situado” seria o “homem vivo concreto, cujo com-
portamento enraíza-se no território em que harmonia pressupõe a consideração da multiplicidade do comportamento humano”
(ZAOUAL, 2006, p.24).
Seguindo os pressupostos de sua teoria sobre os sítios simbólicos de pertencimento, Zaoual (2006, p. 210) define os sítios
como “um imaginário social, moldado pelas contingências e a trajetória da vida comum dos atores considerados”. Para o autor,
os sítios funcionam como uma “identidade imaterial”, que interfere nos comportamentos e nas “materialidades visíveis do lugar
ou região”. Conforme Walliser (2000, apud ZAOUAL, 2006), “o sítio é um vínculo cognitivo entre o ator e seu meio circundante”.
Segundo a perspectiva de Zaoual (2006), o sítio simbólico é uma “entidade invisível”, que se concretiza no modo de vida, na eco-
nomia, na cultura e na organização social. Assim, o sítio está presente em todos os aspectos da vida social, moldando, de certa
forma, o comportamento dos atores no território. E por ser uma “estrutura imaginária” que coordena os territórios, para o autor
esta estrutura atua de forma diferente da lógica do mercado, já que considera a dimensão econômica e social simultaneamente
(ZAOUAL, 2006, p. 18).
Relacionando os territórios “horizontais” e “verticais” de Milton Santos com os sítios simbólicos de pertencimento de Zao-
ual, Ribeiro (2006) reforça a ideia de Santos (2012) sobre a necessidade de se enfatizar as interrelações presentes nos territórios
horizontais. Considerando que “o território, que é simultaneamente espaço herdado e condição indispensável às resistências
sociais, opõe-se aos desenraizamentos estimulados pelo agir hegemônico e às fábulas que acompanham a globalização da
economia” (RIBEIRO, 2006, p. 8). Conforme a autora, o pensamento contra-hegemônico, que procura reforçar a importância da
defesa dos interesses locais, se refere a uma procura baseada na “valorização do território e, sobretudo, das territorialidades”.
A relação entre território e pertencimento é também expressa por Santos quando este define que o território é o espaço
usado. Para o autor, o território usado “é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”
(SANTOS, 2002 apud RIBEIRO, 2006).
Nesse mesmo sentido, para Zaoual (2006) a escala de abordagem mais pertinente para compreender a complexidade
das interações entre sociedade e seu meio é também a do território. O território é então fruto das relações sociais compartilhadas
entre os atores numa “realidade viva”, que é singular em cada espaço.
Ao abordar a temática de pertencimento, Little (2002) utiliza a ideia de homeland para traduzir o sentido de pertencer a
um território. Para o autor, “a situação de pertencer a um lugar refere-se a grupos que se originaram em um local específico, se-
jam eles os primeiros ou não” (LITTLE, 2002, p. 10). Mesmo se referindo ao caso de populações tradicionais e povos indígenas,
o autor afirma que é possível encontrar o sentido de pertencimento em grupos e/ou atores sociais mesmo que estes não tenham
nascido no território, mas que tenham constituído um grupo social e uma relação com o espaço.
Para Callai (2004), os sentimentos de identidade e de pertencimento dos atores sociais em relação ao território são cons-
truídos no espaço vivido, formado pelas diferentes dimensões da vida social e produtiva. E, por meio dos aspectos simbólicos,
como a memória e a cultura, é possível apreender sobre a identidade imaterial do território, que também é expressa material-
mente. Para a autora, a importância deste tipo de análise espacial está na compreensão do que as aparências não revelam como
a história de vida dos sujeitos, abrangendo seus interesses, disputas, motivações e articulações no território (CALLAI, 2004, p. 5).
Na sistematização da teoria dos sítios simbólicos de pertencimento, Zaoual (2006, p. 31) discorre sobre a associação que
ocorre nos sítios entre “os mundos simbólicos e morais dos homens e suas práticas cotidianas”, que traduz os aspectos materiais
e imateriais que coexistem em cada sítio. De acordo com o autor, os sítios não podem ser delimitados como espaços geométricos
pois, na verdade, correspondem ao campo imaterial que permeia a vida social no território.
Para melhor compreender e visualizar a forma pela qual se estruturam os sítios, o autor os organiza em três “caixas”, de
Considerações finais
A histórica cisão entre sociedade e natureza tem sido um dos principais desafios enfrentados para a implementação de
políticas públicas de proteção da natureza, principalmente no caso das áreas protegidas. Esta é uma temática também a ser
abordada pela pesquisa acadêmica, sobretudo considerando que as questões sociais envolvidas no debate sobre proteção da
natureza estão no cerne de inúmeros conflitos e dificuldades enfrentadas pela gestão pública. Apesar disso, são ainda raras
as pesquisas que incidem sobre esta problemática e, em especial, aquelas que abordam o tema pela perspectiva local. Neste
contexto, a pesquisa psicossocial e a valorização do saber local tendem a ser essenciais para a compreensão da complexidade
envolvida nas subjetividades sobre a natureza que, por sua vez, tem rebatimentos diretos nos modos de vida locais.
Com base nesse argumento, este artigo teve como objetivo central levantar a reflexão sobre a importância de se conside-
rar as relações socioeconômicas e culturais preexistentes no território para a criação de áreas protegidas e que benefícios soci-
ais sejam percebidos associados a tais áreas. Isto com o objetivo de que a população local incorpore a importância da conser-
vação da biodiversidade e a existência de uma área protegida em seu território, como parte de sua história de vida. Assim, esse
estudo foi desenvolvido segundo as perspectivas teóricas orientadoras de Zaoual (2006) e Haesbaert (2012). Este se insere no
debate sobre a criação de áreas protegidas, sendo esta uma das principais estratégias adotadas globalmente e também no caso
do Brasil, para a proteção da natureza. E, nesse viés, partiu-se do entendimento que as políticas públicas devem considerar a in-
dissociabilidade entre natureza e cultura conforme também discutido por Diegues (2000), Irving (2010) e Porto-Gonçalves (2011).
Por essa razão, optou-se pelo aprofundamento da leitura crítica sobre a dinâmica territorial local que se expressa, como
um caminho possível, para a compreensão da forma pela qual a sociedade transforma o espaço e se transforma, conforme dis-
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cutido por Santos (2006) e, também como as territorialidades são constituídas, como debatido por Haesbaert (2010).
A partir dessa discussão, é possível reafirmar que o sentido de pertencimento em relação às áreas protegidas tende a
ser essencial para o reconhecimento das iniciativas para a sua conservação. E assim, que as iniciativas dirigidas à conservação
da biodiversidade somente serão consideradas por parte dos grupos sociais envolvidos se também for valorizada, em políticas
públicas de proteção da natureza, a forma pela qual estes constroem social e historicamente o território.
No entanto, as transformações positivas ocasionadas na região pela criação da área protegida só tenderão a ser inter-
nalizadas pelos atores sociais se estes puderem compreender os benefícios dela decorrentes para os modos de vida locais,
não se sentindo apenas expropriados de suas origens e seu território. Com essa compreensão, e a valorização do sentido de
pertencimento às áreas protegidas, a sociedade poderia então se transformar em aliada do movimento dirigido ao processo de
conservação da natureza.
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116
PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES E ESTUDANTES SOBRE A VIVÊNCIA DIÁRIA
EM LUGARES DE NATUREZA PRESERVADA NA CIDADE
Albuquerque, Dayse da Silva1; Sousa, Adria de Lima 2; Higuchi, Maria Inês Gasparetto3 & Kuhnen, Ariane4
1. Universidade Federal de Santa Catarina - PPG em Psicologia 2. Universidade Federal do Amazonas - PPG em Psicologia 3. HIGUCHI, M.I.G.
Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e Docente do PPG em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas
4. Docente do PPG em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
O contato com a natureza tem sido apresentado como possibilidade para a redução do estresse advindo de atividades que
demandam concentração e respostas a inúmeros estímulos nos grandes centros urbanos. Nesse estudo, procurou-se verificar
as implicações das atividades de trabalho e estudo desenvolvidas em ambientes urbanos de natureza preservada. Foram en-
trevistadas 86 pessoas (50 estudantes e 36 trabalhadores) em dois campi na cidade de Manaus-AM. Buscou-se compreender as
percepções provenientes da vivência diária em fragmentos florestais urbanos. Com viés descritivo e exploratório, a análise de
conteúdo evidenciou percepções associadas à capacidade restaurativa desse ambiente florestado, culminando em sensações de
agradabilidade, em contraponto às possibilidades de perdas de benefícios decorrentes da ausência dessa natureza. Constatou-
se a relevância de investimentos em espaços com elementos naturais para o bem-estar biopsicossocial no desempenho de
atividades cotidianas.
Palavras-chave: Percepção Ambiental, Natureza, Ambiente de Trabalho, Ambiente Escolar, Bem-Estar Psicológico
Introdução
As cidades na Amazônia têm sofrido, assim como as demais metrópoles, um crescimento exponencial e desordenado.
Manaus, capital do Amazonas, já está no rol das grandes e problemáticas cidades, cuja expansão pressiona impiedosamente o
ambiente natural para dar lugar às construções. Apesar da grandiosidade da floresta amazônica, esta vai se transformando numa
paisagem distante e pouco desejada para o perímetro urbano destas cidades (DRAY, 2014). Restam atualmente apenas algumas
áreas protegidas, as quais ocupam 4,75% do perímetro do município. Tal fato contraria o mito de uma natureza próxima e presente
entre os manauenses, apesar de sua reconhecida importância (HIGUCHI, AZEVEDO; FORSBERG, 2012).
A reduzida existência de áreas de natureza preservada nas cidades não apenas compromete sua função ecológica, mas
sobretudo sua função psicossocial. Nas grandes cidades, o entorno é complexo e carregado de estímulos que formam paisa-
gens confusas e repetitivas. Não é difícil prever elevados níveis de estresse que o habitante sofre nesses contextos (MOSER;
ROBIN, 2006). A busca de compensações e reequilíbrio de energia diante desses fatores estressantes pode ser bem-sucedida
no encontro com paisagens que apaziguem o estado de estresse. Essas paisagens geralmente remetem a áreas verdes, infeliz-
mente cada vez mais distantes da cor cinza metropolitana.
Os benefícios da paisagem verde para a saúde têm sido constatados em vários estudos (KAPLAN; KAPLAN, 1989; UL-
RICH et al., 1991). O ambiente natural ganha destaque por apresentar elementos que ativam sentimentos capazes de modificar o
estado de espírito e produzir bem-estar físico e emocional. Atribui-se a esse fato sentimentos biofílicos, isto é uma predisposição
positiva que os seres humanos têm com a natureza a partir do reconhecimento dos seus benefícios e recompensas que oferece
(FEDRIZZI, 2011). Esses benefícios podem disparar aspectos sensibilizadores com relação à necessidade de proteção e cui-
dado ambiental (ALVES, 2011; CORRAL-VERDUGO, 2012).
Louis Wirth (1967), ao refletir sobre o urbanismo como modo de vida, afirma que nesse contexto há um distanciamento
cada vez maior das pessoas em relação aos elementos da natureza. Esse modo de vida predominantemente urbano tem gerado
implicações nos processos de saúde e doença das populações. Tais processos estão, entre outros aspectos, associados ao
afastamento de espaços restaurativos, propriedade inerente à natureza. A esse respeito, Simmel (1987), nos fala da atitude blasé
ou indiferença e embotamento frente a distinção das coisas, uma atitude predominante e possível das pessoas que vivem nas
grandes metrópoles que nos leva a refletir acerca dos impactos que essa atitude provoca no citadino.
Lócus da Pesquisa
A pesquisa foi desenvolvida numa Área de Proteção Ambiental (APA) instituída através do Decreto nº 1503/2012 pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMMAS), onde se situam um campus universitário e um campus
de pesquisa científica na cidade de Manaus-AM. Localizada na zona centro-sul de Manaus, a APA reúne 759,15 hectares e é
formada pelos fragmentos florestais de um instituto de pesquisa, de uma Universidade Federal, um parque e um conjunto resi-
dencial. Nestas áreas a floresta é nativa com várias espécies de animais silvestres e pequenos córregos de água entrecortados
com alamedas e construções.
O campus universitário abriga o maior fragmento verde em contexto urbano do país e possui 6,7 milhões de metros
quadrados, com apenas 35% de área construída. A área florestal do instituto de pesquisa é de 23 mil metros quadrados, apesar
de não ser primária, está mantida como tal há mais de 40 anos. As duas áreas estão entrecortadas por uma via de rápido acesso
urbano. A APA mantém preservada inúmeras espécies da fauna e flora da região amazônica.
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118
Método
A pesquisa apresenta-se como descritiva, exploratória e de abordagem qualitativa. Teve caráter transversal, por refletir
percepções em espaço e tempo específicos. Para este estudo foram aplicadas entrevistas com roteiros semiestruturados, rea-
lizadas nos espaços em que os participantes desempenham suas atividades diárias.
O estudo apresentado incorpora um recorte de duas dissertações de mestrado (ALBUQUERQUE, 2015; SOUSA, 2015),
respectivamente aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos das Universidades Federais do Amazonas
(UFAM – Proc. 804.214) e de Santa Catarina (UFSC – Proc. 1.044.668).
Participantes
Foram entrevistadas 86 pessoas (F=46; M=40), sendo 50 estudantes de graduação do campus universitário e 36 traba-
lhadores do campus de pesquisa científica, com idade entre 19 e 62 anos. Foram incluídos aqueles com no mínimo um ano de
efetiva atividade no local.
Resultados e Discussão
Contribuições para a qualidade de vida e benefícios para o bem-estar
A natureza tem sido reconhecida como fator de influência positiva no enfrentamento do estresse vivido pelos habitantes
de grandes cidades (BERTO et al., 2010; KAPLAN; KAPLAN, 2011; TYRVAINEN et al., 2014). Comumente, esses benefícios são
associados à visitação de ambientes naturais com os quais se mantém contato esporádico e intencional, contudo, pouco se tem
explorado sobre a percepção daqueles que tem uma convivência diária com esses espaços.
Estudar e trabalhar configuram-se como dimensões existenciais distintas. Os sentidos e significados atribuídos às ativi-
dades laborais e acadêmicas e os respectivos ambientes em que ocorrem, perpassam pelos próprios estágios de desenvolvim-
ento do ciclo vital humano. O ponto de aproximação desse estudo revela-se na convivência com uma área de proteção ambiental
e os benefícios associados a essa vivência por pessoas que desempenham suas atividades nesse local. O contato com a natureza
não se dá por decisão voluntária, mas apresenta-se como pano de fundo da vivência diária em fragmentos florestais urbanos. Am-
bas as atividades demandam concentração e respostas a diferentes estímulos, capazes de gerar estresse e sobrecarga cognitiva.
Seria, pois, a natureza propulsora de bem-estar nesses ambientes quando as pessoas estão envolvidas com distintas atividades?
O estudo evidenciou percepções associadas à capacidade restaurativa desse ambiente florestado, culminando em sen-
sações de bem-estar e qualidade de vida, em contraponto às possibilidades de perdas de benefícios para trabalhadores e estu-
dantes diante do afastamento dessa área.
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120
animais silvestres), que transcendem e se confundem com o próprio trabalho, mesmo que tais significados não sejam comparti-
lhados pela maioria, mas se mostram reveladores da importância do espaço verde na estruturação espacial do trabalho.
Estudar nesses ambientes por sua vez, revela um caráter similar, ainda que as atividades vivenciadas sejam distintas.
Cada campus universitário apresenta elementos próprios, com dimensões e concepções distintas, o que implica nas mais varia-
das percepções daqueles que vivenciam esse espaço diariamente. Os estudantes apropriam-se, atribuem significados, estabe-
lecem avaliações sobre o campus e seus elementos ao transitarem nas distintas configurações fornecidas pelo ambiente físico,
seja natural ou construído (FISCHER, s.d.; GILMARTÍN, 2002).
Os benefícios percebidos em relação ao contato com ambientes naturais, acarreta em uma valorização desses espaços.
A convivência diária induz ao hábito, o que contribui para a compreensão de que mudanças drásticas nesse ambiente podem
gerar implicações associadas a perda de benefícios.
Considerações Finais
Os resultados instigam reflexões a respeito de questões relativas a sustentabilidade em tempos de emergências ambi-
entais. Estudos anteriores (HARTIG, KAISER & BOWLER, 2001; CORRAL-VERDUGO, 2012) têm mostrado que, de acordo com
a vinculação com o ambiente natural, há uma maior tendência a comportamentos ecologicamente responsáveis e de cuidado
ambiental. Quando uma afetividade positiva é capaz de gerar ações igualmente positivas e sustentáveis e a natureza apresenta-
se como fator de agradabilidade, esses sentimentos são favorecidos. O estudo reverbera possibilidades de (re)construções de
ambientes institucionais nos quais a natureza se faça presente, visto que espaço físico e social constituem-se mutuamente na
atribuição de significados (BOURDIEU, 1997).
No decorrer do processo de desenvolvimento humano, há a vinculação com distintos ambientes institucionais que con-
tribuem com a construção identitária dos sujeitos. Os ambientes escolares e de trabalho auxiliam nesse processo de mediação
quando propiciam benefícios que contribuem para a qualidade de vida dos sujeitos que com eles se relacionam. Dessa forma, a
convivência com ambientes saudáveis repercute na salubridade das pessoas. Nessa pesquisa, acadêmicos e trabalhadores asso-
ciaram as sensações de bem-estar percebidas ao entorno que se constitui como uma área de proteção ambiental, o que nos leva
a crer que há uma necessidade de aprofundar o conhecimento acerca das contribuições de áreas preservadas em meio urbano.
Nesse sentido, esse estudo possibilita suscitar reflexões a respeito de ambientes institucionais saudáveis, satisfatórios
e comprometidos com uma ética voltada para a sustentabilidade. Acredita-se que o investimento em espaços que propiciem
o estreitamento da relação pessoa-ambiente, como os fragmentos florestais urbanos, contribui não somente para o equilíbrio
ecológico, mas para o bem-estar físico e psicossocial das pessoas que vivem na cidade.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE OS POSSÍVEIS IMPACTOS AMBIENTAIS NA
EXTRAÇÃO DO SHALE GAS NO BRASIL
Resumo
A exploração do shale gas através do fracking tem apresentado impactos negativos a nível mundial, com proeminentes riscos à
garantia de fornecimento de água potável, à saúde pública e ao meio ambiente. Estes intempéries motivaram alguns países no
aperfeiçoamento desta técnica, no registro de patentes e em contraponto, na proibição e moratória de seu uso em sua nação.
Através de um estudo exploratório e descritivo utilizando o método qualitativo, a proposta deste trabalho é fazer considerações
sobre os possíveis impactos ambientais causados pelo uso da técnica do faturamento hidráulico aliada à perfuração horizontal
na extração do Shale Gas em território brasileiro, baseado em experiências internacionais, artigos e documentos sobre essa
extração.
Palavras-Chave: Shale Gas, Fracking, Fraturamento Hidráulico, Impactos Ambientais, Perfuração Horizontal.
Introdução
A exploração de Petróleo e gás no país sofreu intenso impacto a partir de 2014 com as inúmeras investigações de cor-
rupção e tomadas de decisões técnicas errôneas, deflagradas pela Polícia Federal Brasileira, que influenciaram diretamente
na economia da principal empresa do setor no Brasil. Em meio à procura por respostas visando definir qual o melhor modelo
energético a ser seguido e quais estratégias, a fim de assegurar o crescimento econômico aliado à garantia do fornecimento
energético nacional, que de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), a ampliação do uso do gás natural tem espaço
neste cenário.
A exploração do shale gas não consta no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 como estratégia, em contraponto com
a promoção da 12ª rodada de licitações1 para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural. O PNE 2030
é o primeiro estudo de planejamento integrado dos recursos energéticos realizado no âmbito do Governo brasileiro. Conduzi-
dos pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE em estreita vinculação com o MME, os estudos do PNE 2030 originaram a
elaboração de quase uma centena de notas técnicas. O trabalho fornece os subsídios para a formulação de uma estratégia de
expansão da oferta de energia econômica e sustentável com vistas ao atendimento da evolução da demanda de gás (MONIZ,
2013), segundo uma perspectiva de longo prazo (CHAMBRIARD, 2014). O PNE foi um estudo de planejamento cobrindo não
somente a questão da energia elétrica, como também dos demais energéticos, notadamente petróleo, gás natural e biomassa.
Autorizada em Diário Oficial da União (DOU) pela Resolução nº 6, de 25 de junho de 2013 a realização da 12ª Rodada de
Licitações de blocos para a exploração e a produção de petróleo e de gás natural em 2013, a ser implementada pela Agência
Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de acordo com as diretrizes e as políticas do MME.
Como objeto da Rodada há oferta de duzentos e quarenta blocos exploratórios totalizando 168.348,42 km² de área, sendo:
cento e dez blocos exploratórios em áreas de Novas Fronteiras Tecnológicas e do Conhecimento nas Bacias do Acre, Parecis,
São Francisco, Paraná e Parnaíba, com o objetivo de atrair investimentos para regiões ainda pouco conhecidas geologicamente
ou com barreiras tecnológicas a serem vencidas, possibilitando o surgimento de novas bacias produtoras de gás natural e de
recursos petrolíferos convencionais e não convencionais, totalizando 164.477,76 km² de área e cento e trinta blocos nas Bacias
Maduras do Recôncavo e de Sergipe-Alagoas, com o objetivo de oferecer oportunidades exploratórias nessas áreas, de modo
a possibilitar a continuidade da exploração e a produção de gás natural a partir de recursos petrolíferos convencionais e não
1
Rodadas de Licitações – A partir da Lei 9.478/1997 (Lei do Petróleo) foi permitida que empresas estatais ou privadas, constituídas sob as leis brasileiras e com sede
e administração no País, realizem atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no País, mediante contratos de concessão, precedidos de licitação;
A partir de então são programadas Rodadas de Licitação com locais pré definidos.
Metodologia
O presente trabalho pode ser classificado como um estudo exploratório e descritivo, e o método utilizado foi o qualita-
tivo. Como estudo descritivo propondo uma revisão bibliográfica e documental analisando artigos, dissertações, teses, livros e
documentos oficiais. O objetivo com o estudo exploratório é pesquisar sobre os impactos ambientais causados pela exploração
de shale gas no cenário mundial e projetá-los numa exploração nacional já autorizada pela ANP em áreas com conflito de uso da
terra, sobreposição geográfica com aqüífero plurinacional com uma técnica exploratória com alto consumo de recursos hídricos
numa realidade de futura escassez de água.
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Linha do Tempo na Exploração do Shale Gas no Brasil
• 18 e 19 de setembro de 2013: Audiência Pública do 12º Leilão – Seminário Técnico Ambiental: Presença dos órgãos
ambientais estaduais
• 03 de outubro de 2013: Parecer Técnico GTPEG2 03/2013
• 19 a 21 de novembro de 2013: Asibama Nacional notifica o MMA, MME e ANP questionando a utilização do faturamento
hidráulico para a exploração do gás não convencional
• 21 de novembro de 2013: Audiência Pública no RJ para discussão da minuta de Resolução para a regulamentação da
exploração de gás não convencional
• 20 de dezembro de 2013: Ministério Público Federal (MPF) do Piauí obtém liminar que suspende exploração do gás
xisto no Estado;
• 11 de abril de 2014: Publicação da Resolução 21 da ANP no DOU;
• 05 de junho de 2014: O juiz da 1ª Vara Federal de Cascavel determina a suspensão imediata e por tempo indeterminado
da 12ª Rodada de Licitações para a exploração de gás de folhelho na Bacia do Rio Paraná;
• 11 de setembro de 2014: MPF/BA ajuíza ação para suspender efeitos da 12ª rodada de licitações para exploração de
gás de xisto;
• 24 de setembro de 2014: Seminário sobre Exploração e Produção de Gás Não Convencional CNRH/MMA;
• 17 de dezembro de 2014: MPF/SP protocola ação civil pública;
• 17 de junho de 2015: Audiência Pública na Câmara dos Deputados para discussão do Projeto de Lei 6904/2013 do
Deputado José Sarney Filho que estabelece medidas para a exploração de gás de folhelho com os seguintes expositores: Sy-
mone Christine de Santana Araújo - Diretora de Gás Natural da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do
MME, Silvio Jablonski - Chefe de Gabinete da ANP (*), Edmar Luiz Fagundes de Almeida - Coordenador do Instituto de Econo-
mia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Juliano Bueno de Araújo - Coordenador da Coalizão Não-Fracking Brasil,
Luiz Fernando Scheibe - Professor Emérito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Regulamentação no Brasil
A Resolução ANP nº 21/2014, que regulamenta as atividades de perfuração seguida de fraturamento hidráulico em reser-
vatório não convencional, tem como objetivo estabelecer requisitos para a exploração de gás não convencional dentro de parâ-
metros de segurança operacional que assegurem a proteção à saúde humana e ao meio ambiente. Publicada no Diário Oficial
da União, em 11/04/2014, a Resolução recebeu 150 comentários e sugestões enquanto esteve em consulta pública por 30 dias, a
partir de 17 de outubro de 2013. Mas destas contribuições quantas foram incorporadas nesta resolução?
Em virtude da técnica para exploração de gás não convencional ser bastante polêmica a nível mundial em 2012, a Agên-
cia Internacional de Energia - EIA emitiu o relatório: Golden Rules for a Golden Age of Gas que informa os requisitos para uma
exploração segura, devido ao seu elevado potencial de impactos socioambientais.
A União Europeia em fevereiro de 2014 emitiu a Recomendação 2014/70/EU, apresentando os princípios mínimos para a
exploração e produção de hidrocarbonetos utilizando o fracking com claras restrições sobre a necessidade de preservar, prote-
ger a saúde da população, o meio ambiente, e a transparência na informação aos cidadãos dos Estados Membros.
Enquanto a Resolução ANP nº 21/2014 apresenta definições do fraturamento hidráulico em reservatório não convencio-
nal: técnica de injeção de fluidos pressurizados no poço, em volumes acima de 3.000 m³, com objetivo de criar fraturas em deter-
minada formação cuja permeabilidade seja inferior a 0,1mD (mili Darcy) a definição pela Recomendação 2014/70/EU apresenta
parâmetros mais rígidos no que diz respeito à quantidade de água injetada para a realização do fraturamento (volume igual ou
superior a 1.000 m³).
Outros comparativos podem ser descritos ao longo da tratativa da Resolução Brasileira versus a Recomendação Europeia
enquanto a primeira determina que o Sistema de Gestão Ambiental deverá conter um plano detalhado de controle, tratamento
e disposição de efluentes gerados e que a água utilizada para o fracking deverá ser preferencialmente efluente gerado, água
2
GTPEG – Grupo de Trabalho Interministerial de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás - Grupo criado com o objetivo de apoiar tecnicamente a
interlocução com o setor de exploração e produção de petróleo e gás natural, em especial no que se refere às analises ambientais prévias a definição de áreas para
outorga e às recomendações estratégicas para o processo de licenciamento ambiental dessas atividades no território nacional e águas jurisdicionais (Portaria 119,
de 24 de abril de 2008).
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durante o fraturamento hidráulico na proximidade de falhas [geológicas] pré-existentes” (BCOGC, 2012). Green e colabora-
dores (2012) também afirmam a correlação entre o registro de sismos de magnitude menor a 3.0 M explicitamente relacionados
com o uso da técnica de fraturamento hidráulico próximo a Blackpool, na Inglaterra, durante o ano de 2012; o estudo apontou
ainda a preocupação quanto a ocorrência de novos eventos sísmicos caso a técnica volta-se a ser utilizada.
A regulamentação desta atividade de exploração no país deve contemplar normas para monitoramento para que alter-
ações no subsolo possam ser antecipadas e ou corrigidas.
Figura 2. Exploração de Shale Gas exige grande quantidade de equipamento no local durante as operações
Foto no Canadá - Fonte: CSUG_HydraulicFrac_Brochure.
CONTAMINAÇÃO DO SOLO
Devido ao grande consumo de água no processo de faturamento hidráulico a contaminação do solo pode ser dada tanto
pelo transporte dos produtos químicos utilizados no processo quanto pelo descarte da água de retorno dita flowback.
A flowback com intensa quantidade de produtos químicos já citados anteriormente por USHR, 2011 e compostos tóxicos
naturalmente presentes no subsolo, como arsênio, bário, mercúrio e elementos radioativos (ZOBACK et al., 2010; ROWAN et al.,
2011; RAHN; RIHA, 2012; RIDLINGTON; RUMPLER, 2013) que veem à superfície por arrasto na saía da flowback, o que tende
a conter grandes concentrações de sal (ZOBACK et al., 2010), o que pode gerar uma série de impactos sobre o solo e sobre as
atividades agrícolas.
O armazenamento da flowback e da água de produção deve ser muito bem controlada para que não infiltre no solo e
que não transborde, pois este armazenamento é feito de maneira aberta e próxima ao local de faturamento conforme a figura 3.
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Figura 3. Foto de piscinas de flowback e água de produção - fonte: http://www.iee.usp.br/eventos/nov12/Colombo_Shale.pdf.
Figuras 4 e 5. Apresentação de Bianca Dieile no Seminário sobre Exploração e Produção de Gás Não Convencional
CNRH/MMA - Enchente em Colorado – Setembro – 2013.
Conclusões
As avaliações preliminares da ANP, aqui no Brasil, aliadas às informações da agência americana de planejamento energé-
tico (EIA, 2011) estimularam o lançamento em 2013 da 12ª rodada de licitações para Exploração, Desenvolvimento e Produção de
Petróleo e Gás Natural ofertando 240 blocos exploratórios, distribuídos em sete bacias sedimentares em áreas de novas fronteiras
nas bacias do Acre, Parecis, São Francisco, Paraná e Parnaíba e em bacias maduras do Recôncavo e de Sergipe-Alagoas como
oportunidades para a geração de energia elétrica com a produção de gás on shore. Contudo, este lançamento em DOU através
da Resolução do Conselho Nacional de Politica Energética (CNPE) nº 6 de 25 de junho de 2013 foi publicado ANTES do parecer
da área ambiental federal contrariando o já estabelecido pela Resolução CNPE nº 08 de 21 de julho de 2003. Este parecer foi
desfavorável e recomendou a não ofertar neste interim tais blocos para exploração. Além de evidenciar a falta de regulamenta-
ção específica. Mesmo contrariando os órgãos ambientais competentes, o MME avançou nas negociações e publicou no DOU
a referida rodada, processo este freado pelo Ministério Público Federal (MPF) que ajuizou ação em diversos estados para sus-
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produção de petróleo e gas natural e diretrizes para a realização de licitações de blocos exploratórios ou áreas com descobertas
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O PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA” E SEUS EFEITOS SOBRE AS ÁREAS
PROTEGIDAS: ESTUDO DE CASO DA MATA ATLÂNTICA PARANAENSE
Resumo
O litoral do Paraná abriga um dos maiores remanescentes do bioma Mata Atlântica. Apesar da existência de um sistema de Uni-
dades de Conservação (UC) regional, isso não tem garantido a proteção da região. Recentemente, um novo fator tem agravado
esta situação: a criação do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, como parte do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC). Desde a sua implantação, inúmeros loteamentos foram licenciados para a construção de novas moradias,
muitas vezes localizados no entorno imediato de áreas protegidas. Este estudo analisou a situação do bairro Porto Seguro no
município de Paranaguá, inserido na zona de amortecimento de duas UC e considerada Zona de Expansão Urbana pelo Plano
Diretor Municipal, onde estão sendo construídos diversos conjuntos habitacionais, colocado a população local e as áreas prote-
gidas em situação de vulnerabilidade.
Introdução
O século passado foi marcado, principalmente no contexto geográfico brasileiro, por um significativo aumento demográ-
fico urbano, trazendo consequências diretas na estruturação e organização das cidades, desregulando ecossistemas e expondo
a população às situações de vulnerabilidade, como afirmam Maior & Cândido (2014). Somado a isso, a expansão urbana sobre
áreas naturais têm aumentado significativamente nas últimas décadas, ocasionando diversos impactos e conflitos socioambien-
tais, visto que, ecologicamente e socialmente são áreas fragilizadas.
Apesar da criação de diversas legislações e instrumentos de ordenamento, gestão ambiental e conservação da biodi-
versidade, principalmente a partir da década de 1930, eles não têm garantido a preservação e conservação dos remanescentes
florestais, da biodiversidade e, consequentemente, dos inúmeros serviços ambientais prestados, como observado no Litoral do
Paraná.
A situação é agravada nas áreas protegidas localizadas em áreas urbanas, como identificado no município de Paranaguá,
que destaca-se no cenário litorâneo pela maior população da região, com cerca de 140 mil habitantes, sendo 96% urbana. A
área territorial do município é de 826 km² e a densidade é de aproximadamente 170 habitantes/km² (IBGE, 2010). O município
também se destaca no cenário econômico estadual, devido à presença do Porto de Paranaguá, de grande relevância na América
Latina pelo escoamento da produção de grãos e farelos. A ocupação urbana do município sempre esteve ligada ao porto e seus
acessos. Com a ampliação da área portuária, os bairros residenciais foram impulsionados para regiões onde estão localizadas
as áreas naturais protegidas.
Recentemente, um novo fator tem agravado as intenções de conservação da natureza na região: a criação do Programa
“Minha Casa, Minha Vida” - PMCMV (Lei Federal Nº 11.977/2009), Política Habitacional do Governo Federal, como parte do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde a implantação do Programa, inúmeros loteamentos foram licenciados
para a construção de novas moradias, com recursos do Governo Federal. Ocorre que muitos deles estão localizados no entorno
imediato de Unidades de Conservação, ignorando as legislações ambientais, notavelmente o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) (Lei Nº 9985/2000 e Decreto Nº 4340/2002), a Lei da Mata Atlântica (Lei Nº 11428/2006) e o Código Flo-
restal (Lei Federal Nº 12651/2012).
Considerando este contexto, esse trabalho teve como objetivo levantar o histórico de criação do PMCMV, contextuali-
zando com a criação de políticas e instrumentos ambientais, e, a partir disso, realizar uma breve análise histórica comparativa
para compreender os impactos socioambientais atuais da construção de moradias de interesse social.
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Nesse desenho institucional, os empreendimentos são construídos e vendidos integralmente para a Caixa Econômica
Federal que o repassa aos beneficiários selecionados a partir de critérios definidos pelas administrações municipais. Assim, as
incorporadoras têm garantia de demanda, não precisam arcar com custos de comercialização e divulgação, além de geralmente
se beneficiar com a doação de terrenos, flexibilização das leis urbanísticas ou redução na tributação oferecida pelas administra-
ções municipais, como explicam Cardoso & Jaenisch (2014).
Essas facilidades explicam a nacionalização de empresas de atuação regional para o segmento popular, como as cons-
trutoras TENDA e MRV, além da migração de grandes empreiteiras para o segmento habitacional, como foi o caso da OAS e da
Odebrecht. Outro problema está na incapacidade dos municípios destinarem terras em volume satisfatório para a habitação so-
cial, que deveriam estar estabelecidos nos Planos Diretores, fazendo com que o problema da terra urbanizada e bem localizada
seja um dos principais gargalos da política habitacional atual (NAIME, 2010).
Em 2011, já no governo Dilma Rousseff, é lançado o PMCMV 2, com algumas mudanças, dentre elas a definição de me-
lhorias do padrão construtivo das unidades habitacionais, permissão de uso misto (residencial e comercial), estímulo a utilização
de soluções energéticas sustentáveis, dentre outras (CARDOSO; ARAGÃO, 2013).
Apesar do volume de recursos financeiros para o setor habitacional ter sido inédito e os resultados numéricos significa-
tivos, que em junho de 2013 atingiu a marca de mais de 2, 7 milhões de unidades construídas, esse modelo, baseado na lógica
de mercado, atingiu predominantemente a classe média, além de ter atendido aos interesses do empresariado da construção
civil (CARDOSO; ARAGÃO, 2013; CARDOSO; JAENISCH, 2014). Além do público privilegiado pela política, Cardoso & Aragão
(2013), apresentam outras críticas ao PMCMV que superam apenas resultados quantitativos: (i) a falta de articulação do pro-
grama com a política urbana; (ii) a ausência de instrumentos para enfrentar a questão fundiária; (iii) os problemas de localização
dos novos empreendimentos; (iv) excessivo privilégio concedido aos setor privado; (v) a grande escala dos empreendimentos
(vi) a baixa qualidade arquitetônica e construtiva dos empreendimentos; (vii) a descontinuidade do programa em relação ao
SNHIS e a perda do controle social sobre a sua implementação; e (viii) as desigualdades na distribuição dos recursos como fruto
do modelo institucional adotado (p. 44).
Parte desses problemas, podem ser explicados pelo fato do Programa ter desconsiderado diversas propostas que es-
tavam presentes no Plano Nacional de Habitação, proposta elaborada durante a campanha eleitoral do Governo Lula, dentre
elas a falta de articulação com a política urbana, como observa Bonduki (2009). Além disso, Cardoso & Aragão (2013) ressaltam
as contradições e a “confusão federativa” da política habitacional atual, visto que a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade
delegaram aos municípios a competência de definir e implementar os instrumentos da política urbana, ou seja, a dimensão da
“terra” é delegada a esfera municipal, enquanto o financiamento está na esfera federal (PMCMV).
Nesse sentido, pode-se observar que o Estado passa a assumir um papel mais de “facilitador”, pois a produção de mo-
radias não é feita diretamente por ele, estando restrito a gerar as condições materiais, institucionais e legais para a efetivação
dos projetos (NAIME, 2010). Cardoso & Aragão (2013) complementam que, a partir do PMCMV 2, o poder público municipal,
despreparado e pressionado por resultados, deixou de ter controle sobre a implantação dos empreendimentos habitacionais de
interesse social, tornando-se meros coadjuvantes desse processo, “atuando mais no sentido do relaxamento dos controles do
que de uma regulação efetiva” (p. 59).
Este contexto da criação e implantação do programa auxiliam na compreensão dos efeitos da construção desses novos
conjuntos habitacionais na conservação dos remanescentes florestais, serviços ambientais e na biodiversidade local. Isso se
deve ao fato da lógica de maximização dos lucros pelas construtoras, que buscam terrenos mais baratos para a construção dos
empreendimentos. Desta forma, pode-se observar que os empreendimentos para as famílias com rendas maiores concentram-
se em áreas mais centrais, enquanto para as famílias de baixa renda, em áreas muito distantes do tecido urbano, como relatam
Cardoso & Jaenisch (2014).
Ocorre que, muitas vezes, a localização dos terrenos mais baratos coincidem com o entorno imediato de áreas protegi-
das, estabelecidas por apresentarem risco de deslizamentos e enchentes, por exemplo, e por tanto, com baixo valor imobiliário,
atraindo os projetos das grandes construtoras. Contudo, aumentam o “custo social” dos empreendimentos, conforme apontam
Cardoso & Aragão (2013). Ressalta-se ainda que essas áreas protegidas possuem regulamentação específica quanto ao uso e
ocupação do solo em suas zonas de amortecimento. O histórico da criação de políticas ambientais é anterior às políticas habita-
cionais, como apontam os estudos de Urban (1998), Little (2003), Pádua (2004) e Medeiros (2006), como é o caso, por exemplo,
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dustriais, estabelecidas pelo Plano Diretor do Município e pelo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto Organizado de
Paranaguá (PDZPO) e a Mata Atlântica, pouco a pouco e progressivamente desmatada para atender as demandas do comércio
exterior, mesmo sendo um bioma com garantias especiais de conservação segundo a Lei da Mata Atlântica (Lei Nº 11428/2006).
Um dos exemplos é o bairro Vila Becker, localizado no entorno imediato dos quatro terminais de granéis líquidos do Porto
de Paranaguá, sendo um público, o Terminal Público de Álcool do Paraná, e três de empresas privadas: Petrobrás Transporte S/A
(Transpetro), Cattalini Terminais Marítimos S/A e União Vopak Armazéns Gerais (Figura 1). Juntos, possuem uma capacidade
para armazenar 540.781m³ de granéis líquidos (APPA, 2015). A região também apresenta outras empresas, como a Fospar S/A do
ramo de fertilizantes, deixando a população local à mercê de extremo risco e vulnerabilidade.
O bairro Vila Becker não é oficialmente reconhecido pela Prefeitura Municipal, que considera toda essa região como um
único bairro: a Vila Portuária, incluindo os moradores do Canal da Anhaia. Esta região apresenta cerca de 2.220 habitantes e 650
domicílios. A maioria dos moradores são mulheres, somando 52% do total de habitantes. A faixa etária predominante é de adul-
tos entre 30 a 59 anos, representando 34% dos moradores, seguido das crianças e jovens de 0 a 14 anos, cerca de 30% do total
(IBGE, 2010). De acordo com o Plano Diretor e o Zoneamento Urbano Municipal, a Vila Becker está inserida na Zona de Interesse
Portuário (ZIP), que segundo a Lei Complementar Nº 62/2007, “caracteriza-se pelo uso prioritário e preponderante de atividades
portuárias e correlatas, com potencial de impacto ambiental e urbano significativos” e tem como objetivos “dar condições de
desenvolvimento e incrementar as atividades portuárias; concentrar atividades incômodas ao uso residencial; e concentrar ativi-
dades de risco ambiental de forma controlada.
A população da Vila Becker sempre conviveu com os riscos de estar cercada pelas empresas portuárias que operam na
área, mas também por morarem em uma área de influência fluvio-marinha, os manguezais do rio Itiberê. Um dos acidentes que
atingiram a população ocorreu no dia 14 de julho de 2009, com o vazamento de álcool do Terminal Público de Álcool do Porto de
Paranaguá, obrigando várias famílias deixar suas residências. Como medida de resolução do conflito territorial, após esse e ou-
tros graves acidentes que colocaram em riscos a saúde e a vida da população local, o poder público municipal em conjunto com
a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA) e em parceria com a Companhia de Habitação do Paraná (CO-
HAPAR) iniciou o processo de relocação das famílias para um novo bairro residencial, chamado Porto Seguro.
A região do bairro Porto Seguro, para onde as famílias estão sendo relocadas (Figura 1), está inserida na Zona de Consoli-
dação e Qualificação Urbana 2 (ZCQU-2), que se caracteriza por possuir “áreas consolidadas regulares e irregulares, áreas pas-
síveis de ocupação e proximidade com área de proteção e conservação ambiental”. Essa zona tem como objetivos: I. promover
a ocupação ordenada do território; II. qualificar a paisagem; III. implantar novos usos e atividades, principalmente o habitacional;
IV. ampliar a disponibilidade de equipamentos e serviços públicos; V. ampliar a oferta de infra-estrutura, de forma a possibilitar a
ocupação do território; VI. garantir a integridade do entorno, ambientalmente frágil.
Figura 1. Localização do bairro Vila Becker, totalmente inserido na Zona de Interesse Especial Portuário (ZIEP), à esquerda; e do bairro Porto
Seguro, inserido na Zona de Consolidação e Qualificação Urbana (ZCQU 2), limítrofe à Zona de Consolidação e Expansão Urbana (ZCEU 1) e
à Zona de Restrição à Ocupação (ZRO) onde está inserida a Floresta Estadual do Palmito (FEP), à direita.
Fonte: Dados Prefeitura Municipal de Paranaguá (2009); organização dos autores.
Figura 2. Evolução da ocupação urbana na região do bairro Porto Seguro, no município de Paranaguá.
onte: ITCG (1996); SEMMA (2009); Google Earth (2006; 2013; 2014).
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No caso do Estado do Paraná, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) é o órgão ambiental competente pelos licenciamentos
dos loteamentos e dos empreendimentos habitacionais, que podem ser feito de forma simplificada, de acordo com a Resolução
CONAMA Nº 412/2009. Para a emissão da Licença Ambiental Simplificada (LAS), o IAP exige, dentre outros documentos: o
preenchimento de um cadastro do empreendimento, detalhando ou anexando um croqui de localização, contendo nascentes e/
ou corpos hídricos em um raio de 100 m, vias de acesso principais e pontos de referências para chegar ao local; Certidão Munici-
pal informando a compatibilidade do empreendimento com o estabelecido pelo Plano Diretor e Zoneamento Municipal, quanto
ao uso e ocupação do solo; e um Projeto Simplificado do Sistema de Controle de Poluição Ambiental.
Apesar da exigência de todos esses documentos, o processo de licenciamento ambiental simplificado é pouco transpa-
rente e participativo. No caso dos licenciamentos completos, ou seja, necessidade de emissão de Licença Prévia, Licença de
Instalação e Licença de Operação e de estudos ambientais mais complexos, como é o caso do EIA/RIMA, a legislação ambiental
obriga que os estudos sejam disponibilizados, apresentados e discutidos com a população em audiências públicas. Esse é o
principal mecanismo de participação social nos processos de licenciamento. Porém, no caso dos loteamentos e construção das
moradias no bairro Porto Seguro, os projetos e as licenças dos empreendimentos, bem como os Planos de Controle Ambiental,
não foram disponibilizados para consulta.
Neste sentido, Cardoso & Aragão (2013) relatam que a partir do PAC e do PMCMV a elaboração e implementação da
política urbana e a distribuição dos recursos deixa passar por mecanismos de participação social, refletindo as contradições
de um programa com objetivos ao mesmo tempo econômicos e sociais e que busca resolver o déficit habitacional unicamente
por meio da atuação da iniciativa privada. Esses mecanismos, garantidos na Constituição, se executados nos espaços de par-
ticipação social, poderiam também auxiliar na discussão dos impactos ambientais desse modelo de construção dos conjuntos
habitacionais e, em conjunto com a sociedade, discutir novas propostas e alternativas.
Além dessa, outras consequências das flexibilizações nas legislações podem ser apontadas, como os impactos ambi-
entais causados pelo desmatamento da vegetação nativa, compactação do solo, pressão antrópica sobre as UC e as áreas de
mananciais, dentre outros. Como agravante, pode-se observar que a construção desses empreendimentos imobiliários nessa lo-
calidade, regularizados sob o aspecto jurídico, tem colocado a população em situação de vulnerabilidade socioambiental, como
explicam Mello-Théry, Landy & Zérah (2010). Os autores ressaltam que o desconhecimento de estratégias da política habitacional
pela política ambiental (e vice-versa) resulta em escolhas de locais para ocupação das populações de baixa renda que têm rep-
resentado um alto ônus ao ambiente local, como é o caso das zonas de amortecimento das Unidades de Conservação que “sim-
bolizam a pressão antrópica sobre as áreas protegidas, a exclusão social e as difíceis relações entre políticas públicas” (p. 203).
Na mesma linha, Cartier et al., (2009) trazem indicativos de que a escolha de moradia frente aos riscos ambientais ger-
almente está relacionada com a capacidade financeira dos grupos sociais. Assim, a camada populacional mais pobre não tem
opção de saída destes espaços, fortalecendo os laços entre a vulnerabilidade social e a vulnerabilidade ambiental e propiciando
diversos conflitos socioambientais.
Somado a isso, temos os processos de ocupação irregular, que são facilitados com os novos loteamentos e a abertura de
novas vias de acesso próximas ao bairro. Podemos observar a intensificação de vias e a ocupação no entorno do bairro regula-
rizado, cada vez mais próximo dos limites da Floresta Estadual do Palmito, na análise da Figura 2.
Esse fenômeno explica a “periferização” do entorno de UC em áreas urbanas, que passam a abrigar grande parcela da
população pobre dos municípios. Holz & Monteiro (2008, p. 2) explicam que sempre houve um “descompasso entre o acesso
à moradia e o crescimento populacional” no Brasil. Para os autores, o mercado imobiliário capitalista, os baixos salários, e a
desigualdade social impossibilitaram o acesso à moradia para grande parte da população, o que levou a ocupação de áreas ile-
gais no país. Essas regiões geralmente carecem de infraestrutura urbana e serviços públicos, que, somados aos riscos naturais,
agravam a situação de vulnerabilidade socioambiental da população local e da conservação das áreas protegidas.
Considerações Finais
Apesar de diversas legislações ambientais e instrumentos de gestão terem sido criados anteriormente às políticas habita-
cionais, em especial ao Programa “Minha Casa, Minha Vida” em 2009, podemos observar com este estudo de caso no município
de Paranaguá que esses aparatos jurídicos têm sido ignorados e ou flexibilizados a fim de regularizar a implantação de em-
preendimentos imobiliários em áreas protegidas e seus entornos imediatos. Esse fato prejudica o cumprimento dos objetivos de
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Oliveira, Jardeson Monteiro de1; Silveira, Leonardo Konrath da2; Lopes, Jordan Fonseca3 & Oliveira,
Késsia Monteiro de4
1. Universidade do Estado do Amazonas jardson.17@hotmail.com 2. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 3. Centro
Tecnológico do Amazonas; 4. Universidade do Estado do Amazonas.
Resumo
A Reserva Extrativista Arapixi apresenta uma grande ameaça em um de seus principais recursos acessados por sua população
tradicional: as colocações de castanha do Brasil. Devido à delimitação da Resex Arapixi não abranger a totalidade das colocações
de castanha do Brasil, as colocações que ficaram de fora de seus limites encontram-se sob forte ameaça do desflorestamento
proveniente do PAE Antimary. Foram mapeadas todas as colocações de castanha do Brasil nos igarapés acessadas pelos Ara-
pixianos. Através dos dados obtidos foi possível estimar a distância que se encontra o desflorestamento das últimas colocações
de castanha. Estas informações são fundamentais para respaldar o processo de ampliação da Resex Arapixi a fim de que as
colocações de castanha do Brasil sejam englobadas no seu interior, garantindo assim a efetiva proteção destes recursos.
Introdução
De acordo com as normas brasileiras, o ambiente, assim como bens ambientais que o integram (conhecidos também
como recursos ambientais tais como água, floresta, flora, fauna, biodiversidade, etc.), são bens de uso comum do povo e, por isso
mesmo, têm sua apropriação e o seu uso privados controlados (BENATTI, 2005).
Em termos de conservação e uso dos recursos naturais da Amazônia, as questões mais urgentes relacionam-se à perda
em grande escala pelo avanço do desmatamento ligado às políticas expansionistas de desenvolvimento desenfreado na região,
especulação de terra, crescimento desordenado das cidades, aumento da pecuária bovina, exploração madeireira, construção
de estradas e agricultura mecanizada (FEARNSIDE, 2003; ALENCAR et al., 2004; LAURANCE et al., 2004). A situação em relação
ao desmatamento é tão crítica que, a mais de dez anos que o Governo Federal criou um Grupo Interministerial a fim de combater
o desmatamento e apontar soluções para minimizar seus efeitos na Amazônia legal (MMA, 2004). Porém não ocorreu como
planejado, pois o desmatamento continuou e continua aumentando ano a ano. A dinâmica e os problemas inerentes à Amazônia
resultam mais da ausência do Estado do que da própria intervenção estatal (CLEARY, 1993).
Nas últimas décadas a Floresta Amazônica vem sendo destruída de forma rápida e constante. A especulação fundiária e
a corrida pelos recursos naturais têm acirrado conflitos fundiários e aumentado os casos de violência e assassinatos no campo,
além de acelerar o processo de desmatamento (BARTHOLO et al., 2005). O avanço crescente da agropecuária e, ainda, as
inúmeras invasões de terras e/ou ocupações desordenadas, são apontados como alguns dos principais fatores que agravam
essa situação, devastando ecossistemas desse importante bioma e às formas tradicionais de vida ali existentes (ICMBIO, 2010).
Apesar de vários órgãos reguladores e fiscalizadores, governamentais e não governamentais promoverem grandes es-
forços para manter a floresta nativa em pé, a floresta Amazônica é derrubada por diversas razões, mas a principal delas é a
expansão das grandes e médias propriedades, responsáveis por 70% do desmatamento (FEARNSIDE, 2003). As populações ex-
trativistas são antagonistas históricos e uma força de resistência contra a absurda cultura expansionista da agricultura e pecuária
extensiva na Amazônia (ALLEGRETTI, 2002). Em termos de conservação e uso dos recursos naturais da Amazônia, as questões
mais urgentes relacionam-se à perda em grande escala pelo avanço do desmatamento ligado às políticas expansionistas de de-
senvolvimento descontrolado na região, especulação de terra, crescimento desordenado das cidades, aumento da pecuária bo-
vina, exploração madeireira, construção de estradas e agricultura mecanizada (ALENCAR et al., 2004; LAURANCE et al., 2004).
A Instrução Normativa n0 3, de 8 de setembro de 1992 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
METODOLOGIA
O trabalho foi desenvolvido na RESEX Arapixi, Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável. A RESEX Arapixi
foi criada em 21 de junho de 2006 através do Decreto Presidencial s/n, tendo como objetivos a proteção dos meios de vida e a
cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da
unidade. A UC apresenta uma área total de 133.637 hectares, localizada no município de Boca do Acre/AM, a aproximadamente
a 40 quilômetros de distância de sua sede (Figura 1). A UC é praticamente cortada ao meio pelo Rio Purus, apresentando em
seu interior cerca de dezesseis comunidades, com aproximadamente 700 pessoas divididas em 160 famílias. Para fins de melhor
explanação os moradores/beneficiários da RESEX Arapixi serão referidos no texto como Arapixianos.
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Figura 1. Localização da Reserva Extrativista Arapixi.
O mapeamento das colocações de castanha do Brasil foi realizado no período de fevereiro a abril de 2015, através de
recursos disponibilizados do Programa Áreas Protegidos Da Amazônia (ARPA). Foram mapeadas todas as colocações de cas-
tanha do Brasil existentes nos seguintes igarapés: Fraga, Cedro, Manithiãn, Extrema, São Benedito, São Raimundo e Sossego. Os
igarapés foram percorridos desde a sua foz no Rio Purus até a última colocação acessada pelos Arapixianos. Vale ressaltar que
não foi objetivo desse trabalho mapear as colocações de pessoas que não eram Arapixianos.
Para o mapeamento das colocações de Castanha do Brasil foram estruturadas duas equipes, as quais foram compostas
por dois técnicos Florestais e por dois Arapixianos que “quebram” castanhas do Brasil naqueles respectivos igarapés a ser
mapeado. Os Arapixianos que compunham cada equipe tinham como função auxiliar na condução da canoa, como proeiro e/
ou popeiro, devido à enorme dificuldade de acesso aos igarapés e pela grande quantidade de árvores, e galhos com espinhos,
caídos no meio deste. Os Arapixianos também tinham a função de guias, orientando a localização de cada colocação, e seus
respectivos “donos” assim como a comunidade onde estes residem.
Foram coletadas as coordenadas geográficas de cada colocação através do uso de dois GPS Garmin Etrex Vista HCx,
utilizando o Datum WGS-84. As coordenadas geográficas foram registradas na sede de cada colocação e registradas em uma
planilha para evitar a perda de dados, assim como foram registrados em cada GPS. A sede das colocações geralmente é chama-
da pela população tradicional como tapiri ou papiri, sendo este o local que é utilizado como base e/ou moradia durante o período
de extração/quebra da castanha do Brasil. Também não foi objetivo deste trabalho mapear cada uma das árvores de castanha
do Brasil que compõem cada colocação, devido à falta de condições técnicas para o desenvolvimento desta atividade. Com a
cheia que atingiu os igarapés e o Rio Purus de fevereiro até início de abril, as atividades tiveram de ser paradas até que as águas
voltassem ao seu normal para aquela época. A retomada das atividades de mapeamento nos Igarapés Fraga e Cedro foram
retomados no dia 06 de abril.
Para análise dos dados foram plotadas as coordenadas geográficas de cada colocação e adicionadas no software Track-
Maker, gerando assim um mapa com os pontos para servir de base e assim confeccionar o mapa principal, com todas as coloca-
ções mapeadas. Por conseguinte, foi utilizada uma imagem do satélite Landsat 7, do mês de julho de 2014. A imagem foi inserida
em um Sistema de Informações Geográficas (SIG), elaborado no software Quantum GIS (QGIS), tendo este sido escolhido por se
tratar de software freeware. Em seguida foram inseridos os shapes com os limites da RESEX Arapixi, Terras Indígenas Camicuã
e Terra Indígena Igarapé Capana, e foram inseridos os pontos coletados referentes a cada colocação. Em seguida foram confec-
cionados os mapas referentes a cada igarapé mapeado. Desta forma foi estruturado o SIG para as colocações de castanha do
Brasil utilizadas pelos Arapixianos.
Foi realizado um levantamento bibliográfico para o embasamento teórico deste trabalho, através da consulta de diversos
documentos da RESEX Arapixi, tais como o Plano de Manejo da RESEX Arapixi, o Decreto Federal que cria a UC, atas de re-
uniões, oficinas e capacitações, livros e, artigos científicos disponibilizados em periódicos acessados viam online.
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no Igarapé Manithiãn acessados pelos Arapixianos, somente três encontram-se dentro dos limites da RESEX Arapixi. As outras
doze colocações situam-se em uma área facilmente suscetível ao desflorestamento, já que não estão sob a tutela direta do IC-
MBIO, representado localmente pela equipe gestora da RESEX Arapixi, não sendo possível uma atuação mais direta naquela
área. A principal preocupação em relação a este igarapé refere-se ao desmatamento proveniente do PAE Antimary encontrar-se a
menos de 1,5 km do último pique da última colocação neste igarapé. Provavelmente este desflorestamento encontra-se muito mais
próximo, já que algumas castanheiras estão localizadas na direção do mesmo e por este trabalho não ter mapeado cada árvore.
No igarapé Extrema foram necessários dois dias e meio para mapear e obter os dados. Para alcançar a última colocação
foi necessário um dia e meio e para percorrer este igarapé foram utilizados uma canoa pequena e um motor 5,5 HP, até onde
o Arapixiano conhecido por DIM tem a sua colocação de castanha do Brasil, neste caso a última colocação daquele igarapé.
O Senhor Dim. leva em média três dias para chegar a sua colocação. Este igarapé é muito estreito, o que acaba bloqueando a
passagem de canoas maiores, assim como é fácil que árvores ou até mesmo galhos caídos acabam por bloquear o caminho,
tornando ainda mais lento o trajeto. A última colocação de castanha do Brasil, a colocação do Senhor Dim. encontra-se distante
do Rio Purus 20,5 km (medidos em linha reta do ponto de entrada do igarapé até a última colocação de castanha do Brasil). Neste
igarapé é comum encontrar grandes árvores caídas.
Apesar da utilização do motor 5,5 HP na maior parte do igarapé Extrema, o trecho final deste só é acessível através da
utilização de remo. O retorno com a canoa cheia de castanhas do Brasil leva em media de seis a sete dias para retornar à comu-
nidade São José. Na colocação do Senhor Dim. são extraídas em média de 900 a 1000 baldes de castanha do Brasil. O Senhor
Dim. informou que o desmatamento a cada ano encontra-se cada vez mais próximo, e foram derrubadas diversas castanheiras.
Também informou que estão caçando animais de forma desenfreada. O desmatamento fica a quase 3 km de distância da sede
da colocação do Senhor Dim., sendo esta distância provavelmente muito inferior às castanheiras em si, já que as coordenadas
geográficas referem-se a “tapiri” do Senhor Dim. e não a última árvore acessada por este. Após o final do mapeamento o Senhor
Dim. informou que o desmatamento já chegou a sua colocação, onde já encontrou pastagens e campos no entorno de algumas
das castanheiras que compõem sua colocação. Neste igarapé existem dez colocações de castanha do Brasil de Arapixianos. Em
algumas destas colocações são extraídas apenas 400 baldes e em outros mais do que o dobro disso, como no caso da colocação
do senhor Dim., já citada anteriormente.
Na comunidade Nova Amélia, o acesso ao Igarapé São Benedito se dá por meio do lago homônimo a comunidade. Este
foi um dos igarapés que apresentou maior dificuldade, já que o mesmo encontrava-se com muitos galhos e árvores caídas, tor-
nando o deslocamento tediosamente lento. O motivo pelo qual este igarapé encontrava-se desta forma é que nenhum Arapixiano
ainda havia o percorrido até a última colocação no ano de 2015. O Sr. Leno que acompanhou a equipe de mapeamento, declarou
que na maioria das vezes a última colocação, a qual a proprietária é a Dona Wanda, também é a ultima a ser “quebrada”, princi-
palmente devido a necessidade do igarapé “ter mais água”, facilitando o acesso e a navegação.
Os tapiris encontrados neste igarapé apresentavam o mesmo padrão do igarapé Manithiãn e Extrema. Para alcançar a
última colocação também foi necessário o deslocamento em um dia e meio, através de uma canoa pequena e motor de 5,5 HP.
Os Arapixianos que possuem colocações neste igarapé, comumente necessitam de dois dias e meio até três dias para chegar
à última colocação, embora utilizem canoas maiores. No total os Arapixianos precisam de quatro a seis dias entre acessar suas
colocações e retornar a comunidade, já com as castanhas do Brasil devidamente “quebradas”, não sendo considerado o período
necessário para a “quebra” destas. A distância desta última colocação até o Rio Purus é de 20 km (medidos em linha reta do
ponto de entrada do igarapé até a última colocação de castanha do Brasil). No igarapé São Benedito foram mapeadas dez colo-
cações de castanha do Brasil, onde na menor colocação são retirados em média 600 baldes e na maior são retirados mais 1.100
baldes de castanha.
O desflorestamento encontra-se cada vez mais próximo da última colocação deste igarapé, localizando-se a apenas 2,5
km de distância do “tapiri” da colocação. O Sr. Leno alegou que já estão sendo sentidos os impactos desta ameaça, pois princi-
palmente diversos animais que antes eram comuns, agora dificilmente são vistos, dificultando a alimentação dos Arapixianos no
período de quebra da castanha.
O Igarapé São Raimundo está situado na comunidade Santo Honorato apresenta a mesma conformidade com os outros
igarapés, sendo estreito, com diversas árvores caídas e com correnteza muito forte. No período em que foi realizado o ma-
peamento das colocações de castanha do Brasil este se encontrava totalmente alagado devido as fortes chuvas do período.
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mente, englobando todas as colocações de castanha.
Através da análise da localização das colocações plotadas sobre a imagem de satélite, verifica-se que o desflorestamento
encontra-se ameaçadoramente próximo das colocações de castanha e dos próprios limites da RESEX Arapixi. Embora ainda
encontre-se em uma distância média de aproximadamente dois quilômetros das últimas colocações de cada igarapé e uma dis-
tância um pouco maior dos limites da RESEX Arapixi. Mesmo sendo uma distância ainda “segura” entre o desflorestamento e os
limites da RESEX Arapixi, este apresenta uma grande ameaça aos recursos acessados pelos Arapixianos, não só as colocações
de castanha, mas também a diminuição da própria biodiversidade.
Os relatos de diversos Arapixianos apresentam uma realidade preocupante, onde alguns recursos naturais apresentam
sinais de grave diminuição. Animais que antes eram fonte de proteína para alimentação dos Arapixianos, quando estes se encon-
travam em suas colocações para quebrar castanha do Brasil, já não são encontrados tão facilmente. Em algumas colocações já se
observa a derrubada ilegal de castanheiras e de outras árvores protegidas por lei, diminuindo o potencial daquelas colocações.
A questão das colocações de castanha do Brasil ameaçadas pela aproximação constante do desflorestamento proveni-
ente do PAE Antimary é a maior preocupação da equipe gestora da RESEX Arapixi. Devido às colocações encontrarem-se fora
dos limites da UC, o grau de dificuldade para efetuar um controle mais efetivo sob o desflorestamento é muito maior. Como a
RESEX Arapixi é uma UC de Uso Sustentável, pontualmente em seu interior verificam-se desmatamentos, embora estes sejam
realizados com a devida autorização da equipe gestora da UC, tendo como base o Plano de Utilização da própria RESEX, geral-
mente relacionado com o estabelecimento de agricultura de subsistência e/ou SAFs.
Após analisar todos os igarapés com suas respectivas colocações, analisando a proximidade do desmatamento a estas
colocações está sendo elaborada uma proposta de ampliação da RESEX Arapixi, para incluir todas as colocações de castanha
do Brasil que hoje estão fora dos limites da RESEX Arapixi. A área proposta inicialmente é de pelo menos 685.000 km2, ou 68.500
hectares (Figura 2). Para delimitar esta área a ser ampliada, foi delimitado um “bolsão” englobando não só as colocações de
castanha do Brasil, mas também uma distância de pelo menos 1,5 km entre a última colocação e o limite proposto, garantindo
assim que haja uma área que possa servir como amortecimento, mitigando o impacto de qualquer desflorestamento que possa
estar se aproximando destes novos limites da RESEX Arapixi.
Conclusão
Uma das possíveis soluções para amenizar esse grande desmatamento causado pela pressão proveniente do PAE Anti-
mary seria realizar um levantamento cadastral de quem se encontra naquelas áreas. Outro ponto essencial para mitigar esse des-
matamento é manter um controle referente a estas ocupações, acompanhando as atividades ali desenvolvidas, já que a maioria
das áreas “abertas” é utilizada para criação de gado, destoando dos objetivos de um Projeto Agroextrativista. Oferecer acompan-
hamento técnico para que os assentados possam produzir mais com menos área, focando principalmente na recuperação das
áreas desflorestadas com sistemas agrossilvipastorio, associando a conservação ambiental com a rentabilidade.
Através do mapeamento dos castanhais, constatou-se que mais de 65% das colocações de castanhas utilizados pelos
Arapixianos está fora de seus limites, o que os deixa suscetíveis ao desflorestamento proveniente do PAE Antimary. Torna-se
essencial para a gestão da UC garantir a conservação e proteção destes recursos, que tanto impacto gera na economia dos Ara-
pixianos. Também é de fundamental importância proteger esta atividade desenvolvida pela população tradicional da UC, pois
esta gera baixo impacto ao ambiente e, sendo aos Arapixianos a sua principal fonte de recursos, acaba por gerar em resposta
um menor impacto de desflorestamento no interior da própria RESEX Arapixi, já que com os rendimentos provenientes das co-
locações de castanha, acaba por evitar que os Arapixianos busquem outras formas impactantes para obter meios para manter
sua sobrevivência.
A ampliação da RESEX Arapixi busca atender não só a conservação das colocações de castanha do Brasil acessadas
pela população tradicional da UC, mas também evitar que danos mais severos e provavelmente irreversíveis sejam causados
naquela área. Através de sua ampliação será possível garantir através da presença institucional do ICMBIO, neste caso repre-
sentada pela equipe gestora da UC a manutenção e conservação daqueles recursos.
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1.Centre for Econics and Ecosystem Management 2.Universidade Estadual de Santa Cruz, aleschi@uesc.br
3. RPPN Estação Veracel 4. Ministério da Mata Atlântica 5. GIZ Brasil
Resumo
Apesar de sua elevada fragmentação, causada por séculos de uso, a Mata Atlântica fornece serviços ecossistêmicos essenciais
ao bem-estar de grande parte da população brasileira, cuja manutenção depende de um manejo eficiente dos remanescentes
florestais. Este trabalho relata a primeira oficina de capacitação no Brasil utilizando o método MARISCO (Manejo Adaptativo de
Risco e Vulnerabilidade em Sítios de Conservação) de planejamento adaptativo do manejo de áreas protegidas, realizada em abril
de 2015, utilizando a RPPN Estação Veracel, Sul da Bahia, como um estudo de caso. O método MARISCO é o primeiro a incluir
explicitamente os possíveis efeitos da mudança do clima no planejamento da conservação, e vem sendo aplicado com sucesso
em uma variedade de ecossistemas em vários países. Participaram da referida capacitação técnicos do governo, de unidades de
conservação e acadêmicos.
Introdução
A relação de não-equilíbrio entre a espécie humana, com suas diversas atividades sócio-econômicas, e os ecossistemas
naturais, cujos recursos e serviços são explorados de forma insustentável e frequentemente destrutiva, vem gerando incertezas
crescentes sobre o futuro tanto dos ecossistemas naturais quanto da espécie humana. Na ausência de perturbações antrópicas,
a biodiversidade global se auto-organiza e auto-regula sustentavelmente, em uma hierarquia de sistemas aninhados, que trans-
ferem matéria, energia e informação entre si, contribuindo para a estabilidade dos ciclos biogeoquímicos e do clima global.
Entretanto, a pressão crescente causada pelas atividades antrópicas perturba o equilíbrio dos ecossistemas e do clima, sendo
impossível prever em detalhes a evolução futura dos serviços dos ecossistemas e do sistema climático global (IBISCH; VEGA;
HERRMANN, 2010; IBISCH; HOBSON, 2014).
A Mata Atlântica é um exemplo claro deste tipo de relação de não-equilíbrio: desde o início da colonização europeia
em 1500, os efeitos cumulativos da expansão agrícola no período colonial, e da industrialização e urbanização que se seguiram
reduziram a vegetação nativa a 12,5% de sua extensão original, distribuída em um grande número de fragmentos florestais, em
sua maioria de pequenas dimensões (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; INPE, 2015), e sujeitos à perda gradual de biodiver-
sidade (devido ao isolamento, que reduz o fluxo gênico entre fragmentos) e de cobertura florestal (devido aos efeitos de borda).
Atualmente, a região originalmente coberta pela Mata Atlântica foi reduzida a um mosaico dinâmico de paisagens em grande
parte modificadas pela ação humana, incluindo plantações, pastagens (em uso ou abandonadas), áreas de vegetação nativa em
diferentes estágios de regeneração, silvicultura e sistemas agroflorestais (RIBEIRO et al., 2011).
Como resultado das grandes perdas de habitat sofridas pela Mata Atlântica, uma elevada proporção do seu grande
número de espécies, muitas delas endêmicas (que conferem ao bioma o status de “hot spot” global de biodiversidade), está
criticamente ameaçada de extinção (TABARELLI et al., 2005; GALINDO-LEAL; CÂMARA, 2003). Esta situação, que continua a se
agravar gradualmente, ameaça a manutenção dos serviços ecossistêmicos (especialmente recursos hídricos) fornecidos pela
Mata Atlântica a grande parte da população brasileira. O problema se complica devido ao baixo grau de proteção dos rema-
nescentes florestais da Mata Atlântica: existem aproximadamente 700 áreas protegidas no bioma, mas estas protegem somente
1,62% da região (RIBEIRO et al., 2009).
Assim, o desafio atual é utilizar os recursos limitados existentes para manejar de forma eficiente os remanescentes flo-
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sistemas). O exercício é conduzido de forma participativa, baseada em evidências, e não supõe que se tenha um conhecimento
exaustivo sobre a área a ser manejada e seu entorno: o não-conhecimento é explicitamente levado em consideração durante todo
o processo. Uma equipe de treinadores (facilitadores) e organizadores conduz o exercício, auxiliando os participantes em cada
um dos passos metodológicos envolvidos.
Um exercício MARISCO completo é dividido em quatro fases: Fase I (Preparação e conceitualização inicial), Fase II
(análise sistêmica de vulnerabilidade e risco), Fase III (avaliação abrangente, priorização e formulação da estratégia), e Fase IV
(implementação e gestão do conhecimento (e do não-conhecimento)), como mostrado na Figura 1.
A Fase I da metodologia (preparação e conceitualização inicial) iniciou-se com a apresentação de uma Análise Dia-
gnóstica do Ecossistema (ADE), realizada nas semanas anteriores à oficina, com base em informações compiladas da literatura
científica e de várias fontes, e em visitas de campo à RPPN Estação Veracel e seu entorno. Durante a discussão deste diagnóstico
inicial com os participantes, procurou-se demonstrar como identificar mudanças e riscos inesperados, além de ressaltar a neces-
sidade de uma abordagem sistêmica do planejamento da conservação.
A Fase II consiste de uma análise sistêmica de vulnerabilidade e risco, aplicando uma análise da situação a fim de esta-
belecer uma boa compreensão da situação atual, passada e futura (num horizonte de 20 anos no passado e no futuro) dos objetos
de conservação e de bem-estar humano. Assim, os participantes foram orientados a incluir no modelo conceitual os atributos
ecológicos chave dos objetos de conservação, os estresses ambientais, as ameaças e seus fatores contribuintes.
Após a inclusão destes elementos, os participantes revisaram o modelo e em seguida avaliaram participativamente o ní-
vel de criticalidade (importância percebida para o estado de vulnerabilidade de um objeto de conservação) dos mesmos, assim
como sua “atividade sistêmica” (quantificação do grau em que um elemento do modelo influencia outros ou é influenciado por
outros elementos), gerenciabilidade (quantificação do grau em que um elemento do modelo pode ser diretamente influenciado
por estratégias e atividades de manejo), o grau de conhecimento sobre os mesmos e sua relevância estratégica (um score que
combina criticalidade atual, tendência atual da criticalidade, criticalidade futura e atividade sistêmica), como ilustrado na Figura 3.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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Ao final da Fase II, o modelo conceitual foi revisado pelos facilitadores, de forma a produzir uma versão “limpa” e orga-
nizada, a ser utilizada nas etapas seguintes da metodologia.
A Fase III compreende uma análise das estratégias existentes e o desenvolvimento sistemático de novas estratégias que
permitam uma melhoria efetiva da funcionalidade dos objetos de conservação e de bem-estar humano, a redução das amea-
ças, e a prevenção ou redução da vulnerabilidade e dos riscos. Os participantes aprenderam a avaliar as estratégias de forma
abrangente, visualizando as relações entre as estratégias e os elementos do modelo conceitual, a priorizar as estratégias exis-
tentes e a formular estratégias complementares, baseando-se nos elementos do modelo conceitual.
Os participantes avaliaram estas estratégias complementares, e discutiram sua factibilidade, seus impactos, e suas rela-
ções com as estratégias existentes e com os demais elementos do modelo conceitual. Neste processo, os consultores orientaram
o grupo no uso de um pensamento estratégico e sistemático sobre fatores contribuintes, ameaças e estresses, que conduziu à
elaboração de uma “teia de resultados” esperados como consequência da implementação das estratégias. Estes resultados são
ligados entre si por relações de causa e efeito, e seu resultado final esperado é a melhoria da situação e da funcionalidade dos
objetos de biodiversidade e de bem-estar humano (Figura 4). Finalmente, a Fase III também inclui a concepção dos processos
de monitoramento a serem implementados para que se possa mensurar a efetividade das estratégias, assim como diagnosticar
a necessidade de ajustes adaptativos nas mesmas.
Resultados da oficina
Fase I
O escopo geográfico definido pelos participantes (Figura 5) incluiu o entorno da RPPN, com suas propriedades rurais,
os principais remanescentes próximos de vegetação nativa (incluindo o Parque Nacional do Pau Brasil e a APA de Coroa Ver-
melha), porções das bacias de rios principais da região (rio Buranhém, rio dos Frades e rio Santo Antonio), os centros urbanos
que mais influenciam a reserva (Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália), e regiões costeiras que recebem sedimentos transportados
pelos rios que atravessam a porção terrestre do escopo geográfico (em especial o rio Buranhém), incluindo o Parque Municipal
Marinho do Recife de Fora, importante sítio para a conservação de corais.
Os objetos de biodiversidade definidos pelos participantes foram reunidos em quatro grupos interconectados, que com-
preendem toda a biodiversidade presente na região: ecossistemas terrestres (floresta ombrófila densa, mussununga, restinga,
cordões litorâneos), ecossistemas aquáticos de água doce (rios, lagos e brejos), ecossistemas marinhos e costeiros (recifes de
coral, bancos de gramas marinhas, estuários, manguezais e mar aberto) e ecossistemas antrópicos (florestas plantadas, sistemas
agroflorestais, cabruca, plantações, pastagens, areias e represamentos).
O grupo de objetos de conservação “ecossistemas terrestres” continha ainda os objetos “árvores”, “bromélias”,
“orquídeas”, e “animais”, além de objetos representando espécies relevantes da flora, como “pau-brasil” e “jacarandá da Bahia”.
O grupo de objetos “ecossistemas marinhos e costeiros” continha também objetos representando os corais endêmicos e espé-
cies relevantes da fauna marinha, como “baleia jubarte”, “tartarugas marinhas”, “budião azul”, “caranguejo uca”, entre outros.
Os objetos de biodiversidade escolhidos foram associados aos serviços ecossistêmicos que oferecem, classificados pe-
los participantes em três categorias: serviços de abastecimento (água, produção de alimentos, de madeira, recursos genéticos),
de regulação (purificação da água, qualidade do ar, controle de erosão, estabilidade do clima local, sequestro de carbono, pro-
teção da costa) e culturais (beleza cênica, atividades de educação e pesquisa, espiritualidade).
Foram também definidos objetos de bem estar-humano (acesso à água limpa, segurança alimentar, moradia, saúde, em-
prego e renda, desenvolvimento de habilidades e conhecimento, identidade e lazer, entre outros), conectados aos serviços ecos-
sistêmicos dos quais dependem. Também foram incluídos no modelo os serviços sociais (políticas públicas, saneamento básico,
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160
fornecimento de energia, democracia, etc.) que interagem com os objetos de bem-estar humano, e os sistemas sociais (os três
poderes, órgãos estatais, organizações da sociedade civil, iniciativa privada, etc.) que fornecem ou regulam os serviços sociais.
Esta fase foi concluída com a elaboração de uma visão inicial do manejo da RPPN e demais áreas dentro do escopo
geográfico.
Fase II
Os atributos ecológicos chave definidos pelos participantes foram agrupados em cinco categorias: fatores-mestre (quan-
tidade, qualidade e características físicas da água, estabilização do clima, estrutura, características químicas e fertilidade do
solo), biomassa (que inclui o atributo “cobertura vegetal”), informação e diversidade (flora e fauna nativas, composição e riqueza
de habitat, corais), conectividade e redes (conectividade ecológica, polinização, dispersão, ciclagem de nutrientes, transporte de
sedimentos e nutrientes, espécies de topo de cadeia), e atributos antropogênicos (planejamento das ações humanas).
Os vários estresses sofridos pelos objetos de conservação foram ligados aos atributos ecológicos chave por eles afetados.
Os estresses foram reunidos em categorias aproximadamente correspondentes às categorias de atributos ecológicos chave; por
exemplo, uma das categorias continha os estresses “perda/redução de floresta”, “perda de cobertura vegetal” e “redução de
manguezais”, que afeta primariamente os atributos ecológicos chave da categoria “biomassa”. Dentre o grande número de es-
tresses identificados pelos participantes, incluem-se ainda a perda de espécies, a fragmentação florestal, alterações do ciclo de
vida das espécies, o branqueamento dos corais, mudanças na composição das comunidades, a perda de produção dos sistemas
antrópicos, o aumento de pragas, além de vários estresses sobre o solo e os recursos hídricos.
As ameaças aos objetos de conservação identificadas durante o exercício MARISCO foram reunidas em sete categorias:
mudanças climáticas locais, nível do mar e correntes, manipulação hídrica, manipulação ambiental, uso não-sustentável dos
recursos naturais, extração de organismos e espécies exóticas e invasoras.
Os fatores que contribuem para os estresses e ameaças foram identificados e agrupados em nove categorias: fatores
ligados à governança, fatores institucionais, fatores demográficos, fatores relacionados à produção industrial, fatores naturais,
fatores socioculturais, fatores espaciais, fatores relacionados à infraestrutura, e fatores socioeconômicos.
Seguindo os procedimentos da metodologia MARISCO, várias propriedades relevantes das ameaças, estresses e fatores
contribuintes foram classificados participativamente, utilizando scores discretos, codificados como cores no modelo conceitual.
Estas propriedades incluem: criticalidade atual e futura (avaliada com o auxílio de cenários futuros desenvolvidos durante a ofi-
cina), atividade sistêmica, relevância estratégica, conhecimento e gerenciabilidade.
Fase III
Seguindo os procedimentos da metodologia MARISCO, os participantes identificaram as estratégias existentes (coluna
da esquerda na Tabela 1) e classificaram as mesmas através de scores discretos (com valores de 1 a 4) em relação a vários
quesitos, agrupados em duas categorias: factibilidade e impactos. Os quesitos de factibilidade das estratégias são (a) disponibi-
lidade de recursos, (b) nível de aceitação por parte dos atores relevantes, (c) probabilidade de se beneficiar de fatores externos
(especialmente oportunidades), (d) probabilidade de ocorrência de riscos que podem afetar de forma adversa a eficácia da
estratégia, (e) possibilidade e recursos necessários para adaptar a estratégia diante de eventos imprevistos.
Já os quesitos ligados aos impactos das estratégias são (a) probabilidade de geração de conflitos entre atores envolvidos,
que possam afetar a área sob manejo (b) probabilidade de geração de novos riscos que aumentem a vulnerabilidade dos objetos
de conservação, (c) probabilidade de conflitos com outras estratégias implementadas na mesma área, (d) eficácia na redução
de ameaças, (e) probabilidade de sinergias com outras estratégias, (e) contribuição esperada para o aumento da funcionalidade
dos objetos de conservação, (f) nível de arrependimento potencial (probabilidade de que os recursos investidos em uma estra-
tégia não tragam nenhum benefício colateral caso os impactos esperados não sejam atingidos).
A soma dos scores de cada uma das estratégias existentes para cada um dos quesitos acima é mostrada na Tabela 1. As
estratégias com os scores mais altos seriam as mais factíveis e teriam maior probabilidade de gerar impactos positivos, e menor
probabilidade de gerar impactos negativos, criar conflitos, etc.
A seguir, os participantes identificaram as relações sistêmicas (geração de impactos positivos e negativos, e o grau
destes impactos) entre as estratégias existentes e outros elementos do modelo conceitual: fatores contribuintes, ameaças, estres-
O modelo conceitual complexo construído nos passos anteriores foi então revisado, e foi realizada uma análise espacial
da distribuição dos estresses e ameaças, a fim de visualizar onde cada estratégia deveria ser aplicada de forma a maximizar
a redução de ameaças e/ou restaurar o máximo possível a funcionalidade dos objetos de conservação. Finalmente, os partici-
pantes acrescentaram novos itens à visão inicial do manejo, considerando toda a análise realizada desde o início da oficina.
A visão final do manejo da área incluiu o fortalecimento de várias ações e programas estratégicos já presentes no plano de
manejo da RPPN Estação Veracel, e apontou novos objetivos e ações, incluindo (a) a utilização de medidas de adaptação base-
ada em ecossistemas (SEEHUSEN, 2014) para reduzir a vulnerabilidade e os riscos associados com os cenários projetados de
mudança do clima na região e (b) um maior envolvimento e conscientização da comunidade do entorno na promoção de ações
estratégicas que reduzam as ameaças e estresses que afetam os objetos de conservação da região, incluindo a inclusão de faixas
de vegetação natural nas áreas usadas para agropecuária e silvicultura, incrementando a conectividade entre os remanescentes
florestais, aumentando a permeabilidade da matriz da paisagem, e protegendo os serviços ecossistêmicos.
Os participantes recomendaram também o estabelecimento de um corredor ecológico conectando Santa Cruz Cabrália
ao Parque Nacional do Pau Brasil, como uma forma de tornar mais evidente a necessidade de uma gestão dos ecossistemas na-
turais da região que em uma escala mais ampla do que a RPPN Estação Veracel e demais unidades de conservação abrangidas
pelo escopo geográfico.
Em conclusão, esta oficina de capacitação mostrou ser plenamente viável a aplicação da metodologia MARISCO em
outras unidades de conservação no Brasil. O caráter participativo, sistêmico e adaptativo do método, e a inclusão explícita de
(a) um escopo geográfico que se estende além dos limites da unidade de conservação em foco, (b) vulnerabilidade e riscos
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162
associados à mudança do clima e (c) não-conhecimento tornam o MARISCO uma ferramenta versátil e atual, aplicável em uma
grande variedade de situações. Espera-se que em breve seja possível realizar cursos de formação de formadores na aplicação
do método MARISCO, o que permitirá uma replicação mais eficiente da metodologia em diferentes regiões do Brasil.
Agradecimentos
Agradecemos às comunidades locais e colaboradores da RPPN que disponibilizaram seu tempo para serem entrevista-
dos e conversarem com consultores sobre a região em que habitam. Somos também gratos a todos os participantes da oficina
de capacitação que contribuíram ativamente e de forma inspiradora durante todos os procedimentos, resultando no sucesso
da primeira oficina do método MARISCO no Brasil. O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto Biodiversidade e
Mudanças Climáticas na Mata Atlântica. O projeto é uma realização do governo brasileiro, coordenado pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA), no contexto da Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável Brasil-Alemanha, no âmbito da Iniciativa In-
ternacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Construção e Segurança
Nuclear (BMUB) da Alemanha. O projeto conta com apoio técnico da Deutsche Gesellschaft fur Internationale Zusammenarbeit
(GIZ) GmbH e apoio financeiro do KfW Banco de Fomento Alemão.
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164
03
1. Desafios do desenvolvimento
e respostas da sociedade
Resumo
A zona costeira brasileira tem enfrentado, nos últimos anos, um constante processo de degradação ambiental devido à ocupação
desordenada, com a destruição dos ecossistemas naturais e a perda da biodiversidade, dentre outros impactos ambientais. Este
trabalho buscou realizar um diagnóstico socioambiental na localidade de Barra do Torneiro, Jaguaruna, SC, com vistas à cons-
trução de instrumentos de gestão pública ambiental. Essa comunidade situa-se na interface entre a Área de Proteção Ambiental
da Baleia Franca e o estuário da Bacia Hidrográfica do Rio Urussanga. Constatou-se que a área pesquisada encontra-se em um
estado de degradação bastante acentuado, tanto devido à poluição dos recursos hídricos, quanto pela ocupação desordenada
do território, e pelo desconhecimento por parte da comunidade do papel a ser exercido pela sociedade local na gestão do seu
território.
Introdução
A zona costeira brasileira tem enfrentado nos últimos anos um constante processo de degradação ambiental, sobretudo
devido à ameaça de ocupação desordenada e sem planejamento, com a destruição dos ecossistemas naturais e a perda da
biodiversidade e qualidade de vida.
Criada no sentido de buscar conciliar visões muito distintas sobre áreas protegidas, a Lei nº 9.985 de 2000 significou
um avanço importante na construção de um sistema efetivo de áreas protegidas no país. Ela instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das uni-
dades de conservação (BRASIL, 2000a). O processo de elaboração e negociação desse Sistema durou mais de dez anos e gerou
amplos debates no contexto do movimento ambiental até a sua aprovação. Inserido no contexto de instrumentos regulatórios
territoriais, no entanto, ele caracteriza-se por se constituir em um avanço no que diz respeito às possibilidades abertas para uma
efetiva participação da sociedade na gestão dos recursos comuns, e repousa no uso responsável e na igualdade de acesso aos
recursos naturais por meio da participação efetiva da sociedade na gestão publica ambiental.
Em cada unidade de conservação são estabelecidas normas, dependendo da categoria da UC, limitando ou proibindo
a implantação atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional, dentre outros aspectos.
Conforme definição estabelecida nesta lei (BRASIL, 2000a) a “Unidade de Conservação é o espaço territorial e seus
recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder
Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção” (Art. 2º, Inciso I). Elas são definidas em duas categorias, aquelas de proteção integral, a exemplo dos
parques nacionais e reservas biológicas, e as de uso sustentável, a exemplo das reservas extrativistas e as área de proteção am-
biental – APA, que será objeto do enfoque principal deste trabalho. Esse estudo buscou identificar e compreender os processos
de mobilização e participação de uma comunidade originalmente formada por pescadores artesanais, que no momento passa
por um rápido processo de desagregação e perda de identidade em função do atual processo socioeconômico de ocupação do
seu território.
No caso da área delimitada para a pesquisa, a comunidade da Barra do Torneiro, situada no município de Jaguaruna, pos-
sui também a particularidade de estar localizada na região do estuário da Bacia do Rio Urussanga, um recurso hídrico bastante
degradado por diversas atividades industriais, principalmente pela atividade de mineração de carvão, que causou ao longo de
Área de Estudo
A área delimitada para a construção deste trabalho está localizada no litoral do Estado de Santa Catarina, como pode ser
observado na Figura 1.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
168
Figura 1. Área de abrangência da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca. Fonte: ICMBIO, (2014).
No caso da APA da Baleia Franca, a unidade de conservação foi criada em 2000, por um Decreto s/n° (BRASIL, 2000b),
com intuito de proteger a espécie Baleia Franca Austral (Eubalaena australis) que vem para o litoral sul do país para reproduzir.
Este tem por objetivo a aplicação de normas de conduta e manejo das atividades humanas a fim de preservar os recursos nat-
urais e a qualidade de vida das comunidades.
A APA da Baleia Franca situa-se entre Florianópolis até Balneário Rincão, abrangendo nove municípios e, assim, abri-
gando a comunidade da Barra do Torneiro, tornando a comunidade parte da unidade de conservação e tendo por consequência
um regime especial de administração e aplicabilidade de garantias adequadas de proteção.
Resultados e Discussão
A comunidade de Barra do Torneiro está situada no estuário do Rio Urussanga, e está inserida em uma Unidade de Con-
servação, a APA da Baleia Franca. Esta região estuarina da Bacia Hidrográfica do Rio Urussanga tem sido objeto de estudos com
vistas à realização de um diagnóstico ambiental, onde entre os vários estudos, foram realizadas amostragens para diagnosticar a
qualidade da água utilizada pela comunidade como fonte de abastecimento e renda (VOLPATO, 2013; SCHNACK, 2013).
No ano de 2014 foram realizadas As análises físico-químicas foram realizadas pelo IPARQUE no âmbito do projeto PIC
170/GP UNESC no contexto de um trabalho de conclusão de curso (MUNARI, 2014), juntamente com o reconhecimento e le-
vantamento expedito das condições ambientais do estuário do Rio Urussanga, onde está inserida a comunidade de Barra do
Torneiro. Constatou-se que há uma concentração acentuada de algumas substâncias potencialmente nocivas dependendo da
sua concentração, tais como ferro, manganês e zinco, oriundas predominantemente dos movimentos lóticos e do processo de
descarte dos poluentes pela atividade extrativista de mineração de carvão.
Observou-se ainda, a diminuição de concentração de algumas substâncias, na coleta em uma ponte da comunidade,
devido a dissolução dos poluentes ao decorrer do rio, e o pH não teve mudança significativa em relação a outro ponto coletado,
sendo este a 50m da foz do rio; porém, a diferença é acentuada a 50 metros da confluência do Rio Carvão com o Rio Maior, local
este que recebe a maior carga de poluentes, onde se teve um nível de acidez crítico.
Tendo em vista os resultados obtidos através das análises, a comunidade é considerada impactada, considerando os
resultados obtidos para os parâmetros analisados, e que tem origem no transporte de poluentes gerados ao longo da Bacia
Hidrográfica que deságuam na região estuarina. As fontes principais dessa acentuada poluição são as atividades de lavra e
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170
soas que apoiavam a empresa mineradora passasse a se colocar contra a própria existência desta unidade de conservação, não
reconhecendo a importância do seu papel para a proteção e gestão dos recursos naturais da região. E, neste contexto, descon-
siderando inclusive um dos seus objetivos na condição de uma unidade de conservação de uso sustentável, que é o de buscar
harmonizar a proteção ambiental com a realização de atividades econômicas no interior do seu território.
Esse primeiro grande conflito que ocorreu no início do processo de formação do Conselho Gestor da APA da Baleia
Franca, sobretudo no período de 2005 a 2010, foi seguido por outros conflitos no interior do seu território, tais como aqueles
resultantes da proposição para a criação de uma Reserva Extrativista (RESEX) para a pesca artesanal na região do Cabo de
Santa Marta em Laguna, e para a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) na região localizada entre os
municípios de Imbituba e Garopaba.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que esta pesquisa constatou a existência do aumento do número de conflitos rela-
cionados com o processo de criação da APA da Baleia Franca, notadamente no período inicial de constituição e consolidação
do Conselho Gestor, simultaneamente estava ocorrendo um processo gradual de fortalecimento das instâncias democráticas
de decisão e o empoderamento dos conselheiros. Neste processo, deve-se destacar a importante contribuição de um núcleo
de professores e acadêmicos vinculados ao Núcleo Transdisciplinar de Desenvolvimento e Meio Ambiente (NMD), da UFSC,
coordenado pelo prof. Paulo Freire Vieira, por meio dos processos de pesquisa (ação) formação, com a capacitação comunitária
e ecoformação.
Desta forma, neste processo de avanços e retrocessos em termos de sensibilização para as questões socioecológicas,
várias instituições conselheiras representantes da sociedade local se constituíram como parte atuante na condição de protago-
nistas e atores locais, onde os vários conflitos que afloraram foram sobretudo, decorrentes das diversas formas de apropriação e
uso dos recursos naturais, com implicações na geração de emprego e renda, entre elas as atividades de pesca, turismo, minera-
ção e uso do território por meio da especulação imobiliária e da urbanização sem a construção de políticas públicas articuladas
e consistentes.
Neste contexto, a pressão resultante contra as ações realizadas com vistas à consolidação do Conselho Gestor da APA
da Baleia Franca foi resultante em grande parte, devido aos interesses políticos e econômicos contrários, tais como do setor
imobiliário, da mineração e da pesca industrial. Também deve-se creditar à esta dificuldade para a sua consolidação, à falta de
conhecimento por parte da comunidade no que diz respeito aos objetivos de criação de uma unidade de conservação de uso
sustentável, e do papel a ser exercido de forma participativa e cidadã por todos aqueles que fazem parte deste território espe-
cialmente protegido.
Considerando assim a fragilidade no que diz respeito à carência de conhecimento da população local quantos aos seus
direitos e deveres na gestão dos recursos comuns, parte da comunidade pode ser influenciada por informações distorcidas
disseminadas por aqueles que possuíam interesses estritamente econômicos sem uma visão de longo prazo na perspectiva de
outro modelo de desenvolvimento, que leve em consideração o uso de forma justa e prudente dos recursos comuns, tal como
proposta no processo de ecodesenvolvimento territorial solidário. No contexto da busca de alternativas ao atual modelo de
desenvolvimento atualmente hegemônico no sistema capitalista, a concepção do ecodesenvolvimento territorial aponta na pers-
pectiva do planejamento e gestão de forma compartilhada, tendo como enfoque a participação da sociedade local, na condição
de protagonista das mudanças realizadas na perspectiva da gestão dos recursos naturais de forma justa, equitativa e solidária,
buscando construir um modelo de território sustentável sob as dimensões ecológica, social, política, econômica, ética e cultural
(SACHS, 1993).
Para uma melhor compreensão deste novo modelo de desenvolvimento, as instituições de ensino, dentre as quais se
destacam as universidades, são diretamente interpeladas e solicitadas a oferecerem sua contribuição ao fomento do bem-estar
das populações que vivem em seu entorno. Nessa perspectiva, estas assumem novas funções, que se materializam na forma de
serviços à coletividade ou à comunidade (TREMBLAY; VIEIRA, 2011).
Além de um compartilhamento, de uma visão sistêmica do mundo, de uma ética ecológica e do reconhecimento da
importância do diálogo de saberes nos espaços de planejamento e gestão, as estratégias integrativas conduzidas neste nível
refletem a adoção de um ponto de vista essencialmente operacional-pragmático. Elas retiram os pesquisadores de suas “torres
de marfim”, envolvendo-os ativamente no atendimento de demandas sociais urgentes, associadas à construção de saídas viáveis
para os atuais dilemas da civilização industrial-tecnológica (VIEIRA et al., 2010).
Conclusão
Levando em consideração os resultados obtidos no presente trabalho, os dados preliminares obtidos no diagnóstico am-
biental confirmaram a existência de carga de poluentes oriundos da atividade extrativista de mineração, bem como seu depósito
no sistema estuarino e consequentemente no ambiente marinho-costeiro. Dentre vários aspectos a serem melhor aprofundados,
alguns deles poderão contribuir para a reversão do atual processo de degradação da localidade pesquisada e que estão apre-
sentadas a seguir:
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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d) A maior disponibilidade de espaços de socialização e apropriação do conhecimento por parte
da comunidade, na forma de oficinas de capacitação, com o uso de metodologias participativas,
possibilitando uma maior segurança e domínio de informação em audiências públicas e reuniões,
possibilitando uma maior compreensão sobre as atividades desenvolvidas nos processos de
gestão ambiental por parte da APA da Baleia Franca.
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O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO NA PROMOÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM GAROPABA (SC)
Resumo
O artigo propõe o debate a respeito dos vestígios arqueológicos pré-coloniais remanescentes no município de Garopaba (SC),
que integra a APA da Baleia Franca, e suas possibilidades na promoção do desenvolvimento sustentável por meio do turismo
arqueológico. A partir de uma discussão teórica das dimensões política, ideológica e econômica dos processos de patrimoniali-
zação, e do entendimento das dimensões do desenvolvimento sustentável apresentadas por Sachs, compreende-se o patrimônio
cultural (e, por extensão, o arqueológico) enquanto componente fundamental para uma perspectiva de desenvolvimento que não
seja teleológica e economicista. É neste sentido que se apresenta a proposta do turismo arqueológico, potencialmente capaz de
contribuir para alternativas de trabalho e renda e para a proteção e preservação dos sítios arqueológicos existentes na região.
Introdução
O objetivo deste trabalho é debater as possibilidades que os vestígios pré-coloniais apresentam para a promoção do
desenvolvimento sustentável no município de Garopaba, que integra a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca.
A APA da Baleia Franca foi instituída através de Decreto assinado pela Presidência da República em 14 de setembro
de 2000. Abrange uma área de 156 mil hectares do litoral centro-sul de Santa Catarina, com uma extensão de 130 quilômetros
e envolvendo 9 municípios (do sul de Florianópolis a Balneário Rincão). Desta área, 80% é marinha e 20% costeira. Sua gestão
está sob responsabilidade do ICMBio, e conta com um Conselho Gestor (CONAPA) que congrega os diferentes atores do ter-
ritório. O propósito principal da APA é a preservação da Eubalaena australis, que utiliza esta faixa do litoral brasileiro para a sua
reprodução. Dentre o corpo de objetivos que buscam garantir a sustentabilidade do território está o de ordenar o uso turístico
e recreativo da região, a ser contemplado no Plano de Manejo, cuja elaboração está na fase da caracterização e diagnóstico
(ICMBIO, 2015).
Em 2015 o SEBRAE apresentou para a região o Projeto de Fortalecimento do Ecoturismo de Observação de Baleias,
para o qual foi organizado um comitê gestor que reúne diferentes atores territoriais. O projeto propõe articular os municípios de
Garopaba, Imbituba e Laguna em uma perspectiva de planejamento regionalizado do turismo, e tem como principal objetivo
posicionar a região da APA da Baleia Franca, até o ano de 2017, como destino turístico de excelência no segmento de ecoturismo,
obtendo a primeira indicação geográfica de turismo no Brasil1. Entre seus conceitos norteadores está o envolvimento dos atores
locais no desenvolvimento territorial, o que o coloca em diálogo com os propósitos da APA da Baleia Franca, e com as possibili-
dades de uma nova perspectiva para o turismo na região, até este momento centrado no estímulo ao turismo de massa.
Dos três municípios envolvidos no projeto do SEBRAE para a APA, Garopaba apresenta a maior dependência econômica
ao turismo, especialmente o de verão. Esta característica leva a população local a viver de empregos informais e concentrados
principalmente na temporada turística (dezembro a março). Essa sazonalidade implica em uma série de passivos ambientais,
sociais e urbanos.
Considerando os debates travados no contexto da APA da Baleia Franca, principalmente naquilo que diz respeito ao
planejamento de um turismo sustentável, tendo a observação de cetáceos como seu principal atrativo, torna-se oportuno conside-
rar também o patrimônio arqueológico da região, especialmente no município de Garopaba, que apresenta grande diversidade
de sítios arqueológicos. Neste sentido, este trabalho discute o turismo arqueológico como estratégia potencialmente capaz de
1
Conforme apresentado pelo consultor Rafael Freytag ao Comitê Gestor do Projeto, em reunião realizada na Secretaria de Desenvolvimento Regional de Laguna em
julho de 2015.
Na Praia do Santinho, em Florianópolis, até o ano de 1946 os pescadores locais faziam oferendas
e rezavam, pedindo proteção e boa pescaria, em frente a uma arte rupestre com o formato de um
pequeno santo, que era a figura de um antropomorfo com a cabeça constituída por um círculo
concêntrico. Tal “Santinho”, que deu nome à praia, foi arrancado do lugar pelos padres que acha-
vam que aquilo era um sacrilégio e nunca mais foi encontrado. É um caso raro em que um símbolo
sagrado pré-histórico continua sendo sagrado até os dias de hoje (LUCAS, 1996, p.16)
Lucas (1996) relata que após a remoção do “Santinho”, que teria sido levado ao Colégio Catarinense, dos jesuítas, a
comunidade local protestou, cercando a escola e exigindo a devolução da imagem, em claro exemplo de como um vestígio ar-
queológico pode ser reconhecido como patrimônio comum e elemento de identidade. Percebe-se que o tratamento dispensado
ao “Santinho” vai ao encontro do relato de Velho (2006) sobre o terreiro Casa Branca, já que em ambos os casos encontramos a
disputa pelo simbólico mediada por uma sacralidade considerada espúria pela tradição hegemônica. Tradição que é ideológica,
e que influenciará discursos e práticas de desvalorização do patrimônio arqueológico pré-colonial brasileiro, muitas vezes con-
siderado menor e sem valor, como no caso de Garopaba, onde, em 1975, a prefeitura “mandou quebrar a marretadas os amo-
ladores do Costão da Casqueira para aproveitar as pedrinhas negras no calçamento da praça central” (LUCAS, 1996, p. 109).
Ressalta-se que o patrimônio cultural e, neste, o arqueológico, não está dado em si, na medida em que resulta das rela-
ções de poder que o ressignificam. Assim, vestígios do passado, para serem considerados patrimônio, ficam sujeitos a um pro-
cesso de “seleção consciente do que se deseja legar ao futuro, que mostra que algo é valioso individualmente ou socialmente”
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(GUIMARÃES, 2012, p. 6). A patrimonialização como resultado das relações de poder ajuda a explicar, por exemplo, a pequena
quantidade de sítios arqueológicos tombados no Brasil, o baixo investimento na pesquisa e o abandono ao qual muitos sítios es-
tão relegados. Vestígios arqueológicos passam à condição de patrimônio no momento em que são apropriados pela comunidade
e/ou pelo aparato burocrático-estatal como bens comuns aos quais são conferidos sentidos e, muitas vezes, funções. O tipo de
sentido e função conferidos ao patrimônio arqueológico resultam também das disputas em torno das diferentes perspectivas de
desenvolvimento. Najjar e Najjar (2006), ao discutirem o papel educativo do IPHAN, identificam neste o principal sujeito institu-
cional na preservação do patrimônio arqueológico brasileiro. Entretanto, “apesar da Lei que cria o Instituto reconhecer a Arqueo-
logia como produtora de uma memória da nação (...), ela, de fato, nunca foi apropriada como tal” (NAJJAR; NAJJAR, 2006, p. 179).
A razão disto, segundo os autores, está no fato da arqueologia brasileira dedicar-se principalmente às sociedades pré-coloniais, e
de que o reconhecimento da participação destas sociedades na constituição da cultural nacional não é prioridade dos órgãos de
cultura brasileiros. Ou seja, a política relega os sítios arqueológicos brasileiros à destruição, atendendo a interesses simbólicos
e econômicos restritos.
No Brasil, as discussões do patrimônio cultural e, de forma mais recente, do patrimônio arqueológico, reforçaram-se com
as possibilidades de renda que podem resultar do seu aproveitamento, principalmente por meio do turismo cultural. Daí a neces-
sidade de se compreender o patrimônio arqueológico, sua valoração e sua apropriação pela comunidade enquanto patrimônio
cultural e a partir dos debates sobre as perspectivas de desenvolvimento, de modo que sua exploração (quando e onde esta for
estimulada) ocorra a partir das dimensões do desenvolvimento sustentável apresentadas por Sachs (2006a).
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É nesta mesma lógica que Barretto (2009, p. 191), ao discutir o planejamento do turismo cultural/étnico, afirma que “no
ato de planejar turismo étnico, deve-se partir do princípio inerente aos direitos humanos de que, em primeiro lugar, quem pre-
cisa decidir sobre uma economia baseada no turismo ou não são os membros da comunidade.” Brenner (2005, p. 370) também
argumenta neste sentido, afirmando que “todos os esforços para promover o turismo cultural sustentável devem basear-se ab-
solutamente em uma cooperação ativa com as culturas locais”. E Veloso e Cavalcanti, ao discutirem especificamente o turismo
arqueológico, escrevem que este:
Bastos (2008), portanto, defende a participação ativa da comunidade nas diferentes etapas do trabalho arqueológico,
entende o patrimônio arqueológico enquanto patrimônio cultural de uso comum e de alcance social, e acredita que as mudan-
ças de paradigma da Arqueologia ajudam a explicar o interesse de outras atividades econômicas, dentre estas, o turismo, pelo
patrimônio arqueológico. Assim, para além de representar alternativa de renda às populações locais dos sítios arqueológicos, o
envolvimento destas no turismo arqueológico deve representar, em primeiro lugar, um processo educativo que a fará olhar para
o patrimônio arqueológico de modo a valorá-lo simbolicamente. Esta perspectiva remete às reflexões de Sachs (2006a), Max-
Neef (2012) e Sampaio (2005), que defendem como condição para que uma estratégia de desenvolvimento sustentável possa ter
sucesso, a participação dos grupos e comunidades locais enquanto sujeitos do seu próprio desenvolvimento. Já Manzato (2013)
alerta para o fato de que, quando explorado exclusivamente em sua perspectiva econômica, o turismo em sítios arqueológicos
acaba promovendo desequilíbrios. Conforme Guimarães (2012, p. 54), “para o turismo arqueológico, a busca pela sustentabili-
dade deve ser no sentido mais amplo do termo, em todos os seus eixos: ambiental, social, econômico e cultural”.
Portanto, a valoração simbólica dos sítios arqueológicos, somada ao trabalho de educação patrimonial e à valoração
proveniente de sua potencialidade econômica enquanto atrativo turístico e aos produtos daí decorrentes, potencializará as pos-
sibilidades de preservação dos sítios como lugares de identidade e de renda. Assim, podemos partir do pressuposto de que um
projeto que proponha o investimento turístico tendo como atrativo também os vestígios arqueológicos pré-coloniais existentes
no município de Garopaba, necessita prever uma relação dialógica entre poder público (gestor local do turismo), ente federal
(IPHAN) e operadores do turismo principalmente com as populações locais, garantidoras da proteção dos sítios e dos valores
simbólico/identitários a estes relacionados.
A questão em Garopaba
O município de Garopaba, inserido na APA da Baleia Franca, possui uma população de 20.545 habitantes (IBGE, 2014) e
sua principal atividade econômica é o turismo de verão, compreendido entre os meses de dezembro a fevereiro, período em que
a cidade recebe grande fluxo de turistas.
Sua fundação remonta ao estabelecimento de uma armação baleeira em 1793. As armações baleeiras constituíram-se
como o principal empreendimento industrial do período colonial brasileiro no litoral catarinense. A esta armação transferiu-se a
força de trabalho escrava de origem africana, e a presença de seus descendentes é bastante significativa no município, resul-
tando inclusive no reconhecimento de dois quilombos (Aldeia e Morro do Fortunato). É a partir da Armação Baleeira que se inten-
sificou a ocupação de Garopaba, especialmente pelo elemento açoriano, que se dedicou às atividades pesqueiras e agrícolas.
No final da década de 1970 tem início a explosão demográfica de Garopaba, principalmente pela chegada de represen-
tantes da contracultura e surfistas, a maior parte provinda do Rio Grande do Sul. Este movimento migratório dobrou a população
local entre 1977 e 2014, alterando profundamente a paisagem. De pequena cidade dedicada à pesca artesanal, à agricultura e ao
extrativismo da madeira, transformou-se em importante balneário e polo de atração populacional. Sua malha urbana expandiu-se
horizontalmente, avançando sobre áreas até então ocupadas por pastagens e florestas, e seu centro histórico, antiga armação
baleeira em torno da qual se espraiou a antiga vila de pescadores com seu casario de arquitetura de base açoriana e ruas estrei-
tas, é hoje alvo do processo de gentrificação.
Para além das transformações da paisagem urbana, estão as alterações da paisagem cultural. Saberes e fazeres ligados
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Em pesquisa realizada com professores da rede municipal de ensino de Garopaba (COSTA, 2014b), verificou-se que
59% destes profissionais afirmam conhecer os vestígios arqueológicos existentes no município. Ainda que o percentual indique
a maioria dos professores, é alto o número que desconhece estes vestígios (41%), principalmente se consideramos o fato de que
alguns destes sítios, como as oficinas líticas e o sambaqui acima citados, estão localizadas em áreas de fácil acesso e em locais
de grande circulação de pessoas.
Considerações finais
Ainda que o patrimônio arqueológico deva ser estudado e preservado pelo seu valor intrínseco, é sabido que isto dificil-
mente ocorre. Para muitos, o argumento do turismo arqueológico enquanto promotor desta preservação pode soar como uma
espécie de desculpa para incrementar exclusivamente a economia do turismo no âmbito local. Barretto (2007) entretanto, demon-
stra, através de uma série de exemplos distribuídos no Brasil e em diversos países, como o turismo cultural contribuiu para o
fortalecimento e para a promoção de identidades locais e atividades tradicionais e para a preservação de patrimônios materiais
e imateriais em processo de destruição e desaparecimento, não fosse sua apropriação pelas comunidades locais a partir da
valoração destes patrimônios por meio da atividade turística. Embora muitas vezes o investimento no turismo cultural promova
a fetichização de manifestações culturais, quando planejado em diálogo com as comunidades locais, garante a preservação
do patrimônio cultural e fomenta, a partir das forças endógenas, a economia local e o próprio reconhecimento das identidades
locais.
Outro elemento importante a ser considerado está relacionado ao perfil do turista do turismo cultural, já que este, dife-
rentemente do turista do turismo de massa (que atualmente representa o principal investimento da economia do turismo em
Garopaba) tende a impactar menos na realidade local naquilo que diz respeito aos aspectos da degradação da sociedade recep-
tora e seus atrativos. É o que defendem Cooper et al. (2007, p. 280) quando afirmam que “(...) os turistas que pertencem a grupos
de charter ou de massa, provavelmente terão um impacto social e cultural maior que aqueles que pertencem às categorias de
turistas exploradores, aventureiros e étnicos.” Assim, considerando os aspectos teóricos e a caracterização do espaço e dos
vestígios arqueológicos remanescentes no município de Garopaba aqui apresentados, bem como o Projeto de Fortalecimento do
Ecoturismo de Observação de Baleias apresentado pelo SEBRAE a municípios que integram a APA da Baleia Franca, tornam-se
possíveis algumas proposições.
A primeira diz respeito à necessidade de se considerar a presença de importantes vestígios arqueológicos pré-coloniais
em Garopaba quando da discussão de um modelo de desenvolvimento sustentável. Estes vestígios integram o patrimônio pai-
sagístico da cidade, que precisa ser preservado. O modelo de desenvolvimento econômico atual, entretanto, estruturado sobre
a sazonalidade do turismo “sol e mar” não assegura a sustentabilidade, promovendo impactos ambientais, sociais e identitários
significativos.
A segunda diz respeito ao intenso e não planejado crescimento populacional. A constatação implica, além de urgentes
estudos de planejamento urbano, a necessidade de trabalhos de educação patrimonial como meio de desenvolver a cidadania
cultural e o reconhecimento de uma identidade local capaz de dialogar com os elementos exógenos sem se destruir. Este tra-
balho de educação deve considerar os vestígios arqueológicos pré-coloniais, contribuindo para a sua patrimonialização, interpre-
tação e incorporação às narrativas locais.
A terceira considera as possibilidades do turismo arqueológico. Esta segmentação de turismo, por se desenvolver em
espaços frágeis e únicos, exige planejamento, interpretação e participação de diferentes atores: poder público local, poder pú-
blico federal, comunidades locais, entidades privadas e do terceiro setor. Como já apontaram Bastos (2005 e 2008), Guimarães
(2012) e Manzato (2013), o turismo arqueológico sustentável, se planejado em complementaridade a rotas e circuitos que en-
volvam diferentes segmentos turísticos, alguns já existentes em Garopaba e região (turismo, turismo de observação de baleias,
turismo cívico), e outros identificados potencialmente (turismo rural, turismo étnico, turismo comunitário de base local, turismo
gastronômico), pode contribuir para o desenvolvimento sustentável e, por consequência, na ressignificação e proteção dos atuais
vestígios arqueológicos, alçando-os à condição de patrimônio socialmente reconhecido. O turismo arqueológico em Garopaba
pode representar, também, uma alternativa para reduzir à dependência em relação à sazonalidade do turismo de verão e um
estímulo à fixação da população local, na medida em que signifique, também, oportunidade de trabalho e renda.
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Resumo
O estudo avalia reflorestamentos para recuperação de APP em pequenas propriedades da agricultura familiar situadas no Alto
Vale do Itajaí. Foram instaladas parcelas de 100 ou 200 m2, e todas as árvores com DAP a partir de 5 cm foram identificadas e
medidas. A partir dos dados coletados foi calculada a biomassa acima do solo com o uso de equações alométricas, uma regional
e a indicada pelo IPCC. O carbono estocado foi estimado pela multiplicação dos valores de biomassa pelo fator 0,47. Foram
avaliadas as diferenças entre as metodologias de quantificação de biomassa propostas pelo Painel Intergovernamental sobre
Mudanças do Clima (IPCC) e utilizando a equação regional. Os dados obtidos com as equações regional e do IPCC mostram,
respectivamente, biomassa de 371,2 e 371,4 Mg.ha-1 , e estoque de carbono de 155,8 e 155,9 Mg.ha-1 . Os resultados demons-
tram que a contribuição prestada com a manutenção ou recuperação das APP das pequenas propriedades da agricultura familiar
é bastante significativa.
Introdução
O território brasileiro possui cerca de 64% de sua extensão ocupada por florestas nativas (ABRAF, 2006). Desse percen-
tual, 15% correspondem à área do bioma Mata Atlântica. Entretanto, neste bioma hoje restam 8,5 % de remanescentes florestais
acima de 100 hectares. Somados todos os fragmentos de florestas nativas acima de 3 hectares, temos atualmente 12,5% (SOS
MATA ATLÂNTICA, 2015). Apesar da devastação acentuada, a Mata Atlântica abriga enorme riqueza biológica e alto grau de
endemismo, características que contribuíram para torná-la um hotspot, áreas onde são encontradas grandes concentrações de
espécies endêmicas e altas taxas de perda de habitat (MYERS et al., 2000).
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) procura implementar a Redução de
Emissões do Desmatamento e Degradação (REDD), como uma forma de pagamento por serviços ambientais, em que o valor
de armazenamento de carbono pelas florestas ameaçadas por desmatamento e degradação é reconhecido financeiramente
(GHAZOUL et al., 2010). Para operacionalizar esse mecanismo é necessário realizar estimativas confiáveis da biomassa e do car-
bono das florestas. Para obter esta estimativa de biomassa em determinada floresta, são necessários um inventário da vegetação
por meio de parcelas, a aplicação de equações alométricas apropriadas e a extrapolação dos resultados (CHAVE et al., 2004;
HENRY et al., 2010).
Segundo Crow e Schlaegel (1988), as variáveis comumente utilizadas em equações de biomassa são o diâmetro à altura
do peito (DAP) e a altura total (h), podendo, em muitos casos, serem combinadas, gerando a variável (DAP2h). Com relação ao
número de variáveis independentes, Higuchi et al. (1998) citam que modelos de equações alométricas com apenas uma variável
independente (DAP), apresentam resultados tão consistentes quanto os modelos que utilizavam também a altura (h). No entanto,
Santos (1996) afirma que uma equação de biomassa que considera tanto o diâmetro quanto a altura deve produzir estimativas
melhores do que uma equação que utiliza apenas o diâmetro, por causa da informação adicional fornecida pelo conhecimento
da altura.
O carbono estocado por um ecossistema florestal está compartimentado em: 45-55% na biomassa acima do solo (fuste,
casca, galhos e folhas); 20-26% na biomassa abaixo do solo (raízes); 20% no próprio solo (respiração das raízes e respiração
heterotrófica dos micro-organismos edáficos) e 6-8% na serapilheira (MUUKKONEN, 2006; QURESHI et al., 2012). Estes valores,
no entanto, variam conforme o estágio de desenvolvimento da floresta. Segundo Ketterings et al. (2001), a estimativa de biomassa
acima do solo (AGB) é imprescindível aos estudos do balanço global de carbono.
Metodologia
Foram selecionados 10 pequenas propriedades de agricultores familiares, localizadas em três municípios do Alto Vale
do Itajaí (Atalanta, Braço do Trombudo e Taió), onde plantios de restauração de áreas de preservação permanente haviam sido
implantados com apoio da entidade ambientalista Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - APREMAVI. Na
área desses plantios de restauração foram instaladas parcelas de 100 ou 200 m2, onde se efetuou o levantamento propriamente,
com a medição in loco, adotando-se a metodologia consagrada em levantamentos fitossociológicos, registrando-se em todas as
parcelas amostradas dados de DAP e altura de todos os indivíduos, sua identificação taxonômica, seguida de dados qualitativos
da formação, com informações sobre serapilheira, epífitos, lianas e estratificação.
As espécies identificadas tiveram sua denominação em conformidade com a Lista de Espécies da Flora do Brasil (2015),
acessada através da pagina eletrônica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
A estimativa da biomassa acima do solo foi realizada usando-se o método não destrutivo, considerando a biomassa do
fuste e dos compartimentos florestais de ramos e folhas. Foram adotadas duas equações alométricas para esse fim, sendo uma
delas aquela recomendada pelo IPCC e uma regional.
A Equação Regional adotada foi aquela ajustada por Amaro (2010):
BFcc = 0,024530*DAP2,443356*Ht0,423602
em que:
BFcc: biomassa do fuste com casca
A biomassa dos galhos (BGcc) foi estimada considerando que essa representa 25,96% da biomassa do fuste com casca:
BGcc = 0,2596*BFcc
A biomassa estocada nas folhas foi estimada com base em estudos realizados por Drumond (1996), que estabeleceu
que a biomassa das folhas (BFO) representa 4,45% da biomassa do fuste com casca:
BFO = 0,0445* BFcc
A biomassa acima do solo (AGB) foi obtida por meio do somatório da biomassa dos fustes, dos galhos e das folhas:
AGB = BFcc + BGcc + BFO
Adotando a equação recomendada pelo IPCC (2003) a biomassa acima do solo (AGB) foi estimada utilizando-se
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a equação alométrica proposta por Brown, Gillespie e Lugo (1989):
AGB = 34,4703 - 8,0671*DAP + 0,6589*DAP2
em que:
AGB = biomassa acima do solo, em kg; e
DAP = diâmetro à altura do peito, em cm.
O carbono estocado na biomassa foi estimado por meio da multiplicação dos valores de biomassa pelo fator 0,47 para
espécies arbóreas, conforme recomendação do IPCC (2006).
Para análise das diferenças de estocagem de biomassa e carbono entre as distintas metodologias, utilizou-se a equação:
Df: [MIPCC - MREG / MIPCC]*100
em que:
Df = diferença entre as metodologias, em %;
MIPCC = estoque de biomassa e carbono pela metodologia do IPCC, em ton. ha-1; e
MREG = estoque de biomassa e carbono pela metodologia utilizando equações regionais, em ton. ha-1.
Resultados
Os dez plantios de restauração avaliados mostram idades variando de 7 a 28 anos, e a partir do inventário dos mesmos
obteve-se uma media de diâmetro a altura do peito de 15,1 cm, e uma altura média de 8,6 m (Tabela 1).
As principais espécies botânicas amostradas são apresentadas na Tabela 2, dentre as quais figuram a Araucaria
angustifolia, Euterpe edulis, Mimosa scabrella e Handroanthus chrysotrichus como as mais frequentes.
A partir dos dados obtidos nos inventários realizados os valores médios de biomassa e carbono obtidos foram, respec-
tivamente, com a equação regional 371,2 Mg/ha e 155,8 MgC/ha , e com a metodologia do IPCC 371,4 Mg/ha e 155,9 MgC/ha.
A análise dos resultados indica que a diferença dos valores obtidos com as diferentes metodologias foi bastante pequena. Das
10 áreas avaliadas apenas duas apresentaram diferenças superiores a 5%, sendo que a maior diferença observada foi de 6,5%.
Os valores de biomassa variaram de 86,7 Mg/ha a 791,5 Mg/ha. O menor valor esta associado ao plantio mais recente (7 anos);
o valor mais elevado foi obtido num plantio com 12 anos. Dentre os plantios mais antigos (28 anos) o maior valor obtido foi de
404 Mg/ha.
A diferença entre as metodologias empregadas variou de 0,4 a 6,5 %. Apenas em duas áreas amostradas a diferença entre
as metodologias foi superior a 5% (Tabela 1).
Discussão e Conclusões
O método indireto de quantificação de biomassa baseia-se no uso de relações empíricas entre a biomassa e outras
variáveis da árvore (DAP, altura total) (SALATI, 1994), relações essas expressas por meio de modelos estatísticos (SANQUETTA;
BALBINOT, 2004). Esse método é considerado alternativa mais precisa do que o método direto, visto que neste último as infor-
mações obtidas costumam vir de parcelas de pequeno tamanho, em pequeno número e selecionadas de forma intencional,
geralmente em áreas que sejam mais representativas do todo (BROWN; GILLESPIE; LUGO, 1989). Essa conduta pode introduzir
erros de tendência nas estimativas, o que pode levar a super ou subestimativas da biomassa média da floresta avaliada.
As estimativas de biomassa obtidas indiretamente, com a adoção de equações alométricas, é recomendada pelo IPCC,
que recomenda a adoção, sempre que possível, de equações regionais. Essa recomendação procura trazer maior precisão as
estimativas de biomassa e estoques de carbono.
O potencial de estoque de carbono para a região do Alto Vale do Itajaí é conhecido apenas por valores médios adotados
para toda a Mata Atlântica, criando assim generalizações que, em alguns casos, se afastam da realidade regional. A adoção da
equação alométrica regional atende a recomendação do IPCC, já que a mesma foi desenvolvida para uma condição florestal
mais próxima (área de Mata Atlântica), e com adoção de duas entradas, no caso as variáveis DAP e altura. Ao avaliarmos com-
parativamente a equação do IPCC, que adota apenas o DAP como variável, com a equação regional que emprega duas variáveis
(DAP e altura), observamos que os valores obtidos são muito próximos. A maior diferença observada ficou em 6,5%, mostrando-se
praticamente indiferente a escolha da equação. Assim, o emprego da equação do IPCC, pode ser adotado para estimativas de
estoque de carbono na região avaliada.
Os resultados obtidos mostram números bastante promissores, o que pode ser explicado pelo clima regional, os cui-
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dados culturais e notadamente nos casos de APP de margem de curso d´água, a condição particularmente fértil dos solos e a
constante disponibilidade hídrica. As obrigações de restauração de áreas degradadas estabelecidas na legislação, especifica-
mente na lei 12.651, de 25 de maio de 2012, para áreas de preservação permanente e reserva legal de propriedades rurais abrem
a possibilidade de incluir a restauração como uma das estratégias para conservação da Mata Atlântica, e para mitigação dos
efeitos das mudanças climáticas, ampliando assim a importância da função socioambiental das pequenas propriedades rurais
da agricultura familiar.
Já a partir dos 15 anos os plantios atingem valores de estoque de carbono próximo de 100 MgC/ha, destacando assim
o grande potencial dessa região, o que pode ser explicado pelas características típicas da região do Vale do Itajaí, onde as
condições para o desenvolvimento da vegetação florestal são excepcionalmente favoráveis.
Segundo Klein (1979) originalmente quase toda a área do Vale do Itajaí estava coberta por uma luxuriante vegetação
florestal densa e úmida, predominando a mata pluvial da encosta atlântica (Floresta Ombrófila Densa). Serras de pouca altitude
limitam do lado interior uma área caracterizada por florestas densas no interior das quais se desenvolve muitas epífitas e lianas.
Entre os rios da costa catarinense, o de maior vulto, é o Rio Itajaí-açu que banha as terras mais férteis desta região, originadas
por um complexo de rochas pertencentes às mais variadas formações. A pluviosidade na região é elevada, com valores acima
de 1500 mm por ano. As chuvas se distribuem por todos os meses do ano. Quanto à umidade relativa, esta é muito elevada, apre-
sentando médias acima de 85%. O regime térmico mostra maior oscilação, com o mês de julho (o mais frio) apresentando médias
inferiores a 15° C, e com as temperaturas máximas (verão) podendo superar os 40°C. A área do vale do Itajaí é grandemente
resguardada contra os ventos frios do sudoeste, provenientes do planalto e por outro lado é beneficamente influenciada pelas
temperaturas moderadas do oceano. As serras situadas a oeste e sul agem no sentido de conservar mais elevada a temperatura
regional, enquanto o oceano apresenta influencia moderadora. A radiação solar atinge valores próximos a 1800 horas por ano,
enquanto a evaporação é bastante fraca, em virtude do elevado grau de umidade relativa do ar, raramente ultrapassando os
500mm anuais.
Ainda segundo Klein (1979) as características edafo-climáticas da região, altamente favoráveis ao desenvolvimento da
vegetação faz com que o retorno dos plantios de restauração seja altamente promissor, superando a média registrada em ou-
tras regiões ou formações da Mata Atlântica. A adoção de técnicas de condução dos plantios de restauração é outro elemento
importante. Com a adoção de técnicas de condução corretas são otimizados os resultados, tanto na seleção de espécies mais
promissoras como nos cuidados pós-plantio, resultando em ganhos de biomassa significativos. Os plantios de restauração con-
duzidos pela APREMAVI na região do Vale do Itajaí mostram isso, demonstrando de forma objetiva a grande contribuição que
representam para o enfrentamento das mudanças climáticas decorrentes da elevação de emissões antrópicas dos gases de
efeito estufa, notadamente do dióxido de carbono (CO2). Considerando a predominância de pequenas propriedades da agri-
cultura familiar na região, os resultados obtidos indicam que a contribuição delas para a redução de emissões e mitigação dos
efeitos das mudanças climáticas é significativa, e a disseminação de metodologias acessíveis para a quantificação dos estoques
de carbono mostra-se como uma boa alternativa para qualificar as pequenas propriedades da agricultura familiar aos programas
de pagamento por serviços ambientais.
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LA METODOLOGÍA DE GESTIÓN DEL PAISAJE APLICADA EN EL ÁREA DE
PROTECCIÓN AMBIENTAL DE LA BALLENA FRANCA – BRASIL, COMO
INSTRUMENTO DE GESTIÓN TERRITORIAL EN ÁREAS PROTEGIDAS
Resumo
La creación de Áreas de Protección Ambiental (APA) en Brasil está ligada a la necesidad de planificación territorial en áreas de
características biológicas relevantes. Tiene el propósito de promover el uso sostenible de los recursos y organizar la ocupación
del suelo, de modo que se establezca un proceso de desarrollo territorial sostenible. Frente las APA, el APA de la Ballena Franca
(APABF), surge como una referencia en la concepción del nuevo paradigma de gestión territorial. El APABF convive con el de-
safío de conciliar la conservación de los recursos y los valores del territorio con el desarrollo económico y la urbanización. La
gestión del paisaje se presenta como una herramienta novedosa para la gestión en las APAs, a través de la identificación de los
valores y de la integración de las políticas, posibilitando la gestión más integrada y sistémica de los recursos y, especialmente,
de los valores que justifican la existencia y la conservación del área protegida.
Palabras clave: Áreas de Protección Ambiental, APA de la Ballena Franca, Gestión Territorial, Gestión del Paisaje, Valores.
Introdução
Las Áreas de Protección Ambiental (APA) - de acuerdo con el Sistema Nacional de Unidades de Conservación brasileño
(SNUC), ley 9985/2000 - son unidades de conservación ambiental de uso sostenible. La creación de las APA está ligada a la
necesidad de la institución de una planificación territorial en áreas que tengan características biológicas relevantes. Tiene el
propósito de conservar estas áreas, así como, promover el uso sostenible de los recursos y organizarla ocupación del suelo, de
modo que se establezca un proceso de desarrollo territorial - buscando conciliar la protección de los recursos naturales con el
desarrollo económico y social.
La gran mayoría de las APA federales brasileñas (78%) fueron creadas entre los años 80 y 90 y representa todos los bio-
mas. El bioma más bien representado es el Marino, que sumado a la Foresta Atlántica, representa el 46,2% de las áreas protegi-
das del país (ICMBIO, 20141).
Desde su creación, las APA han sido fuente de conflictos con los agentes territoriales (propietarios de tierras, usos del
suelo, explotación de los recursos naturales, etc.). Pero, también, por malas practicas de gestión y porque se integra a una es-
tructura administrativa muy cargada de figuras (CORTE, 1997; MACEDO, 2008; GRANJA, 2009; MARTINS, 2012; MARQUES;
OLIVEIRA, 2012).
En el caso de las APA en el contexto urbano, cuando su territorio abarca varios municipios, y estos tienen la obligación
de elaborar sus Planes Directores, existe el conflicto relacionado con la superposición de las políticas y herramientas de gestión
(GRANJA, 2009).
El APA de la Ballena Franca (APABF), ubicada en la zona costera marina, en el sur del Brasil, con área de 156.100 hec-
táreas, fue creada en 2000 con el objetivo de proteger la especie de la Ballena Franca (Eubalaena australis) – que frecuenta el
área entre los meses de julio y noviembre, sobretodo para reproducirse – y promover el ordenamiento territorial y marítimo en el
área, que implica directamente nueve municipios.
El territorio compuesto por el APABF ha tenido un significativo aumento poblacional desde la década de 1970, pasando
de 326.069 habitantes a 848.494 habitantes en 2010. Un crecimiento del 175%, en 40 años, de población rural (58%) a población
urbana (87%). (IBGE, 1970; 2010). Un proceso que ha comportado transformaciones considerables de los paisajes costeros ma-
rinos y la pérdida de algunos de los valores más singulares del territorio del APA de la Ballena Franca.
1
Disponible en www.icmbio.gov.br, acceso en 15/07/2014.
Metodología
Para el desarrollo de la investigación se ha utilizado el marco teórico metodológico sobre la gestión del paisaje y los va-
lores del paisaje europeo y catalán (NOGUÉ; SALA, 2006; 2009; BUSQUETS; CORTINA, 2009).
Para el análisis de la gestión en el territorio del APA de la Ballena Franca, se ha considerado más allá de sus límites
jurídico políticos. Lo que se ha determinado como territorio del APABF es el área compuesta por los nueve municipios que la
componen. El modelo de análisis se basa en el del GTP (Geossistema-Territorio-Paisaje) (BERTRAND, 2000).
Los actores seleccionados para el análisis han sido: a) Los consejeros del Consejo Gestor del APABF en el periodo 2012-
2014; b) Entrevistas semiestructuradas con actores indicados según muestreo por bola de nieve (COLEMAN, 1958; GOODMAN,
1961); c) Entrevistas semiabiertas con el equipo gestor del APABF; d) Análisis de actas de las reuniones del consejo gestor en
el periodo 2006-2015. Es un trabajo de investigación participante y cualitativo. El análisis de los datos fue hecha a través de la
combinación del método cualitativo deductivo e inductivo, con el uso del software AtlasTi.
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La identificación de los valores es tenida como una de las etapas más importantes de todo el proceso, porque implica la parti-
cipación de los ciudadanos. “[…] no todos los paisajes tienen el mismo significado para la población y, por otro lado, a cada paisaje se
le puede atribuir diferentes valores y en grados distintos, según el agente o individuo que lo percibe”. (NOGUÉ; SALA, 2009, p. 422).
De acuerdo con Nogué y Sala (2009) los valores pueden ser determinados de acuerdo con las siguientes características:
a) Valores estéticos: elementos estéticos ligados al sentimiento de belleza que el paisaje puede transmitir, en función de su signifi-
cado cultural que ha adquirido a lo largo de la historia. b) Valores naturales y ecológicos: elementos que determinan la calidad del
medio ambiente natural, relacionados con las áreas de especial interese natural. c) Valores Productivos: elementos relacionados
con la capacidad de un paisaje de proporcionar beneficios económicos en los diferentes sectores, como el turístico, agrícola,
industrial, mineral, etc. d) Valores históricos: elementos materiales concretos producidos por el ser humano en el paisaje, las
construcciones más relevantes hechas por el hombre a lo largo de la historia. e) Valores de uso social: elementos relacionados
con el ocio, placer, práctica de deportes, terapias, etc. f) Valores religiosos y espirituales: relacionados con las prácticas y cre-
encias religiosas. g) Valores simbólicos e identitários: elementos que poseen una fuerte carga simbólica o de identidad para las
poblaciones locales, teniendo en cuenta la relación de pertenencia.
De acuerdo con Nel.lo (2012) los valores del paisaje se encuentran en riesgo por el impacto de las dinámicas territoriales.
Por este motivo, la preservación de los valores es esencial para el bienestar, la calidad de vida y la cohesión social. Lo que implica
la elaboración de políticas específicas del paisaje, integradas con el planeamiento territorial y urbanístico.
De acurdo con Sala y Moles (2014), cada vez más, las instituciones locales, como los ayuntamientos, ven el paisaje como el
posible motor para su desarrollo: un atractivo local, una señal de civilidad y una vía para incrementar la identidad y la calidad de vida
de las personas. En el contexto de la globalización, la calidad del paisaje puede volverse un factor de diferenciación del territorio
y competitividad para los municipios y la singularización de los territorios, una manera de ser más fuerte frente al mundo global.
Las políticas del paisaje mejor desarrolladas en Europa son aquellas que disponen de estrategias articuladas entre sí y
que cuentan con la participación ciudadana y de los agentes públicos y privados del territorio (SALA; MOLES, 2014). Es decir,
que se acercan a los principios de la gobernanza.
En el contexto de este estudio la gobernanza2 adquiere un papel sustancial, una vez que, en Brasil, el SNUC, prevé que
la gestión de las áreas protegidas cuenta con la participación de la sociedad a través de la formación de un consejo gestor, que
contemple representantes de todos los sectores sociales.
Teniendo en cuenta el marco teórico metodológico de gestión del paisaje, cabe ahora presentar su relación con las APA
en Brasil. Los estudios y los datos sobre las APA, demuestran la importancia que estas unidades han asumido frente al campo de
las unidades de conservación ambiental brasileñas. Asimismo, las APA también poseen ciertas peculiaridades que les confieren
el carácter de territorios ambientales, en el sentido de territorio usado y vivido, material y simbólico.
Las APA son creadas con el objetivo de proteger las áreas de especial interés ecológico y los recursos naturales explota-
dos por las poblaciones tradicionales – y no solo por estas. Estos territorios - en el sentido material concreto - son sobretodo,
territorios jurídico-políticos , controlados por el poder público. Al mismo tiempo, representan el territorio en su dimensión cultural
- en el sentido material, simbólico y de apropiación - a partir del momento en que existen grupos de actores, que pertenecen a
ese territorio, desenvuelven sus actividades y hacen diferentes usos de ellos y les atribuyen diferentes valores. No obstante, con-
stituyen territorios económicos, una vez que sus recursos son aptos, no solo para las comunidades tradicionales, sino también,
para empresas e industrias.
Por lo tanto, el proceso de institución y gestión de áreas de protección, implica reconocer la existencia de los actores que
participan, su relación con el territorio, las territorialidades y los conflictos desencadenados en el uso de los recursos. A partir
del momento en que se reconoce una APA como un territorio, es posible avanzar en el proceso de gestión de la unidad, para el
proceso de gestión territorial. Este es el primer gran avance en el contexto del APA de la Ballena Franca.
El segundo punto de discusión en el presente estudio es la importancia de los valores territoriales, identificados a partir
2
Por gobernanza se entiende el proceso social de planteamiento e gestión de los recursos públicos, “en modo de interdependencia – asociación – coproducción –
corresponsabilidad entre el gobierno y las organizaciones privadas y sociales”. (AGUILAR, 2006 apud BARRAGAN, 2014). Teniendo en cuenta el contexto litoral del
APA de la Ballena Franca, aun considerase aquí el referencial de gobernanza para la gestión integrada de áreas litorales y para los ecosistemas costero marinos, que
además de presentar los principios específicos de la gobernanza, enfoca en el funcionamiento y los limites de este ecosistema (BARRAGAN, 2014).
3
Haesbaert (2013) agrupa la concepción de territorio a partir de tres vertientes: 1) jurídico-política donde el territorio es visto como un espacio delimitado y controlado
generalmente por la figura del Estado. 2) cultural, donde el territorio posee un sentido más subjetivo, producto de la apropiación de un determinado grupo sobre su
espacio. 3) económico, resultado de las relaciones económicas del choque entre las clases sociales.
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Se ha constatado que la mayoría de estas políticas indican la promoción del desarrollo sostenible y la gestión democráti-
ca de los territorios, como medio para alcanzar sus objetivos. Aunque, los gestores del APABF se enfrentan al problema de la
creciente desarticulación y desintegración de los órganos gestores en relación a la ejecución de tales políticas - una vez que sus
objetivos y áreas de implementación se sobreponen.
Figura 1. Escalas de gestión en el territorio del APABF. Siglas: APA (Área de Protección Ambiental), PEST (Parque Estadual Serra Tabuleiro),
GERCO (Gestión Costera), CH (Cuenca Hidrográfica), SDR (Secretaria de Desarrollo Regional), AMREC (Asociación de Municipios de la
Región Carbonífera), AMUREL (Asociación de Municipios de la Región de Laguna), GRANFPOLIS
(Asociación de Municipios de la Grand Florianópolis). Fuente: elaborado por los autores.
De acuerdo con los actores encuestados los principales conflictos pasan por la existencia de políticas urbanas munici-
pales poco claras, o poco conocimiento sobre las políticas que inciden sobre el paisaje del APA. Algunos grupos de actores
presentan una visión distorsionada sobre el APABF, creyendo que esta es un obstáculo al desarrollo de los municipios.
El Consejo Gestor
El Consejo Gestor del APABF (CONAPABF) fue creado en 2005, con la participación de 42 instituciones de represen-
tación de los sectores público, económico y social. El CONAPABF tiene por objetivo garantizar la gestión participativa e integrada
del APABF, a través de acciones que aseguren la protección de la diversidad biológica y cultural, la regulación de la ocupación
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del suelo y la sostenibilidad del uso de los recursos naturales (IBAMA, 2006). El consejo está compuesto 1/3 por institucio-
nes del sector público, 1/3 por los usuarios de los recursos del territorio y 1/3 por ONGs ambientalistas (Figura 2).
Figura 2. Composición del Consejo Gestor por grupo de actores, entre 2006-2014. Fuente: elaborado por los autores.
La representación en el consejo ha variado de acuerdo con el grupo de actores y el periodo de gestión. Sin embargo, se
ha verificado que el sector de usuarios fue el único que siempre ha completado las plazas disponibles (1/3), puesto que, el sector
de las ONGs ambientalistas ha encontrado dificultades para completar 1/3 de las plazas en el CONAPABF.
Otro factor a ser considerado, es que el municipio de Imbituba fue el que siempre tuvo más representaciones en el con-
sejo; y que los municipios de Paulo Lopes y Palhoça estuvieron sin representantes hasta 2014, cuando Palhoça ingresó con un rep-
resentante en el sector de usuarios. Actualmente, de los nueve ayuntamientos, apenas cuatro tienen representación en el consejo.
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Sobre las políticas, el territorio del APABF cuenta con una serie de políticas a diferentes escalas de gestión, que están de-
sarticuladas entre sí y su superposición compromete la efectiva gestión de los recursos, una vez que, en algunos casos, como en
los planes directores municipales, presentan incoherencias en el uso y ocupación del suelo con la conservación de los recursos
y sus valores.
Entre los valores identificados, se ha verificado que los actores, en general, reconocen dos grandes ejes: uno, ligado a
los valores estéticos y los ecológicos; otro, ligado a los valores simbólicos y de identidad. Sin embargo, en sus discursos apuntan
otros valores y otras categorías mucho más específicas y propias del territorio, que pueden contribuir a la gestión del APABF.
La gestión del paisaje posee visión sistémica, integradora, más amplia, de mejora constante del paisaje y se presenta
como una importante herramienta de gestión de territorios en áreas de protección ambiental, porque presupone la concertación
entre los actores envueltos en la mejora de la calidad del paisaje y de la conservación de sus valores.
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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AS MULHERES EXTRATIVISTAS NA RESEX MARINHA DO PIRAJUBAÉ:
DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE VALORIZAÇÃO DOS SABERES E
HABILIDADES FEMININAS NO DESENVOLVIMENTO DAS
ATIVIDADES DA PESCA ARTESANAL
1. Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, Reserva Extrativista Marinha do
Pirajubaé. laci.santin@icmbio.gov.br 2. Doutoranda do PPG em Conservação Integrativa e Antropologia,
Universidade da Georgia - USA. eyhorton@uga.edu
Resumo
O objetivo deste artigo é refletir sobre as relações de gênero e o papel das mulheres na Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé
(RESEX Pirajubaé). Apesar da importância das contribuições das mulheres nas atividades da pesca, existem grandes lacunas de
informação sobre o papel das mulheres na RESEX Pirajubaé, bem como sobre sua participação pública, historicamente limitada.
Este artigo tem por finalidade destacar a necessidade de se aprofundar no entendimento das relações de gênero na pesca e
de promover uma maior inclusão e visibilidade das mulheres nesta área protegida. As autoras se propõem ainda, por meio de
uma troca colaborativa de conhecimentos, a sensibilizar sobre a necessidade de realizar estudos aprofundados sobre o papel
das mulheres na cadeia produtiva das atividades extrativistas e sua importância na reprodução da cultura e modo de vida das
populações pesqueiras.
Palavras-Chave: Relações de Gênero, Pesca, Reserva Extrativista Marinha, Gênero e Desenvolvimento, Inclusão Social.
Introdução
Reservas extrativistas: do terrestre à marinha
Ao longo das últimas três décadas as Reservas Extrativistas (RESEX), uma categoria de unidade de conservação de uso
sustentável, se espalharam por todo o Brasil. O objetivo das RESEX é salvaguardar os meios de subsistência e culturas das popu-
lações tradicionais e conservar os recursos naturais (DE MOURA et al., 2009, p. 618). Embora este modelo de área protegida
tenha se originado das lutas de grupos amazônicos para garantir o acesso aos territórios e o uso de recursos naturais essenciais
para o modo de vida e cultura dessas populações, especialmente dos seringueiros (GLASER & OLIVEIRA, 2004, p. 226; DE
MOURA et al., op. cit., p. 618), em tempos mais recentes, uma segunda geração de reservas extrativistas surgiu em ambientes
marinhos ao longo do litoral do Brasil. São as chamadas Reservas Extrativistas Marinhas ou Marinho-Costeiras, que hoje somam
aproximadamente 19 RESEX ao longo do litoral brasileiro, abrangendo cerca de 835 mil hectares (SANDERS; GREBOVAL;
HJORT, 2011, p.14). As RESEX marinhas representam um dos esforços mais significativos do governo federal para a proteção
dos recursos de uso comum dos pescadores artesanais, através da cogestão (DE MOURA et al., op. cit., p. 617), um processo
em que os governos e as comunidades partilham poder e responsabilidades (SILVA, 2004, p. 419).
Este artigo se centra na dinâmica do gênero na primeira reserva extrativista marinha criada no Brasil, a Reserva Extra-
tivista Marinha do Pirajubaé (RESEX Pirajubaé), uma unidade de conservação urbana localizada no bairro da Costeira do Pira-
jubaé, junto à baía sul da ilha de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. O escopo deste trabalho se limita a fazer uma
introdução à questão de gênero na RESEX, discutindo gênero, desenvolvimento e inclusão social das populações tradicionais,
sem a pretensão de aprofundar nas discussões sobre teoria de gênero neste momento, o que requereria de estudos e pesquisas
mais abrangentes.
Gênero e mulheres
Embora o foco deste artigo seja sobre mulheres e gênero, deve-se enfatizar que sexo e gênero não é a mesma coisa
(BENNETT, 2005, p. 452), uma vez que sexo se refere a diferenças biológicas entre homens e mulheres e gênero se refere aos
papéis socialmente construídos e que são atribuídos a cada sexo. Assim, a análise de gênero considera os papeis de homens
Gênero e desenvolvimento
Desde a década de 1980, a questão de gênero dentro do contexto de desenvolvimento tem recebido cada vez mais aten-
ção (BENNETT, 2005, p. 453). A inclusão da perspectiva de gênero é uma abordagem adotada por inúmeras entidades, tais como
o Banco Mundial, para garantir “que o gênero seja incorporado em todos os níveis do processo de desenvolvimento, em todos
os níveis da elaboração de políticas, planejamento orçamentário e de avaliação, de modo que ele seja integrado na forma como
o governo opera” (BENNETT, op. cit.).
Apesar de muitos elogiarem essa incorporação sistêmica das questões de gênero em programas formais, esta visão
não é isenta de críticas. Por exemplo, a tendência em se confundir gênero com mulheres traz como consequência que ho-
mens, igualmente em situação de vulnerabilidade social, são muitas vezes excluídos de programas de desenvolvimento com
foco em gênero (NYANCHAM-OKEMWA, 2000, p. 4). Algumas posições contrárias às políticas neoliberais argumentam que a
atenção do Banco Mundial à questão de gênero no desenvolvimento econômico é realmente uma maneira de incorporar mais
mulheres ao mercado e, portanto, coloca-as em risco de serem reduzidas à produtoras e comerciantes (BENNETT, op. cit., p.
453). Outros criticam as iniciativas de desenvolvimento focado no gênero por assumir que as mulheres são vítimas de estruturas
patriarcais, tratando-as como receptoras passivas do desenvolvimento focado no gênero, ao mesmo tempo em que assumem
que os membros das redes de mulheres são homogêneas e mutuamente preocupados com a abordagem de questões comuns
(NYANCHAM-OKEMWA, op. cit., p. 3). Finalmente, alguns destacam que o conceito de gênero é uma construção sociocultural
em grande parte baseada em tradições filosóficas ocidentais e europeias e que muitas vezes não se encaixa facilmente dentro
de outros contextos socioculturais, observando que seria uma falácia supor que a equidade de gênero e emancipação feminina
são verdades e objetivos universais (BENNETT, op. cit., p. 452).
Tais críticas podem ajudar profissionais e acadêmicos a serem mais cautelosos em relação a aceitação e propensão
enquanto ao aumento da sensibilidade nas inter-relações e interconexão entre os sexos masculinos e femininos (BENNETT, op.
cit., p. 453). No entanto, apesar dessas críticas, e devido às desigualdades observadas, é crescente a atenção dada a questão de
gênero e ao papel das mulheres na pesca.
Gênero e pesca
Embora o envolvimento das mulheres na captura, processamento, finanças e comercialização da pesca seja essencial, o
papel destas e as dinâmicas de gênero na gestão e políticas da pesca é frequentemente ignorado e pouco estudado (HARPER
et al., 2014, p. 56). Lacunas de informação podem ser agravadas pelo discurso acadêmico que repete narrativas dominantes (por
exemplo, pesca como masculino) e torna as perspectivas femininas silenciosas ou invisíveis (WOORTMANN, 1992, p. 2). Muitos
dos que trabalham em questões de gênero e de pesca ao longo da última década, quase por unanimidade, concordam que um
dos principais obstáculos para a melhoria da equidade de gênero é a falta de dados desagregados por gênero em atividades
relacionadas com a pesca (HARPER et al., op. cit., p. 57). Há também uma necessidade de compreender a relativa ausência de
mulheres nos processos de co-gestão costeira dos recursos marinhos e os fatores que encorajam (ou desencorajam) a partici-
pação das mulheres nesses processos, e potenciais conexões com as questões de gênero (DI CIOMMO & SCHIAVETTI, op.
cit., p. 16).
Como destacam Di Ciommo e Schiavetti (2012), quando a gestão dos recursos naturais nas comunidades pesqueiras
é baseada predominantemente na população masculina, é difícil entender a amplitude das ameaças de recursos, conflitos e
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oportunidades disponíveis. A promoção da participação das mulheres nos processos de gestão pode ter implicações impor-
tantes para a redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida das mulheres e suas famílias (HARPER et al., op. cit., p. 56; DI
CIOMMO & SCHIAVETTI, op. cit., p. 17). As mulheres têm muito a contribuir, inclusive em termos de conhecimentos, inovação,
perspectiva, experiência e habilidades. Além disso, incluir a sensibilidade de gênero nos processos de gestão é especialmente
importante considerando que, enquanto mulheres e homens muitas vezes têm desafios e necessidades semelhantes, algumas
questões são específicas para os homens e outras para as mulheres (DI CIOMMO & SCHIAVETTI, op. cit., p. 22).
A identidade como pescador, da mesma maneira como acontece na agricultura, historicamente é atribuída aos homens
pelas relações externas que estabelecem, em especial, financeiramente com o mercado. Já as relações internas na família e na
comunidade são fortalecidas e mantidas pelas mulheres. É a mãe e esposa que cuida da saúde, alimentação e religiosidade da
família (SANTIN, 2004, p. 235). O trabalho da mulher, mesmo sem contar a dupla jornada feminina, é tratado como “leve”, com remu-
neração inferior ao homem, no entanto, e considerando que ambos os trabalhos requeiram o mesmo número de horas, “o esforço
físico exigido por um tem como contraponto a habilidade, a paciência e a rapidez requeridas pelo outro” (PAULILO, 1987, p. 67).
Metodologia
Este trabalho foi elaborado a partir da experiência conjunta das autoras. A partir de estágio realizado por uma das autoras
junto à RESEX Pirajubaé/SC, nos meses de junho e julho de 2015, complementado com experiência em acompanhamento de
pesquisas de campo na RESEX Marinha de Cururupu/MA, no ano de 2014, e ampliado com a experiência profissional da outra
autora que trabalha como analista ambiental no ICMBio, sendo os últimos cinco anos junto a Reserva Extrativista Marinha do
Pirajubaé. Também foram realizadas análises de publicações e pesquisas sobre a RESEX Pirajubaé, artigos científicos sobre
gênero e pesca e dados secundários, como participação em reuniões e atividades em grupo com os(as) extrativistas, conversas
informais com extrativistas e suas famílias (homens e mulheres) e observação participante.
Resultados e Discussão
A Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé foi a primeira reserva extrativista marinha criada no Brasil, em junho de 1992,
mediante o Decreto Federal nº. 533 de 20 de maio de 1992. A RESEX Pirajubaé tem por finalidade assegurar o uso sustentável e
a conservação dos seus recursos naturais, protegendo os meios de vida e cultura das populações tradicionais que utilizam esses
recursos. Possui uma área real de 1.712 ha, composta por 759 ha de mangue e 953 ha de área marítima, onde pescadores arte-
sanais e coletores do molusco bivalve conhecido como berbigão (Anomalocardia brasiliana) extraem os recursos que permitem
a manutenção do modo de vida e reprodução social dessas populações.
O mangue e os bancos de areia da RESEX oferecem condições para a reprodução, alimentação e crescimento de diver-
sas espécies de peixes, moluscos e crustáceos que são capturados no interior e fora da unidade de conservação. Por dispor do
maior e o menos alterado manguezal na baía sul da ilha de Florianópolis, este ecossistema também contribui indiretamente na
manutenção dos estoques pesqueiros da região.
“em sua maioria mulheres dos extrativistas, as quais, embora não trabalhem no mar, estão intima-
mente relacionadas com a cadeira produtiva do berbigão, pois todo produto antes de ser comer-
cializado tem que passar pelas mãos delas” (TEBET, 2013, p. 41).
Ao fornecer uma visão histórica da área da reserva, o autor menciona as famílias locais em diversas ocasiões, no entanto,
há uma discussão limitada sobre as funções específicas de mulheres e homens no contexto familiar.
O terceiro documento revisado foi um estudo antropológico encomendado pela RESEX Pirajubaé como requisito prévio
para o cumprimento de condicionante ambiental de educação ambiental integrante do “Processo de Autorização de Licencia-
mento Ambiental da Rodovia Diomício de Freitas e Acesso ao Novo Terminal de Passageiros do Aeroporto de Florianópolis”
(PROSUL, 2014, p.5). O documento foi elaborado pela empresa PROSUL e publicado em 2014. Os autores relatam que mais
de 100 pessoas foram entrevistadas para o estudo com base no cadastro dos extrativistas (em sua maioria do sexo masculino)
cedido pelo ICMBio (PROSUL, op. cit., p. 5 e 12).
Apesar de o estudo ter como objetivo “identificar e descrever as habilidades, saberes, agentes, gênero e gerações en-
volvidos na atividade extrativista local” (PROSUL, op. cit., p.5), a menção de gênero no documento é muito limitada Os autores
discutem brevemente o desconche de berbigão, que é comumente realizado pelas mulheres (PROSUL, op. cit., p. 33). Eles
também fornecem informações sobre a cadeia produtiva do berbigão e alguns desafios econômicos e laborais que famílias extra-
tivistas enfrentam (PROSUL, op. cit., p. 35-36). Dentro deste contexto, um extrativista é citado desabafando sobre as dificuldades
que ele e sua esposa enfrentam:
“Aqui a gente trabalha como um escravo para o atravessador... ela descascava quinze, vinte, trinta
quilos de berbigão em um dia [referindo-se a esposa]. Começava as seis horas da manhã e ia até
as dez horas da noite. E o que foi que eu ganhei na vida? Problema na coluna” (PROSUL, op. cit.,
p. 35-36).
No documento também se faz uma referência explícita ao gênero em relação às tensões entre moradores “tradicionais”
e moradores que vivem há menos tempo na região e que usam a área de Reserva. Os autores atribuem os conflitos entre esses
grupos às diferenças em “características de valorização da unidade familiar, de gênero, e no exercício das atividades domésticas
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e culturais” (PROSUL, op. cit., p. 41), no entanto, não existe uma análise mais profunda do tema.
Note-se que esse estudo não atingiu completamente seus objetivos declarados da investigação e no Termo de Referên-
cia proposto, não tendo sido, por este motivo, aceito como um estudo que atenda a demanda requerida pelo ICMBio/RESEX,
e a condicionante foi considerada não cumprida. Neste contexto, é relevante questionar a efetividade de se realizar um estudo
antropológico por uma empresa contratada que está diretamente ligada aos impactos socioambientais potencialmente negativos
sobre as populações locais estudadas.
A quarta publicação é um livro denominado “A Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé: sujeitos, memórias e saberes
etnobiológicos”, organizado pela professora Liz Ribas (RIBAS, 2014) como produto de pesquisa etnobiológica, escrito em co-
autoria e com a participação efetiva de dez extrativistas (7 homens e 3 mulheres) da RESEX. Esta publicação foi bem recebida
pelos autores participantes devido à inclusão dos atores locais e a valorização de seus conhecimentos e perspectivas. Assim, ele
pode servir como um modelo metodológico para futuras publicações de pesquisa colaborativa que incorporam explicitamente
considerações de gênero e mulheres.
De todas as publicações esta é a que tem mais informações sobre as descascadeiras. Quando o desconche de ber-
bigão não é feito pela pessoa que o extrai (normalmente do sexo masculino), este é feito muitas vezes por outros membros da
família, especialmente mulheres (esposas, mães, tias) (RIBAS, 2014, p. 28). Ribas observa que, apesar do fato de os meios de
subsistência de muitas mulheres dependerem diretamente desse recurso, as descascadeiras normalmente não são cadastradas
e formalmente reconhecidas como extrativistas na reserva. O informante Nº 5 comenta sobre esta situação, bem como sobre o
contexto laboral de desconchamento:
“Assim, é uma polêmica bem grande, dentro da associação, reconhecer as descascadeiras como
extrativistas – eu acho que tem que reconhecer. Elas vivem (indiretamente) do extrativismo! [...] eu
sempre digo: “eu prefiro tirar (extrair) do que ficar aqui descascando”. Porque aqui [na atividade
de “desconchamento”] é mais psicológico a coisa, porque é muito repetitivo, e muito quietinho, né
[...]. Trabalham de segunda a sexta-feira e de sábado até meio dia. Então, é muito sofrido! O braço
não vai ficar apoiado – tem que ficar suspenso porque tem que trabalhar com a mão aqui: isso aí
cansa! Daí dói as costas, porque fica aqui (Informante Nº 5)” (RIBAS, 2014, p. 28-29).
Ribas (2014, p. 29) também observa que, embora a pesquisa sobre descascadeiras não foi feita para esta publicação,
são necessários mais estudos sobre as pessoas que participam desta atividade. Como os mercados locais têm preferência pelo
berbigão sem casca, as pessoas envolvidas no “desconchamento” desempenham um papel muito importante na cadeia produ-
tiva. No entanto, a valorização do trabalho e a compensação financeira que as mulheres recebem para a realização desta tarefa
tediosa é notavelmente baixa. Por exemplo, um informante relatou que, em média, uma descascadeira ganha 150-200 reais por
semana, trabalhando o dia todo (RIBAS, op. cit., p. 73-74). Também, de acordo a mesma autora, é relevante considerar que, para
obter cerca de 1,2 kg de carne (berbigão sem casca) requer descascar aproximadamente 20 kg de berbigão.
Por sua vez, a publicação de Ribas (op. cit.), além de observar o papel das mulheres na produção de berbigão, também
menciona brevemente o envolvimento histórico das mulheres na extração deste molusco. Um informante descreve como, no pas-
sado, as mulheres iam para uma determinada praia para recolher manualmente o berbigão, cujas conchas eram então vendidas
a uma fábrica local de cal.
Acredita-se que em estudos futuros, uma reexploração da história das diversas perspectivas, incluindo as das mulheres,
poderia ajudar enriquecer a compreensão sobre o contexto atual da reserva.
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Na escala federal, essa invisibilidade se manifesta na política de reconhecimento formal, o que tem implicações legais
importantes em termos de benefícios, proteção social, e acesso a recursos. De acordo a Gerber (op. cit.), “o Ministério da Pesca
e o INSS mal reconhecem a existência de mulheres pescadoras, essas profissionais são privadas de outros benefícios, como o
auxílio-maternidade e o seguro defeso”. A antropóloga também observa que para se aposentar, são consideradas ‘esposas de
pescadores’. Caso o marido não trabalhe com pesca elas têm dificuldade de acesso ao direito à aposentadoria.
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Silva, Celson Roberto Canto1; Cunha, Aline Moraes2; Bazotti, Leandro dos Santos3 & Nascimento, Cristina Alves4
Resumo
O presente artigo faz a reflexão sobre uma experiência de formação e organização de condutores ambientais locais, realizada
a partir de 2012, pelo IFRS, Campus Porto Alegre, através do PRONATEC. Para a correta compreensão da construção teórica
e prática realizada, o artigo inicia pelo resgate conceitual e histórico do Turismo Sustentável e do Ecoturismo em Unidades de
Conservação, passando ao necessário esclarecimento sobre o papel dos condutores ambientais locais e o reconhecimento
da atividade. Em seguida, trata das metodologias empregadas nos cursos e os resultados alcançados. Com esta configuração
busca compartilhar uma experiência exitosa, colaborando na construção de novas alternativas de estruturação do Turismo Sus-
tentável, que promovam a educação ambiental, a conservação da natureza e a geração de renda, agregando as comunidades do
entorno às Unidades de Conservação.
Turismo Sustentável
Na busca por um turismo que valorize a diversidade e proporcione experiências individualizadas, através da diferen-
ciação de atrativos, produtos e serviços, valorizando e preservando os patrimônios naturais e culturais dos destinos, o turismo
é reconhecido como um conjunto de relações humanas que, amparado por um sistema, ultrapassa as fronteiras econômicas,
financeiras e industriais, situando-se numa dimensão que sintetiza o conhecimento científico e as aspirações dos indivíduos
(MOLINA, 2005).
O turismo figura o campo das ciências sociais através da sociologia e da antropologia. A primeira constrói um olhar ex-
terno, adquirindo seu papel na organização e no processo social como um todo. A segunda tenta avaliar a sua dinâmica interna,
considerando suas dimensões culturais e interculturais (STEIL, 2002).
Segundo Steil (2002), a formação de uma área de estudos sobre o turismo nas ciências sociais é antecedida por Veblen,
no livro The theory of the leisure class, lançado em 1889, e considerado o primeiro trabalho sociológico sobre o turismo. A
publicação refere-se à evolução do lazer no processo de constituição das classes sociais, estabelecendo uma associação entre
turismo e lazer. O autor constata que o lazer, o qual caracterizou a elite aristocrática pré-capitalista, também passa a ser assumido
pela nova elite, que também passa, em um mundo fundado sobre o valor absoluto do trabalho a ostentar como meio de distinção,
a sua inatividade em forma de lazer.
Na França, em 1950, ainda de acordo com Steil (2002), o sociólogo Friedmann destacou o lazer como uma experiência
de recomposição da personalidade do trabalhador, fragmentada pelo trabalho mecânico que se generalizou após a Segunda
Guerra Mundial, através do modelo fordista de produção industrial. Esta análise, em contraposição à tese do lazer alienado e os-
tentatório, apresenta pela primeira vez o lazer compensatório, tendo as férias como “cano de escape para as tensões produzidas
pela atividade produtiva” (STEIL, 2002, p. 54).
Seguindo na interpretação do turismo no campo da sociologia, Steil (2002) aponta três correntes, de relevante importân-
cia: a primeira é o “simulacro do real”, a segunda “os estudos da religião através da teoria dos rituais” e a terceira o “turismo e
consumo”. Tomamos aqui apenas a terceira corrente, apoiada por Campbell (1987) e Urry (1996) que, com a classificação das
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como um todo, passa-se a planejar no Brasil estratégias para o desenvolvimento do setor de forma sustentável. Desta forma, o
MTUR destacou como elemento norteador de suas ações, que a relação entre o turismo e a sustentabilidade deveria seguir os
princípios da sustentabilidade ambiental, econômica, sociocultural e político-institucional (MTUR, 2010).
Com o intuito de desenvolver produtos turísticos sustentáveis em harmonia com o meio ambiente e a cultura local, fa-
zendo com que as comunidades deixem de ser apenas espectadoras do processo de estruturação do setor, foi adotado também
no Brasil o conceito de Turismo Sustentável, elaborado pela Organização Mundial do Turismo (OMT), que o define como:
Com esta reflexão quanto ao turismo, suas interfaces conceituais e a delimitação de novos paradigmas na busca de um
“novo turismo” que o seja sustentável, passamos a considerar na próxima seção estratégias de aproximação entre visitantes e
visitados, que buscam proporcionar maior interação e valorização dos saberes e fazeres locais, ao mesmo tempo em que gerem
renda, melhoria de autoestima, oportunidades de equidade e autonomia.
[...] espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com ca-
racterísticas naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Publico, com objetivos de con-
servação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção (BRASIL, 2000).
Machado (2005) ressalva que as UC são áreas protegidas para manter espaços naturais de valor, evitando assim, a destru-
ição de seus ecossistemas. Essas unidades buscam, entre outras coisas, meios que tornem propícia a interação do homem com
o meio ambiente.
As UC que integram o SNUC estão divididas em dois grupos com características próprias, denominadas: Unidades de
Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável (COSTA, 2002). As Unidades de Proteção Integral têm o objetivo de preservar a
natureza de forma a assegurar a manutenção dos ecossistemas, sendo permitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais,
exceto os casos previstos na lei. São elas: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, e Refúgio
de Vida Silvestre (BRASIL, 2000). Irving (2002) acrescenta que a visitação é permitida apenas nas três últimas tipologias, porém
precisa estar sujeita às normas do Plano de Manejo.
Já as Unidades de Conservação de Uso Sustentável têm o objetivo de conservação da natureza, compatibilizado com o
uso sustentável de uma parcela dos seus recursos naturais. São elas: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse
Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, e Reserva Par-
ticular do Patrimônio Natural, categoria que permite visitação para recreação e lazer (BRASIL, 2000).
Segundo Bensusan (2006), a UC que serviu de exemplo para o Brasil e para o mundo foi o Parque Nacional de Yellow-
stone, criado em 1872, nos Estados Unidos, pois este foi o primeiro espaço legalmente protegido destinado à utilização pública
no mundo. No Brasil, segundo Machado (2005), o primeiro parque a ser criado, em 1937, no Rio de Janeiro, foi o Parque Nacional
de Itatiaia, com finalidades científicas e turísticas.
Em se tratando de segmento turístico em expansão no Brasil, que se apresenta como alternativa ampla e viável para a
promoção de processos de desenvolvimento em território nacional, Oliveira Junior (2010) destaca o entendimento quanto à es-
sência conflituosa do Ecoturismo. Assim, aponta que parte dos autores e especialistas em Ecoturismo estudados por ele refere-
se a uma mudança de percepção com relação à natureza, em que esta deixa de ser vista apenas como fornecedora de recursos
e passa a ser vista enquanto capital e reserva futura de valores, sendo influenciada também pelas novas tecnologias que através
de novas formas de utilização/exploração passam a considerar a natureza também como produto ou mercadoria. Partindo desta
reflexão, ressalta que “o ecoturismo é um fenômeno recente, cuja complexidade abrange questões socioeconômicas, políticas,
É um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cul-
tural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através
da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas (MACHADO,
2005. p. 27).
Conceito este que posteriormente foi adotado pelo Ministério do Turismo brasileiro, como conceito oficial de ecoturismo
no Brasil, a ser norteador das políticas públicas direcionadas ao segmento (MTUR, 2010).
Quanto aos destinos de Ecoturismo no estado do Rio Grande do Sul, Machado (2005) afirma que as iniciativas concretas
de projetos ecológicos para o Turismo tiveram início em 1991, com a criação da Comissão Estadual de Turismo Ecológico -
CETE, que era integrada pela Companhia Rio-grandense de Turismo - CRTUR, IBAMA/RS, Departamento de Recursos Naturais
Renováveis, Secretaria Estadual da Agricultura e a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul -FZB.
Considerando a relevância das UC como importantes ferramentas de conservação e manutenção da integridade da bio-
diversidade e dos processos naturais, elas têm se firmado como espaço ideal para as práticas de Ecoturismo e suas diversifica-
das atividades, em conformidade com o MTUR (MTUR, 2010), que observa a possibilidade de desenvolvimento de uma grande
variedade de atividades no âmbito do Ecoturismo, ressalvando que:
Ainda de acordo com este Ministério (MTUR, 2010), as atividades ecoturísticas mais frequentes e permitidas em UC são:
observação de fauna e flora; observação de formações geológicas, que consiste geralmente em caminhada por área com carac-
terísticas geológicas peculiares e que oferecem condições para discussão da origem dos ambientes, sua idade e outros fatores;
mergulho livre no mar, rios, lagos ou cavernas; caminhadas de um ou mais dias; safáris fotográficos para registrar paisagens
singulares ou animais; trilhas interpretativas, com percursos autoguiados ou com acompanhamento de profissionais qualificados.
Segundo Vallejo (2013), a visitação representaria uma atividade de grande potencial para incrementar os recursos
econômicos em UC. Tratando-se dos benefícios econômicos, por exemplo, Medeiros e Young (2011) concluíram que um incre-
mento da visitação nas UC federais e estaduais brasileiras poderia gerar o rendimento anual de cerca de R$ 2,2 bilhões.
Como o Ecoturismo e suas atividades utilizam os recursos naturais e culturais do local, é essencial que ele se desenvolva
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com base nos princípios sustentáveis, estimulando o desenvolvimento em longo prazo, a preservação permanente da biodi-
versidade local e a justiça social com a população. Com este entendimento, passamos a tratar da somatória do ecoturismo ao
desenvolvimento sustentável.
Quanto ao Condutor de Turismo de Aventura, foram atribuídas responsabilidades através de normas técnicas criadas através
de parceria firmada entre o MTUR e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) através do Programa Aventura Segura
(PAS), que deu direcionamento ao segmento no Brasil, sendo reconhecido internacionalmente por esta iniciativa (ABETA, 2009).
De acordo com o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE, 2014) “é apropriado que se estabeleçam
requisitos focalizados nas competências mínimas consideradas essenciais e necessárias aos profissionais que atuam como con-
dutores de Turismo de Aventura”. Neste sentido, o MTUR também colaborou ao lançar o manual de boas práticas do condutor,
que aponta as competências e responsabilidades necessárias à atuação profissional destes.
Apesar da NBR 15285 “Competência de Pessoal”, que diz respeito às competências mínimas para o condutor de turismo
de aventura, não fazer parte do arcabouço legal brasileiro, assim como o condutor ambiental e o guia de turismo especializado
em atrativos naturais, ou ainda conforme a NBR 15331, referente ao sistema de gestão da segurança, que se tornou obrigatório
quando promulgado o Decreto de 2010 que regulamenta a Lei Geral do Turismo nº 11.771/2008, é oportuno os condutores ambi-
entais se apropriarem dos procedimentos descritos neste manual, pois ele aborda relevantes competências pertinentes a todo o
profissional que atua em meio a natureza. No caso de algum sinistro, por exemplo, não havendo lei especifica, o aparato jurídico
pode fazer valer as normas técnicas existentes em áreas correlatas, ou seja, é de sua responsabilidade estar informado sobre as
recomendações presentes nas NBRs.
A formalização do condutor ambiental propriamente dita ocorreu através da Instrução Normativa do ICMBio nº 08/2008,
que estabelece “normas e procedimentos para a prestação de serviços vinculados à visitação e ao turismo em Unidades de Con-
servação Federais por condutores de visitantes” (ICMBIO, 2008), de forma a dar acesso às comunidades de entorno para que
atuem nestas UC, desde que atendam as demandas de qualificação estipuladas na normativa.
[...] o profissional que recebe capacitação específica para atuar em determinada unidade, ca-
dastrado no órgão gestor, e com a atribuição de conduzir visitantes em espaços naturais e/ou
áreas legalmente protegidas, apresentando conhecimentos ecológicos vivenciais, específicos da
localidade em que atua, estando permitido conduzir apenas nos limites desta área. (MTUR, 2014).
Partindo das reflexões teóricas abordadas, passamos ao relato da experiência realizada no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul -IFRS, Campus Porto Alegre.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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legislação semelhante. A proposta foi elaborada, apresentada e encontra-se em processo de avaliação pelo órgão.
Entre 2013 e 2014, a Associação elaborou de maneira coletiva seu Estatuto Social, uma medida fundamental para sua
oficialização. Sendo assim, em 31 de março de 2014, ocorreu a Assembleia de Fundação da APACA, realizada no IFRS, Campus
Porto Alegre. A reunião contou com a participação de 15 pessoas, as quais se tornaram os associados fundadores da entidade.
Desde 2014, em parceria com a Incubadora Tecno-Social do IFRS – Campus Porto Alegre, a Associação participa de pro-
jeto de pesquisa e extensão desenvolvido junto ao Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC),
realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Este projeto possibilitou o desenvolvi-
mento de duas capacitações continuadas para os associados da APACA, em Parques Naturais Municipais de Porto Alegre,
focando nos conhecimentos práticos relacionados à área, como o histórico das UC, à avifauna e flora local, além de capacitação
em dinâmicas de grupo em áreas naturais e elaboração de projetos de educação vinculados às mesmas.
Além dos cursos supracitados, pode-se destacar a participação da APACA em um Nivelamento sobre Economia Solidária,
proposto pela UFRGS/IFRS, em Porto Alegre. Quanto à participação da entidade em eventos, destaca-se sua participação no
“The Ecotourism and Sustainable Tourism Conference” (ESTC), realizado em Bonito (MS), no qual foi apresentado o traba-
lho “Formation of Environmental Drivers such as Local Development Strategies through Ecotourism UC”; e na 15ª Mostra de
Pesquisa, Ensino e Extensão do IFRS (Mostratec), promovida pelo IFRS, Campus Porto Alegre, onde foi apresentado o relato
“Ecoturismo e Economia Solidária: a trajetória da Associação Porto Alegrense de Condutores Ambientais (APACA)” (RUMPEL;
CANTO-SILVA, 2014).
A Associação ainda divulgou seu trabalho em eventos locais, expondo as atividades desenvolvidas no I Dia de Econo-
mia Solidária do IFRS – Campus Porto Alegre, elaborado pelo IFRS, Campus Porto Alegre; na Feira Internacional de Economia
Solidária, realizado em Santa Maria, RS; dentre outros encontros.
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Resumo
O Parque Nacional de São Joaquim, localizado no estado de Santa Catarina - Brasil, é uma área protegida natural bastante visi-
tada por conta de suas belezas naturais. A necessidade de uma estrutura física adequada e melhores mecanismos de interação
com os visitantes nos motivou a buscar soluções através de reuniões com diversos setores da sociedade. Das ideias sugeridas,
algumas foram submetidas a testes práticos: criação de página na internet para divulgação; instalação de outdoor na entrada
do parque; elaboração de um áudio-guia; e exposição interpretativa na sede. Tais ações aprimoraram a experiência turística e
sensibilizaram os visitantes acerca da importância ecológica do local. Sugerimos à administração do parque incluí-las na pauta
de elaboração de seu Plano de Manejo.
Introdução
O desejo de estar em contato com a natureza e admirar as belezas naturais podem ser considerados algumas das mais
antigas preferências humanas, concretizada na realização de atividades recreativas tais como passeios ao ar livre, piqueniques e
até caçadas, em países onde esta prática é permitida (TAKAHASHI, 1998). Reforçando esta afirmação, Peccatiello (2007) declara
que há atualmente entre as pessoas uma tendência a buscar lugares que tenham características naturais significativas, ou ma-
neiras de melhorar sua qualidade de vida, ou simplesmente condições de renovar suas energias. Em anos recentes, em quase
todo o mundo a preservação de parques naturais tem estado em conflito com o aumento do número de visitantes, que chegam
com interesses diversos: realização de experiências científicas, exploração de terrenos inóspitos, ou turismo de aventura. A partir
disso, Benayas e Muñoz-Santos (2012) desenvolveram uma proposta de metodologia para a gestão de áreas protegidas voltadas
ao uso público. No Brasil, embora a demanda turística por áreas silvestres seja crescente, ainda esbarramos em questões de viés
ultra-conservacionista ligadas ao uso controlado dessas áreas.
O conceito de parque natural no Brasil sempre resultou de uma visão técnico-científica focalizada na importância da
manutenção da biodiversidade. Esta abordagem criou problemas para usuários potenciais desses parques, particularmente
turistas (MAGRO; PIMENTEL, 2007). De fato, não é fácil para gestores de áreas protegidas descobrirem fórmulas que garantam
o equilíbrio entre o princípio ecológico e a necessidade social. Nos Parques Nacionais americanos, como o de Yellowstone,
considerado o mais antigo deste país (HAINES, 1996), não se discute mais a possibilidade de utilização, mas o tempo e a quali-
dade da visitação. A classificação das áreas está relacionada mais com tempo de permanência do turista do que a quantidade
de visitantes. Na América do Sul, a história dos parques nacionais inicia-se na Argentina com a criação, em 1922, do Parque
Nacional del Sud, atualmente Parque Nacional Nahuel Huapi, a partir da doação de terras do Sr. Francisco Pascasio Moreno ao
governo argentino, com o intuito de preservar diversos ecossistemas, tais como o ecossistema dos Andes Patagônicos (PARQUE
NACIONAL NAHUEL HUAPI, 2014). No Brasil, o Parque Nacional de Itatiaia, entre os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
São Paulo, foi criado em 14/06/1937 e é considerado o nosso primeiro parque nacional (ICMBIO, 2014).
A lei brasileira estabeleceu, em 2000, que os parques devem promover a recreação em contato com a natureza e o tu-
rismo ecológico (BRASIL, 2000). Em 2006, o IBAMA formulou algumas questões que serviram como diretrizes para sua atuação
como órgão gestor das áreas de conservação. Por exemplo (BRASIL, 2006):
• quais iniciativas estão em andamento?
Materiais e Métodos
Localização do mirante do Morro da Igreja e do Parque Nacional
Chega-se ao mirante do Morro da Igreja (Figuras 1 e 2) por um acesso de 17 Km a partir da Rodovia SC-370, em Urubici
(bairro Esquina) até o portal do parque, e daí por mais 10 km até o local de visitação, que se encontra dentro da área de jurisdição
do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo do Morro da Igreja (DTCEA – MDI), uma guarnição do Comando da Aeronáutica
ligada ao Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo II (CINDACTA II). Do local é possível avistar a Pedra
Furada, a principal atração do parque (Figuras 1 e 2).
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Figura 2. Mirante natural do Morro da Igreja em dia de grande movimentação turística.
Fonte: Foto divulgada no Jornal Diário Catarinense e no programa de Televisão “Jornal do Almoço”, do grupo RBS/TV/SC, em 06/2010.
Resultados
As reuniões realizadas tiveram a seguinte participação e frequência:
1) autoridades municipais: Prefeito, Secretário de Turismo, Promotor, Polícia Militar e Civil, Assessor de Impressa da Pre-
feitura: 1 reunião;
2) membros do Conselho Municipal de Turismo de Urubici: 1 reunião;
3) condutores de visitantes: 2 reuniões;
4) vereadores e proprietários de meios de hospedagem: 3 reuniões;
5) Comandante da Aeronáutica local, servidores e funcionários do parque: várias reuniões;
6) Conselho Consultivo, formado por representantes dos quatro municípios abrangidos pelo parque: Urubici, Bom Jardim
da Serra, Orleans e Grão Pará: várias reuniões;
7) entidades ambientalistas e universidades públicas e particulares: várias reuniões.
Exceto as reuniões realizadas com o Comandante e a equipe do parque, todas foram convocadas por carta ou convite, e
a participação registrada em listas de presença e fotografias (Figura 3).
(a) (b)
Figura 3. Reuniões propositivas: (a) Condutores Credenciados; (b) Conselho Consultivo do parque. Fonte: Os Autores.
As soluções propostas nas reuniões foram divididas em dois grupos: ações a serem implantadas e avaliadas; e ações
em estudo.
Instalação de outdoor
Nos finais de semana e feriados, a fila de carros na portaria do parque (Figura 4a) é um fator de irritação, pois a espera
pode durar mais de 1 hora (se o estacionamento estiver lotado, a entrada de um carro está condicionada à saída de outro). A
instalação de um outdoor (Figura 4b) com a fotografia da Pedra Furada visou entreter o visitante e garantir que nos dias de baixa
visibilidade ele possa ao menos levar uma fotografia indireta do atrativo.
(a) (b)
Figura 4. (a) Fila de veículos na entrada do parque; (b) Fotografia do outdoor (6m X 2,4m) ao lado do portal de entrada. Fonte: Os autores.
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apoio do NUPAS/UDESC/Lages/SC, COMTUR e parceiros particulares, uma exposição sobre a fauna silvestre catarinense foi
instalada na sede do parque.
Realização de eventos
A beleza cênica do local associada às condições de fácil acessibilidade frequentemente incentivam a prática de diver-
sas atividades esportivas ou de lazer tais como maratonas, corridas de bicicleta, e encontros de motociclistas. Essas atividades
demandam uma estratégia diferenciada de atendimento e segurança para que sua realização não perturbe substancialmente
a visitação cotidiana. Percebemos que tais eventos devem se restringir ao horário vespertino, preferencialmente após as 16h,
quando o fluxo de turistas é reduzido.
Além disso, considerando que esses eventos são rotineiramente organizados e executados por associações e empresas
privadas com fins lucrativos - e portanto fogem ao padrão de visita de contemplação tradicional, um retorno financeiro em favor
do parque é uma possibilidade que deve ser analisada apropriadamente.
Infraestrutura
Salientamos que o Parque Nacional de São Joaquim não possui infraestrutura adequada para seu próprio funcionamento
e para o atendimento dos turistas. Dentre as necessidades de maior urgência (que requerem soluções de curtíssimo prazo),
apontamos a de uma reforma (ou readequação) completa do portal, incluindo a construção de sanitários para visitantes e outras
facilidades para funcionários e turistas.
Notamos também a necessidade de benfeitorias no mirante, tais como (1) construção de guarda-corpos, (2) construção
de passarelas para minimizar os impactos às turfeiras, e (3) ampliação da área de manobra de veículos. Além disso, será im-
portante iniciar as tratativas para a construção de um centro de visitantes dentro do parque, pois atualmente o atendimento é
prestado fora do parque, na sede situada na área urbana de Urubici. Estudos devem ser realizados para detalhamento e objeti-
vação desses problemas.
Transporte turístico
Da observação direta, dos dados de visitação fornecidos pela administração do parque (Tabelas 1 e 2), e também diante
da perspectiva de crescimento do fluxo de veículos (que está sempre limitado à capacidade do estacionamento), parece razoável
e ecológico recomendar o uso futuro de vans para transporte coletivo dos turistas até o mirante. Reuniões devem ser convocadas
para estudar com a comunidade estratégias e ações nessa direção.
O aumento substancial de turistas em 2012 e 2013 (Tabela 1) deveu-se à precipitação de neve, que costuma ter um forte
apelo estético.
O ano de 2013 acusou os maiores picos de visitação no intervalo de tempo considerado (Tabela 2), novamente devido a
ocorrência de neve.
Discussão
A gestão de um parque ecológico sempre deverá assegurar a conservação das áreas protegidas, a satisfação dos visi-
tantes, e, quando possível, retornos financeiros para a população local. Essas metas estão presentes, em diferentes níveis de
desenvolvimento, tanto em parques brasileiros como em parques estrangeiros (BENAYAS; MUÑOZ-SANTOS, 2012).
Estratégias que levem em conta as peculiaridades de cada local, minimizem ou eliminem as ameaças de depredação,
e valorizem o patrimônio natural são ações que aperfeiçoam a gestão do uso público e aumentam a qualidade da visitação em
parques nacionais. Planejar e testar alternativas são os primeiros passos na direção de uma experiência turística mais rica e
ecológica (OMENA, 2014).
A implantação de uma página na internet divulgando as regras de visitação do parque e oferecendo o serviço de agenda-
mento de visitas por correio eletrônico mostraram-se ferramentas eficazes de comunicação com o visitante.
No Rocky Moutain National Park, no estado do Colorado, EUA, observou-se uma preferência dos visitantes em dirigir
seus veículos, porém em geral aceitam utilizar o transporte fornecido pela administração do parque, nos casos em que o excesso
de carros possa comprometer a comodidade do passeio (HUNT et al., 2011). Este fato demonstra que normalmente os turistas
são capazes de priorizar soluções coletivas em detrimento de soluções individualistas. De fato, observamos que a reserva de
uma área exclusiva para estacionamento de ônibus e micro-ônibus no Parque Nacional de São Joaquim teve fácil aceitação, pois
os visitantes entenderam que se tratava de algo vantajoso para todos.
Percebemos que diversos visitantes utilizaram o outdoor instalado na proximidade do portal do parque para tirar fotogra-
fias e sociabilizar enquanto aguardavam liberação de entrada. Portanto, o equipamento atendeu a finalidade pretendida.
O tempo médio de visitação de 29 minutos (OMENA, 2014) foi acrescido em 14 minutos (50%), em média, para os
59 veículos escolhidos que fizeram o trajeto com um áudio-guia. A sincronia do áudio com os pontos de parada necessita de
pequenos ajustes para os carros de passeio. Para os veículos mais lentos (ônibus e vans), a sincronia deve ser diferente. Para
motocicletas, o áudio-guia não se aplica. Sugerimos que as cores dos postes sejam padronizadas em vermelho e que indiquem
explicitamente a faixa do CD correspondente a cada ponto de parada. O recurso teve receptividade bastante positiva.
A exposição interpretativa na sede do parque agregou informações ao passeio e aumentou a percepção pública acerca
da importância da área que será visitada. Centros de interpretação ambiental e centros de visitantes são espaços de promoção
da vida selvagem e contribuem positivamente para a satisfação do turista (CURY, 2002). Futuramente, questionários e entrevistas
poderão confirmar a eficácia da iniciativa em sensibilizar os visitantes para as questões ecológicas locais.
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A necessidade de manutenção contínua de uma câmera de vídeo instalada no mirante (webcam) pareceu a principal
dificuldade para o funcionamento de um sistema de divulgação do local em tempo real, pois a alta umidade, os ventos fortes, e
outras intempéries são fatores que complicam sua implantação e funcionamento. Portanto, até julho de 2015 esta ação não tinha
sido implantada e seus resultados não puderam ser avaliados
Eventos de esporte e lazer ainda não geram retorno financeiro para o parque e a marca “Parque Nacional de São Joa-
quim” não tem sido divulgada satisfatoriamente. A situação começou a mudar, porém, depois da efetivação do controle de visi-
tantes na estrada do Morro da Igreja. Na ausência de um Plano de Manejo, a administração do ICMBio e o Conselho Consultivo
deverão discutir o assunto mais detidamente.
O melhoramento da infraestrutura (banheiros, passarelas, e outras facilidades) agregará qualidade e segurança à visita-
ção. O recente crescimento do turismo na região demanda providências urgentes nesse sentido. Sugerimos um levantamento de
necessidades e a elaboração de um projeto arquitetônico através de concurso público.
Os atrativos visuais da estrada de acesso ao mirante pode se tornar um forte motivo de interesse turístico. Segundo pes-
quisa feita no Acadia National Park, no estado americano do Maine, os turistas preferem trafegar por estradas que apresentem
diversidade de belezas cênicas (HALLO; MANNING, 2009).
A adoção de transporte coletivo para visitação é uma solução aceitável, mas deve ser discutida amplamente com a comu-
nidade, pois provavelmente afetará a dinâmica turística do parque.
Considerando os dados da Tabela 2 e pensando em substituir a visitação de veículos particulares por vans credenciadas,
calculamos, a título de exemplo, que teriam sido necessárias cerca de 60 vans de 8 lugares, excluído o condutor, fazendo três
viagens por dia para atender o público que visitou o parque no dia 19 de julho de 2014 (1454 visitantes, a maior movimentação do
ano). Para os dez dias de maior movimento do mesmo ano (fins de semana de julho e feriados), o número de vans teria oscilado
entre 47 e 60, também fazendo três viagens por dia. Para atender, porém, a demanda média anual de visitação, o número de
viagens teria sido menor, cada van fazendo 2 viagens por dia. Em meses de baixa visitação (fevereiro e outubro, por exemplo) e
dias úteis, quando o fluxo de visitantes é pequeno, um número menor de vans pode funcionar em regime de rodízio permanente
(a estipulação de horários de visitação pode concentrar mais passageiros e otimizar as viagens). Liberar a entrada de veículos
particulares nessas ocasiões também é uma possibilidade.
A administração do parque poderá se encarregar do credenciamento e capacitação dos prestadores de serviço, além de
monitorar os preços das tarifas e a qualidade do serviço. Havendo disponibilidade de vans com mais de 8 lugares, o número de
credenciados diminui. Por exemplo, para veículos com 14 assentos, o cálculo anterior resultaria em 35 vans fazendo três viagens
por dia para atender aquela demanda. A legislação brasileira, porém, é mais exigente para a habilitação de motoristas de veícu-
los grandes com passageiros.
O uso de ônibus e micro-ônibus não seria prático para o transporte diário dos visitantes, pois são grandes e sua dirigi-
bilidade é mais difícil nas subidas e curvas. Podem servir como recurso adicional em dias de maior movimento, a fim de reduzir
o número de viagens e, consequentemente, o tráfego na estrada de acesso.
Na ocorrência de neve, que historicamente está associada aos maiores picos de visitação, esquemas especiais de
transporte devem ser elaborados. Supomos também que, no início, muitos visitantes podem não querer utilizar o serviço de
transporte, ou desistir do passeio se não puderem chegar ao mirante usando seus próprios veículos. Por outro lado, podemos
supor também o surgimento de estacionamentos particulares, lojas de souvenirs, e outros serviços agregados ao transporte que
fomentarão a economia local. Investimentos particulares são necessários. As vans têm custo elevado e a quantidade requerida
não é modesta. As considerações do presente estudo são preliminares e devem ser amplamente debatidas com a sociedade e o
órgão gestor do parque.
Visitação noturna guiada poderá ser uma atividade interessante, à semelhança dos parques africanos que sempre
atraíram turistas para safaris de observação de grandes animais: leões, rinocerontes, elefantes, etc. A fauna de áreas protegidas
é um chamariz importante. No Parque Nacional de Kibale, na Uganda, 90% dos visitantes são estrangeiros e vêm à procura de
chimpanzés (HARDING; OBUA, 1996). O turismo de avistamento de baleias é outro exemplo do interesse que certos animais
despertam nas pessoas. Entre os anos de 2005 e 2010, Corrêa e colaboradores (2011) pesquisaram 742 passeios embarcados na
Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, no sul de Santa Catarina, aonde os turistas vêm anualmente avistar a Baleia Franca
(Eubalaena australis). Entretanto, não existem pesquisas específicas sobre a diversidade da fauna no Parque Nacional de São
Conclusão
O desafio que um gestor e sua equipe enfrentam para equilibrar todos os objetivos de uma área protegida natural,
tendo de conciliar turismo ecológico com preservação ambiental, requer a realização de diversas ações estratégicas. Nesse
contexto, as atividades implantadas e descritas no presente trabalho (criação de página de divulgação na internet; possibilidade
de agendamento por correio eletrônico; mudança da área de estacionamento de ônibus e micro-ônibus; instalação de outdoor
ao lado do portal; e reforma da sede do parque) tiveram boa receptividade e já começaram a gerar benefícios em termos de
qualidade de uso. A adoção de um áudio-guia para orientar a visitação também foi aprovada pelo público. Sua implantação de-
finitiva depende de ajustes técnicos que estão em andamento. Sugerimos que as propostas que não foram colocadas em prática
por razões diversas sejam reapresentadas à comunidade a fim de serem implantadas com o apoio de parceiros. E que estas
propostas, mais as ações já implementadas, façam parte do Plano de Manejo do parque. Prevendo-se neste apoio financeiro
da União para implantação e manutenção destas. Ações de qualificação da experiência turística (melhoramentos em geral e
conscientização) poderão quebrar o paradigma dos “parques-fortalezas”: áreas de preservação fechadas à população em geral.
Observamos que, na prática, é possível tornar os visitantes mais conscientes da importância das áreas naturais protegidas,
especialmente os parques. Para isso, é indispensável conduzir a visitação de modo organizado e qualificado, executando ações
planejadas pelo órgão gestor e comunidade. Sem prejuízo dos objetivos de conservação, tais áreas podem ser transformadas
em áreas de referência em lazer de qualidade.
Referências
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Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998.
Irving, Marta de Azevedo1; Lima, Marcelo Augusto Gurgel de2; João, Cristina Gerber 3; Oliveira, Maria Elizabeth de4; Prado,
Mariana Oliveira5 & Abreu, Manuela Muzzi6
1. PPG em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e PPG em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Universidade
Federal do Rio de Janeiro e INCT/PPED/CNPq. marta.irving@mls.com.br 2. Doutorando em Psicossociologia de
Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. maglturismo@gmail.com 3. Pós-doutoranda no PPG Eicos -
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. cgerberj@gmail.com 4. Doutoranda em Políticas
Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio de Janeiro. elizabetholiverbr@yahoo.com.br 5. Mestranda do PPG Eicos
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. marianaprado89@gmail.com 6.Mestre em
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro e INCT/ PPED/CNPq. manuelamuzzi@gmail.com
Resumo
Com o maior número de Unidades de Conservação federais do Brasil, o segundo estado em atividade econômica e porta de
entrada do turismo internacional no país, o Estado do Rio de Janeiro possui como um dos seus principais desafios estratégicos,
na perspectiva de sustentabilidade, o planejamento do turismo em áreas protegidas. Esse contexto gera tensões para a gestão
da biodiversidade e demanda esforços governamentais para a compatibilização de políticas públicas de desenvolvimento e de
proteção da natureza. Com base neste breve recorte, o artigo buscou investigar o “Estado da Arte” do desenvolvimento turístico
em parques do Rio de Janeiro, considerando a sua potencialidade para inclusão social e para a própria conservação da biodi-
versidade. Os resultados indicam que as ações em planejamento de projetos turísticos são ainda incipientes, muito embora, os
parques possuam elevado potencial para uso turístico.
Introdução
A relação natureza e sociedade, assim como, as interfaces relacionadas às questões do desenvolvimento, da conserva-
ção da biodiversidade e da inclusão social vem sendo, atualmente, uma das principais reflexões no âmbito das políticas públicas
no Brasil e, especificamente no Estado do Rio de Janeiro devido à tendência de crescimento do uso turístico em parques, moti-
vado também pela realização de importantes eventos internacionais que foram e estão sendo planejados para o Estado do Rio de
Janeiro. E, nesta perspectiva, o turismo vem sendo abordado, nos últimos anos, em planejamento turístico, como uma relevante
alternativa para a inclusão social no país. No plano nacional, torna-se importante destacar que este tema vem sendo um dos
principais objetivos do atual Plano Nacional de Turismo 2013-2016 - “O Turismo fazendo muito mais pelo Brasil” (Plano Nacional
do Turismo PNT 2013-2016, BRASIL, 2013). Isto porque, o Governo Federal, assim como, o Ministério do Turismo (MTUR) identi-
ficam no setor turístico uma “forte solução para o crescimento sustentado e sustentável do país, com redução de desigualdades
regionais, inclusão social e geração de emprego e renda” (BRASIL, 2013).
Para isso, entre outras ações estratégicas, insere-se no atual PNT (2013-2016) a ampliação do foco social e caracterizando
o momento como sendo de forte indução para uma nova fase do turismo no país. E, com isto, o fortalecimento das políticas
públicas de turismo deverá ser capaz de contribuir para a geração de novos empregos, visando proporcionar melhorias na distri-
buição de renda e na qualidade de vida das populações locais. Além disto, o PNT 2013-2016 objetiva ainda “valorizar, conservar
e promover o patrimônio cultural, natural e social com base no princípio da sustentabilidade” (BRASIL, 2013, p. 46). A finalidade
dessa ação, segundo o documento analisado, é garantir o apoio a eventos que fortaleçam o desenvolvimento do turismo, “de
caráter tradicional e de notório conhecimento popular, que comprovadamente contribuam para promoção, fomento e inovação
dos processos da atividade turística do destino” (BRASIL, 2013, p. 46).
No contexto estadual, é relevante enfatizar que o Rio de Janeiro representa a porta de entrada do turismo internacional
Etapa metodológica
Com base neste recorte e nas premissas teóricas anteriormente mencionadas, este artigo buscou investigar o “estado da
arte” do desenvolvimento turístico em parques estaduais do Rio de Janeiro, considerando a sua potencialidade para inclusão so-
cial e para a própria conservação da biodiversidade. E para isto, tendo em vista os desafios de integração das principais políticas
públicas norteadoras de turismo e proteção da natureza: Diretrizes para uma Política de Ecoturismo (EMBRATUR/IBAMA, 1994),
Plano Nacional de Turismo 2013-2016 (BRASIL, 2013), que consolida a Política Nacional de Turismo, e de proteção da natureza
(Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000) e Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (BRASIL,
2006) e seus desdobramentos.
Com base no objetivo realizou-se uma análise crítica e aplicada sobre o tema, tendo como insumos dados de campo
envolvendo a percepção das esferas gerenciais sobre o tema, para que se pudesse contribuir, efetivamente, para o planejamento
da gestão pública dirigida a este setor.
Para este artigo foram selecionados sete parques instituídos até 2002 (sendo, portanto os mais antigos) e sob a gestão
direta do INEA (Instituto do Ambiente do Rio de Janeiro), muito embora novos parques tenham sido criados em 2012/2013 e al-
guns estejam sob a gestão municipal.
O Quadro 1, a seguir, sistematiza os documentos legais de criação dos parques estudados no âmbito deste artigo:
1
O Estado do Rio de Janeiro abriga a maior concentração de áreas protegidas do bioma Mata Atlântica do país e compõe a Reserva da Biosfera, internacionalmente
reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. No entanto, apesar de contar com 16,73% da Mata Atlântica
do país, em função dos diferentes ciclos econômicos baseados na exploração sistemática dos recursos naturais, restam hoje na área do Estado somente alguns frag-
mentos isolados do bioma que, somados, perfazem 7.346,29 km², cerca de apenas 17% da sua cobertura original (IRVING et al., 2013).
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Com este entendimento, as etapas metodológicas que orientaram o artigo estão descritas a seguir:
• Análise de documentos norteadores de políticas públicas e/ou diretrizes internacionais, nacionais e estaduais sobre o
tema, envolvendo o período entre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92 e ano
de 2013, ano final da etapa de pesquisa. No âmbito internacional, a presente análise considerou a Convenção da Diversidade Bi-
ológica e os seus desdobramentos nas Conferências das Partes (COPs), as resoluções da IUCN (International Union for the Con-
servation of Nature) e, os documentos oficiais da World Tourism Organization (UNWTO), no período. No plano nacional, foram
interpretados o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a Política Nacional de Biodiversidade, o PNAP (Plano Es-
tratégico Nacional de áreas Protegidas), os Planos/Políticas de Turismo 2003/2007 e 2007/2010 e os documentos recentes sobre as
bases da nova política de turismo e os seus desdobramentos aplicados ao tema em questão. Na esfera estadual, foram mapeados
os programas, atualmente, em implementação no âmbito da Secretaria de Turismo e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA/RJ);
• Pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema em foco envolvendo as pesquisas em curso registradas nos sistemas
de autorização do INEA, Banco de Teses da Capes e anais de eventos de referência sobre o tema, além de relatórios contendo a
sistematização de dados secundários sobre os parques do Rio de Janeiro, com ênfase no processo de desenvolvimento turístico,
incluindo relatórios técnicos, planos de manejo, atas de reuniões de conselhos, entre outros documentos. Esta etapa permitiu
contextualizar, em um plano estratégico, a temática de pesquisa;
• Elaboração de instrumentos de pesquisa de campo e identificação de interlocutores da gestão pública relacionados à
temática do turismo em parques;
• Realização e análise qualitativa das entrevistas com atores institucionais da gestão. Todas as entrevistas foram gravadas
e transcritas e os questionários dirigidos aos interlocutores institucionais, sistematizados em uma base de dados do projeto. As
entrevistas permitiram levantar, através da ótica do cotidiano da gestão dos principais parques estaduais, os problemas e desa-
fios enfrentados para a consolidação do turismo nestas áreas, segundo o compromisso de sustentabilidade socioambiental;
• Elaboração de uma matriz-síntese sobre restrições e potencialidades para o desenvolvimento turístico nos parques do
Estado do Rio de Janeiro que, pedagogicamente, sintetiza os resultados aplicados da pesquisa e as principais recomendações
dirigidas às políticas públicas.
Figura 1. Representação esquemática da cronologia do processo de criação de Parques no Rio de Janeiro, envolvendo também os
parques em gestão compartilhada com a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro; fonte: Irving et al. (2013).
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No plano da gestão, os conselhos são mais recentes e a sua instalação decorreu da criação do Sistema Nacional de Uni-
dades de Conservação (SNUC), em 2000 (BRASIL, 2000). Esta afirmação está a seguir ilustrada na Quadro 3:
A maioria dos parques dispõe de Conselhos. Apenas os mais recentes estão ainda em processo de instalação desses
fóruns de gestão, observa-se, entretanto, que apenas dois parques possuem câmaras técnicas de turismo instaladas: Parque
Estadual do Desengano e o Parque Estadual Serra da Tiririca.
Com relação aos Planos de Manejo, instrumentos essenciais da gestão para orientar o planejamento turístico nas áreas
protegidas, apenas quatro parques estaduais tem planos de manejo: Parque Estadual do Desengano, Parque Estadual da Ilha
Grande, Parque Estadual da Serra da Concórdia e Parque Estadual Três Picos.
No caso dos Planos de Uso Público, embora sejam documentos técnicos essenciais para orientar o desenvolvimento do
turismo e demais usos do parque apenas os Parques estaduais do Desengano, da Serra da Concórdia, dos Três Picos e Cunham-
bebe possuem-no para orientar o planejamento de Uso Público.
Com relação ao levantamento de perfil de visitantes são poucos os parques que contam com essa informação para orien-
tar o processo de planejamento turístico e as estratégias de gestão. São eles: Parque Estadual da Ilha Grande, Parque Estadual
de Pedra Branca, Parque Estadual Serra da Tiririca, Parque Estadual Três Picos e Parque Estadual de Cunhambebe. Além disso,
esse tipo de levantamento não é orientado por uma metodologia padronizada que permita a comparação de dados ou a projeção
de cenários para o planejamento integrado do turismo nos parques estaduais do Rio de Janeiro.
Considerando o panorama sobre o contexto dos parques do Rio de Janeiro, alguns obstáculos são reconhecidos para o
desenvolvimento do turismo e esses estão representados graficamente na Figura 2 a seguir:
Figura 3. Representação esquemática das principais recomendações identificadas para o desenvolvimento do turismo nos parques
do Rio de Janeiro, pela perspectiva dos gestores dos parques pesquisados no Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Irving et al. (2013).
As principais recomendações identificadas para o aprimoramento do processo pela ótica da equipe de gestão são as
seguintes: desenvolvimento de estudos de capacidade de carga; investimento em capacitação profissional; melhoria nas estra-
tégias de comunicação; desenvolvimento de ações de educação ambiental; realização de inventários turísticos; ações de orde-
namento turístico e planejamento estratégico, com este objetivo.
Pela perspectiva dos conselheiros dos parques estudados (e entrevistados) as questões identificadas como problemáti-
cas para o desenvolvimento do turismo incidem principalmente sobre: gestão inadequada do uso público; impactos da visitação
e dificuldades de acesso e infraestrutura (Figura 4).
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Figura 4. Representação esquemática das principais obstáculos identificados para o desenvolvimento do turismo nos
parques do Rio de Janeiro. Fonte: Irving et al. (2013).
Esses atores reconhecem que algumas ações seriam necessárias para superar alguns dos problemas identificados con-
forme esquematizado na Figura 5 a seguir:
Figura 5. Representação esquemática das principais obstáculos identificados para o desenvolvimento do turismo nos
parques do Rio de Janeiro. Fonte: Irving et al. (2013).
As principais recomendações dos conselheiros para o desenvolvimento do turismo nos parques objeto do trabalho se
referem à necessidade de planejamento de novos atrativos; melhores condições de trabalho para a gestão; limitação e controle
de visitação; aprimoramento da sinalização e orientações aos visitantes e fortalecimento do diálogo e parcerias com as popula-
ções do entorno.
Estas informações se completam com alguns resultados obtidos através de debates realizados durante o Seminário
“Desafios para o turismo em Parques do Rio de Janeiro”, O Seminário gerou uma série de recomendações concentradas nos
seguintes eixos: Comunicação, com destaque para a necessidade de divulgação da unidade de conservação para a sociedade e
a realização de atividades de educação ambiental; Fortalecimento da Segurança Pública, um problema que não atinge somente
os Parques situados na região metropolitana do Rio de Janeiro, mas é recorrente em todo o estado; Regularização Fundiária, como
Considerações finais
Conforme anteriormente mencionado, este artigo buscou estabelecer uma linha de base capaz de ilustrar o “Estado da
Arte” no desenvolvimento turístico nos parques do Rio de Janeiro no sentido de contribuir para o planejamento do setor mas tam-
bém funcionar como registro para as iniciativas de monitoramento de alguns projetos em curso como o Projeto Fortalecimento
e Implantação da Gestão do Uso Público para o Incremento da Visitação nos Parques Estaduais do Rio de Janeiro (INEA, 2012),
além de ações de políticas públicas associadas à realização dos grandes eventos internacionais que já aconteceram e ainda
estão por acontecer no Rio de Janeiro nos próximos anos.
Os resultados desta pesquisa parecem indicar que as ações em planejamento e implementação de projetos turísticos são
ainda muito incipientes nos parques do Estado e embora tenham um elevado potencial para uso turístico, são pouco conhecidos
e dispõem de informações limitadas dirigidas ao público usuário, a infraestrutura disponível é ainda incipiente para as demandas
de visitação em caráter de rotina e apenas alguns parques dispõem de uma base de dados de pesquisa sobre a área protegida.
E também no caso das pesquisas registradas são ainda raras aquelas dirigidas ao turismo.
Um outro elemento crítico a ser considerado é a deficiência de estratégias de comunicação e difusão das áreas protegi-
das para a sociedade, aliada em alguns casos, à dificuldade de acesso, além de outros problemas críticos sob a ótica da gestão
como o funcionamento dos conselhos muitas vezes pouco conectado com a temática em foco, Planos de Manejo nem sempre
aplicáveis às demandas de planejamento turístico e inúmeros problemas relacionados a conflitos fundiários o que, em tese,
inviabilizaria ações mais consolidadas de desenvolvimento turístico em razão deste tipo de pendência jurídica com relação ao
próprio parque.
Por outro lado, embora projetos e programas estejam em desenvolvimento pelos Ministérios de Turismo e Meio Ambiente
e, no caso especifico do Rio de Janeiro também pelo INEA, em associação à projeção de aumento da visitação dos parques do
Estado do Rio de Janeiro (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2010; INEA, 2012), as ações parecem ainda desar-
ticuladas, no plano estratégico, entre as esferas de governo e entre as diretrizes das políticas públicas de turismo e proteção da
natureza. Assim, os parques são objeto de programas governamentais, mas a gestão se concentra na implementações de ações
isoladas, o que pode significar que as ações em curso tenham apenas efeitos pontuais e com duração limitada. Isto porque todas
estas ações demandam salvaguardas em termos de garantia de continuidade e articulação do turismo em parques na lógica de
circuitos, envolvendo não apenas a questão de visitação de espaços naturais reservados mas também de sua articulação com a
cultura local e com a garantia de inclusão social segundo novas bases de planejamento.
Embora esta seja uma pesquisa exploratória e qualitativa, ela pode ilustrar o vasto campo de inovação para a geração de
conhecimento em turismo no Rio de Janeiro, campo este ainda em construção.
Referências
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Brasil. Brasília: MTUR, 2013.
BRASIL. Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, parágrafo 1, incisos I, II, III, VII da Constituição Federal,
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BRASIL. Decreto n 5.758, de 13 de abril de 2006. Regulamenta o art. 84, incisos IV e VI da Constituição Federal, institui o Plano
Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP. Brasília, 2006.
EMBRATUR/IBAMA. BRASIL. Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo. Brasília: EMBRATUR,1994.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto nº 42.483 de 27 de maio de 2010. Estabelece diretrizes para
o uso público nos parques estaduais administrados pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA e dá outras providências. 2010.
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INEA. INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE. RIO DE JANEIRO (Estado). Projeto Fortalecimento e Implantação da
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IRVING, M.A.; MATOS, K. 2007. Gestão de parques nacionais no Brasil: projetando desafios para a implementação do Plano
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Resumo
Sustentado em sua expressiva biodiversidade, a região mineira da Serra do Espinhaço, selecionada para realizarmos esse
estudo, por ela ser reconhecida como área prioritária para a conservação de seus biomas, como também, por sua grande
diversidade sociocultural, com suas comunidades tradicionais e tem despertado o desenvolvimento do turismo. Diante dessa
situação é possível apontar contradições na formação deste espaço, já que outras atividades de uso da terra são proibidas. Assim
propomos compreender de que forma a iniciativa de formatação do roteiro turístico Travessia dos Parques e Vilarejos, no âmbito
do Mosaico do Espinhaço, pode influenciar, nessa nova dinâmica territorial, as comunidades envolvidas. Observamos que esse
roteiro se pauta na valorização da cultura, já que tem as comunidades como atrativos, o que pode fortalecer a identidade local.
Introdução
Na modernidade, um dos marcos da temática ambiental se refere ao alerta do elevado grau de uso dos recursos naturais
e a destruição da biodiversidade, que levou à criação de áreas naturais protegidas, que visem a proteção e/ou conservação da
natureza e sua biodiversidade.
Entende-se aqui por biodiversidade o conceito que a considera não apenas por sua variabilidade genética e a diversi-
dade de espécies e ecossistemas, como também a diversidade cultural humana. A diversidade cultural manifesta-se pela diver-
sidade de linguagem, crenças religiosas, práticas de manejo da terra, arte, musica, estrutura social, seleção de cultivos agrícolas
e construção de territorialidades.
Sustentado em sua expressiva biodiversidade, foi feito um recorte na região mineira do Alto Jequitinhonha, que sobrepõe,
nesse caso, a Serra do Espinhaço, para realizarmos esse estudo, uma vez que essa última foi reconhecida como área prioritária
para a conservação de seus biomas. Neste sentido, cientistas e ONG ambientalistas, voltados a pesquisas de conservação da
biodiversidade, com o apoio de órgãos ambientais governamentais, “agruparam informações decorrentes de estudos sobre a
Serra do Espinhaço e chegaram a afirmar a existência de mais de seis mil espécies em sua biota” (GONTIJO, 2008), alertando,
nesse sentido, que
Se não tomarmos cuidados quanto à preservação do que ainda resta de biodiversidade na Ca-
deia do Espinhaço e em seus biomas adjacentes, estaremos na eminência de sofrer um grande
“terremoto ambiental” já que estamos, como mostra a geografia de nossa “tectônica ambiental”,
localizados bem em cima de seu hipotético epicentro (GONTIJO, 2008, p.13).
Bem como, observa-se nesse território, de acordo com Rodrigues & Miné (2012), sua grande vitalidade social (frente às
outras macrorregiões brasileiras) por suas comunidades tradicionais, sociedades indígenas e núcleos quilombolas que buscam,
hoje, resgatar suas identidades por meio de movimentos de resistência.
A Serra do Espinhaço meridional, na região de Diamantina-MG, passou por um processo diferenciado de ocupação huma-
na. Levas de garimpeiros foram para essa região por volta do século XVIII à procura de ouro e posteriormente de diamantes (SAN-
TOS, 1968). No auge da exploração diamantífera, haviam na região cerca de 5000 negros escravizados (MACHADO FILHO, 1985).
Com as fugas, o declínio da exploração dos diamantes e a abolição da escravatura, essa população negra foi se refugiando em
recantos isolados, desenvolvendo diversas formas de convivência com esses locais, com diferentes formas de reprodução sociocul-
tural e produtiva. Formaram-se então, comunidades quilombolas, além de outras categorias de povos e comunidades tradicionais.
Diante do seu grande valor ambiental, diversas UC foram criadas, dentre algumas podemos citar o Parque Estadual do
Assim como a devastação das florestas destrói definitivamente espécies vegetais úteis, a devas-
tação ou a mutilação de grupos sociais diferentes do nosso suprime modos de viver e de pensar,
bem como destrói saberes que representam um germe de alternativa para a desumanização ace-
lerada que estamos vivendo (MARTINS, 1993, p.12).
Dessa forma propomos nesse artigo compreender de que forma a iniciativa de formatação do roteiro turístico Travessia
dos Parques e Vilarejos, no âmbito do Mosaico do Espinhaço, pode influenciar, nessa nova dinâmica territorial, as comunidades
envolvidas.
Para isso nosso percurso metodológico iniciou com a realização da caracterização da região estudada à luz de revisão
bibliográfica sobre a legislação de proteção da natureza. Seguido pela contextualização com o Mosaico de Unidades de Con-
servação do Espinhaço: Alto Jequitinhonha e Serra do Cabral. Foi realizada também uma revisão sobre o turismo convencional e
turismo pessoalizante, que nos orientou para compreendermos de que forma essa atividade incide nos “grotões do Espinhaço”.
E, por fim, a verificação da situação estudada por meio da pesquisa empírica, que se deu pela realização de parte da Travessia
dos Parques e Vilarejos, mais especificamente, o trecho de aproximadamente 60km que liga os Parques Estaduais do Pico do
Itambé e do Rio Preto e passa pela Comunidade Quilombola Mata dos Crioulos. Cabe ressaltar, que a escolha desse trecho foi
devido à acentuada relação conflitiva entre os Parques e a Comunidade, onde observamos que a atividade turística impulsionada
pela Travessia influencia uma nova situação em que o turismo oferece uma possibilidade de reduzir o conflito instaurado.
O Espinhaço natural
A Serra do Espinhaço, também conhecida como cordilheira e cadeia, que se inicia em Minas Gerais e adentra a Bahia até
a divisa com o Piauí, constitui um grande divisor entre as bacias hidrográficas do centro-leste brasileiro e a do Rio São Francisco
(COMIG & IGC/UFMG, 1997 apud MONTEIRO, 2011). Segundo Saadi (1995), a denominação “serra” esconde uma realidade
fisiográfica que é mais bem definida pelo termo “planalto”.
Acrescente-se, ainda, que a porção mineira da serra detém a maior parte dos estudos já realizados, sobretudo geológi-
cos, nos quais se ressalta a importância de se fortalecer as compreensões acerca de sua biota e sua diversidade sociocultural.
Neste sentido, cientistas e ONGs ambientalistas, voltados a pesquisas de conservação da biodiversidade, com o apoio de órgãos
ambientais governamentais, “agruparam informações decorrentes de estudos sobre a Serra do Espinhaço e chegaram a afirmar
a existência de mais de seis mil espécies em sua biota” (GONTIJO, 2008).
Entretanto, para Gontijo (2008, p.13), a Cadeia do Espinhaço segue ainda “desconhecida em grande parte de sua exten-
são, especialmente se for considerado seu elevado grau de endemismos”. Mas não são apenas as características fisiográficas
que conservam todo valor do Espinhaço. Devemos atentar para as especificidades culturais que se desenvolverem e são manti-
das ainda hoje. O sincretismo do sagrado ao profano, as diversas produções manuais e artesanais, as crenças e modos de vida
únicos e de estreita relação ao ambiente natural.
A presença marcante da Serra do Espinhaço na paisagem proporciona à região grande visibilidade para a atividade
turística, observando que a Serra do Espinhaço recebeu pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), em 2005, o título de “Reserva da Biosfera”. Nesse contexto, pesam as raridades (LEFEBVRE, 1991), em que
os elementos da natureza passam, no âmbito do sistema capitalista de produção, a ter maior valor de troca.
Gontijo (2008) aponta que biólogos e ecologistas, em geral, tendem a reduzir a questão da conservação da serra à criação
de Unidades de Conservação (UC), se possível daquelas mais restritivas, como mecanismo que impediria os efeitos de uma
crescente pressão antrópica. Muitos desses profissionais são cientistas envolvidos na criação das UC já existentes na Serra do
Espinhaço. Defendendo a proteção integral para que determinadas espécies possam ser preservadas, e muitas vezes esque-
cendo ou não levando em consideração os diversos fatores sociais dispostos em seu entorno.
Diante da realidade formada pela concepção histórica desse território, a influência atual da criação de UC na região é
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possível apontar contradições na formação deste espaço (BULHÕES, 2013). De um lado o contexto da ocupação do território de
Minas Gerais apresenta a manutenção de diversas comunidades tradicionais e induziu a repercussão de traços culturais ligado
ao rural tradicional e do outro a expansão de áreas destinadas a proteção e conservação da natureza que coíbem atividades
intrínsecas aqueles modos de vida.
Considerando, ainda, o modo de produção capitalista do espaço, temos que o elevado valor ambiental e sociocultural da
Serra do Espinhaço confronta sua alta relevância econômica, principalmente para a mineração, agroindústria e, atualmente, para
a silvicultura, atividades com impactos ambientais expressivos.
De acordo com Bulhões (2013) atenção para a proteção do Espinhaço por meio das UC vem desencadeando uma nova
dinâmica territorial. A concepção de UC introduziu não apenas um novo formato de produção do espaço como também o dis-
curso da atividade turística como opção acessível e condizente para manutenção econômica desses territórios, já que outras
atividades de uso da terra são proibidas.
A lei nº 9.985 de julho de 2000 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) com objetivos de contri-
buir para a manutenção da diversidade biológica, proteger as espécies ameaçadas de extinção, colaborar para a preservação e
a restauração de ecossistemas naturais, promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais e a utilização dos
princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento, ajudar na gestão das áreas protegidas, entre
outros. O SNUC define Unidades de Conservação (UC) como
o espaço territorial com limites definidos, que possuam características naturais relevantes e im-
portantes recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com objetivos de conservação,
legalmente instituído pelo Poder Público e sob regime especial de administração, apropriadas à
sua proteção (BRASIL, 2000).
Neste sentido, o turismo vem sendo tratado como uma das principais alternativas seja no âmbito social ou econômico,
para promover o desenvolvimento de diversas localidades (BULHÕES, 2013). Associado também a outras diversas atividades
integrando comunidades e Unidades de Conservação.
As Unidades de Conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas, as
UC de Uso Sustentável e de Proteção Integral. Segundo o SNUC (BRASIL, 2000) o grupo das UC de Uso Sustentável tem como
objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Já o grupo das
UC de Proteção Integral tem como objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos
naturais, e é neste último grupo que se enquadra o contexto desta pesquisa.
A definição das UC anterior a criação do SNUC se baseou pela oposição da natureza à cultura, logo pela dicotomia so-
ciedade/natureza, resultando que temas como cidadania, participação e controle social ficassem, por muito tempo, ausentes na
discussão da “questão ambiental”.
Considerando que o processo de criação de UC está embasado nas ideias preservacionistas importadas dos países industri-
alizados, o que não reflete as aspirações, e os conceitos sobre a relação homem/natureza dos países latino-americanos em desenvolvi-
mento sendo criticado por alguns autores em relação à forma como foram adotados os procedimentos no Brasil (MONTEIRO, 2011).
O SNUC inclui os Parques Nacionais no grupo de Unidades de Proteção Integral, ou seja, eles admitem apenas o uso
indireto de seus recursos naturais, proibindo a comunidade e turistas, de coletarem, consumirem ou destruírem esses recursos.A
categoria dos Parques permite apenas a pesquisa cientifica e a visitação turística sujeitas a autorização e restrições, também
destinadas a zona de amortecimento.
Essa categoria tem sido amplamente implantada no estado, desconsiderando a sociobiodiversidade que apresenta. Essas
características deveriam implicar na criação de UC da categoria uso-sustentável, que consiga equilibrar a conservação ambiental
e os modos de vida locais. A teoria exposta por Monteiro (2011) atenta para a problemática das UC de proteção integral, que
O Mosaico do Espinhaço
Os Mosaicos de áreas protegidas tem o intuito de fomentar uma melhor gestão das Unidades de Conservação, a fim
de buscar maior eficiência em relação aos recursos financeiros, participação social, com uma gestão integrada e participativa.
O Mosaico do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral (Figura 1) foi criado legalmente em 2010 abrangendo 24
municípios, com 19 Unidades de Conservação de responsabilidade, federal, estadual e municipal. São elas: Parque Nacional das
Sempre-Vivas, Monumento Natural Várzea do Lageado, Parques Estaduais Biribiri, Rio Preto, Pico do Itambé, da Serra Negra, da
Serra do Cabral e Estação Estadual da Mata dos Ausentes. Além das zonas de amortecimento, e as UC de uso sustentável APA
Estadual Água das Vertentes e APAs Municipais Felício dos Santos, Rio Manso, Serra do Gavião, Serra de Minas, Barão e Capi-
vara, Serra do Cabral – Lassance, Serra do Cabral Augusto de Lima, Serra do Cabral de Buenópolis, Serra do Cabral de Joaquim
Felício, Serra do Cabral de Felício, Serra do Cabral Francisco Dumont.
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As Unidades de Conservação passam por dificuldades em conseguir recursos para manutenção, logística e equipe
das áreas. Com isso, várias atividades passam por ameaças como modificações no ecossistema, a má utilização dos recursos
biológicos e muitas UC não encontraram a melhor forma de manejo do fogo. Assim, as ações mais trabalhadas em Unidades de
Conservação são: prevenção de incêndios, mobilização e treinamento das equipes além de trabalhos relacionados com educa-
ção ambiental.
Os principais motivos de criação de mosaicos, segundo Pinheiro (2010), são o aumento da escala para conservação,
benefícios sociais e político-institucionais, ampliação na participação fortalecendo assim as UC; otimização de recursos e in-
fraestrutura, redução dos conflitos; relação estimula a relação e integração dos moradores do entorno com a área protegida, além
de proporcionar melhor relacionamento e possibilitar até mesmo o desenvolvimento territorial.
Os 24 municípios que abrangem o Mosaico do Espinhaço, possuem características naturais do nordeste de Minas, com
domínios da Mata Atlântica, Campos Rupestres, Campos de Altitude do Espinhaço. Dentre várias singularidades, essas carac-
terísticas vegetacionais da região faz com que o Mosaico do Espinhaço se destaque por suas transições. Para Azevedo (2009)
a visão do Mosaico do Espinhaço é “conservar e desenvolver de forma sustentável um segmento representativo da cadeia do
Espinhaço que integra cerrado, campos rupestres e mata atlântica”.
Um desafio muito grande para o funcionamento e gestão do Mosaico são as várias lacunas do aparato institucional, os
conflitos gerados muitas vezes por falta de comunicação, desde a falta de nivelamento e baixa apropriação até a linguagem
utilizada pouco acessível. É de grande interesse a participação efetiva tanto dos gestores e equipes, quando das comunidades
e sociedades envolvidas, para assim ser feita de forma beneficiária. Além disso, aumenta os atores envolvidos nos processos e
desafios enfrentados, fortalecendo assim laços de forma retroalimentar o mosaico. A partir do conselho consultivo do mosaico se
faz a principal forma de possível participação social na gestão das UC.
Traz consigo a importância da era moderna na experiência ocidental; signo de um mundo sem
fronteiras, porém delimitado em si; a compressão tempo-espaço a produzir contradições ao redu-
zir as distâncias aparentes entre os homens e os últimos ‘refúgios naturais’ da Terra (BEDIM, 2007).
Portanto, para além de disseminar padrões globais a sociedade urbano-industrial globalizada tem apontado uma tendên-
cia de revalorização da cultura rural e de expressões arcaicas, mais simbólicas e de maior proximidade com a natureza. De-
vemos perceber que o turismo faz uso dessa tendência para vender experiências, podendo ocasionar em resultados positivos ou
negativos, tanto para turistas como para as localidades visitadas.
Com a evolução da consciência ecológica por parte da sociedade e a criação de Parques Nacionais em diversos países,
surgem as atividades turísticas focadas na visitação desse tipo de unidade de conservação.
A criação de Parques Nacionais e demais áreas naturais protegidas tem sido um dos principais ele-
mentos de estratégia para conservação da natureza, em particular nos países do terceiro mundo.
Desde seu início, os Parques Nacionais foram estabelecidos para fornecer às populações urbanas
meios de lazer e contemplação do mundo natural (DIEGUES, 1997, p. 85).
que leve em conta as particularidade das paisagens humanas e naturais brasileiros. (...) Tal ativi-
dade turística, neste caso, deve ser entendida enquanto um processo de (re)descoberta desse
nosso patrimônio humano e natural, no qual diversos tesouros permanecem ocultados por uma
atitude administrativa totalizante.
De acordo com esses autores o conceito de uma atividade turística pessoalizante provocaria a percepção da paisagem
para além do primeiro olhar, limitado ao ISSO, o olhar apenas horizontal “e onde a maior parte do turismo convencional se res-
tringe. A partir desse primeiro olhar, inicia-se uma busca tanto interior, na direção do EU de cada um, tanto exterior, na direção
do TU” (GONTIJO; REGO, 2001, p.10).
Compreende-se, assim que a relação, o menos distanciada possível, do turista com os nativos dos lugares visitados (EU-
TU), o permitiria ampliar sua percepção e experiência desse lugar (EU-ISSO), escapando assim da superficialidade do primeiro
olhar. De acordo com Buber (apud GONTIJO; REGO, 2001, p.10)
Para a pessoa, o EU-TU tem mais prevalência, anterioridade, e por isso, informa e atualiza o EU-
ISSO. O mundo do ISSO – ao qual a pessoa não pode renunciar – deve ser legitimado e atualizado
pelo encontro. É dele que vem a inspiração dos limites para o domínio e a manipulação do mundo
do ISSO.
Turistas entram e saem de museus e parques, assistem representações da cultura, experimentam as receitas locais, to-
mam banho de cachoeira; registram tudo em vários gigabyte de fotografias, mas não se deixam abertos a relação EU-TU e criam
uma relação superficial com o EU-ISSO. Percebendo a paisagem de forma fragmentada, e nesse caso Gontijo & Rego (2001)
lembra que, “por mais fragmentada, e muitos turistas agem dessa forma, ela permanece como um todo indivisível no qual muito
mais elementos poderiam ser revelados se o olhar do observador fosse mais atento”.
Vemos aqui que o turismo, até então citado como uma possível substituição econômica às atividades que foram proibidas
às comunidade locais não tem alcançado esse objetivo, já que a atividade se restringe aos limites dos Parques.
Porém a proposta de roteiro Travessia dos Parques e Vilarejos propostas para o Mosaico de Unidades de Conservação
do alto Jequitinhonha Serra do Cabral pode alterar essa situação, desencadeando o movimento para uma atividade turística pes-
soalizante, que atinja positivamente as comunidades que ficaram à margem das UC e sujeitas as suas normas
Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido com a ideia dos
lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa;
mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que em primeiro se
pensou. Viver não é muito perigoso? (ROSA, 1986, p. 26)
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Em Grande Sertão Veredas, Rosa (1986) se utiliza da metáfora travessia para sugerir que o “real” não se encontra no início
nem no fim das jagunçadas protagonizadas por Riobaldo Tatarana e Diadorim nos sertões de Minas e Goiás, mas sim durante o
percurso que medeia a passagem entre o “homem humano” e os anseios de seu espírito (SOETHE, 2007).
Travessia, não só no sentido de atravessar de um ponto a outro, mas no sentido de
sair do espaço urbano da região metropolitana, do lugar onde vivo e me sinto ‘confortável’, se sua
paisagem construída sobre o concreto e o asfalto [...], onde cada território é disputado para fins
econômicos, políticas e culturais...e chegar até o espaço rural de uma região que muitos ainda
consideram a ‘mais pobre’ de Minas Gerais (quiçá do Brasil), mas, na verdade, é o lugar de vivên-
cia de uma gente hospitaleira, solidária, humilde [...], situada em meio a paisagens de resquícios
dos cerrados, da mata atlântica, das veredas e, sobretudo, de extensos monocultivos de eucalipto,
onde os elementos da cosmovisão quilombola (capelas, rosários, cruzeiros, chifres de boi, etc.)
também se misturam ao “natural” e, assim, conformam o patrimônio histórico-cultural das comuni-
dades (DINIZ, 2013, p. 25).
Observa-se assim que algumas comunidades no interior do Mosaico começam a serem atingidas por uma modalidade
de turismo que, ainda, se faz pouco impactante. Isso se dá porque ao longo da travessia nos deparamos com vários caminhos
possíveis, em que, as vezes, optamos pelo caminho mais fácil - ou que acreditamos ser o mais fácil – em outras nem tanto, algu-
mas vezes erramos e noutras acertamos.
Mas essa é a condição da nossa existência e são os percalços do caminho, que cada um que está realizando a travessia,
avalia sua vida – nem se for somente pelo aspecto físico – e se “prepara” para uma aproximação diferenciada com as comuni-
dades que recepcionarão nos pernoites da travessia. E o passo a passo, o andar sem saber quando chegar, principalmente aos
caminhos desconhecidos.
A travessia possui aproximadamente 118 km e permite, além da possibilidade de aproximação e de maior conhecimento
da natureza da região, conhecer parte da história e da cultura nacional, que tem origem nessa região. Ao passar por comuni-
dades tradicionais, dentre rurais e quilombolas é possível apreciar a culinária, o artesanato, manifestações culturais e religiosas,
além do modo de vida local.
Referências
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Resumo
A Serra do Gandarela, Quadrilátero Ferrífero (MG), abriga comunidades rurais que vivenciam conflitos pela expansão da minera-
ção e pela criação do PARNA da Serra do Gandarela. Partindo de uma reflexão sobre os conceitos de conservação/preservação
da biodiversidade, buscou-se estudar a comunidade de André do Mato Dentro, escolhida pelo seu protagonismo no processo
da proposta de uma RDS reivindicada na área, no intuito de verificar o favorecimento das práticas/saberes agrícolas locais para
a conservação da biodiversidade. Para isso identificou-se e mapeou-se tais práticas por meio de uma cartografia falada por agri-
cultores locais. Os resultados mostraram que a comunidade local desenvolve um elevado número de práticas e técnicas baseada
em seus saberes e suas experiências sobre elementos oriundos da natureza, podendo, ao longo de anos, vir contribuindo de
forma distinta para a conservação da biodiversidade local.
Introdução
Em 13 de novembro de 2014 foi decretado pela presidência da república federativa do Brasil mais um Parque Nacional,
o Parque Nacional da Serra do Gandarela (PARNA Serra do Gandarela1). O Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
(MPSG) recebeu com preocupação a notícia. A reação ao decreto se deu não pela notícia que colocaria um ponto final num
longo processo de mobilização e participação social que se iniciou em 2007 com o apoio de diversos grupos sociais que se
sensibilizaram e lutaram pela preservação e conservação da área da Serra e seu entorno. O que trouxe o estarrecimento foram
os limites da área da Unidade de Conservação federal, de proteção integral, decretada após um longo processo de negociações.
O PARNA aprovado não refletiu nem o processo social democrático que amparou o seu pleito, muito menos contemplou a pro-
posta encaminhada pelo Instituto Chico Mendes de Proteção a Biodiversidade em 2010 (ICMBIO, 2010) e apoiada pelo MPSG,
após vários estudos de campo fundamentado em pesquisas científicas e intenso trabalho junto das comunidades envolvidas.
Além disso, negligenciava a proposta da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Alto Rio São João demandada pelas
comunidades locais e incorporava ao Parque parte da área proposta para a RDS deixando fora do limite do PARNA, ou seja, sem
proteção integral, áreas de ecossistemas singulares, importantes para proteção de espécies endêmicas, de floresta primária e
as mesmas áreas de cabeceira e recarga de aquíferos, que drenam tanto para a bacia do Rio das Velhas quanto para a bacia do
Rio Doce, do qual o rio São João é tributário. Com isso as atividades agrícolas e extrativistas praticadas pelos moradores locais
ficaram inviabilizadas pelas restrições impostas pela UC de proteção integral (ROJAS; PEREIRA; DIAS, 2015).
Segundo o ICMBio (2015), a proposta que apresentaram levou em consideração as necessidades das populações dos
municípios, numa região que há séculos tem na mineração a atividade que gera a maior parte de sua renda. Das negociações
resultou uma proposta que conciliou a criação do Parque Nacional com quase todos os empreendimentos de mineração que
estavam em licenciamento quando a proposta do Parque foi entregue, favorecendo os empreendedores que querem trabalhar,
gerar emprego e renda, mas reconhecem a importância ambiental da região, de suas águas e de sua biodiversidade. No entanto,
no limite decretado, grande parte da área da Serra com prioridade comprovada de preservação foi deixada sem proteção, área
essa cobiçada por licenciamentos de mineração desde o início do processo de reivindicação do Parque.
1
O Parque decretado, segundo o decreto (DOU, 2014), abrange uma área de 31.2840 hectares, ou seja, sete mil hectares a menos do que a proposta original e viabiliza
as atividades minerárias na região.
2
(...) no SNUC, essa categoria deve incluir áreas naturais que abrigam populações tradicionais, que utilizam os recursos naturais de forma sustentável, mantendo
as condições ecológicas ambientais, que possam valorizar, conservar e aperfeiçoar seus conhecimentos e técnicas de manejo do ambiente” (LAMOUNIER; CAR-
VALHO; SALGADO, 2011).
3
“preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e
exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente,
desenvolvido por estas populações” (Art. 20, § 1o da lei No 9.985/2000, Lei do SNUC, BRASIL, 2000)
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Esse movimento é apontado por Rojas, Pereira & Dias (2015) como “espaço de resistência” onde as comunidades locais
também se mobilizaram e reivindicaram seus “espaços”, frente ao comprometimento e inviabilização das suas atividades agrí-
colas e extrativistas. Essas comunidades se organizaram e mobilizaram frente a um modelo de área protegida considerado um
modelo de preservação da natureza dominante (ROJAS; PEREIRA, 2015; DIEGUES, 2001; COLCHESTER, 2000) encontrando na
categoria RDS uma proposta que inclui as populações humanas e seus direitos de uso/apropriação do território.
A proposta de criação de uma RDS, então surge para que os moradores locais pudessem dar continuidade a seus modos
de vida. Diante da reivindicação da comunidade de André do Mato Dentro, durante reunião com representantes do ICMBio sobre
a proposta de criação do PARNA Serra do Gandarela, os analistas ambientais reconduziram a proposição de Parque para Reser-
va de Desenvolvimento Sustentável compatibilizando a proteção integral do PARNA Serra do Gandarela com as demandas e
interesses dos moradores (Rojas, 2014). As duas propostas das sete comunidades locais foram unificadas pelo ICMBio em 2012,
vislumbrando a criação de uma única RDS com uma extensão de 9,165 hectares (ICMBIO, 2012). Essa proposta única tinha por
objetivo “ampliar as possibilidades de garantias à proteção ambiental de modo mais compatível às formas de uso sustentável das
comunidades de pequenos agricultores familiares da região” (ROJAS, 2014) e propor um “mosaico de unidades de conservação”
compondo a proposta do PARNA Serra do Gandarela e RDS para cumprir a função como zona de amortecimento de conservação
do entorno do PARNA promovendo novas atividades econômicas locais mais sustentáveis voltadas para desenvolvimento local,
conforme vislumbrado por Lamounier, Carvalho & Salgado (2011). Além disso, a proposta do mosaico de UC foi um importante
argumento para deter o avanço da mineração na região, por isso foi bem recebida pelos integrantes do MPSG (Figura 1).
Figura 1. Proposta do Mosaico PARNA e RDS da Serra do Gandarela apresentada pelo ICMBio (2012)
Com o pedido de criação da RDS, os moradores aparecem como atores políticos coletivos que se colocam como partíci-
pes na distribuição do poder e nas decisões sobre a o destino da exploração dos potenciais naturais inseridos em seu território.
A visibilização política, social e cultural dessas comunidades alcançada pela reivindicação de suas necessidades territoriais, evi-
denciou a necessidade do debate sobre outras formas de conservação da natureza pautada na realidade local e na manutenção
da sociobiodiversidade (ROJAS, 2014).
4
Área do conhecimento oriunda da Etnociência que estuda a natureza segundo os conceitos e perspectivas linguísticas do homem (DIEGUES, p. 37, citando POSEY,
1987; GOMEZ POMPA, 1971; BALÉE, 1992; MARQUES, 1991).
5
Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação dos efeitos das tecnologias so-
bre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional (...)incluindo
dimensões ecológicas, sociais e culturais (ALTIERI, 2009, p.23)
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reconhecimento da mesma (DIAS; PENA, 2015).
A partir disso, por meio de imagens de satélite fornecidas pela ferramenta Google Earth prosseguiu-se o reconheci-
mento da região e demarcação de áreas a serem mapeadas. Inclui-se também na etapa pré-campo a elaboração de um roteiro
de entrevistas fundamentado em questões referentes às técnicas de manejo e a biodiversidade locais. A adoção pelo roteiro de
entrevistas é válida, pois o mesmo permite interpretar as experiências do individuo e o contexto em que foram experimentadas
(GOLDENBERG, 2004, p.19), ademais, o roteiro de entrevista extrapola questões previamente elaboradas. Já que através das
histórias e experiencias individuais expostas pelo entrevistado é possível apreender a construção e o desenvolvimento da região
(GOLDENBERG, 2004, p. 21), dessa forma a comunicação com o habitante local favorece um intercâmbio de informações e idé-
ias. O número de entrevistas não foi previamente delimitado, visto que há possibilidades de surgirem novas informações e diante
disso a pesquisa se torna passível de novas análises e interpretações (DUARTE, 2002, p. 143-144).
A sistematização dos dados foi direcionada, sobretudo aos aspectos qualitativos, mediante os dados coletados em campo
definimos uma tabela como a melhor forma de representar nossas informações. Uma vez que a população da comunidade é
caracterizada por exercer práticas diversas, que contribuem para o enriquecimento de nossa pesquisa. A opção por dados quali-
tativos beneficia a apreensão ao estudarmos as relações complexas, em detrimento de nos limitarmos a estudar apenas variáveis
expostas por dados isolados (GÜNTHER, 2006, p. 202; FLICK; COLS, 2000 apud DIAS; PENA, 2015). Diante da análise do roteiro
de entrevistas realizado no trabalho de campo, foi elaborada uma divisão dos 8 entrevistados - 8 famílias - segundo os atributos
das práticas desempenhadas pelos mesmos, as práticas foram divididas em duas categorias conforme sua participação na ma-
nutenção da biodiversidade6 local (DIAS; PENA, 2015).
A filtragem dos 8 entrevistados se deu devido à três princípios: a variação no que concerne ao tipo de práticas entre cada
um dos entrevistados (apesar de observadas algumas semelhanças entre os entrevistados). O vínculo e o tempo de ocupação na
comunidade de cada. E a disponibilidade para a realização de entrevistas e visitas às propriedades. Além disso, boa parcela dos
entrevistados (excetuam-se os entrevistados 4 e 3) participam frequentemente das reuniões entre os moradores da comunidade,
fato este que releva a relação entre os entrevistados e o universo total de famílias.
O diálogo com os entrevistados 1, 5 e 6 contribuiu para uma análise genérica das presumidas 34 famílias, devido ao co-
nhecimento de tais entrevistados a respeito da população local e de seu ambiente. Desse modo, foi possível verificar a conjuntura
da comunidade, a partir da perspectiva dos entrevistados supracitados, constatou-se, por exemplo, o eucalipto como a maior
fonte de renda dos habitantes da comunidade durante a década de 1990. Ainda que o universo de 8 entrevistados corresponda
aproximadamente à cerca de 23,5% do total de famílias em André do Mato Dentro, o caráter mais preponderante foi a entrevista
com os entrevistados 1, 5 e 6 e o saber histórico local dos mesmos.
Categoria 1: Práticas que contribuem para a manutenção da biodiversidade - Formas de manejo e domesticação
das espécies envolvendo o aproveitamento de alguma forma da mata natural e dos produtos produzidos pela família (esse foi o
critério de maior relevância na delimitação das categorias). Diversidade de produção superior a três (excetuam-se as hortas7).
Percentual de mata preservada após a instituição das práticas igual ou superior a 50% (aproximadamente) na propriedade da
família. Família que realiza mais de três práticas. Categoria 2: Práticas que contribuem pouco ou em nada na manutenção
da biodiversidade - Formas de manejo e domesticação das espécies em que verificou-se a ausência do aproveitamento da
mata natural e dos produtos produzidos. Diversidade de produção inferior a três (excetuam-se as hortas). Percentual de mata
preservada após a instituição das práticas inferior a 50% (aproximadamente) na propriedade da família. Família que realiza um
número inferior a três práticas.
Considerou-se o número de práticas como um critério de seleção, já que o número de práticas pode ser um indicador
responsável pela manutenção da biodiversidade, entretanto a forma como a prática é desempenhada é muito mais decisiva no
que diz respeito à manutenção. Diante disso, o número de práticas é um fator complementar no critério estabelecido. A diversi-
dade de produção é referente aos produtos agrícolas, plantados ou que brotaram de forma natural (sem a interferência antrópica
direta). O percentual de mata preservada está intimamente associado ao tipo de prática, porém foi identificado o mesmo tipo de
prática, abrangendo uma extensão de área diferente.
6
Biodiversidade nesse caso é definida quanto à variabilidade entre os seres vivos e a forma de domesticação e conhecimento das espécies, que permitem construir
e conservar a identidade cultural e social, sobretudo de comunidades e povos tradicionais (Diegues, 2000 p.1-3)
7
Visto que todas as famílias possuem horta, portanto foi necessário desconsiderar as hortas para estabelecer um critério mais rigoroso acerca das categorias definidas.
8
A agricultura na comunidade é caracterizada pela produção de subsistência, em raras ocasiões quando há excedente de produção, os produtos são comercializados
com famílias da comunidade ou de comunidades no entorno.
9
As espécies de eucalipto identificadas são denominadas como grande, branco, clonado e Urophylla. (entrevistados 1, 5 e 6)
10
Milho, inúmeras espécies frutíferas, por exemplo, abacate, laranja, morango, açaí, lichia, banana, limão, abacaxi, graviola, mexerica. Espécies aplicadas na
produção de chás: Melissa (tratamento de insônia), Gravatá (curar bronquite) e Cana-de-Macaco (tratar de inflamações).
11
Varão de São José, Assa Peixe, Folha miúda, Cachorro Magro, Alecrim do campo, e outras.
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Três das famílias entrevistadas criam peixes, as espécies Piau, Tilapia, Cará, Matrinxã e Bagre foram observadas nos
tanques, são alimentadas com ração e frutas produzidas no terreno das famílias, por exemplo, abacate e amora. Porém a criação
de peixe não remete apenas como uma fonte de proteínas às famílias, também têm o hábito de pescar como forma de distrair e
relaxar após os trabalhos rotineiros. A “camaradagem” (entrevistados 4 e 3) é usual entre algumas famílias, seja na produção do
mel ou na utilização do pasto12 de outra família, o manejo e as demais práticas por vezes são exercidas coletivamente, a capina
é um exemplo desse fato.
A coleta de musgo é outra atividade efetuada na região, porém esse tipo de atividade se restringe a um número bem
menor de famílias (entrevistado 8). A coleta do musgo na comunidade é uma das atividades de menor degradação da natureza,
a vegetação é retirada apenas nos locais onde se pretende criar trilhas que levem até o musgo. A fauna local, como a anta, par-
ticipa da construção das trilhas, pois esse tipo de animal na maioria dos casos procura por alimento em campos abertos, locais
onde comumente há musgo (entrevistado 8). A figura 2 mostra a localização da comunidade e das moradias dos entrevistados,
exibindo a classificação nas categorias propostas.
Diante da maneira como as famílias da comunidade fazem uso dos recursos disponíveis, do conhecimento que adquiri-
ram com seus antepassados (entrevistados 1 e 6), a população local por meio das suas práticas e saberes tradicionais promove
a conservação da natureza. Apesar de algumas famílias adotarem ações mais depredatórias, em sua maioria a população local
manifesta preocupação com a conservação da natureza e as práticas empregadas refletem essa inquietação, a baixíssima apli-
cação de insumos químicos é um dos fatores que corroboram com a forte relação da comunidade com a natureza e a biodiver-
sidade que a compõe.
Nesse caso é cobrada uma pequena quantia no valor de R$10,00 por cabeça de gado, entretanto segundo o entrevistado 4, o valor é muito abaixo do real valor a
12
comumente cobrado.
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O MOSAICO CARIOCA DE ÁREAS PROTEGIDAS E O MODELO DE
DESENVOLVIMENTO URBANO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Resumo
O mosaico de áreas protegidas é um instrumento criado no âmbito da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, e tem sido discutido e implementado como um mecanismo de ordenamento e gestão do
território. O Mosaico Carioca é formado por 19 unidades de conservação, das três esferas governamentais. Possui a particulari-
dade de estar inserido no contexto urbano, situado no município do Rio de Janeiro, uma cidade que vem sofrendo transformações
na sua configuração geradas a partir de interesses diferenciados que raramente contemplam a conservação da biodiversidade.
Por meio de uma abordagem qualitativa, o objetivo da pesquisa é apresentar a contextualização socioespacial da área que
compreende o Mosaico Carioca, com destaque para a sua inserção na malha urbana, mais especificamente numa metrópole
fortemente associada ao modelo de desenvolvimento urbano neoliberal.
Introdução
O mosaico de áreas protegidas é um instrumento criado no âmbito da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e tem sido discutido e implementado como um mecanismo de ordenamento
e gestão do território. Os mosaicos são criados no caso da existência de um conjunto de unidades de conservação de catego-
rias diferentes ou não e outras áreas protegidas públicas ou privadas, justapostas ou sobrepostas. Estes espaços, destinados à
preservação e utilização sustentável da natureza pressupõem a gestão integrada de todas as unidades de conservação e demais
áreas protegidas, que possuam características ecossistêmicas em comum, pertencentes a diferentes esferas de governo ou não
(BRASIL, 2000).
Dentre os mosaicos criados desde 2002, o Mosaico Carioca, situado em sua maior parte no município do Rio de Janeiro,
com pequenas partes nos municípios de Nova Iguaçu e Nilópolis, tem a particularidade de integrar diversas UC em meio ao
espaço urbano. Foi reconhecido oficialmente em 11 de julho de 2011 pelo MMA, através da portaria de Nº 245. Tem cerca de
35.000 hectares, e a gestão das UC é realizada pelas três esferas governamentais (federal, estadual e municipal).
Imerso em um contexto urbano, o Mosaico Carioca além de ter como finalidade a conservação da biodiversidade, tam-
bém pretende funcionar como um instrumento de gestão do uso e ocupação do espaço, e neste sentido seus desafios são
acentuados por impactos diretos e indiretos de questões comuns às grandes metrópoles: segregação socioespacial, pressão e
especulação imobiliária, habitação, falta de saneamento básico, etc.
Este trabalho visa apresentar a contextualização socioespacial da área que compreende o Mosaico Carioca, com des-
taque para a sua inserção na malha urbana, mais especificamente numa metrópole fortemente associada ao modelo de desen-
volvimento urbano neoliberal, que busca facilitar a ação do mercado e abrir frentes de expansão do capital financeirizado, o que
influi nos usos e fluxos da cidade (ROLNICK, 2013).
O trabalho foi organizado em duas partes: a primeira consiste na caracterização do Mosaico Carioca, com a exposição
das UC que dele fazem parte e o processo de criação. Para a carcaterização deste mosaico foram utilizados como métodos pes-
quisa bibliográfica e análise de dados secundários. Para tratar do processo de criação, em virtude da inexistência de referências
bibliográficas para tal, utilizaram-se como fontes as informações coletadas em entrevistas realizadas na pesquisa de mestrado
de autoria de Pena (2015). A segunda parte compreende a análise da cidade do Rio de Janeiro na presente década (2010), num
cenário de “megaeventos, meganegócios, megaprotestos” (VAINER, 2013, p. 37), problematizando a forma como o modelo de
desenvolvimento urbano neoliberal adotado no âmbito da gestão pública municipal e estadual, vem acentuando a segregação e
viola os direitos à cidade. O método para esta parte foi pesquisa bibliográfica, a partir da contribuição principalmente de Sanchéz
Figura 1. Mosaico Carioca de Áreas Protegidas, conforme portaria de reconhecimento, n° 245, de 11 de julho de 2011.
Fonte: Gerência de Gestão de Unidades de Conservação, SMAC, 2013.
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No decorrer de 2013, algumas UC foram recategorizadas e criadas para compatibilizar sua gestão com a real dimensão
e função da área. Os principais exemplos são: as APAs dos Morros do Leme e Urubu e Babilônia e São João e o Parque Estadual
da Chacrinha foram recategorizados para Parque Natural Municipal da Paisagem Carioca em junho de 2013 e em agosto de 2013
foi criado o Parque Estadual do Mendanha, que abrange grande parte da APA Gericinó/Mendanha.
Em junho de 2013 uma equipe do Ibase iniciou a execução do “Projeto Mosaicos da Mata Atlântica: Fortalecimento da
sociobiodiversidade da Mata Atlântica e apoio à gestão integrada de Mosaicos de Áreas Protegidas” (IBASE, 2013). Por intermé-
dio desta iniciativa, foi realizado o processo de constituição do conselho consultivo do Mosaico Carioca, incluindo a elaboração
de seu regimento interno e desenvolvimento dos planos de ação (2014 - 2016). Tais ações contemplaram a participação de
instituições e atores interessados, por meio de oficinas e outras dinâmicas. Neste contexto, foi formulada uma proposta de uma
nova composição do conselho consultivo, ampliada e paritária entre entes governamentais e organizações da sociedade civil,
envolvendo setores representativos da realidade na qual o Mosaico Carioca se insere. As representações foram legitimamente
eleitas e a proposta aprovada consensualmente pelos participantes (LOUREIRO et al., 2014). Assim, a formação do conselho
consultivo apresentada na portaria de 2011 passou a ser desconsiderada. Segundo Loureiro (2014, p. 2) , o conselho atualmente
“atende aos pressupostos democráticos definidos pelo Estado brasileiro de participação social e política, em espaços públicos,
do cidadão organizado coletivamente”.
Ainda segundo Loureiro et al. (2014), também era consenso entre os participantes que a portaria de 2011 não contem-
plava adequadamente o quadro atual de UC existentes, pois algumas foram reagrupadas ou recategorizadas – como exposto
anteriormente -, e outras não estão adequadamente implementadas e não atendem a critérios básicos para estarem em um mo-
saico (por exemplo, ausência de gestor responsável). Deste modo, foi elaborada uma proposta de uma nova portaria ministerial
para o Mosaico Carioca, contemplando as mudanças em relação à composição das UC (representado na Figura 2 e Quadro 2)
e do conselho consultivo. O documento foi enviado ao MMA no primeiro semestre de 2014, e até o momento em que o presente
trabalho foi concluído não houve resposta.
Atualmente a gestão do Mosaico Carioca está pautada na proposta de portaria, apesar desta não ter sido oficialmente
reconhecida pela MMA.
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O processo de criação
O Parque Nacional da Tijuca (PNT), inserido no Mosaico Carioca, é a UC mais visitada do Brasil, atingindo três milhões
de visitante em 2014 (PARQUE NACIONAL DA TIJUCA, 2015). Além disso, abarca um dos principais atrativos da cidade, e até
mesmo do país, o Corcovado. Nestas circunstâncias, para o cumprimento da adequação de infraestrutura turística e outras ativi-
dades de gestão da unidade, a gestão do parque vem realizando, desde 1999, Acordos de Cooperação de Gestão Compartilhada,
que consistem em instrumentos firmados entre esferas e órgãos governamentais para ações conjuntas no âmbito do Parque. Em
maio de 2009, o acordo supracitado, que já não havia sido renovado há quatro anos, foi assinado pelo então Ministro do Meio Am-
biente, Carlos Minc, e pelos representantes do Município do Rio de Janeiro, ICMBio, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Com-
panhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), Empresa Municipal de Vigilância S/A, com interveniência do MMA. Segun-
do G11, a revitalização do acordo se deu num momento favorável de alinhamento político entre o Prefeito Eduardo Paes, o então
Governador do estado, Sérgio Cabral e o então presidente da República, Luiz Ignácio Lula da Silva (informação verbal).
Ainda segundo G1, nesta ocasião, por iniciativa do então representante da SMAC na Gestão Compartilhada do PNT,
G2 , juntamente com Secretário Municipal de Meio Ambiente, Carlos Alberto Vieira Muniz (PMDB), foi incluída uma cláusula no
2
documento referente ao apoio à criação do Mosaico Carioca. Essa iniciativa mobilizou outros gestores de UC (das três esferas
governamentais) e outros funcionários dos órgãos ambientais. Assim, G1 e G2 consideram que um dos fatores essenciais para a
criação deste Mosaico está relacionado ao aprendizado no âmbito dos acordos de gestão compartilhada do PNT. G2 e G33 des-
tacam que a criação do Mosaico não foi uma demanda apenas política e institucional, pois a sua criação se deu muito em função
da vontade e disposição dos funcionários envolvidos na gestão das UC que compõem o mosaico (informação verbal).
Em 1° de março de 2010, durante as comemorações do aniversário do município do Rio de Janeiro, ocorreu na cidade o
lançamento do Mosaico Carioca, oficializado pelo então Ministro Carlos Minc. Entretanto, apesar da solenidade, a portaria do
Mosaico Carioca só foi reconhecida mais de um ano depois. Isto porque, a ideia inicial, manifestada na minuta de portaria, era in-
serir outras áreas protegidas urbanas4, e não apenas unidades de conservação. Assim, a primeira proposta elaborada pelo grupo
contemplava na composição do Mosaico o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Reserva Florestal da Vista Chinesa. Contudo,
para G3, apesar do empenho do então Ministro do Meio Ambiente (informação verbal), a composição de áreas protegidas não
foi aceita pelo MMA.
G3 aponta que a restrição indicada pelo MMA se deu também em relação à composição do conselho consultivo, que foi
considerada inovadora por contemplar segmentos que a princípio não tinham uma ligação direta com as áreas protegidas do
Mosaico, mas com a gestão urbana como um todo.
Após alterações na portaria, esta foi oficialmente reconhecida em 11 de julho de 2011, contando exclusivamente com
unidades de conservação na sua composição. O conselho consultivo somente foi oficialmente instituído em janeiro de 2014 e tem
se reunido com frequência. Tem como forma de organização e estrutura quatro instâncias: a plenária, o colegiado coordenador,
as câmaras temáticas e o núcleo de apoio.
Com os recursos oriundos da emenda parlamentar, em 2014 o Mosaico Carioca adquiriu recursos humanos (um secre-
tário executivo e dois estagiários), um veículo e mobiliário para escritório e equipamentos. Não foi obtido, entretando, o mesmo
valor das emendas de 2014 em 2015, e, atualmente (julho de 2015), o Mosaico Carioca busca novas fontes para manter sua
estrutura organizacional.
É certo que o Mosaico Carioca está sujeito as mais diversas apropriações, sobretudo relacionadas à interesses políticos
e econômicos. É uma área de visibilidade inquestionável no âmbito das políticas ambientais no país, sobretudo quando o assunto
é parques urbanos e mata atlântica. Por outro lado, está inserido em uma metrópole que cresceu sem o devido planejamento,
pautada em interesses econômicos que comumente negligenciam questões como mobilidade urbana, habitação, acesso aos
espaços de lazer. No próximo item serão apresentados alguns marcos no processo de uso e ocupação do espaço de áreas
caracterizados por contradições e privilégios em relação à determinadas escolhas.
1
Representante do Núcleo de Apoio ao Mosaico Carioca (SMAC). Depoimento [dezembro, 2014]. Entrevistadora: Ingrid Pena. Rio de Janeiro, 2014. 1 arquivo.mp3
(1h26min).
2
Ex Secretário Executivo do Mosaico Carioca. Depoimento [setembro, 2014]. Entrevistadora: Ingrid Pena. Rio de Janeiro, 2014. 1 arquivo.mp3 (24min).
3
Servidora INEA que participou do processo de criação do Mosaico Carioca. Depoimento [outubro, 2014]. Entrevistadora: Ingrid Pena. Rio de Janeiro, 2014. 1 arquivo.
mp3 (17min).
4
Foram mencionados nas entrevistas: Parque de Madureira, Quinta da Boa Vista, Aterro do Flamengo, Jardim Botânico, Parque Tom Jobim e Reserva Florestal da
Vista Chinesa.
(...) o êxito do governo brasileiro, em especial, do Executivo municipal da cidade do Rio de Janeiro
em conquistar a condição de país-sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos Rio-
2016 pode ser tomado como exemplo da produção dessa política-espetáculo (SANCHÉZ, 2012).
Ferreira (2013) considera que estamos passando por um processo de banalização do espaço urbano, materializada em
uma urbanização banalizada (p. 29), centrada em modelos de sucesso internacional que abrangem propostas de revitalização5
de áreas centrais e portuárias, e a partir disto, investimentos em infraestrutura voltada para a atividade turística e para espaços
residenciais e de negócios para as classes alta e média. Para o autor, este formato se repete em várias cidades, inclusive no Rio
de Janeiro, e neste contexto indica ainda que as atuais decisões e investimentos governamentais, que geram grandes transforma-
ções socioespaciais, consolidam a segregação na cidade, pois são em sua maioria direcionadas ao favorecimento das classes
mais abastadas e aos turistas.
Vainer (2013) defende que este modelo de cidade
(...) aprofundou e agudizou os conhecidos problemas que nossas cidades herdaram de quarenta
anos de desenvolvimentismo excludente: favelização, informalidade, serviços precários ou ine-
xistentes, desigualdades profundas, degradação ambiental, violência urbana, congestionamento
e custos crescentes de um transporte público precário e espaços urbanos segregados (p. 39).
No âmbito do município do Rio, tendo em vista a sua visibilidade turística nesta década de megaeventos esportivos,
alguns dos problemas citados pelo autor foram mais acentuados e evidenciados, tendo como destaque as remoções forçadas,
que consistem basicamente na mudança de famílias pobres que vivem em áreas centrais para a periferia, com oferta precária
de serviços básicos, como transporte, baixo valor de indenizações e forte pressão da especulação imobiliária, numa tentativa de
“maquiar” a cidade, buscando “esconder” a pobreza e a criminalidade (VAINER, 2013; COSENTINO, 2013). Além desta questão,
Vainer (2013) indica também como problema latente os monopólios para a concessão de prestação de serviços que ferem os
direitos do consumidor.
Neste cenário de megaeventos e meganegócios, em 2013, sucederam-se também os megaprotestos (VAINER, 2013),
não só no Rio de Janeiro, mas também em outras cidades cujas populações arcam com os custos da adoção do modelo de cidade
neoliberal. Para Rolnick (2013), as grandes manifestações que despontaram foram resultado de uma nova geração de movimen-
tos urbanos descontentes com a mercantilização das cidades.
Segundo Ferreira (2013), alguns qualificaram as manifestações como uma festa, desprendida de consciência política,
enquanto outros chegaram a imaginar uma grande revolução. Entretanto, o autor aponta como indubitável a conexão das mani-
festações com a questão das relações de poder presentes nas cidades, isto é, o autoritarismo, a prepotência dos governantes e
o desrespeito à dignidade da população no que se refere a prestação de serviços (p.13). Vainer (2013) também associa os pro-
testos ao contexto propiciado pelos maciços investimentos urbanos em obras relacionadas à Copa do Mundo (2014), e no caso
do Rio de Janeiro, também aos jogos olímpicos (p. 37).
5
Para o autor, “Revitalização e renovação sao palavras – e políticas - que produzem às vezes inquietações, ja que significam, frequentemente, destruir e reconstruir”
(FERREIRA, 2013, p. 24).
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No que tange à temática ambiental, segundo o dossiê elaborado pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Ja-
neiro (2013), os principais casos de degradação ambiental são a implantação dos corredores viários Transcarioca, Transolímpica
e Transoeste, os processos de remoção de comunidades sob a justificativa ambiental e a construção de um Campo de Golfe em
uma área protegida. Este artigo se limitará na explanação sobre o caso da construção do Campo de Golfe Olímpico, pois envolve
a flexibilização da base legal que deveriam contribuir para a consolidação de áreas protegidas e ilustra o posicionamento dos
governantes em relação às questões referentes à conservação da biodiversidade na cidade do Rio.
Nestas circunstâncias, um grupo organizado da sociedade civil, denominado “Golfe para Quem?” tem promovido o
debate acerca da situação e denunciado as irregularidades, através de redes sociais. O caso também envolve protestos e ocu-
pações de ativistas que exigem o embargo das obras, respaldados pelo Ministério Público.
Além do descumprimento e de alterações de legislações ambientais, a implementação do campo de golfe envolveu
outras questões polêmicas, como a destinação dos recursos financeiros municipais6 e o fato de já haver um campo de golfe no
mesmo bairro, o Itanhangá Golg Club. Entretanto, não foi considerada na possibilidade deste ser o campo de golfe dos jogos
olímpicos, apesar de ser um dos dois campos de golfe com 18 buracos existentes no Rio, entre os 100 melhores campos de golfe
fora dos Estados Unidos, segundo a lista do Golf Digest (HODGES, 2014).
Os debates suscitados a respeito deste empreendimento também recaem sobre o fato de que o mesmo grupo - Prefeito
do Rio, o Secretário Municipal de Meio Ambiente e a bancada de vereadores – que apoiou a criação do campo, aprovou o Plano
6
R$60 milhões, investido pelo parceiro privado – Fiori Empreendimentos -, sendo que o custo médio de um campo de golfe com 18 buracos é menos que R$10 milhões
Figura 4. Propaganda em um condomínio em construção próxima ao Campo de Golfe Olímpico Fonte: IMOVEISDELUXO (2015).
Assim, em vias de se tornar realidade, estando 60% da construção concluída (HODGES, 2014), o projeto tem, conveni-
entemente, superado todos os potenciais bloqueios, desde os regulamentos sobre o uso da terra até as leis de proteção am-
biental. Ferreira (2013) relembra que as transformações socioespaciais imprimidas na cidade justificadas pelos megaeventos
expressam e atualizam de forma intensa o ideário de cidade vigente.
Crê-se oportuno notar que este é apenas um dos casos, dentre muitos, que não contemplam a conservação das áreas
naturais da cidade, promovem a segregação socioespacial, afetam a dinâmica territorial e transformam a paisagem da cidade
em prol de interesses específicos do capital imobiliário.
Considerações finais
Este trabalho teve como finalidade apresentar o contexto socioespacial da área que compreende o Mosaico Carioca, com
destaque para a sua inserção na malha urbana. No atual contexto da cidade de alta atratividade de investimentos, coube analisar
sucintamente o caráter neoliberal de desenvolvimento presente nos projetos do Rio de Janeiro, na esfera de uma economia sim-
bólica que afirma visões padronizadas de uma cidade competitiva.
O contexto urbano no qual o MC está inserido exerce influência no desenvolvimento das relações sociais e político-
institucionais que o sustentam, e também nos impactos ambientais sofridos (naturais e antrópicos). Especificamente na década
de 2010, num cenário de “megaeventos, meganegócios, megaprotestos” (VAINER, 2013, p. 37), os interesses e intervenções
espaciais que envolvem a cidade estão ainda mais conflituosos e impactantes. Vainer (2013) destaca o autoritarismo presente nas
relações instituídas entre os governantes e os cidadãos, repercutida no desrespeito à dignidade da população no que se refere
a prestação de serviços e nos maciços investimentos urbanos em obras relacionadas à Copa do Mundo (2014), e no caso do Rio
de Janeiro, também aos jogos olímpicos (2016), que resultam da segregação socioespacial na cidade.
Entendendo que na reprodução socioespacial da cidade estão representados interesses emanados de distintas institui-
ções e organizações, expressos nas relações sociais em diferentes tempos históricos, infere-se que a reprodução espacial do
MC, inserido na cidade do Rio de Janeiro, em termos materiais e imateriais, perpassa por meandros da produção do espaço
urbano. Assim, sofre influência e controle socioespacial comuns a uma grande metrópole, que vão desde a pressão de grandes
empreiteiras até o avanço e pressão espacial de favelas.
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Pereira, Henrique dos Santos1 & Vasconcelos, Ademar Roberto Martins de2
Resumo
Objetivou-se analisar a trajetória e a efetividade das políticas públicas estaduais de meio ambiente do Amazonas, a partir de 2003,
particularmente daquelas relacionadas aos setores de florestas e mudanças no uso do solo, de unidades de conservação e de
manejo de recursos pesqueiros. No período analisado, apesar do pouco investimento de recursos próprios, houve significativos
avanços nestes setores, com a criação de órgãos especializados e de marcos legais em âmbito estadual. No entanto, nos últimos
anos, a agenda ambiental foi perdendo o espaço político anteriormente conquistado, culminando com a reforma administrativa
em 2015. Atualmente, o aumento da frequência de eventos climáticos extremos vem desencadeando uma nova crise socioambi-
ental e que requer a inovação de políticas públicas capazes de favorecer, no plano local, a adaptação das comunidades rurais e
urbanas a essas mudanças ambientais globais.
Introdução
Avaliação da efetividade e eficiência das políticas públicas (PPs) se justifica como parte da prestação de contas e da res-
ponsabilização dos agentes estatais, ou seja, como elemento central da accountability (FARIA, 2005). Trata-se, portanto, de uma
ação política essencial para a boa governança com impactos sobre a questão do controle e da inclusão social. Reconhecendo
que o avanço dos processos de descentralização da gestão ambiental no Brasil vem conferindo maior importância para as ações
em nível estadual, este estudo teve como objetivo avaliar o desempenho do governo do Amazonas na formulação e implantação
de políticas públicas ambientais no período que compreende as últimas quatro gestões. Em outras palavras, se busca o entendi-
mento sobre “como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá na vida dos cidadãos” (SOUZA, 2006),
neste estudo, mais especificamente, as ações do governo estadual que visam promover a proteção e a qualidade ambiental no
Amazonas. Através de interpretações de estudos acadêmicos independentes e da análise de dados publicados pelos órgãos
governamentais, foram avaliadas a evolução das políticas e da estrutura de governo dedicada à área ambiental e a efetividade
das PPs dos setores de floresta e mudança do uso do solo, do manejo pesqueiro e de áreas protegidas. Discute-se ainda a par-
ticipação do governo estadual no financiamento da implantação dessas políticas. Por fim, se faz um alerta sobre a necessidade
da formulação e efetivação de novas políticas que enfrentem m âmbito local, a emergente crise ambiental desencadeada pelas
mudanças climáticas.
1
A sigla para Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD). O sinal + inclui “o papel da conservação, do manejo sustentável
e do aumento de estoques de carbono nas florestas”.
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272
mente mais vantajosas do que aquelas associadas ao desmatamento (SILVA, 2013).
A partir de 2011, com a mudança de governo, observou-se uma mudança significativa no discurso do Governo Estadual
quanto à temática do desenvolvimento sustentável e do enfrentamento das questões ambientais. O tema perdeu centralidade no
discurso oficial, tornando-se praticamente imperceptível, com repercussões na prática. Por exemplo, houve uma clara redução
no ritmo de ampliação das áreas protegidas estaduais, seguindo a mesma tendência obervada no âmbito do setor ambiental fe-
deral. Essa mudança se concretizou com a extinção da SDS, do CEUC e do CECLIMA pelo governo eleito em 2014, passando as
atribuições desses órgãos a serem exercidas diretamente pela nova Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA-AM), criada
em 09 de março de 2015.
Figura 1. Evolução da taxa de desmatamento do Estado do Amazonas e da Amazônia Legal segundo dados do PRODES/INPE (2003-2014).
Esta mudança na dinâmica de queda do desmatamento no Estado está associada principalmente com o crescimento
do desmatamento nos municípios localizados na região sul, sob a influência das BR-230 (Transamazônica) e BR-319 (Figura 2).
Dentre estes municípios estão Lábrea e Boca do Acre, os únicos dois municípios amazonenses que consta da lista de municípios
Figura 2. Evolução da área desmatada em Municípios do Amazonas com mais 1.000 km2 de desmatamento em área
de fronteira agropecuária em expansão.
De modo contrário, observa-se que dentre os municípios com mais 1.000 km2 de área desmatada, naqueles localizados
na região central do Estado (Itacoatiara, Maués, Autazes, Manaus e Careiro), há uma tendência de crescimento muito menos
acelerada da área desmatada acumulada. Essa região pode, então, ser considerada como uma região de fronteira agropecuária
consolidada.
Manejo Florestal (MF) - Os planos de manejo florestal sustentável de pequena escala (PMFSPE) diretamente incentiva-
dos pelo Governo do Amazonas começaram a ser implantados, em 2003, nos municípios da região do Alto Solimões e em Maués.
Até abril de 2007, mais de 50% dos municípios já haviam sido contemplados com PMFSPE. A política estadual de incentivo ao
manejo florestal de pequena escala no âmbito do Programa Zona Franca Verde, previa ações que iam desde a simplificação de
normas para o MF até o direcionamento de uma agência de assessoria técnica do estado ao apoio direto à elaboração de planos
de manejo florestal de pequena escala. Com esse enfoque, o estado do Amazonas elevou em 84% o número de iniciativas de MF,
passando de 422 planos de MF protocolados em 2007 a 775 planos de MF protocolados em 2009/2010. A grande maioria (80%)
desses planos de MF foi elaborada via órgão estadual de assessoria técnica – o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e
Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM) (PINTO; AMARAL NETO, 2011).
No entanto, dos 692 pedidos de autorização de PMFSPE protocolados até 2007, apenas 263 (38%) foram licenciados e 97
(14%) foram explorados. Esta diferença entre os planos protocolados, licenciados e explorados se deve às várias dificuldades
que surgiram no processo de implantação do programa que se relacionavam principalmente ao fato do órgão de licenciamento
ambiental do Estado, o IPAAM, demorar a emitir as Licenças de Operação e as Autorizações para Transporte de Produtos Flo-
restais, à falta de recurso dos produtores, à informalidade histórica do setor madeireiro no Estado e à própria adaptação dos
produtores às novas formas de trabalho exigidas para se fazer o Manejo Floresta Sustentável (PIRANI, 2007).
Em estudo recente realizado na RDS do Rio Negro por Silva (2014), os dados de produção e rendimento apontam que,
por safra, cada família chega a auferir uma renda líquida de R$4.320,00. Problemas na condução das atividades florestais ainda
existem, como baixo preço da madeira no mercado local, falta de transporte terrestre para retirar a madeira de dentro da área
de manejo, sazonalidade do rio, demora no processo de licenciamento ambiental, entre outros, mas que aos poucos, vem sendo
superados.
Takeda (2015) analisou 2.459 planos de manejo florestais autorizados pelos Estados na Amazônia Ocidental durante os
anos de 2007 a 2013. No Amazonas, foram registrados 833 planos, correspondendo a um total de 3.9993,40 mil m3 de volume de
madeira autorizados. Quanto aos tamanhos das propriedades ou posses rurais com manejo florestal autorizado, observou-se a
absoluta maioria (90,3%) era conformada por imóveis com área menor que 500 ha, indicando a forte influência da política florestal
estadual que incentiva a exploração florestal segundo a modalidade de pequena escala.
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Manejo sustentável da pesca - No âmbito do setor da pesca extrativa de águas interiores, o Amazonas é pioneiro no
desenvolvimento de políticas públicas. A principal espécie manejada é o pirarucu (Arapaima spp.), maior espécie de peixe
de escamas de águas doce, podendo atingir mais de dois metros de comprimento e pesar mais de 150 Kg. Apresenta ampla
distribuição na Bacia Amazônica, havendo registros no Brasil, Peru, Colômbia, Equador e Guiana. Alvos de intenso esforço de
pesca, as populações do pirarucu estão em declínio na maior parte da Amazônia. No ano de 1999, o IBAMA autorizou a comer-
cialização de oriundo deste modelo de manejo. Em 2004 e 2005, o IBAMA publicou Instruções Normativas N°34/2004, ratificando
a proteção do período reprodutivo da espécie, e N°01/2005, que proibiu a pesca no estado do Amazonas e definiu os critérios
e procedimentos para o manejo dos pirarucus. Na esteira desta experiência de manejo inaugurada em Mamirauá, em outros
locais, foram criados sistemas de manejo nos mesmos moldes. Atualmente, existem 12 áreas de manejo de pirarucu no estado
do Amazonas. A produção de pirarucus neste sistema de manejo evoluiu de três toneladas em 1999, saltando para 727 toneladas
em 2009 (BESSA; LIMA, 2010).
Dentre os principais avanços alcançados estão: a regularização da pesca comercial de pirarucu, proibida no estado do
Amazonas a partir de 1996 (Portaria n° 8 de 2 de fevereiro de 1996); o aumento anual médio na população de pirarucu em 25%,
nas áreas de manejo; o aumento anual médio na renda gerada em 29%; e o reconhecimento conferido ao grupo de pescadores
pela prática de ações sustentáveis ecologicamente. Estudo recente aponta que a atividade gera uma receita média líquida de
R$ 1.402,30 por pescador para dois meses de trabalho. Esse retorno financeiro demonstra que o manejo de pirarucu tem trazido
uma contribuição significativa para a população diretamente envolvida nas atividades de pesca manejada. (FIGUEIREDO, 2013).
Áreas protegidas – Na Amazônia Legal, de acordo com os dados oficiais, até 2010, as áreas protegidas correspondiam
a 43,9% da região, sendo metade em Unidades de Conservação e metade em Terras Indígenas (VERÍSSIMO et al., 2011). Propor-
cionalmente, o Estado com mais áreas protegidas seria o Amapá e o com menor área seria o Estado do Mato Grosso. Em termos
absolutos, o Estado com maior área protegida é o Estado do Amazonas, seguido do Estado do Pará que juntos correspondem a
66,6% das áreas protegidas da região.
A Lei estadual Complementar N°. 53, de 05 de junho de 2007, regulamentou o inciso V do Artigo 230 e o §1. do Artigo
231 da Constituição Estadual, instituindo o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC). Desde então os processos
de criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação Estaduais passaram a ser executados pelo Centro Estadual
de Unidade de Conservação (CEUC) que fez parte do sistema da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SDS).
Por iniciativa do CEUC e suas instituições vinculadas, o Estado do Amazonas expandiu em aproximadamente 10 milhões
de hectares a área legalmente protegida na forma de unidades de conservação. Desde a criação da Secretaria em 2003, essa
modalidade de espaço territorial especialmente protegido no Amazonas aumentou de 7,4 para 18,8 milhões de hectares, quase
triplicando o número de UC, que aumentou de 12 para 41 em 2009, totalizando nove UC de proteção integral e 32 de uso sus-
tentável. A preferência por UC do grupo de uso sustentável, especialmente as reservas de desenvolvimento sustentável (RDS),
é uma característica marcante da política de áreas protegidas estudais. Foi no Amazonas que surgiu a categoria e primeira RDS
do país, criada em 1996. Mais tarde, a categoria foi recepcionada na lei federal 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC).
Desde a criação da Secretaria em 2003, a área afetada por regimes especiais de proteção ambiental aumentou de 7,4
para 18,8 milhões de hectares. Este aumento triplicou o número de UC, que aumentou de 12 para 41 em 2009. Deste total, ape-
nas nove são UC de proteção integral e 32 de uso sustentável. Atualmente, o estado do Amazonas conta com 87,6 milhões de
hectares de áreas protegidas que correspondem a 56% do território do Estado e 10,3% do território Nacional. A maior parte delas
consiste em Terras Indígenas.
Apesar do significativo avanço no número e na cobertura territorial das UC no Estado do Amazonas, o nível de implemen-
tação dessas áreas protegidas é considerado baixo. Estudo realizado em 34 UC estaduais no Amazonas indicou que a média da
efetividade de gestão dessas UC é de 43% (WWF-BRASIL, 2011). De todas as UC avaliadas, sete apresentaram efetividade alta,
sete, efetividade média e treze apresentaram efetividade baixa.
Instrumentos fundamentais para a implementação de uma UC são o conselho gestor (CG) e o plano de gestão (PG).
O Conselho Gestor é um importante instrumento de gestão de democracia e participativa nas UC, podendo contribuir para o
acesso de tomada de decisões, uma vez que este espaço pode assumir competências deliberativas, consultivas, fiscais e mobi-
Em 2009, somente para a implantação das UC da área de influência da BR-319, a SDS recebeu diretamente do DNIT/MT
um montante de 9,9 milhões (http://www3.transparencia.gov.br/TransparenciaPublica/). Somente este convênio aportou um valor
que representava 36% do orçamento próprio da secretaria naquele ano (Tabela 1).
Dentre os principais doadores está o programa ARPA - Programa Áreas Protegidas da Amazônia. O ARPA é um programa
do Governo Federal, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), gerenciado financeiramente pelo FUNBIO (Fundo
Brasileiro para a Biodiversidade) e financiado com recursos do Global Environment Facility (GEF) – Banco Mundial, do Banco
de Desenvolvimento da Alemanha (KfW), do WWF-Brasil e do Fundo Amazônia (http://programaarpa.gov.br/). Foi lançado no ano
de 2002 para ser executado em três fases independentes e contínuas. É o maior programa de conservação de florestas tropicais
do planeta e o mais expressivo ligado à temática das unidades de conservação no Brasil. Um pouco mais da metade do total, ou
seja, 23 UC estaduais do Amazonas já foram contempladas com recursos do programa ARPA.
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Figura 4. Evolução do orçamento da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (2009-2015).
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
280
PARTICIPAÇÃO DE JOVENS NA GESTÃO DE BENS COMUNS:
A RESEX MARINHA DE CAETÉ-TAPERAÇU- PA
Resumo
As Reservas Extrativistas inauguram uma nova forma de gerir o território. Em que medida essa nova gestão tem, de fato, a par-
ticipação efetiva dos jovens que são e serão os atores sociais que responderão pela sustentabilidade do território? Os dados
que orientam esta reflexão provêm de pesquisa em curso na RESEX Marinha Caeté-Taperaçu, no Estado do Pará. Os primeiros
achados mostram baixa participação de jovens na cogestão em um processo que transformou habitantes de comunidades agro
pesqueiras em usuários/beneficiários de uma política pública sem a adequada formação para essa nova gestão. Há, portanto,
a necessidade de investimentos em processos socializadores de jovens para a participação nas instâncias formais da gestão
fortalecendo a cooperação, sobretudo, para preservação dos meios de vida e da cultura.
Introdução
A compreensão da relação homem e natureza, como problema científico, é recente. Seu marco pode ser a criação de
uma nova disciplina – a ecologia, em 1870, por Ernest Haeckel que desenvolveu uma ideia de totalidade e interação entre
homem e natureza. Essa disciplina abriu portas para o avanço de diversas perspectivas para entender essa complexa relação,
desde uma ótica mais biológica até as mais humanistas, passando pelo antropocentrismo que já, há muito, colocava o homem no
centro da imensa rede que compõe o mundo natural. De modo mais concreto, surge o conservacionismo, movimento que atuou
com grande projeção mundial na proteção da natureza, responsável pela demanda de criação de áreas protegidas, sobretudo,
parques. Defende a ideia de “natureza intocada”, isto é, sem a presença do homem. No lado oposto, a partir de uma vertente mais
econômica que social, com a ideia de que o crescimento econômico não pode ocorrer sem a utilização dos recursos naturais e,
consequentemente, algum “dano ambiental” é inevitável. E, entre ambos, os defensores da relação histórica do homem com a
natureza e, portanto, passível de sua utilização racional, sustentável, modelo no qual o homem é também parte da natureza e, por
conseguinte, mantém uma lógica de interação sem degradação inexorável (FERNANDEZ, 2014).
Essa última perspectiva é também ressaltada por Maneschy ao afirmar que há “a progressiva superação de uma visão
dualista entre sociedade e natureza que esteve presente por muito tempo entre as ciências [...] O meio natural é também produto
social e, portanto, modificado pelas práticas sociais coletivas em um sentido não necessariamente predatório. Muitas vezes, o que
parece ser uma paisagem intocada é resultado de manejos de populações passadas e presentes” (MANESCHY, 2003, p. 138).
Este artigo busca refletir sobre essa nova forma de gerir o território, examinando, especialmente a participação dos jo-
vens nas instâncias formais de gestão com suas contradições, acertos e desafios.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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locais, regras de apropriação e regras de provisão do sistema de recursos” ocorre também na RESEX, particularmente com o
Plano de Manejo. O terceiro princípio “A possibilidade de determinar as regras para a sua própria gestão de bens comuns e da
participação da maioria dos indivíduos afetados” também é pertinente, pois se institui nova gestão formada pelo Conselho Delib-
erativo, cujos integrantes tem direito a voz e a voto. É paritário, com representantes do governo federal, do estado, do município,
da iniciativa privada, dos cientistas, e dos usuários e beneficiários, organizados necessariamente em associação. O quarto
princípio “Monitoramento regular através de monitores que são os próprios apropriadores ou lhes prestam conta” se aplica à RE-
SEX e é executado principalmente pelo órgão gestor governamental, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade - ICMBio, as-
sim como pelos próprios moradores que encaminham denúncias de “desviantes” para as instâncias gestoras. O quinto princípio
“Sanções gradativas contra desviantes” está presente na RESEX na medida em que há sanções que são aplicadas aqueles que
violam as regras. O sexto princípio “Instâncias de fácil acesso e baixos custos para a resolução de conflitos”, o sétimo “Direito
de se organizar minimamente garantido e não contestado por autoridades governamentais externos” e o oitavo “Em caso de
sistemas maiores, organização dos participantes em vários níveis adequados, cada um com seus próprios arranjos institucionais
adequados” se efetivam na RESEX na organização política do território, constituído em Polos, que reúnem várias comunidades
representadas por comitês dos moradores/beneficiários/usuários no Conselho Deliberativo. Portanto, o acesso ao representante
comunitário no Comitê é fácil e com custo baixo. A participação na Associação é garantida e assegurada juridicamente. Esse
sistema, contudo, não garante a resolução fácil de conflitos, que podem envolver várias instâncias, dependendo de sua natureza.
Assim, consideramos que Reservas Extrativistas são instituições que representam respostas possíveis à “tragédia dos
bens comuns”, de Hardin. No caso das RESEX Marinhas, reconhecem às comunidades litorâneas, de pescadores artesanais,
seu papel no uso e na conservação dos recursos pesqueiros, que se encontram sob forte pressão de captura e, em muitos contex-
tos, em condições próximas à da Tragédia, haja vista a proporção de espécies sob ameaça, como por exemplo, o caranguejo-uçá
nos manguezais. As RESEX situam-se entre as possibilidades apontadas por Olson e Ostrom para a gestão de recursos naturais
de uso comum, desde que se garanta efetivamente a participação da comunidade. Como se destaca neste texto, a garantia de
participação dos jovens.
A grande aceitação desse enfoque reside na ideia de que se deve procurar o maior bem para
o benefício da maioria, incluindo as gerações futuras, mediante a redução dos dejetos e da ine-
ficiência na explotação e consumo dos recursos naturais não-renováveis, assegurando a produção
máxima sustentável (DIEGUES, 2008, p. 31).
As Reservas Extrativistas foram criadas no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, que define em seu Artigo 225
– Sobre o Meio Ambiente – o estabelecimento de condições para o meio ambiente ecologicamente equilibrado, exigindo por
parte do Estado sua defesa e preservação. A partir de então, inicia-se um longo processo para a instituição do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC aprovado pela Lei 9.985/2000. O SNUC define duas categorias de Unidades
de Conservação- UC: a) as de Proteção Integral e; b) as de Uso Sustentável. As Reservas Extrativistas encontram-se no segundo
grupo, asseguradas no Artigo 4º do SNUC, inciso XIII com o objetivo de “proteger os recursos naturais necessários à subsistên-
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As comunidades praticam tanto a pesca quanto a agricultura de subsistência. A pesca se realiza nos rios e furos, mas principal-
mente no mar. A coleta de caranguejo é feita no mangue, de forma rudimentar, com o uso do braço para retirada do caranguejo.
Mesmo antes da instituição do território em RESEX - diante da crescente escassez do caranguejo no mangue - instituíram-se
medidas de ordenamento, na linha proposta por Olson e Ostrom, conforme explica Maneschy:
Com a instituição do território em RESEX, um novo conjunto de medidas de ordenamento passou a definir regras de
gestão. A mola mestra desse novo ordenamento é a cogestão envolvendo atores sociais em âmbito local, municipal, estadual
e federal. Usuários e moradores, ou seja, os habitantes tradicionais passam a ser beneficiários da política pública. Esse novo
estatuto lhes confere uma identidade de atores sociais que podem influenciar nos destinos do seu território. Assim, é imprescin-
dível a participação nas instâncias de decisão da RESEX, tendo como referência o Plano de Manejo, que lhes garante o direito
de uso como pescadores artesanais, extrativistas, pequenos agricultores e criadores, processadores de produtos da pesca e
apicultores. Fazem parte também desse conjunto de atores da RESEX os cientistas, as ONGs, políticos e administradores gover-
namentais, todos com assento no Conselho Deliberativo de Gestão.
Esse ordenamento passou a vigorar e influenciar o modo de vida dos habitantes que podem ter motivado a adesão ao
projeto de RESEX por vislumbrarem um meio de ter mais segurança, trabalho e garantia de sobrevivência em um momento de
forte pressão da pesca industrial na região que dificulta o trabalho da pesca no mar (MANESCHY, 2012). Nesse sentido, as re-
flexões teóricas de Ostrom são pertinentes no estudo da RESEX com a ótica institucionalista – apropriação de recursos comuns,
não privados, em regime de cogestão com comunidades viáveis (MANESCHY, 2011).
Nessa linha de interpretação, a relação se dá com as comunidades e não com indivíduos, comunidade entendida como
grupo em relação ao qual há “noção de pertencimento e identidade comum. Portanto, tende a gerar confiança, expectativas
recíprocas de comportamento e redução de incertezas” (MANESCHY, 2011). Dá-se também em uso restrito a essas comuni-
dades devidamente identificadas em oposição ao acesso livre, acrescentando um elemento a mais para evitar a ocorrência da
“tragédia dos comuns”, de Hardin. A citação de Berkes (et al), a seguir, feita por Maneschy (2011) argumenta nesse sentido: “A
razão pela qual a literatura sobre recursos comuns se refere tanto a gestão baseada na comunidade é o fato de que, quando os
usuários se organizam como uma ‘comunidade’, há tendência a aumentar a probabilidade de sucesso na organização que visa à
ação coletiva” (BERKES et al., p. 250 apud MANESCHY, 2011).
Como recurso para evitar a “tragédia dos comuns” a institucionalização é uma alternativa viável e a transformação dos
habitantes em usuários e beneficiários da RESEX não significa, necessariamente, a mudança na sua identidade como habitante
da comunidade. Talvez essa identidade se torne até mais consciente, com a noção de apropriadores legítimos dos bens comuns,
com a responsabilidade por cuidar e utilizar racionalmente esses recursos comuns. Há, evidentemente, mudanças na forma de
se organizar para gerir o território, como um pescador que também se torna líder comunitário e representante da comunidade
no Conselho Deliberativo, por exemplo.
Neste estudo identificamos na RESEX pelo menos três grupos de jovens participando de ações coletivas: a) jovens que
têm como objetivo principal a permanência e o avanço nos estudos formais, cujas estratégias são a frequência regular à escola;
b) Outro segmento de jovens se mantém na reprodução social do trabalho de seus pais, na pesca e na captura de caranguejo
notadamente; c) os jovens que participam de ações em projetos de sustentabilidades em curso na RESEX e de grupos ligados
às Igrejas, desenvolvendo ações de solidariedade e estudo religioso. Parte deste último grupo está mais envolvida em partici-
pação política, inscrita na Associação Comunitária em sua localidade, na Associação de Moradores e Usuários e no Conselho
Deliberativo.
Se por um lado o jovem é gregário, busca a contestação do estabelecido e a criação de novas práticas socioculturais,
por outro lado está mais vulnerável aos apelos de consumo, ao uso do dinheiro e a fluidez entre o que é mercantilizável ou não.
Segundo Ariès (2006), historicamente, os jovens destacavam-se por seu protagonismo nos processos sociais de seus ter-
ritórios. Participavam das guerras, defendendo suas cidades e conquistando novos domínios. Já na modernidade, Janine Ribeiro
(2004) discute a emergência desse jovem representando uma força de mudança do estabelecido que nem sempre é canalizada
para um objetivo social e coletivo.
Mais recentemente, a juventude vem sendo representada socialmente por um viés da nossa “civilização dos descar-
táveis”. De um lado, a expressão engloba aqueles dos quais a sociedade quer se desvencilhar. Mas, tais representações tam-
bém parecem contradizer a sobrevalorização do novo e, por conseguinte, do jovem, do ser aberto a mudanças, paralelamente
com a desvalorização do velho, do apegado ao passado etc. (MARTÍN-BARBERO, 2008). A partir do marco legal do Estatuto da
Juventude (2013), que garante aos jovens, entre outros, o direito a “valorização e promoção da participação social e política, de
forma direta e por meio de suas representações”, torna-se imprescindível teorizar sobre a participação desses jovens em seus
3
Constituição Federal (1988); SNUC (2000); Estatuto da Juventude (2013).
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territórios, e observar em que bases está fundamentada, se em relações horizontais ou, ao contrário, efetivadas em participações
meramente decorativas, enunciativas e manipuladoras conforme discute Giorgi Victor (2010).
Contudo, a partir de diversos estudos realizados na RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu4, a baixa participação dos jovens
nas instâncias formais da cogestão não difere significativamente dos demais atores sociais, que dispendem maior parte de seu
tempo no trabalho – a pesca, a captura do caranguejo, a pequena agricultura. Isto significa que participação na cogestão é uma
construção social que deve ser estimulada de modo a garantir paritariamente o poder de influenciar nas decisões sobre a RESEX.
A questão de maior pertinência relacionada com a sustentabilidade e os jovens talvez seja na projeção que os pais e os
próprios jovens estão fazendo em relação as expectativas para o futuro no campo da formação educacional e profissional, con-
forme se expressa a mãe de um deles:
Eu tenho um filho com dezenove anos [...] O meu sonho é [...] que ele se formasse e vivesse uma
vida boa, sem tiver trabalhando no serviço pesado. Pra ele ter um futuro, um futuro, num é um
futuro do pai dele, como o pai dele teve” (M. J. M., Mulheres do Mangue)
É fato que as condições de trabalho dos pescadores e capturadores de caranguejo e mesmo a manutenção de um
pequeno roçado e o fabrico da farinha são atividades árduas que demandam um esforço físico grande. Para os mais velhos, essa
é uma atividade desafiadora a cada dia que se entra no mar, levando em conta, nos dias atuais, as dificuldades da pesca em alto
mar, demandando mais tempo para obter a mesma quantidade de pescado.
Contudo, para a geração atual, essa forma ainda rudimentar não se mostra atraente e o jovem busca novos caminhos de
sobrevivência seja por meio da escolarização para qualificação em uma profissão que possa lhes garantir sua manutenção, mais
precisamente, fora da RESEX, seja pela busca de emprego de nível médio que garanta um mínimo de sustentabilidade pessoal.
Para a Sra. T.L. dos seus dez filhos, apenas três encontram-se reproduzindo a atividade do pai – pescador. Os demais são
profissionais autônomos fora da RESEX: taxista, empregada doméstica e servente em Bragança e em Belém.
Portanto, é importante estudar a participação dos jovens na cogestão da RESEX de modo a clarificar o processo que
poderá garantir a sustentabilidade do modo de vida dos moradores e usuários na geração atual e nas futuras.
Considerações finais
A RESEX é uma experiência de governança em curso, de cooperação em atividades que reúnem baixos ganhos de
acumulação, mas que podem servir de rica experiência de economia solidária e de projetos autogeridos ou cogeridos. Pode ser
também analisada na perspectiva de projetos que aliam objetivos de rentabilidade com objetivos sociais que incluem a partici-
pação, a ajuda mútua, a identidade e o reconhecimento social.
A triangulação – participação, ação coletiva e agentes sociais-, é a essência desse tipo de experiência que inaugura um
novo pensar o território nas suas múltiplas formas de construir coletivamente a vida social frente aos atos de consumo, aos usos
do dinheiro, e as complexas relações da fronteira com o mundo mercantilizado da sociedade capitalista em seu estágio atual.
Nossa análise incide em pensar em um território instituído na sua relação com o exterior, com a forma mercantilizada de
todos os bens materiais. Como pensar uma estrutura de cogestão, de cooperação, de reciprocidade, de ajuda mútua em uma
sociedade que socializa suas crianças para o consumo, para um caminho cada vez mais curto entre o ser humano e a prateleira
dos shoppings? (BAUMAN, 2013). Como pensar a sustentabilidade da pequena agricultura diante do agronegócio em franca
expansão ?
É possível construir ações coletivas de sustentabilidade com a participação de jovens, mulheres, adultos, crianças desde
que se inicie um processo de socialização para a formação de hábitos de cooperação, com ações formativas.
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4
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1. Museu Paraense Emílio Goeldi, bbarros@museu-goeldi.br 2. Museu Paraense Emílio Goeldi, jardim@museu-goeldi.br
Resumo
Este estudo teve como objetivos identificar as pesquisas acadêmicas e científicas realizadas por Instituições de Ensino Superior
(IES) e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT) na Área de Proteção Ambiental Ilha do Combu e avaliar suas contribuições
para as populações locais. A metodologia utilizada foi o levantamento da produção científica das IES e ICT registrada na Plata-
forma Lattes no período de janeiro/2004 a outubro/2014, analisando ainda a relação entre os pesquisadores e as comunidades
locais. Os resultados mostraram que as pesquisas atenderam aos interesses das IES e ICT que desenvolveram as pesquisas, e
favoreceram principalmente as famílias que vivem da produção e extração de açaí, pela introdução de novas técnicas de manejo
que contribuíram na melhoria da qualidade dos frutos, no aumento da produção na aceitação pelo mercado consumidor.
Introdução
De acordo com a lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) e as Unidades de Conservação (UC), principalmente nos aspectos relacionados às suas diretrizes e aos seus objetivos,
elas proporcionam uma relação interativa entre os cientistas e as populações residentes no interior ou no entorno dessas áreas
protegidas (BENSUSAN, 2006), que detêm os saberes que auxiliam o conhecimento dos ecossistemas (SANTANA et al., 2012).
Segundo Moreira (2007), “o conhecimento tradicional é a forma mais antiga de produção de teorias, experiências, regras e con-
ceitos, isto é, a mais ancestral forma de produzir ciência”.
Neste sentido, Diegues (2010) enfatiza a importância dos saberes das populações locais, no processo de conservação
ambiental, tendo em vista que a biodiversidade não é simplesmente um produto da natureza, mas, em muitos casos, é um
produto da ação das sociedades tradicionais.
É consenso entre os mais diversos segmentos (político, econômico, científico, dentre outros), em vários países do mundo,
inclusive no Brasil, quanto à importância estratégica das áreas protegidas como instrumentos de conservação da biodiversidade
(PEREIRA; DIEGUES, 2010). Também há concordância no entendimento de que as populações tradicionais locais têm um papel
importante na proteção dessas áreas naturais protegidas porque mantêm seus modos de vida particulares de convivência em
equilíbrio com a natureza (PEREIRA; DIEGUES, 2010).
A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) não só reconhece a relevância como recomenda a proteção dos
conhecimentos dessas populações para a conservação da diversidade biológica. Do mesmo modo, a Lei nº 9.985/2000, que
instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), constitui-se em um marco na valorização dos conhecimentos
das populações tradicionais e na conservação da biodiversidade, por duas razões: i) reconhece e admite a existência de popu-
lações tradicionais em várias UC, impondo o respeito aos seus direitos de cidadania e a percepção dessas comunidades como
possíveis e importantes aliadas para a conservação da natureza; ii) no processo de criação, planejamento e gestão das UC as-
seguram a efetiva participação das populações locais.
As UC constituem, portanto, um campo aberto para a ciência moderna, que ainda tem muito a desvendar sobre a bio-
diversidade, a partir da contribuição dos conhecimentos tradicionais e, por que não dizer, das ciências tradicionais1, tanto no
que diz respeito à conservação dos recursos naturais, quanto para o aproveitamento econômico desses recursos no campo da
biotecnologia (CUNHA, 2007; ZAMUDIO, 2007).
1
“Há pelo menos tantos regimes de conhecimento tradicional quanto existem povos. [...] Pois enquanto existe, por hipótese, um regime único para o conhecimento
científico, há uma legião de regimes de saberes tradicionais” (CUNHA, 2007).
Material e Métodos
Área de estudo
A pesquisa foi realizada na Área de Proteção Ambiental (APA) Ilha do Combu, localizada a 1,5 km ao sul da cidade de
Belém, no estado do Pará, circundada ao norte pelas margens do rio Guamá, ao sul pelo furo São Benedito, a leste pelo Furo
da Paciência e a oeste pela baía do Guajará. Criada pela Lei Estadual nº 6.083, de 13 de novembro de 1997, com uma área de
aproximadamente 3.100,34 ha, essa UC tem o objetivo de “proteger e restaurar a diversidade biológica, os recursos genéticos e
as espécies ameaçadas de extinção, bem como promover o desenvolvimento sustentável, através do ordenamento dos recursos
naturais e da melhoria da qualidade de vida da comunidade local”. A APA é gerenciada por um Conselho Gestor, criado pela
Portaria 2.916, de junho de 2006, e o seu Plano de Manejo foi aprovado pela Portaria 2100, de 29 de agosto de 2012. Atualmente
a gestão desta UC é compartilhada com o Conselho Deliberativo da APA, criado pela Portaria nº 1.945, de 14 de outubro de 2008.
A população residente é de aproximadamente 200 famílias ribeirinhas, distribuídas em quatro comunidades: Combu,
Piriquitaquara, Beira Rio e São Benedito. As principais atividades econômicas dessas famílias são a pesca artesanal e o extrati-
vismo dos recursos da floresta, como a pupunha (Bactris gasipaes Kunth), cacau (Theobroma cacao L.), cupuaçu (Theobroma
grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum.), andiroba (Carapa guianensis Aubl.) e, principalmente, do açaizeiro (Euterpe
oleracea Mart.), além de algumas plantas medicinais. A predominância do açaizeiro é observada em toda a extensão da ilha
(JARDIM, 2009).
A APA é configurada por um “ecossistema típico de várzea de grande beleza cênica, com paisagem florestal exuberante,
formada por um mosaico peculiar de espécies florestais, além de seus cursos d’água, como os rios Bijogó, Guamá e Acará, o
furo da Paciência e os igarapés do Combu e do Piriquitaquara” e, devido a estas características, é propícia e procurada pela
população para atividades lazer nos finais de semana, incluindo a contemplação da natureza, geralmente realizada por meio de
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caminhadas e passeios de barco (SEMMA, 2015).
Pelas características das habitações dos ribeirinhos, além da beleza e da riqueza dos recursos naturais, a APA é incluída
em roteiros turísticos fluviais de curta duração, ofertados por algumas agências de turismo de Belém. Diversos moradores da
APA também utilizam suas próprias embarcações para fazer a travessia de turistas ou mesmo moradores de Belém que preten-
dem visitar a ilha. Nas margens do rio encontram-se diversos restaurantes que oferecem aos visitantes pratos típicos da culinária
regional e outros atrativos como trilhas e produtos artesanais.
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03: Desafios do desenvolvimento e respostas da sociedade
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Os moradores, os pesquisadores e as pesquisas
As quatro comunidades residentes na APA Ilha do Combu contam com lideranças comunitárias, mas somente três intera-
gem com os pesquisadores e com o órgão gestor da APA, porque fazem parte do Conselho Gestor. Os interlocutores-chave são
os moradores que mais se aproximam ou se relacionam com os pesquisadores, pelo fato de conhecerem com mais riqueza de
detalhes as características e peculiaridades da biodiversidade e da população local e, por essa razão, colaboram/acompanham
os pesquisadores fornecendo informações de interesse para as suas pesquisas.
Foram aplicados questionários para 2 conselheiros, 4 líderes comunitários e 3interlocutores-chave, perfazendo um total
de 9 entrevistados representantes das comunidades do Combu (4), Piriquitaquara (2), Beira Rio (1) e São Benedito (2). Embora a
maioria dos entrevistados (8) tenha conhecimento que as pesquisas são realizadas por profissionais de Instituições como o MPEG,
a UFPA, a UFRA, a EMBRAPA e o ICMBio, não há consenso sobre o período em que as pesquisas foram iniciadas nessa Unidade
de Conservação. Como não há uma regra estabelecida pelos moradores nem pelo Conselho Deliberativo da APA sobre a quem
os pesquisadores devem se dirigir antes de iniciar suas pesquisas, visto que esses contatos são feitos por intermédio de diversas
interlocutores, tais como: líderes comunitários, moradores que disponham de informações que possam contribuir na pesquisa,
agentes comunitários de saúde; ou não procuram ninguém, e “vão entrando e fazendo a pesquisa sem dar satisfação”. Por esta
razão, alguns entrevistados se mostram insatisfeitos com as pesquisas na APA, inclusive porque poucos pesquisadores apresen-
tam seus projetos para a comunidade antes de iniciar a pesquisa, como também são poucos os que retornam com os resultados,
deixando as comunidades desacreditadas. Em qualquer um dos casos, quando os pesquisadores retornam, procuram os seus
próprios interlocutores ou os líderes comunitários para entregar os livros, CDs com informações sobre o projeto de pesquisa
ou os seus resultados. No entanto, raramente são repassadas aos demais moradores, pela dificuldade de reunir a comunidade.
[...] muitas vezes o pesquisador até chega, ele quer fazer direito, quer procurar a comunidade,
quer esclarecer, mas muitas vezes a própria comunidade, ela se fecha a isso, [...] é a própria
dificuldade dela ir, ah não vai sair da casa dela por que vai perder tempo, então é um trabalho, é
uma coisa muito séria que a gente tem dentro da comunidade, infelizmente” (interlocutor chave
da comunidade do Combu).
Por outro lado, a maioria dos entrevistados (7) e alguns moradores são convidados a participar ou colaborar na pesquisa
prestando informações sobre a flora, fauna e outras de interesse do pesquisador. Segundo uma conselheira da APA Combu, os
moradores auxiliam o pesquisador
[...] mostrando o que tem, aquilo que ele tem vontade de conhecer ou desenvolver um trabalho
em cima daquilo que ele tá procurando. Como uma vez chegou umas pessoas pra procurar essas
mata fechada pra colher aquele limo, eles não sabiam o que significava aquele limo [...], então pra
ter esse limo tem que ter uma área fechada, onde fique meio a umidade, ne? Aí eles coletaram,
depois que fomos ver que daquele limo é que nasce o croto, aqueles crotozinho, não sei como
é que da o nome, que fica segurando na árvore” (Conselheira - comunidade de Piriquitaquara)
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As pesquisas realizadas na APA abordam questões sobre o extrativismo e manejo de açaí e do cacau; botânica, água,
solo. Algumas estão relacionadas às atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores, principalmente as que envolvem
manejo de recursos de interesse dos moradores. Alguns entrevistados (6) afirmam que essas pesquisas trouxeram benefícios
para algumas famílias, principalmente aquelas que participaram da pesquisa, porque introduziu novas técnicas para o manejo
do açaizeiro e do cacaueiro, contribuindo para a melhoria da qualidade dos frutos, aumento da produção e, consequentemente,
melhor aceitação no mercado. Porém, outros entrevistados se mostram insatisfeitos, mesmo assim, contam com os benefícios
das pesquisas, inclusive para valorizar a comunidade.
[...] as pesquisas deveriam ser feitas, mas retornar pra comunidade os resultados, né? e não só
isso, tentar implantar os resultados dentro da comunidade, né? Pra comunidade se sentir valori-
zada, né? Porque assim a comunidade se sente muito explorada, muito laboratório e nada con-
creto fica pra comunidade, poucas coisa concreta ficam pra comunidade. Então, eu acho que
não só deveria fazer a pesquisa, mas ver os resultados e, se forem benéficos os resultados, que
sejam implantados dentro da própria comunidade (Interlocutor chave - comunidade do Combu).
[...] eu acho que se fizesse um projeto de plantio [...] como tem na Embrapa, que o açaí dá bai-
xinho [...] aí podia ser, que aqui o açaí é esse mesmo [...]. O resultado é esse aí, não tem, não
dá resultado nenhum por que é isso, só pesquisa pro trabalho deles mesmo. (Interlocutor chave
- comunidade do Combu)
A única pesquisa que teve efeito, que mudou da água pro vinho a questão dos ribeirinhos aqui,
pode até negarem, fazerem o que quiserem, mas foi a partir daí que começou a acontecer as situ-
ações, foi a pesquisa do Mário Jardim aqui, com a questão do manejo do açaí, só! Daí [...], não tem
mais nada que mudou, não muda mais nada. Só chegam, pesquisam lá, paga, entendeu? e pronto,
não tem resultado de nada, de nada não tem resultado (Conselheiro - comunidade de Beira Rio).
Mesmo diante dos conflitos e descrenças, esperam que as pesquisas sejam capazes de influenciar políticas públicas
que possibilite implantar projetos de melhoria da qualidade da água, extrativismo do açaí, cacau e outros que gerem emprego
e renda para a população, principalmente as mulheres, que encontram dificuldades para deixar suas residências e procurar
trabalho em Belém. Na APA ocorrem diversos problemas que comprometem a qualidade de vida da população. Dentre estes
se destacam os ambientais (assoreamento, poluição do solo e da água, ameaça de animais peçonhentos, lixo, dentre outros);
socioeconômicos (falta de oportunidade de emprego e de renda, transporte, uso de drogas, etc.); conflitos entre os moradores
por disputas de espaço e questões fundiárias; e ainda dificuldades de relacionamento com o órgão gestor da UC.
O levantamento da produção acadêmica e científica registrada na Base Lattes do CNPq revelou que na APA Ilha do
Combu foram realizados, dentre outros, estudos na área da etnobotânica, demonstrando a existência de uma grande variedade
de espécies de plantas utilizadas pelos moradores para fins alimentares, principalmente o açaí (Euterpe oleracea Mart.), o
cacau (Theobroma cacao L.), a bananeira (Musa paradisiaca L.); medicinais, tais como a arruda (Ruta graveolens L.), o elixir
paregórico (Piper calosum L.), dentre outras. Foram também publicados resultados de diversas pesquisas sobre a diversidade
biológica existente na APA, que permitem uma ampla avaliação sobre a riqueza florística disponível UC, inclusive sobre a varie-
dade de espécies de bromélias, especialmente da família das epífitas.
Discussão
A produção acadêmica e científica da APA Ilha do Combu no período estudado envolveu o esforço individual em parce-
rias de IES públicas (UFPA, UFRA e IFPA) e privadas (UNAMA, CESUPA) e ICTs (MPEG e EMBRABA), que registrou um volume
de conhecimento materializado por meio de livros, capítulos de livros, artigos, dissertações e monografias que estão armazena-
dos na base de dados Lattes do CNPq. Esse conhecimento pode ser acessado livremente por qualquer interessado, pessoas
físicas ou jurídicas de qualquer segmento público ou privado para objetivos variados, inclusive em favor da própria APA ou da
população nela residente. De acordo com Rosa & Carneiro (2010), “O acesso ao conhecimento científico é um meio importante
para informar e validar posições na formulação de políticas públicas”.
Conclusão
A produção acadêmica e científica decorrente dos estudos e pesquisas realizadas pelas IES e ICT localizadas no estado
do Para na APA Ilha do Combu atendeu aos interesses das próprias instituições. Afora os benefícios decorrentes do esforço
direto dos pesquisadores que atingiu algumas famílias, principalmente as que vivem da produção e extração de açaí, como a in-
trodução de novas técnicas de manejo que contribuíram para a melhoria da qualidade dos frutos, aumento da produção e melhor
aceitação no mercado, esse conhecimento não tem se voltado para o interesse das populações.
2
As categorias de Unidade de Conservação poderão ter, conforme a Lei nº 9.985, de 2000, Conselho Consultivo ou Deliberativo, que serão presididos pelo chefe da
Unidade de Conservação, o qual designará os demais conselheiros indicados pelos setores a serem representados (Decreto no 4.340/2002, Art. 17).
3 Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, estabelece o seu zoneamento e as normas que devem
presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (Lei no. 9.985/2000, art. 2º,
Inciso XVII).
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SOBRE A SUSTENTABILIDADE DA QUALIDADE DE VIDA: O QUÊ UMA
COMUNIDADE TRADICIONAL AÇORIANA, INSTITUÍDA EM UMA
ILHA DO SUL DO BRASIL, TEM A NOS DIZER SOBRE ISSO?
Resumo
A sustentabilidade da qualidade de vida envolve a sinergia entre as dimensões ambiental, social e econômica do desenvolvi-
mento. Nos países em desenvolvimento, o ecossistema natural tem sido conservado por populações tradicionais. Em uma co-
munidade tradicional açoriana, se investigou a sustentabilidade da qualidade de vida no local. Foram acessadas individualmente
12 pessoas autóctones, provenientes de 4 subfamílias de uma família extensa, representantes de três gerações consecutivas,
que foram questionados sobre recursos naturais, práticas sociais e estilo de vida local a partir de mapeamento de transectos
dos caminhos percorridos no cotidiano. Como resultado obteve-se uma análise prospectiva da qualidade de vida no local que
aponta para a insustentabilidade relacionada às intervenções ambientais ocorridas no passado, em área de uso comunal, com
forte impacto social até os dias atuais.
Introdução
A qualidade de vida coletiva envolve vários aspectos que agem de maneira interativa, constituindo verdadeira rede de de-
terminantes do tipo de vida que levam as pessoas. Estes aspectos envolvem diferentes domínios da vida, - como condição de mo-
radia, educação, emprego, equilíbrio entre lazer e trabalho, acesso e interação com instituições e serviços públicos (COSTANZA
et al., 2007). Coerente com este ponto de vista, a conceituação de Qualidade de Vida do Glossário Temático sobre Promoção de
Saúde do Ministério da Saúde brasileiro (BRASIL/MS, 2012), acentua, como nota complementar, a necessidade de ser levar em
conta os aspectos: 1) Histórico (o parâmetro de qualidade de vida pode ser diferente na mesma sociedade em outro momento
histórico); 2) Cultural (valores e necessidades são construídos hierarquicamente diferentemente pelos povos, revelando suas
tradições) e; 3) Relacionados às classes sociais (em sociedades em que as desigualdades são muito fortes, as concepções de
bem-estar e qualidade de vida estão relacionadas ao bem-estar das camadas superiores e à passagem de um limiar ao outro).
Com efeito, o conceito de qualidade de vida pode ser entendido como a condição de vida humana real (não apenas possível),
existente num determinado contexto ambiental e temporal, e em conformidade com os desejos, sonhos ou aspirações relaciona-
dos às condições de vida idealizadas existentes num determinado lugar em um determinado momento histórico (VLEK, 2003).
Considerada como um fenômeno multidimensional a sustentabilidade da qualidade de vida envolve a sinergia entre
as dimensões ambiental, social e econômica do desenvolvimento (PUGLISI, 2006; FORATTINI, 1991; MASSAN, 2002; KELES,
2012; VLEK, 2003, COSTANZA et al., 2007; SCHALOCK, 2004). Sob tais dimensões, modos particulares, históricos e culturais,
de relações com os vários ecossistemas, e dos seres humanos entre si, interagem permanentemente conforme Diegues (1992),
Shafer, Koo Lee & Turner (2000), Sachs (1980) e Vieira (2009), dentre outros, apontam. Para Moser (2009), a sustentabilidade da
qualidade de vida ocorre somente quando as pessoas interagem com seus ambientes de forma respeitosa, o que conduz e é
resultado de uma situação de congruência, onde ocorre um relacionamento positivo entre qualidades objetivas do ambiente e a
expressão de satisfação em relação a este ambiente.
Sob esta concepção, observa-se que tanto na costa brasileira, como em outras áreas costeiras espalhadas por vários
países de diferentes continentes como: Tailândia, Hong-Kong, Austrália, Reino Unido, dentre outros (ver GREEN, 2005; ROGAN;
O’CONNOR; HORWITZ, 2005; NG; KAM; PONG, 2005; RADFORD; JAMES 2013), sob efeito das coletividades, as transformações
dos lugares foram mais rápidas que a mudança do entendimento do lugar ocupado por seus residentes, o que sugere uma cres-
cente demanda de se avaliar a sustentabilidade da qualidade de vida ao longo de diferentes gerações nestas áreas. No Brasil,
1
De acordo com o Decreto nº 6.040, que estabelece a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, povos e comuni-
dades tradicionais são: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
2
Como exemplo, a singularidade das paisagens naturais incidentes na orla marítima decorrentes de sua ocupação esparsa por assentamentos de pescadores arte-
sanais, cujos modos de vida e práticas de manejo estão atrelados ao bom estado de conservação dos atributos naturais dessas paisagens.
3
Todos os nomes de sujeitos citados neste estudo são nomes fictícios para proteger privacidade e anonimato dos envolvidos.
4
Ação civil pública no. 970000001-0. Implantação do empreendimento Porto da Barra, Florianópolis, Santa Catarina. Ministério Público Federal e União Federal contra
FATMA e Portobello Ltda.
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feriu na ecologia de todo o sistema lagunar. Antes desta intervenção, a cada seis meses, a ligação da lagoa com o mar se fechava
e abria, sendo que a salinidade da lagoa era bem menor antes da abertura permanente deste canal (BITTENCOURT, 2005).
Segundo Barbosa (2003), após esta intervenção, em vários lugares na bacia da lagoa “onde se pegava o peixe com a
mão”, o declínio da pesca se intensificou. Esta alteração ambiental repercutiu num impacto socioeconômico negativo visto que a
pesca de peixes e crustáceos na lagoa, que sempre teve uma grande relevância para a região - tainhas e camarões eram a base
da pesca artesanal das comunidades que circundam a lagoa -, sofreu drástico declínio sendo que a média anual de pesca entre
1964-1984 que era de 168 toneladas, de 1985 à 1997 foi reduzida drasticamente para 40 toneladas. O impacto relacionado ao au-
mento da salinidade da água da lagoa pode ter extinguido espécies dulcícolas e marinhas que nem chegaram a ser classificadas
considerando-se que a desova de peixes, crustáceos e moluscos na zona costeira se dá principalmente em desembocaduras
de canais, rios e lagoas. Por outro lado, essa regularização do canal coincidiu temporalmente com o crescimento do local, pois
desde então, nas comunidades do entorno, a economia passou a se alternar entre a atividade pesqueira, o turismo e a presta-
ção de serviços, visto que no período entre as décadas de 70 e 80, com a diminuição dos estoques de pesca e a introdução do
turismo e das residencias secundárias, muitos dos pescadores transferiram-se para o setor de serviços para atender ao grande
contingente de turistas na temporada de verão (DIEGUES et al., 2000).
Todo o processo de transformação associado à abertura deste canal, no caso específico do local deste estudo, teve in-
terferência também na acessibilidade aos locais de moradia dos indivíduos autóctones, pois o mesmo também passou a limitar
o acesso da comunidade do Morro do Jacinto de forma permanente, separando-o de uma área plana aterrada (local visado
para loteamento Porto da Barra conhecido como “campo da portobello” pelos moradores locais) surgida após a construção dos
molhes e abertura do canal, sendo que o material dragado foi depositado neste local segundo relatos dos integrantes desta co-
munidade. Esta área plana que antes era, conforme descrita pelos moradores mais antigos deste morro, “um mangue com canais
cheio de peixe e camarão”, consistia também de área de uso comunal para criação de animais e uso de fontes de água utilizadas
para lavar roupas e até mesmo para consumo em épocas de seca, quando não vertia água do morro.
Admitindo como verdadeiro o pressuposto de Moser (2009) de que a sustentabilidade da qualidade de vida ocorre so-
mente quando as pessoas interagem com seus ambientes de forma respeitosa, o que conduz é resultado de uma situação de
congruência, buscou-se por uma descrição da interação de indivíduos autóctones desta comunidade tradicional açoriana com
seu entorno sócio-físico, envolvendo o uso de recursos naturais, práticas sociais e estilo de vida local, que possibilitasse uma
análise prospectiva da qualidade de vida desta comunidade localizada em área costeira. Para tanto, em um estudo de caráter
descritivo e exploratório, foram acessadas individualmente 12 pessoas, provenientes de 4 famílias, representantes de três ge-
rações consecutivas, que foram observados e questionados sobre a importância do entorno, próximo as suas residências, para
sua qualidade de vida a partir da elaboração de Mapeamento de Transectos (VIEIRA; BERKES; SEIXAS, 2005; THOMPSON;
ASPINALL; BELL, 2010) – quando informações foram coletadas durante uma caminhada de uma dada área selecionada pelo
voluntário como caminho utilizado com maior freqüência no cotidiano, foram observados recursos e atividades humanas ali
existentes. Por meio de conversa informal obteu-se nomes de lugares, plantas, animais, atividades humanas, problemas sociais
e ambientais (aspectos relacionados à mudança da paisagem e possíveis soluções, entre outros). Toda conversa durante esta
caminhada foi filmada e transcrita.
Os voluntários para esta pesquisa assinaram um termo de consentimento que explicava objetivos e procedimentos assim
como assegurou o anonimato. Eles foram escolhidos sob o critério de facilidade de acesso e aceitação em participar e com-
puseram o seguinte perfil sócio-econômico: seis homens (DescA, DescB, DescC, Desc2B, Desc2C, Desc2D) e seis mulheres
(DA, DB, DC, DD, DescD, Desc2A). Em relação à faixa etária, as voluntárias participantes, da geração mais idosa, tinham em
média 74 anos, sendo que a mais velha tinha 83 anos e a mais nova 67. O grupo dos filhos destas idosas teve uma média de idade
de 45 anos, tendo o mais novo 35 anos e o mais velho 53. Quanto aos netos voluntários, foi observada uma média de idade de 19
anos, tendo o mais jovem 16 e o mais velho 27 anos. Oito deles declararam ter ensino fundamental incompleto (D.A; D.B; D.C;
D.D; DescA; DescB; DescC; Desc. D), um deles possui ensino fundamental completo (Desc2A), dois declararam estar cursando
o ensino médio (Desc2B; Desc2C) e um deles cursa graduação em história em universidade pública estadual (Desc2D).
Em relação à profissão informada pelos dos voluntários, duas idosas informaram trabalhar como domésticas (DA e DD),
três informaram ser “Do lar” (DB, DC, DescD), dois voluntários informaram ser pescadores (DescA, DescB), um informou ser
auxiliar operacional da COMCAP (DescC) e uma informou ser auxiliar de cozinha no verão e “Do lar” no inverno (Desc2A).
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ir para a escola ou faculdade) e menos localizadas nas proximidades do entorno de suas casas. Apesar de relatarem se sentirem
seguros no local, demonstram grande preocupação com o futuro do local, visto o aumento de construções irregulares e sem
saneamento básico. Assim como os indivíduos da geração anterior, todos os indivíduos participantes deste grupo atravessaram
o canal para apresentar seus caminhos cotidianos.
Apesar destas variações nos hábitos do cotidiano de acordo com a geração, todos voluntários afirmaram obter recursos
extraídos do seu entorno, principalmente para alimentação, sem a necessidade de utilizar o dinheiro em troca dos mesmos,
dentre eles foram citados espécimes vegetais (abóbora, acerola, aipim, alfavaca, bambu, banana, batata doce, cana, cebolinha
verde, chuchu, erva-cidreira, goiaba, hortelã, jaca, jiló, laranja, limão, madeira pra fazer trapiche (camboatá), mamão, man-
dioca, manjericão, maracujá, pimenta, pimentão, salsinha, tomate, tangerina) e animais (abrótea, anchova, arraia, badejo, cação,
camarão, carapeva, carapicú, cocoroca, corvina, espada, garopeta, garoupa, lagosta, linguado, lula, marisco, peixe, robalo,
sardinha, siri, tainha, tanhota). A partir destes dados verifica-se que o entorno tem importante papel nutricional para os indivíduos
desta comunidade tanto ao que se refere à obtenção de alimentos vegetais, assim como fonte de proteína animal, indicando ter
grande importância na manutenção da qualidade de vida no local.
Em relação às perspectivas de desenvolvimento futuro na região, todos os participantes, que atravessaram, ou não, o ca-
nal e o “campo da portobello”, disseram acreditar que o empreendimento será implementado e que já trouxe e trará ainda várias
consequências sobre o modo de vida no local relacionado à degradação ambiental, diminuição da quantidade e qualidade da
pesca e ao aumento do custo de vida no local semelhante ao que ocorre nos locais sob o processo denominado gentrificação5,
conforme relata DescA, exemplificando relatos dos autóctones referente a este assunto:
“Eu acho que não vai ser bom, porque eu não vou ter dinheiro pra comprar um iate, um apartamen-
to, que eles vão querer que o iate chegue tudo na porta deles, da casa deles, os iate vão chegar
na entrada que nem chega um carro na garagem, entendeu?(...)Então esse campo aqui não vai
5
Ações articuladas que interferem na materialidade do espaço, incentivam a criação de novos pólos de atração e potencializam o interesse das classes mais abas-
tadas provocando a exclusão da população devido, principalmente, à especulação imobiliária. Assim, formas de intervenções urbanas que elegem certos espaços
da cidade como centralidades e o transformam em áreas de investimento para consumo público e privado, tem como desdobramento a expulsão da população de
baixa renda, praticamente relegada dos programas de benfeitorias de reabilitação para elitização das áreas e apropriação dos imóveis para fins comerciais ou para
entretenimento das classes mais abastadas (SILVA; FERETTI; SETTE, 2008).
Motivos não faltam para acreditarem nisto, pois o mapa ilustrativo do projeto está afixado em uma guarita/escritório na en-
trada principal do terreno (por onde passaram a maioria dos voluntários durante o percurso do transecto) à vista dos transeuntes
(Figura 2), enquanto ocorre o aumento sucessivo e progressivo de uma área destinada à garagem de embarcações (lanchas e
iates) no local conforme pode ser observado na Figura 3.
Para Moser (2009) o olhar conduzido sobre o ambiente residencial serve como proposta de uma análise estruturada de
condições de congruência a partir da avaliação objetiva e subjetiva de estressores ambientais na relação entre o indivíduo e
ambiente e na expressão social de bem-estar. Sendo assim, a análise prospectiva da qualidade de vida desta comunidade tradi-
cional açoriana, constata, como um estressor ambiental, a possibilidade de implementação de empreendimento náutico habita-
cional, que, além do impacto ambiental, também vem implicando em impacto social. Uma incongruência ocorrida no passado
(leia-se assoreamento do canal e aterramento de mangue) incidiu e vem incidindo no rompimento do respeito aos ciclos ecos-
sistêmicos, de forma que, o aumento do número de casas para fins de obtenção de renda proveniente de aluguéis tanto anuais
como de temporada, construídas pelos próprios indivíduos autóctones de forma irregular, sem preocupações com o saneamento
ambiental e infringindo o código ambiental brasileiro, acaba também contribuindo como estressor ambiental, realimentando as-
sim a cadeia de degradação socioambiental que vem ocorrendo no local. Com efeito, atrelado a este processo, foi relatado que
muitos autóctones da comunidade estão deixando o local para morar em bairros próximos, como Rio Vermelho e Ingleses, onde
o custo de vida é mais baixo.
Sob este aspecto, cabe ressaltar que, num passado não muito distante, para as duas gerações mais velhas, ocorreu um
impacto ambiental de enorme proporção (que alterou o entorno que era fonte abundante de alimento - camarões, caranguejos,
siris e peixes) que resultou na migração para outras áreas de trabalho (que não as tradicionais, como a pesca e a lavagem de
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roupas) integrando-os a um sistema de desenvolvimento econômico pautado na obtenção do lucro imediato que não se preo-
cupa com as externalidades negativas6 deste feito. Isto possibilita que iniciativas privadas usufruam dos recursos naturais e
deixem sobre a coletividade a carga dos custos sociais e ecológicos deste usufruto, sendo que uma parte destes custos se traduz
em desigualdades diacrônicas, ou seja, afeta a qualidade dos recursos e do meio que terão as gerações futuras e as condena
a enfrentar os custos da exploração insustentável dos recursos (SACHS, 1980). Atrelado a isto, é evidente que a apropriação do
local: dirigida aos outros na conquista do espaço, e a si mesmo quando procura adaptar o espaço às próprias necessidades
(KUHNEN, 2002), tem desrespeitado várias leis de preservação ambiental, visto que a maioria das casas se encontra em área de
preservação permanente (APP7) e não possuem tratamento de efluentes sanitários.
De fato, a partir do relato dos voluntários durante o mapeamento de transecto, pode-se considerar que os autóctones
ainda tem uma forte relação de dependência de recursos naturais do entorno, entretanto ao vivenciarem as intervenções ambi-
entais ocorridas no local no passado, que implicou em alteração no modo de vida, assumiram um tipo de apropriação, que não
respeita mais os ciclos naturais e só divide com o coletivo os custos ambientais, enquanto toma individualmente os benefícios
relacionados ao uso de recurso natural. Como exemplo, se divide os efeitos negativos da contaminação das águas do canal com
dejetos humanos, enquanto se lucra com os aluguéis de casas sem saneamento básico. Todavia, considera-se que neste caso
não há culpados e nem vítimas e sim uma população tradicional tentando se manter e se adaptar, apesar da grande interferência
no seu modo de vida, que permanecia em harmonia e respeitava o ecossistema do entorno, visto que dependia dele a sua so-
brevivência. Sendo assim, sob o histórico do contexto socioambiental desta população, pode-se dizer que ocorreu uma quebra
drástica do respeito aos ecossistemas, que até então tinha sido passado de geração a geração, e que o mesmo foi aterrado junto
com o mangue que os alimentava e fazia parte da sua paisagem cotidiana.
Consistente e pertinentemente, a qualidade ambiental tem sido considerada um dos mais importantes componentes de
qualidade de vida (KELES, 2012) sendo que as mudanças envolvidas nos entornos têm sido vistas como uma ameaça, como
uma evolução negativa devido à perda de diversidade, coerência, identidade e de características das paisagens construídas por
culturas tradicionais que estão sendo rapidamente varridas do mapa (CARTER; DYER; SHARMA, 2007). Deste modo, considera-
se que a urbanização acaba implicando em mudanças no cenário físico, nos tipos de uso e nas atividades ao ar livre que podem
apagar aquilo que é precioso e significativo para uma determinada comunidade, particularmente, para aqueles que têm apego
ao local desenvolvido a longo termo (ANTROP, 2005). Tão forte pode ser este impacto que Slemp et al. (2012) evidenciam a
importância do monitoramento de impactos socioculturais do uso do solo que permitam a identificação de consequências po-
tenciais do crescimento urbano.
Sobre este aspecto, as análises dos dados obtidos apontam que a possibilidade do empreendimento náutico-habitacional
ser levado a cabo, ameaça hoje o acesso, a mobilidade e o “ir e vir” de indivíduos de todas as gerações desta comunidade
tradicional, que vem sofrendo dos impactos cumulativos da intervenção ocorrida no passado, que sofrerá muito mais se tiver
seu acesso impedido, algo que foi mencionado por diversas vezes e por diferentes pessoas ao falarem de seu cotidiano neste en-
torno. Além disso, a implementação deste empreendimento poderá ter impacto ambiental ainda maior sobre o ecossistema local
e lagunar visto o consequente aumento da densidade demográfica e todas as demandas necessárias atreladas a este processo
(esgotamento sanitário, consumo de água, produção de resíduos). O aumento do custo de vida no local também poderá implicar
na expulsão de toda população tradicional que, além de não poder arcar com o aumento das despesas de subsistência no local,
também perderá os recursos ecossistêmicos apontados como essenciais elementos nutricionais fornecidos pelo entorno. Como
resultado, a análise prospectiva da qualidade de vida desta população tradicional aponta para a insustentabilidade atrelada às in-
tervenções ambientais ocorridas no passado, em área de uso comunal, com forte impacto social e econômico até os dias atuais.
Sob este aspecto, o Mapeamento de Transectos mostrou-se uma ferramenta eficiente para acessar informações espontâneas
sobre o modo de vida, práticas sociais, relação entre pessoas e seus ambientes de entorno, assim como as perspectivas destas
pessoas para o desenvolvimento no local favorecendo a prospecção e a análise da sustentabilidade da qualidade de vida em
diferentes locais.
6
Economistas usam o termo externalidade negativa para expressar o erro de alocação ou efeitos discordantes. Riscos, degradação e dilapidação são aceitos como
impacto de cada externalidade que pode ser retribuída somente pelo pagamento de um preço certo que deve ser negociado com aqueles que são prejudicados.
7
Área de Preservação Permanente – Segundo a lei no. 12651, de 25 de maio de 2012 do código ambiental brasileiro – Art,3o (II) – área protegida, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico, de fauna
e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
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Resumo
O presente trabalho objetivou compreender as diferentes categorias da geografia dentro do universo da geografia humanista,
em um trabalho exploratório que pretendeu discutir o lugar e a paisagem. Conceitos estes discutidos a partir dos fenômenos da
experiência, no intuito de compreender as diferentes percepções dos espaços. Objetivou-se, também, analisar preliminarmente
os elementos expressos da percepção ambiental de indivíduos ou grupos sociais no interior das Unidades de Conservação,
sobretudo na Reserva Extrativista Mocapajuba, no município de São Caetano de Odivelas, no estado do Pará.
Introdução
Neste trabalho pretende-se revelar a ocorrência nas diversas ciências dos conceitos que concretizam a chamada percep-
ção ambiental. A percepção ambiental integra elementos da psicologia, da biologia, da antropologia e da geografia, entres outras
ciências. E, tem o objetivo primaz de analisar os fatores, os mecanismos e os processos que fazem com que haja diferenças nas
percepções e comportamentos diferenciados sobre o meio ambiente que rodeia o ser humano.
Deste modo, organizou-se o texto deste trabalho em quatro pontos, além desta Introdução. Na segunda seção, “Aproxima-
ções entre lugar e paisagem” procurou-se explanar os conceitos de lugar e de paisagem, elementos fundantes para interpretação
do meio ambiente para o homem, a partir do ponto de vista das vivencias dos seres humanos. O conceito de percepção ambien-
tal que agrega os valores e as atitudes que os seres humanos têm com seus espaços foi aqui tratado também.
Na terceira seção, “Atitudes e valores ambientais em unidades de conservação”, pretendeu-se aproximar as UC aos as-
pectos da vivência das populações que ai residem. A caracterização geral dos aspectos socioambientais que cercam as UC está
sendo tratado nesta seção. Em síntese, pretende-se identificar os elementos expressos na percepção ambiental de indivíduos ou
grupos sociais, ou seja, compreender as relações e as experiências que promovem valores e atitudes positivos perante o meio
ambiente, e que estejam contidos na percepção dos moradores destes espaços. Para isso analisamos de forma preliminar a
Reserva Extrativista Marinha de Mocapajuba, localizada no município de São Caetano de Odivelas, na região nordeste estado do
Pará. A perspectiva é trazer elementos teóricos e práticos que, de algum modo, contribuam para o direcionamento de estudos,
ações e/ou políticas a serem implementadas pelos órgãos ambientais nas UC, especialmente nas reservas extrativistas. E, que os
valores e as atitudes positivas percebidos, no contexto de suas vidas – interpretadas com e a partir da percepção da população
do espaço vivido, possam ser potencializados.
É oportuno porque está em moda pensar nos sujeitos das pesquisas como pessoas, quer como
indivíduos, quer como grupos. Nos últimos anos pulularam trabalhos e estudos sobre percepção
O lugar, analisado sob o ponto de vista dos fundamentos orgânicos, cognitivos, afetivos e simbólicos, está sendo encarado
a partir de diversos olhares nas pesquisas atuais, e inúmeras contribuições fazem coro à interpretação da experiência humana e
sua complexidade, analisando o caráter geográfico dos espaços e das sociedades (OLIVEIRA, 2004).
Machado (1996) afirma que é a partir da experiência que o significado de espaço se articula com o de lugar. Um espaço
que aparentemente não apresenta diferença em relação aos outros, passa a ser um lugar a partir do momento que se conhece
melhor e o dota de valor. Portanto, os nossos lugares se apresentam de uma forma diferenciada daqueles lugares nos quais
passamos durante uma viagem, por exemplo. Existem diferenciações básicas na qualidade e no impacto daquelas impressões
que se tem de forma diária ou casual, das outras que se concebem por meio de livros, figuras, filmes, revistas, internet etc. Na
primeira, tem-se uma relação direta e íntima, na última, ela se torna indireta e conceitual. Portanto, o “[...] espaço transforma-se
em lugar à medida que adquiri definição e significado” (TUAN, 1983, p. 151).
O conceito de paisagem, também, retoma sua relevância por meio da geografia humanística. A construção da paisagem
se torna palpável por intermédio da dimensão da percepção e dos sentidos. Realmente a paisagem é tudo aquilo que a visão
abarca, sendo acrescentados por volumes, cores, movimentos, sons e odores. Ao mesmo tempo, significa o produto da materi-
alização das ações humanas no espaço, enquanto um conjunto complexo de formas naturais e artificiais em que se deve consi-
derar a heterogeneidade dos processos sociais e o decurso histórico dos modos de produção (BLEY, 1996).
A percepção ambiental, conforme destacado por Del Rio (1996), é o processo mental de interação do indivíduo com o am-
biente, em que atuam mecanismos perceptivos propriamente ditos e mecanismos cognitivos. O aspecto perceptivo está ligado
a um campo sensorial, e está intimamente ligado à presença do objeto e à sua sensação sobre ele.
Simultaneamente aos mecanismos perceptivos atuam também mecanismos cognitivos. Esses são entendidos enquanto
valores, conhecimentos precedentes, temperamentos, motivações, dentre outras ações. Isso acaba implicando na concepção de
que o significado e a importância atribuídos aos objetos espaciais percebidos sofrem certa variação de pessoa para pessoa ou
de um grupo social para outro, conforme cada experiência exercida no espaço do cotidiano, ou seja, relacionando-se de forma
intrínseca à vivência de um dado lugar (OLIVEIRA; MACHADO, 2003).
Dentro dessa proposição de estudo o termo “Percepção Ambiental” está sendo usado no sentido amplo de uma tomada
de consciência do ambiente pelo homem. Neste contexto, a caracterização perceptiva de grupos socioculturais atuantes no espa-
ço (pesquisadores, proprietários de terra, pescadores, gestores de Unidades de Conservação) vem se tornando parte integrante
da abordagem interdisciplinar para a avaliação dos valores ecológicos, socioeconômicos e culturais da área de conservação.
Neste ponto, cabe destacar que a perspectiva é de orientar propostas do planejamento global do uso dos seus recursos
naturais, incluindo estratégias de conservação da biodiversidade, manejo e ainda subsidiar a implementação de atividades em
educação ambiental. Portanto, a perspectiva de inclusão da percepção ambiental na gestão dos recursos naturais em UC contri-
buirá para a utilização racional dos mesmos. Certamente, possibilitando uma relação harmônica dos conhecimentos do interior
(como o ponto de vista de um indivíduo, de uma coletividade ou mesmo de uma população em seu conjunto) com os do exterior
(Governos, órgãos de planejamento, ONGs, etc.).
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cenário de interesses diversos, tanto no âmbito nacional como internacional. Nesse contexto, dois focos se destacam, a saber:
a conservação da natureza e o atendimento das necessidades das comunidades locais. A importância de combinar esses dois
interesses cresce a partir do início da década de 1990, com a urgência da importância do conceito de lugar na formulação das
políticas de desenvolvimento e sustentabilidade, contrapondo-se às políticas homogeneizantes, formuladas a partir de neces-
sidades gerais ou nacionais, que desconsideram as especificidades regionais e locais.
No âmbito da emergência ecológica atual e da importância da Amazônia em termos de biodiversidade, além do incre-
mento da ciência no contexto global das UC e das áreas protegidas, emergem como alternativa a gestão compartilhada de ter-
ritórios. Não obstante, as UC originar da ideia de proteção da natureza para que se possa preservar a “intocabilidade” de seus
atributos físicos e naturais, sem a presença do homem nestes espaços, idealizado a partir de contextos diferenciados, de países
desenvolvidos, elas surgem, no atual momento, como um desafio na Amazônia, região que apresentam um contexto diferenciado
de gestão e de parceria dos diversos atores que necessitam integrar-se para conservação e desenvolvimento regionais e locais
(DIEGUES, 1996).
Ademais, na Amazônia a questão ganha outra amplitude, pois na composição dos ecossistemas e na implantação feita
pelo Estado desses espaços de conservação, encontram-se comunidades que há tempos ocupam esses espaços, que na maio-
ria das vezes apresentam grande relevância na própria conservação da biodiversidade local. Por sua vez, Simonian (2000, p. 44)
afirma que
Numa perspectiva histórica, muitos indígenas e populações tradicionais não indígenas têm lo-
grado manejar positivamente os recursos naturais e assim garantir a sustentabilidade do ambiente
e de suas sociedades.
Então, essas populações destacam-se como positivas na conservação das áreas de reserva da região amazônica, desde
que o manejo empregado seja positivo e que as políticas públicas para a região se dêem de forma a equilibrar os recursos na-
turais e o bem- estar das populações da região.
Estas populações receberam grande valor a partir do conceito de “Populações Tradicionais”, que segundo Silva (2007)
está intimamente ligado ao processo da própria constituição das UC, sobretudo as reservas extrativistas. Portanto, o conceito
agrega também a ótica do movimento ambientalista como forma de explicitar o conjunto das populações tradicionais e seus mé-
todos específicos de sustentabilidade socioambiental. Ademais, nesses espaços encontram-se também vários agentes sociais,
com diferentes níveis de conflitualidade e objetivos de desenvolvimento, destacando-se o Estado, as populações tradicionais e
os agentes econômicos exógenos, este último, muitas vezes concebem a biodiversidade como recurso infinito.
Nas UC da região amazônica, esse engajamento e elucidação de percepções dos vários atores, principalmente das
populações locais, para as questões práticas e teóricas do desenvolvimento endógeno da região, perpassam pelo envolvimento
dos vários atores em busca do desenvolvimento que se queira sustentável. Porém, esse intento só dará pela efetiva qualidade
política dos agentes sociais, ora hegemonizados, com envolvimento que traga representatividade, legitimidade, participação da
base e autossustentação dos movimentos sociais organizados (DEMO, 2001). Isso, para uma verdadeira participação nos pro-
cessos sociais, econômicos e ecológicos da atualidade.
Considerações Finais
Este trabalho buscou no primeiro momento debater categorias da ciência geográfica, a partir do fenômeno da experiên-
cia. Porquanto os estudos das abordagens perceptivas na ciência geográfica vêm aumentando expressivamente. Desta forma,
estudar o espaço geográfico mediante uma visão perceptiva tem atraído atenções e as investigações procurando acrescentar
essa dimensão humanista. Além disso, também, o lugar, analisado sob o ponto de vista dos fundamentos orgânicos, cognitivos,
afetivos e simbólicos, está sendo mostrado a partir de diversos olhares nas pesquisas atuais, e inúmeras contribuições fazem
coro à interpretação da experiência humana e sua complexidade, analisando o caráter geográfico dos espaços e das sociedades.
Nos espaços de conservação, vários são os conceitos que se pode abordar e explorar cientificamente. Então, devemos
procurar analisar, as UC também sob o prisma destes três principais conceitos geográficos: espaço, paisagem e de lugar. Com
intuito de gerar conhecimento e trazer a contribuição da ciência geográfica humanista para os estudos e planejamentos destes
espaços.
Pois as relações vividas nas UC podem ser compreendidas como um lugar para seus moradores, pois as relações se
dão por intermédio da afeição e da familiaridade para com o espaço e sua paisagem. Espaço que se encontram intimamente
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relacionado à consciência de seu passado e de sua cultura.
Assim, identificados os elementos expressos na percepção ambiental de indivíduos ou grupos sociais, pode-se empregar
nesses aspectos um estímulo a formação de atitudes e valores positivos dos moradores destes espaços. Deste modo, objetivando
a valorização da paisagem, como intermediário na conservação dos ecossistemas presentes.
O reconhecimento dessas atitudes positivas e negativas são de fundamental importância para a conservação dos elemen-
tos naturais, desde que transmutando os valores e atitudes negativas em formas positivas. E elas devem ser consideradas como
um importante referencial para programas de educação e orientação ambiental, com o intuito de um engajamento a preservação
e a permanência dos elementos paisagísticos. Portanto, configura-se um dos caminhos a ser trilhado nas diversas áreas de
conservação. Ainda mais, com a frequência que é debatida, por seus moradores, a efetividade dos órgãos governamentais coor-
denando as ações. Desse modo, tais questões podem contribuir para discussão e planejamentos realizados sobre este espaço,
além de vislumbrar as especificidades e as demandas de suas populações.
Ressalta-se que a proeminência das Unidades de Conservação é balizada pela relevância dos seus ecossistemas para
toda a sociedade, e a busca integrada por conservação e, ao mesmo tempo, a utilização dos recursos naturais, de maneira
moderada e não impactante, para as populações locais. Neste sentido, a ciência tem relevante papel nas mudanças, desde que
se mude, também, o enfoque cientifico tradicional, pois os fenômenos insurgentes derivam da atividade perceptiva dos seres
humanos em relação às condições ambientais do atual momento da história. Deste modo, devem-se adotar procedimentos que
levem em consideração a percepção e a atribuição de atitudes e de valores que os diferentes sujeitos adotam sobre os diversos
espaços e, com isso, mesclar a objetividade do cientista com a preocupação dos sujeitos presentes nos diversos espaços.
Neste sentido, é enorme o desafio que se tem pela frente, pois nesta crise de percepção generalizada, transformada em
uma crise de valores e de percepções ambientais, tanto no âmbito da sociedade como individualmente, é que se deve partir para
a tomada de decisões quanto à conservação de recursos naturais como parte integrante de vida, na perspectiva de garantir a
sobrevivência dos diversos ecossistemas para as atuais e futuras gerações. Assim sendo, é necessário pensar em uma sociedade
inserida ao meio ambiente, e não indiferente a ele, dissipando essa dicotomia indolente entre seres humanos e natureza.
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04
1. Diversidade cultural e
manejo da biodiversidade
Resumo
O bioma Cerrado detém 5% da biodiversidade do planeta. Entretanto, é um dos biomas mais ameaçados do planeta especifi-
camente pela maciça conversão de áreas nativas em pastagens e cultivos. O “Complexo de Unidades de Conservação Terra
Ronca”, localizado no nordeste de Goiás, está totalmente inserido nesse bioma. Apesar da vegetação e dos recursos naturais
conexos apresentarem bom estado de conservação, na região ocorre significativa ação antrópica nas formas de explorações
da pecuária e do calcário. No entanto, a região é reconhecida também como um dos loci de extrativismo da flora nativa pela
agricultura familiar, associado aos sistemas produtivos de autosustento. O objetivo deste trabalho é abordar a interface entre
conservação e uso sustentável desse complexo de UC, com enfoque no uso de produtos da sociobiodiversidade, extrativismo de
frutos e sistemas produtivos de autosustento.
Introdução
A região do Vão do Paranã1, situada no nordeste goiano2, é conhecida por fazer parte dos seis fragmentos mais conserva-
dos de Goiás (CARVALHO; FELFILI, 2011; GANEM, 2007). Situa-se no Cerrado, o bioma brasileiro que mais alterações sofreu
com a ocupação humana, após a Mata Atlântica. A mineração, o garimpo, a expansão da agricultura, a irrigação, a aglomeração
urbana, a falta de tratamento do esgoto sanitário e a contaminação dos aquíferos subterrâneos estão entre as principais causas.
Nos últimos anos, a expansão da agricultura e da pecuária tem representado o maior fator de risco para o Cerrado e para os
recursos hídricos (HOGAN et al., 2002). Junto com a perda de ecossistemas, perde-se também a diversidade e a complexidade,
de uma forma ainda incalculável (DEAN, 1996).
Terra Ronca encontra-se na bacia do Alto Tocantins, onde há alta diversidade de fitofisionomias, porém uma flora pouco
conhecida (SILVA; SCARIOT, 2004). A região de Terra Ronca possui aproximadamente 17.000 Km2 e localiza-se nos municípios
de São Domingos e Guarani de Goiás.
Essa região goiana, localizada na microregião do Vão do Paranã e conhecida por conter um dos maiores complexos es-
peleológicos da América do Sul (CARVALHO, 2004), tem de tradição cultural de criação de gado e de culturas de autosustento e
extrativismo. Entretanto, tem recebido pressão cada vez maior sobre os ecossistemas nativos com a expansão da agropecuária
e da exploração do calcário. Para conservar a biodiversidade na região, uma das principais estratégias utilizadas foi o esta-
belecimento de áreas especialmente protegidas, ou unidades de conservação (UC). Para salvaguardar importante patrimônio
espeleológico, foi criada uma unidade de conservação (UC) de proteção integral, em 1989: o Parque Estadual de Terra Ronca
(PETeR). Além dela, outras três UC foram criadas: a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra Geral, em 1996; a Floresta
Nacional (Flona) da Mata Grande, em 2003; e a primeira reserva extrativista (RESEX) do Cerrado brasileiro, a Resex Recanto
das Araras de Terra Ronca, em 2006. Essas quatro UC juntas formam o que aqui denominamos de “Complexo de Unidades de
Conservação Terra Ronca”, região a que se dedica o presente trabalho.
Até abril de 2014, o PETeR havia regularizado 57% de sua área e os maiores impactos, segundo o gestor do Parque, são as
queimadas, a criação de gado extensiva e a mineração. Até novembro de 2014, a RESEX ainda não tinha iniciado a regularização
fundiária e nem o Conselho Deliberativo havia sido criado. Tampouco se tem notícias sobre a criação do Conselho Consultivo
da Flona e do Conselho Gestor da APA.
1
Composta por 12 municípios: Alvorada do Norte, Buritinópolis, Damianópolis, Divinópolis de Goiás, Flores de Goiás, Guarani de Goiás, Iaciara, Mambaí, Posse, São
Domingos, Simolândia e Sítio D’Abadia (AGÊNCIA GOIANA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2013; MOREIRA, 1995).
2
O Nordeste goiano foi oficialmente definido com quatro microrregiões do Estado de Goiás – Entorno de Brasília, Vão do Paranã, Chapada dos Veadeiros e Porangatu
(GANEM; DRUMMOND; FRANCO, 2008).
O Cerrado
O Cerrado ocorre no Brasil Central (KLINK; MACHADO, 2005) e ocupa 2.039.386 km2, 24% do território nacional. Esse
bioma detém 5% da biodiversidade do planeta, sendo considerado a savana mais rica do mundo, além de ser um dos hotspots
mundiais (MMA, 2011), por combinar uma elevada biodiversidade com uma alta pressão antrópica sobre os seus ecossistemas.
Conforme Salgado-Labouriau (2005), o Cerrado é comumente considerado como resultante de desmatamento e queima
de florestas, ou seja, não passa do resultado de 400 anos de exploração iniciados com a colonização europeia. No entanto, essa
autora, citando Luis G. Laboriau, defende que o cerrado deve ser muito antigo já que “havia muitos pares de espécies vicari-
antes3 entre a mata seca e o cerrado e, principalmente, porque existiam mais de mil espécies de Angiospermas exclusivas dos
cerrados”. Até 1990, os dois pontos de vista mais comuns sobre o cerrado eram: vegetação secundária versus vegetação natural
muito antiga.
Entende-se hoje que o cerrado é formado por um mosaico de vegetações: os cerrados (que ocupam a maior área),
campos, matas secas decíduas ou semi-decíduas, matas de galeria, veredas (buritizais) e formações brejosas. Os resultados
dos estudos de Salgado-Labouriau (2005) mostram que o ecossistema do cerrado está presente no Brasil Central há mais de
36.000 anos antes do presente (AP), mas as vegetações daquela época, devido ao clima mais frio e úmido, eram bem diferentes
das atuais. Somente após 5.000 AP o clima passa para semi-úmido e tem uma estação seca prolongada, de três a cinco meses.
Salgado-Labouriau (2005) afirma também que “o cerrado é uma vegetação resiliente que tem sido queimada frequentemente du-
rante mais de 40.000 anos. Entretanto, o aumento da frequência de fogo não natural (causado por ação antrópica) tem colocado
em risco o ecossistema”.
Ribeiro (2005) afirma que o Cerrado cobria área muito mais extensa do que atualmente é descrito. Quanto à presença
humana nesse bioma, o autor resgata as três principais evidências: 1. Estreito de Behring como porta de entrada; 2. a data de
entrada no Estreito; e 3. o número de ondas migratórias e a origem dessas populações. Essa polêmica no que se refere à América
do Sul tem algumas especificidades: origem diversificada da população; data de entrada no continente; diferentes vias utilizadas,
conforme Ribeiro (2005). Citando André Prous, o autor escreve que houve cinco diferentes vias de chegada na América do Sul.
Para Ribeiro (2005), a via de chegada nos Cerrados (RIBEIRO, 2005, cita Ab´Saber e Laboriau em nota pessoal) deve ter sido
pelo Planalto.
Além da importante abordagem das vias de entrada no Cerrado, Ribeiro (2005) cita o uso do Bioma. O uso, segundo esse
autor, se deu desde a Tradição Itaparica, com o uso da lenha, dos artefatos vegetais, de colares de frutos, trançados de fibras
vegetais e das palmeiras nessa etapa da pré-história. Sobre o Arcaico Médio abordará as variações regionais climáticas, o favore-
cimento do aumento da umidade da mata, que provoca a diminuição da caça e o favorecimento de moluscos terrestres, tudo isso
para falar do uso dos frutos do cerrado para a alimentação. Quanto ao Arcaico Recente, Ribeiro (2005) cita o “altitermal” ou “ótimo
climático” europeu que possui em sua principal característica, o ponto máximo da temperatura no Holoceno e o ambiente mais
úmido. Nesse período, as florestas se expandem e o Cerrado se desloca e se dilata, reduzindo a Caatinga próxima ao que é hoje.
É nesse período também que a agricultura ocorre de forma mais clara. Citando Barbosa e Shmitz, o autor trata das esta-
ções chuvosas com maior variedade de alimentos disponíveis, e da seca, ligada ao uso dos recursos da fauna. Nesse momento
da pré-história, segundo o autor, os seres humanos se fixaram e puderam vigiar seus plantios. É aqui também que ele aborda
3
As espécies vicariantes são muito próximas taxonomicamente, apresentam estreito grau de parentesco e os aspectos morfológicos que as distinguem podem ser
resultantes da diversidade do ambiente. In: MENDES, I.C. and PAVIANI, T.I. Morfo-anatomia comparada das folhas do par vicariante Plathymenia foliolosa Benth. e
Plathymenia reticulata Benth. (Leguminosae - Mimosoideae). Rev. bras. Bot. [online]. 1997, vol.20, n.2, pp. 185-195. ISSN 0100-8404. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-
84041997000200009.
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a agrobiodiversidade: milho, abóboras e amendoim. O período Cerâmico, Tradições Una, Aratu/Sapucaí e Uru aborda vários
aspectos que remetem à melhor compreensão das origens do uso da biodiversidade associado à agricultura.
Para Ribeiro (2005), a “ocupação do bioma Cerrado se traduziu em uma adaptação a ele e às possibilidades de sobre-
vivência oferecidas, diferente do que ocorreu em outros ambientes do continente” (p. 91). Para o autor, há um complexo cultural
próprio da savana, expressando o quanto ele teria se “constituído a partir de um longo processo histórico, que envolvia várias
tradições e fases desde o Holoceno” (p.104). Ribeiro (2005) cita Tom Miller, com relação ao complexo da agricultura indígena
que seria representada pelas plantas de propagação vegetal (mandioca, cará e outras) e as semeadas (abóbora, milho, algodão
e feijão). A caça e a coleta são complementares ao “conjunto de atividades e experiências com espécies semi-domesticadas (p.
105)”.
Ab’Sáber (2003) afirma que o Cerrado brasileiro é formado por um grande conjunto paisagístico com chapadões, planal-
tos e morros recobertos por cerrados, florestas de galeria, veredas, cerradões e formações campestres de diversos tipos. O autor
chama os cerrados de Fênix dos ecossistemas brasileiros, devido ao fato deles renascerem de suas próprias cinzas. Os cerrados
são um tipo de vegetação adaptado à secura do clima, assim como as caatingas (RIBEIRO, 1995).
Ab’ Sáber (2003) menciona também as mudanças provocadas no cerrado devido aos padrões modernos impostos pelo
ser humano que substituíram pelo menos parcialmente as velhas estruturas sociais e econômicas. Para esse autor os campos
cerrados são cerrados, mas chama também de cerrados, o domínio do ecossistema. Afirma que os cerradões, quando degrada-
dos por ações antrópicas, não se refazem facilmente, quiçá se recompõem. Para Ab’ Sáber (2003) seria necessária pelo menos
a preservação de 30% do espaço total da sua área nuclear, mas esse autor reconhece que, no fim dos anos 2000, a devastação
antrópica já havia atingido 70%, sem considerar a preservação relativa dos patrimônios naturais do “universo” de cerrados e
cerradões. É um dos biomas mais ameaçados com grandes áreas sendo sistematicamente convertidas em pastagens e cultivos
agrícolas (RIBEIRO et al., 2007).
Os colonizadores fizeram desse lugar “sertão” que, conforme Ribeiro (2006, p. 281), é um lugar de “pouca gente” e de
“muita natureza”. A região é formada por fazendeiros, agregados e posseiros desde as concessões das primeiras sesmarias.
Desde a chegada dos primeiros colonizadores, a autossubsistência é garantida pelo Cerrado, por meio da caça, pesca, coleta
de mel, extração de plantas, frutos, raízes e da criação de animais. A autossubsistência, a criação de gado e alguma extração
da flora permanecem na região de Terra Ronca. Essas atividades são conduzidas atualmente pelos netos e bisnetos dos antigos
posseiros e dos criadores de gado que viviam em comunidades isoladas e dispersas (FERNANDES, 2009). Segundo Fernandes
(2009), se há algo ainda presente entre os moradores de Terra Ronca, é a cultura da roça.
Essa região goiana, de tradição cultural de criação de gado e de culturas de subsistência e extrativismo, exerce pressão
cada vez maior sobre os ecossistemas nativos para a expansão da agropecuária e para a exploração do calcário. Para conservar a
biodiversidade na região, uma das principais ferramentas utilizadas foi o estabelecimento de áreas especialmente protegidas, ou
unidades de conservação (UC). Foram criados, mas ainda não implementados na região de Terra Ronca, o Parque Estadual de
Terra Ronca (PETeR), a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra Geral, em 1996; a Floresta Nacional (Flona) da Mata Grande
e a RESEX Recanto das Araras de Terra Ronca, conforme Figura 2.
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Figura 2. Disposição das Unidades de Conservação do Complexo de Terra Ronca.
Fontes: IBGE (2010) e MMA (2014). Elaborado por Cristiane Gomes Monteiro, 2014.
A criação de uma RESEX implica necessariamente no reconhecimento da ocorrência do extrativismo pela população
daquela região. A população residente e usuária de RESEX poderia ser considerada “população tradicional”. Conforme Die-
gues (2001), a Diretiva Operacional 4.20 de 1991 do Manual de Operações do Banco Mundial dá características mais amplas ao
termo, conceituando as populações que nelas residem como aqueles povos que vivem em áreas geográficas particulares que
demonstram, em vários graus uma ligação intensa com os territórios ancestrais; a auto-identificação e identificação pelos outros
como grupos culturais distintos; uma linguagem própria, muitas vezes não a nacional; presença de instituições sociais e políticas
próprias e tradicionais; e sistemas de produção principalmente voltados para o autosustento.
Para Diegues (2001), culturas tradicionais estão associadas a modos de produção pré-capitalistas, próprios de socie-
dades em que o trabalho ainda não se tornou mercadoria, em que a dependência do mercado já existe, mas não é total.
Outro elemento importante na relação entre essas populações e a natureza é sua relação com seu território. Diegues
(2001) traz a definição de Godelier (1984) para esse tipo de território trabalhado pelas populações tradicionais como “uma porção
da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determinada reivindica e garante a todos, ou a uma parte de seus membros,
direitos estáveis de acesso, controle ou uso da totalidade ou de parte dos recursos naturais aí existentes que ele deseja ou é
capaz de utilizar”.
Para Godelier, citado por Diegues (2001), o território fornece, em primeiro lugar, a natureza do homem como espécie;
os meios de subsistência; os meios de trabalho e produção; os meios de produzir os aspectos materiais das relações sociais,
aquelas que compõem a estrutura determinada de uma sociedade (relações de parentesco, etc.).
Metodologia
Para começar a identificar as potencialidades e os desafios na região de Terra Ronca, foi dado início ao levantamento
documental e bibliográfico e algumas entrevistas, mesmo que ainda informais, com atores locais e com os gestores do PETeR e
da RESEX numa viagem pré-exploratória à região de Terra Ronca em abril de 2014.
Levantamentos pré-exploratórios de campo têm o objetivo de ajudar a constituir a problemática da pesquisa a ser rea-
lizada. A função principal das entrevistas exploratórias é de revelar determinados aspectos do fenômeno estudado que não
foram pensados espontaneamente e, assim, completar as pistas de trabalho sugeridas pelas leituras prévias (QUIVY; CAMPEN-
HOUDT, 2013).
Formiga
A comunidade de Formiga situa-se a 1,5km do povoado de São João Evangelista, à direita na estrada que vai do povoado
São João Evangelista à base do PETeR. Essa comunidade tem quatro ou cinco casas apenascom água encanada, mas sem ener-
gia elétrica. A comunidade é formada por uma só família nascida no lugar. Segundo os funcionários do PETeR, essa comunidade
está dentro dos limites dessa UC, mas a única que vive do extrativismo.
Em Formiga, cultivam para o auto-consumo: arroz, feijão e mandioca. Cultivam também cana-de-açúcar para alimentar
o gado. Não consideram a diversificação de espécies em seu quintal. Mas, há bananeiras, pitangueiras, alguns cítricos, man-
gueiras, abacateiros, dentre outras. Quanto à origem das sementes, foi informado que é comum a troca de variedades com os
parentes e amigos, sempre que necessário. Possuem uma farinheira bem tradicional em um dos quintais e produzem farinha de
mandioca . Mas, ela possui um traço de modernidade: o ralador da mandioca com motor a óleo diesel.
Quanto aos frutos do cerrado, coletam, consomem e comercializam muito pouco em Formiga. Comercializam apenas
o óleo de babaçu. Para o autosustento, quando necessário utilizam o pequi (Caryocar brasiliensis), o cajuzinho (Anacardium
humile), o cascudo ou araticum (Annona crassiflora), o buriti (Mauritia flexuosa), o baru (Dipteryx alata) e o óleo do babaçu
(Attalea spp); e não usam o jatobá (Hymenaea stigonocarpa). É comum comercializarem fava d´anta (Dimorphandra sp).
Em Formiga, os moradores têm acessado o auxílio do Programa Bolsa Verde5. Esse Programa auxilia famílias que resi-
dem em unidades de conservação de uso sustentável, em boas condições de conservação ambiental. Além de a comunidade
estar situada dentro do PETeR, seus habitantes são considerados beneficiários da RESEX e, por isso, têm direito ao auxílio do
Bolsa Verde. Aparentemente não se utiliza insumos nas áreas produtivas na comunidade de Formiga.
4
Essa afirmação pode ser observada na lista de extrativistas no site da Coopcerrado (Empório do Cerrado). Disponível em: http://www.emporiodocerrado.org.br/
pt-br/rede/extrativistas.asp. Acesso em 16/11/2014.
5
Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa Verde, instituído pela Lei federal nº 12.512, de 14 de outubro de 2011, e regulamentado pelo Decreto nº 7.572
, de 28 de setembro de 2011. Na RESEX sete famílias recebem o benefício do Programa Bolsa Verde (Geraldo Marques Ribeiro; Maria Carvalho Ramos; Marineide
Oliveira de Carvalho; Odesvaldo Ferreira Lima; Orcalino Domingos dos Santos; Regina Rodrigues Pimentel e; Vera Lucia Ferreira Lima).
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e, açafrão. Está plantando fava d´anta, uma das espécies de mais fácil comércio, além de baru.
Utilizam fava d´anta e barbatimão. A fava d´anta possui folhas menores, casca mais fina e mais clara. Da fava são com-
prados os frutos, do barbatimão, a casca da árvore.
Para o autosustento, ele produz milho; gado; maracujá; feijão; duas variedades de batata-doce plantadas, entremeando
as áreas de produção; café; romã e fruteiras de várias espécies no quintal. Há também várias espécies plantadas no quintal para
serem utilizadas como medicamentos.
Está introduzindo várias arbóreas, exóticas e nativas, no entorno da lavoura e da propriedade. Está plantando Nim (usado
para combater enfermidades nas lavouras), baru e fava d´anta ao longo de uma das cercas de sua propriedade.
Toda a propriedade tem manejo orgânico desde 2000 e ele já passou pelo processo de inspeção. Ele utiliza como insumos
apenas biofertilizante e urina de vaca, produzido na propriedade. Quanto à comercialização, sua resposta foi a de que só vale a
pena comercializar quando há carga suficiente para completar um caminhão de 4 toneladas. O preço dos produtos, às vezes, é
negociado anteriormente e pode até ser adiantado aos produtores. Para ele, as famílias deixaram de coletar porque desde que a
Resex foi criada e, enquanto não for regularizada, não podem coletar. Os proprietários que estão dentro da área não permitem.
Para o armazenamento da produção coletada ou pré-beneficiada, a comunidade possui um galpão no povoado de São
João. No momento da pesquisa, soubemos que o galpão estava com 27 toneladas de fava d´anta estocada.
Há dois casos contrastantes que poderiam ser melhor explorados analiticamente (Osmar e Dona Rosa). São duas reali-
dades que convivem na região e revelam potencialidades e limites para a produção extrativista e/ou agroecológica.
Considerações Finais
Com relação às unidades de conservação, o PETeR e a RESEX têm influência direta no modo de vida e nos sistemas
produtivos dos habitantes da região de Terra Ronca. São também as únicas UC mencionadas pelos habitantes. O PETeR ainda
não realizou toda sua regularização fundiária. Os grandes proprietários foram os únicos indenizados e por isso ainda há peque-
nas propriedades produzindo nessa UC. Já a RESEX está em processo de implantação, apesar de ter sido criada em 2006. Ainda
não foi criado o Conselho Deliberativo, não há plano de manejo e a regularização fundiária não ocorreu. Por fim, ainda não há
uma compreensão completa sobre os reais beneficiários dessa UC.
No tocante aos produtos do extrativismo, considerados produtos da sociobiodiversidade local, não há uma compreensão
e entendimento por parte da maioria dos entrevistados sobre o que é ou não permitido com relação à produção, à coleta e à
comercialização de frutos do cerrado. Também não há clareza quanto ao processo instituído de comercialização. Aparentemente,
há pouco aproveitamento dos frutos do cerrado para o autossustento, no mercado local, nas pousadas, bares e restaurantes, e
nem regionalmente.
A produção para o autossustento parece ser muito pequena e mantida por poucos. Os principais produtos são: feijão,
arroz, mandioca, cana-de-açúcar e o gado. É comum utilizarem sementes próprias e trocadas entre parentes. Alguns fatores
podem ter levado a essa baixa produção: famílias cada vez mais reduzidas, envelhecimento da população rural, criação das UC,
maior acesso às áreas urbanas próximas, facilidade para adquirir produtos que antes eram cultivados, pouco incentivo para a
produção, ou até maior acesso a fontes de renda (aposentadoria, bolsa família e bolsa verde).
Terra Ronca é uma das áreas mais bem preservadas no estado de Goiás, mesmo sendo uma antiga área de uso da bio-
diversidade nativa por parte dos habitantes locais. É uma região com potencial turístico em ascensão, mas ainda pouco explo-
rado, além de haver grande potencial no que diz respeito à conservação e preservação dos modos de vida que valorizem o uso
sustentável da biodiversidade.
Por fim, tratando-se de famílias que trabalham bastante para o seu autosustento em RESEX, e que apresentam dificul-
dades para produção e comercialização dos produtos extrativos, a iniciativa de compensar os serviços ambientais – prestados
gratuitamente pelas famílias produtoras rurais, em virtude da conservação e preservação da floresta – se justifica em termos
social e ambiental, melhorando a qualidade de vida (MACIEL et al., 2010).
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Resumo
O presente artigo objetivou identificar como o ProBUC (Programa de Monitoramento da Biodiversidade e do Uso de Recursos
Naturais) influenciou no conhecimento dos moradores sobre a biodiversidade local e uso dos recursos naturais em três uni-
dades de conservação no Estado do Amazonas. Os resultados foram obtidos a partir de pesquisas documentais, entrevistas e
trabalhos de campo nas RDS Uatumã e Uacari e no PAREST Rio Negro Setor Norte-AM. Os pontos positivos mais citados foram
o aprimoramento do conhecimento sobre a biodiversidade, e dos recursos naturais disponíveis. Para vários moradores, antes do
Programa havia carência de informações sobre a situação social e ambiental das UC. Quais recursos podiam ser consumidos
ou comercializados pelos moradores. Como depende de recursos externos já ocorreram várias paralizações contribuindo para
perda de confiança na sua continuidade e eficácia.
Introdução
A Amazônia Brasileira em 2015 conta com uma área de 60.668.231,78ha (14,5% do Bioma Amazônico) distribuídas em 122
Unidades de Conservação federal (UC), sendo 80 de uso sustentável e 42 de proteção integral (BRASIL, 2015). O Estado do Ama-
zonas possui 42 UC estaduais sendo 34 de uso sustentável e 8 de proteção integral, ocupando uma área de 18.808.342,60ha do
seu território. Para gerenciar toda essa área o Estado conta com poucos profissionais, a maioria com contratos temporários sendo
comum a constante mudança de funcionários. Assim, alguns projetos buscam a participação de comunitários no monitoramento
da biodiversidade. Em documento recente o Ministério Público Federal destaca:
A importância de Unidades de Conservação como meio de garantir proteção a territórios que apre-
sentem características ecológicas e ambientais relevantes e devem ser mantidos sob um regime
especial de administração, bem como oportunidade de garantir a mesma proteção aos povos e
comunidades tradicionais (BRASIL, 2014,p. 12).
A ideia do monitoramento da gestão de unidades de conservação federais na Amazônia foi contemplada em 2003 dentro
do programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia). O Sistema de Monitoramento da Biodiversidade (SIMBIO), foi testado em
seis unidades de conservação e teve sua metodologia inspirada em outras ferramentas internacionais como o Tracking Tool do
WWF (MARCHAND et al., 2015).
No estado do Amazonas o Programa de Monitoramento da Biodiversidade e do Uso de Recursos Naturais em Unidades
de Conservação Estaduais do Amazonas (ProBUC) foi desenvolvido pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC)
desde 2006. O Programa elege como objetivos: “gerar, continuamente e de forma participativa, informações estratégicas para
a gestão de unidades de conservação” e “permitir a inserção das comunidades no processo decisório das ações de gestão da
UC onde estão localizadas.” (FONSECA JUNIOR et al., 2011, p. 15). O PROBUC foi desenvolvido com base em quatro princípios
norteadores: ser economicamente viável, ser contínuo, ser simples e ser aplicável à propostas de manejo de recursos naturais
e ao plano de gestão da UC. Destaca como finalidades: sensibilizar os residentes das UC sobre o uso dos recursos naturais e
problemas ambientais; capacitar os comunitários para o monitoramento ambiental e a tomada de decisão a partir dos dados
produzidos; monitorar espécies com potencial de uso; monitorar “espécies de interesse especial”, ou seja, espécies ameaçadas,
carismáticas ou conflituosas e monitorar o uso do solo e a modificação das paisagens (MARINELLI et al., 2007).
As atividades do Programa começaram em 2005 e, em 2006, ocorreram as primeiras monitorias na Reserva de Desen-
volvimento Sustentável do Uacari, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e Universidade Federal
Figura 1. Mapa de localização das unidades de conservação com atuação do PROBUC. Fonte: Marchand et al. (2015, p.2).
Este artigo traz resultados do projeto Universal “Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental do Programa de Monito-
ramento da Biodiversidade e do Uso de Recursos Naturais em Unidades de Conservação Estaduais no Amazonas”, desenvolvido
por professores e colaboradores da Universidade Federal do Amazonas e patrocinada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do
Estado do Amazonas (FAPEAM).
Sete idas ao campo foram realizadas para aplicar questionários semiestruturados, no total, 82 pessoas foram entrevista-
das nas três UC sendo: 34 na RDS Uatumã, 37 na RDS Uacari e 11 no PAREST do Rio Negro Setor Norte.
A pesquisa foi planejada numa perspectiva qualitativa, assim a amostragem não foi determinada com uma preocupação
de representatividade. Objetivou entrevistar o máximo de monitores (presentes no momento da pesquisa de campo) e ter a
opinião de outros moradores sobre o funcionamento do Programa em proporções iguais. A amostragem foi dividida em dois
grupos, “os monitores” e ex-monitores e os “não monitores”, conjunto mais heterogêneo que agrupa pessoas que participaram
das diferentes atividades do ProBUC (reuniões, soltura/manejo de quelônios, entrevistas dos agentes recenseadores, gincanas,
abertura das trilhas). Foram entrevistadas 45 pessoas do primeiro grupo e 37 do segundo.
O funcionamento do PROBUC
O Quadro 1, coloca em relevo as atividades desenvolvidas pelo ProBUC na RDS do Uacari, PAREST do Rio Negro Setor
Norte e RDS do Uatumã. Vale ressaltar que os valores repassados aos monitores são mencionados nos documentos como re-
compensas, assim quando termina um projeto os monitores ficam sem receber, no entanto como é de interesse das comunidades
alguns fazem o trabalho por conta própria. Embora o acesso para realizar as atividades na maior parte depende de transporte
fluvial e o combustível em algumas áreas é o dobro das cidades, ficando caro, pois a maioria não tem fonte de renda fixa. Jor-
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gensen et al. (2005) enfatizam que a renumeração dos monitores é algo necessário, pois o serviço exigido é de natureza similar
a uma ocupação laboral.
As escolas presentes nas UC são geralmente pequenas com uma ou duas salas de aula, com exceção dos “Núcleos de
Conservação e Sustentabilidade” que são melhores estruturados e oferecem cursos técnicos. Os alunos chagam as escolas
em lanchas das prefeituras ou rabetas individuais1. No entanto, o calendário escolar segue o ritmo das cheias e vazantes dos
rios, dessa forma nem sempre os duzentos dias letivo obrigatórios pelo calendário escolar são cumpridos, pois no período de
enchente as escolas ficam fechadas (Figura 2).
1
Pequenas embarcações com motor comum nos rios da Amazônia.
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Figura 2. Escola de Ensino Fundamental na RDS do Uacari-Carauari-AM. Fonte: Lima (2015)
Eu acho que a importância do ProBUC foi trazer informação. Antes se chegasse uma pessoa aqui
e perguntasse: você tem uma ideia de quanto entra de peixe na comunidade? A gente não tinha
nada pra dar a resposta, quando veio o povo ensinando, dando essa base toda aí a gente teve
mais essa ideia. (Líder comunitário, RDS Uacari, 2015).
Outro aspecto identificado pelos moradores é o fato de ter proporcionado um melhor controle sobre o uso dos recursos
naturais (12,20%). Mesmo se a equipe técnica imprimiu muitos esforços para diferenciar o ProBUC da fiscalização para facilitar
a adesão dos comunitários, a atuação dos monitores parece ter tido um efeito na exploração insustentável ou ilegal dos recursos
naturais. Por exemplo, alguns monitores sublinharam nas entrevistas que eles orientam os demais comunitários sobre as práticas
ilegais ou prejudiciais para o meio ambiente. Além disso, o fato de ter, em cada comunidade, várias pessoas envolvidas na pro-
teção dos tabuleiros (os monitores, seus familiares e seus amigos...) limita as tentativas de exploração predadora da parte dos
comunitários, como relatam:
O meu trabalho como monitor é fazendo coleta de dados sobre o que as pessoas fazem. Antes
a gente fazia de duas em duas semanas, agora a gente faz de quinze em quinze dias. O monitor
recenseador ele coleta dados sobre tudo, sobre informação de pesca, de caça, de sementes,
de extrativismo em geral e sobre agricultura, sobre as espécies ameaçadas de extinção, o que
é avistado, o que não é. A importância disso pra comunidade é que assim, quando a gente tem
o retorno de tudo isso, a comunidade sabe o que mais produziu o que mais fez o que tem o que
não tem, o que está aumentando, o que está diminuindo. Com essa coleta de dados, tanto é im-
portante para a comunidade quanto para a própria reserva se tiver interesse em fazer um manejo
em cima daquilo. Saber qual o potencial existente dentro da unidade de conservação. (Monitora,
RDS Uacari, 2015).
Meu relacionamento com as pessoas da comunidade sempre foi um bom relacionamento, nunca
tive problemas. Pelo motivo também de ser vice representante da comunidade, a gente tem um
bom relacionamento. Sempre a gente se reúne, a gente é ouvida, a gente leva em consideração
o que eles têm para falar. (Monitora, RDS Uacari, 2015).
O ProBUC foi um bom trabalho, ele mostrou pra gente o potencial de cada coisa da nossa região,
andiroba, açaí, madeira, caça, peixe, então o pessoal é informado, cada comunidade era infor-
mado do que tinha na sua região. (Ex-Monitor, RDS Uacari, 2015).
O ProBUC hoje eu vejo como um programa “sumido” aquele incentivo que a gente tinha logo
quando iniciou, acabou. Deu continuidade porque aqui há um nível de organização grande. Al-
gumas coisas já atuavam como, por exemplo, o monitoramento de quelônios, talvez atuasse do
nosso jeito é claro, mas já atuava há vinte quinze anos atrás, então isso ainda continua do mesmo
jeito. (Ex-motinor, RDS Uacari, 2015).
Chaves (2001) chama atenção que a organização comunitária na Amazônia não pode ser compreendida somente a partir
de sua atividade produtiva e econômica, pois no contexto da economia tradicional, as regras são estabelecidas de forma coletiva
em que se estabelecem o respeito e ajuda mútua, sempre buscando estratégias coletivas voltadas para a melhoria da qualidade
de vida dos envolvidos. No decorrer das entrevistas com os monitores ou com membros comunitários, o fato de uma pessoa
possuir um conhecimento ou uma aptidão peculiar foi apontado como a principal razão da indicação à monitoria. Os monitores
da fauna enfatizaram que foram selecionados por seu conhecimento sobre os animais terrestres, alguns caçadores. Para Moran
(2010, p. 342), “a caça requer um bom conhecimento dos sons emitidos pelos animais, de seus alimentos prediletos e comporta-
mentos migratórios”. Os monitores de recenseamentos ou de embarcação por ter facilidade para ler ou escrever, os monitores
de quelônios por serem bons observadores do comportamento desses animais e assim em diante.
Também foram mencionados casos que o conhecimento foi passando por gerações “Meu pai foi monitor de praia 18
anos. E a minha filha faz a coleta de dados, da praia, ela quem faz as fichas, os monitores só vigiam, ela é voluntária”. (Monitora,
RDS Uacari, 2015).
A condição de caboclo, geralmente descrita de forma negativa, até pelos próprios moradores, é revalorizada, pois a ex-
periência e o conhecimento dos elementos que ritmam a vida desses agroextrativistas são vistos como preciosos. Isso é peculiar-
mente visível no caso dos caçadores que foram escolhidos para serem monitores. Se tornando um monitor, o predador de antes é
visto de outra forma, ele adquire o status de uma pessoa que possui um conhecimento diferenciado e valioso para o levantamento
dos recursos naturais da UC. Por meio desse procedimento, ele é, de certa forma, reabilitado e de novo respeitável, pois, pode,
potencialmente, contribuir ao bem comum. (MARCHAND et al., 2015, p. 40).
Um impacto positivo é que o ProBUC contribuiu com a divulgação de dados quantitativos sobre os recursos naturais
locais. Os procedimentos do monitoramento dos quelônios (delimitação das praias, manuseio dos ovos) foram co-construídos
com as populações locais em função dos seus conhecimentos sobre o comportamento local das espécies.
Com o Programa e com a vigilância dos monitores de praia, começou a aumentar o número
de quelônios, aumentou muito. A gente vem tendo um grande sucesso com isso. Também com
o monitoramento de fauna, onde os monitores iam nas trilhas ver que animal estava andando.
Com as coletas de dados nas casas também, onde depois a gente tinha um retorno de tudo isso
e foi importante ter pesquisa, mas tem que ter o retorno pra comunidade e o ProBUC, dava esse
retorno em suas avaliações e seus boletins e coisas assim e trazia toda essa importância para a
comunidade da importância de se fazer as entrevistas e também de preservar mesmo. (Monitora,
RDS Uacari, 2015).
Assim, o conhecimento local é considerado tão valioso quanto o técnico-científico e o diálogo entre ambos foram faci-
litados pela metodologia participativa. Outro aspecto que chamou atenção é inerente ao fato de que o monitor tende a adquirir
um novo status na comunidade, ele se torna uma pessoa de referência sobre determinadas questões e pode ser solicitado por
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334
diferentes ações. Vários depoimentos foram feitos a esse respeito no decorrer das entrevistas. Um monitor de jacaré da RDS
Uacari declarou: “eu não sabia o que era monitoramento, agora eu sei e posso explicar para outras pessoas e elas sabem o que
é o trabalho de monitor. Pessoas vêm fazendo perguntas sobre a quantidade de animais que saíram [dos ninhos]”. Outro disse:
“[com o ProBUC] eu cheguei a conhecer melhor o jacaré, eu tinha pouco conhecimento antes. [...] Pessoas que querem fazer
perguntas sobre o jacaré, é comigo! As pessoas querem saber quantos ovos têm, e se todos os ovos eclodem, eles querem testar
meu conhecimento”.
Em alguns casos, os monitores são chamados pelos professores para dar “palestras” nas escolas ou explicar seu trabalho
assim como apontou esse outro monitor de Uacari: “a professora chamou para eu explicar o trabalho, levei os alunos nos tabu-
leiros. Na soltura, deu muita alegria para as crianças. Eu senti que todo mundo estava vendo o resultado do meu trabalho. Mas
as pessoas não esquecem que sem nosso trabalho nossas crianças não saberiam o que é um quelônio”. São solicitados também
em reuniões comunitárias ou de forma individual para ter algumas orientações sobre o uso de determinados recursos, assumem
assim a função de “consultores” para os assuntos relativos à biodiversidade ou seu uso. Por fim, vários monitores se consideram
como agentes sensibilizadores nas comunidades onde eles atuam e estimam ser ouvidos por causa dessa função especial.
Conclusão
Com sua metodologia participativa, o ProBUC contribuiu com a divulgação dos dados quantitativos sobre os recursos
naturais locais. Os diferentes aspectos positivos no que diz respeito ao uso da biodiversidade e o entendimento das estratégias
de conservação. Além de favorecer a valorização dos saberes locais, o Programa fez dos monitores figuras emblemáticas nas
comunidades, pois podem potencialmente influenciar sobre o comportamento de seus congêneres ou sobre algumas decisões
relativas ao uso de recursos naturais. Os entrevistados estimam-se mais informadas sobre o estado da biodiversidade, e gosta-
ram de ter acesso a esse novo conhecimento. Com as ações dos monitores e a visitas frequentes da equipe técnica, o Programa
proporcionou uma forma de controle sobre as práticas locais assim como uma sensibilização dos comunitários a respeito das
estratégias de conservação, o que foi visto de maneira positiva pelos comunitários.
Atualmente essas conquistas são potencialmente ameaçadas com as dificuldades enfrentadas pelo Programa. No primei-
ro semestre de 2015, houve a dissolução da Secretaria do Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas (SDS) e conse-
quente extinção do Centro de Unidades de Conservação (CEUC), ocasionando também a redução dos recursos atribuídos pela
Fundação Moore, sua principal fonte de renda. Com a incerteza da continuação do Programa com várias fases de paralisação é
possível que os comunitários decepcionados e sem perspectiva de apoio nas atividades voltem a ter menos consideração para
a proteção da biodiversidade.
Ficou claro que a conservação da biodiversidade nas UC pesquisadas pode sim ocorrer com a participação dos mora-
dores locais, no entanto, carece de apoio continuo para que as atividades ocorram de forma eficaz. Existe a boa vontade dos
comunitários, mas além do tempo dedicado para realizar as atividades, o acesso às áreas na maior parte depende de transporte
fluvial e o valor do combustível em algumas áreas é o dobro das cidades, ficando inviável para os moradores, pois a maioria não
tem fonte de renda fixa. Dessa forma a continuação do Programa é importante, mas o órgão gestor necessita contribuir de forma
mais significativa, sendo necessária a realização de concurso público para resolver um problema comum a todas as unidades. A
constante mudança de gestores e técnicos contribui para a não continuidade das atividades nas áreas pesquisadas.
Referências
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CONHECIMENTO LOCAL SOBRE PLANTAS NA ÁREA DE PROTEÇÃO
AMBIENTAL DO ANHATOMIRIM
1. Laboratório de Ecologia Humana e Etnobotânica, Universidade Federal de Santa Catarina, rafaela.hbio@gmail.com 2. Laboratório de
Ecologia Humana e Etnobotânica, Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
A presença de moradores em áreas protegidas fortalece a necessidade de entendimento da relação entre pessoas e recursos
naturais, para garantir e monitorar a funcionalidade do uso sustentável destes recursos com a conservação da natureza. O pre-
sente trabalho explora o conhecimento de plantas na Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim, em Santa Catarina, inves-
tigando as finalidades de uso dos recursos e seus locais de obtenção. Em 72 entrevistas foram citadas 326 plantas, das quais
as categorias mais citadas para finalidade de uso foram alimentícia (850 citações), medicinal (578 citações) e construção (237
citações). Quanto aos locais de obtenção dos recursos os mais citados foram quintal próprio (195 citações), quintais dos vizinhos
(165 citações) e mata (125 citações). Tais nuances de conhecimento sobre a vegetação refletem diferentes interações entre pes-
soas e plantas numa escala local e podem auxiliar na conservação destes recursos nesta área protegida.
Introdução
A relação entre pessoas e plantas está estreitamente ligada à história da civilização humana (ALBUQUERQUE, 2005).
Desde os tempos mais remotos o ser humano representa um importante agente modificador da paisagem, modelando a ve-
getação e selecionando as plantas através de seu uso empírico ou simbólico (ALBUQUERQUE, 2005). O manejo dos recursos
vegetais é dependente da relação humano-ambiente e tal relação está intimamente ligada à cultura, de modo que a natureza não
pode ser dissociada desta (GUATTARI, 1990).
Diversas áreas do conhecimento têm contribuído para o estudo da relação humano-ambiente, dentre as quais situa-se
a etnobotânica. A etnobotânica é definida como um campo de cruzamento entre saberes, que busca melhor analisar as relações
entre a diversidade vegetal e cultural, bem como a percepção, uso e manejo dos recursos vegetais (BEGOSSI, 1993; MARQUES,
2001). Neste sentido, a etnobotânica tem um importante papel na conservação e manejo de áreas protegidas ao permitir o avanço
da compreensão do conhecimento, uso e acesso aos recursos vegetais (ALCORN, 1995; HANAZAKI, 2003).
Assim, os estudos voltados às questões do conhecimento local em áreas protegidas podem endereçar perspectivas de
manejo e conservação com o auxílio e participação das populações locais (FABRICIUS; BURGER, 1997; LYKKE, 2000; HANAZA-
KI, 2003; CARVALHO; FRAZÃO-MOREIRA, 2011; ZANK; HANAZAKI, 2012). Dentre as áreas protegidas, as Unidades de Conser-
vação (UC) de uso sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental (APA), são alternativas para garantir tanto a conservação
quanto o acesso ao uso dos recursos naturais (VIANNA, 2008).
O presente trabalho investiga o conhecimento local sobre plantas na APA do Anhatomirim, que é uma UC Federal. Esta
UC abrange regiões marinho-costeiras e terrestres, possui uma área de 4.436,56 hectares e localiza-se no município de Governa-
dor Celso Ramos – Santa Catarina, Brasil, conforme visto na Figura 01e 02 (ICMBIO, 2013a; IBGE, 2014). A APA do Anhatomirim
foi criada em 1992 e encontra-se implementada desde então. A mesma abrange seis comunidades, que estão integral ou par-
cialmente inseridas à ela: Areias de Baixo, Caieira do Norte, Praia do Antenor, Costeira da Armação (detalhada na Figura 02),
Fazenda da Armação e Armação da Piedade (ICMBIO, 2013b). Dentre estas, a comunidade da Costeira da Armação foi escolhida
por sua localização (situada no interior da APA) e pela existência de atividades tradicionais, como a pesca artesanal.
Figura 2. Localização detalhada da área de estudo. Em branco os limites do município de Governador Celso Ramos e em amarelo os limites
da APA do Anhatomirim. O ponto em amarelo corresponde à comunidade da Costeira da Armação (adaptado de Google Earth, 2015).
Ao longo do trabalho são investigadas as categorias de uso das plantas conhecidas (ex.: alimentícia, construção) e seus
locais de obtenção. Reitera-se a contribuição do trabalho para a valorização do conhecimento local, bem como para fornecer
subsídios para futuras tomadas de decisão referentes à gestão dos recursos vegetais na APA.
Metodologia
O conhecimento local de cada morador da Costeira da Armação foi acessado através de entrevistas. Estas entrevistas
foram aplicadas com o auxílio de um questionário semiestruturado, abrangendo questões relativas a aspectos socioeconômicos,
ao conhecimento sobre plantas, seus respectivos usos e locais de obtenção. A relação conhecimento e uso, no que se refere a
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uso atual ou passado, está em processo de análise e será detalhado em trabalhos futuros. A técnica aplicada na entrevista foi a
listagem livre pois, de acordo com Albuquerque et al. (2008), permite resgatar informações específicas sobre o domínio cultural
das comunidades estudadas. Para guiá-la foram usadas as seguintes perguntas centrais:
1) O(a) senhor(a) pode nos contar nomes de plantas que conhece ou que usa, ou que usou no passado?1
2) Para que serve esta planta?
3) Onde o(a) senhor(a) encontra essa planta quando quer?
Os dados obtidos com as entrevistas foram analisados através de estatística descritiva. Sempre que possível a amostragem
foi sistemática de modo a cobrir o máximo possível da variação geográfica existente na comunidade. O número de entrevistas ne-
cessárias foi calculado conforme descrito por Barbetta (2002), a partir do número de habitantes da comunidade2(282), aceitando-
se um erro amostral de 10%. Assim, foram necessárias 72 entrevistas.
Para inclusão de um indivíduo na pesquisa foram adotados os seguintes critérios: ter 18 anos ou mais e ser residente
permanente ou temporário da Costeira da Armação há pelo menos cinco anos. As entrevistas só foram realizadas após obtenção
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de cada informante.
Considerando que as entrevistas ocorreram durante a alta temporada (novembro/2014 e fevereiro/2015), 12 pessoas não
se enquadraram nos critérios da pesquisa pois estavam na comunidade pela primeira vez. Ainda, houve 29 recusas por parte dos
moradores da comunidade seguidas de justificativas como falta de tempo, receio por acreditar não saber responder “certo” e
receio de assinar o TCLE. Assim, foram realizadas 113 abordagens para concretização das 72 entrevistas, conforme apresentado
na Tabela 1.
A pesquisa foi registrada e autorizada pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade Estadual
de Santa Catarina – CEPSH UDESC (Protocolo CAAE 35007214.4.0000.0118) e pelo Sistema de Autorização e Informação em
Biodiversidade – SISBIO (44802-1).
Resultados e discussão
Durante a pesquisa foram entrevistados 39 homens e 33 mulheres, com idades entre 18 e 75 anos. Dentre estes, 57% estão
vinculadas a atividades tradicionais (pesca artesanal ou agricultura). Foram citadas nas listagens livres 326 plantas encontradas
na região, das quais 34 plantas foram coletadas para identificação.
As plantas citadas foram classificadas quanto à categoria de uso e seu local de obtenção. Quanto aos usos, as plantas
citadas foram classificadas dentre as seguintes categorias: alimentícia, medicinal, construção, ornamental e outros (plantas cu-
jas finalidades de uso não foram muito citadas, como artesanato e ritualístico). Por sua vez, os locais de obtenção mencionados
foram: quintal próprio, quintal do vizinho, mata, mercado, rua, farmácia e outros. Doravante, os resultados em termos de uso e de
obtenção serão analisados separadamente.
Usos
A Tabela 2 apresenta o número de plantas citadas e o número de citações por categoria de uso. As categorias estão
ordenadas crescentemente conforme o número de citações. Pode ser observado que as categorias alimentar e medicinal apa-
recem em primeiro plano. Tal resultado é esperado, pois são necessidades básicas para a sobrevivência humana (BRUSCHI et
al., 2014).
1
Para auxiliar na identificação das plantas citadas na listagem livre, fotografou-se ou coletou-se material botânico. Este material foi identificado a partir da terceira
versão do sistema de classificação do Grupo de Filogenia de Angiospermas - Angiosperm Phylogeny Group (APGIII), através de bibliografias específicas (e.g.:
LINGNER et al., 2013; LORENZI et al., 2006; LORENZI; MATOS, 2008).
2
Disponibilizado pelo posto de saúde da comunidade.
O uso das plantas citadas na categoria alimentar ocorre principalmente in natura, apreciados como fruta ou em forma
de sucos. Conforme apresentadas na Tabela 3, nesta categoria as plantas mais citadas foram a banana (Musa paradisiaca L.),
a laranja (Citrus sinensis (L.) Osbeck), a jabuticaba (Myrciaria jaboticaba (Vell.) O. Berg) e a pitanga (Eugenia uniflora L.). A
predominância do uso de frutas também é apontada por Liporacci (2014); de acordo com autor, relata-se o uso de frutos em 66%
dos trabalhos etnobotânicos. Não houve desconforto por parte dos entrevistados ao falar das plantas alimentícias. Pelo contrário,
notou-se boa vontade em compartilhar os conhecimentos.
Tabela 3. Principais plantas citadas como alimentícias (n=72 entrevistas com moradores da Costeira
da Armação, APA de Anhatomirim). Nota-se que as duas últimas são espécies nativas da Mata Atlântica.
Na Tabela 4 são apresentadas as plantas mais citadas da categoria medicinal. Nota-se que as três primeiras espécies
são compartilhadas com a categoria alimentar. O maior uso destas espécies dentre as demais, além do compartilhamento entre
mais de uma categoria pode indicar um alto grau de importância destes recursos na comunidade (HEINRICH et al., 1998). A
banana foi indicada para manter o intestino saudável e tratar diarreias. Seu uso se dá sob forma de chá e o preparo ocorre através
do cozimento da casca da fruta, quando esta ainda não amadureceu. A laranja foi indicada para tratar da gripe (prevenção e sin-
tomas). A medicina local indica fazer infusões de sua casca e de suas folhas. A pitanga foi indicada para males de “zipra3”, com
seu uso feito através da infusão das folhas.
Assim como a laranja, a tangerina também foi citada para prevenção da gripe. Porém, o uso ocorre pela ingestão da
fruta in natura. Por último, o boldo foi citado para curar males do fígado e estômago. Em seu preparo é indicado extrair o sumo de
suas folhas e bebê-lo puro ou diluído em água. Não houve desconfortos ao conversar sobre as plantas medicinais. Inclusive, há
certa preocupação por parte dos moradores sobre o esquecimento de algumas plantas e sobre o desinteresse dos mais novos
em aprender. Um dos moradores menciona: “[...] uma vez veio um médico aqui e ele disse pra mim: não sabes a farmácia que
tens nesses barrancos, [...] eu sabia muito da nossa farmácia, mas já não sei mais tanto e minha filha menos ainda” (CA04).
3
Erisipela, popularmente conhecida como zipra - Inflamação da pele, causada por estreptococos.
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340
Tabela 4. Principais plantas citadas como medicinais (n=72 entrevistas com moradores da
Costeira da Armação, APA de Anhatomirim).
Ao longo das entrevistas as espécies mais citadas na categoria construção (Tabela 5) foram: o garapuvu (Schizolobium
parahyba (Vell.) Blake), o pinus (Pinus sp.) e o jacatirão (Miconia cinnamomifolia (DC.) Naudin). O garapuvu foi citado para
construção de canoas. O pinus e o jacatirão foram citados para construções de maneira geral. Porém, o pinus não é muito bem
visto pelos moradores, os quais chegaram a indicar a planta como um problema na comunidade: “Esse pinheiro, que o pessoal
chama de pinus, não é nativo não. Isso é uma praga, tá em tudo quanto é canto agora. Plantaram faz um tempo já, uns 20, 30
anos, e o que tu vês agora é tudo semente que se espalhou” (CA18). As demais plantas contidas nesta categoria foram citadas
para consertos de embarcações e utilização em construções de casas e afins.
Tabela 5. Principais plantas citadas para construções (n=72 entrevistas com moradores da
Costeira da Armação, APA de Anhatomirim).
Uma vez que todas as plantas citadas na categoria são árvores, suas menções eram sempre seguidas de expressões
como “madeira muito boa” ou “madeira não muito boa”. Essas informações dão indícios de que tais conhecimentos foram ad-
quiridos na prática com o uso do recurso. Também observou-se ao perguntar se o recurso era utilizado atualmente muitos diziam
que nunca o usaram. Observou-se que o relato dos recursos para construção era seguido de alguma desconfiança e de questio-
namentos. Os mais comuns, quando durante a entrevista falava-se sobre recursos para construção, eram os seguintes: “[...] que
que a universidade quer saber de árvore? ” (CA71) e “[...] não é do IBAMA? ” (CA57). Quando tais perguntas ocorriam explicava-
se novamente o TCLE e questionava-se ao participante se ele estava se sentindo mal com a entrevista e se gostaria de desistir4.
Este receio, apresentado ao falar sobre as plantas para construção, em grande parte nativas da Mata Atlântica, aponta
para limitações do uso destes recursos. Estas limitações podem estar relacionadas ao zoneamento da APA, o que precisa ser
analisado com maior detalhamento em trabalhos futuros. Se por um lado um grande número de plantas foram citadas como
pertencentes à categoria construção, por outro, cada espécime foi citado poucas vezes. As poucas citações por espécimes indi-
cam erosão no conhecimento e, segundo Zuchiwschi et al. (2010), estas mudanças podem estar relacionadas a atual legislação
ambiental.
As plantas categorizadas em outros e ornamental receberam poucas citações: no máximo duas citações para cada planta.
Na categoria outros estiveram presentes plantas usadas para artesanato, confecção de tamancos de madeira e de uso ritualístico
(e.g.: para “afastar mau olhado”).
Locais de obtenção
Como pode ser visto na Figura 3, os locais mais citados para obtenção das plantas foram: os quintais próprios (32%), os
quintais dos vizinhos (27%) e a mata (21%). Ou seja, embora muitos dos recursos citados sejam cultivados em casa, ainda há
conhecimento das plantas que estão na mata. Isso revela que, apesar da importância de ambientes diretamente manejados como
4
Nenhum participante desistiu da entrevista.
Figura 3. Número de citações dos locais de obtenção das plantas (n=72 entrevistas com moradores da Costeira da Armação,
APA de Anhatomirim).
Por sua vez, as plantas adquiridas nos mercados (13%) servem como complemento daquilo que não é possível obter com
facilidade em determinada estação. Nas palavras de um dos moradores “[...] se eu tenho em casa pra que que vou comprar? ”
(CA37). Deve-se observar que na comunidade existem apenas dois mercados e uma feira de frutas e verduras que ocorre uma
vez por semana. Na categoria rua (5%) estão presentes plantas que crescem espontaneamente em terrenos baldios e nas calça-
das da rua, como a quebra-pedra (Euphorbia prostrata Aiton) e malva (Malva parviflora L.). A comunidade não possui farmácia,
apenas um posto de saúde, logo às plantas adquiridas na categoria farmácia (2%) são trazidas de outras comunidades e/ou
municípios e muitas vezes por meio dos filhos que moram/trabalham longe da família.
Conclusões
Os moradores da Costeira da Armação mostraram conhecimentos variados sobre as categorias de plantas investigadas
neste trabalho. Ressaltam-se as dificuldades no acesso ao conhecimento de plantas nas categorias de construção, ornamental
e outros. Essas dificuldades, principalmente para a categoria de construção, refletem o receio de fazer-se saber conhecedor,
pois o conhecimento pode estar relacionado ao uso de recursos da Mata Atlântica e envolver questões previstas na legislação
ambiental vigente.
A partir do levantamento dos saberes sobre as plantas, suas categorias de usos e seus locais de obtenção, nota-se a
importância destes recursos no cotidiano dos moradores da Costeira da Armação, ainda que esta seja uma comunidade reco-
nhecida por ser de pescadores e com muitas casas de veraneio. Essa importância é relatada através do compartilhamento de
categorias de uso por plantas citadas e pelo dinamismo dos locais de obtenção destas plantas, como os quintais próprios, os de
vizinhos e na mata. Os locais de obtenção mostram que as plantas de interesse são mantidas próximas. Desta forma, os quintais
exerceram um papel central na manutenção dos conhecimentos etnobotânicos.
A preocupação por parte dos moradores em esquecer as plantas que uma vez conheciam abrem perspectivas para o
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planejamento de ações que visem a conservação e manutenção de recursos e conhecimentos. O mesmo se aplica aos recursos
citados na categoria construção, na qual o receio em transmitir conhecimentos resulta na erosão do mesmo.
Cabe ressaltar que outras análises estão em andamento, uma delas envolve a questão da temporalidade dos usos das
plantas, sendo estes usos atuais ou passados A partir desta análise será possível expandir as discussões que podem corroborar,
ou não, com as conclusões parciais alcançadas neste trabalho. As questões a serem tratadas futuramente relacionarão o conhe-
cimento associado ao uso das plantas com o fator temporal do uso das mesmas. Além de relacionar, também, a ecologia das
plantas dando vistas às discussões sobre a sustentabilidade do uso das mesmas no contexto da área protegida.
Referências
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CONHECIMENTO LAKLÃNÕ/XOKLENG SOBRE A NATUREZA E
CONSERVAÇÃO NA TERRA INDÍGENA IBIRAMA-LAKLÃNÕ,
ALTO VALE DO ITAJAÍ, SANTA CATARINA, BRASIL
Cruz, Takumã1; Heineberg, Marian2; Gomes, Thiago3; Hanazaki, Natalia4 & Peroni, Nivaldo5
Resumo
Terras indígenas são áreas protegidas que podem promover a manutenção e conservação da diversidade biológica e cultural.
Com o objetivo de registrar o conhecimento ecológico local dos Laklãnõ/Xokleng na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, este estudo
utilizou de entrevistas, observação participante, turnês-guiadas e oficinas participativas para obter informações sobre o uso e
conhecimento de espécies vegetais locais e da paisagem, além de formas manejar e compreender a natureza. Foram registradas
informações sobre 314 plantas e 61 unidades de paisagem, e locais culturalmente importantes na terra indígena. Com relação
à transmissão deste conhecimento, verificou-se que se dá principalmente durante a infância e é centrada na família. A riqueza
do conhecimento ecológico Laklãnõ/Xokleng revelada nesta pesquisa reflete a íntima relação com o ambiente em que vivem e é
fonte muito importante para práticas sustentáveis e para a manutenção da cultura e populações tradicionais em seus territórios.
Resumo
O presente artigo pretende apresentar considerações referentes ao processo de institucionalização do Parque Estadual Ilha do
Cardoso e sobre o ordenamento territorial nos diferentes Núcleos do Parque. O artigo em questão traz alguns apontamentos
que dizem respeito às relações que se estabelecem entre as populações tradicionais residentes, o Órgão Gestor e as perspec-
tivas territoriais desses atores que coexistem na Ilha do Cardoso e influenciam as dinâmicas socioambientais desta Unidade de
Conservação. Os principais resultados apresentados são referentes à organização territorial dos Núcleos, sistematizada pelos
moradores e quais perspectivas os mesmos apreendem dos desdobramentos da institucionalização do Parque e tais reflexos
atualmente. Significativas mudanças ocorreram no Parque nos últimos anos, dentre as quais se destacam as frequentes e novas
necessidades que surgiram no esforço de conciliar as estratégias de Manejo e Gestão Participativa com as demandas das popu-
lações tradicionais e as atividades que lá desenvolvem. Nesse sentido, no intuito de manterem a reprodução dos seus modos de
vida em consonância com o contexto de uma UC e dos objetivos a ela destinados.
Palavras-Chave: Unidades de Conservação, Parque Estadual Ilha do Cardoso, Diferentes Perspectivas Territoriais e Paisagísti-
cas, Conflitos e Territorialidades, Populações Tradicionais.
Introdução e Justificativa
Atualmente não há dúvidas, no cenário mundial, sobre a importância das Áreas Protegidas. No Brasil, as Unidades de
Conservação – UC são consideradas importantes pilares para a redução dos índices de desmatamento, degradação ambiental e
comprometimento da biodiversidade restante no País, visto que as áreas protegidas garantem serviços essenciais à humanidade
como um todo. Estas áreas abrigam também uma grande diversidade étnica inserida no território brasileiro, como populações
indígenas e populações tradicionais - Caiçaras, Quilombolas, Ribeirinhos, Seringueiros, entre outras. Há uma série de interesses
legítimos sobre as diferentes perspectivas de Usos da Terra destinados às UC, bem como uma grande variação de atores ex-
ternos e internos que influenciam as dinâmicas nelas existentes, principalmente no que diz respeito às que estão inseridas no
contexto das dinâmicas costeiras.
Um dos aspectos inerentes à discussão sobre ordenamento territorial e ambiental no Brasil é a criação e institucionaliza-
ção das UC, consideradas áreas naturais protegidas pelo poder público. A análise sobre as políticas ambientais governamentais,
que dispõem acerca das unidades de conservação contempla uma discussão acerca do território a partir de várias abordagens
(biológica, política, socioeconômica e cultural).
A criação dessas áreas ao redor do mundo configura uma importante estratégia de controle e monitoramento do território,
visto que estabelece limites e dinâmicas de uso e ocupação específicos de acordo com a área protegida. Este controle e os
critérios de uso que normalmente se aplicam às áreas protegidas são frequentemente atribuídos em virtude da valorização e da
necessidade de resguardar a biodiversidade existente.
Porém, conforme coloca Irving (2002), a implantação dos mesmos modelos provenientes de países como Estados Uni-
dos, ampliando a dicotomização sociedade-natureza, vem gerando um quadro de conflitos sociais, culturais e econômicos para
as populações que vivem em áreas de inserção dessas UC, principalmente quando estão no interior de Parques, na categoria de
UC de proteção integral, que representa um exemplo emblemático de cisão sociedade-natureza.
Para Diegues (2004), é fundamental enfatizar que a transposição do “modelo Yellowstone”, - originado em países indus-
trializados e de clima temperado - para países subdesenvolvidos, cujas florestas remanescentes foram e continuam sendo, em
grande parte, habitadas por populações tradicionais, está na base não só de conflitos, mas de uma visão equivocada de áreas
Metodologia e Procedimentos
Para abordar a complexidade das relações existentes entre esses atores no PEIC, foi adotado como pressuposto de fun-
damentação teórica o sistema teórico metodológico GTP (Geossistema- Território – Paisagem) elaborado pelo geógrafo Georges
Bertrand, o qual propõe uma análise sistêmica e integrada sobre as dinâmicas socioambientais.
Bertrand (2009) atenta que o GTP tem como objetivo uma abordagem geográfica transversal e de travessias, significando,
uma análise diagonal, holística, dialética e articulada. O autor esclarece que o ponto de partida da análise, passa a ocorrer de
forma complexa, em três espaços e três tempos simultâneos, para que seja possível analisar o meio ambiente na sua globali-
dade, uma vez que o espaço se modifica e/ou se transfigura constantemente ao longo do tempo.
Esses três campos conceituais, semânticos e metodológicos, permitem uma varredura lógica, hierarquizada do conjunto
da interface. São eles (BERTRAND, 2009):
- O tempo do geossistema é aquele da natureza antropizada: é o tempo da fonte, das característi-
cas bio-físico-químicas de suas águas e seus ritmos hidrológicos;
- O tempo do território é aquele do social e do econômico, do mercado ao tempo do “desenvolvim-
ento durável”: é o tempo do recurso, da gestão, da redistribuição, da poluição-despoluição;
- O tempo da paisagem é aquele do cultural, do patrimônio, do identitário e das representações: é
o tempo do retorno às fontes, aquele do simbólico, do mito e do ritual.
É possível considerar, que enquanto um sistema teórico-metodológico, o GTP abre possibilidades de estudos geográ-
ficos capazes de transladar entre a complexidade dos fenômenos ambientais, posto que não se enquadra como um conceito
unívoco, a linearidade não comporta suas perspectivas, utilizando-se assim de conceitos e perspectivas polissêmicas, capazes
de correlacionar e integralizar a análise dos fenômenos sociais, econômicos, culturais, políticos, etc., e seus desdobramentos e
transformações no âmbito da questão ambiental.
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Sendo assim, o sistema teórico metodológico GTP nos permite realizar uma abordagem geográfica através de uma
análise integrada dos fenômenos que se constituem na interface sociedade-natureza e a tentativa neste estudo é conseguir di-
mensionar o mais próximo possível essa pesquisa dentro da integração proposta pela conceituação tripolar desta metodologia.
Os procedimentos se fizeram necessários, às vezes de forma separadas, às vezes concomitantemente quando se buscou
correlações entre os temas. Foi realizado aprofundamento em várias questões relacionadas ao processo de criação de áreas pro-
tegidas no Brasil seguindo parâmetros internacionais e outros temas envolvendo as áreas protegidas, a fim de se compreender
a conjuntura atual da legislação brasileira que discorre sobre as políticas ambientais (Código Florestal, Constituição de 1988,
Política Nacional de Meio Ambiente de 1981, SNUC, IUCN, CDB, PNAP e outras disposições). Sobre o referencial específico do
PEIC, alguns foram de fundamental importância para compreender as dinâmicas ali existentes, como o Plano de Manejo Fase 2
e os Laudos do Ministério Público disponibilizados.
Para sustentar o embasamento do modelo GTP às dinâmicas socioambientais do PEIC, realizou-se um planejamento
concreto para o desenvolvimento dos trabalhos de campo, para isso, foi necessário criar roteiros de trabalhos de campo e en-
trevistas bem definidos para que posteriormente fosse possível o tratamento e análise adequados dos levantamentos e dados
obtidos durante os trabalhos. É importante esclarecer que foi de suma importância à prévia elaboração desses roteiros definidos,
de forma que os roteiros foram compilados em questionários sistematizados, através das entrevistas semidirigidas definidas,
pelos núcleos do Parque, visaram abarcar o maior número de aspectos possíveis que se propôs trabalhar. Desse modo, foram
realizados quatro trabalhos de campo ao PEIC durante o desenvolvimento da pesquisa.
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Figura 2. Zoneamento do PEIC onde observa-se os Núcleos Marujá e Perequê e os demais Núcleos (em azul), localizados ao Sul do PEIC,
nas Zonas de Uso Extensivo. Fonte: Oliva, A.R; Campolim, M.B (2001)
Segundo Milanelo (1992), até a criação do Parque, a maioria dos moradores sobrevivia da pesca artesanal (redes peque-
nas, gerival, cerco, redes de espera e lançamento). A agricultura era uma atividade igualmente importante, mas que do ponto de
vista de opção como atividade de subsistência dos moradores, deixou de ser viabilizada e autorizada no decorrer das décadas
de 1960 em diante.
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Os moradores há anos pedem medidas mitigadoras de contenção parar retardar o avanço dos processos erosivos nesse
Núcleo. Contudo os próprios moradores se organizaram para colocar barreiras de contenção nas construções mais ameaçadas.
Quanto à possibilidade de realocação para outros Núcleos, visto que novas construções teriam que ser feita nesse caso, não é
algo em cogitação segundo o geólogo do Conselho Gestor do PEIC.
A cerca de 10 km da Enseada da Baleia, no pontal do Leste, ao extremo sul da ilha, as poucas famílias residentes vivem
fundamentalmente da pesca, com exceção nos períodos de dezembro a fevereiro, quando recebem turistas para as festas de fim
de ano e carnaval. Por estar localizado no extremo sul da Ilha, sendo o ponto mais distante da Ilha em relação à Cananéia, de onde
geralmente partem os turistas em direção ao PEIC, a procura de turistas é relativamente baixa se comparada ao Núcleo Maruja.
Está em processo de desenvolvimento pelos membros da Associação de Moradores do Marujá uma proposta de recate-
gorização do Núcleo Maruja, para passar de integrante de Parque Estadual para integrante de uma RDS (Reserva de Desenvolvi-
mento Sustentável). Porém, ainda é algo introdutório e sem a oficialização perante o Conselho Gestor do Parque. A opinião dos
moradores de outros núcleos é dividida, pois além de não estarem articulados em relação à proposta, caso ela viesse a ocorrer,
beneficiaria somente o Núcleo Marujá, a menos que outros, com o Perequê, também com potencial turístico, embora em menor
escala, fosse incorporado. Uma das maiores reivindicações para a criação da RDS, além de flexibilizar as atividades turísticas,
é que na mesma o Conselho Gestor é deliberativo e, assim, os membros do Conselho deste Núcleo teriam maior autonomia e
poder de decisão.
Visto a importância do papel do Conselho Gestor no PEIC, um fato notório e preocupante é a ocorrência de elevada rota-
tividade da equipe gestora nos últimos anos, reflexos das mudanças e direcionamentos da Fundação Florestal. O maior registro
de um só gestor no Parque é de quase sete anos quando houve a elaboração da Fase 2 do Plano de Manejo.
Em maio de 2014, foi aprovada a Portaria FF/DE N°093/2014 que dispõe sobre a Criação do Grupo de Trabalho para
elaboração da proposta de criação de Programa de Governo para o reassentamento das populações tradicionais em UC nas
quais sua permanência não seja permitida (Art.1). O Grupo de Trabalho se deu por representantes das seguintes áreas: dois
representantes do Núcleo de Regularização Fundiária, dois representantes da Diretoria Litoral Norte e Diretoria Litoral Sul, um
do Núcleo Metropolitana e Interior, um da Assessoria Jurídica e por cinco membros do ITESP.
A notícia repercutiu com preocupação entre os moradores do PEIC, visto que até junho deste ano, o Conselho Gestor
ainda não havia se manifestado nas reuniões com os moradores para esclarecer como o Grupo de Trabalho em questão está
trabalhando em relação às questões de um possível reassentamento no PEIC. Segundo Membros da Associação de Moradores
do Núcleo Perequê e Marujá, os residentes de UC do Vale do Ribeira estão cientes dos objetivos da nova Portaria em priorizar a
questão fundiária nas UC com vistas ao reassentamento, e as ações deste Grupo de Trabalho devem ser oficializadas nos próxi-
mos meses em relação ao que é estabelecido pela Portaria.
No caso do PEIC, o estabelecimento do território político de proteção da natureza, neste caso, vem causando novas
demandas e preocupante cerceamento da possibilidade de produção dessas territorialidades, provocando o enfraquecimento
dos seus modos de vida tradicionais. Em contrapartida, na ausência de muitas dessas UC, muitos destes remanescentes hoje
conservados, possivelmente, não existiriam mais. Uma das consequências disto foi que muitas populações tradicionais tiveram
proteção em função da existência destas áreas protegidas.
Diegues (2001) reconhece que em muitos casos a criação de unidades de conservação protegeu os moradores tradi-
cionais contra a especulação imobiliária galopante e a expropriação de suas terras. No entanto, foram severamente tolhidos de
exercer suas atividades no interior destas áreas e não podiam ter acesso a serviços básicos e nem exercer suas atividades de
plantio, muitas vezes, seus meios de sobrevivência.
No PEIC, a grande rotatividade no Conselho Gestor ao longo dos anos, é um fator que tem dificultado ações e estratégias
de gestão com resultados efetivos. Esse foi um dos pontos fundamentais abordados por dois antigos gestores. Ambos relataram
que a inconstância institucional da Fundação Florestal tem contribuído para a crise na Gestão das UC no estado, conforme já
apresentado neste estudo.
Os princípios de Gestão Participativa do Uso Público no PEIC, advindos do Plano de Manejo Fase 2, são considerados
avanços importantes no que tange à gestão participativa, tanto pela comunidade do Núcleo Marujá quanto pelo Conselho Ges-
tor da época. Embora a equipe gestora tenha sofrido mudanças nesses últimos anos, o turismo de base comunitária e gestão
participativa de uso público no Marujá fundamentalmente se mantêm. Contudo, nos outros Núcleos os princípios dessa gestão
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ções em seus modos de vida, sobretudo aos que migraram da Ilha e não conseguiram reproduzir seus modos de vida fora de lá.
As comunidades moldaram-se de forma a adequar suas atividades para manutenção da vida cotidiana, não alterando, contudo,
suas representações territoriais e paisagísticas.
Entender as representações paisagísticas no contexto das comunidades tradicionais é compreender as perspectivas,
olhares, que indicam como os caiçaras interpretam e organizam seus modos de vida ligados aos elementos naturais, constituindo
uma identidade, sustentada nos saberes tradicionais, acerca dos fenômenos da natureza, sem as quais suas principais ativi-
dades, como a pesca, não seria possível. Verifica-se que existe um conjunto de atores no PEIC pautado por interesses e visões
diversas. Contudo, percebe-se claramente que existe uma coesão dos grupos sociais existentes, de modo que verificou-se a
correlação entre a leitura que os membros das comunidades da Ilha fazem e os Núcleos aos quais eles pertencem.
Existem as perspectivas territoriais e representações paisagísticas dos moradores tradicionais que mantém sua visão
da Ilha do Cardoso como meio possível para continuar reproduzindo seus modos de vida tradicionais e que investem cotidiana-
mente no resgate cultural das tradições das comunidades caiçaras, que sofreram alterações ao longo do percurso e desdobra-
mentos de criação do Parque.
Nesse sentido, os modos de vida das populações tradicionais e representações da cultura caiçara talvez não sejam mais
o ponto de partida, mas sim os investimentos nos segmentos das atividades de ecoturismo desenvolvidas por essas comuni-
dades, seja a prioridade em relação à adaptação de seus modos de vida em um Parque Estadual de Proteção Integral.
Há ainda os moradores que trabalham na tentativa de manter as atividades tradicionais em consonância com as ativi-
dades turísticas adotadas nas últimas décadas, buscando manter representações tradicionais da cultura caiçara e investindo nos
segmentos do ecoturismo. Essas perspectivas e representações não se excluem, ou mesmo se desenvolvem uma em detrimento
da outra, mostram, contudo, perspectivas diferenciadas sobre suas representações sociais e sobre as novas demandas que sur-
giram na Ilha após a institucionalização do Parque.
Contudo, para a maior parte das comunidades presentes no Parque, não displicentes que as paisagens ali existentes são
patrimônio público – institucional – as quais lhes servem para conseguirem seu sustento, ou parte dele, reconhecem a importân-
cia da Ilha em seu conjunto. Porém, o que referencia o sentimento de pertencimento dos mesmos naquele lugar, e que pode
ser percebido nas suas perspectivas e referências paisagísticas, é a paisagem familiar e coletiva, a paisagem afetiva, os valores
culturais, a importância do patrimônio familiar, da união das famílias durante gerações na Ilha do Cardoso.
As interações destes diferentes atores resultam, portanto, em perspectivas e representações diferenciadas sobre o PEIC,
podendo apresentar desde níveis de conflitos que têm dificultado a permanência dos moradores tradicionais, os quais legitimam
o Parque enquanto inserido num contexto de políticas de conservação, porém que buscam alternativas para manter seus modos
de vida tradicionais. Assim como, tem ocorrido outros direcionamentos, por exemplo, ao Núcleo Marujá, que pelo nível de sua
organização de gestão participativa do uso do turismo, reivindica a permanência legitimada no interior do Parque, através da
proposta de recategorização do Núcleo como uma RDS.
Deste modo, a conservação do PEIC pode ter maior efetividade a partir do momento em que se relativizam as distâncias
entre os interesses e perspectivas dos atores das UC e o Conselho Gestor, no sentido de promover a efetiva conservação da bio-
diversidade presente nesta UC. Nesse sentido, considerar as estratégias de Manejo e Gestão Participativa, é um ponto de partida
para as populações tradicionais, que reivindicam o direito de permanência no interior do Parque sob o fundamento de garantia
da manutenção dos seus modos de vida tradicionais e garantia de preservação de sua diversidade cultural.
Concluindo, é de suma importância conceder o devido respaldo ao Sistema teórico- metodológico GTP, visto as contri-
buições que a aplicação desta metodologia , proporcionou ao estudo. O Parque Estadual Ilha do Cardoso não é estático, está in-
serido num contexto de dinâmicas complexas, de forma que trabalhou-se na tentativa de analisar e sistematizar tais dinâmicas de
acordo com seus contextos e compreender as possíveis leituras de realidade existentes na Ilha do Cardoso. De maneira que , o
sistema teórico metodológico GTP, possibilitou trabalhar na tentativa de uma realizar uma pesquisa que fosse capaz de abranger
e dimensionar, a partir de um modelo integrado, a diversidade dos contextos ali presentes e toda a sua complexidade incutida.
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Resumo
O objetivo do artigo em questão é apresentar algumas reflexões da relação entre as técnicas e saberes tradicionais agrícolas
aplicadas pelos agricultores em Três Riachos, Biguaçu – SC, envolvidos no sistema denominado localmente como roça de toco e
o papel da paisagem cultural como instrumento de proteção e preservação de tais técnicas. Partimos da comunidade que utiliza
a técnica de roça de toco na área rural de Biguaçu – Santa Catarina, Brasil, para refletir sobre a instrumentalização da paisagem
cultural e suas potencialidades no manejo da biodiversidade e as práticas culturais envolvidos neste processo. Nesse sentido,
apresentamos as principais características da comunidade, bem como as técnicas e os saberes associadas ao modo de vida dos
membros das comunidades. Discutimos ainda a origem das técnicas e saberes tradicionais e como são aplicados, os instrumen-
tos de preservação do patrimônio no Brasil, ou seja, em que medida os instrumentos de preservação fornecem subsídios para
proteção das técnicas e saberes nas comunidades agrícolas tradicionais.
Palavras-chave: Diversidade Cultural, Técnicas Tradicionais, Biodiversidade, Paisagem Cultural, Manejo Florestal.
Introdução
As políticas associadas as práticas de preservação cultural encontram-se no epicentro de uma imensa gama de pes-
quisas, sejam elas acadêmicas ou institucionais, em uma grande quantidade de países. No bojo destes estudos encontram-se
desde análises da aplicabilidade de tais políticas, como reflexões sobre a própria categoria de patrimônio cultural e os discursos
e ideologias nela atreladas.
A presente pesquisa1 possui como foco as políticas de preservação cultural, com uma análise pautada na categoria de
paisagem cultural, utilizada, principalmente, nos países europeus, em planos de gestão que objetivam a preservação e a valoriza-
ção do patrimônio histórico cultural representados nas paisagens. Buscamos aqui analisar como ocorre a prática da preservação
da paisagens culturais associadas as técnicas e saberes agrícolas. Entendemos que a prática de preservação das paisagens
envolve a conservação de ações e seus agentes, nelas inseridas.
No Brasil, esta prática é recente, porém, muitos casos encontram-se em andamento com pedidos de ações efetivas dentro
dos órgãos de preservação, o que remete ao crescimento da utilização deste instrumento. Nesse contexto, torna-se importante
refletir sobre o papel da paisagem cultural como instrumento de preservação aplicada as técnicas tradicionais agrícolas, visto a
escassez de trabalhos nesta área e o importante papel que o instrumento apresenta. Estas práticas culturais, passadas de gera-
ção em geração, são entendidas no presente trabalho como elementos vivos e orgânicos de famílias que retiram grande parte de
suas rendas através da aplicação das mesmas. Portanto, como contemplar nos pactos de gestão, estes elementos socioculturais,
muitas vezes ignorados nos processos de preservação cultural?
A mola propulsora que impulsiona as discussões do trabalho em questão é a agricultura desenvolvida em Três Riachos,
Biguaçu – SC (principalmente as comunidades de São Marcos, São Mateus e Canudos, microbacias de São Marcos e Fazendas,
Figura 1), denominada como roça de toco, também conhecida como agricultura itinerante ou sistema de manejo2.
1
As reflexões que embasaram a elaboração do artigo derivam do produto de qualificação da tese de doutoramento, que ainda encontra-se em andamento.
2
O decreto nº 1.282 de 19/10/1995, responsável pela regulamentação da exploração das florestas da bacia amazônica define manejo florestal como a utilização racio-
nal e ambientalmente adequada dos recursos da floresta. Manejo é uma atividade econômica oposta ao desmatamento, pois não há remoção total da floresta e mesmo
após o uso o local manterá sua estrutura florestal. O manejo bem feito segue três princípios fundamentais: deve ser ecologicamente correto, economicamente viável
e socialmente justo. O princípio da técnica de exploração de impacto reduzido - principal ferramenta do manejo florestal - é extrair produtos da floresta de maneira
que os impactos gerados sejam mínimos, possibilitando a manutenção da estrutura florestal e sua recuperação, por meio do estoque de plantas remanescentes.
Diversificar a produção é um dos princípios mais importantes para o uso sustentável dos recursos florestais (Serviço Florestal Brasileiro - http://www.florestal.gov.br/).
O sistema apontado por pesquisadores da área (FANTINI, 2010; ARAUJO et al, 2013; VICENTE; FANTINI, 2014) como
elemento de grande importância para manutenção das florestas tropicais, encontra dificuldades de continuar. Um dos principais
motivos encontra-se nos embates com órgãos ambientais, visto que alguns dos elementos intrínsecos as práticas da população
local fere a legislação ambiental vigente.
A partir do reconhecimento das características e das relações que se estabelecem nas comunidades supracitadas, al-
gumas questões se fizeram presentes e incentivaram a formulação do objetivo em questão. Tomando como ponto de partida o
instrumento da paisagem cultural, da forma como foi elaborada nas diretrizes da UNESCO e como foi legalmente constituída no
Brasil, como pensar sua aplicação de maneira a auxiliar a preservação de práticas que envolvem técnicas e saberes tradicionais?
Até que ponto a aplicabilidade dos instrumentos de preservação no Brasil, em específico a paisagem cultural, possui potencial
para atuar em conjunto com outros instrumentos legais (principalmente ambientais), na preservação de técnicas e saberes agrí-
colas responsáveis pelo sustento de diversas famílias? Em que medida o instrumento de preservação da paisagem cultural, da
forma como vem sendo utilizado no Brasil, influencia na manutenção ou não de práticas agrícolas em vias de desaparecimento?
A metodologia utilizada para subsidiar o estudo pautou-se na pesquisa teórica centrada na literatura especializada, na
análise documental com estudo de textos legais e diretrizes internacionais no campo do patrimônio e nos estudos de campo, que
forneceram as primeiras impressões sobre a população e a área.
No texto que segue abordaremos algumas categorias analíticas que subsidiaram as ponderações realizadas no trabalho.
Dentre estas, podemos elencar como principais, as categorias de agricultura familiar, os saberes e técnicas tradicionais e de
paisagem cultural.
Desenvolvimento
A agricultura itinerante roça de toco e a categoria de paisagem cultural:
alguns apontamentos
A agricultura familiar corresponde a 87% dos estabelecimentos agropecuários em Santa Catarina, Brasil (IBGE, 2006).
Dados levantados pela EPAGRI/CEPA3 demonstram que em 2012 o Estado foi o segundo maior produtor nacional de arroz (1.097
mil ton), o maior produtor de maçã (659.732 ton) e contribuiu ainda significativamente para a produção interna de feijão (115.719
ton), cebola (379.262 ton), fumo (237.213 ton), banana (689,695 ton) e mandioca (530.098 ton). Estas cifras são alguns exemplos
que demonstram a importância que possui da atividade, que ocorre tanto nas áreas mais afastadas ou periféricas, como também
nas regiões metropolitanas, incluindo os municípios próximos a capital, em Santa Catarina.
Um exemplo é o município de Biguaçu, componente da Região Metropolitana da Grande Florianópolis, distante aproxi-
3
Dados retirados do ranking da produção estadual em relação a nacional das safras de 2011 e 2012. Disponível em http://www.epagri.sc.gov.br/?page_id=2870,
acessado em 10 de Dez. de 2014.
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madamente 18 km da capital, onde a agricultura familiar vem sendo praticada de modo consorciado com a floresta. A população
que habita a região de Três Riachos, nas comunidades de São Marcos, São Mateus, Canudos e Fazendas, localizada no mu-
nicípio, adquire grande parte da renda através da agricultura local ou atividades que dela derivam (FANTINI; SCHLINDWEIN,
2014; VICENTE, 2014; ARAUJO et al, 2013).
Uller-Gomes et al.(2013), identificaram um total de 402 (quatrocentos e duas) famílias na localidade de Três Riachos.
Dessas, 157 (cento e cinquenta e sete) famílias adquirem a maior parte da renda advinda da agricultura. Ou seja, considerando
a proximidade com a capital, elencada como um elemento de atração4 pela população destas comunidades, um total de 39%5
desta população ainda vivendo da atividade agrícola é uma quantidade significativa.
A agricultura praticada na região possui a especificidade de ser rotacional e é tratada como uma agricultura itinerante,
bem como o sistema de manejo denominado roça de toco, também conhecido como coivara em outras regiões, por possuir rela-
ção direta com a floresta tropical. O manejo realizado pela população local consiste na condução periódica e sucessiva de culti-
vos agrícolas e florestais, onde ocorre alternância entre os períodos de cultivo e pousio. As principais culturas agrícolas utilizadas
são a mandioca, a banana, o milho, o café e a cana-de-açúcar. Tradicionalmente as espécies florestais utilizadas no sistema eram
tanto da mata nativa, quanto a bracatinga (formações florestais formadas por alta densidade de indivíduos de Mimosa scabrella)
(VICENTE; FANTINI, 2014; FANTINI; SCHLINDWEIN, 2014; CARRIERI et al., 2014).
Este sistema de manejo é apontado como um dos mais antigos do mundo, aplicado em outras áreas, variando de local
para local. No Brasil o manejo foi praticado por comunidades indígenas por mais de mil anos, especialmente os que habitavam
o litoral brasileiro, no qual cultivavam principalmente a mandioca (DEAN, 1996).
É considerado por alguns pesquisadores de manejos florestais como um elemento fundamental para manutenção das
florestas tropicais, principalmente, pelo seu caráter autosustentável e por promover o processo de domesticação e adaptação
das comunidades vegetais tanto para cultivos anuais quanto para as florestas (ADAMS, 2000; OLIVEIRA, 2002; STEENBOCK et
al., 2011; SIMINSKI; FANTINI, 2007; ULLER-GÓMEZ E GARTNER, 2008; FANTINI et al., 2010, MARTINS, 2005).
O sistema consiste em um primeiro momento na roçada seletiva nas glebas de mata nativa, para retirada da vegetação
arbustiva de diâmetro menor e da vegetação herbácea (rasteira). Este processo auxilia o acúmulo de material orgânico sobre
o solo. A limpeza da área ocorre através da incineração da biomassa, que funciona como facilitador de locomoção no lote, e o
material restante proporciona fertilidade ao solo. Alguns agricultores utilizam o fogo antes da derrubada, outros o utilizam após.
(VICENTE; FANTINI, 2014; FANTINI et al., 2010; VICENTE, 2014).
A etapa seguinte corresponde na desidratação da madeira, que permanece sobre o solo pelo período de um a dois
meses. Esta técnica é importante para alcançar um fuste com teor calorífico aceitável para utilização da madeira como lenha
nos engenhos de açúcar e farinha ou nos fornos de carvão (VICENTE; FANTINI, 2014). Posteriormente a este processo ocorre
a separação e corte dos troncos restantes em toras de aproximadamente um metro. Uma síntese do manejo pode ser melhor
visualizado na sequência (Figura 2).
4
Segundo Casagrande (2006), 8.605 famílias abandonaram o meio rural nos últimos 50 anos, sendo 19,1% nos últimos 10 anos na região da Grande Florianópolis. A
taxa de urbanização está próxima dos 90%.
5
Na comunidade de São Mateus 41% das famílias apresentam renda proveniente de atividade do campo. E na comunidade Fazendas 42%. (ULLER-GOMES et al.,
2013).
O manejo de regeneração ou introdução de espécies nativas, funciona como um recompositor florestal, auxiliando a ma-
nutenção da cobertura vegetal nas propriedades, assim favorece a produção de lenha (atividade que compõe a cadeia agrícola
da região), e na recuperação do solo (VICENTE; FANTINI, 2014).
Apesar destas considerações o sistema de manejo praticado nas comunidades de Biguaçu encontra dificuldades para
continuar, visto que uma série de restrições legais ao manejo da floresta nativa têm tornado cada vez mais difícil o exercício da
atividade, colocando-a na clandestinidade ou fazendo com que ocorra o abandono da prática pelos agricultores e agricultoras
tradicionais nas comunidades (ARAUJO et al, 2013; VICENTE; FANTINI, 2014; FANTINI et al., 2010)
O embate com os órgãos de legislação e fiscalização ambientais inicia-se no momento da retirada da vegetação rein-
troduzida. Quando a floresta nativa reinserida pelos responsáveis agrícolas nas propriedades rurais atingem o “ponto de corte”
necessário para nova lavoura ou produção de lenha, esta enquadra-se em momento considerado área em estágio médio ou
avançado de regeneração, tornando o/a autor/a pela supressão passível de autuação (FANTINI et al., 2010).
Como aponta Zuchiwschi et al (2010, p. 279), no estado de Santa Catarina a autorização para o corte seletivo de até 20
unidades (indivíduos) de árvores nativas ou até 15 m³ de galhada de árvores para lenha, permitida em unidades de produção
com até 30 ha, exige uma série de procedimentos legais (averbação de Reserva Legal na escritura do imóvel, apresentação de
projeto elaborado por um técnico, planta topográfica georreferenciada do imóvel, entre outros documentos).
A Lei Municipal Nº 3166/2011, promulgada em 14 de dezembro de 2011, dispõe sobre autorização para atividades consi-
deradas de baixo impacto ambiental no município de Biguaçu. Dentre as ações consideradas de baixo impacto e que necessitam
de autorização para serem praticadas encontram-se,
A coleta de produtos para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas
e frutos, exceto madeira, desde que eventual e respeitada à legislação específica a respeito do
acesso a recursos genéticos;
O plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos ve-
getais em áreas alteradas, plantados junto ou de modo misto;
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362
O art. 9º, parágrafo IV da Lei em questão esclarece ainda o que a prefeitura entende como recuperação ambiental, dis-
posto adiante,
constitui toda e qualquer ação que vise mitigar os danos ambientais causados e dependendo das
peculiaridades do dano e do bem atingido, as seguintes modalidades: recomposição ambiental,
recuperação in natura, ou restauração que consiste na restituição do bem lesado ao estado em
que se encontrava antes de sofrer a agressão, por meio de adoção de procedimentos e técnicas
de imitação da natureza;
Há indícios que a saída encontrada pela população que trabalha com sistema agroflorestal nas comunidades seja a
substituição da reintrodução das espécies nativas por espécies exóticas, principalmente eucalipto, devido não possuir a mesma
restrição legal que as matas nativas (ULLER-GÓMEZ et al, 2013; ULLER-GÓMEZ et al, 2014, CARRIERI et al, 2014; VICENTE,
2014), o que gera uma série de consequências negativas para os recursos hídricos, o solo, a flora e a fauna locais.
O panorama exposto representa algumas das principais características das atividades desenvolvidas pelos agricultores
e agricultoras localizadas nas comunidades de Três Riachos e que incentivaram a elaboração deste trabalho. Inserindo a reali-
dade local em um contexto político global, cabe destacar a importância de algumas convenções e tratados internacionais no que
tange ao reconhecimento das populações tradicionais. Nesse sentido, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente
e Desenvolvimento, Rio-92, possui um papel importante no reconhecimento das práticas dos povos tradicionais, visto que a partir
de uma demanda cada vez mais crescente de proteção ambiental, estes tornaram-se sinônimos de atores/as responsáveis pela
proteção do ambiente natural do qual subsistem, atrelados as possibilidades de preservação dos recursos in situ6.
Uma mudança paradigmática também proporcionou tal destaque, visto que ocorre um aumento de correntes ambien-
talistas cada vez mais distantes do pensamento preservacionista e mais próximos do conservacionismo. As duas perspectivas
primam pela preservação dos recursos naturais, contudo, a segunda, parte do princípio que as populações humanas são parte
inerente da natureza, uma vez que consideram os manejos a partir de técnicas e saberes tradicionais como sustentáveis e viáveis
na conservação dos recursos (DIEGUES, 2008, p. 25).
Por outro lado, o fato das comunidades suscitarem questões relacionadas à tradicionalidade nos remete a possíveis in-
terlocuções com a área da preservação do patrimônio cultural, uma vez que, através da gama de instrumentos de preservação
(tombamento, registro, salvaguarda, paisagem cultural), o campo do patrimônio possui papel importante para a construção
social. Destarte, abordaremos a seguir os elementos da paisagem cultural enquanto categoria de análise.
6
A conservação in situ se refere a “conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios
naturais e, no caso de espécies domesticadas” (MMA, 2000).
7
As cartas patrimoniais são documentos cujo caráter é indicativo ou, no máximo, prescritivo. Não possuem a função de legislar, mas de fornecer embasamento fi-
losófico para que os órgãos competentes possam legislar. Constituem base ontológica para as várias profissões envolvidas na preservação, mas não são receituário
de simples aplicação. Servem, dessa forma, de referência mundial para que os diversos países adotem métodos e ações convergentes para a preservação do pa-
trimônio. Para elaborar uma leitura fundamentada do documento, suas formulações devem ser entendidas em relação aos postulados teóricos da época em que foi
produzida e aos desdobramentos do campo (KÜHL, 2010, p. 285).
8
Como aponta Françoise Choay (2003, p. 185), esta comissão, presidida por Henri Bergson, e composta por membros como Marie Curie, Sigmund Freud, Albert
Einstein, Aldous Huxley, entre outros e outras, militavam a favor da proteção internacional do patrimônio, a partir de uma visão essencialmente representada por
valores europeus.
9
As recomendações discutidas e elaboradas nesta convenção foram aprovadas na Reunião de Paris em 16 de novembro de 1972.
10
Foi realizado um inventário dos bens culturais marcados por referências culturais relacionadas à imigração de italianos, alemães, poloneses e ucranianos em Santa
Catarina.
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364
o papel dos saberes e das técnicas tradicionais nas paisagens historicamente construídas.
[...] conjunto de gestos, práticas, comportamentos, técnicas, conhecimentos, regras, normas e va-
lores que são herdados dos pais e da vizinhança e adaptados através da experiência a realidades
sempre mutáveis [...] A cultura é herança e experiência (CLAVAL, 2007, p. 163).
Nesse sentido, o fator geracional atua como uma espécie de amálgama, fazendo com que os saberes e técnicas se con-
solidem no processo cultural. Ainda assim, qual papel possui a tradicionalidade envolto neste processo?
Refletindo em nosso foco de pesquisa e em como ocorrem as relações que se estabelecem nas comunidades agrícolas
localizadas em Três Riachos, levantamos alguns questionamentos. Qual o papel que os signos “novo”, “avançado” ou “evoluído”,
possuem na noção de técnicas e saberes? Em que medida o papel da técnica, que possui um caráter simbólico de “novo”, não
estaria dissimulando uma padronização espacial, fruto de uma racionalidade hegemônica? Podemos pensar que existe um
embate entres os saberes e as técnicas em contextos históricos diferenciados? Em que medida estes processos influenciam na
constituição das práticas espacialmente construída?
Torna-se importante neste momento buscar entender, mesmo que brevemente, como a técnica é trabalhada nas ciências
geográficas. Alguns geógrafos ressaltam a importância que a técnica possui como um componente importante para se com-
preender a sociedade. Como aponta Claval (2007):
O ambiente só tem existência social através da maneira como os grupos humanos o concebem,
analisam e percebem suas possibilidades, e através das técnicas que permitem explorá-lo: a me-
diação tecnológica é essencial nas relações dos grupos humanos com o mundo que os rodeia
(CLAVAL, 2007, p. 219).
Alguns geógrafos que apresentaram importantes contribuições para a ciência geográfica como Vidal de La Blache, Lu-
cien Febvre, Albert Demangeon, Pierre George, Philip Wagner, entre outros, reservaram parte de sua atenção para entender o
papel da técnica. Nos deteremos neste momento, ao papel que a categoria técnica possui no pensamento de Milton Santos,
devido a importância que o pesquisador imprime a estas, chegando a afirmar em entrevista, que entende a geografia como a
filosofia das técnicas (SANTOS, 1999, p. 5).
Santos entende técnica como “conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida,
produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (2002, p. 29). Neste sentido, a técnica se apresenta como um elemento funda-
mental para as pesquisas geográficas, pelo fato que é ela que materializa a(s) mudança(s). Considerar o espaço geográfico,
operacionalizá-lo e sistematizá-lo através da técnica como categoria espacial, requer uma abrangência na relação entre espaço
e fenômeno técnico, incluindo a própria ação, como técnica, ou em outras palavras, “considerar a própria técnica como meio”
(SANTOS, 2002, p. 38).
Na medida em que entendemos a técnica como elemento capaz de gerar espaços, estamos inserindo também, em
Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi apresentar algumas discussões que surgiram a partir do doutorado em andamento cursado no
Programa de Pós-Graduação em Geografia na UFSC. Busquei aproximar as temáticas das técnicas e saberes utilizadas pelos
agricultores e agricultoras familiares, da conservação e do sistema manejo florestal, como no campo do patrimônio cultural,
através da categoria da paisagem cultural. Na prática, ainda há uma grande dificuldade de utilizar a noção de paisagem cultural
como elemento de proteção, como defendida pelos órgão internacionais, ou seja, considerando o conteúdo histórico da relação
homem\mulher e ambiente. O cerne desta dificuldade encontra-se, principalmente, em conjugar na conservação destas paisa-
gens a dimensão estética (priorizada), com a funcional e a etnoecológica, garantido a continuidade das práticas culturais que
fornecem o sustento de populações agrícolas.
Este contexto se complexifica quando articulada com a questão da conservação de paisagens culturais agrícolas, asso-
ciadas aos usos tradicionais da terra, visto a grande pressão sofrida por estes, derivado das transformações sociais e econômi-
cas. Dentre estes podemos destacar a industrialização dos produtos agrícolas, a especulação imobiliária, alterações demográfi-
cas, legislação ambiental e sanitária, alteração do preço da terra, entre outros. Consequentemente, torna-se importante pensar
em políticas de preservação que culminem em planos de preservação da paisagem cultural, nos moldes de inserção das comu-
nidades tradicionais que considerem tais elementos.
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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS COMUNIDADES
TRADICIONAIS NO CONTEXTO DA PAISAGEM
Santos, Cássio Rogério Graças dos1 & Senna, Cristina do Socorro Fernandes2
1. PPG em Geografia, Univeridade Federal do Pará, cassiogero93@gmail.com 2. Museu Paraense Emilio Goeld, csenna@museu-goeld.br
Resumo
Este trabalho é fruto de algumas reflexões traçadas no projeto de pesquisa “A Amazônia e a compreensão geográfica do espaço
brasileiro: diversidade territorial, políticas públicas e novas configurações espaciais”, promovendo, assim, o debate para o de-
senvolvimento da dissertação do autor. O objetivo desse ensaio é apresentar alguns conceitos da paisagem e comunidades
tradicionais, como subsidio, para estudos ambientais integrados. As ações humanas em seu ambiente são explicadas de forma
interdisciplinar, ou seja, nesse trabalho em especifico, as ações das comunidades tradicionais na paisagem, pois a paisagem é
um conceito integrador, pois analisa os aspectos físicos, biológicos e antrópicos. Artigo está divido em três partes, a primeira com
os conceitos de paisagem, segunda parte comunidades tradicionais litorâneas e por fim, as considerações finais.
Introdução
O conceito de paisagem origina-se da Geografia, é polissêmico, pois se confunde com o que é aparente, o visível, a
pintura, a fotografia, natureza, floresta, lugar bonito, etc., mas, além disso, a paisagem é um conceito científico, com uma carga
histórica, sofrendo influencia do pensamento dominante de cada período histórico. O conceito comunidade tradicional remete a
várias categorias sociais, geralmente, utilizado por pessoas de fora de tal contexto.
As reflexões apresentadas nesse artigo são oriundas de pesquisas realizadas dentro do projeto “A Amazônia e a com-
preensão geográfica do espaço brasileiro: diversidade territorial, políticas públicas e novas configurações espaciais” formados
por pesquisadores e alunos de doutorado, mestrado e iniciação científica dos Programas de Pós-Graduação em Geografia Hu-
mana da USP, Pós-Graduação em Geografia UFPA e Museu Paraense Emilio Goeld. Os temas investigados são relacionados à
Ecologia da Paisagem, memória, lugar, comunidades tradicionais e uso dos recursos naturais. A área de estudo é o município de
Quatipuru localizado no nordeste do estado Pará, banhado pelo oceano Atlântico.
O objetivo desse trabalho é apresentar alguns conceitos sobre paisagem, como um conceito integrador, pois unem em
suas análises os fatores bióticos, abióticos e sociais e os conceitos de comunidades tradicionais que são ancorados nas pesqui-
sas desenvolvidas por pesquisadores do Museu Paraense Emilio Goeldi, que desenvolvem seus estudos no litoral paraense há
mais de 70 anos, contribuindo com o conceito de comunidades tradicionais litorâneas, que vivem a partir dos recursos naturais
obtidos no mar, na restinga, manguezal, nas várzeas e nos demais ambientes litorâneos, constituindo um modo de vida tradicional
com forte apego ao território em que vive e com presença e com uma forte carga simbólica.
As raízes do conceito de paisagem remontam ao renascimento, meados do século XV, onde o belo deveria ser represen-
tado por meio de quadros, pinturas, poesias e nas artes em geral. Porém, a partir do século XIX, a geografia começa a ganhar
um corpo cientifico com as formulações do naturalista alemão Alexander Von Humbolt e na França com Paul Vida de La Blache,
Santos (2014) e Silveira (2009).
Para Humbolt a paisagem tem um caráter holístico, de totalidade com a vegetação, solo, relevo e as ações humanas, com
esses elementos são suficientes para uma descrição da terra. Ainda Humbolt diz “de acordo com a qual a noção de paisagem
será a síntese do transcendental, manifesta em princípios mecânicos e estéticos.” (VITTE, 2011, p. 75).
La Blache aponta que a paisagem seria apenas a aparência, ou seja, a representação da região. Assim, o gênero de vida,
conceito formulado pelo geógrafo francês e pai da geografia regional, Paul Vidal de La Blache, seria a paisagem construída e
modificada pelas sociedades (NETO, 2008). A região era considerada a categoria principal da geografia, caberia à geografia
estudar e classificar as regiões em critérios físicos e culturais. Mostrando também o caráter holístico próprio da geografia, pois,
enquanto ciência, busca a integração dos aspectos naturais e culturais.
[...] a necessidade de uma visão sistêmica resultou do fato de que o esquema mecanicista mostra-
va-se insuficiente para tratar os problemas cada vez mais complexos, especialmente nas ciências
biológicas e sociais. No início dos anos 20, ele se preocupou com essa lacuna na pesquisa e teoria
biológicas e defendeu uma concepção organísmica na biologia cuja ênfase era dada na consid-
eração do organismo como um todo ou sistema. Pode-se dizer que, mesmo em seus primórdios,
a teoria dos sistemas conseguiu influenciar a Ecologia inspirando o surgimento do termo “ecos-
sistema” sugerido por Tansley (NUCCI, 2007, p. 83).
Na URSS, na década de 1960, pesquisadores criaram metodologias de pesquisas para monitoramento e identificação de
recursos naturais da paisagem. As unidades de paisagem receberam o nome, pelos ex-soviéticos, de geossistema (FERREIRA,
2010). Para Sotchava o geossistema é uma alternativa para estudos integrados, para a dinâmica do meio físico. Como ele diz:
É preciso estudar [...] não os componentes da natureza, mas as conexões entre eles; não se deve
restringir à morfologia da paisagem e suas subdivisões mas, de preferencia, projetar-se para o
estudo de sua dinâmica, estrutura funcional, conexões, etc (SOTCHAVA, 1977, p. 2).
Na década de 1970, com tomada de consciência que as bases energéticas estavam em crise, que as fontes de água e
recursos naturais era finitos e a poluição atmosférica e hídrica ameaçavam a vida na terra fez com que a ecologia redirecionasse
os seus estudos com fundamentos teóricos espaciais (geografia) e funcionais (ecológica) ao estudar a paisagem. A ecologia da
paisagem surge como uma ciência transdisciplinar, com a visão holística, onde o sistema natural e cultural, integrando a biosfera
e a geosfera. Carls Troll trazem elemento para o estudo mais sistematizado com a hierarquização da paisagem.
O termo Ecologia da Paisagem, como uma disciplina científica emergente, foi cunhado por Troll
em 1939, ao estudar questões relacionadas ao uso da terra por meio de fotografias aéreas e in-
terpretação das paisagens. Com a sugestão desse termo Troll, teve a intenção de incentivar uma
colaboração entre a Geografia e a Ecologia, combinando, assim, na prática, a aproximação “hori-
zontal” do geógrafo examinando a interação espacial dos fenômenos, com a aproximação “verti-
cal” dos ecólogos, no estudo das interações funcionais de um dado lugar, ou “ecótopo” (NUCCI,
2007, p. 88).
A Ecologia da Paisagem americana era pautada na razão mecanicista, não introduzia, de proposito, o homem em suas
análises, ocorrendo analises reduzidas, cabendo mensurar, e fazer predições as mais exatas possíveis como nas ciências exa-
tas e naturais. Ainda, é necessário incluir os aspectos humanos, sociais, culturais, econômicas e politicas como forma de criar
condições para a manutenção das paisagens de forma sustentável.
Nos anos 1960, Bertrand propõe o estudo da paisagem através da Geografia Física Global, assim estudá-la é uma questão
de método, o autor propõe delimitar em unidades homogêneas e hierarquizadas chegando com isso à classificação. Bertrand
estabelece seis níveis de dimensão escalar, que pode ser dividido pelos elementos estruturais e climáticos, conhecidos também
como unidades superiores (zona, domínio e região) e pelos elementos biogeográficos e antrópicos (geossistema, geofaceis e
geótopo). Segundo Bertrand a paisagem é dinâmica e integrada como aponta o fragmento abaixo:
É preciso frisar bem que não se trata somente da paisagem “natural” mas da paisagem total inte-
grando todas as implicações da ação antrópica (BERTRAND, 1971, p. 1).
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A grande diferença de Bertrand para os estudos da paisagem foi estabelecer uma escala para suas unidades de paisa-
gem, criando uma hierarquia. Sobre o geossistema sua análise é parecida com a de Sotchava, porém Bertrand utiliza a escala de
quilômetros quadrados até centenas de quilômetros quadrados, é a unidade elementar para a pesquisa geográfica, pois é nessa
escala onde os fenômenos naturais e antrópicos são observados, como afirma:
O geossitema deve ter uma homogeneidade em sua fisionomia, forte unidade ecológica e biológica, com a mesma
evolução. A evolução e dinâmica do geossistema é o resultado do “potencial ecológico”, a “exploração biológica”, e a “ação
antrópica”. O clímax do geossistema estaria no equilíbrio entre a exploração biológica e o potencial ecológico, sendo que a ação
antrópica poderia romper com esse equilíbrio, daí a necessidade de estudos integrados a paisagem assim como sua relevância
para os estudos ambientais (FERREIRA, 2008).
Tricart ainda propõe a divisão da paisagem através da classificação em três tipos de meio morfodinâmicos, como os meio
estáveis, intergrades ou de transição e os meios fortemente instáveis, essa divisão analisa a questão dos processos morfogêneses e
pedogênese, tal metodologia de análise se baseia também nos fluxos de matéria e energia, denominada de ecodinâmica Tricart (1977).
No âmbito cultural, a paisagem tem como conotação a representação social, sendo um conjunto de objetos de valores,
que é construído historicamente, cuja apreensão e representação estão condicionadas a percepção humana, logo varia de acordo
com o espaço e o tempo. Uma única paisagem pode ser percebida e representada de formas diferentes. Cada observador atri-
buirá à paisagem um conteúdo simbólico, resignificando aquela paisagem. Isso ocorre nos discursos hegemônicos para a valo-
rização estética da natureza aliada a necessidade de preservar e conservar determinados ambientes ou fragmentos da natureza.
Nessa concepção, a paisagem não existe como um dado da natureza, como um dado em sí, a paisagem só tem sentido
em relação com a sociedade, já que é ela que tem a capacidade de transformar o ambiente em que vive. Transformando a na-
tureza em objetos culturais, influenciados pelo imaginário social. As representações da paisagem são construídas a partir dos
objetos criados pelo homem, e partir das relações emotivas criadas à paisagem torna-se lugar.
A paisagem é uma construção social, não se esgotando. A sociedade, ao produzir seu espaço geográfico cria suas
paisagens e consequentemente atribui ali um conjunto de símbolos. A paisagem para existir, não necessita exclusivamente da
paisagem natural, já que é uma construção tanto material como simbólica pela sociedade.
A geografia contemporânea busca compreender as ações dos seres humanos na terra, pois o ato de viver, morar na terra
e dela produzir, inscrever ali uma marca é produção do espaço, logo as ações dos homens sobre a terra são ações culturais,
assim o homem cria as diversas paisagens (CLAVAL, 2001). Porém, não só o fato de construir paisagens, o homem também as
vivenciam, as experimentam, e dali tiram determinadas conclusões.
Todas as referências que nós, seres humanos, usamos para nos situarmos e orientarmos na paisagem. Tais referências
físicas, culturais ou psíquicas são usadas para melhor perceberemos e para sentirmos a paisagem como algo conhecido, afetivo,
gostoso e principalmente familiar. Nós necessitamos assimilar pontos de referência, tantos os geográficos (montanhas, lagos,
riachos, árvores) e os simbólicos (prédios, praças, pontes, barragens, rodovias) (CLAVAL, 2014).
Não podemos separar todas as nossas experiências das paisagens. O estudo da interação entre o homem, sociedade e
a natureza resultando a paisagem se destaca em abordar os diversos aspectos dessa interação (DARDEL, 2015).
A percepção é usada para entender a relação de pertencimento e entendimento que as pessoas têm com seu lugar de
origem, ou com a paisagem construída. A paisagem além de algo material, visível, ganha também uma conotação invisível, imate-
rial, simbólica, onde emana toda a carga de sentimentos. Essa relação entre o que matéria e imaterial, na paisagem, a geogra-
fiada percepção busca compreender.
Tal utilização se faz na medida em que eles têm um conhecimento, uma prática, uma sensibilidade
sobre tal ecossistema e que o mesmo produz bens dos quais pode-se utilizar, consumir ou dar o
destino que bem entender, segundo suas necessidades materiais e sociais; que tal ecossistema
deve ser manejado segundo normas de modo a lhe permitir sua reprodução social e saber que tal
ecossistema envolve formas de apropriação física e simbólica que lhe permite sobreviver e fazer
sobreviver os recursos nele contidos devido, as crenças, os mitos que o povoam. Enfim, saber
manejá-lo segundo seus valores e métodos tradicionais (FURTADO, 2000, p. 75).
As populações tradicionais têm em suas atividades econômicas uma forte relação com o ecossistema envolvente, mos-
trando também uma forte relação de dependência com a natureza e os recursos naturais disponíveis. Para Diegues (1996) a
relação entre as populações tradicionais com a natureza é uma relação de simbiose e conhecimento da dinâmica natural, onde
há um profundo respeito com os processos naturais, não existindo apenas uma relação de predação e destruição, mas sim uma
relação cujo princípio é da conservação. Suas atividades são basicamente para a subsistência e o excedente é comercializado,
porém há um pequeno acumulo de capital por parte dos integrantes das comunidades e suas técnicas são simples sem alterar
profundamente o ambiente e seus processos.
As noções de território e de espaço, construídas por eles, traduzem-se no apego ao local em que
habitam. A ocupação de seus territórios se estende por várias gerações, muito embora possa ocor-
rer que alguns membros individuais desloquem-se para centros urbanos e, posteriormente, voltem
para o território de seus ancestrais. As relações dessas populações com o mercado externo ao
seu meio, embora existentes, são reduzidas, pois suas atividades econômicas visam, basicamente
à produção de formas de subsistência. Em função disso, os participantes dessas comunidades
tendem a apresentar, quando o fazem, processos limitados de acumulação de capital (PAIOLA;
TOMARIK, 2002, 176).
Entende-se por comunidade um grupo de vizinhança ou povoado, um lugar, uma pequena vila, um
sítio, uma pequena cidade, onde os moradores guardam um certo grau de coesão entre sí, fun-
dado em um relacionamento face a face ou personalizado, no qual está presente o sentimento de
comunidade, de pertencer ao grupo e a um território, enfim um identidade entre sí. Esse conceito,
portanto, embora sentimento de pertencer a um determinado território, onde as relações sociais,
e os diferentes usos dos recursos ambientais ou dos ecossistemas envolventes, marcam seus lim-
ites, isto é, suas fronteiras com outras comunidades civis congêneres (FURTADO, 1999, p. 22).
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Para Cañete (2015) deve haver a identificação como comunidade tradicional e esse é termo construído socialmente. Em-
bora tenha várias características, não é necessário apresentar todas, porém, essas comunidades tem um modo de vida específico
em relação com a natureza. O autor ainda coloca que é interessante lutarem por seus direitos. Assim, comunidade tradicional é
também um termo político.
Populações tradicionais seriam aqueles que apresentam um modo de vida específico, marcado
pela intensa simbiose e relativa harmonia com o meio ambiente em que vivem, desenvolvendo
técnicas de baixo impacto ambiental, fraca articulação com o mercado interno, conhecimento da
biodiversidade que as cerca e modo de produção baseada na mão de obra familiar. Vale ainda
ressaltar que este é um termo socialmente construído, e atualmente caracteriza-se como politica-
identitária (CAÑETE, 2015, p. 90).
Nas atividades cotidianas, ganham também importância os mitos, os rituais e as simbologias. A memória é sempre evo-
cada e sempre reelaborada com o presente, adaptando assim o discurso às necessidades do presente. A memoria individual é
um ponto de vista sobre a memoria coletiva. Furtado (1994), compara as comunidades ribeirinhas e as litorâneas, mostrando que
as primeiras têm mais mitos que as ultimas.
Para Claval (2014) a cultura de um determinado povo pode ser perdida à medida que esse povo só usa a oralidade e não
utiliza a escrita para registrar seus costumes, normas, códigos e etc. Porém, isso não acontece com as populações tradicionais,
onde as mesmas utilizam a oralidade para expressar e ensinar os conhecimentos adquiridos de seus ancestrais. Mas como a
cultura não é algo acabado e sim dinâmico há uma forte pressão e influencias externas, mudando a visão de mundo dessas
comunidades gradativamente.
A divisão técnica e social do trabalho também é reduzida, destacando-se as práticas artesanais, nas quais o produtor e
sua família dominam todo o processo de trabalho. Em sua luta pela subsistência, essas populações tendem a combinar várias
atividades econômicas, como a criação de animais para consumo próprio, os pequenos cultivos e a pesca. Nas comunidades
litorâneas, é o mar e a terra que comandam o modo de vida dessas populações, onde a economia é orientada por tais ambientes,
integrada ao mercado pelas redes intermediação (FURTADO, 1999).
O tempo das comunidades tradicionais é diferenciado, Nascimento (1995), em seu estudo em comunidade do litoral
paraense, mostra as diferentes temporalidades que coexistem com o tempo da natureza que tradicionalmente tais comunidades
vivem, o tempo do passado, em que as pessoas se recordam com saudade, onde a fartura é o elemento mais evocado nas falas
e com a natureza regendo as atividades de produção. O tempo do trabalho é o tempo dos curralistas, são os usam os currais
de pesca, uma armadilha para a captura do pescado, e dos pescadores irem atrás do pescado, obedecendo a sazonalidade do
clima amazônico, pois, o mesmo influencia na salinidade da água e nas espécies a serem capturadas. O tempo da tomada de
decisão é o tempo que os pescadores decidem o que pescar e onde pescar, nesse tempo, tanto o natural, como o do relógio,
o tempo capitalista, estão sobrepostos, porém, a autora afirma que o tempo do relógio está gradativamente se sobrepondo ao
tempo natural. O tempo do veranista é aquele que o tempo do relógio se realiza plenamente, as praias são procuradas nas férias,
são vistas como um lugar intocado, passível de ser apropriado, o encontro dos veranistas com as comunidades causa uma mu-
dança nos modos vidas, pois os veranistas trazem a modernidade dos centros urbanos, transmitindo assim os valores e costumes
urbanocêntricos. Todos esses tempos ocorrem simultaneamente. Não existindo uma separação estreita entre si.
As mulheres tem papel fundamental na pesca. Enquanto as atividades masculinas são apenas para uma atividade, um
tempo unicentrado, a pesca, já as atividades femininas é divido em várias tarefas desde as domesticas como as da pesca (NAS-
CIMENTO, 1995) embora a mulher não vá pescar, não embarque junto com os homens, suas atividades na terra dão suporte
aos homens que estão no mar. Atividades que complementam a renda da família e ajudam os homens quando estes tem que
consertar algum equipamento danificado durante uma pescaria. E praticam a coleta de frutos do mar ou de pequenos peixes e
crustáceos para o consumo familiar (MANESCHY, 1995).
Estudos detalhados sobre as formas como essas comunidades se adaptam ao ambiente e dali fazem sua construção
indenitária, são úteis para o entendimento da paisagem. Assim, esses conhecimentos não estão presentes apenas nos discur-
sos, mas também nas práticas cotidianas dos participantes das comunidades tradicionais. Investigar a paisagem a partir dos
conhecimentos de grupo é investigar os conhecimentos desse grupo sobre seu ambiente. E uma proposta é usar a percepção
Considerações finais
Essas reflexões ainda estão em processo de maturação, são frutos de pesquisas ainda em andamento sobre percepção
da paisagem por moradores de comunidades tradicionais em Quatipuru, um risco a ser corrido em trazer essa perspectiva no
âmbito da Ciência que a cada vez está mais fragmentada. A interdisciplinaridade é cada vez mais evocada em pesquisas ambi-
entais, pois não é suficiente tratar apenas dos assuntos ligados a ciências exatas e naturais e não incluir as ciências sociais, pois
os problemas ambientais afetam a sociedade, já a sociedade é integrante da natureza, não é algo fora, dicotômica como muitos
pensam.
Ao analisar a paisagem, devemos levar em conta à integração que remete em todas as suas concepções, levando em
consideração os componentes abióticos: clima, relevo, humidade; bióticos: solo, vegetação, fauna e os sócio-culturais: urbani-
zação, ocupação, atividades antrópicas, etc. E quando se pensa em comunidades tradicionais, vários autores, Diegues (1996),
Furtado (1999; 2000), Nascimento (1995) e entre outros, concordam que uma característica principal é a dependência dos ecos-
sistemas circundantes, onde há uma relação não de predação, mas uma relação simbólica, de respeito, e porque não falar de
cumplicidade?
As comunidades tradicionais, pesquisadas no nordeste do Pará, com a suas técnicas de obtenção dos recursos naturais
para a sua própria subsistência e na produção dos seus espaços de morada e de sociabilidade produzem seus espaços, criando
paisagens, onde as ações dos homens estão inscritas em cada artefato, em cada criação, manifestando as vontades, os valores
e os conhecimentos adquiridos desde gerações pretéritas e que são materializadas nas paisagens construídas. Criando uma
identidade própria. Existe a paisagem material, a paisagem física, a construída, onde se vive, mas há também a paisagem que
cada um cria em sua mente, onde os limites cartográficos não são os mesmo limites dentro da vivencia de cada um e esse é o
proposito da pesquisa em andamento, tentar entender essa paisagem.
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Prado, Mariana Oliveira do1; Irving, Marta de Azevedo2; Oliveira, Maria Elizabeth de3 & Lima, Marcelo Augusto Gurgel de4
1. Mestranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (Programa Eicos) Universidade Federal do Rio de Janeiro,
marianaprado89@gmail.com 2. PPG Eicos em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e do PPG em Políticas Públicas,
Estratégias e Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio de Janeiro e INCT/ PPED/CNPq, marta.irving@mls.com.br 3. Doutoranda do PPG
em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio de Janeiro, elizabetholiverbr@yahoo.com.br 4. Doutorando
do PPG Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, maglturismo@gmail.com
Resumo
Em uma perspectiva de longo prazo, fortalecer a interface do turismo com a dimensão cultural, visando potencializar avanços
dessa atividade em bases mais sustentáveis, representa um desafio estratégico para as políticas públicas setoriais. Conside-
rando tais premissas, iniciativas de Turismo de Base Comunitária (TBC) sinalizam com um dos caminhos possíveis para salva-
guardar a cultura e proteger o patrimônio natural local. Partindo desse viés, este artigo buscou refletir sobre o tema proposto
por meio de pesquisa bibliográfica e documental, além de análise de publicações nos principais eventos científicos nacionais.
Os resultados indicam que as iniciativas de TBC que consideram realmente a dimensão cultural são ainda incipientes, perman-
ecendo, prioritariamente, no plano do discurso, embora já se perceba o potencial dessas ações.
Turismo na contemporaneidade
Os efeitos da atividade turística na cultura local exigem novas abordagens e reflexões acadêmicas. Nessa perspectiva,
um dos questionamentos lançados por esta pesquisa se refere a como o turismo pode ser desenvolvido resguardando, ao mesmo
tempo, a valorização cultural? Por outro lado, indaga de que forma as economias locais podem prosperar, em um sistema global-
izado, mantendo as suas características socioculturais, além da qualidade ambiental?
Como parte das reflexões propostas, vale ressaltar que, do ponto de vista econômico o turismo vem se consolidando
como atividade estratégica para vários países, em consequência do seu potencial gerador de renda e do elevado volume de
recursos financeiros que esse segmento de mercado movimenta, em cenários de aumento crescente de fluxo de viajantes. De
acordo com a Tourism Highlights, 2014 Edition, do OMT, a quantidade de chegadas de turistas cresceu 5%, mundialmente,
apenas nos primeiros quatro meses de 2012, consolidando uma tendência de expansão que começou em 2010. Já em 2012, foi
atingida a marca de um bilhão de chegadas internacionais2.
A expansão contínua e diversificada do turismo como atividade econômica se deu ao longo das últimas seis décadas. In-
dependentemente de alguns recuos, mundialmente, a chegada de turistas internacionais vem se fortalecendo como uma tendên-
cia de crescimento quase ininterrupto nos últimos anos. Vale ressaltar que, em 1980, o fluxo total era de 277 milhões de turistas,
volume que quase dobrou, passando para 528 milhões, em 1995; e para 983 milhões, em 2011.
De acordo com prognóstico da Organização Mundial do Turismo (OMT), a quantidade de chegadas internacionais
poderá crescer 3,3% ao ano, em média, nos próximos anos, alcançando 1,8 bilhão, em 2030 (UNWTO, 2014). Ainda segundo a
1
A análise destas bases foi realizada considerando as edições dos eventos com anais acessíveis em ambiente web. Desta maneira, as edições pesquisadas foram
as seguintes: ENTBL: 2010 e 2012; SAPIS: 2005, 2006, 2007, 2009, 2011 e 2013; ECOUC: 2005, 2007, 2009, 2011 e 2013; CONECOTUR: 2007, 2009, 2011 e 2013;
ENECULT: 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013; ANPPAS: 2002, 2004, 2006,2008, 2010 e 2012; SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: 2010, 2011, 2012 e 2013.
2
Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT) estima-se que em 13 de dezembro de 2012 o mundo atingiu, pela primeira vez, a marca de 1 bilhão de chegadas
internacionais de turistas. Para comemorar este número, a OMT criou uma campanha intitulada “Um bilhão de turistas: um bilhão de oportunidades”. A campanha
visa impulsionar o potencial que o turismo oferece para o desenvolvimento sustentável. A ideia é a de que cada turista, com pequenas mudanças de conduta, pode
fazer a diferença (BRASIL, 2009).
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mesma fonte, o fluxo de turistas estrangeiros em países de economias emergentes deve dobrar (+4,4% ao ano) em relação aos
destinos com economia avançada (2,2% ao ano).
Ainda que as estatísticas mencionadas ilustrem um elevado crescimento do setor não há perspectivas de que a distri-
buição da receita global do turismo passe por mudanças no futuro próximo3. Diante desse cenário, parece evidente que a ativi-
dade turística, ao mesmo tempo em que é reconhecida como prioridade global do ponto de vista econômico, deve também ser
planejada de forma a considerar as complexidades locais para que o processo seja mais inclusivo.
Assim, ainda que represente um fenômeno global, não se pode deixar de reconhecer que o turismo, se manifesta no
próprio local e, explicitamente, envolve a construção do lugar. Dessa forma, o desenvolvimento dessa atividade não somente
transforma o lugar, como pode gerar oportunidades e benefícios econômicos para as populações locais, desde que planejado
segundo valores éticos.
Segundo Irving e Mendonça (2009, p. 108), em sua fase inicial, o TBC no Brasil “trazia em sua expressão um sentido mar-
ginal, periférico e até mesmo romântico, diante das perspectivas de um mercado globalizado e ávido por estatísticas e receitas”.
Mas, com a ampliação do debate e o surgimento de novas iniciativas desse modelo, foram sendo delineados alguns balizamentos
para aprimorar o seu enquadramento conceitual. Assim, em 2008, foi lançado um edital do Ministério do Turismo com o objetivo
de apoiar às iniciativas nas quais as populações locais fossem protagonistas no processo de planejamento e gestão do turismo.
Embora não se tenha uma definição amplamente aceita sobre o que é considerado como TBC no Brasil, algumas per-
spectivas teóricas orientam o debate sobre o tema e envolvem dimensões culturais, psicológicas, sociológicas e antropológicas,
bem como políticas, econômicas, históricas e ambientais. Pela perspectiva de Bursztyn (2005), as iniciativas de TBC se efetivam
de acordo com a realidade local. Para esse autor, isso se justifica em função da diversidade presente nas experiências locais e
culturais. Entretanto, alguns consensos incidem sobre o papel e a importância do protagonismo das populações locais na con-
cepção, no desenvolvimento e na gestão de projetos turísticos. Conforme define Bartholo (2011) a seguir:
Para o Ministério do Turismo, as inúmeras vertentes conceituais sobre o TBC são resultantes, dentre outras razões, do
alto grau de heterogeneidade das experiências envolvidas, assim como também da perspectiva política e/ou ideológica da insti-
tuição não governamental responsável por organizar e viabilizar a experiência. Assim, “o desenho da política pública para TBC
foi norteado por alguns conceitos defendidos por instituições reconhecidas como pioneiras na organização da atividade turística
de base comunitária” (BRASIL, 2010).
Contudo, o Mtur ressalta, como fundamentos comuns às iniciativas de TBC, a valorização da cultura local; a autogestão;
o cooperativismo e o associativismo; a democratização dos benefícios e das oportunidades; a centralidade de colaboração, o
sentido de participação e parceria; e, principalmente, o protagonismo das populações locais na gestão da atividade e/ou na
3
(UNWTO, 2014).
Aquele tipo de turismo que, em tese, favorece a coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida
em sociedade, e que, por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valoriza-
ção da cultura local e o sentimento de pertencimento. Este tipo de turismo representa, portanto, a
interpretação “local” do turismo, frente às projeções de demandas e de cenários do grupo social
do destino, tendo como pano de fundo a dinâmica do mundo globalizado, mas não as imposições
da globalização (IRVING, 2009, p.112).
Esses pressupostos de proteção dos recursos naturais e culturais em associação ao Turismo de Base Comunitária, con-
forme defendido por Irving (2002), podem também ser analisados segundo a perspectiva de muitas iniciativas de TBC, principal-
mente, no Brasil, sob forte pressão do desenvolvimento turístico, muitos dos quais sob riscos de exclusão social e marginalização.
Nesse caso, o Turismo de Base Comunitária é entendido como uma alternativa econômica complementar aos grupos
tradicionais, capaz de compatibilizar o compromisso de conservação da biodiversidade costeira, com as práticas tradicionais e
a valorização da cultura local.
O debate sobre a proteção dos recursos naturais e culturais em associação ao turismo, conforme defendido por Irving
(2009), no âmbito internacional surgiu na década de 1970, como uma resposta aos impactos negativos do modelo de desenvolvi-
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mento do turismo de massa (HALL; LEW, 2009).
Mas, para que seja possível avançar neste debate, é importante resgatar, brevemente, uma discussão sobre os impactos
indesejáveis resultantes do desenvolvimento do turismo, principalmente, quando associado às dimensões ambiental e cultural
das populações receptoras.
Em resposta a alguns desses efeitos, durante a década de 1980, a noção de turismo sustentável passou a ser entendida
como o “turismo que leva à gestão de todos os recursos, de forma que as necessidades econômicas e sociais possam ser satis-
feitas mantendo a integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a diversidade biológica e sistemas de suporte de
vida,” assim como foi definida pela WORLD TOURISM ORGANIZATION (OMT) (1999). Da mesma maneira, o compromisso de
redução da pobreza e as preocupações ambientais marcaram a década de 1980, e estiveram no centro do debate sobre o desen-
volvimento do turismo, com ênfase ao direito das populações locais no planejamento do setor, desde então.
Embora as iniciativas de TBC tenham sido consequência desse movimento das décadas mais recentes, as propostas
com esse objetivo estiveram relacionadas, inicialmente, às pequenas localidades rurais e aos compromissos de conservação da
natureza, por meio de iniciativas de ecoturismo4. No entanto, tal noção foi sendo, gradativamente, ampliada de forma a abordar,
também, a cultura local, a partir de aspectos como a gastronomia, o folclore, o artesanato, entre outros elementos inspiradores.
4
De acordo com o documento “Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo”, a definição de ecoturismo é “um segmento da atividade turística que utiliza,
de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do
ambiente, promovendo o bem-estar das populações” (BRASIL, 1991, p.3).
5
Forma como novos moradores e/ou empresários, originários de outros estados brasileiros e de outros países, são conhecidos por algumas populações locais e/ou
tradicionais.
6
Fomentar o turismo de base comunitária: Fomento e apoio a projetos ou ações para o desenvolvimento local e sustentável do turismo, por meio da organização e qua-
lificação da produção, melhoria da qualidade dos serviços, incentivo ao associativismo, cooperativismo, empreendedorismo, formação de redes, estabelecimento de
padrões e normas de atendimento diferenciado e estratégias inovadoras, para inserção destes produtos na cadeia produtiva do turismo, particularmente, com relação
a produtos e serviços turísticos de base comunitária com representatividade da cultura local, valorização do modo de vida ou defesa do meio ambiente. Finalidade:
Promover a qualificação e a diversificação da oferta turística, com a geração de trabalho e renda e a valorização da cultura e do modo de vida local (BRASIL, 2013).
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envolvidas, como o acesso à informação, o limitado conhecimento técnico para a elaboração de projeto dessa natureza e, ainda,
a dificuldade de cumprimento dos prazos oficiais.
Vale também ressaltar que, apesar do discurso político de valorização da cultura local, defendido pelo Ministério do
Turismo, de acordo com o PNT 2013-2016, a dimensão cultural tende a ser ainda abordada como uma potencialidade para a
atratividade turística, pela lógica do mercado. Sendo assim, o que se percebe, claramente, é um hiato entre o discurso oficial e
a prática de muitas iniciativas de Turismo de Base Comunitária, principalmente, no Brasil, justamente porque, em estudos anteri-
ores7, ao se analisar a implementação de alguns projetos de TBC, é possível perceber o quanto a dimensão cultural vem sendo
praticamente desconsiderada nesses projetos.
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Lima, Marcelo Augusto Gurgel de1; Irving, Marta de Azevedo2 & Prado, Mariana Oliveira do3
1. Doutorando do PPG em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, maglturismo@gmail.
com 2. Professora e Pesquisadora do PPG em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro, marta.irving@mls.com.br
3. Mestranda do PPG em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, marianaprado89@gmail.com
Resumo
O Turismo de Base Comunitária (TBC) vem sendo discutido, em planejamento turístico, como uma importante alternativa para a
inclusão social. Concomitantemente, iniciativas de políticas públicas parecem indicar ser esta uma possível alternativa também
em apoio às estratégias de conservação da biodiversidade associadas às áreas protegidas. A partir do exposto, o artigo buscou
analisar os projetos de TBC na Região Costa Verde, Estado do Rio de Janeiro, apoiados pelo Ministério do Turismo. Para tal,
utilizou-se pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo. Diante dos dados obtidos é possível interpretar que esses
projetos representam um potencial a ser consolidado, à medida que sejam garantidos o compromisso de valorização cultural, o
provento de benefícios locais, a conservação do ambiente natural e a garantia da participação das populações envolvidas.
Palavras-chave: Turismo de Base Comunitária, Planejamento Turístico, Políticas Públicas, Região Turística da Costa Verde.
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conceitual a ele dirigido.
Assim, muito embora não se tenha ainda uma definição amplamente aceita sobre o que é considerado como TBC no
Brasil, algumas perspectivas teóricas vem orientando o debate sobre o tema e envolvem dimensões psicológicas, sociológicas,
antropológicas, políticas, econômicas, históricas e ambientais.
Para o Mtur (2010), as inúmeras vertentes conceituais sobre o TBC são resultantes, entre outras razões, do alto grau de
heterogeneidade das experiências envolvidas, assim como também da perspectiva política e/ou ideológica da instituição não
governamental responsável por organizar e viabilizar a experiência.
Com base nas argumentações aqui expostas, além de outras encontradas na literatura especializada, pode-se afirmar
ser o TBC,
Aquele tipo de turismo que, em tese, favorece a coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida
em sociedade, e que, por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valoriza-
ção da cultura local e o sentimento de pertencimento. Este tipo de turismo representa, portanto, a
interpretação “local” do turismo, frente às projeções de demandas e de cenários do grupo social
do destino, tendo como pano de fundo a dinâmica do mundo globalizado, mas não as imposições
da globalização (IRVING, 2009, p.112).
Sendo também associado a algumas outras modalidades em desenvolvimento turístico como o ecoturismo, o turismo ét-
nico ou o turismo rural, é importante destacar que o TBC não pode ser entendido apenas como mais um segmento de mercado,
mas sim como possibilidade para a construção de um novo paradigma para o turismo (SANSOLO; BURSZTYN, 2009), baseado
nas relações de hospitalidade, no receber bem, no estar aberto ao outro, no encontro e no compartilhamento do que se possui
de mais importante, o sítio simbólico de pertencimento (ZAOUAL, 2008).
Perante o exposto, pode-se afirmar que a proposta de turismo de base comunitária se fundamenta na valorização dos aspec-
tos culturais, históricos, ambientais e sociais de um determinado lugar turístico, a partir da valorização dos modos de vida locais.
Assim, pretende-se analisar os projetos de Turismo de Base Comunitária na Região Turística da Costa Verde do Estado do
Rio de Janeiro, uma região de elevado potencial histórico e cultural, e importante patrimônio em biodiversidade de valor global,
sob forte pressão do desenvolvimento turístico e sujeita a evidentes riscos de exclusão social e marginalização das populações
locais do processo.
Estes projetos serão discutidos e analisados a seguir e representam um importante recorte para a análise no Estado do
Rio de Janeiro.
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mento socioeconômico local, segundo o interlocutor do projeto. Porém, não parece haver uma única percepção sobre o
turismo na visão dos locais. Isto porque a Trilha do Ouro atravessa três localidades com realidades semelhantes mas também
com suas peculiaridades.
Para o interlocutor do projeto, grande parte dos obstáculos enfrentados para o desenvolvimento do projeto de TBC na
localidade é decorrente da ausência do apoio governamental e dos constantes conflitos com a gestão do Parque Nacional da
Serra da Bocaina. Desta maneira, apenas os moradores envolvidos diretamente no projeto da Trilha do Ouro entendem o turismo
como uma possibilidade futura para a geração de renda.
O processo de formalização do projeto e a prestação de contas parece ser, atualmente, o principal obstáculo enfrentado,
conforme depoimento ilustrado a seguir:
a dificuldade dos recursos públicos serem geridos por organizações (que a SAPE e uma or-
ganização pequena, quase comunitária) a dificuldade de gestão que envolve aplicação dos
recursos, transferências etc., tanto por baixa estrutura e falta de capacitação técnica mesmo,
mas também porque esses projetos não estão moldados para trabalhar com grandes volumes,
porque você for comparar um recurso de 50 mil de comunidade com um de 5 milhões. Então, por
exemplo, para você ter o que o Ministério do Turismo queria, você gastaria todo o dinheiro com
a contratação de pessoal técnico ai o resultado e que se produz uma série de livros, mapas, mas
que os recursos não chegam onde deveriam chegar (Entrevistado A1).
A formulação dos contratos e prestação de contas (leia-se SICONV2) foram mencionadas como as principais dificuldades
para a execução do projeto de TBC. Mas, esta iniciativa serviu também como aprendizado, para futuros projetos, como ilustrado
pelo coordenador do projeto,
Eu aprendi muito. (...) As coisas são muito estruturadas, do jeito que... você é mais ou menos
obrigado a se comportar como um grande player, digamos assim. Tem que ter lá meia dúzia de
burocratas, aliás pode ter uma dúzia de técnicos, de burocratas só para alimentar o sistema, só
que isso...os projetos comunitários que a gente tocou, com muito envolvimento, muita parcimônia,
diante dos recursos escassos3. (Entrevistado A1).
Quanto ao principal resultado obtido, segundo o coordenador do projeto na Trilha do Ouro, o processo de capacitação
profissional parece ter sido o principal legado para as populações locais, conforme ilustrado a seguir:
estruturação dos roteiros que estruturamos alguns roteiros, e...formação de gente que e normal-
mente os principais resultados, as capacitações e o que fica que em nosso caso foi em capacita-
ção e organização não distinguimos as coisas. (Entrevistado A1).
Mas quando se buscou interpretar qual o legado efetivo que a experiência de TBC deixou para a melhoria na qualidade
de vida dos moradores locais, segundo o seu interlocutor, foi o “início de um laço entre as famílias que possibilitou mais investi-
mentos e infraestrutura, logicamente com toda a limitação que uma iniciativa como essa tem”.
Questionado sobre o que precisaria ser aperfeiçoado no atual projeto, o coordenador do Trilha do Ouro, mencionou a
necessidade do Ministério do Turismo considerar as especificidades locais na implementação do TBC,
O primeiro ensinamento é que para trabalhar com o ministério, com esse grau de legislação, de
burocracia, infelizmente, você tem que ter uma boa capacidade gerencial, o que não temos, por
este motivo estamos correndo o risco de eu ser processado. Mas o projeto foi muito além porque
na trajetória do trabalho e do lugar, a gente construiu um grande projeto que tentava responder
grandes questões, via a inviabilidade dele por causa dos conflitos, um triplo conflito: do agente
2
O SICONV é o Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse e, assim como o Portal de Convênios, foi instituído pelo Decreto número 6.170/2007, sendo
alterado pelo Decreto número 6.329/2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse.
Esse decreto determina que a celebração, liberação de recursos, acompanhamento da execução e a prestação de contas dos convênios sejam registrados no SI-
CONV. Para outras informações, acessar o endereço eletrônico: www.convenios.gov.br
3
Durante o período de entrevistas com os coordenadores dos projetos selecionados, o projeto Ecoturismo de Base Comunitária da Região da Trilha do Ouro ainda
estava em fase de avaliação pelo Ministério do Turismo.
Assim, na visão do coordenador, para se alcançar um futuro promissor em uma iniciativa de TBC, adequando-a a gestão
dos recursos culturais, naturais e sociais, seria preciso reunir alguns aspectos essências, como,
A partir da experiência relatada, é preciso considerar a complexidade, por essência e definição, do processo do desen-
volvimento turístico de base comunitária. Além disso, precisa ser, neste caso, considerada em planejamento, a recorrente dificul-
dade de diálogo entre os atores locais, as instituições públicas e não governamentais no processo de decisão na concepção e
também na implementação de tais projetos turísticos.
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Assim, na visão do coordenador entrevistado, para se alcançar um futuro promissor em uma iniciativa de TBC, adequan-
do-a a gestão dos recursos culturais, naturais e sociais, seria preciso promover o investimento em formação continuada, a estru-
turação dessas iniciativas potenciais em forma de rede, o fomento às manifestações culturais e dos movimentos de resistência e
de atividades produtivas agro ecológicas.
Entretanto, mesmo diante das dificuldades surgidas ao longo da execução do projeto, alguns resultados positivos focam re-
conhecido em sua implementação. De acordo com o coordenador deste projeto, a capacitação profissional foi o principal resultado:
A capacitação em turismo de base comunitária foi o principal. O que o povo do Aventureiro pre-
cisa saber e conhecer melhor para servir bem o seu visitante (...) Fizemos um boletim, programa-
mos essa coisa toda e houve um trabalho de levantar a autoestima deles, nós tivemos algumas
atividades lúdicas, de festas, aproveitamos e casamos as atividades junto as datas comemora-
tivas deles, como a Festa de Santa Cruz. Então o projeto tinha como fundamento a questão da
capacitação do morador (Entrevistado A2).
Da mesma maneira, o projeto O Povo do Aventureiro foi avaliado pelo Mtur e, posteriormente, aprovado. Mesmo assim,
ainda segundo o coordenador do projeto, o processo de formalização e prestação de contas, assim como no projeto da Trilha do
Ouro, foi também um obstáculo enfrentado. Isto porque, segundo ele, o SICONV:
(...) é um sistema sofisticadamente grande de prestação de contas. O problema é que ele trata os
projetos de uma mesma forma, independente que seja entre uma prefeitura e com um projeto so-
cial, que tem os seus imponderáveis, o seu tempo, como você vai cobrar nota fiscal do barqueiro
que te leva até lá? Faltou também o apoio dos poderes públicos. A prefeitura e o Governo do
Estado não ajudaram em nada (Entrevistado A2).
Quanto aos principais resultados obtidos, a capacitação para o turismo foi mencionada como um resultado importante no
caso do Povo do Aventureiro, segundo o coordenador do projeto,
Não vou dimensionar, porque fica difícil, pelo menos eu não tenho essa capacidade, mas os resul-
tados foram altamente positivos. O balanço realista e que nós conseguimos avançar (...) O projeto
de TBC não foi a primeira tentativa de capacitação para os moradores locais, mas foi formal-
mente o primeiro projeto que logrou um avanço mas não a primeira tentativa (Entrevistado A2).
Além da participação efetiva dos atores locais em todas as etapas do projeto de TBC, para o coordenador do projeto O
Povo do Aventureiro, o legado efetivo foi garantir maior legitimidade as decisões e ações definidas pelas populações tradicio-
nais/locais, articuladas entre os diversos setores da sociedade.
Questionado sobre o que seria preciso reunir para que novas iniciativas de Turismo de Base Comunitária tenham um fu-
turo promissor em uma iniciativa de TBC, associando a gestão dos recursos culturais, naturais e sociais, seria preciso, segundo
o coordenador,
(...) teríamos que ter um projeto com começo, meio e fim e poderia abordar de uma maneira
importante todas aquelas atividades que deveriam ter naquele lugar. As particularidades não
poderiam ser ignoradas. Primeiro investir muito em um diagnóstico para ter uma base sobre
qual modalidade de turismo se possa investir para aquele lugar. O projeto deveria ser o mais
transparente e democrático possível, como pressuposto do TBC e não de cima para baixo. A
questão de capacitação seria continua e (...) voltada para o fortalecimento da renda, cultural, das
relações sociais do lugar. Esse seria o meu projeto “ideal” (...) sobretudo de olho lá na frente do
incremento, e sobretudo, na diminuição da grande diferença social (Entrevistado A2).
Ainda de acordo com a opinião do entrevistado, o apoio efetivo e a continuidade do poder público é fundamental para
as fases inicias de uma iniciativa de TBC e devem ser mantidos até que o projeto seja considerado realmente sustentável. E,
portanto, a limitação nesse tipo de apoio é percebida, atualmente, como o maior obstáculo para o êxito da grande maioria das
iniciativas de TBC analisada.
Eu não consigo separar os governos com o seu papel no turismo, que é o mesmo governo que
tem o papel na conservação ambiental, né? (...) e é o mesmo governo que tem o papel na política
pública da inclusão. O problema pra mim é que o governo é pautado pelo capital...pelo poder
econômico...e nesse lado... nessa situação, estamos do lado mais fraco. Bem, estamos do outro
lado da moeda, na contramão desse processo (...) nós queremos é promover o turismo que é o
segmento que nós estamos falando aqui agora... através do nosso modo de vida...nossa cultura...a
gente permanece no nosso território (Entrevistado A3).
Outro problema identificado se relaciona ao processo de formalização das propostas e prestação de contas com a União.
Neste caso, as causas do problema podem estar relacionadas a dois fatores já relatados. O primeiro, a falta de capacitação
técnica para operar o SICONV (tanto por parte dos proponentes, quanto pelos técnicos do Mtur) e, o segundo, as diferentes
percepções sobre o sentido de tempo dos dois atores envolvidos. Esses fatores estão ilustrados no depoimento a seguir:
5
A AMOC é uma entidade que representa doze populações tradicionais: cinco quilombolas, duas indígenas e sete caiçaras, organizando a oferta de produtos e
serviços turísticos, denominados turismo social e cultural – Paraty (RJ), Angra dos Reis (RJ) e Ubatuba (SP).
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(...) imagine os desafios pra gente! (...) Eu pensei, na verdade, em entregar o financiamento por
conta dessa dificuldade e foi interessante que eu estive no Ministério do Turismo, em Brasília.
(...) Eles responderam o quanto foi complicado porque o tempo e a linguagem que eles estavam
falando era diferente da fala dos povos tradicionais, das associações, dos moradores. Eu ainda
fiz um curso de uma semana pra tentar entender o que as pessoas me falavam... é horrível (Entre-
vistado A3).
Ainda assim, apesar dos problemas relatados, segundo o entrevistado, o projeto foi avaliado positivamente pela equipe
técnica do Ministério do Turismo. E, ainda segundo o interlocutor, a capacitação local para o turismo foi avaliada como principal
resultado durante o tempo em que o projeto recebeu apoio financeiro do Mtur.
Desta maneira, o fomento às iniciativas de TBC ainda não é o suficiente quando considerada a complexidade envolvida
no processo de gestão do projeto e as especificidades de cada caso. Isto porque, as dificuldades de uma iniciativa de TBC não
se resumem, por exemplo, à carência de capacitação profissional, mas também aos baixos índices locais de desenvolvimento
socioeconômico, à carência de infraestrutura, à dificuldade de acesso, entre outros impedimentos comuns nos casos analisados.
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS NO BRASIL: O GIGANTE DESCONHECIDO
1. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Governança, Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social (GAPIS), doutoranda no PPG EICOS
Psicossociologia e Ecologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Analista Ambiental do ICMBio, snsbrasil@gmail.com
2. Coordenadora do grupo de pesquisa GAPIS e professora dos PPG EICOS e Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, marta.irving@mls.com.br
Resumo
Nas últimas décadas, um novo tema vem adquirindo uma visibilidade crescente em diversos eventos internacionais e nos de-
bates sobre políticas públicas - os sítios naturais sagrados. Essas áreas de importância cultural e espiritual são consagradas por
povos nativos e grupos religiosos desde a antiguidade na história humana e, na atualidade, são ainda encontradas em uma am-
pla gama de contextos, em diversas partes do planeta. Considerando a expressiva diversidade biológica e cultural do território
brasileiro, este artigo tem por objetivo mapear e descrever os sítios naturais sagrados no Brasil e delinear os caminhos que vêm
sendo trilhados para o reconhecimento e a proteção dessas áreas em políticas públicas nacionais, a partir de pesquisa bibliográ-
fica sobre o tema. Os resultados ilustram 60 lugares sagrados no país, situados em 14 estados brasileiros.
Palavras-chave: Sítios Naturais Sagrados, Valores Culturais e Espirituais, Políticas Públicas, Proteção da Natureza.
Introdução
Em todo o mundo, existem milhares de lugares onde elementos da natureza - como montanhas, vulcões, rios, lagos, matas,
árvores, pedras e cavernas, entre outros - são considerados por diversos grupos humanos como templos naturais ou lugares sa-
grados. A eles são atribuídas características especiais e valores simbólicos que os distinguem como “extraordinários”, comumente
envoltos em uma aura de mistério e magia. O termo “sítios naturais sagrados” (SNS) tem sido frequentemente utilizado na literatura
internacional para se referir a esses locais e eles podem ser entendidos como “áreas de terra ou de água com um significado es-
piritual especial para povos e comunidades” (WILD; MCLEOD, 2008, p. 20).
Os SNS são relatados desde a antiguidade na história humana. E, na atualidade, são ainda encontrados em uma ampla
gama de contextos geográficos e culturais, reconhecidos por povos indígenas, populações tradicionais, religiões institucionaliza-
das e outras filosofias espiritualistas. Em geral, os sítios sagrados são interpretados como espaços de inspiração, revelação, cura,
reverência e comunhão com a natureza, e são visitados e utilizados em ocasiões especiais, para a realização de cerimônias ou
rituais. Alguns sítios são consagrados globalmente, atraindo visitantes e peregrinos de várias partes do mundo. Outros são conhe-
cidos apenas por determinados grupos sociais. E há ainda aqueles envoltos pelo segredo, cuja localização e/ou função religiosa é
de domínio apenas de um número limitado de indivíduos (THORLEY; GUNN, 2007).
Nas últimas décadas, a temática dos sítios naturais sagrados vem adquirindo uma visibilidade crescente em diversos even-
tos internacionais promovidos por instituições globais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e com a publicação de diversas obras de refer-
ência. Além disso, a importância em se promover ações para o mapeamento e a salvaguarda de SNS também vem sendo um tema
de destaque nos fóruns internacionais sobre políticas públicas, notadamente nas estratégias de proteção da natureza, refletindo
o reconhecimento internacional dos direitos dos povos indígenas e da importância dos seus conhecimentos tradicionais para a
Resultados e Discussão
A partir do levantamento bibliográfico realizado, foram identificados 60 lugares no território nacional em que elementos natu-
rais são imbuídos de sacralidade por determinados grupos sociais e que, considerando a definição proposta por Wild e McLeod
(2008), correspondem aos denominados sítios naturais sagrados (SNS) no Brasil3. Esses sítios - representados por cavernas,
montanhas, cachoeiras, matas, formações rochosas, cursos de água, lagoas, dunas e árvores - estão distribuídos em 14 estados
brasileiros, destacando-se os do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais. Dentre os SNS identificados, há um predomínio de lugares
sagrados para o catolicismo e as religiões de matriz africana, mas também são registrados sítios associados a povos indígenas,
populações quilombolas e de agricultores e pescadores artesanais (Quadro 1).
1
Banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Capes; Portal de Periódicos da CAPES; Scientific Eletronic Library
Online; Google Acadêmico, entre outros.
2
Foram analisados os sítios eletrônicos do Sacred Natural Sites Initiative, Places of Peace and Power, Sacred Land Film Project e SANASI.
3
Essa compilação é resultado da análise de 53 publicações identificadas na pesquisa bibliográfica.
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04: Diversidade cultural e manejo da biodiversidade
399
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400
Dentre a diversidade de sítios naturais sagrados identificados no Brasil, algumas cavernas-santuários no sertão nordes-
tino se destacam por serem centros de grandes romarias e peregrinações no país e têm sido estudadas por diversos autores. A
consagração desses espaços pode envolver desde a oferta periódica de alimentos, bebidas, flores, louças, velas, mensagens
escritas e adereços para as divindades, até a fixação de estátuas de santos ou cruzes nos locais, a construção de altares ou edi-
ficação de capelas, templos e outras estruturas para a celebração de ritos religiosos (BARBOSA, 2013).
O processo de sacralização desses locais pode ser antigo, como na Gruta de Bom Jesus da Lapa, no Estado da Bahia/
BA, que remonta ao período colonial (1691), ou recente, a exemplo da Gruta do Bom Pastor, em Paripiranga/BA, para onde as
romarias tiveram início na década de 1990. A Gruta da Milagrosa, no Município de Pau Brasil/BA, é identificada como um sítio sa-
grado ancestral para os povos indígenas da região, mas os rituais celebrados nesse local foram retomados somente nos últimos
anos, a partir da demarcação do território indígena (BARBOSA, 2013).
A partir do levantamento realizado, foram mapeadas 24 cavernas de uso religioso no Brasil. Mas, considerando que
existem aproximadamente 5 mil cavidades naturais registradas no território nacional, esse número provavelmente seja subesti-
mado. Corroborando essa afirmação, Travassos, Magalhães e Barbosa (2011) - no livro intitulado Cavernas, rituais e religião, uma
importante obra de referência sobre o assunto - consideram que a importância cultural das cavidades naturais no país é um tema
ainda recente e pouco estudado nas pesquisas científicas e que muitos aspectos dessa interação são desconhecidos.
Além de cavernas, algumas montanhas no território nacional também possuem importância religiosa e se constituem
em centros de peregrinações sazonais, como o Monte do Galo/RN (BRANDÃO; ARAÚJO, 2009; AGUIAR; NUNES, 2009), a Serra
da Piedade/MG (AZEVEDO et al., 2009), o Morro do Urucum/CE (COSTA, 2010) e o Morro da Capelinha/DF. O Morro do Corco-
vado, situado no Parque Nacional da Floresta da Tijuca, no Estado do Rio de Janeiro, se destaca no campo da religiosidade pela
emblemática Estátua do Cristo Redentor, um dos principais símbolos nacionais e um dos maiores atrativos turísticos do país
(MOUTINHO-DA-COSTA, 2008). O Dedo do Moleque, uma elevação rochosa no Estado de Goiás, representa um sítio associado
à população quilombola do território Kalunga (MARINHO, 2008) e os montes Roraima e Caburaí, na fronteira entre o Brasil, a Ven-
ezuela e a Guiana, são montanhas sagradas para os povos indígenas que vivem na região (LAURIOLA, 2004; MLYNARZ, 2008;
NOGUEIRA; FALCÃO, 2011).
A Lagoa Encantada dos Negros, situada na Serra da Barriga (AL), também representa um local sagrado para uma
população quilombola, no caso, descendente do Quilombo dos Palmares, o maior e mais importante quilombo formado na
história das Américas. Em 2007, foi implantado um memorial nesse local, em uma iniciativa da Fundação Palmares e Ministério da
Cultura, e criado o Parque Memorial Quilombo dos Palmares - o único parque temático da cultura negra no Brasil. Neste local há
também uma gameleira sagrada (Ficus insipida Willd.), uma árvore considerada como a morada do orixá Irocô, uma divindade
do Candomblé (CORREIA, 2013).
No Estado do Maranhão, diversos locais são retratados pela população como moradas de princesas, reis, sereias e outros
seres encantados. Na Ilha dos Lençóis, no Município de Cururupu, por exemplo, há uma lenda entre as famílias de pescadores
artesanais que vivem nessa região, de que o Rei Dom Sebastião aparece nas dunas nas noites de lua cheia na forma de um
touro encantado. E para a população quilombola da ilha de Alcântara, os denominados “lugares de encantaria” incluem algumas
formações rochosas situadas no alto mar (FERRETTI, M. 2004 e 2008; FERRETTI, S. 2013 e SOUZA-FILHO; ANDRADE, 2012).
As fontes ou nascentes de águas sagradas também são muito significativas no território nacional. Lazzerini e Bonotto
(2014), em uma ampla revisão sobre esse tema, mapearam 102 localidades no Brasil onde existem fontes de águas relacionadas
a crenças, rituais, poderes míticos ou propriedades curativas para povos indígenas, populações tradicionais, religiões de matriz
africana, catolicismo e sincretismos.
São descritas, ainda, no Brasil, várias rotas de peregrinação, como os caminhos da Luz (no Estado de Minas Gerais),
do Sol e da Fé (em São Paulo), das Missões (no Rio Grande do Sul) e dos Passos de Anchieta (no Espírito Santo). De acordo
com Steil e Carneiro (2008), essas rotas têm como origem antigos caminhos religiosos e foram ressignificadas como destinos
turísticos a partir do ano 2000, em uma clara inspiração do mundialmente famoso Caminho de Santiago de Compostela, na divisa
da França com a Espanha, incorporando elementos do que os autores denominaram de “espiritualidade Nova Era”.
Com base no levantamento realizado, pode-se afirmar que os lugares sagrados no Brasil têm sido interpretados na li-
teratura acadêmica principalmente a partir da perspectiva das ciências humanas e sociais, por meio de áreas do conhecimento
como a Geografia, a História, a Antropologia, a Sociologia, a Teologia e a Psicologia Social. A descrição e interpretação dos pro-
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402
científico que, por caminhos e olhares diferentes, cuidam e protegem a natureza” (CORRÊA et al., 2013, p. 4).
Assim, pautada em processos educativos dialógicos com o “povo de santo”, essa iniciativa buscou delinear iniciativas da
gestão pública que respeitem e garantam a diversidade das expressões culturais nas áreas protegidas, com foco na instituição
legal de espaços sagrados planejados e geridos coletivamente para atender as demandas de seu público religioso em observân-
cia às necessidades de conservação da natureza (CORRÊA et al., 2013). Entre outros desdobramentos, esse projeto resultou na
constituição do Conselho de guardiões do sagrado e da natureza - formado por lideranças religiosas de matriz africana - e na
implantação de espaços destinados a assegurar aos praticantes áreas adequadas para a promoção de seus rituais e oferendas5.
Assim, os exemplos dos parques de São Bartolomeu e da Floresta da Tijuca ilustram alguns dos desafios e possibili-
dades para a gestão de sítios naturais sagrados em áreas protegidas aliando os interesses dos usuários religiosos aos objetivos
de conservação da natureza. Entretanto, chama a atenção o fato de que a literatura sobre sítios naturais sagrados em áreas
protegidas no Brasil praticamente não menciona as recomendações que vêm sendo debatidas nas últimas décadas em fóruns
e eventos mundiais internacionais sobre essa temática, a exemplo das Diretrizes para administradores de áreas protegidas
sobre sítios naturais sagrados da IUCN (WILD; MCLEOD, 2008). Nesse sentido, é relevante avaliar os possíveis rebatimentos
das resoluções e recomendações internacionais sobre o tema no arcabouço legal nacional.
No âmbito de políticas públicas nacionais, algumas iniciativas para o reconhecimento e salvaguarda de SNS também
têm sido promovidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil/IPHAN, em parceria com organizações
não governamentais, notadamente na região amazônica. As Cachoeiras do Iauaretê (ou das Onças), por exemplo, um lugar
sagrado associado aos mitos de origem de vários povos indígenas dos rios Uapés e Papuri, no Alto Rio Negro, município de
São Gabriel da Cachoeira/AM, foram reconhecidas como patrimônio cultural imaterial brasileiro em 2006. Esse foi o primeiro
processo de salvaguarda de um bem imaterial ligado a um sítio natural no país. E também foi o caso pioneiro de registro de bens
relacionados a povos indígenas - grupo social que não fazia parte do escopo de atuação do IPHAN anteriormente (JAENISCH,
2011; IPHAN, 2008).
Além das Cachoeiras do Iaruaretê, dois outros lugares sagrados para povos indígenas do Alto Xingu, no Mato Grosso
- denominados Sagihengu e Kamukuwaká -, foram tombados como patrimônio cultural do Brasil em 2010. Esses locais estão
associados ao Kwarup, uma cerimônia ritualística compartilhada por nove etnias. Essas iniciativas reafirmam a possibilidade de
aplicação da legislação voltada para a preservação do patrimônio cultural aos sítios naturais sagrados no Brasil, uma tendência
que também tem sido observada no cenário internacional (VERSCHUUREN et al., 2010).
Outra iniciativa de mapeamento e salvaguarda de sítios naturais sagrados que vem se destacando no noroeste amazôni-
co é o Projeto Mapeo de cartografia cultural. Desenvolvido por meio de uma parceria binacional entre o IPHAN, no Brasil, e a
Direção de Patrimônio do Ministério da Cultura da Colômbia, esse levantamento, iniciado em 2009, identificou vários componen-
tes da paisagem que constituem elementos centrais dos sistemas cosmológicos dos povos indígenas da região, associados a um
alto valor cultural e espiritual.
Na região inventariada, foram identificadas várias ameaças aos sítios naturais sagrados advindas principalmente do
desenvolvimento de atividades de mineração e a importância em se respeitar os direitos indígenas e de “considerar suas concep-
ções e modos de vida no desenvolvimento de projetos e na implantação de políticas públicas que incidam sobre seus territórios”
vem também sendo reiterada na literatura (SCOLFARO et al., 2014, p. 66). Essa iniciativa também tem ilustrado que as experiên-
cias de salvaguarda dos sítios sagrados por meio de políticas públicas contribuem para a valorização cultural e a manutenção
dos conhecimentos tradicionais dos grupos sociais a eles associados, respaldando também os processos de garantia de seus
direitos territoriais.
Considerando o debate internacional sobre sítios naturais sagrados, uma série de iniciativas e eventos internacionais vem
promovendo o registro de estudos de caso e a compilação de informações sobre SNS em diversos países do mundo, o que tem
permitido traçar um panorama geral sobre a situação dos sítios sagrados no mundo e embasar a formulação de estratégias para
o seu reconhecimento e proteção6. Chama a atenção o fato de que, em meio a um substancial conjunto de publicações sobre
milhares de SNS em todos os continentes, são raras as referências ao contexto brasileiro.
5
Nesse sentido, o Espaço Sagrado da Curva do S foi concluído no início de 2012. Posteriormente, em 2014, dois outros locais foram inaugurados: a Cachoeira Sagrada
do Rio da Prata, em Campo Grande/RJ - também destinada aos rituais de religiões de matriz africana - e o Espaço Pretos Forros e Covanca, em Jacarepaguá/RJ, para
a prática religiosa evangélica.
6
Unesco, 1998; Lee; Schaff, 2003; Schaff; Lee, 2006; Mallarach; Pappayannis, 2007; Papayannis; Mallarach, 2009 e Mallarach; Papayannis; Väisãnen, 2012.
Considerações Finais
Buscou-se, nesse artigo, mapear e ilustrar os sítios naturais sagrados do território nacional a partir de um levantamento
exploratório sobre o tema na literatura nacional e internacional. Entretanto, é importante mencionar que as informações sobre
os SNS no Brasil parecem estar dispersas e difusas em estudos de várias áreas de conhecimento e que a busca de informações
sobre o tema por meio dos instrumentos e métodos mais usuais para a pesquisa bibliográfica é dificultada pela ausência de uma
padronização de descritores e palavras-chave. Dessa maneira, um inventário baseado em estratégias diversificadas e uma mul-
tiplicidade de fontes de pesquisa - como sítios eletrônicos da rede mundial de computadores, publicações não científicas, estu-
dos etnográficos e documentos técnicos sobre terras indígenas e áreas protegidas, entre outras - tende a revelar muitos outros
sítios naturais sagrados no Brasil, para além da compilação aqui apresentada. Isso é particularmente pertinente com relação ao
potencial de reconhecimento de SNS vinculados a povos indígenas e outros grupos de populações tradicionais, um enfoque que
parece ser uma lacuna na pesquisa acadêmica nacional sobre o tema.
No Brasil, as iniciativas de salvaguarda de SNS em políticas públicas são ainda pontuais e têm sido delineadas quase
exclusivamente a partir de instrumentos da legislação sobre direitos culturais. Limitada atenção tem sido atribuída ao reconhe-
cimento dos sítios naturais sagrados no âmbito das políticas de proteção da natureza e as informações sobre esse tema no país
ainda são escassas, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Dessa forma, também parece necessário se refletir
sobre as implicações e os desafios que o reconhecimento e a salvaguarda de sítios naturais sagrados podem agregar à gestão
das áreas protegidas no território nacional.
Há de se destacar, também, o papel fundamental da academia no debate crítico e na reflexão sobre essa questão, bem
como para a investigação de casos concretos de SNS em áreas protegidas a partir de uma perspectiva de integração de distintos
campos do conhecimento. A complexidade envolvida nesse debate marca uma série de desafios que devem ser superados para
a implementação de políticas públicas e pode inspirar novas formas de entender a relação entre sociedade e natureza.
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SOBREVIVÊNCIA E IDENTIDADE: REALIDADES SOCIOAMBIENTAIS DOS
QUILOMBOLAS DO RIO EREPECURU/CUMINÃ EM ORIXIMINÁ/PA
Rodrigues, Wagner de Oliveira1; Madeira Filho, Wilson2; Thibes, Carolina Weiler3 & Nobre, Bárbara Moreira4
1. Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e doutorando do PPGSD, Universidade
Federal Fluminense, worodrigues@uesc.br 2. Professor da Faculdade de Direito e do PPG em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, wilsonmadeirafilho@hotmail.com 3. Doutoranda do PPGSD, Universidade Federal Fluminense, Bolsista
Capes, carolinathibes@yahoo.com.br 4 Estudante de Medicina da Universidade Federal Fluminense, barbaramoreiranobre@gmail.com
Resumo
O trabalho é um relato de experiência e, ao mesmo tempo, uma abordagem ampla sobre a realidade socioambiental dos quilom-
bolas de Oriximiná, no Estado do Pará, em específico na região dos Rios Erepecuru/Cuminã, em visita feita em dezembro de
2014. Através de observação participante, relatos de moradores e literatura correlata, a equipe enumera uma série de elementos
que desafiam a presença e a realização de direitos básicos de cidadania aos quilombolas locais, que culminam no testemunho
da festa do Círio da comunidade quilombola Pancada – suscitando novas questões de acordo com a presença/ausência de
agentes externos à população local. As conclusões levam a crer a ausência do Estado como uma forma de isolamento dos
quilombolas que funciona, ao mesmo tempo, como um escudo cultural em que é preservada sua identidade ao um enorme preço
socioambiental que ameaça a sobrevivência e o cotidiano de seus moradores.
1
As atividades que deram origem a uma série de trabalhos – a qual inclui este – são oriundas do projeto CAJUFF – Centro de Assistência Jurídica da Universidade
Federal Fluminense, com fomento do Programa de Extensão das Universidades Federais (PROEXT/2014) e sob a coordenação do Prof. Dr. Wilson Madeira Filho
(Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense).
Figura 1. Quilombolas em áreas tituladas e não tituladas no Município de Oriximiná. Fonte: Comissão Pró-Índio,
Disponível em: <http://www.quilombo.org.br/#!QuilombosOriximiná/zoom/c1jji/i013rp> acesso em 15.06.2015
O recorte territorial do presente trabalho está lançado no estudo da realidade das comunidades quilombolas à esquerda
da figura acima (Figura 1). Na oportunidade foram visitadas as comunidades de Serrinha, Varre Vento, Boa Vista Cuminã, Jauari,
Araçá, Espírito Santo, São Joaquim e, por fim, Cachoeira Pancada, na parte ainda navegável dos Rios Erepecuru/Cuminã. Todos
fazem parte de um território unido que foi titulado enquanto terras quilombolas em 1998 pelo INCRA e em 2000 pelo ITERPA –
Instituto de Terras do Pará – compreendendo um território de exatos 218.044,2577 hectares.4
2
Há que se considerar, da mesma forma, as unidades de conservação estaduais (Flota do Trombetas – 3.172.978 ha, compreendendo Oriximiná, Óbidos e Alenquer;
Flota do Faro – 613.867 ha., compreendendo Faro e Oriximiná – ambas enquadradas no grupo de uso sustentável; e Grão Pará – 4.243.819 ha., compreendendo os mu-
nicípios de Oriximiná, Óbidos, Alenquer e Monte Alegre, esta em proteção integral e considerada a maior unidade de conservação em florestas tropicais do mundo)
(IMAZON, site) e as áreas indígenas (Nhamundá-Mapuera, abrangendo os Municípios de Oriximiná e Faro, com 8.452 km²; Trombetas-Mapuera, contígua à área
anterior, com 39.704 km² e um perímetro de 1.562 km, abrangendo os municípios de Urucará e Nhamundá – Estado do Amazonas -, Oriximiná e Faro – Estado do Pará
-, e Caroebe e São João da Baliza, no Estado de Roraima; e o Parque Nacional Indígena de Tumucumaque, com 27.000 km², abrangendo os municípios paraenses de
Oriximiná, Almerim, Monte Alegre e Óbidos, sem olvidar as áreas quilombolas e as glebas rurais do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(autarquia federal) situadas a leste nas localidades do BEC e Planalto ALCÁNTARA, 2015).
3
Neste sentido, destaca-se a tese de doutorado efetivada dentro do Programa do PPGSD/UFF de autoria de Leonardo Alejandro Gomide Alcántara (“Território Mi-
nado: Desenvolvimento e Conservação no Vale do Rio Trombetas) que trata diretamente da questão envolvendo outras duas Unidades de Conservação da natureza
lindeiros ao empreendimento acima mencionado (Reserva Biológica do Rio Trombetas e a Floresta Nacional Saracá-Taquera), e que dá um recorte epistêmico maior
ao caso frente a outros quilombos, notadamente do Moura e do Boa Vista, situados no Médio-Rio Trombetas.
4
De acordo com a Comissão Pró-Indio, sete terras quilombolas já têm titulação, onde vivem trinta e duas comunidades quilombolas (localizadas nos municipios de
Oriximiná, Alenquer e Óbidos). Outras trinta e seis comunidades quilombolas (localizadas em Oriximiná, Óbidos, Santarém, Alenquer e Monte Alegre) ainda aguar-
dam pela regularização de suas terras (http://www.quilombo.org.br/#!territorios/c1jji)
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A equipe na oportunidade anotou, através de observação participante e da interação com moradores da região, a rotina
e a realidade de alguns dos conflitos socioambientais existentes, com realce na questão das políticas públicas à oferta nas
comunidades e a presença de atividades socioeconômicas praticadas entre os quilombolas e agentes externos. Foi possível,
ao final da jornada, testemunhar um momento de exercício da fé comunitária dos quilombolas nos eventos ligados ao Círio de
Nossa Senhora da Conceição, ocorridos na comunidade quilombola de Cachoeira Pancada no dia 06 de dezembro de 2014. Em
verdade os quilombolas nestes dois rios atravessam muitas gerações e coincidem, em parte, com a histórica presença de seus
antepassados em todas as áreas tituladas e não-tituladas não só de Oriximiná mas de toda a Amazônia Oriental.5
Figura 2. Embarcação da equipe ancorada às margens do Rio Erepecuru, na comunidade quilombola de Jauari. Fonte: arquivo pessoal.
Logo no início do encontro entre os Rios Trombetas e Erepecuru/Cuminã está a Comunidade do Serrinha, a primeira
visitada pela equipe. Embora haja uma escola de ensino fundamental e a presença de uma comunidade organizada os seus
moradores relataram à equipe uma série de problemas que acusam a ausência do Estado em necessidades básicas de sobre-
vivência. A primeira delas está associada com o precário acesso ao saneamento básico do local – já que a água é coletada de
poços artesianos com nível de turbidez elevada em alguns meses do ano (tornando-a quase imprópria pra consumo humano) e
não há rede de esgoto e destinação útil do lixo da comunidade, sendo esse incinerado. Esta realidade é praticamente semelhante
em todas as comunidades quilombolas visitadas pela equipe.
Da mesma forma, em nenhuma das comunidades visitadas existe unidade básica de saúde em atividade. Segundo os
moradores, qualquer demanda neste sentido exige o deslocamento fluvial imediato até o distrito-sede – tornando-se ainda mais
5
Os negros quilombolas que vivem nas margens do rio Trombetas e distribuídos no interior de seus lagos, lagoas, canais e igarapés estão neste território há mais
de dois séculos. Sua presença demográfica e econômica data de fins do século XVIII. Nessa época, o Baixo Amazonas integrava-se a zonas produtoras de cacau do
mundo colonial, que teve sua exportação incrementada em função da queda de produção das colônias espanholas. Com a ascensão do cacau na pauta de exportação
colonial do Grão-Pará, geram-se fundos para aquisição de escravos e incorporação de terras para o empreendimento de cultivo desse gênero. Através da fuga, os
escravos buscavam a liberdade e nos quilombos, encontravam acolhida e construíam uma nova vida. Desde essa época, a floresta tem sido o suporte da vida e da
liberdade desse povo. Atualmente, os negros quilombolas de Oriximiná estão organizados em trinta e cinco comunidades cujos moradores estão ligados por uma
extensa rede de parentesco que conecta todos os núcleos de moradia (AZEVEDO et al., 1998, pp.42-47; ANDRADE, 2011, pp.07).
Figura 3. Dona Bereca, matriarca da comunidade quilombola “Espírito Santo”. Fonte: arquivo pessoal.
Os quilombolas, em sua grande maioria, têm a sua atividade econômica associada à coleta da castanha-do-Pará – ativi-
dade sazonal que ocorre nos meses chuvosos – entre dezembro e maio, período chamado de “inverno amazônico”. Nos demais
meses do ano, predomina a cultura da subsistência advinda do uso coletivo da terra e da pesca (O’DWYER, 2002) e, em particu-
lar à região visitada pela equipe, aos recursos pagos por uma empresa que faz a exploração da madeira próximo da área visitada.
A exploração da madeira requer a legalização da área a ser desmatada. Como ainda são escassos os territórios quilombolas já
titulados na região Amazônica (destacando-se Oriximiná como o município com o maior número de áreas tituladas), as territo-
rialidades reconhecidas para povos e comunidades tradicionais são as mais visadas pelos empreendedores. De acordo com a
Comissão Pró-Índio:
Os territórios quilombolas já titulados nessa região apresentam-se como opção bastante atraente
para as empresas madeireiras, uma vez que são constituídos por extensas áreas de floresta e têm
sua situação fundiária regularizada. A comprovação da regularidade fundiária é uma das exigên-
cias da legislação ambiental brasileira para aprovar planos de manejo florestal. Tendo em vista a
grande indefinição de direitos de propriedade na Amazônia tal exigência tem representado um
entrave para a exploração florestal. Diante dessa situação, o setor madeireiro tem buscado áreas
florestais com definição fundiária, como os territórios quilombolas titulados, terras indígenas e as-
sentamentos de reforma agrária (2011, p.269).
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É importante ressaltar as consequências socioambientais existentes para as comunidades quilombolas com este tipo de
prática. Ainda de acordo com a Comissão Pró-Índio, os acordos para a exploração madeireira na região representam sério risco
para a integridade de seus territórios, visto que as entidades representativas dos quilombolas não dispõem de meios jurídicos,
técnicos e ambientais adequados para monitorar os empreendimentos madeireiros (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 2015, site).
Um dos maiores desafios, no aspecto do manejo da biodiversidade situada em terras quilombolas tituladas, é com-
preender essa relação existente entre os quilombolas e os “não-quilombolas” (agentes externos) que se utilizam de áreas titula-
das a eles para a exploração da atividade de extração madeireira. A titulação das terras quilombolas tem uma grande importância
para a entrada do Estado no cotidiano dos seus moradores, mas, ao revés disto, o primeiro a surgir são atividades de exploração
direta da natureza – e a exploração madeireira vem neste viés como uma das primeiras a se inserirem na região.
Em observação feita entre a equipe com moradores locais a exploração madeireira (Figura 4) apresenta um duplo as-
pecto associado à sobrevivência dos quilombolas daquela região: a) a exploração direta não é feita pelo quilombola, mas por
um agente que entra em comum a ele e repassa, em regimes econômicos diferenciados, os lucros da atividade (meio-a-meio,
porcentagem etc); b) o papel da liderança comunitária – neste ponto figurado pelos presidentes das associações remanescentes
de quilombolas da região (são diversos neste sentido em toda a Oriximiná) – é crucial para a celebração de contratos e o primeiro
contato entre o agente externo e a população tradicional que ocupa os quilombos.
E, embora haja organização interna entre os quilombolas, não foi possível no momento verificar, de forma mais precisa,
se: a) a atividade corresponde com planos de manejos ou outros instrumentos legais que permitem, de modo sustentável, a
extração da madeira daquelas terras; e b) a distribuição dos lucros com a extração de madeira é feita de modo justo a todos os
membros da comunidade, evidenciando possíveis racismos ambientais.
Balizando estas duas hipóteses – que vão muito além do campo empírico vivido pela equipe tendo em vista que se trata
de delicadíssima questão de viabilidade da sua sobrevivência – a Comissão Pró-Índio também fez um relato da dinâmica destas
relações econômicas no ecossistema local que pode, inclusive, pôr sérios e diversos riscos às lideranças e moradores quilom-
bolas daquela região, sem prejuízo da ação dos órgãos ambientais responsáveis nesta questão.
Até 2011, os quilombolas em Oriximiná vinham recusando as ofertas apresentadas pelas diversas
empresas madeireiras. No entanto, em fevereiro de 2011, as associações proprietárias dos ter-
ritórios Trombetas (ACORQAT) e Erepecuru (ACORQE)6 firmaram acordos para exploração de
madeira em seu território com a Construtora Medeiros Ambiental Ltda. Conforme depoimentos
dos quilombolas, a empresa apresentou como estimativa de renda mensal para cada família du-
rante a vigência do contrato em torno R$ 1.800,00 na TQ [território quilombola] Trombetas e de R$
3.000,00 para as famílias da TQ Erepecuru.
Em agosto de 2012, a Secretaria do Meio Ambiente do Pará concedeu a licença ambiental para a explora-
ção florestal. A área autorizada pela SEMA para manejo florestal até 2017 corresponde 83% da dimensão
total da TQ Erepecuru e 75% da dimensão total da TQ Trombetas (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 2015, site).
Ainda segundo a Comissão Pró-Índio, os contratos foram assinados por três integrantes das coordenações de cada
associação quilombola (sem menção a se houve assembléia anterior entre os quilombolas a respeito do tratado) com a Constru-
tora Medeiros Ambiental Ltda. Estes contratos são de duas naturezas: a) uma do tipo “parceria para elaboração, exploração e
execução de projeto de manejo florestal sustentável com aproveitamento de resíduos; b) e outra do tipo “de compra e venda”,
ambos muito semelhantes no seu teor e com prazo de cinco anos (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 2011, p.28).7
6
(ACORQAT — Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo Bacabal, Arancuan de Cima, Arancuan do Meio, Arancuan de Baixo, Serrinha, Terra
Preta II e Jarauacá) e Erepecuru (ACORQE — Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo Pancada, Araçá, Espírito Santo, Jauari, Varre Vento,
Jarauacá e Acapu).
7
“Os contratos especificam que ‘após a conclusão do Inventário 100% (cem por cento), as partes definirão as espécies madeireiras que não serão manejadas’. Os
contratos de ‘parceria’ prevêem que na TQ Trombetas o projeto de manejo será implantado em talhões anuais de 3.733 hectares e na TQ Erepecuru em talhões
anuais de 7.410 hectares. Isso significa que em cinco anos a área de extração de madeira atingirá 23% da TQ Trombetas e 17% da TQ Erepecuru. Segundo o acordo,
a empresa arcará com os custos da operação: as despesas para obtenção da documentação necessária junto aos órgãos governamentais para aprovação do projeto
de manejo florestal; as relativas à contratação de técnicos e encargos; e outras inerentes a elaboração, exploração, execução do projeto de manejo florestal — com
‘exceção dos gastos com aproveitamento e transporte dos resíduos’. Com relação ao pagamento, os contratos ‘de parceria’ determinam que ‘50% (cinquenta por
cento) do volume, das espécies madeireiras autorizadas pela SEMA/PA, extraído no PMFS será repassado’ para as associações e os outros 50% para a empresa como
‘remuneração pelos serviços realizados’. No caso do aproveitamento dos resíduos florestais, o acordo prevê que a meação será feita após as deduções das despesas
para obtenção dos produtos, exceto as despesas com instalação dos fornos de carvoarias que serão por conta da empresa.” (COMISSÃO PRÓ-INDIO, 2011, p. 28).
O estudo merece maiores detalhes sobre a questão e um trato desta dimensão merece uma pesquisa mais aprofundada
do quadro. Porém, se concentradas nas duas hipóteses acima, a possibilidade de abrangência do quadro da exploração ma-
deireira naquela região pode – de lado a lado – propor tanto formas sustentáveis de manejo desta atividade quanto a proposição
de formas de exercício da sociobiodiversidade que contemplem atividades econômicas preservando a floresta em pé e a so-
brevivência real dos quilombolas residentes naquela região. O mais importante, neste sentido, é concentrar a perspectiva de
cada ator social ali presente – quilombola ou não-quilombola – e o exercício das suas atividades de identidade, sobrevivência e
exercício econômico da floresta sem desconhecer as responsabilidades do Estado e, sobretudo, de todos os que (junto deste)
tem o compromisso de preservar as riquezas daquela floresta.
“(...) nessa área aqui havia uma cobra grande; aí ela foi embora e a água [antes] ficava lá em
cima, nunca vazava; quando [a cobra] foi embora daqui, aí vazou e o rio ficou assim seco, aí os
antepassados vinham pra cá fazer pescaria, moravam aqui embaixo” (Relato de Didi à equipe).
A respeito desta lenda há um profundo significado cultural ligando a ocupação das áreas do Baixo Amazonas com histórias
de cobras e animais que impediriam a chegada dos negros fugidos de Santarém para mais além do interior. Segundo Eliane
Cantarino O’Dwyer histórias assim são contadas para retratar os relatos de fuga que mesclam eventos fragmentados com lendas
e narrativas a respeito da ocupação dos primeiros habitantes da região do Erepecuru/Cuminã, já acusadas por antropólogos
franceses que desbravaram a região no início do Século XX (2002, p.267).
Em essência pode-se notar uma verdadeira gênese – não no aspecto da mitologia cristã, embora fossem todos católicos
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– mas no nascimento de uma identidade tradicional que acompanhará, até os dias de hoje, a realização do sentimento de ser um
quilombola. Ainda hoje, nas viagens feitas com lideranças comunitárias rios Erepecuru/Cuminã acima, o sentimento de perten-
cimento ao local faz com que a emoção venha à tona e se espalhe entre todos como um amor próprio ao local – conquistado e
afirmado diariamente por sua cultura quilombola e sua relação socioambiental com a terra que nasceram e cresceram.
Assim, associando a lenda do surgimento dos primeiros quilombos da região com a fé católica, um sentimento de per-
tencimento acompanha outro – o de relativo isolamento das comunidades locais. Tal isolamento não pode ser entendido pura
e unicamente como uma forma de segregação socioespacial patrocinada pelo Estado, mas deve ser compreendida de forma
holística na forma de relação dos quilombolas com um sentimento de autonomia político-cultural sobre seu território. A forma de
exercício da sua religiosidade faz com que a nota de identidade tradicional seja ainda mais forte quando os próprios moradores
são os patrocinadores da fé em todas as comunidades – não há padre ou diácono ou, sequer, liderança católica externa na região.
E, diante de um evento tradicional em todo o Norte do Brasil – como é o caso dos Círios – fica ainda mais expressiva a sua forma
independente e própria de afirmar (por meio da fé) a sua identidade quilombola dentro da própria casa.
Na oportunidade a equipe pôde testemunhar os preparativos de um dos círios que ocorrem entre as comunidades
quilombolas de Oriximiná – coincidentemente na região dos rios Erepecuru/Cuminã. A Comunidade de Cachoeira Pancada,
última onde fica uma longa corredeira d’água de igual nome, e os preparativos da festa do Círio de Nossa Senhora da Conceição
que ocorreria já no entardecer do sábado e que seguiria com diversos festejos ao longo deste final de semana, foi o último estágio
de nossa presença naquelas terras (Figura 5).
As festas religiosas – em especial, as paraenses – consistentes nos chamados “círios” envolvem um sincretismo poderoso
entre os eventos religiosos e “profanos” ao mesmo tempo em que congrega a comunidade nos laços entre as águas e os que
delas vivem e se sustentam, se locomovem e se comunicam. Em Oriximiná a existência de um grande Círio – o de Santo Antônio,
que geralmente ocorre durante as duas primeiras semanas do mês de agosto – não anula a realização de outros círios em que,
independente do elemento de fé (geralmente associada a santos ou padroeiros da Igreja Católica), unem e reúnem membros
distantes e vizinhos das comunidades ribeirinhas em momentos de louvação e interação étnico-cultural sobre elementos dentro
e fora da religiosidade local.
O que ocorre em Cachoeira Pancada tem a mesma ligação religiosa com o evento do Círio de Santarém, em que a pa-
droeira é a mesma – Nossa Senha da Conceição – e a festa ocorre sob o mesmo significado. Se tal coincidência religiosa está
afeta aos escravos fugidos de Santarém, é uma dúvida ainda sem resposta. Não à toa – como em todo o Pará – o Círio é sinônimo
“(...) de mesa farta, de família reunida ao redor do altar e na cidade há uma atmosfera de congraçamento”, destacando ainda
que “(...) o povo participante das procissões é, simbolicamente, uma grande família, reunida em torno da mãe, da padroeira”
(SANTOS, 2013, p. 268).
Sem prejuízo de uma (dura) realidade esquecida no momento dos festejos, “(...) os problemas e as dificuldades do
cotidiano são, por hora, mascarados ou esquecidos, pois a população da cidade aparentemente não teme um colapso, embora
a população se multiplique em ruas estreitas, esburacadas em meio ao calor nos dias de procissão” (288). Embora sem um
representante oficial da Igreja Católica em Cachoeira Pancada isto não anula a singular importância e impacto cultural na vida e
na rotina de seus moradores que, como nos grandes Círios, se preparam, como uma grande família, para preparar a procissão,
receber a imagem da santa e cotejar, ritualmente, todos os eventos sacros e profanos envolvidos neste ensejo.
As festividades tiveram início justamente no momento em que a Santa saiu de uma casa a meio quilômetro da margem
direita do rio, em procissão feita por alguns moradores. Ao chegar na beira do rio, a imagem foi carregada numa rabeta condu-
zida por outro morador e, enquanto ela passava, os saquinhos com velas acesas eram soltos no curso das águas, produzindo um
efeito único de cores e luzes na travessia da imagem da santa.
Logo após cruzar o rio, a imagem da Santa foi recebida por uma liderança local que a acomodou num altar ornamentado
especialmente para o evento religioso no galpão da comunidade, onde foi feita uma celebração litúrgica por uma liderança
quilombola (Figura 6); a seguir, o altar foi substituído por caixas potentes de som que reproduziram músicas regionais e danças
por toda a noite culminando o evento, no dia seguinte, com um churrasco comunitário envolvendo a todos os presentes. A comu-
nidade teve o apoio de uma ONG paulista (o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola - IMAFLORA) que auxiliou
em alguns custos dos festejos e teve, entre a celebração e o momento profano, um momento de divulgar seus trabalhos desen-
volvidos entre os quilombolas daquela região em breves minutos.
Figura 6. Altar católico preparado para a chegada da santa e a realização da celebração litúrgica. Fonte: arquivo pessoal.
Dentre tais trabalhos foi mencionado, na presença de todos, o projeto “Florestas de Valor” – desenvolvida na região há
três anos – que incluem, segundo o seu relatório anual, atividades que fomentam novos mercados para o extrativismo regional,
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relações comerciais éticas com as comunidades locais e o fortalecimento de lideranças locais em arenas de representação
política. Segundo a ONG paulista trata-se de uma alternativa de resgate da cidadania e da identidade cultural, através de ações
que representem uma sustentabilidade visível e uma perspectiva de empoderamento social inserida na vida dos quilombolas ali
residentes, retratados em seu relatório anual como uma das atividades desenvolvidas país afora com este enfoque (IMAFLORA,
2014).
Referências
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COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. Terras Quilombolas em Oriximiná: pressões e ameaças. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São
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HERCULANO, S.; PACHECO, T. Introdução: “Racismo Ambiental”, o que é isso?. In: HERCULANO, S.; PACHECO, T. (orgs.).
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MELLO-THÉRY, N. A. Território e Gestão Ambiental na Amazônia terras públicas e os dilemas do Estado. São Paulo,
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SANTOS, I. S. Festa de Nossa Senhora da Conceição através da Revista “Programa da Festa”. Revista História e Cultura,
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APONTAMENTOS PARA A ELABORACAO DE UMA POLÍTICA SOCIOAMBIENTAL
PARA AS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO NO
ALTO RIO TROMBETAS E EM SEU ENTORNO
Madeira Filho, Wilson1; Ribeiro, Ana Maria Motta; Simon, Alba2; Alcântara, Leonardo; Rodrigues, Wagner de Oliveira3;
Thibes, Carolina Weiler4; Costa, Rodoldo Bezerra de Menezes Lobato da5; Rocco, Rogério & Souza, Marcelino Conti
Resumo
Os quilombos do Rio Trombetas, dentre as quais se situa Boa Vista, a primeira comunidade de remanescente de quilombos
reconhecida no Brasil, apresentam novas configurações e desafios. A partir dos trabalhos para criar condições e estabelecer um
Laboratório de Justiça Ambiental junto ao campus avançado da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Oriximiná (PA), os
pesquisadores/autores, apontam elementos na etnografia realizada entre outubro e dezembro de 2014 para colaborar nesse de-
bate. Formas de associação, conflitos internos e configurações culturais se conjugam às intervenções institucionais do poder pú-
blico municipal (com avanços na estrutura educacional, baixo impacto no atendimento à saúde e iniciativas na área do turismo),
estadual (com duas unidades de conservação) e federais (com outras duas unidades de conservação no território). Podemos
identificar, também, a atuação de ONGs, do Ministério Púbico e das universidades em resposta à pressão causada por iniciativas
empresariais privadas (Mineradora Rio do Norte) e públicas (a proposta de construção da Hidrelétrica de Cachoeira Porteira). A
atuação na defesa de direitos de populações tradicionais e vulnerabilizadas, assim como a consecução de conquistas coletivas
implica em atuações sistemáticas, onde a pesquisa e a extensão universitárias possuem papel crucial, ampliando a tecnologia
democrática aplicada nos casos concretos.
Palavras-chave: Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais, Unidades de Conservação, Justiça Ambiental, Conflitos Socio-
ambientais.
Introdução
Com o desafio de estruturar o Centro de Assistência Jurídica e o Laboratório de Justiça Ambiental na Unidade Avançada
José Veríssimo da Universidade Federal Fluminense em Oriximiná, uma equipe composta por professores, estudantes e pesqui-
sadores visitou nos meses de outubro a dezembro de 2014 algumas comunidades do Rio Trombetas (Serrinha, Boa Vista, Moura,
Último Quilombo, Nova Esperança, Jamari, Curuça, Mãe Cué, Tapagem, Abuí e Cacheira Porteira) numa expedição de barco a
partir de projeto PROEXT do Ministério da Educação, executado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense
(UFF) em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito. Tínhamos como objetivo prestar uma asses-
soria jurídica às demandas coletivas e fazer um mapeamento dos conflitos socioambientais. A equipe, multidisciplinar, contava
com as mais diversas formações (direito, biologia, letras, ciências sociais) e, mais importante, com um enfoque que não vislum-
brava uma perspectiva unicamente científica, mas com o desafio de estabelecer vínculos e espaços de construção coletiva das
mais diversas perspectivas dos conflitos socioambientais identificados no Rio Trombetas.1
Para tal atendíamos, também, como fruto de conversas prévias, a uma demanda da Defensoria Pública do Estado do Pará
que coincidia com expectativas do Ministério Público Federal nesta unidade da federação sobre uma possível consulta futura
1
Essa operação contou, além dos autores, com a seguinte equipe: Juliana Limongi Vita Santos (Graduanda Faculdade de Direito UFF), Camila Aguiar Lins do Nas-
cimento (Funcionária técnico-administrativo da UFF e Graduanda em Direito na UFF), Rodrigo Vilhena Herdy Afonso (Funcionário técnico-administrativo da UFF,
então graduando em Direito na UFF e atualmente Mestrando do PPGSD-UFF), Isabel Regina da Cruz Caetano da Silva (então concluindo Ciências Sociais na UFF
e atualmente Mestranda do PPGSD, bolsista Capes), Maria Morena Pinto Marques Farias (à época concluindo a graduação em Ciências Sociais na UFF, atualmente
Mestranda do CPDA-UFRRJ, bolsista Capes), Thayla Regina Frazão de Assumpção (Graduanda em Ciências Sociais na UFF), Sherazade Tammela Madeira (Grad-
uanda em Letras na UFF) e Jeisse Alvarez (Graduanda em Ciências Sociais na UFF).
A questão quilombola
A garantia do direito à regularização de domínio das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos foi contem-
plada pela Constituição da República de 1988, em seu Ato das Disposições Constituições Transitórias2. Tal preceito representou
a juridicização de um ambicioso projeto de reforma social. A Constituição lançou mão de mecanismo do estado de bem-estar
que se multiplicou na segunda metade do século XX: o amplo reconhecimento de direitos, somando às liberdades individuais os
direitos sociais e coletivos3.
Todo este panorama exige o grande desafio de sua concretização, o de realizar materialmente o que foi reconhecido de
maneira formal. Há que se perceber o grau de resistência e dificuldade que este programa constitucional se põe a enfrentar.
O texto constitucional não detalha e esmiúça a maneira como de dará a titulação das terras quilombolas. Por conseguinte, esta
empreitada vem sendo enfrentada por disciplina infraconstitucional.
Foram elaborados decretos federais para disciplinar os procedimentos de aplicação da matéria constitucional relativa aos
direitos étnicos dos remanescentes de quilombos, sendo os principais deles o Decreto 4.887/034, que regulamenta o procedi-
mento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, e o Decreto 6.040/07, que
institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais5.
O foco temático que permeia o presente trabalho, alicerçado no referido artigo 68 do ADCT na Constituição da República
de 1988, debruça-se sobre o direito à terra das comunidades quilombolas localizadas no município de Oriximiná/PA, às margens
do Rio Trombetas, um dos mais importantes afluentes do Amazonas. Pretende-se, com tal foco, identificar os impasses/entraves
da propriedade da terra (ou a concessão de direito de uso) das comunidades quilombolas, do Rio Trombetas, localizadas no
município de Oriximiná/PA, seus contornos e especificidades, modos de vivência peculiares desse intenso “campo de estudo”.
Oriximiná, importante polo mineral, é o segundo maior município do Estado do Pará, possui uma área de 107.604,4 km²,
só superado pelo município de Altamira (161.445,91 km²) em extensão territorial6. O principal rio do Oriximiná é o Trombetas7,
que nasce no norte do município, percorre todo ele de norte para o sul. O município está situado na Calha Norte do Pará, região
que abriga o maior mosaico de áreas protegidas do mundo, que incluem 12,8 milhões de hectares de unidades de conservação
estaduais, 1,3 milhão de hectares de unidades de conservação federais, 7,2 milhões de Terras Indígenas (BANDEIRA et al., 2010,
p. 2) (Figura 1).
2
Art. 68 - Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos.
3
O constituinte rejeitou a constituição sintética, apenas da liberdade negativa, conferindo função de garantia à Constituição. Trata-se de constituição dirigente que se
contrapôs a nossa cultura jurídica positivista e privatista.
4
Este diploma normativo é objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade (Adin) no STF, suspenso em face de pedido de vista.
5
Em termos normativos, podemos identificar que os Estados do Espírito Santo, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo confeccionaram leis próprias para disci-
plinar a maneira como se dará a titulação. Especificamente para a pesquisa em tela, nos importa o quadro paraense.
6
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/areaterritorial, Acesso em 22 junho de 2010.
7
São afluentes do Trombetas: os rios Turuna, Inambu ou Cachorro e o extenso Mapuera, pela margem direita; pela margem esquerda, o rio Cuminá ou Paru do
Oeste ou Erepecuru, que é o afluente mais significativo e que serve de limite natural leste, entre os municípios de Oriximiná e Óbidos, pertencendo a Oriximiná seus
afluentes pela margem direita.
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Figura 1. Município de Oriximiná e fronteiras municipais, estaduais e nacionais.
Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1533189>
Oriximiná é abundante em recursos naturais, com grande número de lagos, tabuleiros e cachoeiras. E contêm, junta-
mente com o município de Faro, a área indígena Nhamundá-Mapuera, com 845.400 ha. (8.454 Km2). Aliás, o município é um
mosaico de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, lá ocorreu a primeira titulação de terra quilombola do país, na
comunidade Boa Vista, em 1995. Somado ao fato de possuir em seu domínio unidades de conservação, como a FLONA (Floresta
Nacional) Saracá Taquera e a REBIO (Reserva Biológica) Trombetas, temos neste quadro um imenso emaranhado na territoriali-
dade no município. Esse cenário ainda é complementado pela atuação da empresa MRN (Mineração Rio do Norte).
Pautada na atuação como representante das comunidades quilombolas, temos a Associação dos Remanescentes Quilom-
bolas do Município de Oriximiná (ARQMO), que desde 1989 articula os quilombolas, constando atualmente com aproximada-
mente oito mil membros. Há ainda, diversas outras associações e cooperativas, destacadamente: a Associação dos Moradores
da Comunidade Quilombos de Cachoeira Porteira (AMOCREC), a Associação Mãe Domingas, a Associação das Comunidades
Remanescentes de Quilombolas (ACRQ), a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo da Área Trombetas
(ACORQAT), a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade Água Fria (ACRQAF) e a Cooperativa Agro-
pecuária dos Produtores do Lago Sapucuá (COOPERPLASA). Do rio Erepecuru, tem-se a Associação das Comunidades Rema-
nescentes de Quilombo do Erepecuru (ACORQE) e a Cooperativa do Quilombo (CEQMO). Já do rio Nhamundá, tem-se a As-
sociação das Comunidades das Glebas Trombetas e Sapucuá (ACOMTAGS).
Para compreensão desse cenário, tem-se que a noção de território para essas populações possui singularidades que de-
vem ser percebidas8. Trata-se de um complexo processo de territorialização, em que a própria noção de identidade está de certa
forma associada ao rompimento de sua noção estanque, pois, “o sentido coletivo destas autodefinições emergentes impôs uma
noção de identidade à qual correspondem territorialidades específicas, cujas fronteiras estão sendo socialmente construídas e
nem sempre coincidem com as áreas oficialmente definidas como reservadas” (ALMEIDA, 2004, p. 45).
Percebe-se um ordenamento espacial diferenciado. Na dinâmica de organização tradicional, os recursos explorados por
uma unidade familiar não ficam restritos espacialmente a esta área, podendo sobrepor-se, por vezes, às vizinhas. Isso deve ser
traduzido na fórmula de que os rígidos limites de uso e propriedade, individuais, não correspondem a esta realidade (CUNHA,
2011, p. 14). Os limites das áreas de uso familiar, como dito, não obedecem a um critério rígido de demarcação. Na maior parte
das vezes, quando os têm, os comunitários seguem limites naturais, como o tronco de uma árvore, uma estaca, um curso d´água,
entre outros (Figura 2).
8
Ver também O`Dwyer (1999); e Trecanni (2006).
As várias configurações sociais concebidas por populações específicas que não se amoldam nesta configuração legal
prevalente devem comportar um olhar mais cuidadoso e peculiar, permitindo o surgimento de novas nuances e contornos para
a própria noção do direito real de propriedade. O Decreto nº 4.887/2003 determina que o título de propriedade das terras de
quilombo será coletivo e outorgado em nome da associação da comunidade. Tal título será pró-indiviso, com cláusulas de ina-
lienabilidade, de imprescritibilidade e de impenhorabilidade. Isto quer dizer, em “bom português”, que a terra não poderá ser
dividida, vendida, loteada, arrendada ou penhorada. Isso aponta, de certa maneira, para “uma forma de conceber o espaço e
interagir com os recursos naturais de modo completamente distinto daquele utilizado pelas sociedades estruturadas na lógica
da propriedade” (ALLEGRETTI, 1994, p.17).
Diário de bordo
Nas diversas reuniões que antecederam o trabalho de campo com as comunidades tradicionais no Rio Trombetas, nossa
equipe esteve, dentre outros, com representantes da Defensoria Pública do Estado do Pará, em Belém PA, com funcionários do
INCRA em Santarém PA, com membros do Ministério Público Federal, em Santarém PA, e com equipe da fundação Pró-Índio em
Seminário realizado em Oriximiná PA. Como elemento comum a todos esses encontros e reuniões, pode-se destacar a intenção
de auxiliar a fortalecer o discurso identitário e os modelos representativos dos povos e comunidades tradicionais, considerando-
os ameaçados diante de um modelo desenvolvimentista externalizado por um consórcio de ações públicas e privadas, destaca-
damente, na área específica, no rio Trombetas em Oriximiná, a forte presença da mineração, com a ampliação dos platôs de
bauxita da Mineradora Rio Norte (MRN), e a retomada do projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Cachoeira Porteira, em
território de interseção de comunidades quilombolas e indígenas. Outros temas presentes, e não menos graves, seriam o avanço
da fronteira agrícola do agronegócio e a paulatina instalação de um turismo predatório, tendo como base a pesca esportiva.
Entrementes, ocorrera, no final de 2013, oficina no quilombo Mãe Cué, reunindo representantes do Ministério Público
Federal (MPF) e lideranças quilombolas, justamente para tratar de possível acordo a ser estabelecido entre aquelas lideranças
e setores administrativos da MRN no intuito de garantir a ampliação dos platôs de bauxita, adentrando terras quilombolas titu-
ladas inclusive. A orientação do MPF teria se dado no sentido de não realizar acordo sem antes de realizar ampla consulta às
demais comunidades quilombolas daquele território, preferencialmente encaminhando a elaboração de um documento base,
nos moldes do Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi, elaborado pelo Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina – e pela
Associação Wajãpi Terra, Ambiente e Cultura. As comunidades indígenas Wajãpi, que vivem em territórios no Amapá, teriam sido
as primeiras a elaborar seu próprio protocolo, no marco da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que
estabelece a obrigação do Estado em consultar previamente os povos e comunidades tradicionais sobre decisões que possam
afetar seus modos de vida (RCA, 2014).
Conforme conversa da equipe da UFF com os procuradores do MPF, havia sido tirada a decisão de que a Fundação Pal-
mares procederia à consulta junto a todas as comunidades quilombolas em Oriximiná. Não obstante uma lista com cerca de 20
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assinaturas fora levada ao MPF, com representações apenas das comunidades quilombolas diretamente afetadas pelas amplia-
ções dos platôs, desejando pactuar com a MRN, em condições mínimas, que representariam a contratação de oito indivíduos de
cada uma daquelas comunidades durante o período da obra de ampliação. O MPF não acatou a lista, em razão dessa contrariar
as decisões da oficina realizada em Mãe Cué, por não constar nenhum tipo de consulta direta à população e por contemplar de
maneira satisfatória a OIT 169.
Durante nossas visitas a ARQMO e à comunidade Mãe Cué foi possível aferir a veracidade dessa situação. Também du-
rante o Seminário com quilombolas e indígenas promovido pela Fundação Pró-Índio, em Oriximiná, em novembro de 2014, onde
participamos, também o tema do assédio da MRN, assim como a presença de estudos para a retomada do projeto de construção
da Usina Hidrelétrica de Cachoeira Porteira, foram pontos ressaltados pelos representantes das comunidades, que apresenta-
ram visões diferenciadas sobre ambas as obras de forte impacto social e ambiental, com posições claramente contrárias, que
clamavam pela titulação das terras ainda não tituladas e pela ponderada regulamentação dos usos dos recursos naturais, assim
como com outras posições favoráveis aos empreendimentos, por ver neles oportunidades de emprego e renda.
Nesse sentido, imbuída dessas informações, durante duas semanas, na embarcação Comandante Max II, a equipe da
UFF visitou diversas comunidades de quilombo no Rio Trombetas. Seguem-se alguns registros centrais.
Figura 3. Projeto Quelônio, Quilombo Nova Esperança Figura 4. Capela do Quilombo Boa Vista.
Fotos de Rodolfo Lobato
Em conversa posterior, com um o líder comunitário, chamado Sílvio, ouvimos sobre os atuais conflitos e ameaças à co-
munidade. E, assim, ficamos sabendo que, para consultar os quilombolas, houvera uma divisão entre as comunidades, em Trom-
betas 1 e 2. Em que as comunidades do Trombetas 1 seriam diretamente afetadas, e as comunidades do Trombetas 2 seriam
indiretamente afetadas (Boa Vista estaria no Trombetas 2).
Sobre o paradoxo da existência de uma atividade mineradora em uma Floresta Nacional em território contíguo a uma
Quilombo Curuçá
O Coordenador da comunidade é o Marquinhos. Encontramos Ednei na casa de farinha junto com outros jovens. O
restante da comunidade estava em Oriximiná. São 40 pessoas na comunidade. A farinha é feita para toda a comunidade e dura
cerca de um mês. Eles e outros comunitários estão participando do Projeto de Mapeamento das Copaíbas, do IMAFLORA. O
IMAFLORA compra o óleo deles e vende para uma empresa alemã chamada “Verminiche”.
A comunidade está pedindo mais recompensa financeira pelas copaíbas, devido ao aumento da supressão de vegetação.
O litro da copaíba custa hoje R$ 27,00 (vinte e sete reais). A área está em processo de titulação. Os comunitários recebem Bolsa
Família e a Bolsa Verde.
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Perguntados pelo encontro recente com o MPF, em Santarém, e da lista para aprovação de acordo com 8 empregados
por comunidade, tergiversaram, a princípio surpresos por sabermos desses fatos, em seguida encaminharam a conversa para
solicitar apoio para melhor entender e deslindar a questão.
Uma cozinha comunitária estava em construção no local, financiada pela MRN.
Quilombo Abuí
O Coordenador da comunidade é o Sr. Francisco. Mas na comunidade estava também o Ivanildo, filho do Tinga, que é
uma liderança importante. Vivem na comunidade cerca de 70 famílias, elas tiram o sustento da castanha e da copaíba. Após 20
anos de luta, conseguiram, há doze anos, a titulação da terra.
Assinam também o Termo de Compromisso com o ICMBio. Estão brigando pela titulação da terra do platô Cruz Alta, mas
o processo está parado no INCRA. A maior área de copaíba fica na REBIO, segundo os comunitários.
Considerações finais
As unidades de conservação estudadas enfrentam cenários de complexos conflitos, seja no caso da localização de
quilombos no interior da REBio, seja na existência de jazidas minerais em exploração no interior da FLONA.
Com relação aos conflitos entre quilombolas e a MRN trata-se de uma questão bastante complexa. O decreto de criação
da FLONA assegura que as áreas de reservas técnicas já existentes quando da publicação do mesmo não sofreriam solução
de continuidade, nesse sentido possibilitando a expansão da exploração da bauxita para essas novas áreas. Além disso, o seu
Plano de Manejo, publicado em 2001, tem no zoneamento uma Zona de Mineração, onde está previsto o aumento da área de
exploração de bauxita no interior da unidade de conservação conforme reservas técnicas já estabelecidas. Ou seja, o cenário
institucional é favorável à mineração e desfavorável à manutenção dos modos de vida dos quilombolas ali localizados. Cabe res-
saltar que na revisão do Plano de Manejo houve o pleito por parte da MRN para expansão da mineração para áreas não previstas
na época do decreto enquanto reservas técnicas.
Segundo os funcionários da ICMBio, houve um pedido da MRN para pesquisa mineral na Zona Primitiva da FLONA, mas
foi negado com fundamento em parecer elaborado por procurador do IBAMA. A MRN, ainda, estaria a rever a Zona de Mineração
do Plano de Manejo para expandir a área de exploração da bauxita. Há a previsão para 2015 de realização de consulta pública às
comunidades afetadas para fins de análise do pedido de autorização da MRN ao ICMBio para a exploração nas áreas central e
oeste. São quatro platôs que estão na Zona de Mineração pelo Plano de Manejo e pelo Plano Diretor da Mineração.
A MRN precisa obter a Licença Prévia até 2017 e a Licença de Operação até 2020, para poder iniciar a exploração em
2021. As comunidades aparentemente estariam favoráveis, sobretudo em função da promessa de levar ensino médio para as
áreas. O Ministério Público Federal - MPF recomendou que o IBAMA não se desse qualquer licença para estudos e pesquisa
mineral na área até que se discuta a questão na consulta pública.
O problema estaria no fato de que os objetivos estabelecidos para as FLONAs pelo Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, instituído pela Lei nº 9.985/00, não seriam compatíveis com atividades de mineração. Outra questão importante é
que, para expansão dos platôs, a empresa tem obrigação de fazer o Inventário Florístico da área. Todavia, segundo dados apre-
sentados pela MRN, serão eliminados para a expansão dos platôs de exploração 267 hectares de produtos madeireiros.
Mas e os muitos hectares de produtos não madeireiros, não serão computados? Além disso, no inventário realizado pela
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MRN no âmbito do EIA/RIMA, não aparecem as copaíbas no platô a ser explorado!
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Resumo
O presente trabalho se constituiu a partir do objetivo de caracterizar a população da localidade do Parati a fim de estabelecer uma
base para análises inicias sobre os conflitos socioambientais na região. Os dados para o diagnóstico da população da localidade
do Parati foram coletados a partir de dois instrumentos: entrevistas semiestruturadas e diários de campo. O primeiro seguiu um
roteiro constituído por perguntas organizadas em três eixos de análise: econômico; social e ambiental. O segundo realizado em
duas etapas de campo compostas por vivências na comunidade totalizou 15 dias de campo. Consideramos que o conjunto de
desacordos no Parati como o embargo da estrada, restrição de áreas para plantio, ausência de serviços e estruturas de atendi-
mento básico a população são fatores que associados em uma rede de atores levam à inviabilização da continuidade do modo
de ocupação que se estabelecia.
Introdução
Quando nos propomos a pensar em aspectos socioambientais, culturais e econômicos e suas influências sobre dinâmi-
cas de conflitos entre populações e unidades de conservação (UC), precisamos fazê-lo a partir de uma perspectiva do território
e das territorialidades que ali se estabelecem. Ao contrário do que sugere o senso comum, o ambiente não é composto de puros
objetos materiais ameaçados de esgotamento. Ele é atravessado por sentidos socioculturais e interesses diferenciados (ACSEL-
RAD, 2014).
Estes sentidos e interesses distintos podem ser então fatores importantes para compreensão das dinâmicas dos conflitos
socioambientais entre populações e UC, assim como os aspectos a que nos referimos inicialmente (socioambientais, culturais
e econômicos) são elementos fundamentais destas dinâmicas, apresentando-se de formas distintas dependendo dos grupos ou
atores envolvidos nos conflitos socioambientais. Estamos pensando aqui, então, nas territorialidades. Para Little (2002, p.3), a
territorialidade é definida como esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela
específica de seu ambiente biofísico, convertendo-o assim em seu território.
Chegamos então no território entendido como:
[...] espaço delimitado, apropriado, isto é, dotado de uma humanização que o diferencia e define.
[...]. Permite a concretização e materialização das relações sociais que, mediante ele, são cobertas
de especificidades. Se a espacialidade é o processo genérico de produção do espaço, a territori-
alidade é sua concreção em lugares específicos (VARGAS, 2004, p.2).
A noção de território é trabalhada em diversas áreas da ciência como na Geografia, na Antropologia e na Ciência Política.
Estas noções são levantadas e agrupadas por Haesbaert (2007) dentro de referenciais teóricos que levam em consideração: o
binômio materialismo e idealismo, com visões mais parciais ou holísticas em relação à sociedade-natureza e as dimensões so-
ciais privilegiadas (economia, política e/ou cultural); e a historicidade do conceito, em dois sentidos, sua abrangência histórica e
seu caráter mais absoluto ou relacional.
Este levantamento acaba evidenciando o quão amplo o conceito é, e como pode ser trabalhado e constituído a partir de
diversos enfoques, relações de poder, ou de dimensões mais simbólicas, das relações sociais e até mesmo sobre a construção
O Território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o
território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado
é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O
território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do
exercício da vida.
Neste sentido, trata-se de um conceito amplo, em que território está relacionado de forma indissociável à reprodução
dos grupos sociais, sendo a territorialidade inerente à condição humana. Torna-se evidente a necessidade de uma abordagem
híbrida entre sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e idealidade (Haesbaert, 2007).
Para Acselrad (2014), temos espaços comuns de recursos, expostos a distintos projetos, interesses, formas de apropria-
ção e uso material e simbólico. A causa ambiental, portanto, não é necessariamente una, universal, comum a todos, o que faria
do ambiente necessariamente um objeto de cooperação entre os distintos atores sociais.
No contexto das UC e em outros contextos e conjunturas, como Acselrad observou, o meio ambiente acaba sendo per-
meado por conflitos sociais.
Para Nascimento (2001), a natureza dos conflitos que arquitetam nossa evolução recente é condicionada por uma dupla
tensão: nacional x mundial e igualdade x desigualdade. Assim, os conflitos encontram-se, simultaneamente, nas origens e na
evolução de nossa sociedade contemporânea.
Esta relação de inerência entre conflitos e sociedade leva à construção de diferentes noções e conceitos. Vargas (2007)
reconhece uma vasta gama de visões, abordagens e conceituações sobre os conflitos. Esta situação acaba por gerar enormes
desafios, mediante um ou vários princípios teóricos. Isto se deve em certa medida ao fato de que os conflitos formam uma parte
integral e inevitável da nossa vida cotidiana, podendo ser observados em todas as esferas da vida humana: psicológica; política;
cultural; econômica; religiosa; social. Além das relações humanas: interpessoais; conjugais; trabalhistas; étnicas; internacionais,
(LITTLE, 2001).
O conflito socioambiental está relacionado a estas esferas e relações e é definido por Little (2006) como um conjunto
complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico, que nada mais
seria do que as disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural,
estendendo o foco restrito a embates políticos e econômicos, incorporando elementos cosmológicos, rituais, indentitários e mo-
rais, nem sempre claramente visíveis, elementos estes, inerentes das relações sociedade natureza.
Partimos então da aproximação à noção de conflitos socioambientais apresentada por Zhouri & Laschefski (2010), que
descrevem três diferentes categorias de conflitos ambientais: os distributivos, que manifestadamente indicam graves desigual-
dades sociais em torno do acesso e da utilização dos recursos naturais; os espaciais causados por efeitos ou impactos ambien-
tais que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou grupos sociais; e os territoriais, que marcam situações
em que existe a sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais sobre o mesmo recorte espacial, acreditando
que esta sistematização e classificação se aproxima de outros autores como Vargas, (2007) e Little (2001/2006).
É importante ainda ressaltar outro aspecto dos conflitos relacionado à visibilidade que estes possuem ou não. Para
Acselrad (2013):
Uma série de indícios concorre para que vejamos a desigualdade ambiental como parte constitu-
tiva do modo de regulação próprio ao capitalismo liberalizado. Neste contexto, a preferência pela
manutenção e reprodução dessa desigualdade explicaria o conjunto de ações visando a naturali-
zar e obscurecer os conflitos sociais, silenciando e despolitizando o debate.
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Neste contexto de desigualdades e invisibilidades as UC se inserem. Para Medeiros (2006), as UC são espaços territorial-
mente demarcados cuja principal função é a conservação e/ou a preservação de recursos, naturais e/ou culturais a elas associados.
A criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, pode ser considerada um marco para o
surgimento destas áreas como conhecemos hoje.
No Brasil o marco legal relacionado à criação e gestão de Unidades de Conservação (UC), termo introduzido por Maria
Tereza Jorge Pádua, utilizado no Brasil para cada área de um sistema destinado a conservação (MILANO, 2002), está assentado
na Lei Nº 9.985, que em julho de 2000 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC); no Plano
Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP); e, no âmbito da gestão federal, na criação do Instituto Chico Mendes de Con-
servação da Biodiversidade (MMA, 2007).
Para Dourojeanni & Pádua (2007, p. 56):
Como o próprio nome indica, uma UC é uma área dedicada a conservar a natureza. A expressão
equivalente, área protegida reflete com a mesma força e clareza que seu objetivo é a proteção da
natureza. Nem mais, nem menos. Mas com o decorrer do tempo, com a aparição dos conceitos
de ecodesenvolvimento, e sobretudo, o de desenvolvimento sustentável, as definições do termo
mudaram muito e foram ampliadas para incluir áreas onde a exploração dos recursos naturais é
cada vez mais intensa e a presença humana é a razão de sua existência.
Alguns autores estabelecem críticas a estas noções e mais especificamente às UC. Diegues (2004, p. 9) em oposição
às noções trabalhadas por Dourojeanni & Pádua faz críticas às áreas protegidas brasileiras, em particular as de uso indireto,
apontando para uma possível crise uma vez que estas sofrem com processos de invasão e degradação. Esta crise estaria ainda
associada à falta de dinheiro para desapropriação, à falta de investimento público, de fiscalização, de informação ao público, etc.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é caracterizar, a partir de aspectos socioambientais, econômicos e culturais, a
população da localidade do Parati, município de Guaratuba litoral sul do estado do Paraná, possibilitando assim a criação de
uma base de informações e dados para análises futuras das estruturas de relações sociais nas redes de atores envolvidos nos
conflitos socioambientais entre a população da localidade do Parati e UC (Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange e Área de
Proteção Ambiental de Guaratuba).
Sendo assim, o presente trabalho se constitui como um recorte do Projeto de Pesquisa de Mestrado do Programa e Pós-
Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável, da Universidade Federal do Paraná.
Área de estudo
Localizada na área rural do município de Guaratuba, no litoral do estado do Paraná, a localidade do Parati se constitui
como um núcleo de poucas famílias, visto que o acesso à região é limitado e pode ser feito de três formas: de barco, saindo do
centro do município de Guaratuba; ou a pé, de bicicleta e motocicleta pelo traçado da antiga estrada que liga a comunidade a
PR – 508 na região do município de Matinhos, ou ainda, por uma antiga trilha de ligação entre as regiões do Cabaraquara, Porto
Barreiro e Parati, todas no município de Guaratuba/PR.
Ponto estratégico de ligação entre as regiões de Paranaguá e Guaratuba entre os anos de 1916 e 1926, a localidade do
Parati deixou de ter esta importância a partir da inauguração da Estrada Mar em 1926, que resultou na redução do nível de dificul-
dade e do tempo de deslocamento entre os municípios (FERNANDES, 1947).
Atualmente a comunidade está localizada no entorno imediato do Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange (PNSHL), UC
de proteção integral criada no ano de 2001, e dentro dos limites de uma UC de uso sustentável, a Área de Proteção Ambiental de
Guaratuba (APA), UC de uso sustentável criada no ano de 1992 (Figura 1), e apresenta uma das belezas cênicas mais atrativas
Materiais e métodos
Os dados para o diagnóstico da população da localidade do Parati foram coletados a partir de dois instrumentos: entre-
vistas semiestruturadas e diários de campo. O primeiro seguiu um roteiro constituído por perguntas organizadas em três eixos de
análise: econômico; social e ambiental. Este roteiro foi aplicado a moradores permanentes da localidade, ou seja, que residem
a maior parte do ano no Parati. Em cada família um representante, podendo ser qualquer adulto maior de 18 anos, respondeu ao
questionário. Foram pré-selecionadas 10 famílias para realização das entrevistas, indicadas pelos próprios moradores. Deste total
oito foram entrevistadas, das quais descartamos nas análises uma das entrevistas pela impossibilidade de gravação a pedido do
entrevistado. Uma das famílias não pode ser entrevistada pela dificuldade de acesso - só seria possível chegar até ela de barco.
Uma segunda não foi entrevistada pela dificuldade que a família teve de encontrar tempo para realização da entrevista, estando
quase sempre no mar pescando, ou se alimentando ou descansando.
O segundo procedimento foi realizado em duas etapas de campo compostas por vivências na comunidade. A primeira
etapa foi de dez dias, realizada entre 20 de janeiro de 2015 a 30 de janeiro de 2015. A segunda etapa, realizada entre os dias 30
de junho de 2015 ao dia 03 de julho de 2015, contou ainda com um dia de mapeamento da trilha de acesso à localidade do Parati
pelo Cabaraquara, bairro de Guaratuba/PR, que ocorreu no dia 05 de julho de 2015. Totalizamos assim 15 dias de campo.
Para acessar a localidade pela primeira vez, o contato foi estabelecido com o representante dos moradores do Parati no
Conselho Consultivo do Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange e presidente da associação de moradores do Parati. A partir dele
houve a articulação sobre a estadia em camping com outro morador do local, onde se estabeleceu o alojamento na localidade
durante o período de campo. Na primeira etapa, o acesso ao Parati foi realizado de barco, pagando-se para que um dos mora-
dores fizesse o transporte. Na segunda etapa a região foi acessada através do trajeto da PR – 508/Parati de bicicleta, e também
via Cabaraquara/Parati a pé. Estes acessos foram mapeados e foram representados na figura 01.
Além do levantamento de dados primários em campo, foi realizada uma primeira pesquisa em acervos digitais sobre
possíveis produções realizadas na localidade e/ou sobre a população do Parati.
Para análise dos dados foram tabuladas as questões objetivas do roteiro de entrevistas, sendo que os resultados foram
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analisados levando em consideração os eixos estabelecidos no roteiro de entrevistas e o referencial teórico apresentado.
Resultados e Discussões
Guaratuba, restaurado município e desmembrado de Paranaguá/PR no ano de 1947, compõe a região do litoral do es-
tado do Paraná juntamente com outros seis municípios, a saber, Matinhos, Pontal do Paraná, Paranaguá, Morretes, Antonina e
Guaraqueçaba. Com área territorial de 1.326,791 Km² e população residente de 32.095 pessoas (IBGE, 2015), o município está
inserido no bioma Mata Atlântica.
O domínio biogeográfico Mata Atlântica, segundo mapeamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2004), compreende um complexo ambiental composto por cadeias de montanhas, platôs, vales e planícies de toda faixa
continental atlântica brasileira. Apresenta assim uma variedade de formações florestais que vão de florestas ombrófilas (densa, mis-
ta, aberta), floresta estacional semidecidual e estacional decidual, a manguezais, restingas, e campos de altitude associados, além
da ocorrência de brejos interioranos no Nordeste e florestas de Araucária (ombrófila mista) nos planaltos da região sul (SNIF, 2015).
É importante pontuar que o bioma Mata Atlântica é uma das grandes prioridades para a conservação da biodiversidade
em todo o continente americano. Regiões ou biomas como no caso da Mata Atlântica que abrigam parcela significativa da diver-
sidade biológica do Brasil e do mundo (MMA, 2002) acabam sendo mapeadas e classificadas como Hotspots de biodiversidade.
Estes denominados pontos quentes além de reunirem grande número de diversidade biológica e altas taxas de endemismos se
configuram como as regiões mais devastadas do planeta (MITTERMEIER, 1999).
A partir desta condição de bioma estratégico para conservação, a região conta com um conjunto de UC que compõem
o mosaico Lagamar1. Compreendendo regiões dos estados de São Paulo e Paraná, o mosaico é formado por UC Federais, Esta-
duais e Municipais (ICMBIO, 2015).
Deste conjunto de UC que formam o mosaico destacamos duas. O PNSHL e a APA de Guaratuba, criadas respectiva-
mente nos anos de 1992. O PNSHL é responsável pela proteção de aproximadamente 25.118,90 hectares de Mata Atlântica em
suas diversas formações. Foi à primeira UC do Brasil a ser criada por Lei (Lei Nº 10.227, de 23 de maio de 2001. UC de proteção
integral tem como objetivos a conservação dos ecossistemas de Mata Atlântica e a manutenção da estabilidade ambiental dos
balneários sob sua influência, garantindo a qualidade de vida das populações litorâneas e a manutenção e preservação dos
mananciais de abastecimento da região. Sua área se distribui em quatro dos sete municípios do litoral do estado do Paraná:
Paranaguá; Morretes; Guaratuba e Matinhos.
A APA de Guaratuba, criada pelo Decreto Estadual Nº 1.234, possui área aproximada de 200 mil hectares que abrangem
os municípios de Guaratuba, Matinhos, Tijucas do Sul, São José dos Pinhais, Morretes e Paranaguá. A compatibilização do uso
racional dos recursos ambientais da região e a ocupação ordenada do solo, contribuindo com a qualidade de vida das comuni-
dades caiçaras e das populações locais, são objetivos de criação desta UC (APA, 2015).
Estas são UC que compreendem o território da localidade do Parati – Guaratuba/PR. A APA de Guaratuba com a sua zona
de conservação C11 que engloba a totalidade do território da Localidade do Parati, delimitada a partir da elaboração do zonea-
mento do seu plano de manejo, e o PNSHL com limites de entorno imediato muito próximos as áreas de residência e sobrepostos
a áreas de uso da população do Parati.
Mellinger (2013) identificou 38 casas na região das localidades do Parati, Fincão e Rio das Ostras, das quais apenas 11 es-
tavam com moradores fixos. Outro aspecto observado pela autora foi à existência de sítios na região de moradores de áreas próxi-
mas como Prainha e Cabaraquara. Este último aspecto pode ter relação com o que foi observado por Sonda (2002) - comunidades
da porção norte da baía de Guaratuba, da qual o Parati faz parte, sofreram um intenso processo de migração de suas famílias, o
que levou ao esvaziamento das comunidades, possibilitando assim a aquisição de terras por “pessoal de fora”, dando inicio ao
processo de transformação do espaço rural do trabalho para o espaço rural de lazer, enfraquecendo assim as práticas de mutirões.
Nosso levantamento, feito a partir dos dados obtidos com as entrevistas refletem basicamente os mesmos pontos. Foram
identificadas 22 casas, este número (menor de casas que o de Mellinger) se deve ao fato de termos trabalhado com uma região
menor, sem incluir áreas do Rio das Ostras e Fincão.
Deste total de casas apenas 10 estavam com moradores efetivos, o restante ou estava abandonada ou sendo utilizada aos
1
Tabela com as UC que compõem o mosaico Lagamar disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/mosaicos-e-corredores-ecologicos/moscaicos-
reconhecidos-oficialmente/49-menu-o-que-fazemos/1877-unidades-de-conservacao-mosaico-do-litoral-sul-de-sao-paulo-e-do-litoral-do-parana-lagamar.html
Tabela 1. Atividades econômicas desenvolvidas pelos sete entrevistados. Fonte: Péricles Augusto dos Santos
A partir dos diários de campo e das vivências foi possível também identificar que existem relações de troca, compra,
venda e favores entre os moradores fixos. Isto já havia sido relatado por Mellinger (2013) em seu trabalho, porém observamos algo
não evidenciado antes, relacionado à compra e venda de pescados, caranguejos, ostras e mariscos para um dos moradores, que
os revende posteriormente no mercado municipal de Guaratuba. Entretanto não se trata de uma situação em que temos a figura
de um atravessador, ocorrendo apenas à compra de excedentes que não poderiam ser armazenados e que, portanto, estragariam.
Outro dado importante a que não tínhamos tido acesso a partir dos trabalhos revisados anteriormente se refere à média
de idades dos moradores permanentes do Parati, de 62 anos, sendo que, o mais jovem dos entrevistados respondeu ter 29 anos
e o de idade mais avançada 77 anos de idade.
Estes dados chamam a atenção pela alta média de idade das pessoas. Isto pode estar vinculado a um processo de en-
velhecimento da população, que pode ser resultado dos processos de esvaziamento e transformação da localidade, relatados
por Sonda (2002).
Neste sentido, precisamos ressaltar outros dados importantes, relacionados às dificuldades enfrentadas pela população
do Parati e que podem nos ajudar a compreender melhor as origens deste processo de esvaziamento. Os dados da Tabela 2
mostram que a maior dificuldade enfrentada pela comunidade é o fato da escola estar fechada há doze anos. Ao falarem sobre
a escola, os seis entrevistados que citaram isto como dificuldade relataram a saída de várias famílias do Parati para poder ma-
tricular seus filhos em outras cidades. Além de se reduzirem a quantidade de moradores permanentes, as crianças da população
foram forçadas a sair, o que por sua vez elevou a média de idade da população.
Tabela 2. Dificuldades enfrentadas pela comunidade. Fonte: Péricles Augusto dos Santos.
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Existe no momento, na população do Parati, certa ansiedade com relação à possibilidade de reabertura da escola em
função de recente articulação entre a população e representantes de um dos novos cursos da Universidade Federal do Paraná
– Setor Litoral. Porém, podemos também justificar esta ansiedade a partir de análise sobre os dados de escolaridade da popu-
lação. Do total de sete entrevistados apenas dois chegaram ao quarto ano do ensino fundamental séries iniciais, um cursou o
primeiro ano do fundamental séries iniciais e três não frequentaram a escola.
Temos então uma demanda por ensino não só para crianças, mas também a possibilidade de educação para jovens e
adultos.
Destacamos, por fim, que os filhos dos entrevistados têm migrado, a partir deste processo gerado pelo fechamento da
escola, para regiões de vulnerabilidade socioambiental de municípios próximos como regiões periféricas de Guaratuba, Ma-
tinhos, Pontal do Paraná, Colombo. Existem ainda poucos casos de pessoas que migraram para regiões mais distantes como
Pato Branco/PR, Primavera do Oeste/MT e Marabá/PA. Sendo este processo responsável por intensificar e gerar novos conflitos
socioambientais em áreas de entorno ou no interior das UC aqui apresentadas.
Considerações Finais
A localidade do Parati é uma região fragilizada que sofre historicamente com a dificuldade de acesso à região, mesmo
estando geograficamente próxima a centros urbanos e importantes vias de ligação no Estado do Paraná, como a PR-508. Isto fica
evidente quando vemos que cinco dos sete entrevistados citam o embargo à reabertura do traçado da antiga estrada do Parati
como uma das principais dificuldades enfrentadas pela população.
A invisibilidade dos conflitos existentes na localidade acaba por intensificar os problemas enfrentados pelos moradores
locais. O surgimento de legislações ambientais restritivas e regulatórias como o código florestal e a lei da Mata Atlântica, as-
sociadas à criação e delimitação de UC sobre territórios antes usados, e concretizados a partir de lógicas de uso distintas
baseadas em territorialidades diversas, nos saltam aos olhos como principais fatores geradores de conflitos e pressões sobre
estas populações, na medida em que estabelecem novas lógicas de territorialidade, a partir da efetivação de normativas para
uso e ocupação dos recursos naturais existentes nestes espaços. Porém o que fica evidente aqui é que podemos estar associ-
ando os conflitos às legislações ambientais e UC com um olhar desatento a outros aspectos importantes. Isto fica claro quando
vemos que o fechamento da escola rural do Parati foi inegavelmente responsável por um intenso processo de esvaziamento da
localidade, e fazendo isto de forma a atingir principalmente a população mais jovem da região, o que por sua vez resultou em
um envelhecimento da população.
Neste sentido questionamos o argumento de que as UC e legislações ambientais, neste caso, são as principais respon-
sáveis pelos processos de pressão sobre a população da Localidade do Parati, Guaratuba/PR.
Não queremos aqui negar a relação entre os conflitos e as UC. É evidente que a implementação destas inviabiliza ou
dificulta algumas das práticas produtivas e de subsistência antes executadas pelas populações. Retomando Diegues (2004) o
simples fato de se criarem as UC já basta para que se intensifiquem ou criem-se conflitos. A própria presença de representantes
de órgãos públicos ambientais como o ICMBio, embora precarizada em virtude da falta de investimentos, recursos e até mesmo
da não priorização de questões ambientais, tem como consequência a aplicação de legislações antes não efetivas nestes ter-
ritórios somando-se assim ao processo de intensificação e geração de conflitos.
O conjunto de desacordos na localidade do Parati como o embargo da estrada, (resultado do processo judicial sobre a
abertura de tanques para piscicultura em propriedades particulares com a utilização de maquinários públicos da prefeitura do
município de Matinhos), restrição de áreas para plantio, ausência de serviços e estruturas de atendimento básico a população
são fatores que associados em uma rede de atores levam à inviabilização da continuidade do modo de ocupação que se esta-
belecia no Parati. Ou seja, temos um processo em que o meio ambiente acaba sendo permeado por conflitos sociais assim como
relata Acselrad (2014).
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Simon, Alba1
Resumo
Nas praias de Itaipu e de Piratininga, na Região Oceânica de Niterói – RJ existe uma comunidade de pescadores artesanais que
sobrevive da pesca há várias gerações, resistindo às mudanças sociais que ocorrem em Niterói. A primeira tentativa de criação
da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu ocorreu no período de 1998 a 2004, sem chegar a termo em razão de inúmeros con-
flitos. Em outubro de 2012, um grupo de pescadores artesanais de Itaipu, reapresentou a demanda à Secretaria de Estado do
Ambiente (SEA) que, em conjunto com o Instituto Estadual do ambiente e em parceria com a Universidade Federal Fluminense,
decidiu retomar o processo de criação da Reserva. Nesse sentido, em um curto espaço de tempo, após nove meses de trabalho
(de novembro de 2012 a julho de 2013), em 31 de setembro de 2013 foi criada a Reserva Extrativista de Itaipu. O objetivo do pre-
sente artigo é relatar a retomada do processo de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu em Niterói – RJ pelo governo
do Estado do Rio refletindo sobre os conflitos, tensões e contradições que se repetiram durante o processo de criação em 2012.
Introdução
Nas praias de Itaipu e de Piratininga, na Região Oceânica de Niterói – RJ existe uma comunidade de pescadores artesa-
nais que sobrevive da pesca há várias gerações. São pescadores artesanais tradicionais que têm a pesca como sua fonte de re-
produção social e cultural, resistindo às mudanças sociais que ocorrem em Niterói e em todo o litoral do Estado do Rio de Janeiro.
A atividade pesqueira artesanal na região segue uma tradição que remonta a séculos, sendo verificada desde a época de
sua ocupação pelos indígenas. Diversos estudos antropológicos (KANT DE LIMA; PEREIRA, 1997; PESSANHA, 2002; MIBIELLI,
2004; LATINI, 2006) registram as características diferenciadas e historicamente localizadas das atividades pesqueiras no local
diante de diversos projetos de desenvolvimento urbano e industrial tais como portos e dragagens, especulação imobiliária nas
áreas litorâneas, projetos de construção de marinas para uso turístico e, sobretudo, a pesca industrial caracterizada por barcos,
apetrechos e ritual pesqueiro incompatível com a prática tradicional e impactante à biodiversidade marinha.
A primeira tentativa de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu ocorreu no período de 1998 a 2004. O pro-
cesso, iniciado pelo então Conselho Nacional de Populações Tradicionais/Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Na-
turais Renováveis (NPT/IBAMA), não chegou a termo em função dos inúmeros conflitos evidenciados durante o processo, tanto
com setores da pesca industrial quanto em razão de conflitos internos por disputas de poder entre dirigentes da Colônia Z-7 e a
Associação Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu (ALPALPI), entidade criada por pescadores artesanais tradicionais
de Itaipu que deu início ao processo de criação da Reserva Extrativista (RESEX).
Em outubro de 2012, um grupo de pescadores artesanais de Itaipu, com fortes ligações com a ALPAPI (embora desati-
vada) reapresentou a demanda à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) que, em conjunto com o INEA e em parceria com a
Universidade Federal Fluminense, que desde 1998 vinha apoiando a criação da RESEX em Itaipu, decidiu retomar o processo.
Nesse sentido, em um curto espaço de tempo, após nove meses de trabalho (de novembro de 2012 a julho de 2013), em
31 de setembro de 2013 foi criada a Reserva Extrativista de Itaipu.
O objetivo do artigo é fazer uma reflexão sobre os principais conflitos, embates, reações e resistências que permearam o
processo de criação durante esses 20 anos de tentativa de criação da RESEX Itaipu e que se repetiram no processo de criação
em 2012/2013.
No cumprimento da tarefa de coordenadora geral do processo de criação, fui testemunha e tive que lidar, em cada re-
união, oficina e na audiência pública final, com as dúvidas, manifestações de resistência, estranhamentos, e mesmo com versões
A região de Itaipu
A enseada de Itaipu está inserida em um ambiente costeiro protegido por ilhas e enriquecido pela presença de um com-
plexo lagunar (Itaipu-Piratininga). Esses ambientes, muito ameaçados pela poluição e pressões de diversas ordens, funcionam
como criadouros de uma grande variedade de peixes e crustáceos onde as formas larvais e juvenis encontram as condições
mínimas necessárias para se desenvolverem.
De acordo com estudos realizados pelo Laboratório de Ecologia Pesqueira – ECOPESCA (BIOMAR/UFF) na região de
Itaipu, a diversidade de espécies marinhas é comparável à encontrada no Monumento Natural das Ilhas Cagarras, Unidade de
Conservação próxima à região de Itaipu. Esse papel de “repouso” e criadouro de algumas espécies marinhas, assim como a
pesca artesanal, também fica comprometido com a escala de pesca dos barcos e artes de “fora”, o que sugere igualmente a
necessidade de aplicação de medidas urgentes de proteção dos recursos e dos pescadores locais.
Segundo estudos do Núcleo de Pesquisas sobre Práticas e Instituições Jurídicas (NUPIJ) da UFF, no Estado do Rio de
Janeiro, em praias como Itaipu e Piratininga, em Arraial do Cabo, bem como em diversas outras praias do Brasil, encontramos
um tipo especial de pescador artesanal. São pescadores que exercem suas artes à beira da praia, “esperando o peixe chegar”,
como eles mesmos dizem. A prática do arrasto de praia é secular, e consiste no cerco de cardumes que se aproximam da beira
da praia buscando alimento. Neste cerco, os pescadores utilizam canoas a remo, e se organizam em ‘companhas’, equipes
formadas por ‘companheiros’ que se distribuem em tarefas hierarquizadas em graus diversos de complexidade. Suas redes
chegam a medir quase 300 metros, dependendo da modalidade de pesca empregada, e se é diurna ou noturna. Assim, estes
pescadores desenvolveram um sofisticado sistema de ‘direito à vez’, que varia de acordo com as condições de cada praia, mas
que, basicamente, consiste em um acordo que diz qual companha pode pescar em cada momento, ou cada dia.
O sistema de registro deste saber local está associado a um prognóstico que os pescadores usam desde muito tempo.
O saber naturalístico é caracterizado pelo conhecimento natural da reprodução das espécies, das mudanças de lua, da direção
dos ventos, da temperatura da água, bem como de outros indicadores visuais. Tal conhecimento é fundamental para fazer prog-
nósticos e a realizar a captura das espécies com respeito à diversidade e épocas de reprodução (PESSANHA, 2002).
Segundo o Estudo Técnico para a criação da RESEX Itaipu (SEA – INEA, 2013) estima-se entre 100 e 150 o número de
pescadores que exercem a atividade pesqueira em Itaipu ao longo de todo ano. Destes, uma parte reside na própria localidade
de Itaipu e outra reside em outros bairros de Niterói de onde se deslocam diariamente para o exercício da atividade. Conforme
o Estudo: “segundo informações obtidas junto à secretaria da Colônia de Pescadores Z-07 em abril de 2013 (...) os pescadores
do bairro de Itaipu somam 281 cadastrados e, em menor quantidade, estão os 144 pescadores oriundos de Piratininga” (2013, p.
230). Deduz-se, portanto, que os pescadores cadastrados na Colônia Z-07 incluem não apenas os pescadores artesanais tradi-
cionais da região, mas também os pescadores classificados como “eventuais”.
De acordo com depoimentos colhidos no âmbito do processo de criação da RESEX, os pescadores que não mais resi-
dem em Itaipu são aqueles que foram expulsos na década de 1970 (ou seus descendentes), devido ao processo de instalação
dos condomínios voltados à segunda residência (casas de veraneio), no bairro que é hoje denominado de Camboinhas (KANT
DE LIMA; PEREIRA, 1997).
A área de abrangência da RESEX Itaipu compreende um rico patrimônio cultural e ambiental que se encontra desde
a década de 1940 sob pressão pela expansão urbana e imobiliária na região oceânica de Niterói, a qual tem deslocado os pes-
cadores para longe de seus lugares tradicionais de moradia e de trabalho à beira-mar. Por isso, a questão da inclusão da área
costeira nos limites da RESEX ganhou eco durante o processo de criação em 2004 e retornou em 2012. Uma RESEX Marinha sem
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pescador era inconcebível para algumas famílias de Itaipu.
As lagoas de Piratininga e Itaipu, foram as primeiras a dar sinais de esgotamento, devido ao aterramento de suas mar-
gens, fruto de investidas do setor imobiliário que buscava aumentar a extensão de terras loteáveis. O Próprio Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) promoveu uma obra que influenciaria decisivamente na especulação imobiliária:
a abertura do Canal de Camboatá, que interliga as lagoas de Piratininga e Itaipu. A interligação das duas lagunas aumentou a
extensão de terras loteáveis e foi vantajoso para os proprietários de terras.
Dois episódios traumáticos vinculados à tentativa de retirada das famílias de pescadores do Morro das Andorinhas e do
Canto de Itaipu vão marcar definitivamente o processo.
Uma Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público Estadual (MPE)em meados da década de 1990 para a desocupação
e demolição das 22 casas do local, metade delas pertencente a famílias tradicionais, foi a primeira tentativa concreta de expul-
são da comunidade do Morro das Andorinhas. A denúncia ao MPE tinha como base denúncias de favelização do Morro, que é
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em meio a uma série de invasões em áreas de Mata
Atlântica na Região Oceânica. A ação não prosperou, mas não evitou a derrubada de uma das casas mais antigas do Morro das
Andorinhas.
O segundo episódio diz respeito ao Canto de Itaipu e teve início em 2000. A vila de pescadores é uma área cedida pelo
Serviço de Patrimônio da União (SPU) à Colônia Z-7 no canto de Itaipu. Em 2000 a administração da Colônia Z-7, que se mantém
no poder até a atualidade, denunciou ao MPE (inquérito 015/2000) a descaracterização da Vila de pescadores ocupada por
bares, restaurantes e o aumento e reforma das casas de pescadores. Essa denúncia, se prosperar, culminará na derrubada de
casas, bares e restaurantes de pescadores e não pescadores. A maioria dos pescadores residentes na Vila é alinhada a ALPAPI,
contrária politicamente à administração da Colônia Z-7. Esse episódio é considerado um dos fatores que evidenciaram conflitos
entre a direção da Colônia Z-7, contrária a RESEX, e a ALPAPI, demandante da RESEX, migrando para o processo de criação da
RESEX em 2004 e 2013.
Nesse sentido, a criação de uma RESEX era vista também como forma de assegurar a permanência dos pescadores
tradicionais na região da praia de Itaipu, uma vez que a área da comunidade, por uma lado, era cobiçada pela especulação imo-
biliária que vinha fracionando e loteando terras década de 1970 para a implantação de condomínios, marinas para embarcações
com fins turísticos e Resorts, por outro, era alvo de ACP para derrubada de casas em área considerada patrimônio histórico e
cultural, embora a pesca tradicional também seja.
De acordo com depoimento de uma liderança da pesca em Itaipu, o desenvolvimento urbano e a expansão imobiliária
na região oceânica de Niterói são alguns dos principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais de Itaipu. Em uma
dimensão temporal de 40 anos, a praia de Itaipu foi recortada por um canal artificial apelidado pelos pescadores mais antigos
como o ‘Canal da Vergonha’. Este canal foi aberto de forma permanente pela Veplan, companhia imobiliária responsável pelo
loteamento na região. Os pescadores que antes habitavam a beira da praia em toda a sua extensão e às margens da lagoa foram
‘indenizados’ e retirados desses lugares.
De uns dez anos pra cá a demanda começou a piorar porque a gente viu sendo criados con-
domínios de alto luxo no entorno das praias, nos lugares mais protegidos, nos lugares mais bo-
nitos por aí. Pessoas saíram do centro da cidade, do Rio de Janeiro, de Icaraí, e vieram pras
praias. Não só aqui em Itaipu, mas isto aconteceu no Brasil inteiro. Qualquer lugar que você vá
aí na parte litorânea, as pessoas estão com vontade de fazer condomínio, fazer resort, hotéis de
grande porte, marinas etc. E com isso, expulsam os pescadores - que nós somos a parte mais
fraca - inclusive somos ‘posseiros’. A maioria dos pescadores não se considera como o dono
da terra – eu me considero dono de onde eu moro - mas a maioria dos pescadores tem medo,
porque ele sempre sofreu essas invasões. O Estado, o Governo Federal dizem: ‘Não, isto não
é de vocês, vão pra aqui, vão pra ali...” . “Então isto me dá medo de eu ser expulso da praia de
Itaipu.” (Seu Chico, presidente da ALPAPI)
A especulação imobiliária é um problema comum em diversas comunidades pesqueiras no litoral brasileiro. Como acon-
tece em Itaipu, a tendência é a valorização da orla e a elitização das praias, o que contribui para o afastamento dos pescadores
dos espaços tradicionalmente ocupados na beira do mar. Na região de Itaipu os únicos lugares que se mantiveram a parte desse
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assinados tanto de pescadores quanto de “apoiadores” da criação da RESEX, sendo o primeiro, em 2004, com 141 assinaturas
de pescadores das regiões de Itaipu e Piratininga e outro com 275 de “apoiadores”. Em 2013 foram colhidas assinaturas de 120
pescadores e 619 apoiadores, um aumento expressivo no número de “apoiadores” revelando a ampliação da força política dos
pescadores e da RESEX.
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res de Itaipu se configuravam como um grupo cultural distinto e merecedor do estatuto jurídico de população tradicional e, por
outro lado, que a diversidade de espécies marinhas pescadas por estes credenciava a área como Unidade de Conservação.
Entre novembro de 2012 e julho de 2013, foram realizadas 15 reuniões públicas de mobilização, planejamento e articu-
lação com o grupo de pescadores demandante, suas organizações representativas, entidades governamentais e da sociedade
civil, para apresentar e rediscutir a proposta de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu. Era visível o aumento do
numero de pescadores a cada reunião e ou oficina organizada. Ainda que sem o apoio formal da direção da Colônia Z-7, a
maioria dos pescadores presentes nas oficinas se autodeclararam como representantes da Colônia Z-7. Nas duas oficinas de
esclarecimento, voltadas exclusivamente para os pescadores, temas como a pesca industrial, a expansão imobiliária, os grandes
empreendimentos como portos e a poluição das águas, sobretudo pelo “Bota Fora” da dragagem de áreas na Baía de Guanabara,
eram recorrentes. Neste contexto, a RESEX era sempre apontada como uma solução possível e urgente e de apoio popular.
Os limites da RESEX que incidiram em área exclusivamente marinha foram elaborados através de mapa falado e
discutidos com os demais pescadores em uma reunião pública. O mapa falado é uma técnica muito utilizada em processos de
diagnóstico participativo e no caso da RESEX Itaipu foi utilizado para identificar junto aos pescadores, os limites da RESEX. Por
fim, no dia 30 de julho de 2013 foi realizada a Consulta Pública para a consolidação deste processo.
§ 2o A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de con-
sulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para
a unidade, conforme se dispuser em regulamento.
§ 3o No processo de consulta de que trata o § 2o, o Poder Público é obrigado a fornecer informa-
ções adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
A consulta pública para a criação da RESEX Itaipu ocorrida em 30 de julho se constituiu no clímax de todo o processo,
decisiva para a explicitação de conflitos e visualização dos que estavam favoráveis ou contra. O evento aconteceu sob um clima
de tensão e estranhamento. Participaram cerca de 270 pessoas entre pescadores de diversas localidades, representantes do
poder público federal, estadual e municipal, representantes de ONGs ambientalistas, vereadores, presidentes de Colônias de
pescadores, moradores, estudantes, representantes de entidades da pesca, professores universitários, policiais, dentre outros.
A consulta durou cerca de seis horas e se transformou num palco de manifestações contrárias e a favor da RESEX; acusa-
ções, ameaças e enfrentamento constantes entre os dirigentes da Z-7 e Z-8 (Jurujuba) e os pescadores de Itaipu, numa espécie
de acertos de conta do passado. No intuito de desacreditar a proposta da RESEX estórias surpreendentes e fantasiosas sobre
proibições de pescar, expulsões, multas e embargos por parte do ICMBio, atos de vandalismo com rede de pesca, retaliações,
taxas de cobrança ilegal ocorridas em outras RESEX marinhas no Brasil eram destacadas por pessoas que se apresentavam
como pescadores artesanais de diversas localidades do Estado.
Cada referencia a uma dada situação contrária, ocasionava aplausos e vaias no salão. O representante da Z-8 fez interfe-
rências ostensivas, com duras críticas à criação da RESEX. Para ele, a reunião não tinha legitimidade por não reunir pescadores e
sim moradores, alegando falta de informação, alegando ser contrário ao método de criação da RESEX, que não trazia benefícios
para os pescadores de uma forma geral e que a área não era só de pescadores de Itaipu e sim também dos 12 mil associados
da Colônia Z-8. Trouxe para o debate o assunto mais recorrente durante a reunião: o direito de todo e qualquer pescador pescar
onde desejar. Essa foi uma das maiores polêmicas suscitadas durante a consulta pública que encontrou forte ressonância por
parte daqueles que se opuseram a RESEX.
Antes do fim da consulta pública os dirigentes de ambas as Colônias se retiraram prometendo retaliações caso a RESEX
fosse criada. Em 30 de setembro do mesmo ano foi publicado o Decreto de criação da RESEX Itaipu (Decreto 44.417/2013) no
dia 7 de outubro de 2013, capitaneadas pelas Colônias Z-7 e Z-8, onze Colônias do Estado do Rio deram entrada numa Ação Civil
Pública junto a Justiça Estadual, em face do Estado do Rio de Janeiro, solicitando a anulação do Decreto 44.417/2013, com liminar
Considerações Finais
Ao estipular regras de exploração de recursos naturais em áreas sobre os quais repousam há anos as estratégias de so-
brevivência de uma comunidade tradicional que “espera o peixe chegar” a RESEX Marinha de Itaipu representou uma barreira
institucional aos interesses dos demais pescadores de outras localidades praticantes de outras modalidades de pesca (industrial,
a pesca de traineiras com sonares, a caça submarina etc.).
A estipulação da RESEX atingiu ainda o cerne da ordem econômica da pesca uma vez que o mar é também espaço
de lucro dos demais pescadores que o vislumbram recurso de todos e não um espaço de determinados coletivos. A criação
da RESEX possibilita uma inversão da ordem econômica liberal ao criar uma “reserva de mercado para a tradicionalidade”.
Nesse sentido, as informações conspiratórias sobre os impedimentos, constrangimentos, expulsões, multas e outros relativos a
categoria RESEX, consideradas nesse artigo como “contra-informação”, foram largamente utilizadas durante todo o processo
pelo grupo contrário a RESEX como uma tentativa de “denunciar” o “privilégio” dado a determinado grupo de pescadores em
um espaço público, onde valeriam os ditames da livre iniciativa.
A criação da RESEX representou também a possibilidade de fortalecimento da perspectiva associativista e, consequen-
temente, a alteração de poder e espaço político das Colônias junto às políticas de pesca e aos órgãos públicos.
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446
ESTRADA DO COLONO: ANÁLISE DOS ARGUMENTOS
QUE SUBSIDIAM O CONFLITO
Resumo
Este artigo analisa os argumentos subjacentes ao conflito ambiental instituído pela proposição de reabertura da Estrada do
Colono, no Parque Nacional do Iguaçu. A Estrada do Colono se tornou alvo de uma disputa pelo território entre grupos com
posicionamentos bem definidos e apresentados em duas cartilhas, uma Pró e outra Contra à sua reabertura. Os argumentos são
analisados quanto à consistência, e classificados como falaciosos, com lógica comprometida/simplistas ou verdadeiros/com-
plexos. Verifica-se que a relevância ecológica, os aspectos legais e atributos imateriais, como o sentimento de pertencimento,
constituem aspectos-chave para discussão do tema. A partir dessa análise crítica, espera-se contribuir para a mediação do con-
flito e para a gestão da unidade de conservação, indo além de discursos apaixonados ou meramente políticos.
Introdução
As áreas protegidas constituem o principal instrumento para a materialização das políticas públicas de gestão da bio-
diversidade em todo o planeta. No Brasil, ganham força com as Unidades de Conservação da Natureza (UC), legitimadas pelo
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC; BRASIL 2000). Dentre as 12 categorias definidas pelo
SNUC, o Parque Nacional é uma das mais emblemáticas pois, apesar de ser uma unidade de proteção integral, em seu interior
é permitida a execução de atividades econômicas, como o turismo.
Essa hibridização de uso representada nos parques nacionais, proteção/conservação da biodiversidade, educação,
pesquisa, turismo e outras atividades, expõe uma apropriação diversa dos recursos naturais, podendo acarretar problemas e
conflitos ambientais (QUINTAS, 2005). O Parque Nacional do Iguaçu, localizado na fronteira entre Brasil e Argentina, evidencia a
complexidade da categoria de manejo que se propõe, e também os desafios e conflitos inerentes.
Apesar da área de uso público, na qual se encontram as Cataratas do Iguaçu, ser considerada por diversos atores, entre
eles gestores, pesquisadores, e o próprio governo, um modelo a ser seguido por outras UC, a visitação se centra quase que ex-
clusivamente nesse atrativo turístico. O Parque é detentor, no entanto, de outros valores ecológicos, além de uma rica história que
contempla os demais 13 municípios de seu entorno e o vizinho Iguazu. Neste contexto encontra-se a Estrada do Colono, trecho
de cerca de 17 km de extensão que conectou Capanema e Serranópolis do Iguaçu, abrindo a floresta em uma das áreas mais
sensíveis e dividindo opiniões quanto à sua abertura.
Devido à durabilidade e extensão desse conflito, este trabalho se propôs a realizar uma análise da argumentação dos
principais grupos de atores envolvidos na disputa, representada por duas publicações: a cartilha a favor da abertura da estrada,
denominada “Estrada-parque o caminho do Colono: entenda o Projeto de Lei 7123/2010” e; cartilha resposta, contrária à abertura,
intitulada “10 fatos sobre a Estrada do Colono e o Parque Nacional do Iguaçu: Estrada do Colono - crime contra a Natureza”.
A discussão apresentada é fruto da reflexão resultante da experiência das autoras no campo ambiental de Foz do Iguaçu,
participantes das esferas políticas que tratam dessa questão, bem como das pesquisas que realizam nos parques brasileiro e
argentino, o que inclui entrevistas e visitas à campo à diferentes localidades destas áreas, incluso à região da Estrada do colono.
Espera-se contribuir para a gestão do conflito através de análise racional de suas causas, tensões e contrastes.
Área de Estudo
A análise efetuada neste trabalho tem como foco o Parque Nacional do Iguaçu (PNI), que é parte do bioma Mata Atlân-
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danças ocorridas. A compreensão sobre as alterações ecológicas de aberturas de estradas em florestas não era bem conhecida
nem pelos cientistas, quanto mais para os órgãos governamentais e a população em geral. Atualmente, existem estudos que
evidenciam essa alteração na dinâmica florestal (ex: CAMPANELLO et al., 2007), como também a importância desse fragmento
florestal no conjunto de remanescentes de Mata Atlântica (RIBEIRO et al., 2009).
É possível que o uso do caminho resultou em uma apropriação do espaço pelos usuários, estabelecendo vínculos e
sentimentos variados, além dos valores instrumentais e econômicos. Por outro lado, o fechamento da estrada pode ter gerado
sentimentos topofóbicos à existência do Parque, que agora se mostrava uma barreira e impunha uma mudança de modo de vida
e do relacionamento com aquele espaço, acirrando a disputa pelo mesmo.
Em 1997 iniciou-se uma nova invasão do local, que ocasionou a reabertura do leito da estrada, e se manteve até 2001. Uma
última tentativa de ocupação aconteceu em 2003, mas foi contida pela Polícia Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Entende-se que durante estes 12 anos (ano-base 2015) a floresta seguiu processos
de regeneração, sendo possível observar a reocupação do antigo leito por flora e fauna nativos. O presença desses elementos no
local, e o valor intrínseco da biodiversidade associada a eles, são muitas vezes abordados como argumentos contrários à estrada,
expressos geralmente por grupos ambientalistas.
Os diferentes valores sobre o Parque evidenciam os diversos usos e visões sobre como deve ser realizado seu manejo.
No entorno do Parque, desde sua criação, ocorreram muitas mudanças, causando diferentes pressões sobre a área protegida.
A atividade agrícola e agropecuária são a principal atividade econômica dos municípios do entorno. A urbanização é crescente,
ampliando a demanda por mobilidade e energia, haja visto a expansão da rede viária, e a instalação de usinas hidrelétricas na
região. O turismo está concentrado em Foz do Iguaçu devido à beleza cênica das Cataratas. Alguns conflitos no interior da área
protegida são frequentes, como a caça, pesca e extrativismo de palmito ilegais.
O caso da Estrada do Colono emerge como um problema ambiental e evolui para um conflito, na medida que há uma
disputa de poder claramente exposta sobre o objeto, e envolve tanto o entorno quanto o interior do parque. O ápice desse con-
flito se dá com o Projeto de Lei 7.123/2010, que além de propor a reabertura da Estrada, busca abrir uma nova categoria dentro
do SNUC, denominada Estrada-parque. Esta proposta evidencia as motivações associadas a este contexto atual, com forte viés
político-econômico e, em contraposição, o posicionamento preservacionista dos grupos contrários. No entanto, existem nuances
entre esses dois extremos.
Os aspectos imateriais da paisagem são difíceis de notar, mas estão presentes no imaginário sobre o Parque. Talvez o
grupo diretamente relacionado com o espaço, uma minoria de famílias pioneiras na região, exemplifique melhor esse aspecto
através da memória dos habitantes atuais. Neste sentido, as estratégias de manejo, além dos valores ecológicos, políticos ou
econômicos, deveriam contemplar essa dimensão simbólica, entendendo que a floresta é permeada por uma história de es-
quecimentos e desigualdades entre as pessoas que nela viveram e que dela se utilizaram (KROPF, 2014).
A relação entre sociedade e natureza é dinâmica e cria situações que podem ser propícias ou adversas aos seres vivos,
sejam eles humanos ou não. Portanto, entender o que conservar, da biodiversidade à cultura, para que conservar, em termos da
ética ambiental, e para quem conservar, sejam para os diferentes atores e os outros seres que habitam o espaço, são aspectos
que devem ser contemplados, considerando a sua complexidade.
Argumentos falaciosos
Dos dez argumentos propostos na cartilha Pró, cinco podem ser considerados falaciosos, são eles: 1) A estrada está aqui,
a estrada sempre existiu; 2) A Estrada ainda existe; 3) O caminho do Colono foi fechado por um erro no plano de manejo do
Parque; 4) Decisões seguiram o plano de manejo; e 5) Existem Estradas-parque em todo Brasil.
Os dois primeiros argumentos apresentam proposições e conclusões falsas. Isso porque, atualmente, o antigo leito
da estrada está ocupado por vegetação secundária, em distintos estágios de sucessão, apresentando trechos com regeneração
avançada, com a presença de árvores adultas, e vestígios de utilização da área por fauna. Ainda, a área na qual se localiza o
Parque era, ao menos até o início do século passado, ocupada por florestas e habitada por grupos indígenas. Tais grupos podem
ter habitado regiões limítrofes à estrada, e inclusive usado a área, mas definitivamente não no contexto e trajeto da estrada (FREI-
TAS, 2015). A estrada é, portanto, uma invenção moderna.
O argumento apresentado em resposta na cartilha Contra cita que: “O Parque Nacional do Iguaçu foi criado em 1939. A
chamada Estrada do Colono foi aberta em 1954, como uma picada no meio da mata, mas já de forma ilegal”. Tal argumento é
baseado na lógica de mérito pela antecedência, ou discurso do fundador, o que não necessariamente sustentaria sua relevância.
Entretanto, ao evocar a legalidade da estrada, independentemente de sua origem ou finalidade, o texto levanta uma importante
discussão, pois a lei constitui uma das bases democráticas que regem a sociedade, e será retomada adiante.
O seguinte ponto apresentado na cartilha Contra também contrapõe os argumentos fundamentados na existência da
estrada, expostos na cartilha Pró, ao estabelecer que “Os 18 quilômetros da antiga estrada desapareceram com a recuperação
da vegetação nativa. Abrí-los levaria ao desmatamento de 17 mil metros quadrados de Mata Atlântica, cortando ao meio um dos
últimos grandes remanescentes íntegros do bioma na Região Sul”. De fato, como aponta Ribeiro et al. (2009), o Parque Nacional
do Iguaçu é um dos únicos remanescentes no Brasil que abrigam áreas core, justamente pelo seu tamanho e integridade es-
trutural. Os impactos das estradas são reconhecidos justamente por alterar drasticamente a estrutura da vegetação causando o
efeito de borda (PÜTZ et al., 2011).
A estrada não existe legalmente e nem fisicamente, indicando a falsidade da afirmação “Nenhuma árvore será derrubada
para a instalação da Estrada-parque”, presente na cartilha Pró, e repetida pelo relator do projeto, Deputado Assis do Couto, em
reunião de apresentação da proposta no COMTUR2, em 2013. Na ocasião, ficou claro que o deputado nunca visitou a área e
desconhece os aspectos biológicos e ecológicos mencionados acima (Autor 1, obs. pess.).
Os argumentos 3 e 4 da Cartilha Pró, que indicam um erro do Plano de Manejo do Parque, podem ser considerados
falaciosos. O Plano de Manejo é um documento de gestão que pretende indicar as normas de uso do espaço. O fechamento da
estrada correspondeu a uma medida de gestão, e uma decisão tomada com base nos conhecimento da época, o que invalida os
argumentos expostos. Desse modo, se existe o desejo por mudar a decisão em relação à estrada, cabe questionar a revisão do
Plano de Manejo a partir dos fóruns legais. Essa mudança é plausível, mas deve ser fundamentada num processo democrático,
por e para a sociedade em geral, e não para atender interesses de grupos específicos ou como imposição política.
2
Conselho Municipal de Turismo de Foz do Iguaçu.
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Como resposta, a cartilha Contra apresenta: “A Estrada foi fechada definitivamente em 2001 sob ordem da justiça
federal quando a via já era reconhecida como a maior ameaça à integridade daquele Sítio do Patrimônio Mundial. Na época, o
Governo Federal se comprometeu junto às Nações Unidas a não permitir sua reabertura”. Ao evocar novamente a legislação e
clarear que o processo decisório partiu de um embasamento e planejamento, mostra consistência e adequação aos fatos.
O item 5, “Existem Estradas parque em todo Brasil”, não condiz com a realidade, pois essa categoria de UC não consta
da legislação brasileira (BRASIL, 2000). Consiste ainda em uma generalização, ou seja, mesmo se existisse essa categoria de
manejo, isso não significaria que a mesma deva ser implantada em qualquer local ou situação, na ausência de estudos prévios
sobre o impacto local de sua implementação. Neste caso o argumento contrário se faz apropriado dado o embasamento legal: “A
lei que regula o Sistema Nacional de Unidades de Conservação foi debatida por 20 anos no Congresso Nacional, foi lançada em
2000 e não reconhece estradas parque. Essa figura não carrega nenhum significado ambiental”.
Argumentos complexos
Entrevistas citadas ainda enfatizam o prejuízo ao turismo local, e a perda do Imposto de Circulação de Mercadorias e
Bens (ICMS) Ecológico. No caso do turismo, no entanto, não são citadas fontes ou pesquisas que corroborem essa perda de
atratividade vinculada à possível perda do título. Já no caso do ICMS Ecológico3, sabe-se que o Parque Nacional do Iguaçu re-
passa anualmente R$ 9 milhões a municípios em seu entorno, e arrecada R$ 17 milhões anuais com ingressos pagos pelos mais
de 1,5 milhões de visitantes. Os argumentos demonstram que a reabertura da estrada pode afetar negativamente a receita dos
municípios envolvidos, ao menos no que tange à perda de arrecadação com o ICMS Ecológico. Vale ressaltar que apenas dois
municípios dos quatorze localizados no entorno do PNI seriam afetados diretamente. A perda de arrecadação com turismo em
Foz do Iguaçu é, no entanto, contestável.
Talvez um dos pontos mais controversos acerca da reabertura da Estrada do Colono é a proposta de denominação
“estrada-parque”. Como já mencionado anteriormente, de acordo com a cartilha Pró, existem “estradas-parque em todo o Brasil”.
Para apoiar esse argumento, cita o caso de duas estradas localizadas em UC. A primeira, como o próprio texto explicita, não cons-
titui uma estrada-parque, e não deveria ser usada para reforçar o argumento. A segunda é a Estrada Real, que cruza o Parque
Nacional da Bocaina, até a cidade de Paraty/ RJ, caminho construído entre os séculos XVII e XIX para transporte de ouro. O trecho
da estrada localizado dentro da UC é, em grande parte, inacessível a carros. Nenhum dos casos apresentados se assemelha à
situação local e regional na qual se insere a Estrada do Colono.
A cartilha Contra aborda o tema desde sua perspectiva legal, e menciona as estradas-parque existentes em países como
Estados Unidos para evidenciar que o caso aqui apresentado não deveria ser caracterizado como tal. Isso porque nesses países
essa nomenclatura é usada fundamentalmente para estradas cênicas, o que difere a situação local. Cita ainda a abertura de
precedentes na legislação federal que rege o SNUC, permitindo a interferência estatal em assuntos federais:
Aprovar o projeto de lei é também ser conivente com a alteração indevida da legislação brasileira,
já que a proposta pretende alterar a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
e abrir um precedente com graves consequências para a conservação da biodiversidade. A inter-
ferência estadual em unidades de conservação federais, prevista no projeto, também será faci-
litada e deve enfraquecer gravemente o SNUC.
Esses precedentes, ao formar brechas na legislação federal, tornam-se aplicáveis a outras UC, em distintas regiões e
contextos. Nesse sentido, a reabertura da Estrada do Colono, e a mudança de nomenclatura da mesma para estrada-parque
afetaria negativamente não apenas a integridade do Parque Nacional do Iguaçu, mas também a integridade de outras UC na-
cionais, quer passem ou não por conflitos semelhantes. Nesse ponto, a cartilha cita que a estrada prejudicaria a imagem do
Brasil junto à comunidade internacional, com a qual o país mantém uma série de compromissos ambientais. Ademais Garcia e
3
O Paraná foi o primeiro estado a utilizar o ICMS Ecológico como forma de compensar municípios que possuíssem qualquer tipo de restrição para expansão de
atividades econômicas, em virtude da presença de UC ou áreas de mananciais em seus territórios (modificado de ICMS Ecológico, 2015).
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Baptiston (2014) citam o Projeto de Lei 7.123/2010 como um retrocesso ambiental por ignorar o bem comum e desprezar o núcleo
essencial do direito ambiental.
Esse argumento é relevante, visto que a reabertura da estrada-parque fere o inciso III do Art. 225 da Constituição Federal,
que versa sobre a alteração ou supressão de espaços territoriais protegidos apenas através de leis que as justifiquem, vedando
quaisquer formas de uso que comprometam suas integridades. Sendo assim, os efeitos de borda ocasionados pela reabertura da
estrada inviabilizariam sua reabertura, por afetar negativamente a integridade da UC, ocasionando a fragmentação de hábitats, e
afetando diretamente áreas de uso de espécies em risco de extinção.
Por fim, é importante retomar a questão sobre o sentimento de pertencimento, argumento forte, pois é resultado de cren-
ças, valores e experiências muito particulares, como também parte de um imaginário coletivo, difícil de ser desconstruído ou
modificado. Por este motivo, é utilizado como argumento para manipulação daqueles que são mais afetados pela questão. Neste
sentido, é importante destacar que o pertencimento pode ser compreendido de diferentes formas, uma delas como se as pes-
soas deveriam sentir que o parque pertence a elas, sendo uma maneira egocêntrica e utilitária de se relacionar com o espaço,
entendendo a floresta como mera provedora. A segunda forma de entender o pertencimento, é de que como seres naturais, as
pessoas pertencem ao ecossistema representado pelo parque, denotando uma ética ecocêntrica.
Sob essa ótica, e a partir da dinâmica socioecológica anteriormente apresentada, é relevante pensar a gestão ambiental
como um processo decisório que os homens, enquanto seres naturais e sociais, transformam e são transformados pelas decisões
que tomam. Portanto, saber onde se quer chegar enquanto sociedade é fundamental nesse caminho.
Considerações Finais
A análise dos argumentos aqui apresentada revela a existência de diversas motivações e interesses voltados à apropria-
ção do espaço representado pelo Parque Nacional do Iguaçu. Demonstrando uma posição favorável, ou contrária à reabertura
da Estrada do Colono, as proposições são fruto de um longo diálogo – ou a falta dele – entre as partes envolvidas. Evidenciam,
desse modo, um conflito internalizado que vem progredindo em argumentos ao longo dos anos, no qual se percebe que o setor
a favor da reabertura da Estrada transita a uma argumentação idealizada de uma estrada “ecologicamente correta” e inserida na
lógica econômica e interesses locais. O setor contrário, por sua vez, se posiciona salientando os riscos ambientais e políticos da
reabertura, porém, supervalorizando estes aspectos a partir um cenário catastrófico mediante a reabertura.
Dos argumentos propostos, três parecem ser fortes, configurando o cerne da discussão: i) A relevância ecológica deste
remanescente é um fato incontestável, com pesquisas suficientes que mostram esse valor e que comprovam as possíveis alte-
rações estruturais da floresta e suas consequências numa possível reabertura da estrada; ii) Existem fatores legais sérios a serem
considerados, como o retrocesso ambiental que caracterizaria a aprovação do projeto de lei; iii) O pertencimento é uma questão
fundamental em geral desconsiderada em ambos os argumentos. O Parque Nacional realmente não faz parte da “vida” dos mora-
dores do entorno, e a presença da estrada, desde essa perspectiva história, faz parte da luta da população local por acesso, por
um “resgate” de seus direitos históricos. O Parque, por outro lado, não faz, ou não conseguiu fazer parte dessa história.
Dados os distintos interesses, torna-se natural o surgimento de conflitos, fruto de decisões humanas imbuídas de distintos
valores, relacionados à utilização desses recursos. Percebe-se, no entanto, que a argumentação utilizada em prol do interesse
dos grupos estudados é centrada na discussão, e não na construção de conhecimentos integrados sobre o conflito gerado pela
Estrada do Colono e sem um objetivo comum. Segundo Penteado (1980, p. 233), “argumentar é discutir, mas principalmente, é
raciocinar, é deduzir e concluir. A argumentação deve ser construtiva na finalidade, cooperativa em espírito e socialmente útil”.
Esse raciocínio claramente não pode ser identificado nas exposições em prol ou contra a reabertura da Estrada do Colono.
Com base nessas considerações, propomos como forma de contribuir para a mediação do conflito: 1) Melhor divulgação
de ações de Educação Ambiental já existentes por parte dos gestores, como o programa de formação de professores da Educa-
ção Básica dos municípios do entorno; 2) Fortalecimento do Conselho do Parque Nacional do Iguaçu como fórum de discussão,
e fomento à participação da comunidade, e formação qualificada de seus componentes, em prol de discussões críticas; 3) Fo-
mento à pesquisa em educação ambiental e percepção do patrimônio, considerando a Estrada do Colono como estudo de caso,
para subsidiar ações aplicáveis à realidade local. Essas propostas possibilitariam uma melhor compreensão sobre importância
social, econômica e ecológica do Parque para os municípios do entorno, bem como uma aproximação entre os atores envolvidos,
gerando processos participativos e cooperativos de gestão.
BRASIL. Lei No 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui
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A GESTÃO PARTICIPATIVA NA REDELIMITAÇÃO DO
PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO PAPAGAIO, SUL DE MINAS
Resumo
O foco do artigo é o conflito socioambiental gerado com a instalação da Unidade de Conservação, Parque Estadual da Serra do
Papagaio, na Serra da Mantiqueira e o projeto de redefinição de seus limites. A região possui uma população tradicional, a cai-
pira, que apesar de ter conquistado o direito à permanência em seus territórios, na prática, isso raramente acontece, uma vez que
possui pequena articulação política para fazer valer seus direitos. As unidades de conservação que não permitem moradores tem
sido alvo de grandes problemas para as populações rurais no Brasil e no mundo; são criadas autoritariamente, as populações
são deslocadas e vistas como grandes inimigas da preservação ambiental. Contudo, apesar dos inúmeros conflitos relacionados
à manutenção da atividade econômica anterior, a permanência em seus territórios e ao processo ineficiente de desapropriação,
uma ação participativa foi implementada. Partiram de um mapa do Instituto Estadual de Floresta de Minas Gerais (IEF) e pro-
puseram um processo de redefinição dos limites do Parque. Essa gestão participativa, apesar de ser um passo democrático, não
conseguiu solucionar os conflitos que permanecem na região. A nova demarcação não foi aprovada na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais e os conflitos persistem.
Palavras-chave: Parque Estadual da Serra do Papagaio, Conflito Socioambiental, Comunidade Tradicional Caipira, Gestão Participativa.
Introdução
O Parque Estadual da Serra do Papagaio, PESP, foi criado em 5 agosto de 1998, de acordo com o Decreto Estadual
nº39.793, com uma área de 22.917 hectares, abrangendo áreas dos municípios de Baependi, Aiuruoca, Alagoa, Itamonte e Pouso
Alto (MINAS GERAIS, 1998). A instalação se fez em um território em que coexistem modos de vida distintos: o que pode ser con-
siderado tradicional, centrado em uma cultura rural; e outro, vinculado à sociedade urbano industrial, mas que apresenta alguns
rearranjos da contemporaneidade.
A região possui grande diversidade social e cultural, pois além da população tradicional caipira1 existente houve intensos
fluxos migratórios de centros urbanos do sudeste, com a ocorrência de transformações sociais, econômicas e também ambien-
tais. Além do PESP, houve a criação da Área de Preservação Ambiental da Mantiqueira (APA- Mantiqueira) originando grandes
conflitos socioambientais em decorrência dessa nova legislação ambiental implementada, tais como a proibição do uso da terra
pelas populações rurais tradicionais e desapropriações.
As comunidades tradicionais tem conquistado o direito legal de permanência em seu território2; contudo, com pequena
articulação política, a comunidade tradicional caipira não tem conseguido assegurar esse direito. No embate com a instalação
de unidades de conservação de proteção integral, as populações rurais têm sido consideradas grandes inimigas do ecossistema
e forçadas a abandonar seus territórios.
Os conflitos da região acontecem em decorrência da restrição do uso do território para atividades econômicas tradicio-
nais, como a pecuária leiteira, a proibição do uso do fogo para a manutenção dos pastos, a proibição de usar pastos que estão
dentro da área da unidade, mas que não foram devidamente desapropriadas e atravessar o parque com rebanhos para chegar
1
A população tradicional caipira foi definida por Darcy Ribeiro (2006) e Antônio Cândido (2001), como uma população rural com modalidades étnicas e culturais
específicas em regiões de São Paulo e Minas Gerais. A vida social caipira reproduz uma estrutura peculiar e descolada dos moldes capitalistas difundidos no mundo
todo. Valoriza o equilíbrio entre o trabalho e o lazer enfatizando sua independência inserida em seu sistema tradicional de produção. A região do entorno do parque
Estadual da Serra do Papagaio insere-se nessa definição, portanto denomina-se área cultural caipira.(CÂNDIDO, 2001)
2
De acordo com o Decreto 6040 de 07 de fevereiro de 2007, no Artigo 3 (BRASIL, 2007)
I-Garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural
e econômica.
II- Solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em território tradicionais e estimular a criação
de Unidades de Conservação de Uso Sustentável.
Figura 1. Mapa de localização do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Fonte: Instituto Estadual de Floresta – IEF (Plano de manejo)
3
Para definir o modo de vida da comunidade tradicional caipira do entorno do PESP foi utilizada a pesquisa de campo e em um diálogo com Antônio Candido, Darcy
Ribeiro, Antônio Carlos Diegues e Rinaldo Arruda, defini-los como tal, inserida em uma área cultural caipira. A observação participante foi fundamental para essa
analogia, partindo da definição de algumas regiões na pesquisa de mestrado e expandido para todo o PESP..
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O processo de implantação do Parque, assim como diversas outras unidades de conservação pelo mundo, traz à tona o
conflito entre a ocupação do espaço e a utilização dos recursos naturais pelas populações que vivem nas áreas e a preservação
do meio natural. Assim, a iniciativa do Estado em garantir a preservação por meio de desapropriação de terras particulares entra
em conflito com as diferentes culturas e o uso econômico que as sociedades sempre fizeram da terra.
Esse modelo de conservação e de instalação de unidades de conservação nos países pobres do sul se limita à conser-
vação do ambiente natural, desconsiderando as necessidades das populações locais e imaginando que a preservação só pode
acontecer na medida em que for totalmente separada das sociedades humanas (DIEGUES, 2000).
Embora as questões ambientais constituam um dos temas mais relevantes para a humanidade nesse início de milênio,
pois afetam os grupos sociais e as sociedades, as soluções propostas acompanham o modelo neoliberal e são pensadas sob
a ótica de técnicas modernas e do mercado, deixando de lado uma concepção humanista da natureza, onde os grupos sociais
também estão inseridos (DIEGUES, 2000).
As ideias de conservação da natureza, segundo Vianna (2008) insere-se justamente na necessidade de perpetuação mate-
rial e de valores da sociedade dominante, que se depara com a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais e busca a
própria sobrevivência, mas paradoxalmente acaba produzindo uma crítica ao próprio modelo.
O conceito de conservação, relativamente recente, é também definido sob os aspectos técnicos e científicos e possui tan-
tas definições como as correntes de pensamento sobre esse tema. A definição do Sistema Nacional de Unidade de Conservação
(SNUC) define conservação como:
Nesse sentido a conservação se aproxima do conceito de desenvolvimento sustentável.4 Entretanto, o modelo das uni-
dades de conservação adotado hoje para a criação das mesmas nos países pobres do Sul não corresponde ao projeto de lei
citado acima. O modelo norte-americano de proteção à vida selvagem, sem moradores, foi que se expandiu mundo afora, o que
causou e continua causando inúmeros conflitos no Brasil e principalmente nos países do Sul (DIEGUES, 2000).
A ideia de injustiça e racismo ambiental permeia esse debate, uma vez que os territórios onde habitam populações ne-
gras, indígenas, caiçaras, caipiras, ribeirinhas, pescadores, marisqueiros, jangadeiros, extrativistas entre outros, são cobiçados
por ações do governo que pretendem reterritorializá-las por empresas capitalistas. Estas visam ao atendimento do mercado e ao
desenvolvimento nacional, além da criação de unidades de conservação para a preservação da biodiversidade. Esses grupos
étnicos permanecem em um estado de vulnerabilidade e exclusão política e social, o que possibilita a sua expulsão de seus ter-
ritórios de origem, ainda que tenham direito à terra.
Os cientistas delimitam os espaços a serem preservados, os povos a serem excluídos ou esquecidos e legitimam seu
discurso por meio de um poder simbólico como aponta Bourdieu (2004). A construção do dito também faz parte da elaboração
do discurso e do ato narrativo das sociedades e consequentemente permite a construção do pensamento e do conhecimento,
imprimindo um sentido para a vida. “O conhecimento é a capacidade que tem a espécie em reproduzir os eventos vividos e não
vividos, mas aprendidos por meio da produção da experiência” (PEREZ-TAYLOR, 2006, p.130).
As ideias, as crenças, os modelos, ou os discursos existem porque são ditos e uma sociedade os ouve e os legitima, possi-
bilitando até que seja imposto para outra sociedade. Assim, quando os estadunidenses dizem que todos os homens e sociedades
destroem o ambiente natural, eles selecionam realidades vividas e abandonam outras das quais muitas comunidades convivem
com o ambiente e produzem um conhecimento por meio da compreensão da realidade, que passa ser a verdade.
Uma verdade da sobremodernidade ou da alta modernidade que cria espaços fortificados e isolados, “não lugares”, isto
é, transformam os lugares das comunidades tradicionais em espaços, onde a experiência vivida e o passado não são partilhados,
4
Segundo Diegues (1992) o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Partindo de dois
conceitos principais, enumerados pelo documento Nosso Futuro da Comissão Brudtland de 1987, de que haveria prioridade na satisfação da necessidade das cama-
das mais pobres e às limitações que o estado impõe ao meio ambiente além de introduzir noções de ética e política nas transformações das relações econômicas e
sociais.
Em contrapartida se o lugar é definido como um lugar relacional, identitário e histórico, se essas características não
existem, o lugar passa a ser um não-lugar. Produto dessas transformações que diversos autores chamam de modernidade, pós-
modernidade, alta modernidade ou sobremodernidade, os não-lugares se definem como despossuídos de memória, relação
social ou história.
Os não-lugares, contudo, são a medida da época; medida quantificável e que se poderia tomar
somando, mediante algumas conversões entre superfície, volume e distância, as vias aéreas, fer-
roviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte” (aviões, trens,
ônibus), os aeroportos, as estações e as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de hotéis, os
parques de lazer, e as grandes superfícies da distribuição, a meada complexa, enfim, redes a cabo
ou sem fio, que mobilizam o espaço extraterrestre para uma comunicação tão estranha que muitas
vezes só põe o indivíduo em contato com uma outra imagem de si mesmo (AUGÉ, 1994, p. 73).
Temos, portanto um rompimento com a relação afetiva e as memórias do lugar das comunidades tradicionais, restando a
elas uma procura ansiosa por uma saída. E isso pode gerar alianças e negociações ou ainda um conflito aberto (LITLLE, 2002).
Espaços que eram usados para sua reprodução sociocultural, de grande importância para as representações mentais, funda-
mentais para o sentido da vida e ao imaginário das sociedades, para sua economia baseada em métodos tradicionais de manejo,
(DIEGUES; ARRUDA, 2001) não mais podem ser utilizados como tais.
Portanto, as populações que são expulsas de seus territórios são impedidas de reproduzir seus modos tradicionais de
vida e esses territórios se transformam em áreas públicas. Entretanto, muitas ações estatais, ao invés de contemplar todas as
camadas da população, direcionam as ações em benefício de grupos específicos, acarretando, portanto a reprodução do racis-
mo ambiental e de inúmeros conflitos socioambientais (COSTA, 2011) Apesar de os território terem grande importância para as
comunidades, não são culturas estáticas no tempo e espaço, ao contrário, se transformam e sofrem influencias externas.
Dessa forma, a implantação desse Parque a que nos propomos estudar tem sido problemática, na medida em que as co-
munidades não são previamente consultadas e nem envolvidas nas discussões que definem as áreas a serem abrangidas pelas
unidades de conservação. Apesar de existir um conselho consultivo, sua criação ocorreu apenas em abril de 2006, contudo não
significou uma diminuição de conflitos, ou maior esclarecimento para a comunidade. Há falta de informação sobre os objetivos,
propósitos e possíveis vantagens o que torna o processo traumático para as populações locais, já que a manutenção de suas antigas
atividades econômicas torna-se inviável, sem uma contrapartida que lhes garanta o acesso a uma alternativa de geração de renda.
Os órgãos públicos ambientais IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e IEF
(Instituto Estadual de Floresta), então gestores da APA Mantiqueira e do PESP, respectivamente, começaram atuar na região na
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última década, quando entraram em contato com as populações do entorno por meio de fiscalizações, embargos e multas, pro-
vocando uma onda de aversão ao invés de promoverem uma conscientização ambiental fundamentada na participação social.
As dificuldades institucionais do IBAMA levaram à reformulação da gestão, na qual o Instituto Chico Mendes de Conservação e
Biodiversidade (ICMBio) passou a ser o gestor da APA Mantiqueira.
Nesse contexto de conflitos socioambientais, há grande incerteza sobre os limites do Parque Estadual, uma vez que
sua demarcação definitiva ainda não ocorreu, pois pelo Decreto foram incluídas algumas áreas produtivas, bairros rurais foram
incorretamente incorporados no desenho, acarretando inúmeros conflitos. Assim a correção dos limites foi sugerida pelo plano
de manejo e depois proposta no projeto de lei; contudo, o processo é lento causando descontentamento e insatisfação com a
Unidade, que não consegue propor alternativas de geração de renda para as comunidades e nem concluir as desapropriações.
Apesar de a ecologia social considerar o ambiente determinante ao desenvolvimento sociocultural das sociedades tradi-
cionais e discorrer sobre usos culturais que mantém a biodiversidade com grande utilização de recursos; muitas outras correntes
reconhecem a dificuldade de integrar o homem na teoria de conservação, havendo a difusão de atividades conservacionistas
consideradas autoritárias, como a implantação de parques nacionais e estaduais. Essas, muitas vezes, desconsideram direitos e
o conhecimento das populações tradicionais (DIEGUES, 2000).
Práticas conservacionistas muitas vezes desrespeitam os direitos civis das populações locais, pro-
movendo o seu deslocamento forçado das áreas transformadas em parques e ignorando seu vasto
conhecimento e práticas de manejo de florestas, rios, lagos e ambientes costeiros. Muitos dos
funcionários administradores de parques se comportam como verdadeiros senhores feudais, de-
cidindo arbitrariamente a vida de centenas ou mesmo milhares de pessoas que viviam na floresta
por várias gerações (DIEGUES, 2000, p.16).
A ecologia social é denominada por Alier (2012) como culto do silvestre ou à vida selvagem; estão preocupados com a
preservação da natureza silvestre, mas não levam em consideração a indústria ou a urbanização em suas análises; consideram o
crescimento econômico prejudicial. Outra corrente importante, o credo na ecoeficiência, preocupa-se com o manejo sustentável
dos recursos naturais e os problemas vinculados à contaminação nos contextos industriais, de pesca, da agricultura e de silvicul-
tura. Além das duas dominantes, o autor discorre sobre uma terceira e menos difundida corrente: o ecologismo dos pobres ou
popular, ou ainda justiça ambiental. Esse é um movimento pela justiça ambiental que nasceu dos conflitos ambientais em níveis
locais, regional, nacional e global causado pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. Ele ressalta que muitas
vezes os grupos indígenas e camponeses tem convivido sustentavelmente com a natureza e tem assegurado a biodiversidade e
enfatiza a necessidade de justiça social entre os homens (ALIER, 2012).
Nesse contexto, as comunidades tradicionais rurais que vivem no entorno do PESP tem sofrido a ação destas transforma-
ções. Enquanto alguns têm investido fortemente no turismo como alternativa de renda, muitas vezes abandonando as atividades
agropecuárias pré-existentes, outros mantêm sua característica agrária. Em decorrência do isolamento das comunidades, as re-
alidades podem ser bem distintas. A intensificação do turismo acontece em alguns municípios, como Aiuruoca e Itamonte, onde
existem diversas pousadas, vivem muitos habitantes que vieram das cidades e o fluxo turístico é intenso. No vale do Matutu em
Aiuruoca, as atividades agrícolas foram praticamente abandonadas, uma vez que a maioria da população caipira já não dispõe
de terra para o plantio em decorrência das subdivisões das heranças, da venda das propriedades e do fim do sistema de par-
cerias. As restrições ambientais foram também lá apontadas pelos moradores locais como uma das causas do fim do “tempo de
roçado” e início do “tempo atual”, quando os moradores têm que comprar todos os seus alimentos na cidade5.
Nas comunidades rurais de Baependi, as relações históricas e sociais são distintas e as atividades agrárias importantes.
O município tem a mais extensa área dentro do PESP, 40%, e as áreas já têm seu aproveitamento econômico limitado. Em
decorrência disto, as áreas de encostas e próximas aos cursos d’água deixaram de ser alternativas viáveis e produtos que an-
teriormente eram cultivados nesses brejos, como o arroz, tornaram-se inviáveis na região. Assim como a retirada de madeira
para a construção de casas e para a obtenção de fogo. Segundo o atual prefeito de Baependi, Marcelo Faria Pereira: “O projeto
ainda encontra resistência dos produtores (http://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivo/2013/06/25 _audiencia_publi-
ca_comissao_meio_ambiente_serra_papagaio.html)
5
Fundação Matutu/ Sebrae/ Projetho. Programa de desenvolvimento da Serra do papagaio. Relatório de diagnóstico socioeconômico da microbacia do riberão da
Água Preta, 2005.
6
O ArcGIS usa modelos de dados de SIG para representar a geografia e provê todas as ferramentas necessárias para criar e trabalhar com o dados geográfi-
cos. Isto inclui ferramentas para todas as tarefas de SIG: editando e automatizando dados, mapeando cartograficamente tarefas, administrando dados, realizando
análise geográfica, administrando dados avançados e desenvolvendo dados e aplicações na Internet. ( http://www.ctec.ufal.br/professor/rsr/apostila-arcgis/Capi-
tulo1_OQueEOArcGis.pdf
7
Todos os mapas foram elaborados pela Gerência de Monitoramento e Geoprocessamento da Diretoria de Pesquisa e Proteção à Biodiversidade do Instituto Estadual
de Floresta -DPBio/IEF e pelo Núcleo de Geoprocessamento e Inteligência Espacial da Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SE-
MAD de Minas Gerais em conjunto a gerência do Parque, sob coordenação de Manno França, conforme entrevista concedida pelo mesmo.
8
Informações concedidas pelo coordenador do projeto.
9
Manno França é filho do presidente da Fundação Matutu, situada em Aiuruoca e com extensas áreas no entorno do PESP e inclusive já foi seu presidente.
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Os princípios que orientaram o projeto foram: a retirada dos limites do PESP de propriedades com casas, com atividades
agrárias(pastos e lavouras da comunidade tradicional) ou sem relevância ambiental e em contrapartida a inclusão de áreas de
grande relevância ambiental que estavam fora do traçado e em consequência, sem qualquer proteção ambiental legal. Outro
aspecto relevante considerado foi a tentativa de minimização de conflitos com as comunidades do entorno e a otimização dos
recursos de implantação da UC, ao priorizar a inclusão de terras sem benfeitorias.
O trabalho de campo foi realizado nos cinco municípios que integram o PESP de acordo com a metodologia de cartogra-
fia social, desenvolvida pela Fundação Matutu e já utilizada previamente no projeto Comunidades da Serra do Papagaio dentre
outros projetos. Essa metodologia busca utilizar recursos simples de cartografia para facilitar o entendimento de imagens de
satélites e mapas.
Reuniões foram agendadas com a população do entorno, em todos os municípios separadamente e à medida que cada
proprietário foi entendendo o polígono de sua propriedade, foram sendo desenhadas pela equipe técnica, novas linhas de pro-
postas para os limites do PESP. Essas linhas buscaram atingir um consenso com cada proprietário, portanto podemos considerar,
segundo os coordenadores do projeto, que o trabalho foi absolutamente participativo e também um modelo inédito no processo
de revisão de limites de unidades de conservação, já que a ideia geradora do processo era conseguir construir um limite de
consenso para o Parque, a partir da visão das comunidades rurais e dos proprietários de terras do entorno.10
Após realização desse mapa (Figura 2) houve a apresentação do Projeto de Lei de nº3.697/13, com intuito de alterar os
limites para, segundo o relator do projeto, deputado Dalmo Ribeiro Silva, corrigir erros do projeto original com base em novas
pesquisas técnicas do IEF. A proposta seria acrescentar 4.993,62 hectares e por outro lado retirar 2.837,47 hectares o que acarre-
taria em uma área total de 26.116,86 hectares. (MINAS GERAIS, 2013). Segundo o Coordenador do projeto, essas áreas retiradas
seriam áreas que foram indevidamente inseridas no traçado anterior e deveriam ser corrigidos para minimizar os conflitos. Isso
havia acontecido por falta de tecnologia disponível no momento de demarcação “Queremos melhorar esse desenho a partir da
tecnologia atual. Consideramos, para o projeto, o que está lá dentro que tem relevância ambiental, mas que gera conflitos, e o
que está do lado de fora e que pode ser acrescentado. Pretendemos diminuir esses conflitos.”
11
Manno França é filho do presidente da Fundação Matutu, situada em Aiuruoca e com extensas áreas no entorno do PESP e inclusive já foi seu presidente e foi
cordenador do projeto.
12
Entrevistas realizadas com Filipe Condé, secretário de turismo e meio ambiente de Baependi e Paulo Maciel, ex- president da SEMADI e proponente da Estação
Ecológica do Papagaio, primeira unidade criada que depois foi substituída pelo Parque e Notas taquigráficas de Audiências públicas.
13
Reivindicação apresentada por Filipe Condé na 34 reunião ordinária do Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra do Papagaio.
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Considerações Finais
Como conclusões preliminares desse estudo de caso nesses 17 anos de conflitos socioambientais em decorrência da
criação da Unidade de Conservação de uso integrá-lo Parque Estadual da Serra do Papagaio podemos dizer que:
Diferentes atores e grupos sociais estiveram envolvidos: a população rural tradicional, grupos religiosos, grupos políticos,
ambientalistas e órgãos gestores do Estado. E nesse jogo de forças políticas, a busca por soluções do conflito tem se polarizado
em torno de interesses locais e particulares e oscilado de acordo com o apoio político conseguido junto à administração pública
Estatal e aos órgãos gestores da Unidade. Ou seja, quando um grupo político articulou apoio político suficiente, conseguiu efeti-
var grande mobilização junto aos órgãos públicos e à população local para realizar o projeto de redefinição dos limites do Parque.
Mesmo sem uma articulação política enquanto comunidade tradicional caipira, as populações rurais conseguiriam alcançar
algumas demandas pretendidas há décadas.
Contudo, os grupos da região possuem interesses distintos e diversas visões sobre o processo ambiental e territorial e
inclusive sobre a manutenção de atividades econômicas tradicionais da comunidade caipira; assim o processo foi barrado pelas
influências políticas e de interesses no âmbito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, gerando uma atmosfera de grande
insegurança para os moradores do entorno que estão dentro do traçado antigo, mas fora do traçado novo e não podem manter
suas atividades econômicas. Além disso, é grande a insatisfação da população o que acarretou o maior incêndio ocorrido na
região no ano de 2014, como 6.000 ha queimados ou 30% do PESP. A comunidade tradicional, criadora de gado, não pode manter
o pasto ou fazer uso das suas terras e que não foram desapropriadas, gerando revolta.
Com isso, partindo da definição de conflitos tratáveis e intratáveis de Little (2004), que define que certos conflitos são in-
tratáveis, portanto não são passíveis de resolução a não ser com a introdução de mecanismos que possam geri-los para diminuir
o grau de polarização entre os grupos, proponho como possível recurso para minimizá-los a introdução de mediadores capa-
citados. Que procurem clarear para os órgão gestores os elementos causadores de descontentamento para buscar uma solução
comum e não polarizada em interesses ou vista autoritariamente como tradicionalmente é a posição desses órgãos.
Mesmo tendo um espaço de diálogo no Conselho Consultivo, as reuniões são sempre belicosas e polarizadas e parecem
não conseguir o propósito de apaziguar a tensão e permitir que o projeto avance. A posição do órgão gestor também pode ser
considerada autoritária, pois quando levantam-se críticas ao processo, sempre alerta aos conselheiros de que o conselho é con-
sultivo e não deliberativo ao invés de procurar alternativas para minimizar os conflitos.
Enfim, a abertura para um diálogo, no processo de redefinição das unidades de conservação, entre elas o Parque Es-
tadual da Serra do Papagaio, apesar de não significar a solução do problema anunciado, é um passo importante no processo
de democratização no Brasil. Apesar de não haver uma discussão ao modelo de desenvolvimento e se ele é apropriado nesse
território, a possibilidade de criação de um novo desenho dos limites do Parque, em um contexto de participação popular é um
passo importante e pode apontar novos rumos para a compreensão das dinâmicas socioambientais e indicar formas mais ade-
quadas de gestão do território.
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CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO GANDARELA:
PARA QUÊ E PARA QUEM?
Resumo
A Serra do Gandarela é um dos últimos locais do Quadrilátero Ferrífero a ser explorado. Neste ambiente, comunidades rurais
buscam o seu desenvolvimento frente à luta por ambientalistas na conservação da área e de mineradoras na extração mineral.
André do Mato Dentro, uma comunidade rural, se encontra em uma situação delicada, após a conquista da criação do Parque
Nacional do Gandarela, a comunidade próxima aos limites do parque pode ser um destino interessante para as mineradoras.
Desse modo, diferentes interesses e perspectivas relacionam-se com o modo de apropriação e sobreposição dos recursos e do
território nesta região. Diante do exposto, este estudo tem como objetivo averiguar a situação das mineradoras frente ao desen-
volvimento rural local além de analisar a potencial vulnerabilidade das populações do entorno após a criação do Parque Nacional
do Gandarela; as consequências, perspectivas, conflitos e entraves que envolvem o caso.
Palavras-chave: Desenvolvimento Rural, André do Mato Dentro, Mineração, PARNA Serra do Gandarela.
apresentam porosidade e estruturas que facilitam a penetração profunda da água das chuvas.
Durante esse processo, a água é infiltrada naturalmente e armazenada abaixo da superfície, nas
camadas onde está o minério, formando uma imensa caixa d’água do aquífero (MOVSAM, 2010).
Essa água abastece mais de mil nascentes, dezenas de cachoeiras e diversos cursos d’água, tais como as Bacias do rio
das Velhas e São Francisco e do rio Piracicaba e Doce, abastecendo também à população de Belo Horizonte e de várias outras
cidades da região metropolitana (MOVSAM, 2010).
As cavernas são outros atrativos dessa região. Segundo o Instituto Águas do Gandarela, já foram registradas mais de 100
cavernas raras e que abrigam espécies únicas, além de vestígios arqueológicos de grande importância que “contam a história
das mudanças climáticas que ocorreram ao longo do tempo nesta região” (PROJETO MANUELZÃO, s.d.).
Essa região tem grande importância do ponto de vista econômico, uma vez que nela se concentram peculiares depósitos
de ferro (RUCHKYS, 2007; LAMOUNIER, 2009; NETTO, 2010.) como, também, depósitos de ouro, ocre, limonita, bauxita, brita,
calcário e urânio (LAMOUNIER, 2009; NETTO, 2010).
Como em todo o Quadrilátero Ferrífero, a Serra do Gandarela, também está inserida num contexto de mineração e, por
isso, a região vem sofrendo nos últimos anos com as pressões, resultantes da acentuada atividade mineral. Um dos projetos de
grande relevância pelo porte do empreendimento é o projeto da mina Apolo da Vale S.A. O projeto deverá ocupar uma área total
de 1.758 hectares e prevê como atividades principais a lavra, beneficiamento e carreamento de minério de ferro. Estima-se que a
mina deverá produzir 24 milhões de toneladas de minério de ferro por ano (Mtpa) de altíssimo teor durante os próximos 17 anos
(AMPLO, 2009).
Em 2009, cidadãos e entidades, unidos em prol da conservação da Serra do Gandarela desde 2007, solicitaram ao Insti-
tuto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a criação de um Parque Nacional nessa região. Essa iniciativa
demonstra como a sociedade vem se preocupando com a conservação do “natural”, e insere esse tema na discussão da agenda
pública internacional (DIEGUES, 2001).
O Parque Nacional criado possui limites que deixaram de fora as áreas com maior número de
atributos que justificam a Unidade de Conservação federal, inclusive aquelas que garantem a
quantidade e a qualidade das águas, reserva estratégica para Belo Horizonte. Além disso, não
respeitaram o pedido da Reserva de Desenvolvimento Sustentável, RDS, feito pelas comunidades.
Só respeitaram os interesses da mineração e da Vale. Assim, esta Unidade de Conservação não é
uma conquista de quem tanto lutou para preservar a Serra do Gandarela (MOVSAM, s.d).
Fruto dessa complexidade de atores, interesses e estratégias, há o surgimento e intensificação de conflitos (a serem
analisados a seguir) que podem ser caracterizados como territoriais e espaciais (ZHOURI;LASCHEFSKI, 2010). Segundo Zhouri
e Laschefksi,
(...) os conflitos ambientais territoriais marcam situações em que existe sobreposição de reivindi-
cações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas,
sobre o mesmo recorte espacial (Ibid, p.7).
O caráter espacial dos conflitos ambientais evidencia os conflitos causados por efeitos ou im-
pactos ambientais que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou grupos
sociais (...). Ressaltam-se por serem decorrentes de situações em que as práticas sociais de um
grupo provocam efeitos ambientais negativos que afetam outros grupos através dos fluxos espa-
ciais (Ibid, p.9).
Diferentes sujeitos e projetos estão envolvidos no uso e apropriação do território e dos recursos minerais. Como conse-
quência, identificamos diferentes tensões na região, envolvendo entidades da sociedade civil (ONGs ambientais), empresas de
mineração, órgãos ambientais (responsáveis pela criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela) e as comunidades locais.
Uma dessas comunidades é André do Mato Dentro, que dista 36 km da sede do município de Santa Barbara. Segundo o
site da Prefeitura de Santa Barbara, o nome de André, está relacionado a meados do século XIX, quando a região era conhecida
como fazenda de André, que mais tarde daria nome ao vilarejo de André do Mato Dentro.
Estima-se que a população possua 38 famílias, sendo chamada de comunidade de André. Dentre as diversas atividades
econômicas locais, as que possuem mais adeptos são Apicultura, influenciada pela proximidade de Santa Barbara, grande
produtora e embaladora do mel. A colheita de musgo para enfeites e arranjos artesanais e a silvicultura, como complemento de
renda com a produção de eucalipto. Essas e outras atividades são executadas predominantemente pelos homens, enquanto as
mulheres são responsáveis pelo cultivo e manutenção dos quintais.
Existem algumas peculiaridades da comunidade que só podem ser observadas por aqueles que se propõem a viajar
até lá, isso porque a ausência de informações sobre ela dificulta o conhecimento prévio de suas práticas, como por exemplo, a
importância dada aos quintais, que representam muito mais do que a extensão da casa e sim um mundo de significâncias assim,
quintais cultivados dizem muito sobre aqueles que residem em tal região.
Os moradores têm uma relação de proximidade, uma vez que são formados por pequenos grupos familiares, além disso,
a comunidade possui uma escola, uma quadra de futebol e uma igreja, o que torna o grupo mais coeso e cria um ambiente de
socialização.
Percebemos que apenas em um elevado grau de abstração da realidade os conflitos envolvendo os diferentes interesses
de uso para o território serão superados e os entendimentos tornarão passiveis de ocorrência (CARNEIRO, 2005), o que contraria
a afirmação dos técnicos do ICMBio que, durante encontro para a elaboração da proposta de consenso entre o ICMBio e a SE-
MAD em prol da conservação da Serra do Gandarela, ocorrido em agosto de 2011, alegaram que “há possibilidade técnica de
compatibilização de atividades conflitantes que estavam em processo de licenciamento” (SEMAD/MG; ICMBio, 2011).
Nesse sentido, é possível inferir que a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela pode ser considerada uma
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medida mitigatória (sem referir-se ao contexto do licenciamento ambiental), que servirá não só para acalmar os ânimos dos am-
bientalistas que lutam pela criação dessa unidade de conservação na região, mas também para repassar a ideia de um processo
sério e responsável com a “defesa” do meio ambiente (ROJAS, 2014, p.129). Trata-se, portanto, do jogo político de mitigação, ca-
racterístico da lógica desenvolvimentista de “adequação ambiental”, em que sociedade e ambiente devem se inserir nos projetos
que visam o desenvolvimento econômico (ZHOURI, 2008).
Conforme aponta Carneiro (2005):
os agentes do campo da política ambiental terminam por promover o consenso de que a dinâmica
do jogo que nele se joga deve estar limitada, por um lado, pelo cuidado em não obstaculizar os in-
teresses da acumulação e, de outro lado, pela necessidade, para a própria sobrevivência do campo
e dos proveitos que ele oferece a seus agentes, de obter “mitigações ambientais”. É precisamente
nesses termos que os agentes podem se legitimar apresentando, à sociedade e a si mesmos, uma
imagem de campo da “política ambiental” como um jogo sério e responsável, no qual os cuidados
com a “defesa do meio ambiente” como um “bem público” não se curvam mecanicamente aos “in-
teresses econômicos, mas também não os obstaculizam “irresponsavelmente.”(CARNEIRO, 2005
apud ZHOURI, 2008, p.100).
Diante do exposto, esse estudo tem como objetivo averiguar a situação do desenvolvimento rural local frente às mine-
radoras além de analisar a potencial vulnerabilidade das populações do entorno em relação à criação do Parque Nacional da
Serra do Gandarela, às consequências, perspectivas, conflitos e entraves que envolvem o caso. A metodologia consiste em uma
discussão teórica sobre a temática envolvendo populações locais e áreas protegidas, bem como seus conflitos. Para a discussão
do tema proposto foram realizadas visitas à comunidade de André do Mato Dentro, onde foi possível realizar rodas de conversas
com os moradores locais, abordando suas perspectivas para após a criação do PARNA Gandarela.
(...) não há concorrência entre parque e mineração... A criação (do parque) pode ser um “pas-
saporte verde” para o setor minerário caso este apoiasse a criação da unidade de conservação.
(Presidente ICMbio, SEMAD/MG, 2012).
Na proposta inicial, apresentada pelo ICMBio em 2010, o Parque abrangeria uma área total de 38.210 hectares, cujos
limites incluíam seis municípios: Rio Acima, Raposos, Caeté, Santa Bárbara, Nova Lima e Ouro Preto e protegeria integralmente
os remanescentes de canga, campos rupestres sobre quartzitos, cavernas e algumas das mais importantes cachoeiras da região.
Entretanto, a área realmente demarcada para a criação do PARNA foi reduzida significativamente para 35 mil hectares, compro-
metendo grande parte das nascentes, além de não considerar a proposta das comunidades locais, para criação de uma Reserva
de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que permitiria que os moradores continuassem a exercer suas atividades.
Assim, a criação do PARNA nesses moldes (área de proteção integral), torna a comunidade local vulnerável, uma vez que
estabelece um uso territorial incompatível ao desenvolvimento de atividades tradicionais, como a apicultura e o extrativismo ve-
getal. Também, priva essas comunidades do uso dos recursos naturais, extremamente importantes, para garantir a sobrevivência
de seus grupos familiares. Sendo assim, é possível perceber que há uma “distribuição ecológica” dos custos e benefícios de pro-
teção da natureza (MARTÍNEZ-ALLIER, 1999). Insatisfações a esse respeito foram apresentadas por Rojas (2014), que, através
de relatos colhidos durante uma Audiência Publica do projeto da mina do Apolo, demonstram como os moradores sentem-se
insatisfeitos com a falta de incentivo, oportunidade e planejamento do estado, em alternativas de trabalho, que contemplem os
trabalhadores rurais e dê oportunidades para que eles possam continuar trabalhando, vivendo e preservando o meio ambiente e
suas terras. Além disso, tais relatos revelam que os conflitos envolvendo as empresas mineradoras e a população local são anti-
gos e recorrentes. Especificamente com a empresa Vale, já foram abertos vários processos juntos ao Ministério Publico, desde
1998, durante uma obra para criação de uma estrada, situadas em cima de algumas nascentes de água.
De modo geral, esse descontentamento é causado pelos impactos negativos, diretos e indiretos, causados por essas em-
presas, durante todo o processo de mineração, tais como, aumento do trânsito local, poluição dos rios e nascentes, mortandade
de peixes, impedimento aos moradores de exercerem atividades agrícolas e extrativistas, dentre outros.
Diante dos relatos, vemos ainda a tentativa de burlar e fragmentar o empreendimento, a fim de facilitar o processo lici-
tatório. Assim, “leis e normas são reinterpretadas ou “adequadas” de forma a não impossibilitar projetos econômicos particulares
que, via de regra, são anunciados como de interesse público” (ZHOURI et al., 2005, p.99). Percebemos que as comunidades
atingidas são negligenciadas e passam a ser apenas legitimadoras de um processo previamente definido (ZHOURI et al., 2005).
Por outro lado, o PARNA Gandarela conforme foi criado atende à demanda de outros grupos sociais, formados por
movimentos e entidades ambientalistas, moradores de condomínios na região e cientistas inspirados na corrente de pensamento
preservacionista. Entretanto, a adoção desse modelo preservacionista, advindo dos países do Norte, e as políticas ambientais de
proteção da natureza, oriundos da dicotomia entre ser humano e natureza, foram, e continuam sendo responsáveis por inúmeros
e crescentes conflitos ambientais que dizem respeito a uma visão inadequada, autoritária e excludente de se proteger e conser-
var o mundo natural (DIEGUES, 2001; ROJAS 2014).
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Ainda nesse contexto há outros entraves, causados pela exploração mineral na região. Exemplo disso deve-se à instalação
de empresas nacionais e transnacionais que ocupam um espaço ambiental maior do que o próprio território, resultando a uma
dívida ecológica (MARTÍNEZ-ALIER, 1999) e, trazem uma ameaça à descontinuidade dos modos de vida da população, além de
interferir diretamente sobre as atividades econômicas locais, como a coleta de musgo e a apicultura, já que há uma justaposição
do território. Vemos ainda que essas atividades minerárias consistem em um modelo de desenvolvimento diferente daquele que é
praticado pela população local do Gandarela; e essa sobreposição de modos de vida de dois grupos sociais distintos, caracteriza
também a incidência de conflito espacial (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010), fruto da poluição sonora, visual e aquática, causados
pelas atividades minerárias e que afetam drasticamente a qualidade de vida da população. De acordo com Leff (2001).
Portanto, é fácil de perceber a influencia das empresas de mineração nas tomadas de decisões e ações públicas gover-
namentais, que privilegiam apenas um determinado grupo social e impõem uma única forma de uso e apropriação do território,
inviabilizando outras formas de se relacionar com o espaço e o meio ambiente. Logo, projetos industriais homogeneizadores do
espaço, tal como a mineração, são geradores de injustiças ambientais, pois ao serem implementados, causam danos às cama-
das mais susceptíveis da sociedade (ZHOURI, 2008).
Considerações Finais
Os arranjos na distribuição do poder sobre o território e os recursos naturais privilegiaram limpida-
mente o crescimento econômico e o grande capital, em prejuízo dos modos de vida e reprodução
das comunidades locais (ROJAS, 2014).
A vida rural é cercada de símbolos e significados para os moradores do Gandarela, em especial o povoado de André
do Mato Dentro. A ligação dos indivíduos com a paisagem, com os valores tradicionais, com o cheiro e a textura presentes no
campo pela manhã e o café do fim da tarde é imensurável a eles. A Serra do Gandarela, com todas as suas características físicas
e biológicas exige muito da rotina de quem nela habita, promove a adaptação de técnicas de plantio, inspira a religiosidade,
provoca a questão de gênero, faz com que a rotina seja repensada a fim de suprir questões impostas pela própria serra. As vidas
dos andreenses-do-mato-dentro foram moldadas e os elementos da paisagem estão diretamente relacionados à identidade de
cada um dos moradores do povoado.
Um lugar tão rico, múltiplo propicia a coexistência de interesses. Os moradores da Serra do Gandarela, com destaque
a comunidade de André do Mato Dentro, associados a pesquisadores e ONGs buscaram proteger este santuário natural e a
solução encontrada foi a militância por um parque nacional, o PARNA Gandarela.
Entretanto, a região também é interessante às mineradoras, que têm nesta área um espaço com grande potencial e ainda
pouco explorado de minério. As demandas de produções globais exigem a extração de grandes volumes de matérias-primas.
Assim, resta aos países periféricos, a intensificação das explorações naturais, a fim de manter-se economicamente através dos
valores de mercado, o que leva à destruição dos modos de vida de grupos sociais tradicionais e trás consigo a padronização da
sociedade nos moldes ocidentais, isto é, promove uma monocultura cultural e uma enorme perda de biodiversidade.
Identificamos aí um paradoxo evidente, uma vez que, em prol do crescimento econômico e da superação das desigual-
dades, tem se impulsionado a acentuada polarização social. Em sua obra, Dupuy (1981) retrata (eximiamente) essa incoerência:
Portanto, enquanto houver o deslocamento da esfera política e social para a esfera econômica, e enquanto direitos e
sujeitos coletivos forem invisibilizados, teremos a permanência desse jogo de mitigações e adequações e a marginalização das
comunidades. Conforme já discutido por outros autores citados nesse estudo, faz-se necessário a discussão da finalidade dos
empreendimentos e das ações de conservação.
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USO E CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELOS POVOS
INDÍGENAS DE RONDÔNIA E NOROESTE DO MATO GROSSO
Resumo
Este trabalho apresenta uma discussão sobre o conceito de natureza e o manejo e uso e conservação dos recursos naturais pelos
povos indígenas. A metodologia contemplou levantamento bibliográfico e pesquisa participante, esta propiciada pela participa-
ção no curso em licenciatura em educação básica intercultural, no qual participam 15 povos indígenas de Rondônia e noroeste
do Mato Grosso. Registraram-se os conhecimentos indígenas em relação ao uso e conservação dos recursos naturais, os quais
relacionam se com sua cosmologia.
Introdução
Este trabalho apresenta uma discussão sobre o conceito de natureza, o manejo e uso e conservação dos recursos naturais
pelos povos indígenas que vivem entre os Estados de Rondônia e noroeste do Mato Grosso. Os povos indígenas citados neste
trabalho são: Arara-Karo, Cinta Larga, Ikoleng- Gavião, Djereomitxi, Paiter-Surui, Sabane, Wari, Zoró (Figura 1).
Sabe-se que os povos indígenas de Rondônia, assim como os demais povos que vivem no Brasil têm seus territórios
ameaçados por diversas invasões (como por exemplo, de garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, posseiros), e pela ocupação
do entorno de suas terras, pela expansão da fronteira agrícola e aumento das áreas urbanas. Neste contexto propostas de dis-
cussões sobre o uso e a conservação dos recursos naturais são fundamentais para a manutenção e a valorização dos conheci-
mentos indígenas e dos recursos que guardam em suas terras.
Embora ainda exista rica sociodiversidade, em Rondônia ocorreram grandes massacres contra os indígenas extermi-
nando vários povos e dizimando a população dos que sobreviveram.
De acordo com estudos etno-históricos feitos por Denise Maldi (1983), é notável o numero de povos indígenas extintos
na região de Rondônia, que desde o século XVIII começaram a ser dizimados. Pela visão etnocêntrica colonialista, a ocupação
da Amazônia deu-se, sobretudo, em “espaços vazios”. No entanto a área do atual estado de Rondônia foi o território de inúmeros
povos indígenas “a chegada do colonizador iria desencadear uma série de movimentos migratórios dos povos que fugiam ao seu
domínio.” (MALDI, op. cit., p.7-9) A penetração durante o século XVIII ocorreu principalmente através dos rios: Madeira, Mamoré
e Guaporé. “No século seguinte, os interesses que articularam a economia da província do Mato Grosso (pecuária, açúcar, erva-
mate), iriam deixar fora por um bom tempo a área hoje delimitada por Rondônia” (MALDI, op.cit., p.7-9).
Rondônia foi mais recentemente, a partir dos anos 1970, conhecida como o ‘novo eldorado’ ou seja, é uma região consi-
derada como o maior pólo de atração de migrantes do país (MALDI, op. cit., p.16).
no final de 1981, todas as áreas indígenas de Rondônia estavam em processo regular de delimi-
tação ou de interdição. A disparidade do processo de desenvolvimento de Rondônia redundou
também na ocupação desordenada, violenta e acelerada de algumas regiões – o eixo da BR 364-,
e numa ocupação menor, sobretudo, no vale do Guaporé (MALDI, op. cit., p.97).
Assim, a partir do asfaltamento da BR 364 na década de 1980, a ocupação da região pelos colonos se intensificou, o que
deflagrou intensos impactos nos recursos naturais, com grandes áreas de desmatadas, queimadas, invasões nas terras indíge-
nas e em unidades de conservação (FEARNSIDE , 2009).
Neste contexto, entende-se que diferentes visões de mundo estão em confronto, pois, de um lado, os povos indígenas; e
de outro, o mundo “ocidental” firmaram diferentes conceituações sobre a natureza. Para os ocidentais a natureza pode ser con-
trolada e/ou dominada, enquanto para os povos indígenas a relação com a natureza é uma relação social, na qual todos os seres
Área de estudo
Situação territorial, população, de cada um dos povos indígenas citados
Os povos Arara Karo e Ikoleng Gavião vivem na Terra Indígena Igarapé Lourdes, município de Ji-Paraná /RO; suas popu-
lações são respectivamente em torno de 300 e 800 pessoas. O povo Cinta Larga vive na terra indígena Roosevelt; contava em
2012 (SESAI), com cerca de 1750 pessoas, domiciliados em Espigão do Oeste. Os Paiter-Surui têm suas aldeias localizadas na
terra indígena Sete de Setembro, que fica, em parte, no estado de Rondônia; e em parte, em Mato Grosso. A população Paiter é
de cerca de 1500 pessoas. O povo Zoró vive na terra indígena Zoró, que está situada no estado do Mato Grosso; sua população,
em 2010, era de 650 pessoas de acordo com a Associação Pangyej. Os Sabane estão divididos entre as terras indígenas Parque
do Aripuanã entre Rondônia e Mato Grosso, e terra indígena Pirineus de Souza, no Mato Grosso. Segundo o censo realizado pela
Fundação Nacional de Saúde, no primeiro semestre de 2010, sua população era estimada em 293 indígenas. O povo Djereomitxi
também conhecido como Jabuti, conta com uma pequena população em torno de 200 pessoas (SESAI, 2012) distribuída em
várias aldeias, nas terras indígenas Rio Branco/RO e Rio Guaporé/ RO.
O subgrupo Oro waram Xijein pertence ao povo Wari, povo com maior população do estado de Rondônia, contando com
aproximadamente 4000 pessoas. Vivem em suas terras demarcadas que situam se nos municípios de Costa Marques Guajará
Mirim e Nova Mamoré, nos limites Brasil-Bolívia. As terras indígenas Wari são: Lage, Rio Negro Ocaia, Pacaás Novos, Rio Gua-
poré, Sagarana, Ribeirão.
Importante salientar que as Terras indígenas Igarapé Lourdes, Sete de Setembro, Roosevelt, Zoró, Parque do Aripuanã
formam o Corredor Tupi Mondé, sendo esta uma área significativa para a conservação da sociodiversidade, assim como da bio-
diversidade. As terras indígenas Karitiana, Karipuna, igarapé Ribeirão, igarapé Lage, Uru eu wau wau, Rio Negro Ocaia, Pacaas
Novos, Sagarana, Rio Guaporé e Massaco pertencem ao Corredor Ecológico Guaporé-Itenez-Mamoré, criado em 2001. Estas
duas áreas que formam os corredores deveriam ter a área circunvizinha protegida, como um importante espaço contínuo de
floresta; no entanto observa-se que não há nenhuma proteção efetiva neste entorno das terras indígenas, e estas têm se tornando,
assim como as demais terras indígenas, ilhas de biodiversidade.
Os povos Cinta Larga, Ikoleng-Gavião, Paiter-Surui, Zoró são falantes da língua Mondé do tronco linguístico Tupi. O povo
Arara-Karo é o único representante da família Ramarama, tronco linguístico Tupi. O povo Djereomitxi tem sua língua classificada
como do tronco Macro-Jê. Oro waram Xijein são falantes da língua Txapacura. E, por fim, os Sabane, grupo Nambiquara, falam
uma língua considerada isolada.
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Figura 1. Mapa da localização das terras indígenas de Rondônia. Fonte Labget/UNIR, 2014.
Metodologia
A metodologia adotada contemplou levantamento bibliográfico e pesquisa participante, esta propiciada pela minha par-
ticipação como professora no Deinter- Departamento de Educação Intercultural da Universidade Federal de Rondônia, no qual
participam 15 povos indígenas de Rondônia e noroeste do Mato Grosso. No curso para formação de professores indígenas foram
realizadas pesquisas interculturais com textos e coleta de depoimentos, estes com consentimento dos indígenas. Neste trabalho
buscou-se contemplar uma pequena parte da rica sociodiversidade do estado de Rondônia.
“Os recursos naturais que nós necessitamos na nossa terra indígena são recursos da floresta e
da roça. Alguns animais que servem como alimento como o porcão, o veado, a anta, a paca, o
tatu, o catete e outros. Esses são os recursos naturais que cuidamos para não acabar. Os animais
que podemos caçar, mas só a quantidade certa, não caçar muito, caçar só para o seu sustento, o
peixe mesma coisa pescar só quantidade certa também. Tudo tem que ter limite.”
Igualmente para o povo Cinta Larga, é observada a restrição na quantidade de caça: “Na época
da mutuca – kijalaweej as famílias saem da aldeia para acampar na mata e assim caçam a anta.
Apenas caçam para seu próprio consumo não vendemos o animal do mato.” (Jaco Cinta larga)
Outro exemplo relacionado com a caça da anta, importante alimento para os povos indígenas, é salientado por Alina
Jabuti , do povo Djereomitxi:
“A carne de anta é muito importante para a nossa alimentação, faz bem a nossa saúde gostamos
de comer a carne de anta. Do couro da anta fazemos o tacacá que é uma comida tradicional do
povo Djereomitxi. Com o aumento da nossa população é preciso caçar duas antas para alimentar
a todos. A carne e anta é dividida pelas famílias. A anta é caçada no ano todo no inverno; e no
verão, uma vez por mês. Na minha análise, a anta não está correndo o risco de extinção pelo povo
jaboti, porque os homens caçam conscientes, não matam muito.”
Da mesma forma para o povo Sabane, deve-se caçar a anta apenas quando a necessidade de realização de um impor-
tante ritual de sua cultura:
“A anta é um animal que vive na floresta; é grande, a cor dela é preta. A carne da anta é igual à de
boi; a sua comida preferida é o buriti, mas também come outras frutas como jambo da mata, caju
do mato e pequi do mato. O povo Sabanê, mata a anta para comer; eles matam no pé de frutífera;
ou também, na trilha onde ela anda para ir comer as frutas. Mas só caçamos quando tem festa da
menina moça, porque nessa festa vai ter muito visitante da outra aldeia. Porque o povo Sabanê
não pode matar para estragar, pois assim que nós usamos a carne de anta” (Ivonete Sabane).
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Assim, também é relatado por Arão Wao Hara Ororam Xijein, sobre o uso da caça entre o povo Wari:
O manejo tradicional dos recursos naturais dos povos Oro da região de Guajará Mirim, ocorria
quando os mais velhos caçavam, encontravam bichos como a cutia, o veado, a queixada e outros
animais, eles matavam; exceto os animais com filhote.
As cosmologias indígenas possuem um aspecto fundamental que é o “fato de não fazerem distinções ontológicas ab-
solutas entre os humanos, de um lado; e um grande número de espécies animais e vegetais, de outro”. Desta forma, todos os
seres estão ligados e são governados por um mesmo regime de sociabilidade (DESCOLA, 1999, p.249). Dentro da cosmologia
do povo Zoró, alguns animais podem ser controlados pelos pajés; assim é explicado que existem dois tipos de porco do mato,
sendo os Taluderej os que somente aparecem na terra indígena por meio dos pajés e seus espíritos. Com as mudanças culturais
e desaparecimento dos pajés também os porcos Taluderej desapareceram.
Taluderej são os porcos que apareciam nas aldeias através do pajé e seus espíritos; segundo
o pajé os porcos seriam do outro lado do mar. Esses porcos são do tamanho de um anta e são
mais gostosos. Não existe na terra indígena Zoró, mas já apareceram, e depois, desapareceram.
Bebekurej tem muito na nossa terra; em todas as aldeias a comunidade caça os porcos. Às vezes,
esses porcos se alimentam da roça da comunidade. Na aldeia, desde muito tempo, as comuni-
dades vêm criando os porcos e o dono realiza a festa para matar.
Atualmente, qualquer pessoa que vai caçar os porcos, mata o necessário, só não pode exagerar. Os
caçadores atuais lembram muito bem o surgimento da estória dos porcos; devido a isso, os caçadores
não matam muitos. Quando o caçador mata uma mãe de um porquinho, o leva para sua aldeia e o cria.
Outras reflexões igualmente importantes dizem respeito ao futuro das terras indígenas e sua sustentabilidade, pois mes-
mo que a cultura indígena conserve os recursos naturais e a floresta de pé, a limitação territorial e as pressões advindas do
entorno das terras indígenas condiciona o seu futuro.
Ao pensar no futuro, muito refletimos sobre nossas terras, nossas matas, nossos animais, nossos
rios, nossos peixes; para nós indígenas esse conjunto de seres é a nossa riqueza incomparável.
Porque é da natureza que nós tiramos os nossos alimentos, remédios e ao mesmo tempo é o
local de lazer, por isso temos que cuidar da natureza onde moramos. Sem a terra, a floresta, os
animais, os rios e peixes, se tornará muito difícil a luta dos indígenas para a sua sobrevivência
física e cultural (Armando Jabuti).
Antigamente onde havia muita caça e pesca, ali era o local de preferência para viver. Conforme a caça
e a pesca diminuíam mudava-se de lugar. Os antigos já tinham a visão de sustentabilidade, faziam a
gestão do seu território. Com a vida que os povos indígenas levaram, a vida de nômades, a floresta
sempre se recuperava: a preferência dos indígenas de sempre fazerem as suas rocinhas em lugares
novos, não no mesmo lugar. O que acaba com a floresta é esse costume do homem branco, trabalhar
em um só lugar. Não dá o tempo da floresta se recuperar. Muitas coisas que usamos, ficaram fora
das demarcações das nossas terras, prejudicando algumas práticas culturais. As áreas que para
nós eram sagradas os fazendeiros destruíram, matando os espíritos das florestas (Josias C. Gavião).
Na minha terra tem um pouco de todos de recursos naturais. Antigamente, quando era criança,
acompanhava muito meu pai no mato; tinha muitas arvores frutíferas e também tinha muitos ani-
mais. E agora com aumento da população da aldeia fica mais difícil, a caça e pesca e também
árvores frutíferas, pois nosso território está demarcado. O que diminui mais com a caça e pesca
e frutas foi a entrada de madeireiro e caçadores, pescadores que entram clandestino na nossa
área. A comunidade Suruí deve cuidar para não prejudicar o meio ambiente da sua terra. Para
conservar a natureza para futuras gerações do Suruí, como criar os animais no cativeiro para a
alimentação e fazer o tanque para peixe. E plantar arvores frutíferas: patoá, açaí, pãma, perto da
aldeia. Fazermos a roça pequena para plantio e evitar desmatamento da floresta para que não
vire capoeira. Evitar fazer derrubada perto das nascentes em rios e igarapés porque são muito
importantes para os nossos filhos e netos (Ibebear Surui).
nosso povo sempre manteve sua cultura tradicional, não sabiam o que era manejo, mas faziam a
coisa certa no uso da natureza. Antes os povos indígenas buscavam alimento principalmente das
frutas e de sementes. Quando encontravam a fruta o homem subia e tirava a fruta com o galho. A
castanha era juntado do chão, quebravam e colocavam na balaio para se alimentar mais tarde, ou
comia ali mesmo, sabendo onde encontrariam outro à frente, às vezes nem levavam. No tempo
da castanha nova quando começa a ter carne na semente nós gostamos muito de comer assim, o
homem subia e a mulher ajuntava e fazia o fogo em quanto o homem tirava, lá, encima. Depois a
mulher descascava a para assar no fogo, depois de assado tirava a castanha do ouriço queimado
e deixava esfriar e depois ficava pronto para comer. Existe muito mais, tinha fruta que coletavam
su-bindo no pé e tinha fruta que juntavam no chão. Assim era o manejo tradicional do meu povo.
Não acabava com todos os animais da floresta. Fazia roça para o sustento da família, não des-
matavam muito, por isso que as florestas não eram desmatadas antes do contato.
Compreende-se que o controle dos recursos naturais – como no caso da caça –não está ligado a uma harmonia ecológica
ao meio, nem à pura necessidade de alimento, mas sim como uma relação social, a “sintonia dos índios com a natureza”, não é
natural, nem tampouco sobrenatural, mas é social, pois é “mediada por formas específicas de organização sociopolítica; a na-
tureza é natureza para uma sociedade determinada, fora da qual se reduz a uma abstração vazia” (VIVEIROS DE CASTRO, 2007).
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1. Sistemas de Gestão e
Governança
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, paulosergio.ifce@gmail.com 2. Universidade Regional do Cariri,
rodolfo.sabia@urca.br
Resumo
O eixo central deste trabalho se apoia na hipótese de que as estratégias de gestão, ora vigentes, não seriam capazes de atender
às demandas econômicas, sociais e ambientais das comunidades tradicionais inseridas nas áreas protegidas. Diante disso, o
objetivo deste estudo é analisar as distintas percepções dos impactos da gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) nas comu-
nidades tradicionais rurais, tendo a Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe, CE, Brasil e as suas comunidades tradi-
cionais de agricultores como sujeitos desta pesquisa. Para a realização da investigação foi adotado uma ferramenta metodológica
denominada Matriz de Comparação de Impactos da Gestão (MCCIG) para avaliação de impactos da gestão em áreas protegi-
das proposta por Nascimento (2013). A ferramenta confrontou e confirmou as distintas percepções dos impactos por parte dos
moradores das comunidades de agricultores tradicionais e dos gestores da APA Chapada do Araripe e FLONA Araripe.
Palavras-chave: Gestão de Áreas Protegidas, Percepção de Impactos, Comunidades Tradicionais, APA Chapada do Araripe,
Ceará - Brasil.
Introdução
Dentre os diversos tipos de Unidades de Conservação (UC) existentes no Brasil, as Áreas de Proteção Ambiental (APA)
se destacam por contemplar um baixo nível de restrições de uso e manejo ao permitirem um amplo espectro de atividades
econômicas, e também por serem unidades de gestão integradas, que buscam traduzir na prática o desafio da sustentabilidade,
procurando harmonizar a conservação e a recuperação ambiental com as necessidades humanas.
Dada a permissibilidade no uso, no manejo e na posse desses espaços, estabelecida por lei, no território das APA coexis-
tem áreas urbanas e rurais, com suas atividades socioeconômicas e culturais, e as terras permanecem sob o domínio privado,
não exigindo desapropriação pelo poder público.
Muito em voga atualmente, a gestão ecológica se preocupa com o trato de forma eficiente de temas relacionados à eco-
logia e ao meio ambiente, especialmente aplicada à gestão de unidades de conservação da natureza, a consequência disso é a
importante contribuição para a melhoria da consciência ecológica e para a sustentabilidade.
Cada vez mais destacadas e implementadas como áreas protegidas de uso sustentável, pela comunidade internacional
especializada, em termos de crescimento, reconhecimento e relevância, as unidades de conservação ambiental têm tido papel
fundamental na proteção da natureza, preservação e conservação da fauna, flora e das comunidades tradicionais. Assim, tais mo-
dalidades de proteção proliferam em todo o mundo, o que pode possibilitar, entre outros efeitos, a construção de uma realidade
com melhores níveis de consciência ambiental das populações.
Diante disso, questionamos o seguinte: será possível atingir o equilíbrio, tão propalado nos diversos discursos atuais
sobre a sustentabilidade, nas chamadas unidades de proteção ambiental de uso sustentável, especialmente as APA?
O objetivo central deste trabalho foi procurar entender como se dá a percepção dos impactos da gestão da Área de Pro-
teção Ambiental da Chapada do Araripe e da zona de amortecimento da Floresta Nacional do Araripe (FLONA Araripe), especifi-
camente as comunidades tradicionais de agricultores e os sujeitos gestores destas UC. A APA Chapada do Araripe1 e A FLONA
Araripe localizam-se nos limites territoriais dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, No semiárido do Nordeste brasileiro. Para
essa investigação foram selecionadas três comunidades tradicionais de agricultores assentados há mais de um século nas terras
do topo da Chapada pertencentes ao município de Crato no extremo sul do Ceará, Brasil.
1
A APA Chapada do Araripe com uma área de 972.590,45 hectares, foi criada em 04 de agosto de 1997. A FLONA Araripe-Apodi com uma área de 38.919,47 hectares
foi criada em 02 de maio 1946. (ICMBIO, 2015)
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peito de assuntos sobre os quais talvez nunca tenha refletido anteriormente (BACKES et al., 2011).
Por fim, foram elaboradas as Matrizes Cromáticas para realizar a confrontação dos dados levantados e valorados pelas
comunidades e pelos gestores das UC. Os gráficos comparam os valores atribuídos permitindo uma visualização clara das dis-
tintas percepções dos impactos da gestão. Neste sentido este estudo se reveste de caráter quantitativo.
Sinteticamente, o processo de elaboração da matriz comparativa segue duas etapas. Na primeira, efetua-se a codi-
ficação de cada impacto para todos serem lançados na planilha eletrônica configurada para tal finalidade. Na segunda etapa
deve ser feito o preenchimento com os valores de cada impacto, obtidos pelos sujeitos investigados. A planilha realiza a relação
comparativa entre os impactos por meio da média aritmética simples previamente configurada na matriz.
A matriz cromática comparativa foi elaborada numa planilha eletrônica do Microsoft Excel, com fórmulas que calculam
aos pares a relação de importância entre os impactos e seus valores, os quais foram estabelecidos pelos sujeitos da pesquisa.
Cada tom de cor na matriz é resultante do processo comparativo entre os valores dos impactos apontados no processo da pes-
quisa. A Figura 1 ilustra em detalhes os elementos constituintes da planilha eletrônica na elaboração da matriz.
Assim, além de realizar as comparações entre os distintos impactos, esta ferramenta permite, ao final de seu preenchi-
mento, visualizar a intensidade destes através da intensidade dos tons cromáticos.
A utilização de cores no processo de análise possibilita dar maior rapidez e capacidade exploratória, permitindo, inclu-
sive, novas inferências e descobertas quando os resultados exibidos se estabelecem usando técnicas de visualização, baseadas
em regras perceptivas, principalmente as que exploram o poder do sistema visual humano (NASCIMENTO, 2013). Deste modo,
a visualização contribui de maneira mais significativa no processo de análise de dados do que na simples observação dos mes-
mos (ALEXANDRE; TAVARES, 2007).
A decisão de usar o vermelho, classificado como uma cor quente, para indicar os impactos negativos, se deu a partir dos
diversos significados e sensações que esta cor provoca e transmite. São sensações cromáticas da cor vermelha: ação e violência,
guerra, sangue, sol, perigo, fogo, calor, irritabilidade e intranquilidade. O verde, uma cor fria, que neste estudo indica os impactos
positivos, é normalmente associada às sensações de paz, bem-estar, tranquilidade, serenidade e frescor. (FREITAS, 2007). Na
matriz, o branco indica a condição de neutralidade do avaliador e significa a ausência de impacto.
Resultados
A avaliação dos impactos da gestão da APA Chapada do Araripe nas comunidades tradicionais locais foi realizada me-
diante um processo composto de cinco etapas: (i) Identificação das comunidades locais; (ii) Aplicação da técnica de Grupos
Focais nas três comunidades selecionadas; (iii) Identificação e valoração dos indicadores de impactos a partir da visão dos
2
O código objetiva a identificação dos impactos na matriz de comparação utilizada na pesquisa.
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Os impactos identificados como tais pelas comunidades durante as reuniões que mantivemos com seus integrantes, nas
quais se aplicou o método de averiguação da dinâmica de Grupos Focais, foram acompanhados de uma avaliação da intensi-
dade apresentada pelo impacto (seja positivo ou negativo), conforme a percepção dos participantes. A valoração de cada im-
pacto foi realizada com base em uma escala de valores (Quadro 2), que varia entre o positivo e o negativo. Os resultados dessas
ponderações foram introduzidos em uma matriz de comparação para permitir os procedimentos da análise.
O pessoal do IBAMA devia conversar mais com a gente pra saber sobre a nossa vida aqui. Acho
que nós podemos participar para entender mais sobre a APA, para poder também participar das
decisões, nós temos vontade, mas, eles não convida a gente (sic). Aí, depois é só punição. Aqui
nós se reúne (sic) na nossa associação, mas eles nem aparece aqui para ouvir nós todos. Nós
precisamos entender melhor o que é a APA (GRUPO FOCAL Nº 3, 2013).
Um segundo grupo de impactos, composto por cinco categorias, obteve também uma avaliação negativa elevada (valor
-7 na escala), isto é, impacto negativo muito forte. Destes, quatro se encaixam como impactos de natureza essencialmente
econômica, um de natureza cultural e o outro de ordem ambiental: redução da atividade carvoeira (EC-2); limitação do uso da
terra (SE-6);redução das alternativas de renda (SE-7); limitação ao uso dos recursos naturais da chapada pelas comunidades
(SE-8); alterações dos hábitos culturais locais (S-15) e poluição sonora (A-25).
Segundo os moradores, os efeitos negativos não impactaram apenas no âmbito das atividades econômicas, mas tam-
bém tiveram interferência no modo de vida das populações, a exemplo das mudanças nos comportamentos, sobretudo dos
mais jovens. A poluição sonora é um incomodo relativamente recente nos ambientes das comunidades e se dá por meio do uso
excessivo de equipamentos de som, o que acontece geralmente nos finais de semana, período em que a população não nativa
frequenta a localidade. Esta forma de poluição, segundo os moradores, se intensificou na medida em que cresceu o número de
residências de pessoas não nativas – ou segunda residência de população urbana (GRUPO FOCAL nº 2, 2013).
No terceiro nível de interferência, os impactos que foram considerados negativos de forma moderada ou fraca foram:
crescimento do fracionamento das propriedades – EC-5 (valor -3 na escala); êxodo rural – S-10 (valor -3 na escala); redução das
atividades extrativistas – EC-3 (valor -1 na escala); aumento da oferta da educação básica – SE-9 (valor -1 na escala) e atração de
não nativos para a área das comunidades – S-13 (valor -1 na escala).
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S-10, S-13, S-14, Sa16, Sa18, Sa20, Sa21, Sa22, A-24 e A-25), e estes, todos com valores zero ou próximo de zero, ou seja, de baixo
impacto. Mesmo nos demais pontos em que não houve coincidência de atribuição de valores, a pontuação ficou também próxima
de zero. Apenas cinco pontos foram considerados como impactos negativos, mesmo assim de natureza fraca (-1), destes apenas
um ponto (S-15) pelo gestor da APA e quatro pontos (EC-2, EC-3, SE-6 e SE-8) pelo gestor da FLONA.
Na opinião do gestor da APA, nenhum ponto foi valorado acima do +1 ou do -1. Doze pontos foram considerados “não
impactos” (valor 0). O gestor da FLONA considerou três pontos como impactos positivos acima de +1 (S-11, S-12 e Sa-17) e
foram considerados “não impactos” (valor 0) nove pontos.
Na figura 2 observa-se a MCCIG elaborada com os resultados da avaliação realizada pelos moradores das comunidades
da Chapada do Araripe. A imagem resultante das comparações entre os impactos mostra a intensidade dos tons avermelhados,
o que permite afirmar que a gestão da APA foi percebida pelas comunidades como um processo infelizmente, fortemente impac-
tante negativamente, fato que deveria ocorrer. Visualiza-se também, de maneira extremamente fácil, os pontos onde se concentra
o conjunto de aspectos de maior e de menor impactos. Os pontos de maior intensidade negativa estão relacionados aos aspectos
econômicos e socioeconômicos, como percebemos no detalhe (triângulo tracejado). A exceção fica por conta do ponto que trata
do aumento do processo de fracionamento das propriedades (EC-5), o qual os moradores avaliaram como impacto positivo (+5).
Figura 2. Matriz cromática comparativa com os resultados da avaliação das comunidades da Chapada do Araripe - 2013.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013)
Deste modo, visualizando a figura anterior, por terem sido massivamente avaliados de forma negativa, os resultados da
comparação destes com os demais pontos (socioambientais e ambientais) produziram na matriz tons predominantemente menos
intensos da escala vermelha (detalhe do retângulo de cor azul).
Por sua vez, os pontos de maior concentração de impactos positivos corresponderam aos aspectos de natureza social,
socioambiental e ambiental (detalhes do retângulo e triângulo de cor laranja, na Figura 2) e, logicamente, a comparação entre
eles também resultou em tons mais claros da escala verde. Neste conjunto de pontos, somente cinco foram apontados como
impactos negativos. Destes, três tiveram avaliação fortemente negativa e outros dois moderadamente negativa.
Figura 3. Matriz cromática comparativa com os resultados da avaliação da gestão da APA Chapada do Araripe - 2013.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013)
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Figura 4. Matriz cromática comparativa com os resultados da avaliação da gestão da FLONA Araripe 2013.
Fonte: Elaborado pelo autor (2013)
A cor branca que ocupa, praticamente, a metade da imagem da matriz anterior, cor que representa, na visão do gestor da
APA, que a maioria dos pontos apontados pelos moradores não podem ser entendidos como sendo impactos provocados pela
criação da UC e nem mesmo como consequência do modo como a gestão é aplicada. Consideram que a gestão realizada por
eles como positiva. Só há uma exceção. Na percepção do gestor da APA, o único elemento que se mostrou negativo, porém mo-
deradamente, para as comunidades da Chapada do Araripe, está relacionado às alterações nos hábitos culturais das populações
(S-13), como podemos visualizar no detalhe (retângulo de cor laranja) na matriz da Figura 3.
Como já visto, pode-se afirmar que a matriz cromática que traduz a visão do gestor da APA não se apresenta muito dis-
tinta da matriz aplicada ao gestor da FLONA. Porém, esta última, a do funcionário da FLONA indica um maior número de pontos
considerados negativos, mesmo que de maneira moderada, como se observa no detalhe (triângulo de cor laranja) da Figura 4.
Os pontos negativos verificados pelo gestor da FLONA estão relacionados a aspectos de natureza econômica e socioeconômica
dos moradores.
A pesquisa indicou que as visões dos atores envolvidos no estudo se mostraram contraditórias, ou seja, o que pensam
as comunidades não é compartilhado pelos responsáveis pela gestão, mesmo porque os interesses específicos de ambos os
grupos são diferentes. O uso das MCCIG proporcionou enxergar, de maneira bastante didática, as diferentes visões acerca
do processo de gestão da APA Chapada do Araripe, neste caso, as comunidades tradicionais e o responsável pela gestão da
UC. Estimamos que a confrontação dos resultados apresentados por meio deste instrumento gráfico se mostrou eficiente por
poder proporcionar a visualização dos resultados através da imagem e dispensando a frieza e as dificuldades para interpretar
os números
Considerações finais
Os resultados obtidos nas avaliações dos impactos, tanto nos grupos focais aplicados às comunidades quanto nas ava-
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Áudio
GRUPO FOCAL Nº 2. Gestão de Área Protegida: proposição metodológica para avaliação de impactos da gestão
nas comunidades tradicionais da APA Chapada do Araripe. [mai. 2013]. Mediador/pesquisador – Paulo Sérgio Silvino do
Nascimento. Sede da Associação dos moradores da comunidade Baixa do Maracujá. Crato – CE, 18 mai. 2013. Gravação digital
– (105 min.).
GRUPO FOCAL Nº 3. Gestão de Área Protegida: proposição metodológica para avaliação de impactos da gestão nas
comunidades tradicionais da APA Chapada do Araripe. [jun. 2013]. Mediador/pesquisador – Paulo Sérgio Silvino do Nasci-
mento. Sede da Associação dos moradores da comunidade Santo Antônio. Crato – CE, 09 jun. 2013. Gravação digital – (85 min.).
Resumo
Os principais instrumentos de gestão das Reservas Extrativistas (RESEX) são o plano de manejo (PM) e o acordo de gestão (AG).
Apesar da importância da existência destes instrumentos para o alcance dos objetivos de criação das RESEX, muitas delas ainda
não possuem tais documentos e os motivos pelos quais isto acontece são pouco conhecidos. Haja vista este cenário, objetivamos
com este estudo gerar informação sobre o processo histórico da publicação dos PM e AG. Para tanto, realizamos entrevistas,
consultas a bases documentais e aplicamos um questionário. Verificamos que o reduzido número de publicações de AG e PM
se deve a instabilidade política dos órgãos ambientais, a ausência de diretrizes para sua elaboração, a priorização de esforços
em UC de proteção integral, a burocracia incorporada aos trâmites processuais e a ausência de posicionamento institucional
concreto acerca de temas polêmicos.
Introdução
O governo brasileiro, seguindo uma tendência mundial para inclusão das populações tradicionais nas estratégias de
conservação da biodiversidade, criou por meio do Decreto nº 98.897/1990, as Reservas Extrativistas (RESEX) no qual as definiu
como: “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por
população extrativista” (BRASIL, 1990).
Este decreto previu também o primeiro instrumento de gestão da categoria, o plano de utilização (PU), que regularia o
uso da terra e seria elaborado pela comunidade para posterior aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-
sos Naturais Renováveis (IBAMA) (BRASIL, 1990).
De acordo com Almeida & Pantoja (2004), o principal objetivo do PU era a consolidação de um conjunto de regras de
manejo sobre o uso dos recursos naturais com o estabelecimento de direitos, obrigações e penalidades para a população tradi-
cional residente.
Em 2000, com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC - (Lei n° 9.985/2000) é consolidada a
obrigatoriedade das Unidades de Conservação (UC) disporem de um plano de manejo (PM) para regular as atividades a serem
desenvolvidas em seu território (BRASIL, 2000). Segundo o SNUC o PM:
É o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de con-
servação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos
recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade. (art. 2°,
inciso XVII)
Ainda que o SNUC não tenha considerado o PU em seu conteúdo, o mesmo permaneceu existindo, de maneira que estes
dois instrumentos de gestão vigoram até hoje.
Tendo em vista que a principal finalidade das RESEX é proteger os meios de vida e a cultura das populações tradicionais
residentes e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2000), e que os PM e acordos de gestão (AG)1, antigos
PU, devem contribuir para a sustentabilidade do uso destas áreas a longo prazo, sua elaboração e implementação é de extrema
importância para que essas UC tenham sucesso no alcance de seus objetivos de criação. No entanto, apesar da relevância e
necessidade desses instrumentos de gestão, a maioria das RESEX não possui PM ou AG publicados.
1
Em 2012, o plano de utilização foi substituído pelo acordo de gestão, por meio da Instrução Normativa n° 29/2012 do ICMBio.
Material e Métodos
Um questionário foi enviado aos gestores das 59 RESEX2 federais e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável3 exis-
tentes à época (Julho de 2014) por meio de uma plataforma virtual. O principal intuito do questionário foi levantar informações
sobre o processo de elaboração dos PU/AG. O questionário utilizado foi do tipo misto, com respostas abertas e fechadas. As
respostas obtidas foram convertidas em gráficos de distribuição de valores.
A busca por informações relacionadas ao processo histórico de publicação dos PU/AG e dos PM foi realizada através de
entrevistas com servidores do ICMBio que tiveram relação com esta agenda nos últimos anos. Tais entrevistas foram orientadas
por um roteiro semiestruturado e foram realizadas de diferentes formas (presencial, skype, telefone e e-mail).
Os relatos das entrevistas foram cruzados com marcos históricos relacionados à publicação de documentos relacionados
aos PU/AG e PM de forma que pudéssemos ter uma perspectiva dos principais eventos que contribuíram para o aumento ou
redução da publicação destes documentos ao longo do tempo.
Resultados e Discussão
Plano de Utilização ou Plano de Manejo? Os tortuosos caminhos da definição dos
instrumentos de gestão de RESEX
A proposta do PU surgiu a partir de discussões do grupo de trabalho interministerial que precedeu a criação das RESEX.
Nesta ocasião, colocou-se em dúvida a possibilidade de que seringueiros elaborassem e administrassem um PM, com base
em argumentos técnicos sobre a complexidade e o tempo envolvido no processo. Em contraponto, argumentou-se que bastaria
elaborar um documento mais simples, contendo o registro das formas já adotadas de manejo dos recursos naturais que se ha-
viam mostrado eficazes para manter a floresta e conservar as os recursos naturais utilizados, especialmente a seringueira e a
caça (ALMEIDA; PANTOJA, 2004).
O PU foi considerado, desde a criação das RESEX, o instrumento mais importante para a gestão dessas UC, uma vez
que por meio dele os próprios moradores estabeleceriam uma forma de uso dos recursos naturais segundo as bases locais e
tradicionais de manejo (CUNHA, 2010).
No entanto, apesar de sete PU terem sido publicados na década de 90, nenhuma menção a este documento é feita no
SNUC (Lei n° 9.985/2000) que passa a considerar o PM como principal instrumento de gestão das RESEX.
A desconsideração do PU pelo SNUC, apesar das suas contribuições à governança das populações tradicionais, de-
monstra que havia pouca confiança neste instrumento.
O PM sempre foi considerado (tanto pelo Ibama como pelo ICMBio) como o principal instru-
mento de gestão de UC. Questão importante, é que os PU eram vistos como instrumentos “de
menor” qualidade técnica, elaborados pelas comunidades extrativistas (também considerado um
“saber menor”) e com enfoque nas relações sociais. Até hoje, essas características são vistas
como pontos “menores” do que aquelas relacionados à conservação ambiental. No fundo, esses
fatores ainda denotam preconceitos com as características dos PU. (Leonardo Messias Tortoriello
– Coordenador – COPCT - ICMBio).
Apesar disso, o PU não foi completamente descartado, pois subentendia-se que os documentos já existentes deveriam
ser incorporados ao PM.
Em 2000, com a criação do SNUC a RESEX passa a ser considerada UC, mas tem que ter PM. O
SNUC não diz nada sobre PU, mas fica comumente entendido que os PU já vigentes seriam incor-
porados aos PM, que por sua vez, devem seguir o SNUC, e ter regras, zoneamento e programas
de manejo. (Mônica Furtado – Analista Ambiental da Coordenação de Políticas e Comunidades
Tradicionais – COPCT - ICMBio).
2
O Posteriormente, em outubro de 2014 foram criadas três novas RESEX.
3
O questionário foi aplicado na RDS Itatupã-Baquiá por ser a única da categoria e apresentar semelhanças com as RESEX.
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Neste sentido, em 2004, o Ibama publica um Roteiro Metodológico para elaboração de Plano de Manejo de Uso Múltiplo
das RESEX que prevê em seu volume I um conteúdo similar ao do PU (IBAMA, 2004).
No entanto, o investimento do Ibama no Roteiro de 2004 teve pouco aproveitamento, pois nenhum PM foi publicado utilizan-
do-o oficialmente e, pouco tempo depois, foi publicada a Instrução Normativa (IN) ICMBio n° 01/07 que disciplinou as diretrizes,
normas e procedimentos para a elaboração de Plano de Manejo Participativo (PMP) de RESEX (ICMBIO, 2007). Esta IN voltou a
considerar que o PU poderia ser publicado antes do PM, porém, o mesmo deveria ser incluído quando da elaboração do PM.
Somente com a publicação da IN ICMBio n° 29/12, que substituiu o termo plano de utilização por acordo de gestão, é que
ocorreram as primeiras publicações deste documento de forma independente (antes) do plano de manejo.
Atualmente a elaboração de ambos os instrumentos (PM e AG) é estimulada, seja de forma independente ou simultânea,
o que tem contribuído para o aumento no número de publicações de ambos.
A distribuição das publicações de ambos os instrumentos ao longo do tempo é ainda mais preocupante. Dezessete anos
se passaram entre o Decreto nº 98.897/1990 que criou as RESEX e a publicação do primeiro plano de manejo.
Coincidentemente, a criação do SNUC marca o início de um período de sete anos (2000 – 2007) em que nem PU, nem
PM foram publicados para as RESEX (figura 2 e quadro 1).
Figura 2. Número de plano de manejo e acordo de gestão/plano de utilização publicados ao ano (cumulativamente).
A gestão do CNPT, à época da publicação do SNUC, entendia que os movimentos sociais deveriam
estar à frente da gestão das RESEX, pois havia um respeito pelo que era produzido e construído
pelas populações locais. Então, houve um choque do que os técnicos do CNPT entendiam que era
necessário para a gestão das RESEX e o que o SNUC passou a impor via PM. Dessa forma, não houve
um movimento para se construir PM de RESEX, pois não se acreditava que fosse um documento ade-
quado para este tipo de UC. (Cláudia Cunha - Analista Ambiental - Coordenação Regional 6 - ICMBio).
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Assim como, a inexistência de procedimentos institucionalizados que direcionassem a elaboração do plano.
Não se sabia exatamente como o PM devia ser construído e como o PU deveria fazer parte dele.
Além disso, até 2006 não existiam procedimentos para nada. O processo de criação das RESEX,
por exemplo, acontecia de formas diferentes em cada estado da federação, com o mesmo ocor-
rendo com outros instrumentos e modos de gestão de UC. (Leonardo Pacheco – Analista Ambi-
ental - COPCT - ICMBio).
Outro fator que contribuiu para o reduzido número de publicações de PM de Resex após o ano 2000 foi a centralização
da elaboração destes documentos em Brasília, onde não havia um corpo técnico apto e dedicado em construir instrumentos
que atendessem as necessidades dessas UC. Um dos motivos era a priorização dada aos PM das UC de proteção integral, em
detrimento daquelas de uso sustentável.
Ao avaliarmos a publicação de PM de PARNA e RESEX nos últimos anos verificamos que, de fato, foram publicados sig-
nificativamente mais PM no primeiro caso (33) do que do segundo (16) (Figura 3). Tal diferença permanece quando avaliamos
estes valores diante do número total de unidades, de ambas as categorias, criadas em cada período (Figura 4).
Figura 3. Número de planos de manejo publicados em Reservas Extrativistas e Parques Nacionais no período de 1990 até 2014.
Figura 4. Porcentagem de planos de manejo publicados em Reservas Extrativistas e Parques Nacionais no período
de 1990 até 2014 com base no número total de UC criadas em cada período.
Figura 5. Número de planos de manejo publicados em UC de uso sustentável e de proteção integral no período de 1990 até 2014.
Figura 6. Porcentagem de planos de manejo publicados de UC de uso sustentável e proteção integral no período de 1990 até 2014
com base no número total de UC criadas em cada período.
Ainda que, ambas as categorias de manejo de UC (uso sustentável e proteção integral) sofram com a delonga na elabo-
ração de seus PM, além de outros problemas como a extensão do conteúdo, o custo elevado e a pouca aderência ao dia-a-dia da
gestão das Unidades (ICMBIO, 2012a), os números (Figura 6 e 7) demonstram que até 2010 houve maior investimento nas UC
de proteção integral.
Um dos motivos para a priorização das UC de proteção integral, em detrimento das de usos sustentável, se deve a
descrença em projetos de conservação que coadunem a preservação da biodiversidade com a presença humana, visão esta
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também conhecida como preservacionismo.
O preservacionismo e o conservacionismo - vertente de pensamento que acredita que a dimensão humana deve ser in-
corporada ao equacionamento dos ecossistemas (NEDER, 1994 apud NOGUEIRA; SIQUEIRA, 2004, p. 4), são duas importantes
e conflituosas perspectivas que tem pautado as decisões no âmbito da gestão ambiental brasileira.
Durante a construção do SNUC o embate destas duas visões (conservacionista e preservacionista) contribuiu para a
consolidação da ideia da preservação ao estabelecer as UC da categoria proteção integral, ao mesmo tempo em que trouxe
importantes ganhos para a conservação ao garantir as UC de uso sustentável (MEDEIROS, 2006; PECATIELLO, 2011).
Contudo, nem sempre há equilíbrio nos resultados de tais embates e, ao que tudo indica, a prevalência de uma perspec-
tiva preservacionista acarretou em maiores investimentos nas UC de proteção integral em detrimento das de uso sustentável,
com significativo impacto à publicação dos instrumentos de gestão de RESEX.
Um passo a frente, outro atrás: Apesar dos avanços, as RESEX ainda enfrentam desafios à
publicação de seus instrumentos de gestão
A consolidação da estrutura organizacional do ICMBio, com a definição clara de competências e a seleção de servidores
para trabalhar com os PM das RESEX, teve um reflexo positivo sobre o número de publicações a partir de 2012 (Figura 2).
O mesmo pode ser dito sobre os AG que ainda tiveram a seu favor a publicação da IN n° 29/12, que trouxe mais orienta-
ções para elaboração do documento, e a vinculação da existência de AG com a disponibilização do Bolsa Verde5 .
4
Atual Coordenação de Elaboração e Revisão de Plano de Manejo (COMAN).
5
O Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa Verde, concede a cada trimestre, um benefício de
Além das questões internas ao órgão gestor, ao longo dos últimos anos a agenda socioambiental passou a receber maior
respaldo da sociedade, o que também contribuiu para o aumento da publicação de documentos importantes para sua gestão.
Entre os instrumentos legais que contribuíram para ampliar a participação das populações tradicionais na gestão das UC
e para o reconhecimento de seus direitos estão o Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), publicado em 2006 por meio do
Decreto n° 5.758, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, publicada através
do Decreto nº 6.040/2007 e as Instruções Normativas do ICMBio nº 01/2007, nº 02/2007, nº 03/2007 e nº 04/2008, que tratam sobre
a participação das populações locais nas ações pertinentes à gestão das RESEX.
Ademais, em 2007 foi criada a Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), que aumentou a
pressão do movimento social sob o Estado e aproximou lideranças, especialmente CNS, Comissão Nacional das Reservas Ex-
trativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM) e a Rede Cerrado, do governo federal.
Todas estas conquistas reforçaram a importância das populações tradicionais para a conservação e potencializaram seu
poder de articulação, o que contribui para o aumento da publicação dos PM e AG, seus principais instrumentos de gestão, nos
últimos quatro anos.
No entanto, apesar das conquistas recentes, com já vimos, somente 25% das RESEX possuem PM e 45% contam com
PU/AG publicados, o que mostra que ainda existem fragilidades importantes na elaboração/publicação de ambos instrumentos.
Com relação ao AG, numa primeira fase do processo existem dificuldades intrínsecas à construção participativa do
documento, de acordo com os gestores de RESEX, as principais delas são: a logística para executar reuniões; o interesse dos
beneficiários em participar das reuniões e o estabelecimento de consensos para temas conflituosos (Figura 8).
R$ 300 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas consideradas prioritárias para conservação ambiental.
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Já num segundo momento, o problema reside nos entraves burocráticos, pois depois de aprovado em Assembleia Geral
Comunitária o AG deve ser novamente analisado e aprovado pelo setor técnico do ICMBio, pelo conselho gestor da UC e pela
Procuradoria Federal Especializada (PFE) (análise jurídica) do ICMBio.
Sempre que o PU/AG não é aprovado em uma das instâncias o mesmo necessita de nova aprovação pela comunidade
e/ou pelo conselho gestor, o que pode prolongar a publicação do documento. Esta situação é agravada quando é solicitada a
alteração em regras que eram importantes para os comunitários em sua proposta original, a exemplo da caça, da criação de
gado e do manejo do fogo.
A ausência de um posicionamento institucional claro sobre temas polêmicos como os citados anteriormente é um pro-
blema recorrente. As diferentes interpretações da legislação, assim como dos conceitos de conservação, implicam constante-
mente em imbróglios que retardam a publicação dos AG e em alguns casos dos PM.
Com relação aos PM, ainda que o número de publicações a partir de 2010 tenha se equiparado com as UC de proteção
integral, persistem dificuldades crônicas atribuídas à complexidade do processo de planejamento, ao grande número de infor-
mações exigidas, a dificuldades de acesso às unidades de conservação, ao elevado custo associado aos levantamentos, ao tem-
po necessário para coleta de dados e a dificuldade dos técnicos locais em atender com exclusividade essa tarefa (CASES, 2012).
Conclusão
•Ainda que tenha sido desconsiderado pelo SNUC e negligenciado durante anos, o plano de utilização/acordo de gestão
permaneceu sendo um instrumento de grande importância para a gestão das RESEX, seja incorporado ao plano de manejo, seja
publicado de forma independente deste;
•Os principais fatores responsáveis pela reduzida publicação dos planos de manejo e planos de utilização até 2010
foram: a instabilidade política dos órgãos ambientais responsáveis pela gestão das RESEX; a ausência de diretrizes e procedi-
mentos para elaboração destes documentos e a priorização de esforços sobre instrumentos de gestão das unidades de conser-
vação de proteção integral;
•Dificuldades mais recentes para a publicação dos acordos de gestão se devem a obstáculos para a sua construção
participativa, a burocracia incorporada aos trâmites processuais para a aprovação do documento e a ausência de posiciona-
mento institucional concreto acerca de temas polêmicos. Este último também fator também influencia a publicação de planos de
manejo, que ainda enfrentam dificuldades crônicas para sua elaboração, como à complexidade do processo de planejamento e
o grande número de informações exigidas.
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INTERAÇÕES E PODER ENTRE STAKEHOLDERS DA PESCA ARTESANAL
DE PARATY, ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Resumo
A gestão da pesca artesanal de Paraty baseia-se em políticas e leis federais que influenciam a pesca no nível das comunidades
de pescadores, onde diversos stakeholders do governo e da sociedade civil interagem em arenas de gestão da pesca e de
Unidades de Conservação. O objetivo deste estudo é analisar as interações entre os principais stakeholders da pesca artesanal
de Paraty, entre 2009 e 2013, com vistas a processos de gestão colaborativa da pesca. As interações entre os stakeholders estão
marcadas por assimetrias de poder, no entanto há interações favoráveis à cogestão. Pescadores têm a seu favor o conhecimento
local sobre os recursos pesqueiros e a coesão social. O desenvolvimento de relações mais colaborativas entre os stakeholders
desafia o governo a compartilhar poder, mas também desafia pescadores a se fortalecerem para o diálogo com o governo.
Introdução
A gestão da pesca artesanal de Paraty é principalmente baseada em políticas e leis federais. No nível municipal e das
comunidades de pescadores esse modelo de gestão repercute muitas vezes de forma negativa entre os pescadores, gerando
situações de divergência entre governo e pescadores (TRIMBLE, 2013), nas arenas sociais de gestão da pesca. Nessas arenas,
pescadores, governo e outros grupos que também interagem em torno do tema da pesca são designados como stakeholders da
pesca artesanal de Paraty. Os stakeholders são todos os interessados, envolvidos ou afetados, positivamente ou negativamente,
pelo acesso, uso e gestão dos recursos pesqueiros de Paraty, incluindo não somente organizações e grupos formais, como
também indivíduos, comunidades, redes de trabalho e grupos informais (BORRINI-FEYERABEND et al. 2004; RENARD, 2004;
POMEROY; RIVERA-GUIED, 2006).
As relações que se estabelecem entre os stakeholders são influenciadas por diversos fatores, incluindo as instituições
relativas à gestão da pesca e de Unidades de Conservação. A incongruência que se estabelece entre políticas e leis criadas
pelo Estado e a realidade local onde as regras são implementadas constitui um dos fatores que marcam as interações entre
stakeholders, com a produção de conflitos (YOUNG 2006; CALVIMONTES, 2013). No Brasil, o caso da criação de Unidades de
Conservação de proteção integral em áreas onde populações tradicionais residem há séculos e dependem do uso de recursos
naturais ilustra essa situação. Outro fator que influencia essas interações está ligado ao tipo de conhecimento e visões de mundo
que fundamentam a elaboração de políticas, como decisões de manejo baseadas em conhecimento científico que não levam em
consideração o conhecimento local do usuário de um determinado recurso. Esse dilema é comum na pesca artesanal, quando
pescadores reclamam espaço e direitos para participarem da formulação de políticas e normas que afetam sua atividade, como
no caso do período de defeso do camarão (MEDEIROS, 2009; TRIMBLE et al., 2014).
A gestão da pesca pode também ser analisada como o resultado do jogo de poder entre os stakeholders (JENTOFT,
2007). A autoridade institucionalizada e o conhecimento ou acesso à informação são dois recursos de peso que dão constituição
ao poder (ADGER et al., 2005, JENTOFT, 2007), sendo ele uma propriedade institucional e não do indivíduo (JENTOFT, 2007).
Um caminho para gerenciar conflitos e buscar diminuir as assimetrias de poder se dá com o desenvolvimento de siste-
mas de gestão que garantam instrumentos e arenas para lidar com as relações entre os diversos stakeholders como as abor-
dagens mais colaborativas e participativas de gestão (BERKES, 2002; 2006; KRISHNARAYAN, 2005, JENTOFT, 2007). Essas
abordagens estão, como no caso da cogestão, baseadas na relação entre as pessoas (BORRINI-FEYERABEND et al. 2004), o
que favorece a construção de parcerias para colaboração (BERKES 2006; 2007a; 2009; OROZCO-QUINTERO; BERKES, 2010;
SEIXAS; BERKES, 2010).
Embora a gestão da pesca artesanal de Paraty não constitua um sistema de cogestão, a discussão que faço sobre as rela-
Métodos
O método da Análise de Stakeholder (AS) foi usado como orientador para a coleta e análise de dados conforme Schmeer
(1999) e Renard (2004). A AS é um processo de coleta e análise sistemática de dados qualitativos que tem por finalidade gerar in-
formações sobre os indivíduos e organizações envolvidos em decisões relativas à elaboração e implementação de políticas, pro-
gramas, projetos ou planos de ações (GRIMBLE; CHAN, 1995; SCHMEER, 1999). Ela inclui a caracterização dos stakeholders
a partir de fatores como conhecimento, interesse, posicionamento, capacidade de influência, poder e recursos disponíveis (SCH-
MEER, 1999; POMEROY; RIVERA-GUIEB, 2006).
Os dados deste estudo foram obtidos por meio de entrevistas abertas e semiestruturadas com nove informantes-chaves e
pela observação direta de 21 reuniões públicas entre 2009 e 2013. Foram entrevistadas lideranças de pescadores e de organiza-
ções de base comunitária, gestores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e representantes
do governo municipal de Paraty. Os dados de observação direta incluem reuniões e assembleias dos Acordos de Pesca da Baía
da Ilha Grande, Conselhos Gestores de Unidades de Conservação com jurisdição em Paraty, Plano Diretor Municipal de Paraty
e Agenda 21 Municipal de Paraty.
Resultados
Principais stakeholders da pesca artesanal
As organizações, grupos e indivíduos que influenciam a pesca artesanal nas arenas de gestão da pesca e de Unidades
de Conservação em Paraty incluem representantes do governo, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiver-
sidade (ICMBio), da sociedade civil, como organizações não-governamentais (ONGs), organizações comunitárias e o Fórum das
Comunidades Tradicionais do litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro (citado apenas como Fórum das Comunidades
Tradicionais doravante) além das Universidades.
Considero que a conservação dos recursos pesqueiros e de seus ecossistemas seja o tema de interesse comum a todos
os stakeholders desta análise, portanto um tema com o potencial de agregá-los em torno de um propósito comum. A Tabela 1
sintetiza diversos aspectos que auxiliam o entendimento da influência dos stakeholders nas arenas de pesca, como interesses,
nível de jurisdição a que estão vinculados, os recursos ou capacidades disponibilizadas pelos stakeholders e os benefícios que
cada um tem sobre a pesca artesanal, seja ele direto ou indireto.
Destacam-se entre os stakeholders do governo, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o ICMBio. Essas são as organizações que têm autoridade para de-
cidir sobre a gestão da pesca em Paraty. Qualquer ação ou instituição oriunda dos níveis estadual e municipal deve estar em
consonância com políticas, leis, normas e outras instituições do nível federal. Essas três organizações possuem autoridade para
implementar ações no nível local, em parceria ou não com organizações estaduais e municipais. Portanto, a realidade institucio-
nal da pesca artesanal em Paraty está representada pela dominância da autoridade federal que repercute sobre a atividade de
pesca no nível das comunidades e no dia a dia do pescador.
O IBAMA e ICMBio trabalham em cooperação e compartilham interesses e valores de conservação ambiental. Esta é
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uma ligação marcada pelo diálogo, confiança entre os gestores das duas organizações e troca de informações. O IBAMA tem um
papel importante de fiscalização na região de Paraty, o que é feito em consonância com os interesses de conservação do ICMBio.
São poucas as organizações não governamentais (ONGs) que atuam em Paraty e exercem alguma influência sobre o
tema da pesca artesanal. São ONGs de pequeno porte, com pouca estrutura física e poucos recursos humanos, materiais e
financeiros. O Instituto BioAtlântico (IBIO) está envolvido com temas de conservação ambiental e desenvolveu o diagnóstico da
pesca artesanal da Baía da Ilha Grande (em parceria com a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, ver Begossi et al.
2009). A Associação Cunhambebe exerce um importante papel de representação dos interesses de conservação e desenvolvi-
mento social e econômico das comunidades caiçaras e quilombolas da região e se destacou em 2010 com a realização de estudo
sobre a sustentabilidade da pesca realizada na comunidade de Trindade. A ONG Verde Cidadania atua no “corpo a corpo” com
as comunidades caiçaras e quilombolas de Paraty prestando assessoria jurídica a elas ao lado do Fórum das Comunidades
Tradicionais do litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro (citado apenas como Fórum das Comunidades Tradicionais
doravante). Ela mantém um diálogo permanente com profissionais da área socioambiental e do governo, a fim de defender os
interesses das comunidades.
Na categoria de organizações comunitárias, o Fórum das Comunidades Tradicionais, criado em 2007, tem um papel im-
portante na representação dos direitos das populações tradicionais caiçaras, quilombolas e indígenas no nível local e regional.
Coordenado por lideranças comunitárias do Quilombo do Campinho, em Paraty, participam também lideranças caiçaras de
Paraty que fazem parte dos fóruns nacionais de representação das populações tradicionais do Brasil. Suas ações estão relacio-
nadas à mobilização de lideranças comunitárias, fortalecimento de organizações de base comunitária, realização de projetos
socioambientais, capacitação de jovens, reivindicação dos direitos das comunidades tradicionais, discussão da sobreposição
entre territórios tradicionais e Unidades de Conservação e assessoria às comunidades que buscam o Ministério Público para
questões que necessitam de intervenção judicial. Uma das organizações comunitárias estreitamente ligada ao Fórum das Comu-
nidades Tradicionais é a Associação de Barqueiros e Pescadores de Trindade (ABAT) que representa os interesses de pescado-
res e barqueiros condutores de turistas da comunidade de Trindade e é atualmente a principal interlocutora com os gestores do
Parque Nacional da Serra da Bocaina, para questões de interesse do Parque e da comunidade de Trindade, como no caso de uso
de áreas para turismo e pesca que estão no interior desta Unidade de Conservação.
As Universidades têm exercido um papel na interlocução entre comunidades e governo nas questões sobre a pesca em
Paraty, além da realização de pesquisas e atividades de extensão, incluindo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
através do Núcleo SOLTEC, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP), representada pelo Grupo de pesquisa Conservação e Gestão Participativa de Recursos de Uso Comum (CGCommons).
O MPA não é muito executivo, aqui [em Paraty e Angra dos Reis], ele está meio distante. Dos
órgãos é o mais distante, algumas pessoas tentam participar, mas no dia a dia não está muito
aqui. (...) então acho que eles precisavam estar mais presentes, até para não desalinhar.
A Fundação Instituto de Pesca e Aquicultura do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ), de jurisdição estadual, tem o papel de
assessorar e dar assistência técnica ao pescador, estando em contato regular com pescadores em suas comunidades e em outras
arenas onde o tema da pesca é tratado, como no caso do Conselho Consultivo da Estação Ecológica (ESEC) de Tamoios e Câmara
Temática de Pesca e Aquicultura da ESEC Tamoios. As ações desenvolvidas pela FIPERJ incluem o cadastro das embarcações de
pescadores artesanais de Paraty, a comunicação sobre os Acordos de Pesca da Baía da Ilha Grande e a colabo-ração na construção
de Termos de Compromisso entre a ESEC Tamoios e pescadores artesanais da comunidade de Tarituba, no extremo norte de Paraty.
Um vereador de Paraty que trabalha a favor dos interesses dos pescadores artesanais (doravante Vereador da Pesca
Artesanal) também exerce um trabalho direto com pescadores nas comunidades, em reuniões e em seu gabinete, levantando as
demandas desse grupo e encaminhando essas demandas em projetos de leis ou negociações com outros stakeholders. Ele atua
também com o apoio a iniciativas que visam a gestão da pesca artesanal, como no caso dos Acordos de Pesca da Baía da Ilha
Grande e a construção dos termos de compromisso entre a ESEC Tamoios e pescadores da comunidade de Tarituba.
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No caso da FIPERJ, o seu poder não está pautado na autoridade, mas no conhecimento, na capacidade de fazer parcerias
e em sua representatividade nas arenas da pesca. O mesmo acontece com a UFRJ que tem como fonte de poder o conhecimento,
a habilidade para acessar recursos financeiros e humanos e a capacidade de gerenciar informações e relações para influenciar
os processos de gestão.
Dentre os stakeholders do governo, o ICMBio além de possuir a autoridade para tomar decisões sobre a pesca dentro
das Unidades de Conservação, tem agregado ao seu poder, a influência direta no nível local, resultante do trabalho regular e
permanente nas comunidades e nos Conselhos Consultivos, realizado pelos técnicos que estão lotados em Paraty.
O poder do Fórum das Comunidades Tradicionais, Associação Cunhambebe e Verde Cidadania está relacionado à sua
força de representação, conhecimento e capacidade de estabelecer parcerias, porém enfraquecido pela escassez de recursos
grupos e a capacidade de fazer parcerias ou alianças (SCHMEER, 1999; JENTOFT, 2007). O capital cultural e político constitui
1
Essas medidas são subjetivas e estão baseadas em observação direta dos stakeholders, conteúdo das entrevistas realizadas e jurisdição de cada um dos
stakeholders analisados.
O Governo tem que saber que esse cidadão depende daquilo ali, depende daquela atividade,
ele tem que ser reconhecido no caso de Trindade, a primeira coisa é sermos reconhecidos aqui,
que esse nativo daqui é caiçara. Ele usa isso aí [se referindo aos recursos pesqueiros] há séculos,
então tem que ser respeitado isso.
A Colônia de Pescadores se encontra numa posição de pouco poder, devido à escassez de recursos, mas também pela
fraca representação dos interesses dos pescadores nas arenas de pesca e pela atuação inexpressiva na construção de parcerias,
quer seja com organizações do governo ou não governamentais, na época referente a este estudo.
Considerações Finais
Os stakeholders da pesca artesanal de Paraty são filiados a organizações de diferentes jurisdições, desde organizações
federais do governo até municipais e comunitárias (nível local). O ICMBio e IBAMA dispõem de autoridade, conhecimento téc-
nico e recursos humanos, materiais e financeiros que permitem que muitas ações sejam executadas na área. Pescadores têm
a seu favor o conhecimento local sobre os recursos pesqueiros e seu ecossistema, relações estreitas com outros pescadores,
responsabilidade direta sobre as condições de conservação dos recursos pesqueiros, confiança em sua comunidade e coesão
social. Os principais recursos de que dispõem as organizações que representam a sociedade civil no nível municipal e local
são o conhecimento técnico e jurídico, a forte ligação de confiança com as comunidades, a capacidade de mobilizar pessoas
para ações e a habilidade de criar espaços de diálogo com o governo. Além desses recursos, algumas dessas organizações
juntamente com as Universidades, têm acesso a recursos para realizar pesquisas, gerar e disseminar informação, aconselhar de
forma independente, realizar cursos de capacitação, executar ações de desenvolvimento social, assessorar as comunidades em
suas demandas e facilitar processos de gestão e de conflitos.
A pesca artesanal de Paraty é regida por um sistema de gestão centralizado no governo federal. Em Paraty, o ICMBio
é o protagonista entre os stakeholders do governo, já que parte da pesca artesanal é praticada no interior de Unidades de Con-
servação que estão sob a jurisdição do ICMBio e porque é esta a organização que tem desenvolvido ações locais e incentivado
o diálogo com pescadores nos Conselhos Consultivos das Unidades de Conservação e e em outras arenas de gestão. Um dos
entraves desse sistema centralizado na esfera federal é a falta de comunicação e integração de ações entre o Ministério da Pesca
e o ICMBio, sendo que não há atualmente no nível local o desenvolvimento de processos ou ações promovidos pelo Ministério
da Pesca.
O passo a ser dado na direção de relações mais cooperativas entre os stakeholders da pesca de Paraty desafia o
governo no sentido de compartilhar autoridade, poder e responsabilidade, mas também desafia pescadores a se fortalecerem e
se empoderarem para o diálogo e negociação com o governo. Jentoft (2007) argumenta que está no poder do pescador e suas
organizações a escolha entre a posição de resistir ou colaborar nas arenas de gestão e que o poder ou a falta dele pode ser
usado para o bem ou para mal nas relações ligadas a decisões que restringem o acesso e uso de recursos naturais. Por parte dos
pescadores, aceitar determinadas restrições e buscar negociar alternativas é uma oportunidade que representa um caminho de
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aprendizado e empoderamento. Por parte do governo, há a necessidade de abertura para negociar, levando em consideração os
direitos históricos das comunidades caiçaras de pescadores.
Para destravar essa situação, o governo precisa colocar as demandas dos pescadores em sua agenda. Ambos, governo e
pescadores, necessitam conhecer, respeitar e aceitar os diferentes papéis, interesses, tipos de conhecimento, visões de mundo
e valores que moldam seus comportamentos e atitudes quando interagem nas arenas de pesca.
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510
METODOLOGÍAS PARTICIPATIVAS EN LA GESTIÓN ADAPTATIVA DE ÁREAS
NATURALES PROTEGIDAS MARINO-COSTERAS: UNA PROPUESTA DE
APLICACIÓN EN LA RESERVA NACIONAL SISTEMA DE ISLAS, ISLOTES Y
PUNTAS GUANERAS - RNSIIPG, PERÚ
Resumo
La Reserva Nacional Sistema de Islas, Islotes y Puntas Guaneras creada en Perú, está compuesta por 22 islas y 11 puntas produc-
toras de guano distribuidas a largo de la costa peruana. Su contexto con 97,5% de superficie marina, en un ecosistema dinámico
y frágil con gran importancia económica, mantiene usos ancestrales de pescadores y marisqueros que traen con ellos saberes
e derechos territoriales. Debido a la innovación de esta Área Natural Protegida, es necesario el continuo aprendizaje para el
ajuste de las estrategias a implementarse conforme la evaluación de sus resultados, en un ciclo de gestión adaptativa. Para ello,
proponemos el uso del Diagnostico Rural Participativo para la sistematización de saberes y perspectivas socios ambientales de
manera complementaria a los Estándares Abiertos para la Práctica de la Conservación, para la visión sistémica, triangulación de
informaciones y planeamiento democrático.
Palavras-clave: RNSIIPG, Áreas Naturales Protegidas Marino-Costeras, Diagnóstico Rural Participativo, Estándares Abiertos para
la Práctica de la Conservación.
Introdução
Las Áreas Naturales Protegidas – ANP son parte de una de las principales estrategias del esfuerzo por parte del Estado
para el arbitraje de los usos e intereses coexistentes en el territorio, con el reto de perpetuación de la biodiversidad y de sus cono-
cimientos e identidades locales relacionadas. Las ANP son paradójicamente la institucionalización de una nueva territorialidad en
la forma de políticas públicas con fines de ordenar el territorio en sus potencialidades naturales, económicas, sociales, culturales
y políticas, siendo por lo tanto, simultáneamente actor y espacio de negociación. Es más una fuerza que ejerce presión en el ter-
ritorio al arbitrar las relaciones convergentes o conflictivas construidas históricamente con base en diferentes visiones subjetivas
de la naturaleza y del acceso al espacio geográfico.
Se la actuación de las ANP en las sobre posiciones de usos e intereses en los territorios protegidos demandan la com-
prensión de los escenarios construidos históricamente por las relaciones socio ambientales, las creadas en los contextos marino-
costeros demandan aún más por haber que considerar los grupos formales e informales que mantienen relaciones de uso,
trabajo, institucionalidad e identidad en un ecosistema tan dinámico como el mar.
Tiendo como base este desafío, la Reserva Nacional Sistema de Islas, Islotes y Puntas Guaneras - RNSIIPG, administrada
por el Servicio Nacional de Áreas Naturales Protegidas por el Estado – SERNANP, fue creada por el decreto N° 024/2009 en 31 de
diciembre de 2009 y es integrada por 22 islas y 11 puntas históricamente productoras de abono natural conocido como Guano de
islas. Las islas y puntas que la compone están distribuidas por toda la costa peruana, desde la Región Piura hacia la Región Mo-
quegua, presenta una área de 140,833.47 ha de los cuales 97.5% corresponde a la superficie marina (PERÚ, 2009). Su creación
es una iniciativa innovadora en gestión de espacios naturales, por englobar en una misma ANP, diferentes contextos, demandas,
usos tradicionales e intereses específicos a cada isla o punta guanera de manera sistémica.
Por proponer el arbitraje y regulación de las sobre posiciones de intereses de usos en contextos complejos de distintas
demandas de ordenanza e intervención en espacios cercanos con la biodiversidad, las ANP marino-costeras deben ser políticas
públicas inherentemente intersectoriales e inclusivas. La necesidad de intersectorialidad es solamente percibida cuando se co-
noce bien la dinámica de los usos e intereses en el territorio a través de la participación social. Es en la fase de diagnóstico que
la comprensión de la realidad ocurre y las oportunidades y necesidades de nuevas alianzas surgen, demandando metodologías
Contextualización
La costa occidental de Sudamérica se encuentra en una de las áreas de mayor productividad biológica, que influencia
todos los niveles tróficos del ecosistema marino. El área marítima frente a la costa del Perú representa 1% del área oceánica del
planeta y produce más del 10% del total de capturas de peces a nivel mundial (CHÁVEZ et al., 2008; FLORES et al., 2013). Esta
alta productividad biológica se debe principalmente a los vientos dominantes hacia el ecuador y los vientos ciclónicos que dan
lugar a intensas celdas de afloramiento caracterizadas por una franja de aguas frías existentes en el Sistema de la Corriente del
Perú también conocido como “Corriente de Humboldt” (GRACO et al., 2007; FLORES et al., 2013; SERPA; QUIROZ, 2005).
El Sistema de la Corriente del Perú, por su conocida productividad y la costa peruana por su variedad en campos vitales,
son medios propicios para la abundancia y variedad de aves marinas, tanto endémicas como migratorias. Entre las especies de
aves con más abundancia e importancia comercial están las Aves Guaneras, responsables de la producción del Guano, constitui-
das principalmente por la especies: Guanay (Phalacrocorax bougainvillii), Piquero peruano (Sula variegata) y Pelícano Peruano
(Pelecanus thagus) (SERPA; QUIROZ, 2005).
El fertilizante conocido como “Guano de Islas” es producto de la acumulación de deyecciones o estiércol de las Aves
Guaneras en las islas y puntas del litoral peruano, conocidas como “islas y puntas guaneras”. La acumulación de guano en las
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islas y puntas guaneras es posible porque las precipitaciones en el litoral peruano son muy escasas, principalmente a causa del
Sistema de la Corriente del Perú. El Guano es utilizado desde civilizaciones pre-incas como abono para agricultura, pero con
declive en su uso durante la colonización española debido a priorización en la explotación de las minas de oro. Fue nuevamente
explotado en la época de la Independencia del Perú en 1844 para pagar la deuda externa con Inglaterra durante la guerra con
Chile, sin atenciones a la protección de las Aves Guaneras (SERPA; QUIROZ, 2005).
Con la creación de la Compañía Administradora del Guano, en 1909, y con las recomendaciones de diversos ornitólogos,
se impulsó una nueva administración técnico- científica, con el empleo del método de censo demográfico a partir de la década
de 60. También se tomaron otras medidas como la contratación de guardianes para evitar la extracción clandestina de guano y
las visitas no autorizadas que pudieron perturbar a las aves durante la reproducción o ahuyentarlas del nido. Los guardianes,
además debían defender a las colonias de los depredadores de huevos e pichones y vigilar para el cumplimento de la pro-
hibición del pase cercano de barcos y el vuelo de aviones a alturas menores de 300 metros en los alrededores de las islas. Desde
el año 2000 la administración del recurso es de responsabilidad del Ministerio de Agricultura, con el Programa de Desarrollo
Productivo Agrario Rural – AGRORURAL (SERPA; QUIROZ, 2005).
La explotación del guano es una actividad que se lleva a cabo en forma intermitente, extrayendo de las zonas cada 4 a 10
años contando con hasta 500 trabajadores, pero manteniéndose la protección a las aves guaneras en forma permanente durante
los periodos intermedios (PERÚ, 2009a).
El Sistema de la Corriente del Perú también propicia históricamente la alta productividad de las actividades artesanales
de pesca y colecta de mariscos, que sustentan con los ingredientes una de las gastronomías más reconocidas del mundo. La
pesca fue siempre un componente decisivo en el área y siendo auto subsistente de la economía regional, haciendo posible la or-
ganización de comunidades exclusivamente pesqueras por la riqueza y variedad del mar (FLORES-GALINDO, 1981). Arqueólo-
gos, lingüistas e historiadores denotan la importancia que tuvo la pesca para el desarrollo de la cultura en los valles de la costa,
desde el pre cerámico (FLORES-GALINDO, 1981). Esto hizo que la vida indígena marchara en estrecha asociación con el mar,
del cual no sólo se obtenía alimento, sino que podía ser empleado como medio de comunicación rompiendo con el aislamiento
en que el desierto pretendía sumir a los valles. Sin embargo, no siempre la pesca colonial fue la prolongación de una actividad
prehispánica. En algunos parajes resultó en cierta manera una elección posterior a la que recurrieron comunidades escasas
de tierras, presionadas por la expansión de las haciendas e interesadas en vivir separadas de los españoles, siendo la pesca un
mecanismo de protesta silenciosa frente al despojo agrario (FLORES-GALINDO, 1981).
Esto significa que el poblador peruano desarrolló una tecnología de extracción, conservación y utilización de recursos
pesqueros, que gradualmente se fue mezclando con el conocimiento occidental traído por los españoles. La mayor parte de
los puertos y caletas de la actualidad, son rezagos de aquellos existentes y correspondientes a culturas tales como la Mochica
(Huanchaco), Virus (caleta de Sechura), Chancay (Huacho), Chilca (Chorrillos y Pucusana) y Nazca (Pisco) (BUSE, 1981; ES-
PINO; WOSNITZA-MENDO; VELIZ, 1988). Estas raíces históricas contribuyeron para que el pescador artesanal tenga un cono-
cimiento sobre el comportamiento y disponibilidad de los recursos (ESPINO; WOSNITZA-MENDO; VELIZ, 1988), además de
ser un profundo conocedor de la dinámica marina por su cercana convivencia con la biodiversidad y los factores influentes en
tiempos estables o atípicos como los provocados por el fenómeno El Niño.
El “Censo Nacional de la Pesca Artesanal del Ámbito Marítimo” registro en su última edición en 2012 una población de
44.161 pescadores artesanales en toda costa del Perú, siendo constituido en su grande mayoría por hombres (96,9%) nacidos en
departamentos costeros (89,6%). Casi la mitad estudió hasta la secundaria (57,9%) y una parte importante hasta primaria (31,9%).
Muchos trabajan más de 10 años en esta actividad (65,1%), siendo que casi la totalidad participan de las faenas de pesca (95,2%)
y utilizan la actividad de la pesca como una fuente de ingreso principal (99,7%). Las embarcaciones son utilizadas mayormente
por los pescadores (78,5%) y del total de los pecadores, casi la mitad manifiesta tener documentos de acreditación en la activi-
dad pesquera (51,5%). Entre los colectores y pescadores que hacen buceo, pocos poseen certificación de buceo (2,2%) (PERÚ,
2012).
La entrada del fenómeno El Niño, en la costa peruana puede producir marcados cambios oceanográficos que posibilitan
las inmigraciones anómalas de las especies de peces, moluscos y crustáceos. Cuando el fenómeno no es muy intenso, la fauna
costera no sufre mayores alteraciones. Pero cuando es muy intenso, los efectos en los recursos costeros son manifiestos, tradu-
ciéndose en un cambio en la composición de especies con el incremento de algunas propias de aguas calientes y/o diminución de
La RNSIIPG protege las mayores poblaciones de las especies amenazadas o vulnerables como: Los lobos marinos finos
(Arctocephalus australis), lobos marinos chuscos (Otaria flavescens) y Pingüinos de Humboldt (Spheniscus humboldti) (PERÚ,
2009a). Estas especies son extremamente frágiles en las alteraciones ambientales como los promovidos por El fenómeno del
Niño. El aumento de la temperatura superficial del mar consecuente de este fenómeno promueve la migración de especies de
peces hacia aguas más profundas y frías, alejando fuentes energéticas vitales, ocasionando tajas representativas de mortandad
de las especies de Lobos marinos por desnutrición (SERPA; CABRERA; DEL PINO, 1985) la mortandad y deserción de nidos por
los Pingüinos de Humboldt (PAZ-SOLDÁN; JAHNCKE, 1998) y mortandad por migración de las aves guaneras (JAHNCKE, 1998).
La ejecución de las acciones para el cumplimiento de los objetivos de creación de la RNSIIPG demanda la articulación ins-
titucional, la promoción de alianzas y la distribución de responsabilidades. El propio decreto que establece esta ANP determina
la conformación del Grupo Técnico de Coordinación de la RNSIIPG con la finalidad de promover una adecuada coordinación
interinstitucional, por lo cual es conformado por las siguientes entidades: el Servicio Nacional de Áreas Naturales Protegidas por
el Estado – SERNANP, quien lo preside, el Ministerio del Ambiente - MINAM, Vice-Ministerio de Pesquería del Ministerio de la
Producción; Vice-Ministerio de Turismo del Ministerio de Comercio Exterior y Turismo; Ministerio de Agricultura a través de la Di-
rección General Forestal y de Fauna Silvestre; Programa de Desarrollo Productivo Agrario Rural – AGRORURAL; Instituto del Mar
del Perú – IMARPE y la Dirección General de Capitanías de Puertos de la Marina de Guerra del Perú – DICAPI (PERÚ, 2009).
El gran territorio con 1,700 km de franja marina, y la trama de instituciones que se relaciona con cada territorio hice la
necesidad de conformar en 2013, veinte subcomités integrados por instituciones públicas, privadas y de la sociedad civil orga-
nizada. Representantes de los subcomités constituyen la asamblea de miembros del Comité de Gestión Nacional que tiene la
elección de su comisión ejecutiva a cada dos años (PERÚ, 2014).
Más allá de la necesidad de interinstitucionalidad, el contexto en lo cual la RNSIIPG fue creada, donde los usos locales,
los intereses institucionales y los frágiles y dinámicos ecosistemas marino-costeros se interrelacionan, la gestión demanda la
comprensión de la realidad y la innovación de herramientas y ejecución de estrategias democráticas y efectivas. Exigen una
visión sistémica apropiada para las variaciones y distribuciones de la biodiversidad en el espacio, una visión holística para la
compresión de las relaciones socio ambientales, la abertura institucional para la distribución de responsabilidades y beneficios,
la innovación de mecanismos que permiten la cooperación para el logro de objetivos comunes entre la sociedad y las institucio-
nes, la adecuación de las iniciativas para los diversos contextos y la mediación de intereses comunes para el desarrollo de una
sociedad sostenible y la perpetuación de la biodiversidad.
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ancestrales del área, el artículo 31° de la Ley de Áreas Naturales Protegidas instituí que:
La administración del área protegida dará una atención prioritaria a asegurar los usos tradicionales
y los sistemas de vida de las comunidades nativas y campesinas ancestrales que habitan las Áreas
Naturales Protegidas y su entorno, respetando su libre determinación, en la medida que dichos
usos resulten compatibles con los fines de las mismas. El Estado promueve la participación de
dichas comunidades en el establecimiento y la consecución de los fines y objetivos de la Áreas
Naturales Protegidas (PERÚ, 1997).
La inclusión de la perspectiva socio ambiental en la gestión de ANP, más que una demanda legal es también una cuestión
ética y democrática. La presencia y materialización de la perspectiva social en la gestión de ANP demanda el fin de antiguos
paradigmas que influencian en la estructura concepto-práctica (praxis) del ordenamiento y reglamentación del territorio por
parte del Estado. El fin de tales paradigmas solo es posible a través de la valorización de las demandas y contribuciones socio
ambientales para la autogestión de los territorios, la abertura institucional de espacios para intercambio de perspectivas, saberes
y prácticas y la integración de tales contenidos en los mecanismos formales del Estado.
En este sentido, el Diagnostico Rural Participativo – DRP tiene el grande potencial de ser el puente entre los conocimien-
tos y perspectivas subjetivas y las Políticas Públicas. Es un modelo semiestructurado de investigación, fundamentado en la
construcción participativa de diagramas que se constituyen representaciones simbólicas de la realidad vivida, con conceptos
organizativos y procedimientos de trabajo relativamente formales que proponen captar la complexidad de los sistemas socio am-
bientales (FARIA; FERREIRA NETO, 2006). Aplicado a las políticas públicas, es una oportunidad de sistematización de perspec-
tivas socio ambientales subjetivas, involucración de actores sociales y abertura pública al proceso de elaboración de estrategias
democráticas de gestión del territorio.
En contextos marino-costeros es importante que el diagnostico contemple básicamente aspectos, que segundo el
PNUMA (2013) son: a) la caracterización ambiental, social, económica, institucional del área a los sitios de interés; b) el análisis
de los problemas ambientales y los impactos que este generan; c) las relaciones entre el sistema manglar con los pastos y el
arrecife por un lado, y con la cuenca por el otro; d) la situación sobre los humedales y su estacionalidad; e) el mapeo de los prin-
cipales actores y sus intereses, y de las actividades y los proyectos que se han llevado a cabo en la región; f) la identificación de
los factores que posibilitan la implementación y el desarrollo de la gestión marino-costera y g) la priorización de las áreas críticas
con una problemática ambiental significativa para focalizar acciones de gestión (PNUMA, 2013).
Para la efectividad del planeamiento de ANP marino-costeras, es necesario el anterior diagnóstico de la historicidad y
situación de especies e ambientes claves y sus usos e intereses, utilizando para eso informaciones formales aseveradas científi-
camente y/o por medios institucionales y también el rescate de conocimientos empíricos. El DRP es una herramienta que puede
contribuir para sacar a luz tales conocimientos subjetivos en relación a las dimensiones espaciales, temporales, relacionales y
materiales del territorio marítimo. Para ello, el involucramiento de actores claves es tan necesaria cuanto la inclusión de la hetero-
geneidad de la configuración social en el análisis, incluyendo consecuentemente los distintos grupos sociales y las percepciones
de género en el diagnóstico.
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vamente incluyen la repartición de poderes y atribuciones entre la sociedad e instituciones. En la formulación de las estrategias
el aspecto político debe primar sobre el económico, el largo y medio plazo deben ser considerados sobre el corto plazo y la
racionalidad substantiva debe ser valorizada (MILANI, 2008).
Por fin, la declaratoria de metas, sus indicadores de efectividad y los métodos de evaluación (CMP, 2007) deben ser di-
reccionados a la sociedad, para la transparencia de los servicios públicos. Además de la importante rendición de cuentas a la
población, la participación social en la previsión de metas, puede diversificar los factores evaluados así como los métodos de
obtención de información.
El DRP, debe ser utilizado como técnica integrante de un proceso orientado al autoconocimiento, siendo normalmente
un esfuerzo de comprensión de la realidad como parte de la construcción de un ciclo de análisis-acción-monitoreo. En las ANP,
siendo fundamentalmente políticas públicas con efectos directos en escalas locales y regionales, el DRP es una oportunidad de
encuadramiento de las propuestas de gestión y manejo al contexto, involucrando ciudadanos y sociedad civil organizada en el
proceso decisivo y creando una red que informe, elabore, implemente y evalúe las intervenciones.
Es importante dentro de un enfoque de gestión adaptativa que el análisis de la situación marino-costera sea una acción
permanente, como medio de profundizar y documentar las respuestas y el comportamiento del contexto con relación a las estrate-
gias y acciones ejecutadas y adaptar las intervenciones siempre que sea necesario para lograr los retos acordados. Por lo tanto,
la replicación del DRP puede ocurrir como técnica para identificar los cambios consecuentes de las intervenciones propuestas y
junto con el monitoreo de la reacción de la biodiversidad, retroalimentar el ciclo de gestión adaptativa propuesto por los EAPC.
Aportes Finales
La participación, más que una obligación legal, debe ser vista como una oportunidad de entender el territorio, prever
conflictos, crear estrategias conjuntas y formar alianzas, que al final auxiliaran la gestión por medio de la división de respon-
sabilidades y beneficios oriundos de la ANP con la sociedad y otras instituciones. Para ello, el proceso de participación debe
seguir algunos principios como: a) Creación de espacios mediados de dialogo, donde a través de herramientas gráficas, los
conocimientos puedan ser reflexionados y acordados para ser utilizados como información para la gestión; b) visión integral
del territorio, embarcando su dinamismo biológico y económico-social, para después sacar los usos e influencias en la ANP; c)
valorización de las informaciones socio ambientales proporcionadas por los actores que hacen uso del territorio en mismo nivel
de las informaciones científicas; d) validación de los conocimientos por medio de la triangulación de informaciones relatadas:
e) desvestirse de discriminaciones referentes a grupos sociales que puedan impedir una comprensión de su realidad y sus mo-
tivaciones y f) garantizar la participación en todas las fases de la política pública, desde el diagnostico, planeamiento, ejecución
y monitoreo de los resultados.
El contexto de alta dinámica biológica y económica-social del ecosistema marino peruano demanda un proceso de par-
ticipación por medio de espacios mediados de diálogo y sistematización de informaciones que pueden ser ejecutados por el
DRP. Ya la necesidad de visión sistémica, de cruce de informaciones de fuentes sociales, biológicas e estadísticas, de prioridad
de acciones y el planeamiento en medio y largo plazos pueden ser ejecutados por los EAPC. Las metodologías se complementan
al materializar informaciones de usos, intereses, conflictos e oportunidades en un proceso de planeamiento adaptativo, donde las
necesidades territoriales sociales y biológicas son pensadas de manera holística y proyectadas a un futuro común.
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PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE
ITAIPU – NITERÓI/RJ: O PAPEL DOS ATORES SOCIAIS
Pinto, Maycon Correia1; Moraes, Edilaine Albertino de & Irving, Marta de Azevedo
Resumo
Reservas Extrativistas Marinhas tem a finalidade de assegurar uma forma de proteção socioambiental de uma área de biodi-
versidade relevante e dos modos de vida dos povos tradicionais para garantir os seus direitos históricos de acesso ao mar e de
uso dos recursos pesqueiros. Com o intuito de refletir sobre o processo de engajamento dos pescadores artesanais na criação
e gestão desta categoria de Unidade de Conservação, o objetivo deste trabalho é interpretar o processo de criação da Reserva
Extrativista Marinha de Itaipu (RJ). Para tanto, o trabalho se desenvolveu com base em um levantamento bibliográfico e documen-
tal acerca do tema, complementado com trabalho de campo exploratório. As informações obtidas neste levantamento indicam
a necessidade de uma maior coesão entre as entidades representativas dos atores locais para a consolidação e o cumprimento
dos objetivos de criação da UC.
Palavras-chave: RNSIIPG, Reserva Extrativista Marinha, Pescadores Artesanais, Movimento Social, Gestão. Itaipu.
Introdução
A Zona Costeira do Estado do Rio de Janeiro, de elevado valor em biodiversidade envolve uma extensão de aproxima-
damente 1.160 km de linha de costa, abrangendo 33 municípios e 40% do território fluminense, no qual vivem cerca de 83% da
população fluminense (INEA, 2015). Nesta faixa, ocorrem diversas formações físicas e bióticas, nas quais se concentram os
principais vetores de pressão sobre o uso dos recursos naturais para exploração econômica, sobretudo por meio de atividades
de petróleo e gás e turismo.
O desenvolvimento dessas atividades produtivas na costa fluminense tem ocasionado grandes mudanças nos espaços
onde ainda vivem populações pesqueiras que têm na pesca artesanal a sua principal fonte de alimento e renda. Os pescadores
artesanais tem sido um dos grupos mais vulneráveis e afetados por impactos derivados de atividades econômicas em larga
escala sobre o uso e ocupação do espaço costeiro e marinho. Estes grupos sociais têm sido afetados de forma sistemática pelo
processo, em função da precarização da sua condição social, da escolha da atual política nacional pesqueira pelo crescimento
produtivo e dos inúmeros conflitos derivados do uso múltiplo da água sobreposto no mesmo território (SOARES, 2012; AZE-
VEDO; PIERRI, 2013). Isso ocorre apesar da importância da pesca artesanal ser reconhecida, mundialmente, pelas questões
de trabalho, segurança alimentar, produção em escala de pescado e pela manutenção da grande diversidade cultural que está
vinculada a essa prática social (DIEGUES, 1995).
Por contextos conflituosos como anteriormente descrito, a atual fase da luta política dos pescadores artesanais no Brasil
vem se fundamentando na reivindicação da demanda por regularização dos territórios das comunidades tradicionais pesquei-
ras por meio da campanha nacional ensejada pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP. Este movimento
encontra ressonância no momento histórico, a partir da constituição de 1988, no qual se verifica um processo de afirmação de
populações entendidas como tradicionais como sujeitos de direito (AZEVEDO, 2014).
Neste contexto, uma alternativa destes grupos para a proteção e gestão do território e dos recursos pesqueiros e costei-
ros tem sido a criação de Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX Marinha), as quais são consideradas como uma categoria de
manejo de unidades de conservação da natureza genuinamente brasileira, inspirada em uma relação dinâmica entre povos e
mares. No entanto, o processo de criação de Reservas Extrativistas Marinhas tem sido permeado por conflitos e problemas oriun-
dos de outros interesses, pela exploração desordenada dos recursos naturais, considerando que, muitas vezes, a participação de
beneficiários e usuários diretos dos recursos vivos marinhos é negligenciada no processo de tomada de decisão (MENDONÇA;
MORAES; COSTA, 2013).
Com o intuito de refletir, criticamente, sobre como são efetivados os processos de participação social de pescadores e
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RESEX é orientado e fundamentado pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP (Decreto 5.758/2006) e pela
Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT (Decreto 6040/2007), instrumentos legais norteadores de
políticas públicas com este objetivo.
A análise da evolução do número de RESEX a partir de 1990 aponta que até 2015, foram criadas 62 UC dessa categoria de
manejo, sendo que dentre essas, 24 são Reservas Extrativistas Marinhas (ICMBIO, 2015), conforme pode ser visualizado na Figura 1.
Os dados sistematizados na figura 1 acima permitem interpretar que a categoria de manejo RESEX vem adquirindo ex-
pressividade nacional, a partir da instituição do SNUC em 2000. No entanto, segundo Mendonça, Moraes & Costa (2013) muitos
conflitos e problemas têm sido ainda gerados durante o processo de criação dessas áreas, uma vez que, a participação de be-
neficiários e usuários diretos dos recursos vivos marinhos tem sido negligenciada no processo de tomada de decisão, em função
de outros interesses envolvidos na exploração dos recursos naturais. Essa realidade parece contradizer a Instrução Normativa
ICMBio Nº 03/2007, que determina que a solicitação de criação de uma RESEX seja encaminhada, formalmente, pela população
tradicional ou sua representação ao órgão competente e que estes atores sejam protagonistas em todo o processo.
Importante mencionar também que, atualmente, a gestão de uma RESEX se orienta, principalmente, pelo Plano de Mane-
jo, no qual se estabelece o zoneamento e as normas que devem orientar o uso da área e o manejo dos recursos naturais, além
da implantação das estruturas físicas necessárias a gestão da UC, conforme rege a Instrução Normativa ICMBio Nº 01/2007. O
Plano de Manejo deve ser aprovado pelo conselho deliberativo, que representa a instância participativa da gestão da RESEX,
composta por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, inclusive com maioria das populações extra-
tivistas, segundo a Instrução Normativa ICMBio Nº 02/2007 (MENDONÇA; MORAES; COSTA, 2013).
Mas o contexto atual das condições da gestão das 24 RESEX Marinhas criadas pelo governo federal constitui um real de-
safio para a gestão pública. Segundo o ICMBIO (2015), apenas 01 RESEX Marinha dispõe de Plano de Manejo - RESEX Marinha
de Caeté-Taperaçu/Pará. Por outro lado, apenas 03 RESEX Marinhas não dispõem de conselho gestor - Reserva Extrativista
Marinha Mestre Lucindo/Pará, Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba/Pará e Reserva Extrativista Marinha Cuinarana/Pará.
Mesmo assim, a existência do conselho gestor não é garantia de participação efetiva das populações tradicionais envolvidas no
processo de gestão. Em muitos casos, a organização de associações comunitárias é incipiente e tem refletido o enfraquecimento
da atuação dessas populações nos processos de tomada de decisão na gestão da UC (MENDONÇA; MORAES; COSTA, 2013).
Além disso, a situação atual da gestão das RESEX Marinha têm sido de enfrentamento a problemas como carência de recursos
humanos e financeiros, infraestrutura física e tecnológica inadequada, sistema de fiscalização e monitoramento ineficientes para
1
Por se tratar de um projeto de RESEX Federal a causa foi apoiada e orientada pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais -
CNPT/IBAMA por meio do processo administrativo número 02001.002808/2004-89 aberto em 08 de fevereiro de 1999.
2
IBAMA (órgão responsável, na época, pelos processos de criação das Reservas Extrativistas Federais) UFF, Colônia de Pescadores Z-7(sediada na praia de Itaipu),
CCRON, Prefeitura municipal de Niterói, Câmara Municipal de Niterói, Agência Municipal de Desenvolvimento, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria
Municipal de Ciência e Tecnologia, Secretaria Regional das Praias Oceânicas (INEA, 2013).
3
Colônias de Pesca foram criadas em 1912, colocando os pescadores sob a tutela do Estado, constituindo espaços comumente ocupados por atores que não tem
relação com a pesca artesanal, sendo contra o fortalecimento de uma estrutura representativa alternativa dos pescadores, como as associações de pescadores livres,
que objetivam desatrelar das amarras das Colônias e reivindicar a proteção do território costeiro.
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Figura 2. Localização da RESEX Marinha de Itaipu (RJ)
Fonte: INEA, 2013.
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sibilidade de que pescadores artesanais de outras regiões (que não sejam de Itaipu) e pescadores amadores possam também
praticar a pesca desde que atendendo os regulamentos específicos da RESEX.
Desde então, a administração da UC é realizada pelo INEA e a gestão por um Conselho Deliberativo, cuja cerimônia de
posse ocorreu em 12 de abril de 2014. A composição do Conselho considerou o papel e a atuação das entidades na região, como
organizações governamentais e não-governamentais, associações e colônias de pesca de Niterói e adjacências, Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca, e Universidade Federal Fluminense (UFF). Quanto ao instrumento
de manejo, a UC ainda não dispõe de Plano de Manejo.
Assim sendo, compreende-se que na luta política pelo território, os atores sociais desenvolvem diferentes estratégias
para atendimento aos seus interesses e demandas. No processo, a ALPAPI atendeu às normas exigidas pela Instrução Normativa
ICMBio 02/2007, a qual institui que a solicitação formal para a criação da RESEX deve ser advinda da população tradicional, e
pode vir acompanhada de manifestações de apoio de instituições governamentais, não-governamentais, da comunidade cientí-
fica e da sociedade civil organizada. Apesar disso, o posicionamento da Colônia Z-7, de modo desfavorável à criação da RESEX,
teve efeitos sobre o julgamento do órgão competente, gerando dúvida sobre a estabilidade do processo e sua consequente para-
lisação. Portanto, a experiência do processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu sinaliza para a importância de os órgãos
competentes compreenderem as dinâmicas relacionais entre Associações de Pescadores Livres e Colônias de pescadores que
se posicionam contrariamente e, ao modo como são engendradas as ações dos órgãos pareceristas nestes processos. Além
disso, parece necessário que a equipe técnica do órgão ambiental tenha conhecimento da complexidade sócio-histórico e con-
flituoso da realidade destas entidades localmente, desde a fase inicial do processo.
Considerações finais
Os resultados alcançados pela presente pesquisa exploratória parecem assim ilustrar, com clareza, a relação antagônica
entre a ALPAPI e a Colônia de Pescadores Z-7, duas organizações sociopolíticas que influenciaram o processo de criação da
RESEX Marinha de Itaipu. E este embate está na origem de inúmeros conflitos de interesses que caracterizaram a criação da
RESEX Marinha desde a época da abertura do processo administrativo em 1999.
Pelos dados da pesquisa, parece também evidente que a posição do CNPT/IBAMA em não ter dado continuidade à tra-
mitação das ações para a criação da RESEX Marinha, mesmo tendo reconhecido a relação intrínseca dos pescadores da região
de Itaipu com o mar e a terra, parece refletir o despreparo do órgão para lidar com os dissensos e disputas entre a ALPAPI e a
Colônia de Pescadores durante o processo e com a própria dinâmica de engajamento dos pescadores artesanais. Além disso,
as paralisações do processo de criação da RESEX pelo órgão federal (ICMBio) intensificaram as pressões e ameaças sobre o
território, como exemplificado pela especulação imobiliária, o desenvolvimento de atividades turísticas e a busca pelo petróleo.
Mas o processo histórico de lutas dos pescadores por uma constituinte da pesca e por formas próprias de organização
coletiva como sindicatos (através das associações de pescadores livres) vem permitindo o atendimento das demandas dessa
classe para a criação da RESEX Marinha de Itaipu. Desta forma, o processo de criação da RESEX se construiu em proces-
sos participativos que estão no cerne da proposta para a criação desta categoria de UC, segundo as referências de políticas
públicas. Essas organizações sociopolíticas constituem o suporte principal para a organização dos pescadores e pescadoras
artesanais em associações, sendo estes mecanismos que potencializam o capital social que se materializa na vida associativa.
Pela presente pesquisa, poderia se esperar também que o Conselho Deliberativo venha a se materializar um espaço para
que os conflitos do passado sejam superados entre ALPAPI e Colônia para a governança local, indicando a necessidade de uma
maior coesão entre as entidades representativas dos atores locais para a consolidação e o cumprimento dos objetivos de criação
da UC.
A partir deste trabalho exploratório, é também importante que se considere no futuro para a pesquisa em curso, a realiza-
ção de entrevistas sistemáticas com os pescadores artesanais para interpretar o papel da RESEX Marinha de Itaipu para a gestão
da biodiversidade costeira e marinha, bem como com os interlocutores institucionais para que seja possível analisar os conflitos
e desafios para a gestão da área protegida, por meio da decodificação dos desafios das políticas públicas para a proteção da
natureza nas zonas costeira e marinha brasileiras.
AZEVEDO, N. T.; PIERRI, N. A política pesqueira atual no Brasil: a escolha pelo crescimento produtivo em detrimento da pesca
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SOARES, D. G. Conflito, ação coletiva e luta por direitos na Baía de Guanabara. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia e
Antropologia) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
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DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA ROBUSTEZ INSTITUCIONAL DA PESCA
ARTESANAL COSTEIRA EM UMA ÁREA MARINHA
PROTEGIDA DO SUDESTE BRASILEIRO
Resumo
O Brasil tem se comprometido com metas internacionais de ampliação das Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) como estratégia
integrada de conservação da biodiversidade e recuperação dos estoques pesqueiros. Nosso objetivo foi entender que tipos de
mudanças nos arranjos institucionais de uma AMP restritiva são capazes de promover o aumento da robustez institucional na
pesca artesanal. Os princípios para o design de instituições robustas foram confrontados com a situação da pesca artesanal nas
duas comunidades mais afetadas pela AMP e com um cenário de reivindicações dos pescadores artesanais por mudanças nos
arranjos institucionais. Nenhum dos princípios se ajusta à situação com que a AMP vem lidando com a pesca; por outro lado,
as reivindicações dos pescadores artesanais estavam alinhadas com tais princípios. Discutimos os desafios e oportunidades
envolvidos em criar novos arranjos institucionais para a AMP analisada.
Palavras-chave: Instituições Robustas, Pesca Artesanal, Estação Ecológica, Baía da Ilha Grande.
Introdução
Áreas Marinhas Protegidas (AMP) podem aumentar a produtividade da pesca e, por intermédio de soluções colabora-
tivas, diminuir o custo transacional relacionado com o cumprimento das regras vigentes (POLLNAC et al; 2010). Porém, se os
componentes biológicos e culturais das AMPs não forem efetivamente integrados, ao invés de apoio comunitário, pode ocorrer
oposição social e conflitos (DIEGUES, 2008). Apesar do amplo interesse nos impactos sociais das AMPs, existem poucos estu-
dos sobre o tema (ver FOX et al., 2012). No Brasil, existem muitos conflitos documentados entre áreas protegidas e comunidades
tradicionais (CASTRO et al., 2006; FERREIRA, 2004), incluindo AMPs e pescadores artesanais (DIEGUES, 2008).
Durante a 10ª Conferência das Partes (Nagoya, Japão) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o Brasil se
comprometeu internacionalmente com a ampliação dos atuais 1,5%1 de cobertura das zonas costeiras e marinhas por AMPs para
10% (MMA, 2010) até 2020 (meta No 11). Caso esta ampliação ocorra sem alterar o status quo das políticas de conservação da
biodiversidade, marcadas pela fragmentação e setorialismo, os conflitos em curso tendem a ser potencializados.
Baseado no conceito de instituições de North (1990), Ostrom (1990) realizou uma análise empírica de regras de reciprocidade
que favorecem a ação coletiva. Os princípios para instituições robustas (design principles) explicam sob quais condições de confiança
e reciprocidade a ação coletiva pode ser possível, evitando, dessa forma, a deterioração do recurso de uso comum (OSTROM, 2005).
Este artigo foi orientado pela seguinte pergunta: Quais são os desafios e as oportunidades para uma AMP restritiva
promover o aumento da robustez institucional na pesca artesanal costeira? A pesquisa ocorreu nas comunidades de Tarituba e
Mambucaba, nos municípios de Paraty e Angra dos Reis, respectivamente, litoral sul do Estado do Rio de Janeiro. Nestas comu-
nidades ocorrem os principais conflitos entre a pesca artesanal e a Estação Ecológica (ESEC) Tamoios, uma Unidade de Con-
servação (UC) de proteção integral (SNUC, 2000). A pesquisa foi realizada em quatro etapas, que incluíram: (i) análise de fontes
documentais, diplomas legais e políticas públicas pesqueiras e ambientais; (ii) trabalho de campo: observação direta em arenas
de tomada de decisão, entrevistas semiestruturadas (39) e abertas (110) durante 154 dias entre fevereiro de 2011 a setembro de
2013 e (iii) organização e análise dos dados.
Os princípios para instituições robustas, proposto por Ostrom (1990) e revisados por Cox, Arnold & Tomás (2010), foram
confrontados com o arranjo institucional para gestão dos recursos pesqueiros nas comunidades e com o cenário reivindicado
pelos pescadores. A partir desta análise, foram sugeridos desafios e oportunidades para o aumento da robustez institucional na
pesca artesanal costeira.
1
Informações do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, atualizado em 12/02/2012 e consultado em 02/06/2013.
Figura 1. As comunidades de Tarituba (Paraty) e Mambucaba (Angra dos Reis) em relação à Estação Ecológica (ESEC)
de Tamoios (áreas em verde escuro) e à Baía da Ilha Grande.
A ESEC Tamoios ocupa 13% do total da Baía da Ilha Grande, sendo formada por doze blocos de 29 ilhas, rochedos e seu
entorno de 1 km (IBAMA, 2000). Esta AMP foi criada em 1990 (decreto n° 98.864) com a missão de monitorar a qualidade do meio
biofísico da Baía da Ilha Grande devido à existência de usinas nucleares na região, e é atualmente gerida pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) do MMA. As ações da ESEC Tamoios são comunicadas para a sociedade
civil no âmbito do Conselho Consultivo, que foi formalizado em 2006. As Estações Ecológicas são de domínio público; nelas é
proibida a visitação (exceto com objetivo educacional) e a pesquisa científica depende de autorização.
A comunidade de Tarituba possui 430 moradores2 (cerca de 1,5% da população de Paraty; IBGE, 2012) e está situada no
extremo nordeste do município de Paraty. Mambucaba corresponde a uma área localizada no sudoeste do município de Angra
dos Reis que engloba o Perequê (36.000 moradores) e as comunidades da Vila Histórica ou Mambucabinha (900 moradores) e
Praia Vermelha (350 moradores). Mambucaba e Tarituba estão localizadas no entorno da ESEC Tamoios, estando distantes 5 km
e 14 km da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), respectivamente.
Os pescadores artesanais profissionais de Tarituba (cerca de 40) são filiados à Colônia de Pescadores de Paraty e uti-
lizam, principalmente, a rede de espera para pesca do camarão e de peixes diversos e o arrasto motorizado de portas para
camarão (BEGOSSI et al., 2012). Apesar da baixa expressividade da pesca profissional no contingente populacional de Mambu-
caba, essa atividade representa uma importante fonte de subsistência e movimenta a economia associada com a pesca amadora
ou esportiva, incluindo os equipamentos e utensílios envolvidos. Parte dos pescadores de Mambucaba está vinculada à Associa-
ção de Pescadores Profissionais e Amadores do 4ª Distrito de Angra dos Reis (APEPAD) e utilizam principalmente linha de fundo
e rede de espera, em geral de fundo, cujo principal alvo é a corvina (BEGOSSI et al., 2009).
A partir de 2006, a ESEC Tamoios começou a ser implementada, gerando conflitos com o setor pesqueiro, mas também
reivindicações para mudanças no seu arranjo institucional. Os problemas que mais afetavam a pesca artesanal de Tarituba e
Mambucaba eram: (i) restrição de acesso aos 1.000 m do entorno das ilhas; (ii) abordagem intimidadora dos fiscais; (iii) dificul-
dade para retirar a carteira de pesca e (iv) operação de grandes embarcações pesqueiras dentro da Baía da Ilha Grande.
2
Incluindo o Sítio Toc-Toc no Costão Norte e a Vila São Vicente, localizada no lado oposto da BR 101.
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Análise dos princípios para instituições robustas
Nós utilizamos uma análise comparativa entre os princípios para instituições robustas e o arranjo institucional da ESEC
Tamoios para lidar com a pesca artesanal nas comunidades após o início da sua implementação ocorrida em 2006. Essa situação
foi contrastada com as reivindicações dos pescadores artesanais por mudanças no sistema de gestão da pesca na Baía da Ilha
Grande e na ESEC de Tamoios (Tabela 1). A seguir analisaremos cada um dos princípios:
Limites dos usuários (1A): Segundo Johannes (2002), há pouco incentivo para as comunidades de pescadores conserva-
rem os recursos caso não haja um reconhecimento legal dos direitos de prevenir a extração por usuários externos. Em Paraty, há
uma migração sazonal do pescador artesanal para atividades turísticas durante o verão, períodos de interrupção da pesca (de-
feso do camarão) e presença de pescadores amadores nas safras de certas espécies, como camarão, tainha e pescada branca.
Uma das principais reivindicações dos pescadores artesanais se refere ao banimento de grandes embarcações pesqueiras
dentro da Baía da Ilha Grande. A legislação brasileira considera os recursos pesqueiros como de uso comum (res communis)
sob tutela do Estado, sendo sua exploração sujeita a emissão de licenças. A distinção entre usuário e não usuário de recursos
pesqueiros é realizado por documentos de pesca, tais como carteira de pesca e licença para artes de pesca e espécie-alvo. As-
sim, o governo limita a entrada de novos usuários pela emissão de licenças de pesca de acordo com o motor e as dimensões do
barco. No início de 2013, as licenças para a pesca artesanal, que eram generalistas, passaram a especificar as artes de pesca
e espécie-alvo. Esta medida passou a impedir a diversificação de artes de pesca artesanais, tradicionalmente realizada para
adaptar a técnica às características do recurso pesqueiro disponível. Não é funcional transpor para a pesca artesanal um modelo
de licenciamento que funciona para a pesca industrial, pois há diversas características que as distinguem (BERKES et al., 2001;
Limites dos recursos (1B): A Baía da Ilha Grande é um ecossistema marinho autocontido bem definido, onde os usuários
exploram recursos sésseis, estacionários e migratórios. As negociações da ESEC Tamoios com o setor pesqueiro é parte de
dinâmicas mais complexas e de um território mais amplo, uma vez que toda a Baía da Ilha Grande está incluída na sua zona de
amortecimento. A falta de delimitação ou sinalização da ESEC Tamoios contribui para o desconhecimento das regras de apro-
priação e pode gerar abordagens equivocadas da fiscalização decorrente da passagem das embarcações pelo seu território.
Congruência com as condições locais (2A): O arrasto motorizado com o sistema de portas é praticado para captura do
camarão-branco e do camarão sete-barbas, que ocorrem em locais da Baía da Ilha Grande onde o substrato é formado por lama.
Por envolver a maioria dos pescadores de Paraty, a proibição do arrasto de portas de todos os tamanhos dentro da Baía da Ilha
Grande é um assunto delicado. Em Tarituba, a maioria dos pescadores artesanais concorda com a restrição da pesca de arrasto
de portas e picaré3 nos criadores naturais de pescado, que são os manguezais localizados ao sul de Tarituba (Iriri, Humaitá,
Taquari e Barra Grande). Os pescadores entendem que essa medida de proteção deve estar associada com o defeso do camarão
no período que a fêmea está desovando e se desloca para os criadores naturais. Os pescadores de Mambucaba, mais interessa-
dos na conservação dos peixes recifais, reivindicam o banimento do arrasto de portas entre as ilhas de Sandri e Algodão e o con-
tinente. Essas restrições legais já existem para embarcações maiores de 10 Tonelagens de Arqueação Bruta (Portaria IBAMA no
43, de 1994), sendo esta uma reivindicação pelo cumprimento da regra. Os efeitos esperados da proibição efetiva de embarca-
ções de arrasto de portas nos criadores é o aumento na produção de pescado pela exportação de larvas e na captura do camarão
com rede de espera (camaroeira). Como a maioria dos pescadores captura camarão com rede de espera, a proibição do arrasto
de portas nos criadores naturais atenderia a critérios mais distributivos e, com a captura de indivíduos maiores, diminuiriam os
custos envolvidos com óleo, gelo e desgaste das embarcações. Em relação a este princípio, os pescadores também consideram
que os programas de maricultura desenvolvidos na região, como o cultivo de algas exóticas (Kappaphycus alvarezii), podem
diminuir a qualidade ambiental onde vive o recurso e a área disponível para o arrasto de portas (ver AZEVEDO, 2013).
Apropriação e provisão (2B): Em virtude da escassez de recurso, da proibição da pesca nos principais pesqueiros e das
penalidades atribuídas aos infratores, os custos envolvidos na pescaria passaram a exceder seus benefícios, gerando abandono
da pesca profissional, realizada por pescadores artesanais, principalmente em Mambucaba. A disposição para abandonar a
pesca artesanal é afetada por fatores que operam em diferentes escalas (Daw et al. 2012). Fatores como mudanças ambientais
(assoreamento e poluição do Rio Mambucaba) e socioeconômicas (elevado valor dos insumos e competição com pescado de
cativeiro) também podem estar associados ao abandono da pesca. Além de regulações na atividade pesqueira, os pescadores
artesanais reivindicam ações sistêmicas do Estado, tais como: (i) medidas corretivas no ambiente biofísico (e.g. dragagem e a
contenção da barra do Rio Mambucaba); (ii) fortalecimento da cadeia produtiva de pescados (e.g. menor preço do gelo e incen-
tivo ao consumo do pescado de origem local); (iii) controle de espécies exóticas (coral sol e algas cultivadas) e (iv) alternativas
econômicas à proibição da pesca (e.g. maricultura e recifes artificiais). Em Mambucaba, os pescadores reivindicam que recifes
artificiais sejam instalados entre o continente e as ilhas do Sandri e Algodão para restringir a operação de arrastos de portas e fa-
vorecer a aglomeração de peixes recifais. Nas comunidades analisadas há demandas específicas para regulação do extrativismo
de um caranguejo (goiá) e de uma espécie de marisco (sururu) que são muito apreciados na culinária local.
Arranjos de escolha coletiva (3): Apesar das normas informais de reciprocidade, como a troca de informação entre os
pescadores, e da existência de associações e entidades representativas, os arranjos existentes não permitem que as principais
reivindicações do setor em relação à diminuição do esforço de pesca próximo à costa sejam atendidas. As relações entre os
pescadores e sua ação coletiva foi historicamente afetada pelas diferenças entre os pescadores no grau de investimento em
barcos e artes de pesca (TRIMBLE, 2013), pela crise na pesca, crescimento do turismo e adoção das artes de pesca modernas.
3
Rede de forma retangular que é arrastada paralelamente próximo à praia por dois ou quatro homens que seguram um calão de madeira preso às suas extremidades.
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Na ESEC Tamoios, a participação dos usuários na modificação das regras operacionais4 é limitada ao nível de consulta. As lide-
ranças comunitárias questionam o caráter consultivo dos Conselhos de UC da Baía da Ilha Grande, como um novo arranjo para
legitimar a continuidade das relações de poder hegemônicas nos municípios e agências governamentais estaduais e federais.
A reivindicação por conselhos deliberativos é recorrente em Áreas de Proteção Ambiental (APA) Marinhas, conforme detalhado
por Macedo et al. (2013) para o caso da APA da Baleia Franca.
Monitoramento dos usuários (4A): Os pescadores artesanais consideram que a fraca fiscalização existente durante o
período noturno, paralização da pesca (defeso) e feriados faz com que os benefícios percebidos em infringir as regras superem
seus custos. Não há mecanismos de prestação de contas por parte do Estado ou participação dos pescadores na fiscalização ao
cumprimento das regras de uso e acesso aos recursos pesqueiros.
Monitoramento do recurso (4B): O monitoramento ambiental vem sendo gradativamente realizado pela ESEC Tamoios
por meio do estímulo a pesquisas, gestão de informações ambientais e debate público. As prefeituras e o governo do estado
do Rio de Janeiro vêm investindo na estatística pesqueira, por meio do monitoramento dos desembarques. Há, no entanto, um
crescente espaço para pesquisas na Baía da Ilha Grande sobre monitoramento sistemático de capturas apoiado na perspectiva
do manejo experimental de Walters & Hilborn (1976). Apesar de a estatística pesqueira dar o tom de políticas como o defeso e o
permissionamento de frota, ela não atinge a maior parte da pesca artesanal, carece de padronização metodológica e não é cons-
tante, representando um instrumento de barganha do setor pesqueiro por licenças de pesca. Além disso, muitas embarcações
pesqueiras que operam dentro, ou próximo da Baía da Ilha Grande, realizam seus desembarques em outros Estados e não são
contabilizados na estatística local.
Sanções graduadas (5): A aplicação de sanções graduadas nas penalidades, aumentando a punição no caso de rein-
cidência, está prevista na Lei de Crimes Ambientais. No entanto, os pescadores artesanais que foram fiscalizados violando as
regras de apropriação consideram que esse mecanismo não foi devidamente aplicado. Os pescadores receberam penalidades
como: responder processos na justiça por crime ambiental, multa e apreensão do pescado, embarcação e apetrechos. Além de
reivindicar sanções graduadas nas penalidades de facto, os pescadores artesanais consideram que a abordagem dos fiscais
deveria ser respeitosa e educativa. Uma vez que as regras formais de pesca são pouco conhecidas entre os usuários (e.g. ta-
manho de captura das espécies), os pescadores consideram que os fiscais deveriam atuar também na sua informação. Outra
reivindicação entre os pescadores artesanais se refere à possibilidade de reaver os equipamentos apreendidos.
Mecanismos de resolução de conflitos (6): No Brasil, a ausência de mecanismos de baixo custo para a resolução de
conflitos cria um abismo entre as agências de governo e os pescadores (SILVA et al; 2013). Na Baía da Ilha Grande, quando
autuados, os pescadores recorrem aos vereadores, às associações e colônias de pescadores, ou diretamente à Justiça Federal
por meio de advogados. A Câmara Temática de Aquicultura e Pesca do Conselho Consultivo da ESEC Tamoios conta com o
suporte da Coordenação de Gestão de Conflitos Territoriais do ICMBio. Esta tem sido a principal arena para gestão de conflitos
com os pescadores de Tarituba e Mambucaba. Não existe, porém, conforme reivindicam os pescadores, uma arena pública no
nível da Baía da Ilha Grande que seja reconhecida pelos atores do setor pesqueiro como instância responsável pela mediação
de conflitos entre usuários.
Reconhecimento mínimo dos direitos à organização (7): Apesar de a organização formal envolver a obediência a uma
série de instrumentos legais descriminados pelo Código Civil, atualmente o Estado brasileiro permite o livre associativismo.
Empreendimentos imbricados (8): O uso e acesso aos recursos pesqueiros são regulados pelo governo federal, cabendo
aos estados e municípios legislar em caráter complementar. Essa prerrogativa não restringe os entes federativos em criar le-
gislações próprias. Na Baía da Ilha Grande, há uma dominância do nível federal na gestão dos recursos pesqueiros, realizada
através do ICMBio, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e MPA (ARAÚJO, 2014).
4
As regras operacionais definem como os recursos podem ser usados (Ostrom, 1990).
Instituições fracas ou inexistentes: O quadro das políticas para a pesca artesanal na Baía da Ilha Grande pode ser
comparado a uma das tragédias do domínio público descritas por Young (2011) como artrite institucional. Ela se resume ao fato
do Estado não ter habilidade para responder aos problemas emergentes de forma ágil para se engajar no manejo adaptativo
e encaminhar questões de longo prazo em um tempo adequado. O atual panorama das instituições de gestão dos recursos
pesqueiros gera as seguintes consequências para a pesca artesanal: (i) baixo nível de comunicação entre os níveis de gover-
nança (Referente ao Princípio 8); (ii) iniciativas associadas mais com os indivíduos do que com as organizações (Referente ao
Princípio 3); (iii) baixa funcionalidade das regras (Referente ao Princípio 2A) e (iv) informalidade dos pescadores artesanais e
inoperância de suas organizações de representação (Referente aos Princípios 6 e 7).
A gestão pesqueira necessita, inter alia, de normas que sejam também fundamentadas na experiência dos usuários (BER-
KES et al., 2001). A legislação pesqueira está desajustada à realidade da Baía da Ilha Grande, havendo ausência de regulamenta-
ção sobre certos temas e normas sobrepostas ou ultrapassadas. A complexidade da legislação pesqueira e ambiental tornam as
regras pouco conhecidas entre os usuários e, portanto, pouco funcionais. Por outro lado, faltam regras formais regulamentando
as artes de pesca artesanais de uso significativo na Baía da Ilha Grande, como por exemplo, o cerco de robalo e o cerco flutuante.
Sem as artes regulamentadas, os pescadores não podem retirar os documentos de pesca, ficando vulneráveis à fiscalização e
impossibilitados de acessar benefícios trabalhistas.
A necessidade de revisão e simplificação das políticas também está associada com o fortalecimento das organizações
dos pescadores artesanais. Com a lei nº 11.699 de 2008 e o Novo Código Civil, as colônias de pescadores se tornaram sindica-
tos, deixando de ser entidades de classe e sendo facultada a participação do trabalhador. Visando incentivar o cumprimento do
seguro-defeso do camarão, a colônia ampliou o número de registrados e a Prefeitura de Paraty, desde 2012, passou a comple-
mentar o valor pago pelo governo federal.
Segundo Trimble, Araújo & Seixas (2014), os pescadores artesanais de Paraty descordam do período de defeso do ca-
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marão (Referente ao Princípio 2A), principal política de gestão pesqueira em volume de recursos financeiros. A manutenção
da época do defeso do camarão na Baía de Paraty é um tema polêmico e o setor pesqueiro já experimentou a sua mudança5.
Segundo Martins, Pinheiro e Leite-Júnior (2013, p. 212), a atividade reprodutiva contínua do camarão sete-barbas indica que os
defesos baseados em períodos de desova podem representar “uma estratégia de gestão pouco eficiente” por não atingir o obje-
tivo de proteger o ciclo de vida adequadamente. Esses autores destacam que os períodos reprodutivos do camarão sete-barbas
são variados “(...) em função das condições ambientais encontradas em cada local, as quais podem ser ideais para a desova
em diferentes épocas do ano” (MARTINS; PINHEIRO; LEITE-JÚNIOR, 2013, p. 212).
Na Oceania, onde muitos pescadores artesanais passaram a assumir a responsabilidade pelo manejo dos recursos
marinhos (RUDDLE, 2008), o principal desafio foi promover a flexibilidade dos sistemas de manejo tradicionais em face às rápi-
das mudanças e ao risco de homogeneização e congelamento do sistema tradicional pelas leis ocidentais (JOHANNES, 2002). A
definição do período do defeso na Baía da Ilha Grande, exemplifica a tensão existente entre as respostas adaptativas às mudan-
ças ambientais presentes no manejo de base comunitária e a inflexibilidade da legislação.
Oportunidades de novos arranjos institucionais para a pesca artesanal: Nos últimos anos, o governo vem criando
políticas voltadas para o pescador artesanal e que possibilitam a sua participação em um sistema de gestão historicamente mar-
cado pela abordagem “top-down”. Até 2003, a pesca artesanal foi provisoriamente prevista em lei, uma vez que, antes disso, as
políticas pesqueiras estavam voltadas ao desenvolvimento industrial da atividade (OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Em 2006 foi aprovado o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Decreto nº 5.758), que estabelece que as
AMPs devem ser criadas e geridas visando não só a conservação da biodiversidade, mas também a recuperação dos estoques
pesqueiros (Referente ao Princípio 4B). O Decreto no 6.040/07 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais e, baseado nesta política, o município de Paraty promulgou uma legislação específica para
suas comunidades tradicionais (Lei municipal no 1.835 de 2012), entre as quais se encontram os pescadores artesanais. Estas
políticas concedem direitos de uso e acesso aos recursos naturais às populações tradicionais, estando, desta forma, associadas
com o Princípio 1A (limite dos usuários).
Com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e Pesca (Lei 11.959 de 2009) os direitos trabalhis-
tas, previdenciários e de acesso ao crédito foram unificados e estendidos aos trabalhadores da pesca que não atuam na captura,
como é o caso de muitas mulheres que exercem atividades de beneficiamento do pescado (AZEVEDO, 2012). Ainda em 2009, foi
regulamentado o sistema de gestão compartilhada dos recursos pesqueiros (Portaria Interministerial MPA e MMA nº 2), ambas
medidas associadas aos Princípios 2B, 3 e 8.
Araújo et al. (2014) e Trimble, Araújo & Seixas (2014) relatam o desenvolvimento de um instrumento conciliatório6 entre
a ESEC Tamoios e os pescadores de Tarituba. Com a aplicação deste instrumento conciliatório, os pescadores estariam no-
vamente autorizados a exercer sua atividade profissional em sua comunidade e seriam estabelecidos limites entre os usuários
(Referente ao Principio 1A). Além disso, a implementação deste instrumento está associada com a adoção de abordagens par-
ticipativas, que envolvam os usuários no monitoramento dos recursos (Referente ao Principio 4B). Os envolvidos neste processo
esperam que os resultados do monitoramento gerem aprendizados para serem revertidos em mudanças nos arranjos institucio-
nais da pesca na Baía da Ilha Grande.
Araújo (2014) e Joventino, Johnsson & Lianza (2013) analisam a iniciativa de construção de acordos de pesca, através do
Projeto GPesca7. O GPesca funcionou entre 2009 e 2012 como uma arena pública de discussão, onde foram sistematizadas as
principais reivindicações dos pescadores artesanais. Os instrumentos conciliatórios e o GPesca representam iniciativas relacio-
nadas aos Princípios 6 e 8.
Considerações finais
Os impactos sociais da ESEC Tamoios na pesca artesanal das comunidades de Tarituba e Mambucaba, evidenciam a
necessidade de novos arranjos institucionais. Indicamos que as instituições de gestão da pesca estão desajustadas à realidade
5
O período de defeso do camarão é definido pela Instrução Normativa IBAMA nº 189 de 2008 e ocorre de 15 de novembro a 15 de janeiro e de 1º de abril a 31 de maio.
Ainda não foi determinado se o instrumento conciliatório será um “Termo de Compromisso” ou “Termo de Ajustamento de Conduta”.
Desenvolvimento e Gerenciamento de Sistemas de Gestão da Aquicultura e Pesca na Baía de Ilha Grande.
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PROJETOS DO CICLO DE CAPACITAÇÃO EM GESTÃO PARTICIPATIVA DO ICMBIO:
OPORTUNIDADES DE INCLUSÃO SOCIAL NA GESTÃO DA BIODIVERSIDADE?
Resumo
A maioria das unidades de conservação brasileiras possui um histórico de pouca integração ao seu contexto territorial, o que gera
uma série de desafios para sua gestão. Um dos caminhos para aprimorar a gestão é gerir em diálogo estreito com a sociedade,
envolvendo-a nos processos de decisão. Entretanto, elaborar normas de forma participativa, que resultam de um pacto entre os
diferentes atores sociais, não é uma tarefa simples. O ICMBio tem buscado avançar na gestão da biodiversidade investindo, den-
tre outros, na preparação de seus gestores por meio do Ciclo de Capacitação em Gestão Participativa, que utiliza projetos de in-
tervenção local como recurso pedagógico. O texto apresenta uma análise de diferentes aspectos dos projetos no período de 2010
a 2014, em busca de pistas sobre a contribuição dos mesmos para a inclusão social e a gestão participativa da biodiversidade.
Introdução
A destinação de áreas para a conservação é uma forma de normatizar espaços construídos socialmente e envolvem com-
plexas interações. As unidades de conservação (UC) estão, independentemente de sua categoria de gestão, amalgamadas a um
ambiente social, nas suas esferas política, territorial, administrativa e simbólica (PIMENTEL; MAGRO, 2012).
Esta complexidade é um desafio para a administração dessas áreas, e poucas Unidades apresentam alta efetividade
de gestão, conforme análises realizadas em 2005 e 2010, pela parceria do ICMBio com o WWF-Brasil. A mais recente e última
análise da efetividade da gestão, realizada em 2010 pela mesma parceria, revelou que houve uma evolução, comparada com a
realidade de 2005/06. Mesmo assim, o estudo apontou que 31,2% das UC ainda estavam com baixa efetividade, 46,2% com média
efetividade e apenas 22,6% estavam no patamar de alta efetividade (ICMBIO; WWF-BRASIL, 2012).
Acredita-se que um dos caminhos para ampliar a efetividade das Unidades é fazer sua gestão em diálogo estreito com
a sociedade, envolvendo-a nos processos de decisão, conforme se recomenda em marcos legais nacionais e acordos interna-
cionais, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, o Plano Estratégico de Áreas Protegidas - PNAP e os
princípios do Enfoque Ecossistêmico adotados pela Convenção da Diversidade Biológica - CDB, da qual o Brasil é signatário.
Entretanto, desenvolver processos participativos para elaboração de normas e regras que resultam de um pacto entre os diferen-
tes atores sociais não é uma tarefa simples.
A gestão destas áreas demanda inúmeros conhecimentos e habilidades para o alcance de seus objetivos de criação, que
em seu conjunto são muito abrangentes, da proteção da biodiversidade à promoção do desenvolvimento. Além disso, a educação
formal no Brasil não contempla o tema com a profundidade necessária, e a formação específica de profissionais para a gestão
de unidades de conservação ainda é incipiente e com pouca oferta de cursos específicos no Brasil e América Latina (LUZ et
al, 2011). No Brasil, podem ser citadas as iniciativas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA-AM, do Instituto de
Pesquisas Ecológicas - IPÊ-SP e da Escola Nacional de Botânica Tropical do Jardim Botânico do Rio de Janeiro – ENBT/JBRJ.
Refletindo sobre esta realidade e confrontando-se com as demandas impostas por uma gestão socioambiental das uni-
dades de conservação, a equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio decidiu, no início desta
década, investir na formação de gestores na temática da gestão participativa (LUZ et al; 2011). Deste modo, em parceria com
a Cooperação Alemã (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) e o Projeto Áreas Protegidas da Amazônia do
Ministério do Meio Ambiente - ARPA/MMA, o ICMBio iniciou em 2010 um Ciclo de Capacitação em Gestão Participativa (CGP),
construído a partir das experiências de capacitação da Cooperação Alemã no contexto do Programa ARPA, no período de 2006
a 2009 (CASTRO et al; 2009). A capacitação implementada pelo ICMBio é composta por cerca de 200 horas distribuídas em
módulos presenciais ao longo de um ano, com elaboração e execução de projeto aplicativo e seminários de monitoramento e
Metodologia
Para este trabalho foram realizadas sistematização e análise da base de dados dos projetos já realizados no âmbito das
quatro primeiras edições do Ciclo de Gestão Participativa, além de uma análise documental do acervo existente no ICMBio e
entrevistas com participantes e parte da equipe pedagógica.
Os dados sobre os projetos foram organizados em planilha Excel com as seguintes informações básicas: Nome do (s)
responsável (eis), local de trabalho à época da participação no Ciclo, ano de participação e edição do Ciclo, região do Brasil,
Coordenação-regional correspondente quando aplicável, tema, título, objetivos e resultados esperados do projeto e uma coluna
de observações contendo informações relativas à execução do projeto, obtidas por meio das entrevistas realizadas. Outras infor-
mações foram coletadas a partir do quadro lógico de cada Projeto e de relatórios de desenvolvimento dos mesmos.
Foram realizadas entrevistas com os responsáveis pelos projetos, coordenação e equipe docente do Ciclo, por meio de
correio eletrônico e telefonemas e abordam questões sobre o desenvolvimento dos projetos, como desafios, práticas alternativas
adotadas, alterações no contexto, entre outras. Os contatos iniciais foram realizados em setembro de 2013 e para os projetos que
ainda estavam em execução, foram feitos contatos subsequentes nos anos de 2014 e 2015 para acompanhamento dos desdobra-
mentos. Para os responsáveis que não responderam ao contato inicial de 2013 foi feito um novo contato por correio eletrônico e
telefone em 2015. Nas entrevistas foram solicitadas informações de execução do projeto e atribuição de um valor de 0 a 6 para
essa execução conforme a escala apresentada na Tabela 1:
1
Faz parte da estrutura organizacional do ICMBio, que possui 11 Coordenações-regionais. Dentre suas atribuições, apoia os processos de gestão das UC, estimula a
colaboração mútua entre as equipes e promove a articulação local e regional.
2
Quadro Lógico ou Marco Lógico é a metodologia adotada para sistematizar as informações dos Projetos.
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Tabela 1. Escala de avaliação
Resultados e Discussão
O investimento na formação do quadro institucional na temática de gestão participativa da biodiversidade rendeu até 2015
cinco ciclos de formação. Envolveu 136 gestores de UC, centros de pesquisa e conservação, coordenações-regionais e Sede do
ICMBio, além de 21 gestores de outras instituições do SISNAMA (como Organizações Estaduais de Meio Ambiente – OEMA,
Agencia Nacional de Água- ANA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Ministério
do Meio Ambiente – MMA) e produziu 107 projetos de aplicação do conhecimento desenvolvidos em diferentes instâncias do
ICMBio e das instituições parceiras.
Atualmente estes projetos se encontram em diferentes graus de execução. Do conjunto de 107 projetos desenvolvidos,
quatro não possuem informações disponíveis, portanto as análises subsequentes foram feitas a partir de 103 projetos.
Figura 1. Distribuição dos projetos por região do Brasil (universo de 103 projetos).
Nas demais instituições participantes, as unidades de conservação foram local de sete projetos (três na categoria Parque,
dois na categoria RDS, 1 em Floresta Estadual e um em ARIE), sendo os outros desenvolvidos em setores diversos, como apre-
sentado na Figura 3.
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Temáticas trabalhadas pelos Projetos
Quanto às temáticas abordadas, a maioria dos projetos desenvolvidos (45) teve como foco os conselhos gestores, eviden-
ciando o estágio de implementação da gestão das UC envolvidas, no período de 2010 a 2014. Por outro lado, pode-se perceber
uma diversidade de temáticas do universo da gestão das UC (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição temática dos projetos do Ciclo de Capacitação em Gestão Participativa no período de 2010 a 2014.
Dentre os 45 projetos desenvolvidos com conselhos gestores, é possível categorizá-los em processos de formação (31%),
renovação (29%), capacitação (24%) e funcionamento (16%). O período analisado, de 2010 a 2014, coincide com o período no
qual a formação dos conselhos foi uma prioridade institucional para o ICMBio e grande quantidade de conselhos gestores de
UC foi criada.
A segunda área temática com maior número de projetos desenvolvidos é “processos educativos” em espaços para além
dos Conselhos, demonstrando a importância desta estratégia para a gestão participativa da biodiversidade. Como sujeitos dos
processos educativos nestes projetos, há comunitários residentes em unidades de conservação (8 projetos), comunitários no
entorno de unidades de conservação (2), escolas (2), visitantes (1), jovens (1) e servidores (1).
O aperfeiçoamento de processos internos de planejamento e gestão estratégica é o foco de quatro projetos, seguindo a
orientação institucional do ICMBio para a adoção da gestão para resultados alinhada ao Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão (MPOG). Vale destacar que um destes projetos teve continuidade e foi aprofundado no contexto do Curso de Gestão
para Resultados, também desenvolvido no ICMBio. Possibilitou assim, a integração dos processos formativos institucionais e
reforçou a incorporação de novas práticas no cotidiano da gestão, transformando a cultura organizacional e gerando uma gestão
mais eficiente (Santana; Silva, 2014).
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Figura 4. Grau de execução dos projetos
Diversos fatores influenciam a execução dos projetos. Dentre os fatores citados pelos entrevistados como desafios para
a implementação dos mesmos, pode-se destacar: (i) inexistência ou corte de recursos orçamentários, (ii) equipe reduzida frente
a inúmeras demandas na gestão, (iii) mudança de prioridade pela instituição ou pelo chefe da UC, (iv) tempo da administra-
ção pública diferente do tempo das comunidades, considerando que os processos participativos geralmente demandam mais
tempo, (v) resistência da equipe à utilização de metodologias diferentes, (vi) descontinuidade dos projetos, frequentemente em
função da mobilidade dos servidores, (vii) conflitos sociopolíticos fora da governabilidade do projeto, e (viii) cultura organizacio-
nal arraigada que pouco reconhece e compreende processos de construção participativa.
De modo geral, a partir dos projetos foi possível verificar um esforço direcionado a: (i) o aumento no número das par-
cerias entre UC e distintos setores da sociedade local com melhoria da participação e cooperação, (ii) o distensionamento das
relações com a sociedade, (iii) a promoção de diálogos mais qualificados, e (iv) ampliação da compreensão sobre os objetivos
e funções das unidades de conservação e seus instrumentos de gestão, como conselhos, planos de manejo, termos de compro-
misso, entre outros.
O desenvolvimento dos projetos possibilitou também, segundo os gestores, o surgimento de novas lideranças nas comu-
nidades e o amadurecimento e a autoconfiança das equipes gestoras para o diálogo, incluindo a melhor proposição de instru-
mentos, ferramentas e linguagens adequadas ao público envolvido.
Percebe-se, a partir das declarações dos participantes, que apesar de alguns projetos não terem sido executados em sua
totalidade, os aprendizados vivenciados ao longo de sua construção foram válidos para a formação do servidor e para o desen-
volvimento de novas ações no mesmo ou em outro local de atuação.
É possível identificar características comuns aos projetos bem-sucedidos que podem orientar e inspirar novos projetos.
Dentre elas, os gestores e a equipe docente ressaltam: (i) simplicidade e objetividade; (ii) clareza na definição dos objetivos e
resultados esperados; (iii) permanência dos servidores no local de execução, garantindo a continuidade; (iv) flexibilidade para
a gestão adaptativa, a partir do registro das decisões e do monitoramento; (v) envolvimento da equipe e de parceiros no planeja-
mento e execução; (vi) pertinência do escopo do projeto para a gestão da UC.
Considerações Finais
A realidade da maioria das UC brasileiras possui um histórico de isolamento, com pouca integração aos seus contextos
social, cultural e econômico, resultante de inúmeros fatores que geraram resistência da sociedade à destinação de parte do ter-
ritório para a conservação da natureza. Além disso, a gestão destas áreas é, em geral, caracterizada por especificidades técnicas
que alijam o cidadão comum dos processos de gestão, reforçando o distanciamento destes de seu patrimônio natural protegido
pelas unidades de conservação.
Referências
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Protegidas. Gestores empreendedores: inovação na gestão de unidades de conservação. Brasília: IPÊ e ICMBio, 2014. p.37-38.
Resumo
O trabalho registra o processo de formação do Conselho Gestor do Parque Nacional do Pico da Neblina criado em 1979 sobre
território de ocupação tradicional de dezenas de etnias do noroeste amazônico, região conhecida como a Cabeça do Cachorro.
Trata a questão da sobreposição territorial de unidades de conservação sobre terras indígenas com a proposta de estabeleci-
mento de um espaço adequado de governança e protagonismo indígenas onde essas populações afetadas possam participar
das decisões sobre a gestão territorial e promover o exercício de seus direitos originários, concebidos antes mesmo da forma-
ção do Estado Brasileiro. Seguindo as diretrizes estabelecidas por políticas nacionais, propõem que os Planos Conjuntos de
Administração (Eixo 3-PNGATI1) sejam estabelecidos durante o processo de elaboração dos PGTA2 e do Plano de Manejo, de
forma paralela e integrada. O trabalho ainda registra pronunciamentos espontâneos de representantes legítimos, a visão sobre
o processo histórico das relações com as instituições de Estado concebida por representantes da principal etnia que habita o
território, os Yanomami.
Palavras-chave: Governança Indígena, Sobreposição Territorial, Dupla Afetação, Conselho Gestor, PNGATI.
Introdução
Criado em 05 de junho de 1979, o Parque Nacional do Pico da Neblina possui uma área de 2.260.344 ha e é entremeado e
sobreposto a um complexo mosaico de áreas protegidas3. Pelo lado brasileiro temos a sobreposição do Parque às Terras Indíge-
nas do Médio Rio Negro II (1998, área de 316.216 ha), Balaio (2009, área de 257.281 ha), Yanomami (1992, área de 9.664.975 ha)
e Cué-Cué/Marabitanas (2013, área de 808.645 ha). Essa particularidade torna a unidade culturalmente singular, com seus mais
de 5 mil moradores (SESAI42011) distribuídos em 46 aldeias e outros sítios isolados, moradores esses que representam 13 etnias
das 23 presentes na região do alto rio Negro: Dessana, Karapanã, Kubeo, Pirá-tapuya, Tariano, Tukano, Tuyuka, Baniwa, Kuripako,
Yanomami, Baré, Yepamasã e Warekena.
A unidade de conservação ainda se sobrepõem a Reserva Biológica Estadual Morro dos Seis Lagos e está justaposto
em seu limite leste a Floresta Nacional do Amazonas. Numa abordagem amazônica mais ampla, a região onde está localizado é
considerada uma das 63 grandes áreas protegidas no mundo (SALAZAR et al., 2010), as Unidades de Conservação e Terras Indí-
genas brasileiras somadas ao conjunto de áreas protegidas na Venezuela - Parques Nacionais Serrania de La Neblina (1.360.000
ha), Parima Tapirapecó (3.420.000 ha) e Canaima (3.000.000 ha) -, totalizam aproximadamente 320.000 Km2 de áreas protegidas.
Esse enorme corredor de áreas protegidas favorece a proteção das terras altas do Escudo Guianês, em um ambiente físico com-
posto de cordilheiras e/ou tepuis evidenciados por picos íngremes e morros isolados, além de uma grande planície que compõe
o conjunto das paisagens cobertas por densas florestas tropicais, campinaranas, ecótonos e os raros refúgios ecológicos mon-
tano e altimontano e, inserida nesses ambientes,a proteção de considerável parcela da biodiversidade amazônica5.
Justificativa
A partir da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2007, e com o estabeleci-
1
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas.
2
Plano de Gestão Territorial e Ambiental para Terras Indígenas.
3
Não existe a formalização do mosaico através da criação dessa estrutura legal de gestão.
4
Secretaria Especial de Saúde Indígena, senso de 2011.
5
Localizações do Parque Nacional do Pico da Neblina e das Terras Indígenas demarcadas podem ser visualizadas no mapa elaborado e disponibilizado pelo Instituto
Socioambiental (ISA): http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/mapas/img/Abrangencia_altoMedioNegro_Simples_webV2012.jpg/mapa.
6
O Conselho Consultivo do Parque Nacional do Pico da Neblina.
7
Bruno Vinícius da Silva e Souza, Flávio Bocarde, Luiz Martins Gonçalves e Marcia Barbosa Abraão.
8
FUNAI, FOIRN, Distrito Sanitário Indígena Yanomami e ISA
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fazerem a tradução simultânea da reunião do português para a língua predominantemente compreendida pelos moradores.
Em seguida os moderadores solicitavam autorização para fazer os registros das reuniões através de fotos, assinatura da lista de
presença, anotações em cadernos ou gravação em áudio para elaboração das atas. Explicavam que esses registros eram impor-
tantes e imprescindíveis para a documentação do processo de formação do conselho. Logo após, era feito uma apresentação
pessoal dos servidores e na sequência uma apresentação institucional, discorrendo sobre o ano de sua criação, competências e
objetivos do ICMBio. Depois eram apresentadas as Unidades de Conservação com enfoque específico sobre o Parque Nacional
do Pico da Neblina, destacando-se informações sobre o ano de sua criação, limites geográficos, tamanho de sua área e objeti-
vos. Outra informação abordada na reunião foi o fato da unidade de conservação ter sido criada sobre uma área de ocupação
tradicional indígena, onde as Terras Indígenas foram demarcadas em momento posterior a delimitação do Parque e compondo,
juntos, um grande mosaico de áreas protegidas.
Em seguida, buscando-se sempre utilizar uma linguagem simples e acessível, foram apresentados os assuntos relacio-
nados ao Conselho, sua importância como principal espaço de governança e participação social, estrutura, funcionamento, sua
composição, informações sobre o mandato dos conselheiros e outros importantes itens que constavam na Instrução Normativa
nº 11 de 08 de junho de 2010 (substituída pela IN nº 09 de 2014).
A Coordenação Regional do Rio Negro da FUNAI, instituição responsável pela gestão das Terras Indígenas sobrepostas
ao Parque, foi convidada através de ofícios elaborados para cada reunião e esteve presente em várias destas, expondo suas
competências e discorrendo sobre a reestruturação que o órgão vinha desenvolvendo na ocasião.
A primeira etapa foi concluída após realizadas 15 reuniões, envolvendo moradores de 39 comunidades distribuídas ao
longo da BR307, da calha principal do rio Negro e seus principais tributários tais como os rios Cauaburis, Maiá e Marauiá. Para
definição das comunidades que seriam convidadas foi adotado o critério de estar situada no interior da UC ou em uma zona bu-
ffer onde essas comunidades mantinham alguma relação de uso dos recursos naturais abrangidos pelo Parque. Ao todo foram 42
dias de trabalhos em campo, num período de oito meses, um consumo de 2.800 litros de combustíveis e milhares de quilômetros
percorridos por terra e água (Tabela 1 e Figura 1).
Características da região como distância geográfica, tempo, condições de deslocamento, sazonalidade climática (cheia
e vazante dos rios) e condições de trafegabilidade da BR 307 influenciaram o calendário de atividades que foi modificado e adap-
tado em sucessivos momentos para garantir a continuidade do processo de formação. Este primeiro ciclo de reuniões permitiu
a equipe realizar a sensibilização dos moradores acerca da importância da formação do conselho, e ainda conhecer a dinâmica
do território, fazer um registro preliminar das especificidades de cada região e iniciar o diálogo sobre as ações de gestão que
seriam desenvolvidas.
Já nesses primeiros contatos, os moradores expressaram através de suas falas os seus anseios e os conflitos existentes
em relação ao órgão gestor sobre o regramento de uso dos recursos naturais, os relatos principais versaram sobre diversas proi-
bições: da abertura de roças, realização de queimadas, extração de cipós, extração de madeira, pesca, caça, etc. Também foram
relatados problemas que extrapolavam a questão ambiental, tal como educação, saúde e segurança pública. Através dessas
conversas foi possível detectar a ocorrência de conflitos também entre os moradores de diferentes comunidades, principalmente
sobre o modo de compartilhar o uso dos recursos naturais ou mesmo por questões étnicas do processo de configuração histórica
de ocupação territorial.
Nesse momento surgiu a dúvida que perseguiria a equipe gestora até a finalização do processo de formação do Conse-
lho: como reunir num mesmo espaço, e discutir gestão integrada e participativa, diferentes povos que historicamente guerrea-
ram pelo domínio do território? Guerras, ataques, mortes, roubo de mulheres e crianças compunham os relatos coletados, como
seria caminhar nesse chavascal11 de ressentimentos? Veríamos ao longo do processo que estávamos equivocados.
9
Abraão, Marcia B.; Bocarde, Flávio; Gonçalves, Luiz M.; Souza, Bruno V. da S.; Relatório do Processo de Criação do Conselho Gestor do Parque Nacional do Pico da
Neblina, Documento Base para Instauração do Conselho Consultivo (Processo 02070.001988/2012-78), 2012.
10
Dados do senso SESAI de 2011. | 11 Vegetação característica tradicionalmente reconhecida pela dificuldade de transposição.
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Figura 1. I Ciclo de reuniões de sensibilização para formação do conselho nas comunidades.
Figura 2. Levantamento das instituições para compor o conselho durante o primeiro ciclo de reuniões.
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A realização dessa Oficina foi de suma importância, pois definiu as instituições e os setores do conselho, bem como a re-
presentatividade das populações indígenas dentro da gestão da unidade, composta por diferentes etnias que estão em diferentes
processos de relacionamento entre si e com a sociedade envolvente.
Figura 4. II Ciclo de reuniões do conselho nas comunidades para a indicação dos conselheiros.
Paralelamente a este ciclo de reuniões nas comunidades, a equipe da UC fez reuniões e entregou convites para as
demais Instituições que comporiam o conselho. Todas as instituições responderam favoravelmente ao convite enviando seus
aceites e designando os nomes dos conselheiros. Entretanto, cabe ressaltar que o planejamento novamente precisou ser revisto
em mais de um momento e em mais de um dos setores etnoterritoriais. Uma das apostas feitas pela equipe gestora foi a de se
respeitar a forma original de processo político existente em cada um dos setores, seus espaços tradicionais de diálogos e inicia-
tivas de organização.
Em muitos momentos foram revistas as agendas de forma a conformar-se às assembleias tradicionais previstas para os
Figura 5. Diversidade étnica presente no Conselho Gestor do Parque Nacional do Pico da Neblina, posse dos Conselheiros em abril de 2013.
Conclusão
Historicamente, o conceito de áreas protegidas forjou-se às custas da exclusão das populações que tradicionalmente
faziam uso comum dos espaços e dos recursos naturais, e através da retirada do território dessas comunidades que manti-
veram preservados importantes remanescentes florestais para a posterior criação de um “Parque” com essa mesma finalidade.
Entretanto, observa-se uma evolução do conceito de áreas protegidas nas últimas décadas, coincidente com o processo de de-
mocratização de alguns países em desenvolvimento. Portanto, a inclusão social que tem caracterizado a mudança de paradigma
conceitual e político das áreas protegidas reflete a resistência ao modelo dominante privatista, fruto da herança colonial euro-
centrista, marcado pela exclusão e pelo isolacionismo que tornaram essas áreas alienadas das realidades social e econômica
de seus países (FERREIRA, 2014).
Os trabalhos aqui apresentados surgem de uma iniciativa dos gestores do Parque Nacional do Pico da Neblina de harmo-
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nização interpretativa da Constituição Nacional (1988), do Estatuto do Índio 1973, do SNUC 2000, do PNAP 2006, PNDSPCT 2007
e da PNGATI 2012; na perspectiva de abordar a questão da sobreposição territorial com vistas à gestão integrada do território e
com o objetivo principal de traduzir o regime jurídico da dupla afetação, na prática, em um regime de “dupla proteção”. E para
que isso fosse possível, o processo de formação do Conselho Gestor da unidade de conservação deveria seguir parâmetros que
garantissem o protagonismo e governança indígenas sobre seu território de ocupação tradicional no qual se viram afetados pela
criação de um Parque Nacional antes mesmo de terem seus próprios territórios reconhecidos pelo Estado brasileiro.
Ainda são necessários muitos avanços para gerir de forma adequada os territórios em sobreposição, alguns avanços
deverão ser representados por regulamentações específicas que dêem sustentabilidade ao que se anuncia através das diver-
sas políticas nacionais citadas no parágrafo anterior. No caso do Parque Nacional do Pico da Neblina, a própria compreensão
identitária da unidade deve sofrer alterações, transladando-a muito mais para a classe de Uso Sustentável do que da de Proteção
Integral. Muitas das políticas públicas desenvolvidas para populações tradicionais residentes em unidades de conservação de
uso sustentável poderiam, com algum esforço adaptativo, serem também acessadas pelas populações indígenas residentes no
Parque Nacional. Entretanto, essas políticas ainda estão inacessíveis à implementação pelos gestores de unidades de conser-
vação sobrepostas. Exemplo disso é o Programa ARPA que investe milhões na gestão de UC’s Amazônicas, sendo hoje o maior
programa de apoio à implementação do SNUC nesse bioma (> 60.000.000 ha contemplados), mas que coloca como condicio-
nante a esse apoio que a unidade de conservação não possua sobreposição territorial com terras indígenas. Essa falta de políti-
cas públicas específicas, das muitas políticas de exclusão ou mesmo da falta de esforços para enquadramento em políticas já
existentes, relega os territórios sobrepostos a verdadeiro estado de abandono. Isso precisa mudar.
A PNGATI traz em seu eixo 3 a figura dos Planos Conjuntos de Administração, a serem construídos pelos órgão gestores
das terras indígenas (FUNAI) e unidades de conservação (ICMBio) e as populações indígenas afetadas pelo regime da dupla
afetação. O caminho a seguir para esse resultado não se encontra conceituado, entretanto, afirmamos que não existe outra forma
de gerir o território sem se construir conjunta e paralelamente seus Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas
e o Plano de Manejo do Parque. Dessa forma os gestores do PARNA seguem abrindo e avançando no caminho do diálogo junto
às populações indígenas de forma que as propostas surjam através de trabalhos colaborativos, e desses a gestão integrada. Di-
ante situação de extrema vulnerabilidade de gestão por possuir apenas dois servidores (um terceiro será aposentado compulso-
riamente em 3 meses quando completará 70 anos), foram estrategicamente priorizados os setores etnoterritoriais (Figura 3) mais
ativos e os temas mobilizadores mais arraigados e mesmo mais conflituosos para serem tratados na perspectiva de uma gestão
integrada no âmbito do Conselho Gestor recém criado. O conflito atrai a atenção, dá visibilidade, garante o interesse ao debate, e
por esse caminho optamos por iniciar a governança. Não tínhamos, inicialmente, sequer autorização dos indígenas para entrar no
interior da unidade de conservação e, nesse processo, muitas foram as vezes em que fomos expulsos e até mesmo ameaçados
das mais variadas formas nos diversos setores etnoterritoriais. Os trabalhos desenvolvidos para a formação do Conselho Gestor
possibilitaram a abertura do diálogo e a mudança nessas relações conflituosas. A convivência dos gestores dentro das comuni-
dades mudou a forma de enxergar o outro, tanto dos gestores como dos próprios indígenas.
Apresentamos aqui alguns dos resultados provenientes dessa abertura do diálogo junto ao Setor Etnoterritorial de Matu-
racá, de ocupação da etnia Yanomami, localizada no sopé de Yaripo Maki (Serra dos Ventos) que possui como ponto culminante
o Pico da Neblina. Nesse setor, o conflito sobre o turismo, dentre tantos outros, regia as relações desde que os yanomami tiveram
a percepção da existência do Parque Nacional do Pico da Neblina. O Anexo 1 apresenta iniciativa do Conselheiro Yanomami do
Setor Etnoterritorial de Maturacá, Salomão Mendonça Ramos, registrando essas relações na visão de seu povo.
Reconhecemos o processo de ordenamento da visitação ao Pico da Neblina como epicentro de expansão da gestão da
unidade, e a formalização de uma Câmara Temática do Ecoturismo como roda motriz de seu Conselho Gestor. Mesmo que essa
discussão, hoje, ainda esteja limitada a dois setores etnoterritoriais do Parque (Maturacá e Cauaburis), o processo e os resultados
já obtidos têm servido de motivadores para outros atores do Conselho Gestor, e por consequência, do envolvimento dos demais
setores etnoterritoriais que já iniciaram a demanda pelo debate dos temas que julgam prioritários.
Em “Palavras Finais”, no anexo 1, registramos manifestação dos líderes tradicionais que acompanham atentamente
os trabalhos desenvolvidos, iniciativa que surge da própria cultura do Povo Yanomami e que, através de suas tradições, bus-
cam a superação dos conflitos do passado e a construção de uma nova perspectiva de aliança. O Himou, cerimônia que une
duas lideranças e que serve para externalizar todo rancor acumulado pelos conflitos foi recentemente praticado na sede do
Referências
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cação. In: Propostas de implementação da PNGATI na Amazônia. Mil Folhas IEB - Instituto Internacional de Educação do
Brasil. pp. 67-68. 2015.
ANEXO 1
Em 1987, o povo Yanomami começou a discutir com o Gestor do IBAMA, o senhor Ézio, sobre a questão da instituição não
consultar os moradores da comunidade para conduzir os turistas ao Pico da Neblina, para realizar turismo em pesquisas ilegais
na região do parque. Os líderes tradicionais tomaram conhecimento dessa instituição e começaram a dialogar, com o intuito de
ter maior conhecimento sobre o IBAMA.
Nesse período, o Gestor do Parna começou a ter conflitos com os indígenas, pois, em diálogos com os líderes Yanomami
12
Colocar-se entre parêntesis, observar através do olhar do outro.
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do Rio Cauaburis, o senhor Ézio dizia: “Não poderei tomar satisfação com a comunidade. Posso entrar no parque? Conforme
está escrito na lei, tenho toda a autonomia institucional para entrar na área do parque”. Com isso, ele dizia: “Os Yanomami não
tem seus direitos para combater a instituição federal”. Todos os gestores dessa instituição, o antigo IBAMA, trouxeram vários
conflitos ao território Yanomami.
Em 1995, os Yanomami começaram a visar o trabalho do IBAMA, que estava conduzindo os turistas para ganhar dinheiro.
Com esse dinheiro proveniente do turismo, eles compravam ouro dos garimpeiros que trabalhavam naquela região. A gestão do
IBAMA organizava o grupo para levar os turistas sem a consulta aos Yanomami. O guia dessa comissão turística era pessoa de
fora, conhecido pela própria instituição. Com isso, os Yanomami ficaram furiosos, querendo descobrir o que estava acontecendo
com o trabalho dessa entidade. Os líderes tradicionais se organizaram para dialogar dentro da assembleia extraordinária para
fechar o parque nacional, juntamente com o Ministério Público Federal.
Nessa época, estava sendo criada a AYRCA – Associação Yanomami do Rio Cauaburis e seus Afluentes. Os povos Yano-
mami de Maturacá tiveram toda a autonomia coletiva com os líderes tradicionais e impediram a entrada dos turistas e de pes-
quisadores. A população tomou conhecimento que a instituição estava ultrapassando a autonomia dos moradores dessa região,
publicamente foi questionado o trânsito das pessoas de fora que vinham fazer turismo, a população sentiu que o trabalho estava
ilegal. Ao mesmo tempo, devido ao barulho dos motores, estava escasseando os rios, os peixes, as caças e a natureza da região
do Pico da Neblina.
Enfim, concluo a história do antigo IBAMA, que vinha trabalhando ilegalmente em território Yanomami. Em 3 de dezembro
de 1998, foi criada a AYRCA – Associação Yanomami do Rio Cauaburis e seus Afluentes, para lutar pelos direitos do povo Yano-
mami. Na época, foram discutidos problemas turísticos dentro de assembleia extraordinária pelo público, para o fechamento do
parque nacional. Mesmo com o parque fechado à visitação, a instituição continuou com o trabalho clandestino em território Ya-
nomami. Em 2008, o próprio IBAMA fez o Projeto Valor: Cento e cinqüenta mil reais junto com os turistas e com outros parceiros,
com a Funai de Brasília, para fazer as bases no ramal do Pico da Neblina13. Os Yanomami não gostaram do interesse do IBAMA,
pois a entidade estava realizando uma atividade ilegal para os moradores dessa região de Maturacá. Novamente, os Yanomami
ficaram muito furiosos, porque o IBAMA não os consultou.
O tempo passou, o nome da instituição apareceu como ICMBio, que tinha nascido para assumir o compromisso dentro
do parque. Os líderes tradicionais continuaram a não acreditar na nova gestão. Logo depois, o chefe do parque, senhor Flávio,
teve contato com os makayotheri14. Os Yanomami não acreditaram no projeto que estava sendo trabalhado, denominado Projeto
das Cavernas.
O ICMBio informou que a instituição era recente, que estava fazendo o mesmo papel do antigo IBAMA. Os Yanomami,
coletivamente com a sua associação AYRCA, tomaram providência para que o ICMBio trabalhasse juntamente com eles. Mais
uma vez o gestor do parque cometeu o erro de não reconhecer a autonomia dos líderes tradicionais15. Publicamente, o senhor
Flávio Bocarde recebeu a orientação dos Yanomami. O chefe do parque não pode ultrapassar os direitos dos Yanomami, que
moram em seu território na sua vida cotidiana.
Esperamos que a Funai na sua coletividade com o ICMBio, venha capacitar os nossos jovens. Na época, os líderes tradi-
cionais comentaram que não iriam mais consolidar os projetos feitos apresentados pelo gestor do parque.
Em 2011, os Yanomami tiveram contato com o ICMBio para criar o Conselho Gestor do Parque Nacional do Pico da
Neblina. Os líderes discutiram para que a instituição capacitasse os integrantes do Conselho Gestor para receber atividades
turísticas, só assim nós poderemos consolidar o Projeto de Ecoturismo.
Em 2012, foi criado o Conselho do Parna. O Povo Yanomami consolidou a criação do Conselho do Parque no evento da
assembleia extraordinária, onde estavam reunidas todas as lideranças de outras comunidades também associadas à AYRCA.
13
Instalação de bases em concreto e ferro na trilha de acesso ao Pico da Neblina decorrentes do acordo construído em uma ação de responsabilização imposta ao
Exército por iniciar ilegalmente a abertura de uma estrada até a comunidade de Maturacá. Os yanomami tiveram participação bastante limitada no processo de-
cisório. O Parque já se encontrava fechado à visitação por uma recomendação do Ministério Público Federal.
14
Como foram denominados os participantes, napë (brancos) e yanomami, do projeto de pesquisa colaborativa que visava a prospecção de cavernas e seu ma-
peamento no intuito de propiciar subsídios à discussão sobre qual o manejo mais adequado dessas cavidades uma vez que as cavernas - Makayo – estão presentes
na mitologia yanomami como ambientes sagrados. O projeto também ambicionava uma primeira tentativa de aproximação e superação dos conflitos junto ao Povo
Yanomami.
15
Ter multado apresentador de TV que ascendeu ao Pico da Neblina para gravar um reality show, onde saltaria de lá num paraglide, pois o mesmo teve sua auto-
rização negada pelo ICMBio e FUNAI.
16
A partir de articulações do ICMBio, diversos conselheiros do PARNA participaram dos ciclos de formação: em 2013-2015 do Programa de Formação Continuada em
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental – PNGATI realizado em Boa Vista/Roraima e em Brasília/DF pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB,
apoio Fundação Gordon e Betty Moore) e em 2014-2015 do Curso Básico de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas no Rio Negro, Noroeste Amazônico
realizado em São Gabriel da Cachoeira/Amazonas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN, apoio PDPI/MMA).
16
Aqui a palavra “vocês” é utilizada para representar os inimigos do Povo Yanomami.Durante a tradução e em conversas posteriores ficou claro que Tuxaua Carlos se
referia de forma abrangente aos inimigos, mas com especial atenção aos legisladores presentes em Brasília e que representam uma ameaça aos Yanomami. Nesse
sentido, as palavras foram direcionadas ao Presidente do ICMBio numa interpretação de que ele teria acesso a um diálogo direto junto a esses inimigos nas esferas
de poder existentes em Brasília.
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Himou
Campos, Larissa Aparecida de Paula1; Adriano, Ana Paula Pereira2 & Quadros, Juliana3
Resumo
As áreas naturais protegidas têm o papel do conservar e proteger o meio ambiente para demais gerações, a partir disso, se anali-
sou as relações existentes entre o Parque Nacional de Saint- Hilaire / Lange, localizado no litoral do Paraná, e sua zona de entorno.
Trabalhando com os residentes das Colônias rurais e Conselheiros do Conselho Consultivo do Parque. Objetivou-se compreender
as perspectivas dos moradores sobre a criação/gestão da unidade de conservação (UC). Os procedimentos adotados foram en-
trevistas por meio de questionários semiestruturados. Concluiu-se que tanto os gestores do Parque como os residentes do entorno
demonstraram interesse em fornecer e obter esclarecimentos a respeito da UC. Portanto há um espaço propício para ações de
gestão participativa, atuando através da preservação ambiental com a participação social, para o desenvolvimento regional e uso
racional dos recursos naturais.
Palavras-chave: Gestão de Unidades de Conservação, Gestão Participativa, Parque Nacional de Saint Hilaire/Lange, Litoral do
Paraná.
Introdução
Na sociedade há sempre a busca pela revalorização das paisagens naturais, com a conservação e a preservação têm-se
a oportunidade de manejar e zelar pelos recursos naturais. Está intrínseca nessa busca o pertencimento e a retomada da relação
do homem com a natureza, que se transforma a partir do momento em que este passa a se sentir parte do meio ambiente e a
reconhecer que as paisagens mudam e se reconstroem. Neste âmbito, as Unidades de Conservação (UC) realizam o papel do
conservar e proteger o ambiente para as gerações atuais e futuras. Em vista disto, surge a necessidade de desenvolver um dia-
gnóstico das relações existentes entre o Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange (PNSHL), UC de proteção integral, e sua Zona
de Entorno (ZE), trabalhando especificamente com os moradores e com os conselheiros representantes no Conselho Consultivo
da UC, visto que se constitui em instância de consulta à comunidade.
O que norteia o presente estudo e objetiva-se com a busca da compreensão da relação homem-natureza, bem como o
seu pertencimento em determinado território, é a compreensão das suas inter-relações, além de apontar quais as perspectivas
dos moradores sobre a criação da UC para determinar quais foram e/ou são as influências da implantação desta no modo de vida
dos entrevistados, estando ou não inseridos nos limites do Parque. Com estes dados referendados e analisados se busca trazer
contribuições para a Gestão da Unidade a fim de aperfeiçoar as relações entre o PNHSL e sua ZE.
No âmbito metodológico dividiu-se a amostra dos entrevistados em dois grupos sendo um os Conselheiros e outro as
Colônias, ambos moradores das Colônias presentes na ZE do Parque. Esses grupos foram entrevistados por meio de questio-
nários semi – estruturados divididos em duas seções: 1) “dados gerais”, que correspondeu à idade, sexo, nível de escolaridade
e atividade produtiva (trabalho); 2) “relação”, que abordou a opinião do ator social quanto à importância da Colônia perante o
PNSHL, se possuía conhecimento sobre representantes locais em contato com a administração da UC (conselheiros), identifi-
cação de ações de aproximação por parte da UC com o entrevistado, participação em atividades promovidas pela mesma e o
nível de influência desta nas suas atividades diárias. No caso do conselheiro foram feitas perguntas sobre a divulgação realizada
pela UC das informações relativas às atividades e as reuniões promovidas pelo conselho, a importância do envolvimento e a
frequência com que participavam das reuniões, e se este sentia-se ouvido ao longo do processo e de que forma atuava de modo
a contribuir com a gestão da unidade.
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refúgios naturais da região, favorecendo a sobrevivência de espécies endêmicas e abrigando diversas espécies da flora e da
fauna ameaçadas de extinção (PNSHL, 2014).
A sua ZE, pra o presente estudo, se baseou na Resolução nº428/2010 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONA-
MA) que a classifica como “áreas limitadas administrativamente, condicionando o exercício do direito de propriedade ao cum-
primento da função ambiental, em concordância com a obrigatoriedade do proprietário em zelar pela proteção e pela conserva-
ção ambiental em prol do bem-estar da coletividade”. Esta resolução não nomeia a área delimitada administrativamente como há
diferentes denominações em outras legislações ambientais, ficando para este estudo a nomeação de Zona de Entorno, com fins
de caracterizar a região. A resolução do CONAMA se volta para o licenciamento ambiental de empreendimentos de alto impacto,
que perpassam a três mil metros (3 km) a contar dos limites das UC, sendo esta alteração válida apenas para UC que não possua
Plano de Manejo no momento da criação desta resolução, que corresponde ao caso da UC estudada.
O PNSHL possui como objetivos a proteção e conservação dos ecossistemas de Floresta Atlântica existentes no local, e a
garantia da estabilidade ambiental dos balneários próximos, bem como também, da qualidade de vida das populações costeiras
da região (Lei nº 10.227, 2001). A ZE do Parque exerce papel fundamental no alcance dos objetivos de proteção e manutenção
da integridade biológica da área.
O conselho consultivo do PNSHL foi criado pela portaria nº 37 de 25 de junho de 2008 (BRASIL, 2008) com a finalidade
de contribuir com o alcance dos objetivos da UC. Os representantes das Colônias, objeto deste estudo, totalizam 17 indivíduos
caracterizados entre titulares e suplentes, definidos da seguinte forma: Colônia Cambará (Matinhos); Colônia Morro Inglês e
Colônia Taunay (Paranaguá); Colônia Santa Cruz (Paranaguá); Colônia Quintilha (Paranaguá); Colônia Maria Luiza (Paranaguá)
e por fim Colônia Pereira (Paranaguá, Matinhos e Pontal do Paraná) (PNSHL, 2015).
A UC detém 24.485,71 hectares, mas atualmente se encontra em processo de redefinição de limites, conforme Nota Téc-
nica nº 05 de 2013 que faz parte do processo de nº 02001.005621/2003-56. Há dentro dos limites do PNSHL, 183 áreas edificadas
e 100 áreas com moradores permanentes; com a mudança dos limites, passaria para 32 e 10, respectivamente. Algumas regiões
não terão os limites modificados por terem propriedades em regiões de risco de deslizamentos, cujo Ministério Público pontua
o reassentamento por situação de vulnerabilidade. O limite do Parque após a redefinição passaria para 24.166,17 ha, excluindo
1,3% da área atual.
Objeto de estudo
A amostra contemplada, como anteriormente citada, trata-se dos moradores das Colônias presentes na ZE da face leste
do PNHSL e respectivos representantes no Conselho Consultivo. As Colônias são: Maria Luiza, Taunay/Morro Inglês, Quintilha,
Santa Cruz, Pereira e Cambará, as quais perpassam a rodovia PR 508, conhecida popularmente como “Alexandra - Matinhos”,
caracterizada como área rural. A definição dos entrevistados ocorreu através de escolha aleatória de, no mínimo, dois represen-
tantes de cada Colônia, totalizando 18 entrevistados, além dos 12 conselheiros, gerando um total de 30 entrevistas.
A Colônia Pereira, se localiza nos Municípios de Paranaguá, Matinhos e Pontal do Paraná e a Colônia Cambará na área
rural de Matinhos. As demais Colônias estão presentes na zona rural de Paranaguá, que abriga cerca de seis Colônias agrícolas
fundadas no início do século XVII, segundo dados da Motirõ Sociedade Cooperativa (2015), que desenvolvem atividades nesta
localidade. Há na região da referida estrada aproximadamente 1.555 pessoas em 322 domicílios, o que representa 31% do total
da população rural de Paranaguá (5.083 hab). Destaca-se como produção agrícola local o cultivo da banana, arroz, mandioca,
hortaliças e pecuária de subsistência. Esta produção é geralmente comercializada em feiras na região urbana de Paranaguá e
Matinhos, o que corresponde à arrecadação econômica destas famílias (MOTIRÕ, 2015).
Resultados
Com relação à primeira categoria de respostas, correspondente aos dados gerais, observou-se que do total de entrevis-
tados (30), 57% (17) eram do sexo masculino e 43% (13) feminino. A idade que os moradores entrevistados ZE do Parque detêm,
tabulado em categorias de 10 em 10 anos, prevaleceu pessoas de terceira idade entre a faixa etária de 51 a 60 (10%), 61 a 70
anos (23%), seguida por aqueles que possuíam entre 71 a 80 anos com 20%, totalizando a soma destes em 53% pertencentes à
melhor idade.
Fez-se pertinente também observar o nível de escolaridade dos moradores entrevistados do PNSHL, que se destaca
Nos questionários houve a ocorrência de perguntas que se inter-relacionavam na abrangência da relação entre a Colônia
e o PNSHL. Sendo elas: a questão denominada R2 sobre conhecimento de representante que tinha contato com a gestão do
Parque, onde 55% não conhecem os representantes da sua própria Colônia. Na pergunta R3 sobre se algum representante ou
técnico do Parque já havia entrado em contato com o entrevistado, 89% responderam que não. Com relação ao questionamento
da R6 se o entrevistado já participara de alguma atividade promovida pelo Parque 77% disseram que não.
A pergunta R4 é relacionada com uma situação hipotética, em caso dos entrevistados ficarem sabendo que represen-
tantes ou técnicos do PNSHL estariam para visitar suas propriedades. Estes deveriam indicar o provável motivo para que tal
ocorresse. Se expressou nesta questão que 56% seria para prestar informações, orientações ou esclarecimentos.
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Quando se relacionou a influência que a UC exerce na atividade produtiva dos entrevistados (pergunta R5) a expressivi-
dade foi que 44% consideram que não há nenhuma influência em suas atividades.
No âmbito dos questionários aplicados aos Conselheiros, na relação dos mesmos se destaca a questão R1 cuja pergunta
correspondente tratava-se da influencia do Parque na atividade produtiva do entrevistado, destes 58% afirmaram que não, conforme
Tabela 5.
Quando se relaciona a referida situação hipotética de visita, o dado que mais expressivo foi que 75% crêem que a visita se-
ria também para orientar, esclarecer ou prestar informações sobre o PNSHL ou sobre as limitações que estão sujeitos na região.
Como está em análise a representatividade dos entrevistados perante o Conselho Consultivo do Parque, bem como
em suas respectivas Colônias, coube perguntar se o conselheiro é informado das atividades e reuniões que o Parque promove
Perante o Conselho Consultivo do PNSHL, os Conselheiros quando indagados da importância de sua participação nesta
instância de consulta na questão R4, 83% sentem que são importantes. Este dado se reflete na pergunta R6, correspondente a se
o Conselheiro sente-se “ouvido” nas reuniões e 67% disseram que sim, o que não acarreta necessariamente a representatividade
perante as Colônias.
Os Conselheiros são líderes comunitários, por assumirem o papel perante a sociedade de representar o interesse comum
das Colônias, estes devem exercer certas ações e atuações para de fato gerar a representatividade. A partir destas ações, é im-
portante observar e questionar os entrevistados quais seriam as ações ou atuações que podem vir a contribuir com a gestão do
Parque. Em suma, 41% dos Conselheiros caracterizam como ação a participação social deles frente à comunidade. As demais
categorias apresentadas serão explanadas na seção “discussão”
Discussão
Ressalta-se, nos apontamentos pertinente ao grupo Colônias, que na ZE se faz necessário ter uma maior aproximação
entre a equipe gestora do Parque e as Colônias. Através dos dados obtidos a aproximação existente não ocorre de uma forma
satisfatória, como em alguns casos, que foi aplicada multas antes do repasse de informações, como afirmaram 16% (5). Na
região há a atuação de orgãos governamentais além do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
como a Polícia Ambiental, Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
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(EMATER). Há a percepção de que a atuação da Polícia Ambiental é bastante recorrente na região, principalmente nas Colônias
Pereira, Quintilha, Morro Inglês e Taunay. Segundo Teixeira & Limont (2007) a atuação desta tem sido contundente em diversas
regiões por se tratar normalmente de comunidades ribeirinhas, tradicionais, rurais, agricultoras o que demonstra a falta de sen-
sibilidade perante a estes núcleos populacionais diferenciados, que não se encaixam no atual modelo capitalista. Este grupode
fiscalização se encontra em processos de readequação para a aproximação com os núcleos populacionais do qual tratamos
conforme se explanou na última reunião (abril/2015) do Conselho Consultivo do PNSHL.
Neste âmbito cabe salientar a respeito da promoção e incentivo ao desenvolvimento socioambiental das Colônias que o
PNSHL busca promover através de parcerias com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Setor Litoral, organizações não go-
vernamentais e órgãos públicos. No âmbito das ONGs há a Motirõ que executa um trabalho junto às Colônias no que se refere ao
desenvolvimento econômico das propriedades agrícolas empreendedoras. Nas instituições públicas atuantes estão a EMATER e
a EMBRAPA, ambas perpassando os trabalhos voltados à agricultura. A primeira realiza o fomento dos processos de agricultura
orgânica e a segunda refere-se ao manejo e cultivo do fruto da Palmeira Jussara, bem como dos sistemas agroflorestais.
Portanto, se observa neste território diversos atores atuantes, e a Gestão do Parque volta-se para acompanhar, promover,
incentivar, colaborar e fomentar os projetos das instituições voltadas à sustentabilidade, utilizando o conselho e o espaço pro-
movido pelo mesmo, além de serem consideradas as demandas das comunidades. Na vertente do Conselho Consultivo os
representantes de cada Colônia trazem as demandas pertinentes ao local. Neste âmbito, citam-se como exemplo, proprietários
externos aos limites da Unidade que foram auxiliados no preenchimento do formulário do cadastro ambiental rural (CAR). Outro
exemplo é a orientação e incentivo junto aos proprietários para o manejo correto das trilhas na Colônia Quintilha. Desta forma,
conforme se explanou em entrevista com a equipe gestora, esta se envolve nas problemáticas locais diretamente ou indireta-
mente acionando os outros orgãos pertinentes para a promoção da melhoria da qualidade de vida desta população.
Correlacionando as mudanças que a criação do PNSHL trouxe para a região e a atividade produtiva, os moradores locais
e os Conselheiros relataram que estas ocorrem para aqueles que trabalham e retiram o sustento da lida com a terra, com o ter-
ritório e que exprimem sua identidade de cultura na forma de relacionar-se com o próximo, com o cultivo, a agricultura, etc. Em-
bora, o que acaba por influenciar também a atividade produtiva e a representatividade trata-se da questão dos limites do Parque,
representando 13% (4) da amostra os moradores inseridos nos limites da UC, incluindo conselheiros. Este dado acarreta a
percepção do questionamento se estes estão de fato representando a Colônia a qual fazem parte ou os seus próprios interesses.
É notório no presente estudo que a representatividade exercida pelos Conselheiros não atinge todos os envolvidos. Na
questão que relacionava se o entrevistado conhecia algum representante da Colônia, 10 dos 18 entrevistados (55%) disseram que
não, mas quando se relatava o nome do Conselheiro, se lembravam de quem se tratava, porém não sabiam do seu papel atuante
no Conselho Consultivo. Os que afirmaram conhecer foi por se tratar de pessoa pertencente à família, ou em alguns casos per-
tencente ao comércio local. Outro dado relevante é que a Universidade exerce um papel de ator social perante as Colônias, pois
é conhecida pelas atividades realizadas na região com os projetos de extensão. Outra observação a se fazer é o papel que as
Prefeituras deveriam exercer, sendo estas componentes importantes, como um mediador das tensões locais existentes, visto que
um dos entrevistados, parte do corpo de trabalho da prefeitura de Matinhos, não detinha conhecimento sobre o Parque.
Conforme a Instrução Normativa nº 09 de 2014 (ICMBIO, 2014) sobre o Conselho Consultivo do PNSHL em seu artigo 3º
Inciso II, a respeito de “criar câmaras ou grupos temáticos para análise e encaminhamento de especificidades da unidade (...)”,
implementou-se uma câmara técnica para a realização da comunicação perante as comunidades do entorno. Ressalta-se que o
Parque inclui quatro municípios e sua extensão territorial é altamente abrangente, o que influencia na comunicação. Este ques-
tionamento torna-se relevante por haver a necessidade, por parte dos moradores, de maiores esclarecimentos, orientações e
informações sobre o PNSHL, bem como sobre suas ações e como devem agir para com o MA, o qual se evidenciou nas questões
quanto a “relação” R4 dos Colonos e na R2 dos Conselheiros.
Conforme explanado sobre a representatividade dos Conselheiros, a visão dos atuantes na Gestão do Parque evidencia
que desde o seu início até o momento houve uma evolução, cuja dificuldade é a de trazer os moradores para participar ativamente
das atividades por conta do cotidiano e da atividade produtiva destes, pontuando que o diálogo entre as Colônias é esparso.
Os moradores da região, quando não há uma relação, acabam por não se sentirem parte do “TODO”, isto se demonstra
quando questionados sobre se a Colônia a qual pertencem é importante perante o PNSHL, e surgiu que 24% não viam a Colônia
como importante (Maria Luíza e Santa Cruz). Já outros 24%, das Colônias Quintilha, Morro Inglês e Taunay, se identificam na
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1. Mestranda do PPG em Meio Ambiente e Desenvolvimento / Universidade Federal do Paraná, nathsibuya@gmail.com; 2. Professor do PPG
em Meio Ambiente e Desenvolvimento / Universidade Federal do Paraná, valdirfd@yahoo.com
Resumo
O modelo de ‘desenvolvimento’ vigente baseado somente no crescimento econômico, na lógica urbano - industrial e na moder-
nização social como única via de progresso, evidencia um modelo exploração nacional e global, gerador de conflitos socioambien-
tais. O Litoral do Paraná se apresenta como uma região potencial para os estudos em conflitos socioambientais, especialmente o
município de Guaraqueçaba. O presente artigo tem como objetivo compreender os conflitos socioambientais existentes na APA de
Guaraqueçaba e colocar em pauta a luta por um sentido aos recursos naturais e ao modo de vida das comunidades tradicionais. A
metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica e documental, a pesquisa qualitativa e a utilização do geoprocessamento. A com-
preensão dos conflitos socioambientais permite elucidar os diferentes projetos de sociedade e visões de mundo de um território.
Introdução
O modelo de ‘desenvolvimento’ baseado essencialmente no crescimento econômico, na lógica urbano-industrial e na
modernização social como via única de progresso, evidencia um processo na qual as economias periféricas, os chamados
países do Terceiro Mundo, vivenciam o agravo das disparidades internas à medida que reproduzem o estilo de vida da raciona-
lidade produtiva dominante e possuem uma dependência deste sistema global (FURTADO, 1974; SEN 2000; LEFF, 2009).
O economista brasileiro Furtado (1974), em sua obra ainda muito atual - O mito do desenvolvimento econômico - faz uma
reflexão teórica, e afirma que o subdesenvolvimento está principalmente atrelado a heterogeneidade tecnológica que revela a
essência das relações externas deste tipo de economia. O autor salienta que acreditar na condição de igualdade entre as econo-
mias periféricas e as economias do centro atual do sistema capitalista é um mito, já que não se sustentaria ecologicamente, e a
permanência nesta lógica implica na degradação ambiental que pode levar a um colapso ambiental e um processo de exclusão
social acentuado.
Na década de 70, a emergência da crise ambiental global irá suscitar questionamentos em relação à sustentabilidade do
sistema de desenvolvimento econômico adotado para a garantia da sobrevivência humana. Para Leff (2009) a crise ambiental é a
crise dos recursos, a crise do conhecimento e da ciência, a crise das civilizações que coloca em ênfase a apropriação capitalista
da natureza por meio do modelo técnico-instrumental dos países desenvolvidos, se manifesta não só na degradação do meio
físico e biológico, como na alteração da qualidade de vida.
As conferências realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e as publicações de denúncias e informes
científicos incorporaram ao conceito de desenvolvimento outras dimensões, especialmente a dimensão ecológica, suscitando o
debate pelo desenvolvimento sustentável. A participação do governo e do movimento ambientalista brasileiro nas conferências
realizadas pela ONU, motivou à instituição gradual de agências ambientais no Brasil, fazendo o Estado o agente protagonista na
formulação e implementação de políticas e práticas de gestão ambiental no país (LIMA, 2011).
Todo esse panorama, somado ao avanço das frentes de expansão territorial e a exploração desenfreada dos recursos na-
turais sobre os diferentes biomas, induziu a crescente criação de áreas protegidas sob a influência do modelo norte-americano,
eminentemente de concepção preservacionista, sem a participação pública e sem o devido planejamento no que tange a gestão.
A transição para um governo democrático alavancou a dinâmica dos movimentos sociais, em especial no âmbito do
mundo rural, neste período havia diversas lutas que se caracterizavam lutas por justiça ambiental, mas os movimentos ainda não
se autodenominavam desse modo. Destaca-se o Movimento dos Seringueiros liderados pelo Chico Mendes e o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) ambos iniciados em meados da década de 70, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
Metodologia
No presente trabalho, a autora optou pelo Litoral do Paraná, na APA de Guaraqueçaba, como área de estudo para com-
preender os conflitos socioambientais. O critério de escolha levou em conta o perfil de cada município e quais teriam mais
probabilidade de abarcar maiores conflitos socioambientais no ambiente rural, devido a fatores como: presença e localização de
unidades de conservação, fragilidade socioeconômica, presença de populações tradicionais e da agricultura familiar, acesso aos
recursos naturais. Dentro deste contexto, se destaca quatro comunidades estudadas: o Acampamento do MST José Lutzemberg
no Rio Pequeno, Potinga, Açungui e Batuva.
O método empregado para o levantamento de informações foi à pesquisa bibliográfica e documental, a pesquisa qualita-
tiva e a utilização do geoprocessamento.
A pesquisa bibliográfica e documental consiste numa seleção de materiais diversificados, que tenham pertinência com o
problema da pesquisa, o que permite conhecer o que já foi estudado sobre o tema em questão (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).
Nesta fase foram selecionados principalmente artigos científicos e demais documentos que abordavam: a categoria conflitos
socioambientais; os dados sociais, econômicos e ambientais, e também o histórico de uso e ocupação das localidades - Litoral
do Paraná, em especial Antonina e Guaraqueçaba.
O geoprocessamento foi aplicado na elaboração de mapas para a espacialização das informações, também foram utiliza-
dos estes mesmos dados acima citados, e os shapefiles disponíveis no site do IBGE, e o software de sistemas de informações
geográficas Gvsig.
A pesquisa qualitativa assimila um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam traduzir e expressar o sentido
dos fenômenos do mundo social, nesta abordagem valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente
estudado, e a descrição é um componente de destaque (GODOY, 1995; NEVES, 1996).
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o oceano, é classificada em três tipos principais de costas - costas estuarinas, costas de mar aberto e costas de desembocadura -
tem aproximadamente 90 km de comprimento, cerca de 10 a 20 km de largura e atinge o máximo de 50 km na baía de Paranaguá.
É recortada pelos complexos estuarinos das baías de Paranaguá, Laranjeiras, Pinheiros e Guaratuba, resultando em numerosas
ilhas, algumas de grande extensão, como as ilhas das Peças, Rasa, do Mel, da Cotinga e Rasa da Cotinga (BIGARELLA, 2001;
ÂNGULO et al., 2006).
Inserido integralmente em um dos remanescentes florestais do bioma Mata Atlântica, que figura entre os cinco primeiros
biomas no ranking dos hotspots mundiais em virtude de sua relevância biológica, sociobiodiversidade e por se encontrar alta-
mente ameaçado no planeta (CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL, 2005), considerado área prioritária para a conservação da
biodiversidade (MMA, 2007). Segundo, o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, relatório técnico publicado pela
Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais em 2015, o estado do Paraná é o segundo estado com
maiores extensões de vegetação de mangue (33.403 ha) e restinga (99.873 ha) na Mata Atlântica.
É composto por sete municípios: Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do
Paraná; totalizando uma área de 6.058 km² e 265.392 habitantes (IBGE, 2010).
Respectivo ao histórico de ocupação, o litoral paranaense foi primeira região colonizada no estado do Paraná, os estudos
comprovam que o primeiro habitante foi o homem do sambaqui que mais tarde foi extinto, aqueles que hoje denominamos como
“caiçara”, são frutos do processo de colonização da costa brasileira no século XVI, da miscigenação de europeus, escravos
africanos, e índios carijós, pertencentes a grande família Tupi-Guarani (BIGARELLA, 1999; KOMARCHESKI, 2012). Segundo Die-
gues (2001), as práticas, o modo de vida tradicional dos caiçaras e o isolamento territorial, foi o que possibilitou a conservação
dos remanescentes de Mata Atlântica que restaram no Litoral do Paraná e no Litoral sul de São Paulo.
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de verba do Governo Estadual, entretanto os autores ressaltam que a maioria da população desconhece a existência dos créditos
recebidos e ainda existem muitos questionamentos relativos ao destino destes recursos.
No panorama atual, o litoral apresenta 76,84% de sua área ocupada com mata nativa em fase de regeneração em áreas
protegidas ou não (EMATER, 2014). O território é coberto por um mosaico de Unidades de Conservação, comporta categorias
de Uso Sustentável e Proteção Integral - em âmbito federal, estadual, municipal e privado. Na totalidade existem em âmbito es-
tadual 10 UC de proteção integral e 13 de uso sustentável, e em âmbito federal 6 UC de proteção integral e 6 de uso sustentável
(IAP, 2006; ICMBIO, 2015).
A política ambiental na região é marcada por uma sobreposição de legislações incidentes decorrentes das especifici-
dades das unidades territoriais e do controle do uso dos recursos naturais, o que dificulta a gestão do território de modo inte-
grado, podendo recair sob um mesmo recorte espacial além dos instrumentos específicos das UC como o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação - SNUC e o plano de manejo (quando existente), a Lei da Mata Atlântica, a Lei de Proteção a Fauna,
o Código de caça e pesca, o Código Florestal, o Código de Águas, o Plano Diretor, o Zoneamento Ecológico Econômico, entre
outros dispositivos (MIGUEL et al., 1998; SCHWARTZMAN; SIBUYA 2013).
Assim, mesmo com o devido conhecimento da importância do bioma Mata Atlântica no contexto nacional e mundial, a
criação de inúmeras áreas protegidas não pode ser assegurada uma condição de proteção efetiva das características naturais
e da sociobiodiversidade, tendo em vista que, essas áreas se caracterizam pela precariedade e falta de gestão e manejo; e o
Litoral do Paraná têm sido especulado como um novo pólo industrial, oferecendo, inclusive incentivos fiscais (Decreto Estadual
9.195/2010) para a instalação de novas empresas do setor naval na região, colocando em risco a integridade dos remanescentes
florestais naturais.
A criação acelerada destas áreas protegidas, sem consulta pública as comunidades e o devido planejamento, fez com
que as legislações ambientais incidentes sobre esse mosaico de UC fossem sobrepostas e gerassem muitos conflitos. As crimi-
nalizações do modo de vida tradicional, a redução dos seus territórios e a restrição do tipo de produção, contribuem para que a
região tenha os piores índices de desenvolvimento humano do Estado do Paraná e um dos mais baixos do Brasil.
Os conflitos socioambientais podem ser entendidos como as práticas assimétricas de apropriação, uso e significação do
território por diferentes grupos, tem origem quando um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do
meio que desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis. A base cognitiva dos sujeitos envolvidos nos conflitos estimulam
seus discursos e ações, de acordo com a sua concepção sobre o território, o meio ambiente, assim como o desenvolvimento, e
de modo mais geral a democracia (ACSELRAD, 2004; ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010; SVAMPA, 2012).
As comunidades estudadas (Rio Pequeno, Potinga, Açungui e Batuva) tem uma relação com o território se expressa muito
além da materialidade, é dotada de subjetividades circunscritas em seus modos de vida e cosmovisões de mundo, presentes em
ações e relações que expressam aspectos que não tem valor de troca, são incomensuráveis, como a reciprocidade e solidarie-
dade por meio de um mutirão na roça, no ato coletivo de se fazer a tradicional farinha de mandioca artesanal, ou a realização de
festas e místicas.
A dificuldade no diálogo entre os diversos atores sociais, os institucionalizados e os não institucionalizados, expõe as
comunidades da APA de Guaraqueçaba a uma situação de fragilidade. O conselho gestor da APA de Guaraqueçaba (CONAPA)
foi estabelecido somente em 2002, 17 anos depois da criação da UC, e possui caráter deliberativo.
O conselho é um espaço público de decisão e direcionamento de políticas públicas, que deveria incentivar a participação
social, contudo é marcado pelo esvaziamento dos comunitários. O diálogo utilizado nas reuniões e capacitações, geralmente é
baseado em uma linguagem tecnocrata, nada dinâmica, desalinhada ao perfil da representação comunitária, como foi possível
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comprovar por intermédio da observação realizada nas reuniões do CONAPA de abril de 2013 a agosto de 2015.
Nota-se, especialmente por intermédio da pesquisa qualitativa realizada com as comunidades estudadas, que a demons-
tração pública do forte vínculo entre a gestão da UC e as organizações não governamentais responsáveis pela gestão das RPPNs
no território acaba inibindo a aproximação das comunidades nos conselho gestor, visto que a maioria das comunidades tem
conflitos eminentes com esses grupos, para elas as instituições são uma só.
Após várias denúncias das comunidades tradicionais e a gravação do documentário intitulado “A economia verde vs. a
economia das comunidades: uma história dos povos da mata atlântica no Sul do Brasil”, produzido em DVD pelo MST e pelo
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (organização do Uruguai) em 2012, que retrata os conflitos enfrentados no território
pelas comunidades da APA, a situação na região amenizou um pouco, mas não foi mediada na totalidade.
Atualmente, a APA de Guaraqueçaba está em fase de elaboração do seu plano de manejo, a sua finalização está prevista
para o ano de 2016, a consulta pública do documento do plano só acontecerá no Conselho Gestor. Entretanto, há pouca divul-
gação da realização das reuniões, e neste ano de 2015 ainda não ocorreu nenhuma reunião do conselho gestor, a justificativa
alegada é a falta de verba do órgão gestor responsável.
Considerações finais
No presente artigo, foi possível concluir por intermédio do estudo de caso na APA de Guaraqueçaba, que os paradigmas
impostos pela lógica da racionalidade produtiva dominante colidem e afetam diretamente a reprodução dos modos de vida e os
usos dos recursos naturais das comunidades estudadas.
Os conflitos socioambientais expressam disputas por recursos naturais, territórios, diferentes visões de desenvolvimento,
democracia, trabalho, vida e natureza. Assim, a sua compreensão possibilita o reconhecimento dos múltiplos projetos de socie-
dade, revelam como as distintas racionalidades e assimetrias de poder impressas na dinâmica sociais e políticas se intercruzam,
contribuindo na construção de alternativas de enfrentamento e negociação que tenham como fundamento os princípios da sus-
tentabilidade e justiça ambiental (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010; ZHOURI2011).
As comunidades tradicionais possuem uma lógica diferenciada quanto a sua organização, caracterizada pelo uso comum
da propriedade e dos recursos naturais, contrário ao modelo dos institucionalizados, instaurado pelo sistema capitalista, na qual
o valor de troca da terra e a propriedade privada prevalecem. No entanto, esse fator não é percebido pelas instituições respon-
sáveis pela gestão do território, criando até nos espaços que deveriam ser participativos, uma discrepância entre a visões dos
institucionalizados e os não institucionalizados.
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Nilsson, Maurice Seiji Tomioka1,5; Parra, Lilian Bulbarelli2,5; Prudente, Hugo3 & Cardoso, Thiago Mota4,5
1. Doutorando em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades/ Diversitas- Universidade de São Paulo, mauricetomioka@gmail.com;
2. Mestranda em Geografia/Universidade Federal de Santa Catarina; lilianbparra@gmail.com; 3. Mestrando em Antropologia Social/
Universidade de São Paulo, prudente.hugo@gmail.com; 4. Doutorando em Antropologia Social/Universidade Federal de Santa Catarina,
thiagotxai@gmail.com; 5 - Wayuri Projetos e Assessoria Socioambiental
Resumo
A presente comunicação aborda questões relativas a terras e territórios indígenas partindo de reflexões e inquietações na nossa atu-
ação em iniciativas de pesquisa e em processos de gestão ambiental e territorial. Cada experiência, guarda sua própria história; e
cada relato, preserva a experiência particular e parcial, tanto no que tange à escolha do tema como a forma de narrativa. Apostamos
aqui na multiplicidade das formas de narrar, preservando as diferentes vozes no diálogo interdisciplinar entre nós, os autores. Esta-
mos tratando de quatro experiências junto a povos indígenas no Nordeste dentre eles: Pataxó, Pankararu, Potiguara e Fulni-ô. Nossa
abordagem se pauta na construção histórica das terras indígenas que conformam um fragmento do território atual que, apesar da
importância para garantia dos direitos indígenas não é suficiente para dar conta de territorialidade e modos de manejo ambientais
que se dão para além das fronteiras estatais e se difundem como multiterritorialidades, mobilidades e malhas de lugares vividos.
São territórios existenciais em “confronto” com os “territórios zonais”.
Introdução
Neste trabalho discutiremos quatro experiências com povos indígenas do Nordeste, com vistas a compreender como
têm se dado as formas de gestão indígena em diante do modo estatal de gerir o território, enfocando a relação entre o “território
real”, ou seja, aquele que emerge a partir das práticas dos povos indígenas, e terras demarcadas. Entendemos como gestão
indígena, o modo como os diversos povos atuam em seus territórios vividos, desenhando seus projetos de vida de acordo com
suas singularidades.
As quatro experiências relatadas envolvem os Pataxó (sul da Bahia), os Pankararu (Pernambuco), os Potiguara (Paraíba)
e os Fulni-ô (Pernambuco) que, em comum, trazem a concepção de terras e territórios indígenas e o reconhecimento de que
as atuais porções de terras que representam pequenos fragmentos dos territórios são fruto da situação histórica e da realidade
social atual dos povos indígenas do Nordeste; além de tratar de povos que estão envolvidos, de alguma forma, em processos de
demarcação ou Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (GATI). Duas delas ocorreram no bioma da Mata Atlântica
nordestina; e duas, na Caatinga. Em que pesem as diferenças das experiências noticiadas e elementos analisados, além do elo
comum - tratar de povos indígenas no Nordeste - os quatro textos perseguem um objetivo de entender aspectos das visões e das
vivencias territoriais dos povos indígenas, para além de seus territórios demarcados. Através destes relatos buscamos mobilizar
reflexões que desafiem a gestão das áreas protegidas e a sua lógica de “inclusão social” a partir das premissas universalistas
(leis, normas, mercado, fronteiras, etc.), notadamente no que concerne às Terras Indígenas no Nordeste, com vistas a com-
preender como têm se dado as relações dos diversos povos com o território vivido e os limites e desafios da “governabilidade”
por parte do Estado.
A Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas - PNGATI (Decreto n°7747/2012) tem proporcionado opor-
tunidade de reavivar esse diálogo, que vem sendo feito em diversas outras situações, especialmente àquele relacionado com as
“sociedades com Estado”. Neste diálogo “o mapa” assume papel de destaque e há muito se percebe existir a consciência quanto
ao seu papel e poder em legitimar politicamente as delimitações, ao representar determinada realidade; terras indígenas, títulos
concedidos, sempre são representados através dessa ferramenta. Seu domínio, portanto, implica em reconhecimentos territoriais,
sobretudo no Nordeste, onde as terras demarcadas são frações do território existencial e vivido pelos diversos povos indígenas.
1
Multiterritorialidade, aparece, segundo Haesbaert (2004), como resposta ao processo identificado por muitos autores como a desterritorialização. O autor propõe
discutir, para além da perda de territórios, “a complexidade dos processos de (re)territorialização em que estamos envolvidos, construindo territórios muito mais
múltiplos(...) tornando muito mais complexa nossa multiterritorialidade”. Para Haesbaert, a multiterritorialidade contemporânea inclui uma grande variedade de ter-
ritórios (entre zonas e redes), combinados de diversas formas, permitindo a convivência simultânea de múltiplos territórios.
2
Os dados e parte da reflexão aqui apresentada sobre os Pataxó estão em Pedreira (2013).
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fronto dos Pataxó com seus próprios valores.
Aldeia Velha é uma das menores Terras Indígenas Pataxó, com apenas 2.100 hectares. Ela foi retomada em 1998, no
período que referimos como uma fase marcante da reconstituição territorial Pataxó. Parece-nos que esta reconstituição vem
sendo empreendida a partir de dois princípios antagônicos: um que enfatiza a formação de comunidades políticas delimitadas e
coesas sob a liderança de um cacique; e outro que enfatiza a circulação entre as aldeias, ou melhor, que define o território como
possibilidade de circulação oferecida pelo parentesco. Essa mediação entre o interior e o exterior é um fator constitutivo da Al-
deia Velha desde sua fundação, quando os “índios desaldeados” do Arraial D’Ajuda se reuniram para “fazer uma aldeia”. Quando
Ipê, que seria o primeiro cacique da Aldeia Velha, buscou apoio dos caciques de outras aldeias para reunir os índios que estavam
vivendo nas cidades da região, o líder Pataxó Manoel Santana lhe deu apoio e se referiu a “esses índios que tão espalhado por
aí”: “Quando existe uma tainha sozinha, desse tamanho, no rio ou no mar, é por causa que tem pai e mãe”. Ipê explica que “a
tainha é um peixe que dá no rio, em água doce, em água salgada, então eles só vive em grupo, esses peixe só vive em grupo,
tem grupo aí de cem, duzentas tainha...”. A retomada realiza, assim, o primeiro passo no longo processo que conduz esta aldeia
a vincular-se, definitivamente, a outras aldeias Pataxó. Seguindo por este caminho, este vínculo será constantemente atualizado,
entre outras coisas, pelo movimento de afirmação cultural e pela rede de parentesco posta em movimento na circulação dos
indígenas entre as aldeias.
À frente da retomada da Aldeia Velha, Ipê via, naquela iniciativa, a consumação de um destino irrevogável: “O índio é as-
sim... anda por aí tudo... pode passar cem anos, volta pra sua aldeia” e conclui, “o sangue puxa”. É interessante que para afirmar
a pertinência ao território, Ipê evoque, paradoxalmente, a imagem do indígena que “anda por aí tudo” e nunca “esquenta lugar”,
essa imagem sempre referida pelos Pataxó. Por fim, é o sangue que neutraliza o paradoxo, desenhando um triângulo: território,
mobilidade e parentesco, onde cada termo se apóia no outro.
Isso tem consequências no modo como os Pataxó vivem e manejam o seu território, uma vez que é a partir da rede de
parentesco e de parcerias políticas que um indivíduo ou uma família indígena encontra maior ou menor receptividade quando
pretende estabelecer uma nova moradia. Se por um lado “conseguir terreno” é, idealmente, selar uma aliança com um cacique
que lhe cede espaço, obtendo em troca um compromisso político que deve ser revertido para a vida em comunidade; por outro,
o índio “pode morar na aldeia que quiser”, valendo-se de sua rede de vínculos de parentesco, e dando lugar a acordos face a
face, sem a mediação do cacique. Esta última modalidade é ambivalente, responde ao ideal Pataxó de “saber andar” e “saber
viver”, mas é constantemente referida como um problema para a coesão da aldeia. Para um índio pataxó, o território se delineia,
assim, como um horizonte de acordos possíveis, entrecruzado pelas ofertas do contexto regional do extremo sul baiano e pelas
condições de diálogo com os parentes e as lideranças em cada aldeia. O território está aberto para o seu exterior, mas esta
abertura deve sempre ser parcial. Como declarou um líder de Aldeia Velha sobre a entrada na aldeia: “Aqui é igual casa de
abelha, só tem uma porta”.
Para os Pataxó de Aldeia Velha, e também de outras partes, o crescimento de uma aldeia, a mobilidade territorial e a
chegada de novos membros põem em jogo alguns de seus valores mais caros: o sucesso da luta pela terra, aquilo que se con-
seguiu garantir e regularizar/demarcar; o problema da autonomia e da coesão política da aldeia, expressa pelo compromisso
cacique-comunidade; a garantia do valor do despojamento (“saber andar”), que enfatiza a mobilidade e a solidariedade difusa do
parentesco. De certa maneira, estes dois últimos valores apresentam o limite um do outro. Enquanto a autoridade do cacique diz
respeito a uma ação política direta, articulada, dirigida a um fim e consagrada por uma conquista, a circulação entre as aldeias,
que se vale da rede social ensejada pelo parentesco, representa uma prática imersa nas relações cotidianas, de algum modo
subjacente e refratária ao controle, mas ao mesmo tempo definida como central na experiência com o território. Por sua própria
formação e pelos problemas que os Pataxó formulam e experimentam para “fortalecer” uma aldeia, o território está decidida-
mente emaranhado em uma gestão das relações.
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Os etnomapas adentraram nos contemporâneos movimentos de retomada de terras que visam reviver de forma legítima
o território Potiguara, através de dois movimentos articulados: o primeiro, ao observar o próprio mapa do Estado, com um olhar
sobre o mapa do período imperial; e um segundo, ao observar a própria dinâmica territorial, a geografia reticular do mundo
vivido e as formas de habitar os ambientes – os lugares dos antigos (as taperas velhas), a história genealógica na paisagem e os
lugares sagrados. Ou melhor dizendo, os Potiguara vêm tensionando e acomodando de forma ativa sua territorialidade, ou seu
modo de mapear o mundo, com o processo de territorialização do Estado, ou seja, com a cartografia oficial. Os etnomapeamento
que aqui relatamos, não deixa de constituir um continuum deste processo de indigenização da cartografia por dentro da “virada
territorial” deste povo. Ligados por uma malha de pessoas, coisas, lugares e práticas que extrapolam os limites impostos pelo
território zonal sob o estatuto de Terras Indígenas, os Potiguara desafiam os limites que limitam seus movimentos.
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recursos para a luta pela reconquista de Entre Serras, em processo de autodemarcação. Tal ajuda econômica foi essencial
para o sucesso da demarcação, evidenciando-se, aí, uma condição paradoxal: se decidiram migrar pela falta de condições de
realizarem suas existências em seu território original, ao rumarem a São Paulo como retirantes, ali conseguiram se realizar como
Pankararu, e sua condição diferenciada, de uma comunidade relativamente coesa, morando, em grande parte, agrupada, no
Bairro Real Parque, lhes permitiu um vínculo com a terra, que lhes é de direito; para a política de gestão ambiental, tal histórico de
vidas e lutas expõe um dilema sobre a realização de um plano de gestão: nas leituras “ocidentais” de territorialidades, o objetivo
que traz segurança é o da delimitação, o que, no entanto, não parece se constituir no objetivo enquanto povo: a terra indígena,
que é um direito, é também um enquadramento dos povos indígenas a certa ordem jurídica, e por não corresponder ao território
original, não dá conta de conter os usos reais e interesses destes àquilo que não está contido em seu interior, mas que representa
valor de uso, valor simbólico, e sobretudo, econômico para os Pankararu.
Do ponto de vista do mapeamento, a prática e a solução encontrada foi o de não restringir os mapas ao contexto interior
das terras indígenas, produzindo três escalas de abordagem nos mapas consagrados ao mapeamento territorial Pankararu:
mapas de sítio, de situação e de destaque; os mapas de sítio são os mapas da terra indígena propriamente, os mapas de des-
taque revelam peculiaridades de segmentos desta terra indígena, e mapas de situação revelam o contexto regional em que
está inserida a população Pankararu: em última instância, abrange até São Paulo, Roraima e todos os lugares por onde essa
população se espalhou. Os mapas regionais de situação buscam contemplar aquilo que foi ouvido nos depoimentos dos nossos
interlocutores: que a terra demarcada, mesmo incluindo a reconquista da Terra Indígena Entre Serras, não reflete o território
Pankararu; que áreas de uso fora do território permanecem em uso e com significado simbólico associado, e que em última
instância, o que faz de um povo indígena um povo diferenciado relaciona-se muito mais às suas territorialidades, à sua forma de
se relacionar com o território, em contraposição com as delimitações reconhecidas pelas sociedades de Estado: como exemplo
dessa territorialidade diferenciada, temos as “pontas de rama”, que são povos cuja origem advém dos Pankararu, mas que pos-
suem especificidades, decorrentes do fato de o próprio povo Pankararu ter se formado historicamente de uma junção de alguns
povos dessa região do Nordeste (o Médio São Francisco) em um aldeamento missionário (ARRUTI, 2012).
Pensar o plano de gestão para o povo (afinal, é pelo povo que deve ser feito), tendo a questão territorial pode não estar
na letra da lei, mas pode ser um recurso para que não se visualize a terra indígena fora de seu processo histórico, e para se
enfrentar o paradoxo de delimitar (impor limites), e de garantir direito à terra, mesmo que essa não corresponda ao território. E
marca a posição de que, mesmo sendo minorias, os povos indígenas perseveram-se em influenciar as políticas públicas para o
país, com foco, sobretudo, na questão territorial e nos modos de ocupação da terra.
Referências
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DINAMIZANDO E CAPILARIZANDO A GESTÃO:
O CASO DOS NÚCLEOS DE BASE COMUNITÁRIA
DA RESERVA EXTRATIVISTA RIOZINHO DA LIBERDADE
1. Analista ambiental, gestor da Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade,
pablo.saldo@icmbio.gov.br.
Resumo
A gestão por Núcleos de Base Comunitária está em vigor na Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, no vale do Juruá acreano,
desde outubro de 2014, e busca um maior envolvimento dos moradores na gestão da unidade de conservação, bem como uma
estrutura de representação social na associação de moradores melhor alinhada com as características locais, procurando respeitar
e valorizar a distribuição espacial e outras particularidades da organização comunitária local. Ainda em desenvolvimento, o modelo
tem apresentado bons resultados frente aos objetivos, possuindo potencial de ser adotado em outras unidades de conservação de
uso sustentável, e possivelmente em unidades de conservação de proteção integral com a presença de população residente. Este
artigo apresenta o histórico que originou a proposta, sua implementação e os primeiros resultados obtidos.
3
Conhecida originalmente como a “associação-mãe”, aquela que reunia todos os seus “filhos”: moradores, comunidades e/ou outras associações menores.
2
Em 2005, o total de RESEX criadas era de 67, cerca de ¾ do total de reservas atual (88) (ISA, 2015), conforme se pode observar na Figura 1. A primeira RESEX,
do Alto Juruá, é vizinha à REAL, e foi criada em 1992, após intensa mobilização e luta dos então seringueiros – e seus aliados – contra os patrões e a economia já
decadente da borracha.
Figura 1. Reservas extrativistas criadas por ano e o acumulado total, entre 1990 e 2014,
com destaque para 2005, ano de criação da RESEX Riozinho da Liberdade.
A REAL possui área de aproximadamente 340.000 hectares, uma população residente de cerca de 350 famílias, cerca de
5.530 hectares de supressão vegetal3, e está inserida em um mosaico – não formalizado – de áreas naturais protegidas, que envolve
outras duas RESEX federais (Alto Juruá e Alto Tarauacá), três Florestas Estaduais (do rio Liberdade, do Mogno e do rio Gregório)
e seis Terras Indígenas (Katukina do Campinas, Arara do Humaitá, Jaminawa Arara do rio Bagé, Kampa do igarapé Primavera, Rio
Gregório e Maxinawa da praia do Carapanã), além de projetos de assentamento, no eixo de desenvolvimento da BR-364, como pode
ser visto Figura 2, sendo esta uma área de nascente de importantes rios do vale do Juruá, local também reconhecido como berçário
da biodiversidade local4. A economia gira em torno da produção de farinha de mandioca e alguns outros poucos produtos agríco-
las de menor relevância econômica, como banana, jerimum e melancia, além do plantio de arroz, feijão, milho, mamão e outros
cultivos de subsistência. Com o declínio da economia seringueira, o extrativismo hoje é essencialmente de subsistência, focado
na extração de “vinhos”5 de açaí, buriti e outras palmeiras, algum pouco na produção de cestos e outros utensílios, e na extração de
alguns óleos medicinais para uso doméstico, além da madeira. A pecuária existe em pequenos rebanhos que atendem ao consumo
local. Existe uma relativamente forte economia de comércio – protagonizada pela compra e venda de farinha, e por moradores
que fornecem “estivas”6 em pequenos estabelecimentos ao longo da Reserva ou pelos comerciantes “mais fortes” localizados na
ponte do rio Liberdade, centro econômico da RESEX e adjacências – e também de serviços, como a serragem de madeiras para
a construção civil e naval (a construção/reforma de casas e canoas no interior da reserva é atividade relativamente constante) e a
reforma de motores e espingardas. Com a ampliação do acesso a políticas públicas, abriu-se todo um leque de oferta de empregos:
barqueiros que conduzem estudantes ou a produção agrícola, professores, microscopistas, agentes comunitários de saúde e outros.
A gestão da reserva também significa oportunidade de complementação de renda com a prestação de serviços de condução local
(barqueiro, mateiro) e de apoio à reuniões (serviços de cozinha, auxiliar de reuniões, animação infantil). Os programas de transfe-
rência de renda – Bolsa Família e Bolsa Verde – também possuem significativa relevância na economia local.
3
Segundo INPE (2015), a REAL possuía, em 2013, 1,62% de desmatamento percebido pelo sistema PRODES, o que significa uma média de 15 hectares de áreas
alteradas, em uso ou estágio de regeneração, por família estimada (350).
4
Locais como o “poção” nas cabeceiras do rio Liberdade, e a localidade de “Nova Olinda”, no alto rio Tejo, fazem parte de uma mesma região – distante das popula-
ções humanas – refúgio de animais silvestres e protegida no interior do mosaico.
5
Polpa aquosa preparada em água morna, para consumo imediato e que resiste alguns dias sem refrigeração, com significativa alteração de sabor ao longo de sua
existência.
6
Gêneros do dia-a-dia, como sal, macarrão, sabão e outros produtos industrializados.
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Figura 2. Localização da REAL e áreas protegidas adjacentes7.
7
O mapa tem o Sul apontando para cima, pois comunitários e a gestão lêem o território com a nascente do rio no alto, sendo esta, também, a sensação que se tem
quando em campo.
8
O Governo do Estado do Acre já executou quatro Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDCs) em comunidades do interior da RESEX, e recentemente transferiu,
via convênio, recursos da ordem de quinhentos mil reais para a construção de 30 tanques de piscicultura, uma ponte e outros empreendimentos socioeconômicos.
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Concomitantemente, foram identificados comportamentos e hábitos desejáveis nestes mesmos atores, através da per-
gunta orientadora “como poderia ser”. Interessante notar que alguns comportamentos desejáveis deduzem comportamentos não
descritos durante o debate, como a questão política, que muito tem influenciado na dinâmica comunitária (Tabela 2).
Construindo o modelo
A partir desta reflexão, e também do histórico de experiências semelhantes, sobretudo na Reserva Extrativista Alto Juruá,
debateu-se sobre um modelo que tivesse como base de funcionamento cada comunidade da REAL, que fortalecesse o trânsito
de informações, e que simplificasse a estrutura e momentos de tomada de decisão.
O modelo construído se estrutura a partir de coletivos denominados núcleos de base comunitária9 (NBC): uma comuni-
dade, fracionamento espacial de uma ou agrupamento de algumas interrelacionadas, que deve escolher dentre os seus mora-
dores um conjunto de três representantes: uma mulher, um homem e um jovem de qualquer sexo.10Estes representantes dividem
as responsabilidades de organização comunitária e de representação da liderança comunitária. Dentre os três, um é escolhido
como conselheiro comunitário titular, e representa a comunidade nos conselhos deliberativos da Associação e da RESEX. Na
impossibilidade deste se fazer presente aos encontros, um dos outros dois representantes, ou até mesmo um morador designado
pela comunidade ou que esteja presente no encontro assume o papel de conselheiro. A diretoria executiva da associação pas-
sou a ser escolhida dentre os membros do Conselho Deliberativo da ASAREAL, que passou a ser constituído pelos conselheiros
comunitários de todos os núcleos de base constituídos11. Este mesmo grupo passará12 a integrar o Conselho Deliberativo da
ASAREAL, na qualidade de membro titular ou suplente.
Uma vez que a questão financeira teve grande relevância durante as discussões, tendo sido alvo de análise e tentativa de
ação anteriormente, esta recebeu significativa atenção no momento de elaboração do modelo. Definiu-se que os representantes
de núcleo de base teriam autonomia para associar e cobrar mensalidade dos sócios, podendo utilizar parte dos recursos arrecada-
dos para a realização dos trabalhos do NBC, desde que autorizados pela diretoria executiva. Também se discutiu a possibilidade
de o ICMBio contratar prestadores de serviço comunitários por meio da ASAREAL e não diretamente, como vinha acontecendo.
Em fevereiro de 2014 o Programa Áreas protegidas da Amazônia (ARPA) abriu edital para seleção de Planos de Ação
Sustentável (MMA, 2014). A equipe gestora da REAL submeteu projeto de implementação da proposta elaborada na oficina de
associativismo, o qual foi aprovado. O projeto se propõe a promover um processo amplo de reorganização comunitária para a
participação dos moradores na sua Associação (ASAREAL) e no Conselho Deliberativo da RESEX, a partir do estabelecimento
de cerca de 25 núcleos de base comunitária; discutir e estabelecer uma nova forma de funcionamento da ASAREAL e de cons-
tituição de sua diretoria; dotar a ASAREAL de estrutura mínima para o seu bom funcionamento; e reformular a estratégia de
participação direta das comunidades no Conselho Deliberativo da RESEX. Em resumo: refinar, validar e implementar o modelo
construído durante a oficina.
A implementação da proposta iniciou em outubro de 2014, com a realização de 23 reuniões comunitárias – que contou
com a participação de 316 moradores – para discussão e refinamento do modelo, e constituição de 17 dos 23 Núcleos de Base
Comunitária propostos (Figura 3).
9
A ideia de núcleos de base comunitária é antiga, funcionando, segundo as particularidades de gestão de cada reserva extrativista, em várias delas.
10
Esta divisão busca potencializar o trabalho com questões de gênero – ação de fundamental importância na sociedade mundial – e de juventude, um setor identifi-
cado estratégico para a manutenção no tempo das reservas extrativistas.
11
Com isso, instituiu-se um modelo de eleição distrital e indireta para os cargos executivos da Associação.
12
Este passo ainda não foi oficialmente implementado, aguardando o processo de recomposição do Conselho Deliberativo da REAL, o que deve acontecer em 2016.
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Segundo o novo estatuto (ASAREAL, 2014):
Primeiros resultados
A aula de campo com os alunos da UFAC foi um teste importante para o modelo, uma vez que exigiu ampla mobilização
de lideranças, prestadores de serviço e moradores, para a realização das oficinas, rodas de conversa, entrevistas, investigações
em campo e outras ferramentas utilizadas. Também fortaleceu a divisão de responsabilidades entre equipe gestora, diretores da
ASAREAL e representantes de núcleo de base, contando ainda com a colaboração dos professores da UFAC responsáveis pelas
disciplinas. Apesar de alguns percalços (como o atraso na organização das equipes nas canoas no momento da partida, a não
previsão de diesel para uma das canoas utilizadas, estudantes que aguardaram por cerca de duas horas – sob forte chuva – a
“conexão” entre duas canoas responsáveis por levá-las para as comunidades mais distantes) a experiência foi considerada por
todos como exitosa, e inspiração para a elaboração do Plano de Manejo da REAL, que tem na relação estudantes + moradores
a sua base de trabalho, e foi iniciada em junho de 2015.
Em 17 de fevereiro de 2015 a Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade completou 10 anos de criação com extensa
programação e ampla participação dos moradores. Durante as festividades, que incluíram um culto ecumênico entre os princi-
pais representantes locais (e convidados) das igrejas presentes na REAL, dois torneios de futebol concomitantes em diferentes
comunidades da RESEX, bingo e atividades (jogos, brincadeiras, cantorias, pintura corporal, construção de murais) com as
crianças, realizou-se uma assembléia da ASAREAL – com 53 participantes – que apresentou o plano de ações estratégicas para
o mandato 2015-2016 (e além), aprovou novo formato de carteira e ficha de associação e atualizou o valor da anuidade para
sessenta reais (R$60). A dimensão do evento exigiu ainda mais articulação e divisão de responsabilidades entre os envolvidos
e, mais uma vez, apesar das eventualidades identificadas, (sem o controle do fornecimento da alimentação, em uma das noites
o jantar elaborado não foi suficiente para todos os participantes, demandando reforço; a necessidade de se complementar a
carne adquirida; e o combustível insuficiente para os deslocamentos realizados) todas elas devidas ao número de pessoas bem
acima do esperado, o evento foi considerado um sucesso. Momento especial foi a realização de um resgate do histórico socio-
econômico de organização comunitária, que contou com a participação de antigas lideranças locais e regionais, e o primeiro
gestor da RESEX.
Desde a organização da assembleia da ASAREAL em novembro de 2014 é a Associação que seleciona os prestadores
de serviço para a realização de atividades relacionadas ao PAS e demais ações de gestão da RESEX. Inicialmente os presta-
dores de serviço foram indicados pela ASAREAL, e o ICMBio realizou o pagamento do serviço diretamente aos prestadores, em
nome da Associação. Numa etapa intermediária, o pagamento foi feito à ASAREAL, mas toda a individualização dos pagamentos
foi organizada pela equipe gestora do ICMBio. Atualmente, o ICMBio realiza o pagamento integral à ASAREAL pelos serviços
prestados, e esta se responsabiliza pelo pagamento individual dos prestadores de serviço. Em acordo entre ICMBio, ASAREAL
e prestadores de serviço, a associação é remunerada com 20% do valor líquido das diárias pagas aos prestadores de serviço.
Este recurso arrecadado já permitiu a realização de várias atividades da Associação, como a realização de torneios de futebol,
13
Técnica teatral desenvolvida por Augusto Boal que se utiliza de jogos e dinâmicas de cena, buscando a transformação da sociedade no sentido da libertação dos
oprimidos (Boal, 2005, pág 18).
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apoio financeiro a sócios necessitados (remédios e transporte até a “rua”14), viagens de membros da diretoria executiva, em
especial a presidente eleita, Maria Renilda Santana da Costa (popularmente conhecida como “Branca”), segunda secretária na
gestão anterior. O complemento de carne durante a realização dos 10 anos da RESEX, bem como a aquisição de itens como o
globo e cartelas do bingo, bolas e alguns dos prêmios para as competições, foram adquiridos com recursos arrecadados pela
Associação nesta intermediação. Um resultado complementar para a gestão foi a desburocratização do processo de prestação
de serviço, anteriormente realizados via a contratação de pessoa física, o que demandava uma série de informações cadastrais,
pagamento da guia da previdência social, alternância na seleção dos prestadores para evitar possíveis vinculações trabalhistas,
gerando relativa sobrecarga aos atuais dois gestores da RESEX pelo ICMBio. Com a reformulação do sistema, a ASAREAL
responsabiliza-se integralmente pelos prestadores de serviço.
Ainda sobre este arranjo, o fato de ser a Associação quem seleciona os prestadores de serviço melhorou a disponibili-
dade e a qualidade de serviços rotineiramente prestados, como barqueiros e fornecimento de alimentação. Também, como a
ASAREAL privilegia a contratação de sócios “em dias” com suas obrigações estatutárias (como manter a mensalidade em dia,
participar dos encontros, conhecer seus direitos e deveres), o interesse em prestar serviço tende a estimular o envolvimento
dos moradores de uma maneira geral, já que, com a instalação dos núcleos de base comunitária as ações de gestão têm sido
executada com maior capilaridade dentro da RESEX.
Algumas pendências
Um desafio tem sido a constituição dos núcleos de base faltantes, e a efetivação da tríplice representação (mulheres,
jovens e homens) dentro dos núcleos de base constituídos. Outra meta do projeto ainda não devidamente contemplada é a ca-
pacitação dos membros da diretoria executiva da ASAREAL, sobretudo os tesoureiros, no desempenho das suas funções.
Referências
ASAREAL – Associação Agroextrativista da Reserva Extrativista do Rio Liberdade. Estatuto da Associação Agroextrativista
da Reserva Extrativista do Rio Liberdade. 15 de novembro de 2014.
BRASIL. Decreto s/n de 17 de fevereiro de 2005. Cria a Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade.
BRASIL. Lei Federal Nº 9.985 de 18/07/2000. Regulamenta o artigo 225 da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação e da outras providências.
CUNHA, C. C. Reservas Extrativistas: institucionalização e implementação no Estado brasileiro dos anos 1990. 2010,
310p. Tese (Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Instrução Normativa No 9, de 05 de dezembro de 2014.
Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para formação, implementação e modificação na composição de conselhos
gestores de unidades de conservação federais.
INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial. Dados de desmatamento em UCs: Reserva Extrativista Riozinho da Liber-
dade. Disponível em http://www.dpi.inpe.br/prodesdigital/atruc.php?ID=264&ano=2013&. Acesso em 17 junho 2015.
MMA – Ministério do Meio Ambiente. Programa Áreas Protegidas da Amazônia. Subcomponente 2.3 – Integração das
Comunidades; Edital Nº 3: Chamada de propostas de Planos de Ação Sustentáveis (PAS). Fevereiro de 2014.
14
“Rua” é um termo popularmente utilizado para designar a cidade, neste caso o centro urbano de Cruzeiro do Sul/AC.
Resumo
A adoção de políticas ambientais no Brasil envolve interesses baseados em diferentes ideais que geram diferentes usos sobre os
territórios. Objetivou-se identificar a representação dos moradores locais e funcionários do Parque Nacional da Serra do Cipó sobre
o que é um parque e quais usos seriam condizentes com sua conservação. As representações foram colhidas através de grupos
focais e entrevistas semiestruturadas, onde se objetivou captar a história de vida dos entrevistados, além de observação participante
com moradores e funcionários. Os resultados apontam paradoxos entre concepções teóricas e práticas de parques, entendidos
como territórios de conflitos. Percebe-se que diferentes formas de se representar nossos parques refletem diferentes formas de se
compreender a conservação ambiental, que também refletem diferentes representações sobre a relação homem/natureza.
Introdução
Esse estudo parte do princípio de que existem diferentes pensamentos que influenciam a conservação ambiental do ter-
ritório brasileiro2. Visto que essas diferentes formas de se pensar e implementar a conservação derivam das representações subjeti-
vas existentes sobre a relação homem/natureza e sobre o próprio conceito de ambiente, proponho-me a identificar a representação
de atores envolvidos no contexto do Parque Nacional da Serra do Cipó (PARNA Cipó) sobre o conflito entre a população local e a
área protegida, identificando assim a representação desses atores sobre o que é um parque.
Os atores envolvidos são moradores do distrito da Serra do Cipó, que enfrentam conflitos territoriais com o Estado, gerados
durante o processo de implementação e gestão do PARNA Cipó, e os servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da unidade, lotados no PARNA Cipó. Optou-se por alterar os nomes dos entrevistados man-
tendo seu anonimato.
As representações desses atores foram colhidas através de metodologias qualitativas que incluíram a realização de entre-
vistas com base em roteiro semiestruturado, onde objetivou-se captar sua história de vida, no contexto da observação participante e
da pesquisa-ação, totalizando cerca de 20 atores entrevistados em um total de quinze entrevistas realizadas entre janeiro e outubro
de 2014. Algumas representações também foram colhidas a partir de conversas informais onde foram feitas anotações em caderno
de campo.
A proposta do estudo se justifica ao contribuir para a discussão sobre a conservação ambiental em áreas protegidas de
forma a incluir os direitos sociais. Embora exista uma vasta bibliografia sobre os aspectos biológicos e o contexto turístico da Serra
do Cipó, há poucas referências que discorrem sobre questões sociais envolvendo a implantação e gestão do PARNA Cipó.
Este texto inicia-se apresentando a história da criação e implementação do PARNA Cipó e revela a existência de conflito
entre população local e Estado. Posteriormente, apresenta-se as representações sobre os significados que o PARNA Cipó assume
para os sujeitos da pesquisa. Por fim, apresentam-se reflexões sobre os paradoxos que constituem o modelo de parque brasileiro.
3
Questões discutidas em reunião, realizada em março de 2014, entre representantes da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do MPF-MG, representante
de uma das famílias atingidas e pesquisadores.
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preender as diferentes representações que o Parque possui para cada um dos grupos sociais envolvidos em seu contexto.
“[...] já vinha notícia que tava chegando o Parque (na época falava IBAMA; nem IBAMA, IBDF) e
acharam que era um bicho que tava chegando. Eles não sabiam, não tinha informação. Chegou
pessoal pra fazer medição [...]. Demarcaram as terras e eles ficaram esperando a resposta.
E falou que ia ter indenização, que eles iam receber rápido por aquilo, por o que eles tavam
cercando ali. Aguardaram, aguardaram. Não tiveram resposta [...]. Mas desceram com aquele
pensamento: “Nós vamos receber um dinheiro. Então nós vamos poder reconstruir uma vida aqui
em Cardeal Mota” (Ofélia, descendente de família atingida pelo PARNA Cipó. Depoimento colhido
em 17/01/2014).
A situação fundiária do PARNA Cipó permanece irregular e é causa de atritos entre população local e Estado, sendo con-
senso entre os servidores do ICMBio a existência de conflito. A solução encontrada para lidar com essas famílias foi a criação, em
2009, da ZOT, criada em caráter vitalício contendo normas de ocupação a serem seguidas pela população residente (composta
por idosos e adultos sem filhos) até que lhes sejam pagas as indenizações devidas, mas sem estender tal direito a seus suces-
sores. Conforme os termos definidos no Plano de Manejo do PARNA Cipó, essas famílias podem viver nos limites das ZOT, mas,
quando vierem a falecer, suas casas não poderão ser ocupadas por seus herdeiros (ICMBIO, 2009d). Ou seja, o Estado sinaliza
que prefere tolerar a presença ilegal dos residentes ao invés de gerar maiores discórdias com a população local, aguardando
que o problema seja resolvido pelo tempo, pois, uma vez que os residentes venham a falecer, a ocupação irregular do PARNA
Cipó estará resolvida.
Apesar de regulamentar o direito à moradia dessas pessoas, a ZOT não contribui para a resolução do conflito, pois o
problema enfrentado por essas famílias não é referente a uma questão financeira apenas (embora ela também seja importante),
mas envolve desejos dessa população que não almeja deixar seu território e têm algumas de suas práticas ameaçadas pelo novo
sentido dado ao território, no caso, a conservação ambiental restritiva.
“A questão do dinheiro nesse momento também já não faz diferença nenhuma mais. A gente foi
totalmente atropelado. Vi a vida deles totalmente atropeladas” (Ofélia, descendente de família
atingida pelo PARNA Cipó. Depoimento colhido em 03/10/2014).
Existem mecanismos que podem assegurar uma melhor convivência dos moradores no Parque enquanto suas indeni-
zações não são sanadas, dando-lhes inclusive a garantia legal do direito de morar dentro da UC. Um deles seria a adoção de
um Termo de Compromisso (TC) entre o órgão ambiental e as famílias residentes. Esse TC constitui um instrumento de caráter
transitório para a mediação de conflitos em UC (ICMBIO, 2012), que, segundo Ribeiro & Drumond (2013), também consiste em
um mecanismo legal de promoção do diálogo entre população e Estado. As autoras também ressaltam o potencial desses Ter-
mos para diminuir restrições da população local e melhor garantir a consolidação dos objetivos de conservação previstos para
a UC, sendo, portanto, um mecanismo de implicações positivas tanto para a conservação ambiental, quanto para a manutenção
do patrimônio cultural representado por essas famílias e seus modos diferenciados de vida. Para servidores entrevistados, o TC
pode solucionar o conflito existente no PARNA Cipó já que traria maior segurança para os processos de gestão da unidade, for-
malizando a condição de moradia e definindo as atividades que podem, ou não, ser realizadas pelos moradores.
Um ex-chefe do PARNA Cipó conta que tentou criar um TC com os moradores do Retiro, mas a proposta foi barrada pelo
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É difícil para essa população compreender a situação legal referente a suas terras, principalmente pelo fato de algumas
dessas pessoas terem tido pouco ou nenhum estudo formal. Quando perguntados sobre a situação jurídica de suas terras, muitos
declaram não compreender tais questões; por outro lado, os servidores do PARNA Cipó alegam que também não estão em uma
condição muito diferente: “Nós desconhecemos uma parte dessa história daqui” (Bernardo, servidor do PARNA Cipó desde
2010. Depoimento colhido em 20/01/2014). Ou seja, nem o Estado está totalmente ciente da situação dos processos fundiários
cuja sua ação (de criar um parque) gerou. Devido ao número de processos e das diferentes instâncias em que eles estão (alguns
são do âmbito administrativo do ICMBio, outros são processos judiciários), os servidores alegam ser difícil encontrar todos os
documentos que compõem o quadro da situação fundiária do parque.
“Isso aqui é uma infinidade de situações que, às vezes, pra gente que tá no executivo aqui, é
muito difícil buscar essas informações porque quem dialoga com a justiça é a Procuradoria e
muitas vezes a gente tem procuradores que não necessariamente dialogam com a gente, assim,
de um modo muito fácil. Têm situações e situações, claro” (Queila, servidora do PARNA Cipó.
Depoimento colhido em 20/01/2014).
Percebe-se no contexto do PARNA Cipó a ocorrência de um processo autoritário e intolerante de criação, implementação,
implantação e gestão da UC, o que pode ser associado ao “engessamento da unidade regulatória em contraposição à diversidade
de situações” (PIMENTEL et al., 2011) que se apresentam localmente. Existe um cenário político de ressentimentos (LOBÃO, 2006)
por parte dos moradores, que se sentem prejudicados pela chegada do Parque, o que pode resultar na rejeição dessas famílias
a quaisquer práticas conservacionistas adotadas pelo poder público (MENDES, 2011), o que é evidenciado pela fala de Nelson:
“Quando nós estávamos lá, nós tentávamos conservar a natureza lá, olhar, dar notícia e tudo. Mas tiraram as pessoas! Agora não
tem nada disso não. Agora por mim pode queimar até o mundo todo” (Morador do Retiro. Depoimento colhido em 19/01/2014).
Embora alguns moradores enxerguem a figura de um parque como “um produto do Governo Federal que mais se vende
hoje pro turismo” (Denis, membro da associação de moradores local. Depoimento colhido em 03/10/2014), outros acreditam na
importância biológica da unidade e a avaliam como necessária para a Serra do Cipó, sobretudo para a organização da atividade
turística na região. Para Denis, existe muito ainda a ser revisto sobre a ideia de parque, tanto em seu conceito difundido pela so-
ciedade quanto na legislação, pois “eles [os órgãos ambientais] já chegaram com uma referência que o problema na natureza
é a comunidade, onde que eu falo que a biologia, às vezes, errou muito” (Depoimento colhido em 03/10/2014). Para Ofélia, des-
cendente de família atingida pelo PARNA Cipó, a questão está centrada “sobre o modelo de parque que a gente tem. Poderia
aceitar-se as pessoas sim dentro do parque” (Depoimento colhido em 03/10/2014).
Embora percebam que a concepção de UC de Proteção Integral gere conflitos territoriais, os discursos de alguns dos
servidores do PARNA Cipó exprimem sua crença na premissa de que a eficaz conservação da biodiversidade, inclusive para
sua utilização pelas populações humanas, só pode ser alcançada com uma baixa atividade de exploração humana nos territórios
conservados, o que nos remete a um discurso de segregação entre humanidade e natureza. Contudo, um desses servidores
alega que “a humanidade está em todo lugar. Então, essa história de que tem terra sem gente não existe mais. [...] Botar uma
cerquinha, pegar uma carabina e falar que é só não deixar ninguém entrar que isso aqui está protegido é uma ilusão” (Geraldo,
servidor do PARNA Cipó. Depoimento colhido em 28/07/2014), o que realça certa contraposição entre as subjetividades desses
gestores no que tange a suas concepções sobre a relação homem/natureza.
Nesse sentido, associa-se o conflito na Serra do Cipó entre ICMBio e população local a outro conflito que se dá no campo
das ideais sobre o que é parque e o que é proteção integral. Percebe-se que a categoria parque é compreendida, hegemonica-
mente, por esses servidores como um território destinado a dois usos somente: conservação e uso público. Contudo, parte da
equipe também encara o PARNA Cipó como um território de conflito que envolve interesses conservacionistas, turismológicos,
econômicos, de moradia, de adoção de práticas tidas como tradicionais.
Para a comunidade local, o PARNA Cipó é tido como a extensão do Estado que, em prol da conservação ambiental, pro-
move injustiças sociais. Apesar da unidade ser considerada uma instituição importante para a Serra do Cipó, tanto por fomentar
sua economia, quanto por ordenar o turismo local, o sentimento de indignação está presente em muitas dessas pessoas. Indig-
nação pela forma como tiveram suas identidades atropeladas, pelo descaso que sentem por parte do Estado e por acreditarem
que sua situação nunca será resolvida.
Figura 1.Esquematização das diferenças entre o modelo de parque brasileiro (Parque Legal) e sua aplicação (Parque Real). Criação própria.
Apesar de ser perceptível a disposição de alguns policy makers brasileiros em criar parques (assim como outras áreas
protegidas), percebe-se que esses atores não se preocupam em (ou ao menos não têm sido capazes de) destinar os recursos
financeiros necessários para a eficaz implementação e gestão desses territórios de conservação (ICMBIO, 2009a), o que pode
ocorrer devido ao baixo poder político que a temática ambiental possui frente a interesses econômicos. Isso tem resultado em um
cenário político brasileiro onde é comum que o Estado não seja eficaz em concretizar a implantação das UC que cria (MENDES,
2011).
A implantação e gestão de UC no Brasil, sobretudo as de Proteção Integral, têm gerado diversos episódios de conflitos
em que se disputa o poder pelo controle do ambiente (ABAKERLI, 2001), o que é evidenciado pela análise dos documentos e
depoimentos aqui apresentados. Os conflitos na Serra do Cipó também são causados pela existência de diferentes modos de
representação e apropriação de ambiente, o que é evidenciado não somente através das entrevistas e da observação realizada
junto aos atores entrevistados, mas também na legislação ambiental brasileira.
Para as famílias que viviam e vivem no território tido hoje como Parque Nacional, há o comprometimento da continui-
dade de sua reprodução social, que passa a ser limitada ou mesmo inviabilizada pela categoria de UC criada na Serra do Cipó.
Considerando-se que a cultura de um grupo humano não é estática já que, durante seu processo de transmissão hereditária,
os códigos culturais que a formam podem permanecer, ser recodificados ou mesmo perdidos em prol da adoção de outros
(CLAVAL, 1999), não é possível afirmar que a mudança nas vidas dessas pessoas se deva exclusivamente à chegada do PARNA
Cipó, visto que seus valores e comportamentos estavam sujeitos a sofrer alterações com o decorrer do tempo. O que se percebe
no contexto do PARNA Cipó é que, ao se impor uma prática de conservação ambiental baseada no saudosismo do selvagem
(THOMAS, 2010), criou-se um outro saudosismo entre a comunidade atingida; um saudosismo sociocultural referente ao modo
de vida no qual essas famílias iam se reproduzindo socialmente e no espaço.
Esse risco à continuidade de práticas sociais é ainda mais ressaltado quando atinge comunidades que possuem modos
de vida que promovem usos e significações diferenciados de se apropriar do ambiente (DIEGUES, 2001). Para Arruda (1999),
esses modelos próprios de desenvolvimento criados temporal e espacialmente por essas comunidades diferenciadas não são
valorizados e a expulsão desses grupos sociais de seus territórios acaba constituindo uma ação do Estado que incentiva a inte-
gração ou a marginalização dessas pessoas no padrão hegemônico de sociedade. Como resultado, tem-se não somente a perda
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do patrimônio cultural que esses modos de vida diferenciados constituem, mas também a expansão de dinâmicas predatórias
pela sociedade, o que, em um contexto geral, vai contra os objetivos de conservação promovidos pelo próprio Estado.
A questão central que causa todos esses conflitos de interesses está ligada, portanto, às diferentes visões que se tem
sobre como implementar a conservação da biodiversidade, protegendo-a frente aos impactos causados pela expansão do mode-
lo urbano e industrial de sociedade. Mais do que promover a segregação entre homem/natureza, conforme é, de certo modo,
colocado pelo conceito legal de parque, é preciso compreender as diferentes transformações que os diferentes grupos humanos
promovem no espaço em que vivem, para então analisar quais medidas devem ser tomadas em cada caso.
Mesmo em meio a críticas negativas aos parques brasileiros, não está se defendendo aqui a extinção desse ou de
qualquer outro tipo de área protegida, uma vez que se percebe como necessária a delimitação de áreas com usos restritos e con-
trolados em prol da manutenção de ecossistemas. Contudo, busca-se incentivar o movimento de reflexão sobre nossos parques
de modo a incorporar-lhe saberes e usos locais demonstrando a fragilidade de se implementar a conservação da forma que é
proposta, uma vez que ela limita sua própria gestão, diminui o espaço cultural e baseia-se em medidas administrativas descone-
xas com as realidades do território que visa conservar (PIMENTEL et al., 2011).
Como exemplo dessa desconexão entre Parque Legal e Parque Real estão as populações que residem ou fazem uso
dentro de territórios transformados em Parques, o que representa um grande antagonismo entre o conceito de Proteção Integral
definido teórica e legalmente e sua construção real (PIMENTEL et al., 2011), o que tem gerado conflitos na região da Serra do
Cipó, que podem comprometer a capacidade de conservação (MEDERIOS, 2006; PIMENTEL et al., 2011) e a qualidade de vida
das populações locais.
Discussões finais
Leonardo: Se você pudesse resumir em uma frase o conceito de Parque, qual seria?
Ofélia: Mudança. Tanto no modelo, quanto no que a gente tem aqui.
(Ofélia, descendente de família atingida pelo PARNA Cipó. Depoimento colhido em 03/10/2014 por
Amanda Pacífico e Leonardo de Souza).
A política de conservação ambiental brasileira é relativamente recente, sendo necessário promover constantes reavalia-
ções com o intuito de melhorar sua eficácia para a proteção de nossos ecossistemas já tão fragilizados. A discussão dos ideais
de conservação pode diminuir contradições existentes entre discursos e suas aplicações práticas, contradições que são comu-
mente percebidas no atual cenário brasileiro de conservação ambiental.
É claro que o desenho de parque expresso na legislação jamais poderá ser aplicado sem ajustes às diferentes realidades
às quais for submetido, o que exige tanto uma visão mais ampla sobre o que são as práticas de conservação quanto uma maior
inserção da população local nessa discussão.
Uma vez que a gestão do PARNA Cipó não consegue fazer valer mecanismos que promovam melhores condições de vida
a suas populações atingidas, como o Termo de Compromisso, o PARNA Cipó torna-se replicador de uma política conservacionis-
ta que é no mínimo utópica já que não consegue conciliar-se com as realidades locais. É preciso construir outras possibilidades
de conservação para o PARNA Cipó, valorizando as tentativas de resolução dos conflitos fundiários e culturais existentes, sem
deixar de cobrar empenho para que um TC seja celebrado entre as partes. Mesmo servindo como paliativo, os TCs podem satis-
fazer as necessidades e desejos da população que aguarda as indenizações por suas terras, assegurando-lhes mais qualidade
de vida e segurança jurídica. Ressalta-se que a adoção de um TC, ou mesmo da ZOT, não constitui benefício, mas sim direito
legitimamente assegurado à população e estabelecidos como dever do Estado.
Conclui-se, portanto, que o PARNA Cipó é um parque, mas, ao mesmo tempo, não é tão parque assim, pois não consegue
se manter dentro do desenho de parque previsto em nossa legislação nem mesmo nos ideais de conservação que o moldaram.
Como consequência, a consolidação prática do PARNA Cipó se torna não somente ilegal em diversos termos, como também um
mecanismo que cria questões sociais ao ferir direitos da população local.
Referências
ABAKERLI, S. A critique of development and conservation polices in environmental sensitive regions in Brazil. Geoforum, v.32, 2011.
DIEGUES, A. C. S. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: HUCITEC / NUPAUB-USP, 3.ed, 2001.
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606
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Parque Estadual da Serra do Cipó. Belo Horizonte: Sistema Operacional de Ciência e Tecnologia (SOCT) / Fundação Cen-
tro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC), ago. 1982b.
Silva, Regina Oliveira da1; Albuquerque, Adna2; Almeida, Ruth Helena Cristo3 & Pereira, Jorge Luiz Gavina4
Resumo
Estudos socioambientais estão previstos no SNUC para a criação de unidades de conservação de uso sustentável. Nos anos de
2012 e 2013 foram realizados quatro estudos para a criação especificamente reservas extrativistas marinhas no estado do Pará.
Trabalhou-se nos municípios de Magalhães Barata, Marapanim, São Caetano de Odivelas e Augusto Correa. Foram desenvolvi-
das metodologias para esses levantamentos tendo-se como base teórica as etnociências e a participação. As metodologias foram
agregadas de forma a responder as questões, como: se há ocorrência de populações tradicionais, seus modos de vida e usos dos
recursos naturais existentes. Os resultados apontaram para existência de populações tradicionais, tendo como principal ambiente
utilizado os manguezais. Discute-se o futuro do território após a da criação das desejadas unidades de conservação, o que ocorreu
em 2014.
Introdução
Sabe-se que a proteção, o uso sustentável da biodiversidade e a manutenção de populações tradicionais são alguns dos
desafios da humanidade para as próximas décadas. A estratégia, praticada pelos governos em geral, para se atingir estas metas de
conservação é a criação e manutenção de Unidades de Conservação (UC) como Parques Nacionais, Reservas Biológicas e Reser-
vas Extrativistas. Se bem gerenciados, estes espaços oficialmente protegidos podem dar uma contribuição extremamente relevante
para a proteção da natureza contra a extinção de espécies, o desmatamento em larga escala e o mal uso de recursos naturais, além
de evitar o aumento do número de refugiados da conservação e valorizar os ditos “saberes não-científicos” (DOWIE, 2006; BORGES
et. al; 2007). A criação de unidades de conservação implica em transpor barreiras que afetam direta e indiretamente setores e atores
sociais locais em prol de uma sociedade futura.
As Reservas extrativistas foram concebidas com o propósito de manutenção da biodiversidade e da diversidade cultural
de povos tradicionais. Tendo sua concepção advinda das lutas dos movimentos sociais ao se conjugarem aos movimentos ambi-
entalistas desde o final da década de 1980. O processo de criação desses territórios pode ser sintetizado por meio da dinâmica do
movimento social dos seringueiros em dois momentos principais: o primeiro relativo aos chamados “empates”- que se configuraram
em ações coletivas de caráter espontânea; e o segundo relativo à proposição das “Reservas Extrativistas”- resultante do I. Encontro
Nacional dos Seringueiros (ALLEGRETTI, 1989).
Esses territórios foram destinados à exploração sustentável e à conservação dos recursos naturais por população extrativis-
ta. As reservas extrativistas chamam a atenção dos conservacionistas e pesquisadores por se tratarem de uma categoria que mescla
as questões da conservação da biodiversidade com as prerrogativas das comunidades extrativistas tradicionais.
Muitas vezes, as reservas extrativistas são pensadas somente territórios florestais, quando há viabilidade do extrativismo
ocorrer em outros ecossistemas, como o clássico exemplo da primeira reserva extrativista criada fora dos limites da Amazônia e
com uso de recursos distintos. Trata-se da Reserva Extrativista Marinha (REM) de Pirajubaé, no estado de Santa Catarina, criada
em 1992 (CECCA, 1997).
Mesmo na região amazônica, especificamente nos Estados do Amapá, Pará e Maranhão que possuem ecossistemas cos-
teiros, diversos estudos têm mostrado a viabilidade do extrativismo nesses ambientes. Destacam-se estudos de Furtado com as
populações Haliêuticas (1994) os de Cunha (1992) sobre o extrativismo nos manguezais, entre outros.
Podendo ser categorizadas como uma subcategoria das reservas extrativistas, as Reservas Extrativistas Marinhas (REM)
estão abrangidas pela definição do artigo 18 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n. 9985 de
Metodologia
O estudo foi realizado em quatro municípios da região do Nordeste Paraense, denominada de Microrregião do Salgado,
a saber: Magalhães Barata, Marapanim, São Caetano de Odivelas e Augusto Correa, atendendo aos processos de solicitação
para criação de unidades de conservação de uso sustentável junto ao ICMBio (Figura 1) .Os municípios foram percorridos
alternadamente a cada dois meses, ocasião em que se organizam os contatos com lideranças locais para uma agenda prévia
de atividades de campo. Em cada município foram visitadas as comunidades que haviam solicitado a criação da RESEX, assim
como as organizações e instituições locais que apoiavam a proposta, com permanência média de 10 a 15 dias em cada região.
Os dados aqui apresentados foram coletados de dezembro de 2012 a junho de 2013.
Levantamento de dados
A realização do diagnóstico socioambiental foi precedia pela pesquisa de dados bibliográficos e documentais. Foram
utilizados métodos de abordagem qualitativa e quantitativa, como observação participante, conversas informais, entrevistas aber-
tas e fechadas e listagem livre. Um informante-chave identificado pelos moradores como a pessoa que “tem o dom” para de-
terminada atividade era entrevistado e indicava outro morador que na opinião dele também “tinha do dom”. Foram utilizados
questionários semiestruturados que abordaram questões tais como: caracterização familiar, domiciliar, estrutura e organização
social, conhecimento sobre o que são reservas extrativistas, áreas e técnicas de pesca utilizadas; identificação e caracterização
biológica das espécies vegetais do ecossistemas manguezal, principais representantes e seus usos da fauna local terrestre e
aquática encontradas na região.
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Figura 1. Nordeste Paraense e a localização da microrregião do Salgado.
Para o reconhecimento/identificação das espécies locais utilizou-se a metodologia de apresentação de pranchas com
imagens e fotos. A confirmação taxonômica das espécies citadas pelos entrevistados foi realizada por meio de consultas à litera-
tura específica para a região.
Para complementar os estudos sobre os recursos marinhos e de desembocaduras, além do trabalho de etnolevanta-
mento, foram realizados acompanhamentos de pescarias tradicionais e observação de desembarque pesqueiro que ocorriam na
ocasião da estadia de campo (Figura 2).
Figura 2. Espécies de peixes identificados por meio de e desembarques pesqueiros (A) acompanhamentos das
pescarias (B) no Município Marapanim-PA.
O tempo de permanência em cada comunidade foi de pelo menos um a dois dias, quando por meio da realização de
oficinas eram prestados esclarecimentos sobre os objetivos do projeto e as formas de trabalho. Nas oficinas foram realizadas
atividades em grupos e aplicados métodos de coleta de dados utilizando-se técnicas e ferramentas participativas. Para a for-
matação e discussão dos atores institucionais e políticas públicas utilizou-se o diagrama de Venn. Informações sobre o futuro
do território uma vez concebido foram obtidas e analisadas mediante o uso da ferramenta da Matriz Histoecológica (OLIVEIRA,
2008). Trata-se de um método que permite avaliar as mudanças ocorridas e os graus de importância dos principais produtos na-
turais utilizados pelas famílias no passado (-10), no presente (0) e as projeções para o futuro (+10) e esclarecer o uso e o acesso
aos recursos nesses períodos. A ideia não é buscar consenso e sim promover o debate entre os participantes do grupo. Neste
B
A
C D
Figura 3. Aspectos das oficinas realizadas. (a). apresentação da matriz; (b) Diagrama de Venn; (c) e (d) mapeamento.
Os resultados das atividades de campo foram processadas, tabuladas, e analisadas da perspectiva socioambiental. Os
mapas de uso foram digitalizados e as áreas delimitadas.
Resultados
Os dados levantados indicam que as áreas levantadas se localizam em municípios pobres e desprovidos de políticas
públicas voltadas para a as práticas exercidas pelos moradores, como a pesca artesanal e o extrativismo, além de apresentarem
um alto índice de moradores (78%) que dependem dos benefícios sociais do governo federal.
Notou-se ainda que havia uma intensa especulação imobiliária e as áreas de mangue vêm sendo diretamente afetadas
pela construção de portos e desembarcadouros de particulares, assim com a prática ilegal da pesca esportiva.
A respeito das dificuldades vividas nos municípios observou-se que muitas comunidades ‘sofrem’ com a ausência de
serviços básicos. Muitas não possuem transporte público, muitas estão isoladas, o que prejudica o acesso à educação, ao
sistema de saúde e o atendimento às necessidades básicas de serviços para os moradores das comunidades, como por exem-
plo, escoamento da produção. Foi registrada a carência de escolas para formação após o ensino fundamental, o que promove a
migração, sobretudo dos jovens para as cidades.
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Além disso, muitos dos postos de saúde não funcionam, a coleta de lixo não é adequada e não acontece em todas as
comunidades, fazendo com que o lixo se acumule nos cursos d´água, atraindo doenças pela presença de insetos, como moscas
e mosquitos, roedores e urubus.
A descrição das condições em que muitos habitantes das comunidades visitadas ainda se encontram, demonstra como
muitas ações precisam ser executadas. É importante sanar a visível exclusão econômica e social, o que demandaria uma aproxi-
mação cada vez maior do Estado para a execução de políticas públicas que melhorem o quadro descrito e o acesso aos serviços
básicos por parte de todas as comunidades.
Uma das questões discutidas nas oficinas, especificamente em São Caetano de Odivelas e Marapanim, e que se constitui
em uma das sérias ameaças à biodiversidade são os dois empreendimentos portuários planejados que se localizam na Ponta
da Tijoca, e na ilha da Romana no município de Curuçá. O interesse pelo local está diretamente ligado as condições físicas do
ambiente com profundidade de vinte e cinco metros, em águas calmas, o que dispensaria de dragagem. O primeiro é o Terminal
Marítimo Off-shore do Espadarte, que, nos anos de 1980 foi cogitado para ser o porto de Carajás e o segundo, trata-se do porto
flutuante, empreendimento do grupo Anglo-American (Companhia de Minerais Metálicos S.A- MMX).
O ecossistema reconhecido como principal é o manguezal, ou “mangal”, que na concepção dos extrativistas “não tem
dono, é livre e todo mundo pode usar”. Os moradores possuem conhecimento de seu ambiente e já exercem práticas conserva-
cionistas como a não retirada das espécies vegetais do mangue para produção de carvão ou lenha, além de evitarem o uso de
apetrechos de pesca considerados danosos com a pesca de rede de poitá e a “tapagem” dos igarapés.
Além da ideia da criação de uma unidade de conservação de uso sustentável, os resultados da matriz histoecológica
apontaram para a preocupação dos moradores com a conservação ambiental e com as possibilidades de investimentos em
outras atividades, tais como o turismo, retratada nas falas: “Se a RESEX chegar aqui é possível ter melhorias, mas se tiver uma
fiscalização o mexilhão pode voltar a aparecer no rio”. “Aqui no município o turismo é forte e na comunidade precisa de hotel,
pensamos também em ter criação de peixes e beneficiamento”. Os moradores de comunidades onde havia maior concentração
de pescadores alegaram que “a pesca é nossa principal atividade, por isso o interesse em mostrar como será no futuro”. Outras
comunidades optaram pela diversificação dos produtos para sua manutenção desde a criação da unidade de conservação.
A defesa dos territórios tradicionais de pesca por parte de pescadores artesanais não é tarefa fácil, uma vez que resulta
da difícil definição da apropriação dos espaços marinhos fora do contexto social dos envolvidos (CORDELL, 2001).
O modo como populações tradicionais de pescadores definem os territórios marinhos para diversos usos (trabalho,
subsistência, relações simbólicas), vem sendo estudado em diferentes pesquisas, onde novas visões de patrimônio são conside-
radas, permitindo o afloramento de outros níveis de relações entre sociedade e propriedade. Esses entendimentos, ao reconhe-
cerem as regras informais (mas nem por isso menos rígidas) existentes entre pescadores, legitimam direitos consuetudinários de
posse garantindo a manutenção dos locais de pesca (MALDONADO, 1986; CASTRO, 1997; MARQUES, 1991; MARQUES, 2001).
Chamy (2002) destaca que a questão é revestida de entendimentos divergentes, já que o mar é em grande parte, um
território de livre acesso. A própria Constituição Federal de 1988 não permite a posse das águas e os recursos pesqueiros são
inseridos na categoria de bens de livre acesso, o que contribui ainda mais para a exclusão das populações descapitalizadas
diretamente dependentes desses recursos. As inter-relações específicas entre pescadores artesanais e ambiente marinho, um
espaço dinâmico e arriscado, permite a elaboração de um conhecimento.
Os resultados obtidos do exercício da Matriz histoecológica, ressaltou a preocupação com os recursos pesca ao longo
dos anos e especificamente o pescado. Segundo eles “a pesca é nossa principal atividade, por isso o interesse em mostrar como
será no futuro”. Afirmaram que ”a RESEX sendo criada, os peixes podem voltar, mas não será muito não; a RESEX pode melhorar
a vida dos marisqueiros porque terá mais fiscalização, mas a pesca está fracassando”.
Observou-se que os moradores têm a percepção de que com a criação da RESEX haverá regras para o uso da terra e
“veem” na fiscalização a possibilidade de que haja controle sobre o uso de alguns recursos, além de que haverá proteção do
território.
Os resultados apresentados pelas comunidades apontaram complexidades à luz dos processos de gestão de recursos
naturais de uso coletivo, por exemplo. No entanto, nos permitiu sugerir que os resultados poderiam conduzir à criação de novos
territórios e de interpretações das tendências sugeridas pelos moradores para sua manutenção.
Os relatórios gerados abasteceram ao ICMBio para a finalização dos processos iniciados pelas populações locais e que
Considerações finais
A criação de reservas extrativistas, cada vez mais comum na região Amazônica, implica problemas muito sérios para
além da questão ambiental, ligados em especial à estrutura de poder local e à gestão do território. Criar reservas extrativistas não
se resume à sua delimitação e à legalização de suas terras.
Os desafios para o desenvolvimento das RESEX incluem a necessidade do estabelecimento de atividades econômicas e
sustentáveis dos produtos tradicionais, a ausência de escolas e serviços de saúde, e o desrespeito aos seus limites por parte de
invasores, que depredam recursos e ocupam terras além do estabelecimento de uma gestão participativa.
Estas REM poderão contribuir para a conservação dos recursos naturais e para que as comunidades locais tenham
segurança fundiária, acesso às linhas de crédito e financiamento para a reforma agrária, fomento comercial, proteção e reco-
nhecimento do seu modo de vida.
O perfil das populações tradicionais é ajustado de acordo com as paisagens naturais que caracterizam as diferentes
formas de vida das comunidades estudadas. A criação e ampliação destas novas RESEX possibilitou o reconhecimento de popu-
lações tradicionais no Salgado Paraense, como é o caso dos pescadores artesanais, marisqueiros, caranguejeiros, agricultores e
pescadores de camarão. Atualmente alguns grupos já comercializam seus produtos com empresários da cidade de Belém que
valorizam seus modos de vida e praticam o preço justo.
A criação das reservas extrativistas nesses municípios intensificará a necessidade de mediação, diálogo e real conhe-
cimento da dinâmica dos recursos naturais como bens públicos assegurados pela constituição federal aos povos do mangue.
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Resumo
A implementação de áreas protegidas é uma das principais estratégias para a Conservação da Natureza no mundo. Entretanto,
a forma como as unidades de conservação (UC) foram criadas e geridas ao longo de sua história no Brasil, não raro, interferiu
em direitos básicos de povos e comunidades tradicionais, como acesso a territórios, políticas públicas e serviços essenciais à
dignidade. Tais efeitos precisam ser tratados e minimizados com vistas a viabilizar a gestão e a aceitação e apropriação das UC,
pelas comunidades locais e pela sociedade em geral. Um passo essencial para a construção de estratégias de gestão dos con-
flitos decorrentes da situação é lançar luz sobre o tamanho do desafio, em termos quantitativos e qualitativos. Apresentamos aqui
alguns resultados gerais de um amplo levantamento destas interfaces, feito por consulta a todos os gestores das UC federais, e
a discussão de possíveis encaminhamentos.
Palavras-chave: Acordos de Convivência, Colisão de Direitos, Conflitos Territoriais, Diagnóstico Participativo, Termos de Compromisso.
Introdução
A criação e implementação de Áreas Protegidas é considerada uma das principais estratégias para a conservação da bio-
diversidade no Brasil e no mundo (IUCN, 1980; 2014; BRUNER et al., 2001; BALMFORD et al., 2002). Desde 1988, a definição de
espaços territoriais protegidos em todas as unidades da Federação é função do Poder Público, devendo contribuir para o objetivo
de assegurar o direito de todos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida”, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal. A promulgação do SNUC não só regulamentou este artigo da
Constituição como estabeleceu diretrizes por meio das quais o Brasil cumpriria compromissos assumidos como signatário da
Convenção para a Diversidade Biológica (CDB), firmada por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, mais conhecida como “Rio 92” (ONU, 1992). Firmando a CDB, o Brasil comprometeu-se com o estabelecimento
de áreas protegidas em pelo menos 10% de seu território.
Durante a 10ª Conferência das Partes da CDB, realizada em Nagoya no Japão, em Outubro de 2010, foi aprovado o Plano
Estratégico de Biodiversidade para o período 2011 a 2020, contemplando 20 metas – Metas de Aichi, dentre as quais o estabeleci-
mento de áreas protegidas em 17% do território continental dos países signatários (Meta 11, LINO et al. 2011); além da obrigação
de considerar, respeitar e aproveitar os conhecimentos de comunidades tradicionais e indígenas com vistas a respeitar a harmonia
entre homem e natureza (meta 18, LINO et al. 2011).
O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), instituído pelo Decreto n° 5.758/2006, constitui a plataforma
sobre a qual o Estado brasileiro pode harmonizar a implementação de instrumentos da política ambiental, da política indigenis-
ta, da política quilombola e da política para comunidades tradicionais. O PNAP define uma estratégia territorial de integração e
complementaridade entre áreas protegidas, sob a forma de Unidades de Conservação da Natureza, Terras Indígenas, Territórios
Quilombolas e Territórios Tradicionais.
Sucede, entretanto, que a aplicação dessas políticas pelos diferentes órgãos públicos competentes resulta, em muitos ca-
sos, na coincidência de diferentes tipos de áreas protegidas no mesmo território, já que em muitos casos, os mesmos atributos têm
importância ambiental e cultural. Apesar de apresentarem objetivos complementares, uma leitura não abrangente e sistêmica da
legislação esparsa revela um conflito aparente entre as normas que regem e orientam a gestão dos distintos tipos de áreas protegi-
das. Essa interpretação superficial suscita posicionamentos excludentes, gera conflitos e distancia potenciais alianças estratégicas
“As contribuições destas áreas terrestres e marinhas para os resultados de conservação em escala
local, nacional e global são agora uma parte central do discurso conservacionista e são entendidos
como cruciais para o alcance de várias das Metas de Aichi da CDB até 2020, incluindo Meta 11
(referente a áreas protegidas). Além disso, há um crescente reconhecimento do papel que o co-
nhecimento tradicional desempenha no aumento da resiliência e da capacidade das comunidades
para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, como mencionado no Quinto Relatório de
Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).”
A história das unidades de conservação (UC) no Brasil é marcada pela alternância de períodos mais e menos favoráveis
à sua implementação (RAMOS, 2014; MADEIRA et al., 2015) bem como pela existência de significativo passivo de consolidação
territorial das UC, incluindo aí pendências de regularização fundiária e ausência de encaminhamentos concretos para os confli-
tos decorrentes da presença de populações humanas nas UC, quando em desacordo com as suas categorias de manejo ou seus
instrumentos de gestão. (VIANA, 2008; BARRETO FILHO, 2014).
A consciência de que estas situações de sobreposição e interfaces territoriais constituem aspecto importante para a con-
solidação das Unidades de Conservação influenciou o processo de estruturação organizacional do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio, sendo constituída uma Coordenação específica para o tratamento de tais situações.
Trata-se da Coordenação de Gestão de Conflitos Territoriais – COGCOT, vinculada à Coordenação Geral de Gestão Socioam-
biental – CGSAM, integrante da estrutura da Diretoria de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em Unidades de
Conservação – DISAT. Cabe à COGCOT auxiliar na formulação de diretrizes institucionais para a gestão das interfaces entre uni-
dades de conservação e territórios étnicos e áreas de uso por povos e comunidades tradicionais, bem como apoiar tecnicamente
as equipes de gestão das UC no tratamento das situações que envolvem os direitos sociais, ambientais, territoriais e culturais
desses grupos diferenciados, formadores da diversidade da sociedade brasileira.
A COGCOT atua no sentido de construir entendimentos e acordos que viabilizem tanto a gestão das UC quanto a consecução
das políticas públicas voltadas à proteção do patrimônio natural e cultural e ao desenvolvimento socioambiental nos territórios em
que as UC estão inseridas. As pactuações decorrentes do processo de abertura do diálogo interinstitucional e entre órgão gestor e
comunidades locais propiciam ambiente favorável ao alcance de encaminhamentos conciliados, transitórios ou definitivos, para os
casos que envolvem “colisão de direitos fundamentais” (MPF, 2014), que devem ser tratados de modo a que nenhuma das partes
tenha o seu direito inteiramente preterido, ainda que em alguns casos seja impossível que ambos sejam integralmente contemplados.
A partir da instituição da COGCOT, buscou-se conhecer a real dimensão do desafio, de modo a se conhecer com mais
precisão, em termos quantitativos e qualitativos, os casos de interface territorial. Em 2012 houve um esforço de levantamento das
situações de sobreposição entre UC e Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Territórios de Populações Tradicionais, com
informações já então catalogadas no ICMBio, que resultou no trabalho intitulado “Geografia dos Conflitos Territoriais” (ICMBio,
2012), o qual apontou a existência de cerca de 100 casos de situações desta natureza, mapeados ali com maior ou menor nível
de detalhamento, conforme a disponibilidade de dados.
Em 2013 e 2014 foi realizado novo esforço no sentido de aprimorar o diagnóstico anteriormente realizado, por meio
da aplicação de extenso questionário aos gestores das Unidades de Conservação, que resultou no levantamento denominado
“Interfaces Territoriais entre Unidades de Conservação e Povos e Comunidades Tradicionais”. Com o aporte das informações
disponibilizadas pelas UC, foi possível obter um panorama das sobreposições, constituindo importante subsídio para a definição
de diretrizes e estratégias de atuação institucional perante o tema. Dados do levantamento alimentarão um sistema informatizado
denominado Sistema de Interfaces Territoriais – SIT, que pretende fornecer informações atualizadas acerca das interfaces.
Sistematizamos e analisamos aqui alguns dos principais resultados deste diagnóstico, apresentados e problematizados
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em função de variáveis como categoria das UC, bioma, grupo social envolvido e de dois dos principais instrumentos disponíveis
para lidar com as situações decorrentes das interfaces: os planos de manejo e os termos de compromisso. Espera-se que as in-
formações aqui contidas venham a contribuir para que a temática das sobreposições territoriais seja encarada de forma respon-
sável e sob a luz dos princípios constitucionais, promovendo soluções justas que levem à conservação da diversidade natural e
cultural que compõem a riqueza do nosso país.
Métodos
Os resultados aqui apresentados têm como fonte as respostas dadas por gestores de UC ao questionário “Interfaces entre
Unidades de Conservação e Povos e Comunidades Tradicionais”, que incluiu também interfaces com agricultores familiares e
assentamentos da reforma agrária. Trazemos aqui as informações consideradas mais relevantes para a discussão das interfaces
e de possíveis encaminhamentos.
A pergunta inicial do questionário, dirigida a todos os gestores em outubro de 20131 e que indicou haver ou não interfaces,
foi a seguinte:
A maioria das respostas se deu entre novembro e dezembro de 2013, tendo se completado até março de 2014. Em alguns
casos, de UC que se encontravam sem nenhum servidor lotado, as respostas foram dadas por servidores de Coordenações
Regionais. Seguiu-se a complementação e/ou esclarecimento das informações por técnicos da COGCOT através de consultas
a materiais disponíveis na sede e de contatos telefônicos com as equipes das UC. Reunido o conjunto de informações possíveis,
o material foi organizado na COGCOT para alimentar o “Sistema de Interfaces Territoriais” – SIT, sistema informatizado que
facilitará o trabalho do ICMBio de manter sempre atualizadas as informações colhidas, possibilitando o adequado planejamento
das ações de gestão das situações eventualmente geradas por estas interfaces e a priorização dos casos que apresentem maior
risco de escalada de conflito.
Dentre as informações colhidas no questionário, destacamos aqui as seguintes: i) taxa de respostas ao questionário por
categoria de UC; ii) porcentagem de presença de interfaces por categoria de UC; iii) porcentagem de presença de interfaces por
categoria de UC em cada bioma; iv) porcentagem de interfaces por categoria de UC por grupo social envolvido; v) abordagem
da interface nos planos de manejo por categoria de UC; e vi) porcentagem das UC com interfaces nas quais há demanda por
termo de compromisso (TC), negociações em curso para a elaboração de TC ou TC em implementação.
Resultados e Discussão
O levantamento atingiu uma taxa de respostas bastante elevada (96,4% das UC de Proteção Integral e 82,1% das de Uso
Sustentável). Ao todo foram recebidas respostas sobre 277 UC, no momento em que havia 313 UC federais no país, representan-
do, portanto, uma taxa de resposta total de 88,5% (Tabela 1).
A análise dos dados indicou haver 185 interfaces com UC federais, sendo 132 em 94 UC de Proteção Integral e 53 em 44
UC de Uso Sustentável. A taxa de ocorrência de interfaces é elevada, especialmente nas categorias de Proteção Integral (Tabela
2). Note-se que nas UC de uso sustentável, a presença humana é prevista, de modo que só foram computados os casos em que
sua presença ou os usos praticados, estejam em desacordo com a categoria ou com algum de seus instrumentos de gestão
(plano de manejo, plano de uso, acordo de gestão, entre ouros).
Verifica-se que foram informadas interfaces em praticamente todos os biomas (exceto Pampa e Pantanal, que têm cada
um apenas duas UC federais), em todas as Unidades da Federação e em todas as categorias de UC. Os dados trazem também
um conjunto de informações que permitem qualificar as interfaces e discutir medidas e estratégias de enfrentamento do pro-
blema. Em suma, todo este conjunto de dados possibilita ao ICMBio definir critérios de priorização que permitirão qualificar as
ações para o tratamento das situações decorrentes das interfaces existentes.
1
Nossos agradecimentos aos colegas do ICMBio que se dedicaram à trabalhosa tarefa de responder ao referido questionário que, entre outros resultados institucio-
nais gerados, possibilitou este trabalho.
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cia se dá em proporção menor do que a que corresponderia à preponderância territorial das UC amazônicas em relação ao
sistema como um todo. Os dados com o número de interfaces, o número de UC e a área total ocupada por elas estão na Tabela
3. Verifica-se que em regiões de baixa densidade populacional (como é o caso da Amazônia), a porcentagem de interfaces exis-
tentes é relativamente mais baixa que a porcentagem de território protegido no mesmo bioma. No extremo oposto, em regiões
de alta densidade populacional a proporção de interfaces é maior que a porcentagem de área protegida naquele bioma (como
na Mata Atlântica e Zona Marinho-Costeira).
Agricultores familiares são, entre as categorias aqui consideradas, aquela que menos detém direitos que garan-
tam seu espaço de trabalho, exceto quando contemplados pela reforma agrária (mas na presente análise os assentados es-
tão em outro grupo). Populações tradicionais detêm direitos territoriais de permanência em seu espaço tradicional de uso
e identidade; mas ainda não detêm, apesar da possibilidade de lograrem a criação de Reservas Extrativistas, Florestas Na-
cionais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, políticas e instrumentos bem estabelecidos para obterem o reco-
nhecimento à delimitação de seu espaço de uso, como ocorre com indígenas e quilombolas. Aparentemente, há menos
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No caso das UC de Proteção Integral (Tabela 6), 56,8% das interfaces estão em UC que já têm PM e 12,9% o têm em
processo de elaboração, apontando para um total de quase 70% das interfaces em UC deste grupo de categorias com PM num
futuro próximo. Há uma quantidade significativa de interfaces que não são abordadas nos PM existentes (37,3%); 21,3% men-
cionam a interface, mas não apontam solução. Entre os PM que registram a existência da interface e indicam uma abordagem
para o problema, 1,3% apontam a regularização fundiária, 8,0% apontam encaminhamentos unilaterais e 32,0% apontam encamin-
hamentos a serem negociados com o grupo social envolvido, como um termo de compromisso.
A situação é bem diversa para as UC de uso sustentável (Tabela 7), onde a incidência de interfaces é bem menor (25,4%
do total de UC). A proporção de interfaces ocorrendo em UC com PM é menor (47,1%), mas com os 17% em elaboração, deve-se
contar em breve com cerca de 64% das interfaces em UC de uso sustentável com PM. A proporção de interfaces não abordadas
por PM existentes é um pouco menor (32%), mas a proporção de interfaces mencionadas sem a indicação de solução é maior
(40%). Não há PM em UC de usos sustentável que indique uma solução unilateral.
Outra informação importante se obtém do cruzamento dos dados de tipo de abordagem feita pelos PM com o tempo
decorrido desde a sua publicação. Entre os PM mais recentes encontramos uma proporção maior de indicações de ações pac-
tuadas (46,7%), enquanto nos PM mais antigos esta proporção está próxima dos 15% (Tabela 8). A proporção de PM que indicam
ações unilaterais para lidar com as interfaces variou menos, embora seja um pouco maior nos PM mais antigos que nos recentes.
Já a porcentagem de PM que não abordam as interfaces reduziu-se significativamente, mas ainda é alta: 26,7% nos PM mais
recentes, 60% nos de 10 a 14 anos e 41,7% nos mais antigos, de mais de 15 anos (Tabela 8).
Considerações finais
O tema aqui abordado tem sido, historicamente, foco de acaloradas discussões de cunho político-ideológico no meio
institucional, social e acadêmico. Frequentemente tende-se a um movimento “pendular”, no qual a gestão das unidades de con-
servação ora tende a desconsiderar os direitos das populações afetadas pela sua criação, ora dá ênfase aos mesmos, suscitando
críticas conforme a conjuntura no momento. Sem adentrar em casos específicos, que não é o objetivo do presente artigo, con-
sideramos oportuno que as discussões acerca do tema sejam pautadas na objetividade e na busca de soluções concretas para
as sobreposições. Faz-se necessário considerar o conjunto de interesses legítimos e direitos envolvidos nas interfaces, de modo
que as soluções encontradas sejam de fato implementadas e alcancem o fim das controvérsias.
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Ainda que alguns processos de criação de Unidades de Conservação não tenham sido suficientemente cuidadosos
na prévia identificação de eventuais territórios tradicionais nas áreas transformadas em UC de proteção integral, considera-se
legítima e necessária a implementação de um sistema de áreas protegidas capaz de garantir a conservação da natureza. Con-
sidera-se igualmente legítima a presença de povos e comunidades tradicionais, muitas vezes responsáveis pela manutenção dos
atributos naturais que justificaram a posterior afetação da área como unidade de conservação. Em muitos casos, infere-se que
o deslocamento dessas populações de seus territórios ancestrais acarretaria em prejuízos para a conservação da natureza, e tal
medida só deve ser adotada em casos excepcionais e mediante processo dialogado com os grupos envolvidos.
A adoção de posicionamentos radicais pelas partes inviabiliza o tratamento dos conflitos, dificulta a implementação da
UC e prejudica o alcance dos direitos da população envolvida. Por outro lado, a observância ampla e sistêmica do ordenamento
jurídico nacional e internacional que rege a matéria, contribui para a construção de entendimentos, acordos e soluções de con-
trovérsias, proporcionando a harmonização e complementaridade entre as políticas ambiental, cultural, étnica e territorial.
Exemplos dessas possibilidades são os nove termos de compromisso já celebrados entre o ICMBio e comunidades
tradicionais (Tabelas 9 e 10), a participação ativa de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais
nos Conselhos Gestores de UC, o envolvimento colaborativo do ICMBio nas políticas de gestão ambiental de terras indígenas
(PNGATI - Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas) e de territórios quilombolas, assim como os
acordos celebrados no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) da Advocacia Geral
da União (AGU).
O diagnóstico das interfaces territoriais realizado pela COGCOT/ ICMBio tem a intenção de iluminar novos caminhos que
levem a resultados justos, democráticos e transparentes, com institucionalidade e observância a todos os direitos em questão.
Espera-se que o conhecimento acerca do histórico e do atual cenário das sobreposições possa também contribuir para a cor-
reção de eventuais injustiças porventura decorrentes da sobreposição de territórios tradicionais por unidades de conservação
que impõem limitações ao exercício dos direitos de comunidades locais que secularmente ocupam e conservam áreas com
atributos naturais relevantes também para a conservação da biodiversidade.
Sabe-se que o apoio da sociedade é fundamental para a consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
e para a manutenção da integridade do conjunto das Áreas Protegidas instituídas no país, todas fortemente ameaçadas pelos
interesses dos setores desenvolvimentistas que dominam o cenário político no Brasil.
Diante do exposto, propomos que, a partir da sistematização dos dados e do real dimensionamento da questão, se cons-
trua uma nova visão acerca da complexa realidade das interfaces territoriais, orientando as ações do poder púbico no sentido da
mediação de interesses/direitos e da promoção da justiça social, posto que é sua função. Propomos a priorização da busca de
arranjos institucionais e encaminhamentos colaborativos, que fortaleçam as políticas de implementação de todas as Áreas Pro-
tegidas e valorizem a complementaridade entre as dimensões cultural e ambiental, reconhecendo a indissociável relação entre
homem e natureza, no país do pluralismo e da megadiversidade.
BARRETO FILHO, H.T. Gestão Ambiental e Territorial: um panorama dos espaços territoriais especialmente protegidos no Brasil.
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626
MONITORAMENTO PARTICIPATIVO DA BIODIVERSIDADE: ENVOLVIMENTO
DE ATORES LOCAIS NA CONSERVAÇÃO E GESTÃO DAS
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA AMAZÔNIA
Prado, Fabiana1; Tofoli, Cristina Farah de1; Figueira, Pollyana Lemos1; Chiaravalloti, Rafael Morais1,2; Santos,
Rita Silvana Santana dos3; Sousa, Ilnaiara4; Fernandes, Laís4; Bonavigo, Paulo Henrique5 & Maduro, Rubia Goreth Almeida4
Resumo
O presente trabalho tem o objetivo de promover o envolvimento socioambiental para o fortalecimento da gestão das Unidades de
Conservação (UC) e a conservação da biodiversidade na Amazônia. Sete macroações foram implementadas de maneira intera-
tiva: articulação com o ICMBio, envolvimento de comunidades e parceiros locais, capacitação em monitoramento participativo,
construção e validação participativa de protocolos, capacitação de monitores e coleta de dados. Resultando em 90 eventos, com
1.879 participações, e a implementação de monitoramento em seis UC. A participação das comunidades e instituições locais
no processo criou um senso de pertencimento entre as comunidades e a gestão. Entretanto, é necessário que haja comprome-
timento com as comunidades de modo contínuo, cultivando relações e utilizando as informações para a qualidade de vida dos
moradores e a gestão socioambiental das UC.
Introdução
Os ambientes naturais estão sob pressão em todo o planeta e, consequentemente, enfrentamos graves impactos ambi-
entais. A biodiversidade diminuiu quase 20% entre 1970 e 2008 (BUTCHART et al., 2010). A resposta principal para tais desafios
tem sido a criação de áreas protegidas, e hoje em torno de 12,9% da superfície do mundo é protegida sob alguma categoria
(JENKINS; JOPPA, 2009).
O Brasil seguiu essa tendência e hoje é um dos líderes mundiais no percentual de áreas formalmente protegidas, com
aproximadamente 20% do seu território sob diferentes categorias de proteção. Considerado um país megabiodiverso, o Brasil
supera o número de 200 mil espécies registadas (LEWINSOHN, 2006). A sociodiversidade brasileira é igualmente rica. São mais
de 300 etnias indígenas e diversas comunidades tradicionais, como: quilombolas, caiçaras, extrativistas e ribeirinhos (IBGE,
2012). Todas elas detêm importantes conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e contribuem no desenvolvimento
sustentável e na conservação das áreas protegidas do Brasil. Contudo, efetivar a participação social é um desafio, pois estes
processos estão intrinsecamente ligados ao histórico de democratização da nossa sociedade.
Para além de todas as adversidades e considerando os desafios estruturais das Unidades de Conservação, como o
número de unidades descentralizadas em todo o território nacional com recursos financeiros e equipe técnica escassos, a gestão
dessas áreas protegidas tem sido otimizada por meio de iniciativas de envolvimento da população local (PADUA; CHIARAVAL-
LOTI, 2012). Dentre elas, destaca-se o monitoramento participativo da biodiversidade que tem o intuito de auxiliar a gestão de
áreas protegidas, criando uma cultura crítica, respeito a floresta e seus recursos, e ser um importante mecanismo para garantir
a efetividade da gestão, como acesso à recursos, uso, conservação e distribuição de benefícios (EVANS; GUARIGUATA, 2008).
Assim, tem-se buscado maneiras de criar condições reais para que as populações locais possam participar nos proces-
sos decisórios ao lado de outros especialistas. A colaboração entre a população local e a gestão da Unidades de Conservação
tende a aumentar em processos com abordagens participativas, promovendo o estabelecimento de acordos de gestão para uso
de recursos, não só pela informação obtida por meio do monitoramento, mas pela maior proximidade construída entre população
Material e Métodos
Área de Estudo
O Monitoramento Participativo da Biodiversidade é desenvolvido em seis unidades de conservação federais da Amazô-
nia: Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional do Jamari, Parque Nacional do Jaú, Reserva Extrativita do Rio
Unini, Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Figura 1). Estas áreas foram
escolhidas a partir de um conjunto de critérios estabelecidos pelo corpo técnico do ICMBio.
Figura 1. Localização das Unidades de Conservação Amazônica onde o monitoramento participativo foi implementado.
A Reserva Extrativista (RESEX) do Cazumbá-Iracema, categoria uso sustentável, localiza-se nos municípios de Sena
Madureira e Manoel Urbano, no Estado do Acre, na bacia hidrográfica do Rio Purus. A RESEX foi criada em 2002, com 750.917,74
hectares e forte participação dos moradores que utilizam: borracha, castanha, óleo de copaíba, açaí, farinha e mel. A Floresta
Nacional (FLONA) do Jamari, categoria uso sustentável, criada em 1984 com 222.114,24 hectares, localiza-se nos municípios de
Candeias do Jamari, ltapuã do Oeste e Cujubim, no Estado de Rondônia, na bacia hidrográfica do Rio Madeira. Quase metade
da área (aproximadamente 105.000 hectares) é destinada ao manejo florestal madeireiro, uma experiência piloto de concessão
florestal promovida pelo Serviço Florestal Brasileiro. O Parque Nacional (PARNA) do Jaú, categoria proteção integral, criado em
1980 com 2.367.333,44 hectares, localiza-se nos municípios de Novo Airão e Barcelos, no Estado do Amazonas, na bacia hidrográ-
fica do Rio Negro. O Parque protege uma das maiores extensões de floresta tropical úmida contínua do mundo e foi reconhecido
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como Sítio do Patrimônio Mundial Natural e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência
e Cultura (UNESCO), fazendo parte do Corredor Central da Amazônia e do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro. A
RESEX do Rio Unini, categoria uso sustentável, criada em 2006 com 849.684,79 hectares, localiza-se no município de Barcelos,
Estado do Amazonas, na bacia hidrográfica do Rio Negro. Com sua criação, o governo atendeu a uma reivindicação de seis
anos da Associação de Moradores do Rio Unini. A RESEX está localizada numa área de grande importância biológica e faz parte
do Mosaico de Unidades de Conservação do Baixo Rio Negro. O Parna das Montanhas do Tumucumaque, categoria proteção
integral, foi criado em 2002 com 3.865.188,53 hectares, abrangendo parte dos municípios de Oiapoque, Calçoene, Pedra Branca
do Amapari, Serra do Navio e Laranjal do Jari no estado do Amapá e uma pequena porção do município de Almeirim, no Estado
do Pará. É o maior Parque Nacional e a segunda maior unidade de conservação do Brasil. A RESEX Tapajós-Arapiuns, categoria
uso sustentável, criada em 1998 com 677.513,34 hectares, localiza-se nos municípios de Santarém e Aveiro, no Estado do Pará. Na
Reserva residem cerca de 20 mil pessoas, que fazem uso dos recursos naturais por meio de técnicas tradicionais, cuja subsistên-
cia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte.
Na área há forte envolvimento e participação dos moradores na gestão da Unidade de Conservação (ICMBIO, 2014; INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL, 2014).
Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido seguindo o encadeamento de sete macroações demonstrado na Figura 2, onde atividades
independentes têm seus próprios meios e fins, porém estão integradas às demais atividades, constituindo um conjunto sistêmico
maior, o qual possibilita o envolvimento comunitário na gestão da unidade de conservação. Este trabalho foi dividido em três
tópicos no intuito de facilitar a estrutura do texto: articulação e mobilização, eventos formativos/capacitações, construção de
protocolos e implementação do monitoramento.
Articulação e Mobilização
Foram realizadas reuniões, encontros e oficinas com parceiros locais (ONG, Universidades e Agentes Públicos) para
convidá-los e envolvê-los no processo de construção do monitoramento participativo da biodiversidade. As comunidades tiveram
uma atenção especial, respeitando a realidade local e o grau de participação e envolvimento com cada Unidade de Conserva-
ção. O processo de mobilização para as atividades de conhecer o programa de monitoramento, participar das capacitações e
construir o protocolo e coleta de dados, seguiu o seguinte roteiro:
1. Mapear as instituições e líderes que podem potencializar a mobilização;
Eventos Formativos/Capacitações
Neste trabalho valorizamos os espaços de aprendizagem e consideramos que eventos formativos são tanto os cursos
estruturados e temáticos, quanto as oficinas de mobilização e construção do protocolo de monitoramento. A perspectiva me-
todológica desses eventos está baseada na participação efetiva das pessoas, na valorização dos diferentes conhecimentos e
saberes e na capacidade dos sujeitos envolvidos em construir novos conhecimentos. Fundamenta-se na convergência dos ideais
freireiano, transdisciplinar e da autopoiesis ao reconhecer que a construção do conhecimento de cada sujeito emerge das intera-
ções dele com o ambiente e dos sentidos e significados que os temas, em discussão, trazem para os participantes.
Segundo Smith & Verissimo (2009), as pessoas só aprendem aquilo que faz sentido para elas, sendo assim, os eventos
formativos têm a intenção de despertar o desejo e/ou a necessidade dos participantes para aprender e se envolver com o moni-
toramento da conservação da biodiversidade contribuindo para leituras críticas frente à realidade e proposições favoráveis a
melhoria da mesma enquanto um bem comum a todos os seres vivos.
Os cursos e oficinas foram organizados de modo a possibilitar (re)conhecer a realidade local das UC como parte inte-
grante de um sistema que tem a intenção de monitorar a conservação da biodiversidade envolvendo comunitários e parceiros
nos processos de planejamento, execução e avaliação. Por essa razão os diferentes olhares, práticas e experiências trazidos
pelos participantes, sendo científicos ou não, são considerados fundamentais por refletirem a diversidade, os saberes e as per-
cepções das pessoas sobre a realidade, tornando-se ponto de partida para construção de novos conhecimentos necessários a
implementação desse trabalho.
Os momentos dentro de cada formação foram organizados de maneira complementar e sucessiva buscando possibilitar
aos participantes estabelecerem as relações entre as partes (UC) e o todo (programa de monitoramento). Nesse sentido, as
atividades previstas propiciaram democratização do tempo de fala, integração entre os participantes, diálogo, uso de linguagem
adequada aos diferentes níveis de escolaridades e decisão coletiva.
Os eventos formativos foram as molas propulsoras desse trabalho, onde cada evento tinha atividades práticas e vivenciais
nas Unidades de Conservação para construir conceitos e ampliar a participação.
Protocolo Básico
Os grupos biológicos e suas métricas foram escolhidos considerando seu potencial de discriminar perturbações, in-
cluindo de mudanças climáticas, e contribuir para a obtenção de informações confiáveis, de baixo esforço e custo (PEREIRA
et al; 2013), definindo os grupos biológicos a serem monitorados: plantas lenhosas (estimativa da biomassa com medição do
diâmetro e altura estimada); borboletas frugívoras (proporção de tribos, dominância e abundância); aves cinegéticas, dentre
elas tinamídeos e cracídeos; e mamíferos diurnos de médio e grande porte (abundância estimada em indivíduos, riqueza e
composição de espécies, variação da dominância e proporções de grupos funcionais).
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Protocolo Complementar
Os protocolos complementares foram construídos especificamente para cada Unidade de Conservação a partir de Alvos
de Conservação vinculados a um instrumento de gestão e priorizados por grau de importância. Para isso seguiu-se um roteiro
com perguntas orientadoras relacionadas a: escala espacial, escala temporal, fator de desenho, unidade de resposta e fator ali-
nhado. O protocolo foi construído em cinco etapas:
1. Um pequeno grupo composto por gestor da UC, comunitários locais e parceiros fizeram uma primeira discussão para
identificar os alvos relevantes;
2. Uma oficina realizada na UC, ampliando a participação dos mesmos grupos representativos, aprofundando a dis-
cussão sobre quais alvos de conservação escolher e quais perguntas o monitoramento precisa responder. Fez-se uma prioriza-
ção dos alvos escolhidos;
3. Um especialista de cada alvo analisou o material e fez uma proposta de pré-protocolo;
4. Uma oficina com representações de cada UC (gestores do ICMBio, comunitários locais, parceiros e consultores),
discutiram e propuseram ajustes no protocolo;
5. Apresentação do protocolo para grupos de pesquisadores e comunidades locais para validação final.
Resultados
Entre setembro de 2013 e março de 2015 foram realizados 90 eventos com 1.879 participações nas macroações deste tra-
balho, conforme descrito nos itens subseguintes. Vale ressaltar que contabilizamos o número de participações em cada evento,
visto que cada indivíduo pode ter participado de mais de uma das macroações realizadas.
Articulação e Mobilização
Este trabalho estabeleceu relações de confiança e compromisso com o órgão público responsável pela gestão das Uni-
dade de Conservação, envolvendo servidores tanto no nível tático como no operacional, além de promover o diálogo e ações
conjuntas da Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade (DIBIO) e Diretoria de Ações Socioambientais
e Consolidação Territorial em Unidade de Conservação (DISAT), bem como da equipe da Cooperação Técnica Alemã (GIZ).
Junto às Unidades de Conservação e instituições parcerias locais foram realizados 16 eventos contando com 45 participações
de 11 instituições.
As atividades de mobilização e articulação nas Unidades de Conservação para apresentação do Monitoramento Partici-
pativo da Biodiversidade ocorreram entre o final de 2013 e o início de 2014. Nos 22 eventos realizados foram envolvidas insti-
tuições parceiras locais, gestores das Unidades de Conservação e comunidades locais, totalizando 383 participações, de sete
instituições parceiras e 92 comunidades.
Capacitação
Curso de Monitoramento Participativo da Biodiversidade
O Curso de Monitoramento Participativo da Biodiversidade contou com a participação de 53 pessoas entre gestores de
doze UC Federais, comunitários, parceiros locais, equipe das coordenações do ICMBio envolvidas na temática, instrutores e
pesquisadores.
O objetivo principal do curso foi gerar subsídios aos participantes sobre a participação social em programas de monito-
ramento da biodiversidade, promovendo a associação entre o monitoramento da biodiversidade com os diferentes instrumentos
de gestão das UC.
Dentre os temas abordados, podemos destacar: participação social na gestão ambiental pública na conservação da bio-
diversidade; instrumentos de gestão; conceitos, fundamentos e experiências de monitoramento participativo da biodiversidade
e protocolos de amostragem de indicadores do monitoramento da biodiversidade. O momento prático do curso, deu-se pela
identificação de alvos de monitoramento complementar regrados por instrumentos de gestão.
Na oficina para discussão e ajuste do protocolo, estiveram presentes 55 participantes: comunitários, instituições parceiras
locais, ICMBio, Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Cooperação Técnica
Alemã - GIZ e consultores contratados para delineamento dos protocolos. As atividades teórico-práticas desenvolvidas possibili-
taram aos participantes propor ajustes na proposta de protocolo complementar destinada a cada Unidade de Conservação, bem
como, discutir e estabelecer estratégias para implementação das próximas etapas do trabalho. Após este momento, algumas
Unidades de Conservação apresentaram e validaram os protocolos junto às comunidades e instituições parceiras locais (Tabela
2), onde fez-se outros pequenos ajustes conforme necessário.
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Cursos de Capacitação de Monitores
Foram realizados nove cursos de formação de monitores ambientais para atuarem no Monitoramento da Biodiversidade,
formando 179 monitores. O curso foi planejado em dois formatos: protocolo básico e complementar juntos ou de forma separada,
com o objetivo de atender a realidade e tempo de implementação do monitoramento em cada uma das Unidades de Conserva-
ção envolvidas.
Nesse curso buscou-se formar membros da comunidade local que reflitam sobre a importância do monitoramento da
biodiversidade para gestão da UC a qual integra, bem como utilizar adequadamente os protocolos para coleta de dados.
Discussão
O Monitoramento Participativo em Unidade de Conservação da Amazônia teve sua implementação fortemente alicerçada
nas articulações com os parceiros, nas capacitações dos atores envolvidos e na construção participativa de protocolos que
respondem questões da gestão da UC.
Em processos participativos é importante que ocorram eventos formativos constantes, visando o alinhamento de saberes
dos diversos envolvidos (COOPER et al., 2007). Assim, cada uma das atividades que abrangiam decisão ou execução foi prece-
dida por uma atividade de capacitação, criando espaços que favorecem o diálogo, o intercâmbio de experiências e a agregação
de conhecimento de diferentes atores. Desta forma, moradores, gestores e parceiros das Unidades de Conservação e entorno
Referências
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2. Consultora do Programa Áreas Protegidas da Amazônia, leme.andrea@gmail.com
Resumo
O estabelecimento e a gestão de áreas protegidas têm incorporado aos poucos o conceito de governança participativa, pro-
movendo o envolvimento e a participação de comunidades humanas locais. Este processo é uma oportunidade de gerar apoio
à gestão da área protegida e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de desenvolvimento local. O Programa Áreas Protegidas
da Amazônia apoia a consolidação de 105 Unidades de Conservação (UC), além de projetos comunitários em 23 destas UC,
fortalecendo a organização comunitária e o desenvolvimento sustentável. As principais dificuldades desses projetos têm sido a
falta e alta rotatividade de funcionários nas UC e a demora na aquisição e entrega de equipamentos e contratação de pessoal. Os
principais resultados têm sido o fortalecimento de parcerias, intercâmbios e trocas de experiências entre comunidades e entre
diferentes UC e o fortalecimento do diálogo institucional.
Palavras-chave: Governança. Capacitação. Planos de ação. Integração das comunidades. Participação comunitária.
Introdução
A gestão de recursos naturais em áreas protegidas tem caminhado em direção a um modelo menos regulatório e mais
inclusivo, caracterizado por diversas parcerias entre os órgãos gestores e outros atores sociais como as comunidades locais,
organizações não governamentais e o setor privado (DOVERS et al., 2015). Ou seja, desenha-se há mais de uma década uma
mudança de foco de governo para governança, que começou a se fortalecer a partir do 5º Congresso Mundial de Parques, em
Durban, na África do Sul (BORRINI-FEYERABEND; HILL, 2015).
O conceito de governança não é uma novidade para povos indígenas e populações tradicionais. Eles exercem uma forma
de governança do território e dos recursos naturais há centenas, muitas vezes milhares de anos, desenvolvendo estratégias de
subsistência frente às oportunidades e desafios do seu meio ambiental e social (BORRINI-FEYERABEND; HILL, 2015).
Uma governança efetiva envolve a construção de relações positivas entre as pessoas, setores e tomadores de decisão
e trabalha em múltiplas escalas espaço-temporais. Há uma relação direta entre governança e efetividade de gestão de áreas
protegidas de tal sorte que territórios cuja conservação tem o envolvimento direto de comunidades locais trazem benefícios à
sociedade por um custo relativamente baixo (BORRINI-FEYERABEND; HILL, 2015).
Isto é reforçado pelo sentimento de pertencimento e apropriação do lugar onde vivem famílias e se estabeleceram co-
munidades humanas no entorno e dentro de territórios que vieram a se tornar Unidades de Conservação, o que trouxe uma nova
relação e dinâmica das pessoas com o meio do qual sobrevivem (CALEGARE; HIGUCHI, 2013). Há que se considerar quais
são os impactos positivos e negativos gerados no dia-a-dia destes ocupantes tradicionais do território com a criação da Unidade
de Conservação, que pode ser o resultado de uma demanda da própria sociedade local, mas que muitas vezes é imposto pelo
poder público.
Além de ser uma questão ética, o papel das áreas protegidas e da conservação da biodiversidade e dos recursos naturais
em beneficiar comunidades humanas locais é uma oportunidade de alavancar o desenvolvimento local em regiões biologica-
mente ricas mas com diversos níveis de pobreza do ponto de vista humano (SCHERL et al., 2004). Uma das recomendações do
5º Congresso Mundial de Parques foi exatamente que as áreas protegidas e sua gestão devem ajudar a reduzir a pobreza local
(mas de forma alguma resolvê-la por si só) e minimamente não exacerbá-la.
Daí vem a recomendação de que os órgãos gestores de Unidades de Conservação adotem como uma iniciativa funda-
mental a capacitação local para a integração dos moradores locais com a gestão de áreas protegidas e o apoio a projetos que
integrem conservação e desenvolvimento (SCHERL et al; 2004).
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638
(PN), Parque Estadual (PE), Estação Ecológica (ESEC), Reserva Biológica (REBIO), Reserva Extrativista (RESEX) e Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS).
O prazo de execução planejado dos planos de ação varia entre 18 e 24 meses e para cada uma das Unidades de Con-
servação selecionadas foi destinado o valor de R$ 190.000 para a execução do plano de ação. O total de recursos investidos é de
cerca de R$ 4.300.000, sendo R$ 2.590.000 para os planos de ação do edital de 2013 e R$ 1.710.000 referente aos planos contem-
plados no edital de 2014.
Figura 1. Mapa com os planos de ação comunitários em Unidades de Conservação apoiados pelo Programa ARPA.
Estes planos se justificam frente aos possíveis impactos da criação e consolidação das Unidades de Conservação apoia-
das pelo ARPA no modo de vida e na economia das comunidades humanas residentes na sua área de influência devido a
restrições de acesso a recursos naturais. As regras e procedimentos do subcomponente “Integração das Comunidades” estão
definidos no Manual Operacional do Programa ARPA e foram aprovados pelo Comitê do Programa ARPA, a instância máxima
de decisão do Programa. Os documentos orientadores do subcomponente se baseiam nas políticas de salvaguardas sociais e
ambiental do Banco Mundial (que gerencia a doação do Global Environment Fund, o GEF, ao ARPA).
As propostas de planos de ação elaboradas em conjunto por comunidades locais e órgãos gestores e enviadas à Uni-
dade de Coordenação do Programa ARPA foram analisadas e selecionadas por um Grupo de Trabalho formado por dois órgãos
gestores estaduais de Unidades de Conservação (a Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso e Instituto Naturatins do Tocan-
tins); Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Funai (Fundação Nacional do Índio); Fundo Mundial
para a Natureza (WWF-Brasil); Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Coorde-
nação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
As atividades elegíveis para os PAS foram: 1. Estímulo ao uso de tecnologias alternativas de uso sustentável dos recursos
naturais de acordo com as diretrizes do Plano de Manejo da UC; 2. Atividades alternativas de subsistência à tradicional produção
agroextrativistista usual na localidade; 3. Capacitação em práticas de conservação ambiental e uso sustentável de recursos na-
turais; 4. Atividades de proteção e vigilância conjunta das UC complementares às ações já apoiadas pelo ARPA; 5. Promoção de
intercâmbios para troca de experiências; 6. Estímulo à participação na gestão das Unidades de Conservação (via Conselhos) e
7. Estímulo à organização de cooperativas de serviços.
Os PPIs beneficiam povos indígenas cujos territórios tenham interface com Unidades de Conservação federais e esta-
duais e que possuam alguma relação com as mesmas, como a utilização de áreas de importância sociocultural, de realização de
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640
O ICMBio foi o principal proponente e teve 15 propostas contempladas, seguido pela Secretaria Estadual de Meio Ambi-
ente do Amazonas (à época denominada Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, ou SDS – AM), com 6 propostas. O Instituto
Naturantis (Tocantins) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Acre tiveram 1 proposta selecionada cada um (Figura 2).
Monitoramento e avaliação
Os planos de ação têm sido monitorados por meio de consultoria externa, com o uso preferencial de metodologias par-
ticipativas. O levantamento de dados primários tem sido feito através de viagens a campo e de oficinas participativas com os
gestores dos planos de ação. O levantamento de dados secundários tem privilegiado a análise documental dos planos de ação,
relatórios de progresso, atas de reunião e demais documentos relativos à implementação dos projetos e a análise de indicadores
de desempenho e de resultados nos estudos de avaliação intermediária do Programa.
Até o momento foram realizadas duas oficinas participativas de avaliação com os gestores das UC (dezembro de 2013 e
dezembro de 2014). Na última oficina, foi utilizada a matriz SWOT (ou FOFA para Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Amea-
ças), que consiste numa ferramenta estrutural utilizada na identificação das forças e fraquezas internas de uma organização, bem
como nas oportunidades e ameaças externas.
Além disso, foram realizadas cinco visitas de campo, em caráter amostral, para o acompanhamento da implementação
das atividades junto aos beneficiários dos planos de ação, nas seguintes UC: RESEX Rio Xingu, Parque Estadual do Cantão,
Parque Nacional do Jaú, RESEX Rio Unini, RESEX do Baixo Juruá e RDS Uacari (onde se realizou a atividade de campo de moni-
toramento da RESEX do Médio Juruá).
Resultados
Dos 14 planos de ação do edital de 2013, 6 deles apresentaram os maiores avanços na execução dos recursos aportados
pelo Programa ARPA.
Na RESEX Médio Juruá, o PAS “Plano de Integração visando o fortalecimento das comunidades da região Médio Juruá”
conseguiu estruturar de forma mais consolidada as atividades de vigilância comunitária com o apoio financeiro extra ao orça-
mento da UC. O resultado imediato foi a redução das invasões nos lagos definidos para o manejo da pesca e nas praias (tabu-
leiros) de desova dos quelônios. Outros resultados evidentes foram o maior sucesso na resolução de conflitos através do apoio
às reuniões setoriais com os comunitários da RESEX do Médio Juruá e RDS Uacari e o aumento da participação das mulheres
por meio do apoio a uma associação própria.
Na RESEX do Rio Unini, o PAS “Manejo do Pirarucu: alternativa de renda e estímulo à organização comunitária, gestão
participativa e uso sustentável dos recursos no Rio Unini” resultou em maior coesão, engajamento e envolvimento dos beneficiári-
os nas atividades em curso, na intensificação do intercâmbio de conhecimentos nas atividades de contagem de pirarucus com
pescadores experientes (“manejadores”) de outras UC, na capacitação dos pescadores em atividades de contagem, técnicas
de pesca e comercialização, agregando conhecimento aos pescadores do Rio Unini; na contribuição para o zoneamento e a
proteção das áreas de pesca no rio Unini, em processos de capacitação em práticas de conservação ambiental e uso sustentável
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642
de recursos naturais, na agregação do conhecimento científico, empírico e tradicional, estimulando o engajamento das comuni-
dades locais na conservação de suas áreas. O PAS tem sido imprescindível para dar continuidade ao compromisso assumido
com as comunidades de implementação do manejo do pirarucu, elencado como ação prioritária do Plano de Manejo da UC.
No Parque Nacional do Jaú, o PAS “Programa de capacitação de jovens lideranças multiplicadora em Unidades de Con-
servação federais: Jovens Protagonistas no Rio Unini – Verde Perto Educação” tem sido bem sucedido. Os resultados mais
evidentes são o empoderamento do público jovem da RESEX Unini e a sua preparação para assumir um papel protagonista
na gestão participativa da UC, parcerias efetivas com a organização não governamental Fundação Vitória Amazônica (FVA), a
melhoria do interesse do público jovem nas atividades da RESEX, a participação voluntária do público jovem nas reuniões de
Conselho Consultivo, no acompanhamento das reuniões do ICMBio em suas comunidades e na proatividade na organização dos
módulos. Este PAS destaca-se por ser o único entre todos os 23 em execução com uma profissional com dedicação exclusiva ao
plano de ação, o que traz uma importante lição sobre a boa execução dos recursos.
No Parque Nacional do Cabo Orange, o PAS “Ações para a gestão participativa da pesca ao norte do Estado do Amapá”
tem resultado em duas frentes importantes: a primeira refere-se ao avanço na resolução de conflitos socioambientais locais e no
fortalecimento de parcerias entre o ICMBio, universidades, institutos de pesquisa e os beneficiários representados pela Colônia
de Pescadores de Oiapoque. Neste âmbito, os parceiros têm investido com a contrapartida de equipamentos e orçamento nas
atividades de pesquisa em curso. A segunda frente inclui o acúmulo de conhecimento para subsidiar a criação de uma RESEX
Marinha como alternativa compensatória à restrição do uso dos recursos pesqueiros e consequente proteção do PN Cabo
Orange, conforme previsto em seu Plano de Manejo.
No Parque Estadual do Cantão, o PPI “Vigilância indígena dos Territórios Karajá e Javaé do entorno do Parque Estadual
do Cantão” trouxe bons resultados no avanço da construção de um acordo de pesca que contemple as etnias locais, além da
capacitação e zoneamento de lagos e rios destinados à pesca e à preservação; na pactuação com as comunidades sobre as
especificações dos equipamentos de pesca; no acordo sobre a divisão de lagos para pesca com fins comerciais, pesca ritual e
de subsistência e corpos d’água exclusivos à preservação e reposição dos estoques pesqueiros e no estabelecimento de cotas
de pesca por pescador, definido no primeiro acordo com base no valor de renda gerada pela comercialização desse pescado
equivalente a um salário mínimo.
Finalmente, o PAS “Capacitação em práticas de conservação ambiental e uso sustentável dos recursos naturais nas
comunidades da RESEX Maracanã” foi um dos planos de ação que mais avançaram dentre todos aqueles em execução ao pro-
mover a organização social e construção de propostas participativas para o uso dos recursos naturais e o fortalecimento da base
comunitária com o envolvimento contínuo de jovens e adultos com temas ligados à ética, coletividade, cidadania, meio ambiente
e organização social.
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vezes pessoal dos gestores na implementação dos planos de ação, a integração com as comunidades do entorno, a participação
dos beneficiários na resolução de conflitos socioambientais, a participação mais ativa dos beneficiários nos Conselhos das UC,
o fortalecimento da gestão territorial, o fortalecimento das instâncias participativas e a geração de renda para as comunidades
locais.
Conforme já mencionado, o destacamento de um técnico exclusivo para a gestão do plano de ação é condição fundamen-
tal para o bom andamento e o sucesso da iniciativa.
Conclusão
Os planos de ação implementados pelo Programa ARPA têm apresentado avanços significativos na capacitação das co-
munidades locais, incluindo a gestão participativa dos recursos naturais e a geração de renda (manejo do pirarucu na RESEX Uni-
ni, manejo de quelônios na RESEX Ituxi); o fortalecimento comunitário das instâncias participativas das UC (RESEX Maracanã);
a resolução de conflitos socioambientais (no Parque Nacional do Cabo Orange e no Parque Estadual do Cantão); a formação de
jovens lideranças com o objetivo de promover sua ação protagonista na gestão participativa das UC (Parque Nacional do Jaú);
a capacitação das comunidades para o uso público da UC com potencial geração de renda local (Parque Nacional do Viruá); o
fortalecimento do intercâmbio e a integração de comunidades e a troca de saberes (RESEX Rio Xingu, PAS Médio Juruá).
Um dos principais desafios para a implementação dos planos de ação e para a gestão das UC tem sido reforçar e quali-
ficar o escasso quadro de funcionários lotados nas UC. Além disso, para otimizar os investimentos e os esforços envolvidos, é
necessário assumir o desafio de manejar áreas protegidas de forma participativa e consolidar os planos de gestão territorial
com foco em uma agenda socioambiental compartilhada. Por fim, pelo fato da execução dos planos operativos das UC serem
totalmente baseados em um sistema gestor virtual dependente do funcionamento eficiente da internet, é necessário repensar em
que medida este modelo é adequado à realidade das Unidades de Conservação na Amazônia.
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Mendonça, Felipe Cruz1; Cunha, Claudia Conceição1; Tardio, Bruno Marchena Romão1;
Oliveira, Rosenil Dias de1 & Freitas, Sérgio Fernandes1
Resumo
A discussão sobre o direito de propriedade nas Reservas Extrativistas (RESEX) tem sido objeto de discussões que variam de
posições atreladas à defesa de que não existem normas que garantam a sustentabilidade dos recursos naturais naquela ca-
tegoria de unidade de conservação (UC), e posicionamentos que ressaltam a importância de um novo modelo de co-gestão
Estado-Sociedade nas UC. Tendo como princípio que as RESEX caracterizam-se como uma área de regime de propriedade
dos recursos naturais de forma comunal, onde ocorre a posse coletiva entre usuários (beneficiários) que dividem direitos e res-
ponsabilidades sobre os recursos, esse trabalho utiliza-se do processo de definição do perfil da família beneficiária na RESEX
Marinha (RESEXMar) da Baía do Iguape (BA) para discutir sua capacidade de contribuir no fortalecimento da autonomia e sen-
timento de pertencimento de uma população a seu território.
Palavras-chave: Autonomia, Família Beneficiária, Propriedade Comunal, Reserva Extrativista, Unidade de Conservação.
Introdução
A Reserva Extrativista (RESEX) é uma categoria de unidade de conservação da natureza prevista no Sistema Nacional
de unidades de conservação (SNUC), que tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e cultura de populações
tradicionais extrativistas e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da Unidade1. Dentre as categorias de unidades de
conservação (UC), a RESEX se diferencia por ter sido originada de uma demanda do movimento social, no âmbito da luta dos
seringueiros por seu território, na década de 80 (CUNHA, 2010).
Inicialmente materializada na Política Agrária como Projeto de Assentamento Agroextrativista, e posteriormente inserida na
legislação ambiental como categoria de unidade de conservação, as RESEX ainda enfrentam sérias desconfianças sobre seu real
papel como capazes de cumprir sua função de proteção da natureza ou mesmo na garantia do modo de vida de sua população.
Além das críticas relacionadas com a sustentabilidade do extrativismo (HOMMA, 1993), parte dessa desconfiança está
fundada nas reflexões de Garrett Hardin (1965) em seu texto “A tragédia dos comuns”. O autor afirma que recursos que não têm
uma regulação estão fadados ao declínio, pois os “comuns” tenderiam a esgotá-los. Em outras palavras, os recursos que não
pertencessem a “alguém” em particular estariam sujeitos a uma utilização competitiva que os condenaria à extinção, pela super-
exploração. Assim, argumentava duas soluções para o não esgotamento dos recursos: que fossem privatizados ou transformados
em propriedades públicas. Esse argumento foi forte e diferentemente apropriado ao longo dos anos (GOLDMAN, 2001).
Ao lado de outras críticas às unidades de conservação de uso sustentável, vinculadas à concepção de que não é pos-
sível conciliar o uso humano à conservação da natureza, a “tragédia dos comuns” presta-se a uma argumentação especialmente
direcionada ao questionamento das Reservas Extrativistas como categoria de unidade de conservação. Seus críticos na maior
parte das vezes desconsideram (ou deliberadamente omitem) o fato do trabalho de Hardin estar centrado em “propriedades de
livre acesso”, nas quais não há controle no acesso aos recursos (FENNY et al., 2001). Ao tempo em que, em nossa avaliação, o
regime de propriedade relacionado aos recursos das Reservas Extrativistas tem maior proximidade aos princípios de proprie-
dade comunal, onde a posse é coletiva e os grupos de usuários dividem direitos, responsabilidade na definição das regras e
responsabilidades sobre os recursos (FENNY et al., 2001; McKEAN; OSTROM, 2001).
Nas RESEX, o instrumento de gestão2 que contempla a definição das regras de uso e acesso aos recursos, estabelecendo-se
1
A lei n° 9985/2000, que instituiu o SNUC, define RESEX como “uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais cuja subsistência baseia-se no extrativismo
e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.”
os recursos são manejados por uma comunidade identificável de usuários interdependentes. Es-
ses usuários excluem a ação de indivíduos externos, ao mesmo tempo em que regulam o uso
por membros da comunidade local. Internamente à comunidade, os direitos aos recursos normal-
mente não são exclusivos ou transferíveis, e sim frequentemente igualitários em relação ao acesso
e ao uso (FENNY et al. 2001, p. 21)
Em nossa avaliação, essa descrição é totalmente pertinente ao regime de uso praticado nas reservas extrativistas: uma
propriedade do Estado (RESEX), com regime de concessão de uso a uma população bem definida (papel do perfil da família
beneficiária), na qual são aplicadas regras que regulam o uso dos recursos naturais (acordo de gestão). Ao mesmo tempo, al-
guns desafios associados à propriedade comunal são comumente perceptíveis nas RESEX:
pressões sobre os recursos ocasionados pelo crescimento populacional ou por mudanças tecnológicas e
econômicas, incluindo novas oportunidades de mercado, podem contribuir para a desestruturação de me-
canismos de propriedade comunal voltados à exclusão de agentes externos[...] (FENNY et al. 2001, p. 25).
2
Mais adiante discutiremos sobre instrumento de gestão.
3
Sua justificativa como unidade de conservação está fundamentada na dependência dessas populações aos recursos naturais, e o acúmulo de conhecimentos para
seu uso sustentável, uma vez que sua existência é dependente da conservação dos mesmos.
4
Essa classificação diz respeito ao regime de propriedade dos recursos, no caso dos recursos de propriedade comum. Esse esforço teórico de classificação diz
respeito à forma de manejo dos recursos, no sentido de responsabilidade e manejo dos recursos naturais de um determinado território por um grupo de pessoas
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Assim, a discussão envolvendo os instrumentos de gestão dessa categoria de UC precisa considerar suas especifici-
dades no que diz respeito à gestão do território, tal como ao sistema de tomada de decisão, uma vez que se faz necessário, ao
lado da construção e estabelecimento de regras, o acordo entre as partes envolvidas de forma a levar a uma verdadeira co-
responsabilidade entre as mesmas5.
documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de
conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o
manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão
da unidade (BRASIL, 2000, art. 2°, inciso XVII)
No âmbito federal, os planos de manejo das Reservas Extrativistas estão regulamentadas através da Instrução Normativa
(IN) do ICMBio n°01/2007 que disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a sua elaboração. Na referida IN, esse docu-
mento é definido, obrigatoriamente, como de construção participativa, envolvendo e tendo como protagonistas as populações
demandantes da Unidade.
O plano de utilização (hoje denominado acordo de gestão) foi o primeiro instrumento de gestão pensado para as RESEX
no início dos anos 1990. A primeira institucionalidade das Reservas Extrativistas na política ambiental (Decreto n° 98.897/1990)
estabeleceu que “o contrato de concessão incluirá o plano de utilização aprovado pelo Ibama7 e conterá cláusula de rescisão
quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos” (grifo nosso). Este instrumento
tinha como objetivo proporcionar um mecanismo legal de auto-gestão8 dos territórios pelos extrativistas, cabendo ao poder pú-
blico o papel de acompanhar a sua implementação
A autonomia dos seringueiros em seu território foi, ao nosso ver, contemplada pela legislação ao
lhes conferir a responsabilidade de elaboração do plano de utilização, que destacaria as regras a
serem seguidas na RESEX e imputar ao Ibama a responsabilidade de apenas “supervisionar” este
plano. O moderno (ciência) se rende ao tradicional (saber) a partir do momento em que as regras
de gestão daquele território são definidas pelos conhecimentos tradicionalmente produzidos, no
exercício do fazer. O plano de utilização seria discutido pelos comunitários, definindo o que é per-
mitido ou proibido naquela unidade territorial, e caberia ao Estado (representado pelo Ibama) tão
somente referendá-lo e observar a sua aplicação, em seu poder de fiscalização. Cabe ao poder
público assegurar-se da destinação correta da área, mas os termos sob os quais ocorrerá esta
destinação serão definidos pela população beneficiária no contrato (CUNHA, 2010, p.112 e 113).
5
Ainda que não seja objetivo deste artigo, cabe ressaltar que a idéia original de auto-gestão pelos beneficiários pensada para as RESEX, na prática, não vem se
estabelecendo de forma pacifica e sem conflito. Por ser um território estatal, com uso concedido às populações tradicionais, o poder do Estado vem muitas vezes se
sobrepondo aos interesses extrativistas.
6
A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA - Lei nº 6.938, de 31 de Agosto de 1981), institui em seu artigo 9° os instrumentos da PNMA, ou seja, os mecanismos
utilizados pela administração pública para que os objetivos da política nacional sejam alcançados. Entre estes instrumentos estão as áreas especialmente protegidas,
como as UC. Os instrumentos de gestão que aqui nos referimos, dizem respeito aos instrumentos voltados para que as UC alcancem seus objetivos de criação.
7
Nesse período o IBAMA era o órgão gestor das unidades de conservação federais.
8
No entanto, a realidade da implementação das reservas extrativistas, foi bastante diferente da proposta original, onde o papel do Estado tomou tamanho tal, que hoje
se pergunta até onde vai o poder de intervenção das populações tradicionais extrativistas na gestão destas áreas protegidas.
[...] o documento que contém as regras construídas e definidas pela população tradicional bene-
ficiária da unidade de conservação de Uso Sustentável e o Instituto Chico Mendes quanto às ativi-
dades tradicionalmente praticadas, o manejo dos recursos naturais, o uso e ocupação da área e a
conservação ambiental, considerando- se a legislação vigente.
No que diz respeito ao perfil da família beneficiária, preconiza-se que a caracterização da “população tradicional bene-
ficiária da Unidade e outros usuários, suas formas de organização e de representações social” (ICMBio, 2007, Art. 7) devem estar
presente nos estudos que embasam a construção do plano de manejo.
Ainda que exista a necessidade de caracterização dos beneficiários das RESEX, foi somente com a IN n° 35 de 27 de
dezembro de 2013, que foram apresentados maiores detalhes sobre os procedimentos técnicos para sua definição:
III – perfil da família beneficiária: descrição das características que identificam a população tradi-
cional de cada Unidade de Conservação, servindo como parâmetro para o reconhecimento da
família beneficiária da Unidade de Conservação;
IV – Família Beneficiária da RESEX e FLONA: família que compõe população tradicional, que
atende aos critérios de definição de perfil da família beneficiária da Unidade de Conservação, re-
conhecida pela comunidade e pelas instâncias de gestão da unidade como detentora do direito ao
território compreendido na UC e acesso aos seus recursos naturais e às políticas públicas voltadas
para esses territórios [...] (ICMBio, 2013, Art. 2°)
Como discutimos anteriormente, a definição do perfil das famílias que terão acesso aos recursos naturais da Unidade, é
marco decisório para a gestão da RESEX, uma vez que delibera de quem é o direito de uso ao território10. Esse perfil é oficiali-
zado por Portaria específica do ICMBio e incorporado, tal como o acordo de gestão, no plano de manejo da Unidade.
No ICMBio a construção desses instrumentos de gestão encontra-se fragmentada internamente em setores ou coorde-
nações, sendo realizada mediante disponibilidade de recursos financeiros e humanos, o que desfavorece ações conjuntas e
estratégicas que poderiam potencializar tal construção.
Esse trabalho objetiva discutir o processo de definição do perfil da família beneficiária de uma RESEX como instrumento
capaz de contribuir no fortalecimento da autonomia e sentimento de pertencimento de uma população a seu território, utilizando-
se como estudo de caso a Reserva Extrativista Marinha (RESEXMar) da Baía do Iguape (BA).
O processo de Estruturação dos Instrumentos de Gestão da RESEXMar da Baía do Iguape foi planejado com o in-
tuito de integrar a construção dos três instrumentos de gestão acima referidos. Trazendo elementos do planejamento estratégico,
buscou-se contemplar a elaboração da caracterização/diagnóstico da Unidade, a construção de sua missão e visão de futuro; a
definição do perfil da família beneficiária; a construção do acordo de gestão e zoneamento e, por fim, o seu planejamento. Todas
as etapas trabalhadas comporão o plano de manejo da RESEX.
9
Esse termo surge pela primeira vez na discussão de um decreto que regulamentaria as Reservas Extrativistas. O Decreto ainda não chegou a ser publicado, mas
o Órgão responsável pela gestão das UC assumiu essa nomenclatura em substituição à anterior, que carregava em si uma história de lutas vinculada à história das
RESEX.
10
A definição do perfil dos beneficiários de uma RESEX é de fato tão importante, que deveria ser mais aprofundada dentro dos trabalhos para a criação da Unidade.
A IN ICMBio nº 03 de 18 de setembro de 2007 que disciplina as diretrizes para a criação das RESEX e Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) já indica em
seu artigo 7° a necessidade de, ainda no seu processo de criação, elencar “as características sócio-culturais e econômicas da população tradicional solicitante” (art.
7°, inciso IV). No entanto, nesse momento do processo essa caracterização tem sido realizada de forma bastante ampla e sem compromisso com a definição de um
perfil especifico e detalhado para a UC.
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Neste contexto, várias etapas intermediárias foram organizadas e planejadas de forma a facilitar a compreensão e enten-
dimento sobre os passos necessários para a concretização dos citados instrumentos de gestão junto às comunidades. Tais pas-
sos foram acompanhados de perguntas norteadoras como: “O que precisamos para realizar o processo?” (1º passo), ou “Quais
são as famílias e usuários que podem acessar os recursos da RESEX?” (5º passo). Na Figura 1 é possível visualizar as etapas
traçadas durante o planejamento das ações e as instâncias responsáveis pela tomada de decisão (em amarelo). Destaque para
o 5° passo que representa a definição do perfil da família beneficiária.
Figura 1. Etapas do processo de estruturação dos instrumentos de gestão da RESEXMar da Baía do Iguape,
com destaque para a etapa do perfil da família beneficiária.
Foram organizadas 4 (quatro) equipes, compostas de servidores do ICMBio, grupamento ambiental da Guarda Munici-
pal11 e membros do grupo de acompanhamento para a realização de 15 oficinas comunitárias nas diferentes localidades que
compõem a RESEX, na tentativa de envolver o maior número de pessoas possível, em um processo de mobilização raramente
visto nessa Unidade desde sua criação.
As reuniões comunitárias obedeceram dinâmicas semelhantes de condução, pois tinham o mesmo objetivo, salvaguar-
dando as particularidades de cada comunidade, aliado a percepção adaptativa da equipe técnica envolvida. A programação foi
dividida em cinco momentos: a) Boas Vindas/apresentação dos participantes, programação, objetivo e acordos de convivência
da reunião; b) Apresentação dos instrumentos de gestão da RESEX: perfil da família beneficiária; c) Resultados do levantamento
socioeconômico da RESEX (Projeto Envolver12); d) Trabalho em grupos com a pergunta: “Quem deve ser a família beneficiária
9
O grupamento ambiental da Guarda Municipal trabalha em parceria com a RESEX em diversas ações da gestão da Unidade, desempenhando um papel muito mais
amplo do que de policiamento e fiscalização. Na rodada de oficina, apoiaram na logística e também como equipe de moderadores das oficinas.
12
O projeto Envolver, desenvolvido na RESEX Baía de Iguape pela FGV com o apoio de 46 colaboradores locais, teve o objetivo de atender à necessidade de identifi-
cação e cadastramento dos beneficiários da UC. O projeto gerou o diagnóstico socioeconômico da RESEX e os mapas de identificação dos pesqueiros na Unidade.
O trabalho aplicou questionários em mais de 3.400 famílias entre os meses de agosto e dezembro de 2012.
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da RESEX”? (com base no uso do recurso natural); e) Plenária final com apresentação das propostas.
A metodologia empregada evidenciou diferenças e conflitos de interesse políticos e sociais, expôs reflexões sobre identi-
dade e auto-reconhecimento por parte das populações tradicionais existentes mas, principalmente propiciou conhecer as carac-
terísticas das famílias que sobrevivem, quer em maior ou menor grau de dependência dos recursos advindos da RESEX.
O protagonismo das comunidades durante a discussão residiu grande força do processo, no sentido de representar um
momento de discussão da própria RESEX, seus usos e usuários13 e portanto, subsidiar tomadas de decisão no que se refere ao
acesso de políticas públicas destinadas a esse grupo. A Figura 4 mostra um exemplo dos resultados apresentados pelos grupos
em uma das oficinas de discussão sobre o perfil.
Figura 4. Painel da família beneficiária da oficina comunitária na localidade Comissão/Baixinha, com os dissensos destacados.
Como o processo de construção do perfil da família beneficiária não se esgota apenas nas reuniões comunitárias, pois
é necessário cumprir as demais etapas previstas na IN nº35/2013, os dissensos da plenária final são acatados e posteriormente
discutidos com o grupo de trabalho, que então tem a missão de encaminhar proposta única como fruto de discussão de todas as
etapas comunitárias do processo.
É importante reconhecer que esse processo de integração e participação social na construção de instrumentos de gestão foi possível por um ambiente institucional
13
no qual vem sendo construídas normativas e entendimentos internos nesse rumo, como é detalhado por Mendonça e Talbot (2014).
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muito mais ao histórico de formação agregada das comunidades tradicionais extrativistas que ao aumento populacional nos cen-
tros urbanos de São Félix, Cachoeira e Maragojipe. Desta maneira, o grande número de beneficiários pode não ter relação com
o texto da definição do perfil da família beneficiária, mas sim pela coexistência num pequeno território de muitas comunidades
tradicionais com influência de povos africanos, indígenas e europeus.
O perfil tange também uma temática importante que é o auto-reconhecimento das populações tradicionais como socie-
dades de cultura diferenciada das demais. Apesar de saberem apontar “os outros” e entenderem subjetivamente o que percebem
enquanto “nós”, o auto-reconhecimento perpassa por uma séria multidimensional de fatores, como o grau de empoderamento
do território, de auto-estima, da influência de culturas urbanas, o desenvolvimento do patronato e do racismo, a desvalorização
do trabalho do pescador e da marisqueira etc. Esta gama de fatores articulados dificulta a tradução desta percepção complexa
do “nós” em uma linguagem de estética formal a ser utilizada como critério normativo de separação entre beneficiários e não
beneficiários num instrumento de gestão oficial.
Como a iniciativa de discussão de questões identitárias é recente na RESEXMar da Baía do Iguape, espera-se que no
decorrer do processo de reflexão e avaliação sobre o atual perfil da família beneficiária, os possíveis problemas sejam percebi-
dos por todos (órgão gestor, parceiros e beneficiários) e os ajustes necessários venham a ocorrer quando pertinentes.
Conclusão
Entendemos que a experiência de elaboração do perfil da família beneficiária na RESEXMar da Baía do Iguape represen-
tou um momento de construção de um conjunto de regras naquela UC, assim como uma oportunidade de (re)conhecimento de
si, no exercício do auto-reconhecimento e da alteridade, no sentido de discutir questões como “o que nos diferencia dos outros?”
“o que nos outorga um direito que não é outorgado a outros”, e mais especificamente “quais as características que nos coloca a
definição como “uma” comunidade?”. Essas reflexões, no contexto de uma UC com forte influência urbana, um grande adensa-
mento populacional e ocupação do território por populações historicamente marginalizadas, não é fácil de serem tratadas. Mas
enfrentá-lo pode ser a chance de sobrevivência de uma UC em um ambiente de enormes pressões aos seus recursos e ao modo
de vida tradicional de suas populações.
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a criação de unidade de conservação Federal das categorias Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável.
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administrativos para a elaboração e aprovação de acordo de gestão em unidade de conservação de Uso Sustentável federal com
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diretrizes e procedimentos administrativos para a elaboração e homologação do perfil da família beneficiária em Reservas Ex-
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PLANEJAMENTO DE BACIA HIDROGRÁFICA PARA GESTÃO DE TERRITÓRIOS
SOBREPOSTOS: SERTÃO DE UBATUMIRIM–UBATUBA/SP
Simões, Eliane1; Bussolotti, Juliana2; Navarro, Flávia3; Silva, Danilo S.4; Moreira, Noeli3; Ferreira, L. C.5;
Carvalhal, Fabiana3; Lóssio, Natália3 & Franco, Caetano3.
1.Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais – UNICAMP e do Laboratório de Planejamento Ambiental Costeiro
– UNESP São Vicente; coordenadora técnica do Projeto de Planejamento Ambiental da Sub-bacia dos Rios Iriri/Onça – Associação Cunham-
bebe, simoeslica@gmail.com 2.Pesquisadora colaboradora do Laboratório de Planejamento Ambiental Costeiro – UNESP São Vicente; profes-
sora da da UNITAU e Presidente da Associação Cunhambebe 3.Técnicas integrantes da equipe do Projeto de Planejamento Ambiental da
Sub-bacia dos Rios Iriri/Onça – Associação Cunhambebe 4. Mestrando da UNESP Presidente Prudente e gestor do Parque Estadual da Serra
do Mar – Núcleo Picinguaba – Fundação Florestal. 5.Professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais – UNICAMP.
Resumo
Utiliza-se a ferramenta de planejamento, voltada ao ambiente integrador da microbacia hidrográfica, para contribuir com a
construção de acordos conciliatórios em caso de Territórios Sobrepostos: Comunidade Tradicional Caiçara e Unidades de
Conservação de Proteção Integral. O processo de planejamento participativo é propiciado pelo uso de diversas metodologias
(visitas domiciliares para caracterização da ocupação individualizada, difusão de informações, mobilização e esclarecimento;
mapeamento do uso do solo em quintais, construção de mapa-diagnóstico interativo e de maquete de planejamento do futuro em
oficinas coletivas), fundamentadas na cartografia social como meio de afirmação de identidade, espacialização e explicitação
de conflitos. A formulação participativa, com aprendizagem social e engajamento da comunidade, propiciou a integração de
instrumentos de ordenamento territorial vigentes e empoderamento comunitário.
Palavras-chave: Comunidades Tradicionais, Planejamento Participativo, Cartografia Social, Gestão Compartilhada, Conciliação
de Direitos.
Introdução
A conciliação de Territórios Sobrepostos – de Comunidades Tradicionais e de Unidades de Conservação – configura
desafio muito presente em boa parte das áreas historicamente utilizadas por grupos sociais portadores desse estatuto jurídico
(SIMÕES, 2010 e 2015).
A despeito da existência de uma variedade de normativas legais que amparam o direito de permanência dessas comuni-
dades tradicionais em seu território de origem – onde mantêm laços culturais e socioeconômicos que definem sua identidade -,
os gestores de Unidades de Conservação (UC), em especial de proteção integral, apresentam inúmeras dificuldades de operar
com a leitura integrada do arcabouço jurídico afeto ao tema. Isto é, há tendência frequente em fixar a base da atuação frente aos
casos de Territórios Sobrepostos apenas na legislação relacionada exclusivamente à conservação ambiental (MENDES, 2009;
FERREIRA, 2004 e 2005).
Essa aparente impossibilidade de diálogo, entre o direito de proteção à diversidade cultural e a conservação da biodiver-
sidade, tem gerado inúmeros conflitos, muitas vezes violentos, entre gestores e comunidades, que têm contribuído para aumen-
tar a situação de exclusão social, bem como, reduzido a condição de conservação ambiental das áreas protegidas (SIMÕES,
2010 e 2015).
Entre as dificuldades apresentadas para desenvolvimento de processos conciliatórios, é possível destacar as seguintes:
• Insuficiência das políticas públicas existentes para tratar de Territórios Sobrepostos: do ponto de vista da conser-
vação ambiental, costuma-se abordar o tema como “gestão da presença humana em UC”, isto é, de forma parcial e pejorativa,
somente pela ótica da legislação ambiental; por outro lado, sob a ótica do movimento social, há tendência de negação ao valor
da conservação das UC, como estratégia de resistência aos avanços desmedidos dos projetos de desenvolvimento regionais e
nacionais, como autodefesa ao alijamento das políticas públicas para legitimar a luta pela titularidade da terra;
Fundamentando essa dificuldade de enfrentamento dos conflitos, ainda que a ideologia da conservação da sociodiversi-
dade já esteja em processo de difusão há cerca de 20 anos (FERREIRA, 2002, 2005), se faz presente o ideário conservacionista,
restrito à natureza idealizada, intocada, à parte da presença dos grupos humanos. Por outro lado, concomitantemente, convive-se
com processos de expansão urbano-industriais, intensivos e altamente impactantes, no mesmo contexto onde se inserem essas
situações de sobreposição. Frequentemente, esses impactos têm sido assimilados como inerentes ao modelo de desenvolvi-
mento econômico adotado, anistiados assim como toleráveis.
O processo de ocupação gerou, em muitos casos, a perda dos territórios de comunidades indí-
genas, quilombolas e caiçaras. Esse fenômeno vem sendo agravado pela pressão fundiária exer-
cida por grupos econômicos ligados à indústria imobiliária, pela migração populacional de outras
regiões, criando contingentes que demandam novas áreas para habitação, pelo turismo de massa
e pela pouca efetividade do planejamento e do controle do uso do solo. As relações sociais e
políticas decorrentes desse processo de ocupação projetam disputas sobre o território, travadas
também nos instrumentos de ordenamento territorial, que conferem ou reduzem direitos fundiários
e de propriedade, regulam e induzem os usos do solo (ABIRACHED, 2011, p.13).
Tais processos se reproduzem no Litoral Norte Paulista, especialmente decorrentes da exploração de hidrocarbonetos
(pré e pós sal), escolhido como cenário para aplicação das estratégias ora apresentadas, particularmente, no Sertão de Ubatu-
mirim, situado no bairro de mesmo nome, em Ubatuba/SP.
Nesse estudo1, optou-se por utilizar a unidade geográfica da microbacia para buscar elementos constitutivos da análise
integrada do território e, por meio de diversas ferramentas de planejamento participativo, instrumentalizar a comunidade para
definir arranjo institucional de gestão dos recursos naturais e do território que melhor se adequaria para a condição de sobre-
posição em que se encontra.
Assim, o objetivo desse artigo é avaliar a aplicação de estratégias de planejamento participativo e da cartografia social
como ferramentas para diagnosticar questões relativas à sobreposição de territórios e gerar diretrizes de gestão ou caminhos
para enfrentamento de conflitos. Espera-se com isso, contribuir para a integração de instrumentos de ordenamento territorial já
incidentes na área para a formulação de pactos conciliatórios que garantam a permanência e desenvolvimento socioeconômico
da comunidade, bem como a conservação ambiental.
Metodologia
Área de estudo
A Sub-bacia Hidrográfica de Ubatumirim contempla os Rios Iriri/Onça, situada no extremo norte do município de Uba-
tuba/SP, entre as Praias de Ubatumirim/Estaleiro e o Sertão de Ubatumirim, subdivididos pela rodovia BR 101– Rio-Santos, con-
forme é possível visualizar no figura 1. A Sub-bacia apresenta uma extensa rede hidrográfica, com nascentes inseridas em duas
Unidades de Conservação (UC) e afluentes imersos na floresta ombrófila densa (Mata Atlântica).
1
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do Projeto: Planejamento Ambiental da Sub-bacia dos Rios Iriri/Onça, desenvolvido pela Associação Cunhambebe da Ilha
Anchieta, com outras instituições parceiras, entre 2013 e 2015, com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO).
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Figura 1. Sub-bacia Hidrográfica dos RiosIriri/Onça, no contexto das Unidades de Conservação, do
Município de Ubatuba e do Estado de São Paulo.
Planejamento Participativo
Foi desenvolvido um conjunto de estratégias de mobilização comunitária para viabilizar ações de mapeamento e planeja-
mento participativo, baseadas na Cartografia Social (ACSELRAD; COLI, 2008; ALMEIDA, 2004), como perspectiva para explici-
tação das características e peculiaridades da comunidade tradicional caiçara, bem como de seus conflitos, tais como:
a) Visitas domiciliares: foram realizadas quatro campanhas de campo, para caracterização dos ocupantes, de todas as
edificações, por meio de roteiro de entrevista estruturada, gerando banco de dados georreferenciados; distribuição de boletins
informativos sobre o andamento das atividades; esclarecimento a respeito dos objetivos do projeto e divulgação das ações pre-
vistas; mapeamento do uso da terra ao redor das edificações/sítios; distribuição de convites para as oficinas; complementação
da maquete em construção, com famílias tronco/principais, originárias da maior parte dos grupos familiares.
b) Oficinas de diagnóstico e planejamento: foram realizadas nove oficinas com duração de cerca de 4h de trabalho cada
uma, utilizando técnicas diversas que objetivaram fortalecer a participação dos moradores, maior intercâmbio de informações
e maior engajamento possível dos moradores (procurou-se garantir a presença de pelo menos um representante das famílias
principais), na construção do diagnóstico e do zoneamento ambiental do bairro. Os produtos elaborados foram apresentados
em oficina final para os órgãos gestores a fim de validá-los, e conferir sua aplicabilidade/inserção nas agendas institucionais.
O diagnóstico e o planejamento foram formulados de forma processual, partindo do mapeamento participativo do bairro,
usando passos lógicos e estratégicos, que permitiram a espacialização geográfica das características de uso da terra atuais e
necessidades futuras.
Figura 2. Subdivisões territoriais utilizadas para montagem do mapa participativo utilizado na oficina de diagnóstico.
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Essa setorização foi utilizada para gerar croquis de campo para as visitas domiciliares (Figura 3) contendo informações
de referência como: limites de edificações, códigos de identificação do Programa de Saúde da Família (PSF), ruas/acessos e
hidrografia, para subsidiar a confecção de desenhos registrando o uso da terra nos quintais, com os moradores (Figura 4).
Posteriormente, esses croquis contendo desenhos dos quintais, representando o uso da terra em escala individualizada
(micro), foram colados em sequência, por arruamento, em um tecido de TNT contendo 7 x 6 m, disposto no chão da escola lo-
cal. Os principais rios e outros detalhes foram também inseridos previamente. Durante uma das oficinas, os moradores foram
convidados a completar esse mapeamento, utilizando diversos materiais que foram disponibilizados pela equipe (papéis de seda
coloridos, miniaturas de plástico de animais e de madeira representando edificações, sementes de juçara, folhas secas, terra e
areia, rolhas de garrafas). Assim a comunidade construiu o uso da terra em macroescala, agregando elementos tridimensionais,
trazendo mais vida e facilidade de visualização/identificação, à medida que puderam “entrar dentro do mapa”, compreender e
envolver-se com ele. Os moradores foram corrigindo detalhes, preenchendo os espaços entre as ruas, pensando no uso indi-
vidual, familiar e coletivo: espaços públicos, grandes áreas de plantio, extrativismo e cultivo de animais, situadas em áreas no
entorno dos quintais ou mais distantes.
Planejamento participativo
O planejamento foi favorecido por meio da inserção de elementos para completar, desta vez, uma maquete do bairro,
cuja base também foi montada previamente (em isopor), contendo referências geográficas: cotas altimétricas, hidrografia e edi-
ficações (representadas por alfinetes). A comunidade preencheu essa base com o uso da terra efetuado atualmente e potencial,
conforme pode ser observado nas figuras 5 e 6, usando pequenos pedaços de papéis de seda coloridos, salpicados sobre cola
(previamente passada com pincel sobre a maquete), alfinetes e pequenos pedaços de EVA (representando placas de sinaliza-
ção), espetos de madeira e etiquetas de sulfite (para inerir propostas para o futuro), terra e areia.
Resultados
Foi possível formular proposta de microzoneamento da Sub-bacia do Ubatumirim (Figura 7), em especial na porção dos
territórios sobrepostos, isto é, no Sertão de Ubatumirim, por meio de participação intensiva dos moradores, desencadeada pelo
processo construído com as diversas ferramentas utilizadas.
O mapa 3 mostra que a comunidade formulou o zoneamento preliminar contendo nomenclatura especial, escolhida
por eles, usando linguagem que melhor caracteriza a relação que estabelecem com a floresta, como a Zona da Mata Caiçara,
assemelhando-se ao conceito de “floresta cultural” utilizado por Furlan (2006). Esse conceito é entendido pelos estudiosos como
processo de domesticação/socialização da natureza ou de floresta socialmente produzida (BRANDT; NODARI, 2011; PARDINI,
2012; NAREZI; MARQUES, 2012).
Ressalta-se que esse zoneamento ainda está em construção, portanto, deverá receber o tratamento técnico-científico
necessário para melhor dialogar com os instrumentos de ordenamento territorial vigentes. A própria comunidade solicitou que a
Zona Agrícola seja rebatizada como Zona Agroecológica, que melhor caracterizaria o tipo de agricultura praticada no bairro, sem
uso de agrotóxicos, de baixo impacto e com prática de pousio que permite recuperação do solo.
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A técnica de pousio, muito utilizada nas culturas anuais tradicionais, é também empregada nessa
cultura perene [banana]. O consórcio de bananeiras com plantas nativas do estrato herbáceo e
arbustivo e algumas do estrato arbóreo, não altera as propriedades físicas e químicas do solo. Im-
portante destacar que, caso sejam interrompidas as culturas em Ubatumirim, o ciclo da sucessão
florestal deverá ser mais rápido (a reinstalação da floresta e sua evolução para estágios mais avan-
çados de sucessão florestal), pelo fato dos trechos com bananais apresentarem atualmente uma
maior fertilidade natural do solo e uma maior capacidade de suporte, quando comparados com os
solos dos trechos florestados contíguos (RAIMUNDO; SIMÕES, 2008 p. 21).
O projeto Planejamento Ambiental na Sub-bacia do Iriri/Onça prevê também a elaboração de subsídios para o orde-
namento territorial da bacia hidrográfica, que utilizam diferentes escalas, estão justapostos e, mesmo, são concorrentes entre si.
Por isso, dedicou-se também a entender as diretrizes previstas nestes instrumentos, suas incongruências e possibilidades de
diálogo, sobre o que se discorre brevemente a seguir, com foco na questão das UC, tema central deste artigo.
O Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Bocaina foi elaborado por meio de um convênio entre o Ministério do
Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), uma organização
não governamental e, posteriormente, a UNICAMP. Orientou-se por três documentos técnicos preliminares, produzidos entre
1997 e 2000. Foi lançado em 2001 e oficializado pela Portaria Ibama nº 112/2012. O Zoneamento do PNSB se estruturou por um
gradiente de conservação ambiental, contendo as zonas usualmente previstas: Intangível, Primitiva, de Recuperação, de Uso
Extensivo, Histórico-Cultural, de Uso Intensivo e de Uso Especial. Em relação às populações tradicionais, cita apenas a comu-
nidade indígena inserida na Zona de Uso Especial, enquadrada no Segmento Conflitante Guarani-Araponga. O Plano não men-
ciona a presença e as atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelas comunidades tradicionais do Sertão do Ubatumirim
(ABIRACHED, 2011). Parte do pressuposto que a regularização fundiária seria resolvida e que esse problema seria eliminado,
enquadrando a área do Sertão em Zona Primitiva.
O Plano de Manejo do Parque Estadual da Serra do Mar foi elaborado pelo Instituto Ekos Brasil, contratado pelo Instituto
Florestal, por meio do Projeto de Preservação da Mata Atlântica (PPMA), com recursos do Banco Alemão KfW (cooperação
técnica Brasil/Alemanha). Contou com a participação da sociedade e foi realizado entre os anos de 2005 e 2006. O zoneamento
estabeleceu (além de todas as outras zonas convencionais) a Zona Histórico-Cultural Antropológica para enquadrar as áreas
ocupadas por comunidades tradicionais, prevendo a permanência e desenvolvimento socioeconômico dos moradores, por meio
da formulação de Planos de Uso Tradicionais (SIMÕES, 2010 e 2015).
Para Abirached (2011), o PUT
[...] trata-se de um instrumento de gestão territorial e ambiental. Contendo regras de uso e de re-
cursos naturais e um microzoneamento, elaborados por uma câmara técnica instituída para esse
fim, formada por representantes das comunidades e órgãos públicos competentes, no âmbito do
conselho do Núcleo Picinguaba. O PUT foi incorporado à ZHCAn, que, por sua vez, para carac-
terizar as populações tradicionais tomou como base, entre outros subsídios, os laudos técnicos de
instituições públicas elaboradas para esse fim (ABIRACHED, 2011, p.54).
Assim, de acordo com o Plano de Manejo do Parque Estadual, nas comunidades que ainda não apresentam Plano de
Uso Tradicional, como é o caso do Sertão do Ubatumirim, as normas de uso e ocupação nesta zona serão aplicadas conforme a
similaridade das sub-zonas já definidas em outras comunidades (Cambury e Sertão da Fazenda).
Foi importante verificar que os órgãos gestores participantes da oficina final avaliaram que há possibilidade de inserção
do zoneamento preliminar proposto pela comunidade nos seguintes instrumentos de ordenamento vigentes: Plano Diretor Mu-
nicipal, Plano de Manejo do Parque Estadual, Plano de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte, Tombamento da Serra do Mar e Zo-
neamento Ecológico-Econômico do Gerenciamento Costeiro. Apenas o Parque Nacional da Serra da Bocaina se posicionou des-
favoravelmente à perspectiva de negociar a integração do zoneamento da micro-bacia nas diretrizes de gestão da UC Federal.
Conclusões
O processo de elaboração do Plano da Microbacia envolveu a totalidade dos moradores do Sertão do Ubatumirim, por
Referências
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Resumo
O PAA foi criado em 2003, para garantir acesso a alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessários às populações
que se encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional, tendo também por objetivo promover a inclusão social no
campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Uma das principais características deste Programa é o seu amplo es-
pectro de atuação, pois fortalece o tripé: produção, comercialização e consumo. A RESEX Arapixi foi criada em 2006 tendo como
objetivos a proteção dos meios de vida e a cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar
o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Este trabalho tem por objetivo apresentar as mudanças na RESEX Arapixi
através do acesso dos produtores ao PAA e apresentar como ocorreu acesso o a este, assim como o impacto benéfico tanto para
a qualidade de vida dos beneficiários da UC como também para a conservação do meio ambiente.
Palavras-chave: PAA, Políticas Públicas, Reserva Extrativista Arapixi, Arapixianos, Capacitar para Fortalecer.
Introdução
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi instituído através da Lei Federal nº 9.985, o qual divide
as Unidades de Conservação (UC) em duas categorias, as UC de Proteção Integral e as de Uso Sustentável. As UC de Uso
Sustentável permitem a exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos
processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economica-
mente viável (BRASIL, 2000). Mas estas UC apresentam uma outra importância fundamental, já que buscam associar a cultura
das populações tradicionais daquele local específico com o desenvolvimento sustentável.
Segundo o Relatório da Comissão Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente das Nações Unidas, por desenvolvi-
mento sustentável podemos considerar o desenvolvimento “capaz de suprir as necessidades da população mundial sem com-
prometer as necessidades das populações futuras” (CMMAD, 1988). Embora o termo desenvolvimento sustentável seja ampla-
mente discutido em nossos dias ainda há a necessidade de definirmos o que é o desenvolvimento em si, sendo então definido
como o “aumento da capacidade de suprimento das necessidades humanas e a melhoria da qualidade de vida” (IBAMA, 2001).
Já a sustentabilidade pode ser definida como as preocupações ambientais, econômicas e sociais, consideradas no seu conjunto
e visando a conclusão de diferentes objetivos ao mesmo tempo (SATO, 2000).
Segundo Fernandez (2011) a emergência do movimento ambientalista no final da década de 1960 e o choque do petróleo
nos anos 1970 trouxeram a atenção para temas da diminuição dos recursos naturais de uso comum, das opções alternativas de
geração de energia e da pobreza em escala global. Este cenário acabou por impulsionar a crítica aos modelos de desenvolvi-
mento econômico até então vigentes, apontando para a incompatibilidade entre os processos convencionais de crescimento
econômico e a garantia de sobrevivência da espécie humana no longo prazo.
Ainda em Fernandez (2011) a abordagem padrão da Economia dos recursos naturais e do meio ambiente baseia-se na
ideia da internalização das externalidades, ou seja, baseia-se no pressuposto de que todo bem ou recurso ambiental não incluído
no mercado pode receber uma valoração monetária adequada. Desta forma é possível afirmar que uma UC, mesmo sendo de
Uso Sustentável “realiza” serviços ambientais que garantem a manutenção dos diversos recursos naturais que ali se encontram
assim como do próprio meio. Talvez um dos fatores preponderantes quando falamos nesta categoria de UC esteja justamente
relacionado à preservação da cultura das populações tradicionais que ali se encontram, já que a maioria destas desenvolveu ao
longo de gerações maneiras que podem ser consideradas sustentáveis de se relacionar com o meio ambiente e com os recursos
naturais.
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2003, com o objetivo de garantir acesso a alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessários às populações que
se encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional. O PAA também tem por objetivo promover a inclusão social
no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Uma das principais características deste Programa é o seu am-
plo espectro de atuação, pois fortalece o tripé: produção, comercialização e consumo. Podem comercializar alimentos ao PAA
agricultores familiares, pescadores artesanais, silvicultores, extrativistas, indígenas, membros de comunidades remanescentes
de quilombos e agricultores assentados que apresentem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), conhecida por DAP (GRISA, 2009)
A modalidade “Compra para Doação Simultânea” (CAEAF) do PAA, busca adquirir alimentos de agricultores familiares
e destiná-los para pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, as quais são atendidas por programas e
instituições locais (escolas, creches, abrigos etc.). Uma das principais dificuldades para a população tradicional, principalmente
para os ribeirinhos amazônicos é que para a execução do PAA torna-se necessária a constituição de uma complexa rede de
atores localizados desde a escala nacional até a local, interligando produtores e consumidores e várias instituições (GRISA, 2009).
Segundo Brandão (1981), as unidades familiares sentem orgulho em demonstrar que grande parte do que consomem
resulta do próprio trabalho sobre a terra, sendo motivo de orgulho do pai, enquanto “chefe da família”, e assim mostrar que quase
tudo que ela necessita provém do seu próprio trabalho sobre a terra. Uma maior autonomia alimentar garante legitimidade à
família diante de seus pares, pois ser colono e produzir para o autoconsumo são indissociáveis (GRISA, 2007).
Wilkinson (1997) afirma que o futuro da produção agrícola familiar depende menos da competitividade definida nos
estreitos limites tecnológicos e organizacionais, do que do efetivo surgimento de uma coalizão de atores comprometidos com a
redefinição das prioridades econômicas regionais, a partir do potencial produtivo do sistema de produção familiar.
O PAA pode ser visto como uma via de desenvolvimento rural singular, pois contempla não somente o plano econômico,
mas também a melhoria da qualidade de vida do pequeno produtor rural assim como das populações tradicionais, buscando
estabelecer novas relações com outros atores econômicos. Ações, neste sentido, podem contribuir para que os agricultores fa-
miliares enfrentem os desafios do mundo contemporâneo, à medida que simultaneamente oportunizam a inserção nos mercados
e a geração de trabalho e renda junto aos beneficiários (BECKER; ANJOS, 2010).
Em relação a RESEX Arapixi um dos maiores problemas de sua gestão encontrava-se relacionado a criação de gado.
Segundo o próprio SNUC não podem ser criados animais de grande porte em Reservas Extrativistas, mas através do Plano de
Utilização da RESEX Arapixi verifica-se essa “permissividade”, embora com algumas ressalvas. No início dos anos de 2010, a
maior preocupação da equipe gestora da RESEX Arapixi estava vinculada a ideia de que a UC poderia se tornar uma grande
fazenda ou um conjunto de pequenas fazendas, devido a proliferação das cabeças de gado. Em parte, esse crescimento popu-
lacional dos rebanhos bovinos estava vinculado a falsa ideia de “dinheiro fácil”, pois alguns acreditavam que a criação de gado
não exige muito trabalho e nem muito investimento de mão de obra e financeiro, já que quando os animais são vendidos ou então
quando a carne é comercializada, existe a impressão de uma grande geração de renda, devido ao montante financeiro recebido
naquela ocasião ser expressivo.
Um dos focos do Programa Capacitar para Fortalecer, implementado na RESEX Arapixi desde 2012, trata justamente de
oferecer alternativas para a população tradicional da RESEX Arapixi para melhoria de sua qualidade de vida, sendo uma de suas
linhas temáticas a melhoria e aumento da produção daquelas famílias que ali se encontram. O Programa Capacitar para Forta-
lecer tem sido uma ferramenta fundamental na gestão da RESEX Arapixi, pois além de fortalecer e empoderar novas lideranças
tem possibilitado desenvolver e implementar atividades que exigem um nível maior de organização.
Este trabalho tem por objetivo geral apresentar as mudanças na RESEX Arapixi através do acesso dos produtores desta
UC ao PAA; também é objetivo deste trabalho apresentar como ocorreu acesso ao PAA e o impacto benéfico tanto para a quali-
dade de vida dos beneficiários da RESEX Arapixi como também para a conservação do meio ambiente de forma geral.
Métodos
Para a realização deste trabalho foram pesquisados diversos documentos da gestão da RESEX Arapixi no período de 2012
a 2015, tais como atas de reuniões realizadas pela equipe gestora da RESEX Arapixi, o Plano de Manejo (2010) da UC, assim
como relatórios de reuniões da Associação de Produtores Rurais Extrativistas da RESEX Arapixi (APREA).
A RESEX Arapixi foi criada em 21 de junho de 2006 através do Decreto Presidencial s/n, tendo como objetivos a proteção
Resultados e Discussão
O processo para a RESEX Arapixi se estruturar e começar a acessar o Programa de Aquisição de Alimentos foi lento e
gradual. Lento devido principalmente ao baixo nível de organização encontrado nos Arapixianos. As Associações Comunitárias
que já existiam no ano de 2012, ano em que se iniciou a implementação do Programa Capacitar para Fortalecer, não se encontra-
vam regulares, ou seja, todas estas possuíam algum tipo de pendência, geralmente relacionada com documentação em atraso
e/ou falta de pessoas interessadas em “tocar o barco”.
O Programa Capacitar para Fortalecer desempenhou um papel fundamental no fortalecimento de lideranças, sendo
aquelas recém identificadas com este perfil ou aquelas que já eram lideranças reconhecidas em suas respectivas comunidades
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670
e/ou localidades. Através dessas oficinas, capacitações e reuniões foi possível estabelecer uma relação diferenciada com os Ara-
pixianos. Ao longo do tempo foi possível minimizar a impressão de desconfianças entre o órgão gestor (ICMBio) representados
pela equipe gestora da UC e os Arapixianos. Estabeleceu-se uma relação de maior confiança, onde muitos começaram a apostar
na nova linha de ação do ICMBio, buscando fortalecer as lideranças comunitárias. Algumas novas lideranças passaram a se
aproximar e demonstrar interesse no processo de gestão da RESEX Arapixi, sendo uma destas lideranças o Sr. Noel Humberto
Dias Gomes.
A equipe gestora da RESEX Arapixi passou a contar diretamente com o auxílio do Sr. Noel no desenvolvimento de diver-
sas atividades realizadas na UC. Reuniões, oficinas e cursos passaram a ser acompanhados sempre pelo Sr. Noel e, geralmente
este também se fazia sempre presente quando eram entregues convites nas comunidades pela equipe gestora para a realiza-
ção de quaisquer atividades. Percebendo a aceitação do Sr. Noel pelos Arapixianos e, ainda percebendo que as comunidades
pareciam prontas para um maior nível de organização, iniciou-se o processo de mobilização para a criação da Associação de
Produtores Rurais Extrativistas da RESEX Arapixi (APREA).
No período entre a XI e a XII Reunião do Conselho Deliberativo da RESEX Arapixi (CDRA), estruturou-se a APREA. Foi
realizada ainda uma Reunião Extraordinária do CDRA tendo como foco principal justamente a criação e instituição da APREA.
Esta reunião extraordinária foi realizada em setembro de 2013 na sede do município de Boca do Acre, na Universidade do Estado
do Amazonas. Foram convocados para esta reunião os conselheiros do CDRA, mas também quaisquer beneficiários da RESEX
Arapixi interessados em compor a diretoria da APREA. A eleição de sua diretoria foi realizada, assim como seu estatuto foi ela-
borado, votado e aprovado. A APREA foi devidamente registrada em fevereiro de 2014.
O processo de criação da APREA, do seu início até seu o registro em cartório, contou com apoio direto do IIEB e do ICM-
Bio, os quais apoiaram através de recursos como gasolina, alimentação, voadeira, barqueiro e material de escritório, para que
fosse possível não só a realização das primeiras mobilizações em cada comunidade, mas também a realização das reuniões que
resultaram na criação da APREA. Em todas as reuniões do CDRA passou a ser cedido um turno desta para que fosse realizada
também a reunião da APREA, buscando não só otimizar recursos, mas também por tornar mais fácil a mobilização dos atores
envolvidos.
A conquista mais importante da APREA foi mobilizar os Arapixianos para acessar o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA). Inicialmente a maioria dos Arapixianos mostraram-se receosos com o PAA, mas através de diversas reuniões realizadas
junto ao ICMBio, APREA, Secretaria de Estado de Produção Rural do Amazonas (SEPROR/AM) e CONAB, alguns resolveram
arriscar. E o risco valeu a pena. Como a maior parte da produção ao longo do ano da RESEX Arapixi é de banana pacova ou
banana-comprida, banana maçã, açaí, macaxeira (farinha), cupuaçu, coco, feijão de praia, pupunha e, como boa parte destes
produtos pode ser entregue ao PAA, aqueles produtores que foram inseridos no Programa tiveram um ótimo rendimento. Para ter
uma ideia mais clara da diferença que este programa ocasionou nos rendimentos dos Arapixianos inscritos no PAA, vejamos o
exemplo da banana comprida. Geralmente no município de Boca do Acre o cacho de banana comprida é vendido na faixa entre
R$ 8,00 e R$ 10,00, variando conforme a época do ano ou devido a ocorrência ou não de alagação no município. Em 2014 o valor
pago ao produtor inscrito no PAA referente a banana comprida era de R$1,50 o kg, como, em média o cacho de banana comprida
pesa aproximadamente 15 kg (podendo chegar até a 20 kg em alguns casos), o produtor poderia receber mais de R$ 22,50 em
um único cacho, tendo um “lucro” de mais de 200%. Embora seja realmente uma melhora substancial nos rendimentos de cada
produtor Arapixiano, o PAA dispõe somente R$ 4.500 por DAP, ou seja, assim que o produtor entregar a quantidade de produtos
que alcance o valor total de R$ 4.500, somente poderá efetuar novas entregas no ano subsequente.
Em Boca do Acre dos mais de 70 produtores inscritos no PAA, 52 são Arapixianos. Embora alguns Arapixianos tenham
desanimado com a morosidade do processo de pagamento e, ainda, devido a grande alagação ocorrida nos meses de fevereiro
e março no Rio Purus em Boca do Acre, a qual ocasionou a perda de parte da produção, alguns produtores começaram a realizar
as entregas de seus produtos em fevereiro de 2015, assim que a SEPROR-AM informou que haviam sido liberados os recursos
para o PAA para este ano.
O valor oferecido por DAP ainda é considerado por muitos muito baixo, já que boa parte dos produtores da RESEX Arapixi
contam com uma produção capaz de suprir o dobro deste valor. Devido a muitas dificuldades na execução do PAA em Boca do
Acre, geralmente estas relacionadas a falta de responsáveis técnicos no IDAM responsáveis para acompanhar todo o processo
de entrega, desde a pesagem do produto, até a entrega deste a instituição beneficiada e, ainda para a geração dos documentos
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Estruturar SAFs na RESEX Arapixi é algo fundamental para sua gestão, pois além de utilizar de um modo mais sustentável
e consciente os recursos do meio, proporciona um aumento direto na produção de cada unidade familiar Arapixiana. A imple-
mentação de SAFs ocasiona uma redução do desmatamento, já que é possível utilizar uma mesma área para diversas culturas
distintas, garantindo além da manutenção da biodiversidade do ecossistema e a conservação do próprio solo, já que não se trata
de um sistema de monocultura que através de anos sucessivos acaba por exaurir os recursos deste.
Conclusão
O Programa de Aquisição de Alimentos parece ser a solução temporária para um meio de vida mais sustentável na RE-
SEX Arapixi. Oferecendo uma melhoria nos rendimentos das famílias da RESEX, despertou o interesse de muitas outras famílias
que não acreditaram no potencial do PAA, as quais deverão acessar o Programa em 2016. Correlacionar a produção sustentável
com a melhoria nos rendimentos das famílias torna o PAA uma ferramenta essencial para a efetiva gestão de uma UC de Uso
Sustentável. Mesmo com áreas pequenas de plantio torna-se possível atingir a meta plena de recursos oferecidos no PAA.
O acesso ao PAA foi uma das maiores conquistas do Programa Capacitar para Fortalecer, aproximando ainda mais a
equipe gestora da UC com os Arapixianos e, ainda, melhorando diretamente a qualidade de vida destes. Através do PAA foi
possível estabelecer um maior fortalecimento da APREA, o que é fundamental, pois além de aumentar a própria confiança dos
Arapixianos nesta nova instituição, também acabou por aumentar a confiança da própria diretoria da APREA, a encorajando para
galgar patamares mais altos através de outros projetos e benefícios.
Um fator que precisa ser melhor estudado nos anos subsequentes é a correlação entre PAA e a diminuição do gado na
RESEX Arapixi. Com informação referente a somente um ano, torna-se difícil embasar devidamente se o PAA realmente causa
um impacto “positivo” na diminuição das cabeças de gado na UC. Para a equipe gestora é evidente que vem ocorrendo uma di-
minuição gradual no montante de cabeças de gado na RESEX Arapixi, mas esta informação pode estar vinculada a outra questão
do que ao próprio PAA.
Acessar o PAA diretamente via APREA deverá incentivar a participação de muitos outros produtores que até então es-
tavam com sérias dúvidas em relação ao Programa e sua funcionalidade. Mas mesmo frente a todas as dificuldades que tornaram
o processo de acesso ao PAA lento, muitos já se encontram interessados e até otimistas. Como a execução do PAA caberá so-
mente a APREA, isso deverá deixar todos os produtores participantes muito mais entusiasmados.
Através do PAA é possível afirmar que para Unidades de Conservação de Uso Sustentável, a conservação dos recur-
sos naturais está diretamente relacionada a uma melhoria nos rendimentos da população tradicional que ali vive. Garantindo
melhores rendimentos e, assim, uma melhoria na qualidade de vida destas famílias, torna-se possível abordar as temáticas
ambientais. Sem resolver a problemática social é impossível falar em conservação dos recursos naturais em UC como RESEX e
Reservas de Desenvolvimento Sustentável.
Finalmente podemos afirmar que alternativas como o PAA são essenciais para a devida conservação dos recursos na-
turais. A RESEX Arapixi é um exemplo de que relacionando aumento na geração de renda obtém-se um impacto positivo direto
na conservação do ambiente.
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SUBCOMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: APRIMORAMENTO DA PARTICIPAÇÃO
SOCIAL PARA A CONSERVAÇÃO DOS AQUÍFEROS E DAS ÁGUAS SUPERFICIAIS
NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL CARSTE DE LAGOA SANTA
Barbosa, Cláudia Silva1;, Oliveira, Daniel Duarte de2 & Nogueira, Derza Aparecida Costa3
Resumo
Esse trabalho busca compreender a influência dos Subcomitês de Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Mata e do Carste para a
efetividade da apropriação social da gestão e conservação dos recursos hídricos na região da Área de Proteção Ambiental Carste
de Lagoa Santa – APACLS. Observou-se que a criação dos Subcomitês de Bacias Hidrográficas e a diversidade de entidades
que os compõem, além da capilaridade administrativa promovida por estes, têm sido fundamentais para estimular discussões e
atividades específicas de conservação junto aos atores sociais e aos órgãos gestores ao nível municipal, estadual e federal. Esses
subcomitês se configuram como importantes espaços para o desenvolvimento da participação social e consequentemente da
governança socioambiental no âmbito da APACLS.
Palavras-chave: Área de Proteção Ambiental Carste de Lagoa Santa, Subcomitês de Bacias Hidrográficas, Participação Social
Introdução
Aliar o desenvolvimento econômico com a proteção dos recursos naturais é um dos grandes desafios que abarcam a
gestão de unidades de conservação (UC), principalmente àquelas de uso sustentável1, como a Área de Proteção Ambiental
Carste de Lagoa Santa (APACLS). Essa unidade foi criada em 1990 com intuito de proteger e conservar a vegetação de transição
de dois importantes hotspots, a Mata Atlântica e o Cerrado, além de sua fauna, seus sítios arqueopaleontológicos e os recursos
hídricos superficiais e subterrâneos inseridos nesse território. Sua classificação, Área de Proteção Ambiental2(APA), torna o
desafio de gestão ainda maior, pois este tipo de unidade de conservação prevê a possibilidade de uso de uma parcela de seus
recursos naturais, porém não esclarece quanta utilização é considerada sustentável e nem quem poderá utilizar (RYLANDS;
BRANDON, 2005).
Para agravar a situação de risco ambiental da APACLS, nos últimos anos, tem sido promovida uma política de desenvolvi-
mento do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), impulsionada pela Linha Verde, que constitui em um
conjunto de obras rodoviárias executadas na rodovia MG-010 e pela implantação do novo Centro Administrativo do Estado de
Minas Gerais (SILVINO, 2012). Apenas para exemplificar, no que tange às questões relacionadas com o uso de recursos hídricos,
estudos de Martins, 2008; Peixinho, Feitosa (2008) e Ferreira (2011), enfatizam os impactos ambientais causados pelos diversos
usos da água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) junto aos corpos hídricos subterrâneos e superficiais que
compõem parte da bacia do rio das Velhas, à qual a APACLS esta associada. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas confirma
o exposto ao apontar a RMBH (incluindo o território da APACLS) como a região que mais contribui com a poluição na bacia do
rio das Velhas (IGAM, 2009).
É neste contexto de crescimento econômico e urbanístico que a Área de Proteção encontra-se inserida, e, por isso, vem
sofrendo novas pressões, diferentes daquelas do início da década de 1990, quando foi decretada. Esta conjuntura cria também
outra necessidade, a de expandir suas ferramentas de gestão, agregando novas parcerias e promovendo novas ações que visem
à proteção de seu patrimônio.
Uma dessas ferramentas de gestão, que vem se mostrando eficiente é a gestão participativa. Para De Souza & Mattos
1
O objetivo básico das Unidades de Conservação de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos
naturais. (Brasil. 2000. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000).
2
Área de Proteção Ambiental (APA), trata-se de uma unidade de Conservação de Uso Sustentável, em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada
de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como
objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. (Brasil. 2000. Lei
nº 9.985, de 18 de julho de 2000).
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câmaras técnicas de Comitês, que possuem regimento e critérios de participação definidos e cujo papel está relacionado a uma
função ou a um tema específico como, por exemplo, outorga, legalidade ou comunicação.
A APA Carste é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em parceria com o seu Conselho
Consultivo (BRASIL, 2005). Este instituto é responsável por realizar ações de fiscalização, de licenciamento ambiental, além de
promover atividades de Educação Ambiental junto aos usuários de recursos da APA. Considerando que se trata de uma UC ao
nível federal, no seu interior também interferem legislações ao nível estadual e municipal, especialmente aquelas relacionadas
com a conservação, proteção e o licenciamento ambiental.
No contexto científico e histórico, a APACLS destaca-se por suas características físicas peculiares e por sua importância
internacional em termos da arqueologia e paleontologia. Nesta Área de Proteção, foram encontrados alguns dos exemplares de
fósseis humanos mais antigos da América do Sul, com foco para o “Homem de Lagoa Santa”, marco antropológico descoberto
por Peter Wilhelm Lund3 no século XIX, e, “Luzia”, escavada na década de 1970 pela equipe coordenada pela arqueóloga Annette
Laming-Emperaire4, e considerada o esqueleto humano mais antigo das Américas (WENCESLAU, NEVES; PILÓ, 2012. O inte-
resse científico nacional e internacional ainda persiste, e, atualmente, encontra-se em desenvolvimento um importante projeto de
escavação no sítio arqueológico denominado de Lapa do Santo, sob a coordenação do pesquisador André Strauss em parceria
com o Instituto Max Planck de Antropologia, da Alemanha, que está comprovando as singularidades dos rituais funerários dos
povos primitivos na região da APACLS (CARDOSO, 2014).
Do ponto de vista biótico, embora esteja localizada em uma região metropolitana, a APACLS ainda configura-se como
3
Peter Wilhelm Lund (1801 - 1880). Naturalista dinamarquês que registrou ossadas de homens pré-históricos, enterradas juntos com ossos de animais da fauna extinta,
o que lhe tornou conhecido internacionalmente, e valeu-lhe o cognome de “Pai da Paleontologia do Brasil” (GUIMARÃES & HOLTEN, 1997).
4
Annette Laming-Emperaire (1917- 1977), Arqueóloga que liderou a missão arqueológica franco-brasileira na década de 1970, quando foi escavado, possivelmente,
o mais antigo fóssil humano do Brasil e das Américas, com cerca de 11,5 mil anos (DeBlasis, 2014).
Desenvolvimento
O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas - CBH Velhas auxilia na interlocução entre os Conselheiros do Plenário,
as Câmaras Técnicas, os Subcomitês e a Associação Peixe Vivo. Através de uma equipe de trabalho de mobilização social e
educação ambiental desenvolve ações de diálogo entre esses atores e as comunidades da bacia do Rio das Velhas, estimulando
a elaboração de propostas de recuperação ambiental dos seus afluentes além de para consolidação da participação social e
para maior capilaridade do Comitê nas sub-bacias hidrográficas do Rio das Velhas. A principal forma de descentralização e
participação promovida e incentivada pelo CBH Rio das Velhas é o reconhecimento dos Subcomitês, como grupos consultivos e
propositivos que permitem inserção regionalizada e qualificam os debates e análises do Comitê, frente à diversidade de paisa-
gens e contextos da bacia do Rio das Velhas.
A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas possui mais de 200 sub-bacias, sendo que, a fim de proporcionar a gestão des-
centralizada e o planejamento territorial integrado, o CBH Rio das Velhas agrupou essas sub-bacias em 23 Unidades Territoriais
Estratégicas (UTE’s). Nesses territórios são aplicados recursos da cobrança pelo Uso da Água e são analisados e implantados
5
Convenção de RAMSAR, concluída em 1971 no Irã, tem por objeto o “uso racional” das zonas úmidas – armazéns naturais de diversidade ecológica, especialmente
como habitat de aves aquáticas ecologicamente dependentes das mesmas (GRANZIERA, 2007).
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programas e estudos específicos, incluindo aqueles discutidos pelos Subcomitês.
Como dito, os Subcomitês de bacia são grupos consultivos e propositivos que atuam nos limites de suas sub-bacias
hidrográficas. Entretanto, além de se prestarem ao papel o qual, formalmente, baseia-se sua constituição, os Subcomitês do
Ribeirão da Mata e do Carste vêm assumindo, cada vez mais, um papel executivo, no que se refere à promoção de atividades de
cunho socioambiental, dentro de suas limitações geográficas de atuação, configurando. como importantes instâncias de partici-
pação social e governança para melhoria da gestão do território abrangido pela APACLS.
Dentro das varias ações propostas e desenvolvidas pelos Subcomitês destacam-se as reuniões ordinárias que ocorrem
mensalmente e envolvem, em média, a participação de 24 membros, além de cerca de 15 convidados e visitantes em cada re-
união. Nesses encontros são discutidas temáticas de interesse dos atores envolvidos, como processos de licenciamento ambien-
tal, projetos educativos e socioambientais, além da formação de grupos de trabalho para ações específicas, como nos processos
de outorgas nas sub-bacias da UTE Carste.
No que diz respeito à criação e realização de projetos, destaca-se a iniciativa do SCBH do Ribeirão da Mata com o projeto
“Valorização de cursos d’água em áreas rurais da bacia hidrográfica do Ribeirão da Mata”, criado em 2011, e, cujo objetivo foi
minimizar os impactos ambientais no âmbito da sub-bacia por meio de ações de educação ambiental, técnicas alternativas de
produção agrícola e o tratamento de efluentes em áreas rurais (CBH VELHAS; SBHRM, 2011).
O SCBH do Carste, por sua vez, tem avançado na realização do projeto denominado “Rede Asas do Carste” que busca,
em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais, favorecer processos educativos junto às escolas da região, por meio
do monitoramento de aves migratórias que utilizam as lagoas cársticas existentes nos seis municípios que compõem seu limite
de atuação (FIGUEIRA, 2014). Este projeto visa envolver, diretamente, mais de 200 pessoas, dentre os quais estão os alunos das
escolas participantes, os conselhos dos SCBH e da APACLS, profissionais das secretarias de educação e de meio ambiente dos
municípios envolvidos, voluntários e organizações não governamentais.
Outra iniciativa, com caráter executivo, é a realização de expedições e de visitas técnicas promovidas pelos SCBH, com
destaque para a expedição “Manuelzão desce o Ribeirão da Mata”, ocorrida em 2006 (CBH VELHAS; SBHRM, 2011), e a última
visita técnica realizada em 2014 pelos conselheiros do Subcomitê do Carste. Nestas ações, os conselheiros tiveram a oportuni-
dade de conhecer o patrimônio, as especificidades e os impactos presentes no âmbito dos limites geográficos de atuação de
seus Subcomitês (CBH VELHAS, 2014) e propor atividades, como realização de ações fiscalizatórias.
Outra atividade que chamou a atenção pelo amplo envolvimento dos Subcomitês foi um seminário promovido pelo SBCH
Carste no mês de março de 2014 com grande representatividade da comunidade acadêmica e que promoveu uma importante
discussão a respeito dos recursos e impactos ambientais na região onde se encontram os SCBH dos Carste e do Ribeirão da
Mata, e, também, da APACLS.
Em meados de 2015 o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio das Velhas abriu seleção de demandas espontâneas para a
elaboração e implantação de Projeto Hidroambiental, atendendo a Deliberação Normativa N°01, de 11 de fevereiro de 2015. Os
representantes do Subcomitê do Carste fizeram a indicação de uma demanda relacionada com a readequação e revisão do Pro-
jeto Piloto de Revitalização da Lagoa Fluminense, em Matozinhos. Já os membros do Subcomitê do Ribeirão da Mata aprovaram
a demanda referente ao Projeto de Saneamento Básico em Áreas Rurais na bacia do Ribeirão da Mata, no qual está previsto a
instalação de 350 fossas sépticas nas comunidades e microbacias da região.
Essas e outras ações, como já dito, são realizadas dentro das unidades territoriais abarcadas pelos SCBH que, em grande
parte, coincidem com a unidade territorial da APACLS. Diante disso, essa UC ocupa uma cadeira nos conselhos dos dois SCBH,
a fim de somar na promoção de uma maior capilaridade das discussões relacionadas com as temáticas da bacia hidrográfica do
Rio das Velhas, onde a mesma encontra-se inserida (CBH VELHAS; 2008). Por outro lado, a participação da APACLS, nos conse-
lhos do SCBH contribui tecnicamente nos debates e fortalece a participação de usuários, que dependem de anuências, licenças
e autorizações dessa APA para exercerem suas atividades produtivas, que são muito distintas. Para exemplificar, dentre os usos
dos recursos hídricos nos municípios abrangidos pela APACLS, a criação animal, irrigação e outros usos, são os mais significa-
tivos. Entretanto há que ser ressaltado os usos destinados à indústria e à mineração em Pedro Leopoldo, dentre os municípios
da região (IGAM, 2011, Tabela 1). Todos esses usos por sua vez carecem de mitigação dos impactos ambientais, especialmente
devido à fragilidade ambiental do ambiente cárstico e consequentemente das águas subterrâneas e superficais a ele associadas.
Nesse cenário, é oportuno destacar que para a bacia do rio das Velhas existe um Plano Diretor que está em fase de re-
definição. O novo Plano baseia-se nos levantamentos dos impactos ambientais locais e regionais, nas demandas existentes e futu-
ras e na identificação de áreas prioritárias de proteção, dentre outros. A metodologia de base do Plano é o estudo e planejamento
por Unidade Territorial Estratégica - UTE, o que acaba por ser uma inovação em termos de bacia hidrográfica (IGAM, 2009).
O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas – PDR configura-se como um plano
norteador de ações com proposições advindas e discutidas pelos diversos setores da sociedade, sendo que cada sub-bacia tem
o seu plano específico. Infere-se que os Subcomitês poderão auxiliar na sustentabilidade da bacia de forma mais integrada e
articulada, pois as ações implementadas deverão considerar todo o contexto socioeconômico e ambiental do território, incluindo
o abrangido pela APACLS. Sendo que, a implementação do PDR e a dos projetos a ele relacionados, através de demandas dos
projetos hidroambientais dos Subcomitês, se dará através de recursos provenientes da cobrança pelo uso da água.
Cabe salientar que a realização de consultas públicas ao longo do desenvolvimento do Plano Diretor compuseram os
diagnósticos socioambientais para as UTEs. Nessas audiências ocorreu ampla participação dos membros dos Subcomitês e
demais atores sociais que discutiram os usos preponderantes e prioritários das águas, as áreas prioritárias para a conservação
visando a proteção dos recursos hídricos, usos e ocupação do solo e fatores de pressão sobre os recursos hídricos, problemas
relacionados com a quantidade e a qualidade ambiental dos recursos hídricos. Essas audiências reforçam a importância da
efetiva participação social no que tange as políticas públicas.
As atividades anteriormente elencadas propiciaram a interlocução entre diferentes atores sociais, a proposição de ações
de intervenção no âmbito territorial dos Subcomitês e a discussão e proposição de políticas públicas de conservação e proteção
ambiental, o que favorece a descentralização do poder decisório sobre os recursos hídricos conforme aponta Guedes (2009).
Entretanto, essas ações ainda são insuficientes para minimizar todos os impactos ambientais regionais. Um exemplo disso, é que
função da escassez de água na região metropolitana ao longo de 2014 e 2015 o Conselho Estadual e Recursos Hídricos publicou
uma Deliberação Normativa quanto à restrição de uso para captações de água, incluindo indicativo de redução de 20 até 50%
do consumo de água (CERH/MG, 2015). O objetivo da deliberação é prevenir ou minimizar os efeitos de secas e da degradação
ambiental, além de atender aos usos prioritários. Nesse cenário de restrição hídrica os Comitês de Bacia Hidrográfica poderão
solicitar que seja feita a declaração de situação crítica de escassez hídrica. Dessa maneira a oitiva aos Conselhos de Bacias
Hidrográficas, incluindo os Subcomitês do Carste e do Ribeirão da Mata, é primordial para que haja a efetividade das ações
relacionadas com as restrições de uso e para a melhoria das condições hídricas regionais, consequentemente da qualidade am-
biental dos recursos no âmbito da APACLS uma vez que os referidos Subcomitês abrangem diferentes atores sociais envolvidos
com a UC.
Em julho de 2015 ocorreu o V Encontro de Subcomitês promovido pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.
Esse encontro buscou favorecer a troca de experiências entre os membros dos Subcomitês e outros atores convidados, além
disso, auxiliou na discussão dialogada sobre a cultura da escassez, sobre a gestão participativa e as políticas públicas, enfati-
zando o Plano Diretor de Recursos Hídricos, com indicação de ações de melhoria da qualidade ambiental no âmbito da bacia
(CBH VELHAS, 2015).
Apesar dos avanços promovidos pelos Subcomitês, entende-se que é relevante o aprimoramento constante do diálogo
entre os conselheiros e desses com os setores que representam, de forma que sempre tenham voz e estejam empoderados, to-
mando posição diante das situações de conflitos, além de serem cada vez mais propositivos no que tange as políticas públicas de
gestão dos recursos hídricos. O que por sua vez, gera desafios aos conselheiros dos Subcomitês, como: o aperfeiçoamento das
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estratégias de ação, a ampliação e aprimoramento da mobilização e da participação social, promoção de uma maior visibilidade
e do fortalecimento do seu papel como importantes entes de gestão participativa dos recursos hídricos.
Com base no exposto, compreende-se que sendo conselhos consultivos e propositivos os Subcomitês auxiliam direta-
mente em ações de tomada de decisão e no controle social, em nível regional, para a prática da governança socioambiental
dos recursos hídricos e dos ecossistemas a ele associados. Além disso, se estabelece uma rede de sujeitos sociais que trocam
experiências entre si e fomentam ações de sustentabilidade em seus territórios de atuação.
Conclusão
Conduzir de forma sustentável o desenvolvimento econômico no interior da APACLS é, de fato, um grande desafio. Ainda
mais, pelas mudanças constantes que seu entorno, e seu próprio interior, vêm sofrendo. Apenas a aplicação do Plano de Gestão/
Zoneamento não consegue frear os impactos ambientais que ocorrem na UC.
Ainda que não tenham sido criados com o objetivo de dar apoio específico à APACLS, os SCBH vêm se mostrando efi-
cientes ao fazê-lo. As ações dos Subcomitês do Carste e do Ribeirão da Mata apontam para a descentralização das decisões
relacionadas aos recursos hídricos e promoção de ações de revitalização e preservação ambiental. Ao mesmo tempo em que
se configuram como importantes espaços de diálogo qualificado, os Subcomitês favorecem ao intercambio de experiências
entre diversos atores sociais, à capilaridade administrativa entre os diferentes níveis de poder e às proposições de ações para
gestão participativa relacionadas com os recursos hídricos e, consequentemente, para os demais recursos ambientais no ter-
ritório abrangido pela APACLS. Dessa maneira, os Subcomitês configuram-se como espaços para uma governança participativa
que envolve vários setores da sociedade e acabam por interferir de forma positiva nas políticas públicas afeitas a conservação
ambiental no âmbito de sua jurisdição.
Por outro lado, a participação da APACLS como membro de ambos os Subcomitês reforça a busca de articulação entre
instâncias governamentais em níveis distintos, estimulando a integração de ações em prol da melhoria das condições socioam-
bientais no âmbito da UC.
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1. Educador Ambiental e Doutorando em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
minhatrilha2000@yahoo.com.br. 2. Professor do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. rafaelgonçalves@yahoo.com.br
Resumo
O presente texto analisa os resultados das atividades em educação ambiental realizadas entre os anos de 2013 e 2014 no âmbito
do projeto Elos da Diversidade em que ocorreu a aproximação entre acadêmicos e religiosos que buscavam a proteção ambien-
tal e a manutenção das atividades ritualísticas de forma integrada. Assim, através da pesquisa-ação foram possíveis leituras bi-
bliográficas, realização de cursos, aplicação e análise de questionários e, também, reflexão e apresentações das particulari-
dades que caracterizam os sujeitos envolvidos, seus movimentos de resistência contra o cenário de violação de direitos. Os
resultados revelam que nas práticas religiosas neopentecostais no Setor Pretos Forros e Covanca, no Parque Nacional da Tijuca
(Rio de Janeiro, RJ) a gestão e o uso demandam respeito, reconhecimento da diversidade cultural e, também, políticas públicas
que assegurem espaços para a realização de rituais.
Palavras-chave: Unidade de Conservação, Práticas Religiosas Neopentecostais, Direitos Humanos, Parque Nacional da Tijuca (RJ).
Introdução
Este artigo trata dos resultados da realização de atividades integradoras em educação ambiental junto a religiosos neo-
pentecostais. São intervenções realizadas entre os anos de 2013 e 2014 no âmbito do projeto Elos da Diversidade, promovido pela
Superintendência de Educação Ambiental da Secretaria do Estado do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro em parceria com a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro1.
Como práticas extencionistas, as atividades de educação ambiental envolveram no âmbito da pesquisa-ação e do estudo
de caso: leituras bibliográficas, observação participante, realização de cursos, e oficinas para integrar os neopentecostais e po-
tencializar o aprendizado em educação no processo de gestão ambiental pública2.
As ações desenvolvidas foram um convite à proteção ambiental e à luta por direitos à prática religiosa com o objetivo de
sugerir a criação de políticas públicas para garantir a igualdade na diferença, na perspectiva de contribuir para a percepção
integral do ambiente.
Em face disso, torna-se fundamental refletir e, também, construir elementos para possíveis enfrentamentos para a questão
apresentada. Para tanto, vincularemos nos capítulos um e dois as categorias Unidade de Conservação; Diversidade Religiosa;
Direitos Humanos; Parque Nacional da Tijuca e Práticas Religiosas Neopentecostais. Por fim, analisaremos os principais resulta-
dos obtidos nas ações em Educação Ambiental desenvolvidas no âmbito do Projeto Elos da Diversidade.
há 141 anos, desde que se criou o primeiro parque nacional do mundo (Yellowstone National Park,
em 1872, na cordilheira dos Grand Tetons, EUA), ao se instituir por lei um parque ou uma reserva,
as populações locais (tradicionais ou não), que muitas vezes estão instaladas nestes territórios por
centenas de anos, são compulsoriamente expulsas e ficam impedidas de reproduzir seu modo
tradicional de vida
Consoante com o entendimento dos autores acima destacamos o Boletim de Ocorrência 1897/14 da Polícia Federal que
descreve a condução de um evangélico, morador da cidade do Rio de Janeiro à delegacia por suspeita de ter ateado fogo em
parte do Setor Pretos Forros e Covanca, em áreas do Parque Nacional da Tijuca:
Aos 27 dia (s) do mês de agosto, nesta Superintendência Regional no Rio de Janeiro, onde se en-
contrava fulano, Delegado de Polícia Federal compareceu ciclano, natural do Rio de Janeiro, pro-
fissão Fiscal Federal do ICMBio, lotado e em exercício no Parque Nacional da Tijuca. Inquirido a
respeito dos fatos, respondeu: QUE, trabalha comparece hoje na Polícia Federal em companhia de
seus colegas xyz, ambos analistas e fiscais, em razão de incêndio ocorrido anteontem na mata den-
tro da área do Parque, isto é, no dia 25/08/2014, especificamente no Morro do Ramalho, na Beira
da Estrada Grajau- Jacarepaguá, em frente ao ‘Cabanas da Serra’; QUE no dia de hoje localizaram
um neopentecostal dentro da área do parque, e entrevistando-o ele disse que foi o responsável
pelo incêndio ocorrido anteontem. QUE trouxeram o religioso à Polícia Federal para providências4.
Podemos dizer que o pensamento “unidimensional” (MORIN, 2005, p. 6) dos Fiscais foi suficiente para o entendimento
distorcido de que o religioso havia ateado fogo em áreas do Parque dois antes do fato ocorrido. O simples ato de encontrar e en-
trevistar o neopentecostal determinou seu fichamento na Polícia Federal, sinalizando, portanto, um possível caso de intolerância.
Tal situação de intolerância religiosa ocorre, sobretudo com os neopentecostais que lutam para manter um modo de vida
relacionado ao ambiente natural5, ainda que, em espaços urbanos, preservando as crenças transmitidas de modo oral e por meio
escrito6 de geração em geração. Condição que trataremos no próximo capítulo.
Mas, por agora, podemos apontar que o caso ressaltado no boletim policial é um exemplo explicito da negação do di-
3
Para saber mais sobre o assunto pesquisar o trabalho de Botelho e Maciel (2014) no site: http://www.anptur.org.br/novo_portal/anais_anptur/anais_2014/arquivos/
DTP/trabalhos-dtp4.html.
4
Os nomes e matrículas dos sujeitos envolvidos foram retirados a fim de preservar suas identidades.
5
Movimentos de resistência em favor da manutenção religiosa neopentecostal podem ser verificados no Estado do Rio de Janeiro, em unidades de conservação, tais
como: Parque Nacional da Tijuca, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Parque Estadual da Pedra Branca, Parque Estadual da Serra da Tiririca, Rebio Tinguá etc.
6
Relatos entre aqueles que não sabem ler e leitura da Bíblia Sagrada entre os de pouca escolaridade.
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reito à prática religiosa em parques nacionais brasileiros, é sim, ato de intolerância e de desrespeito ao outro. Portanto, ato de
supressão dos direitos humanos como via de manifestação de forças sociais que formulam os interesses e as identidades sociais
nas sociedades ditas democráticas na qual o Brasil é signatário (KOERNER, 2003, p. 152).
Estamos falando de negação de direitos humanos de caráter transnacional, aqueles que apoiam “à constituição de agen-
tes coletivos e à construção de problemas sociais, assim como auxiliam a formulação de diagnósticos e programas de ação
compartilhados pelos agentes internos às democracias” (KOERNER, 2003, p. 152).
Diante do contexto apresentado acima, podemos então retirar que a criação de Unidades de Conservação no Brasil im-
plicou em uma solução à proteção ambiental pelo “alto”, tomando emprestado o termo utilizado por Gramsci (2011) para dizer
que as populações religiosas, em destaque as vulnerabilizadas, não foram convidadas a participar da elaboração das normas de
gestão e uso das áreas naturais protegidas.
Dessa maneira, percebemos que há uma lógica seletiva, perpassando a gestão e o uso destes espaços naturais prote-
gidos na medida em que, exclui e autoriza o usufruto apenas àqueles que podem pagar para estar em contato com a natureza,
tais como: turistas e católicos que, segundo Corrêa Costa e Loureiro (2013), contam com permissão prévia para realizar seus
diferentes rituais e infraestrutura adequada para receber os visitantes religiosos e realizar suas práticas, como lugares/templos
sagrados7, o que significa privilégios para uns, e a negação de direitos de uso à outros grupos.
Nessa perspectiva, os parques nacionais no país são fechados em si mesmos, são intocados, conforme trata Diegues
(2001). Porém, reproduzem as práticas economicista e individualista das cidades8 onde estão inseridos, através da fragmentação
dos saberes e da repressão da expressão de diferentes grupos religiosos.
O que pode se observar é que o direito à manutenção das tradições e práticas religiosas, antes realizadas livremente
por diferentes segmentos em parques nacionais, gradativamente foi sendo modelado pela racionalidade científica e econômica
dominante para que predomine determinadas formas de expressão e iniba outras. Assim, as tradições são negadas e condena-
das à submissão, própria do pressuposto materialista que vigora nas sociedades ocidentais como a brasileira.
Daí a importância do Projeto Elos da Diversidade no enfrentamento das questões colocadas acima. Criado inicialmente
com o objetivo de atender às demandas das populações afro-brasileiras inseridas nas práticas religiosas da Umbanda e do Can-
domblé, também incluiu, em 2013, as demandas de neopentecostais negros e moradores de favelas. Isso porque tal segmento
embora tenha o direito, por lei de realizar práticas religiosas, este tem sido negado no caso das práticas que ocorrem em áreas
protegidas, como em parques nacionais.
Por isto, os processos educativos voltados para o enfrentamento da intolerância religiosa, foram sendo construídos, no
sentido de sugerir políticas públicas focadas no respeito e na criação de Espaços Sagrados que coletivamente pensados e ge-
ridos e legalmente instituídos pudessem abarcar quer o direito aos rituais neopentecostais, quanto à preservação da natureza.
Nessa direção, as atividades de educação ambiental realizadas no âmbito do Projeto Elos da Diversidade voltaram-se
às áreas do Parque Nacional da Tijuca devido a relevante demanda para o uso público religioso de grupos subalternizados9 em
contato com a natureza.
Toda vez que encontramos alguns funcionários do Parque somos abordados [...] eles logo querem
saber o que estamos fazendo na área. No entanto, isto, não ocorre com outras pessoas. Acho que
é o nosso jeito de vestir. Vestimos assim porque somos um povo diferente, um povo separado,
escolhido por Deus! ( Entrevista de neopentecostal ao IGEOG, 2014).
Somos reconhecidos pela roupa que vestimos, pela forma que amarramos nossos cabelos, pelo
modo que falamos, pela bíblia que carregamos e porque somos pobres e não moramos nas pro-
ximidades [...] se fossemos de outra maneira, talvez, o pessoal do Parque não importunasse a
gente (Entrevista de neopentecostal ao IGEOG, 2014).
A partir desses relatos e, também, através de outros depoimentos que por questões éticas não abordaremos aqui con-
cluímos que os “canelas de fogo” são indivíduos e/ou grupos de neopentecostais trabalhadores subalternizados pelo modo de
produção capitalista, moradores de favelas e também da Baixada Fluminense, pouco escolarizados, de maioria negra que se
converteram à “Jesus Cristo” sob circunstâncias vinculadas à questão social, tais como: falta moradia, desemprego, aprision-
amento penitenciário, uso de drogas e demais mazelas sociais.
Daí a necessidade de buscar contato com o Sagrado em espaços retirados, como no Setor Pretos Forros e Covanca,
em áreas do Parque Nacional da Tijuca para enfrentar as condições subalternas que estes grupos sociais atravessam. Daí a
importância Sagrada e também social desta área11.
Regulação do equilíbrio hídrico, controle de erosão, regulação climática e manutenção dos cursos e mananciais de água potável.
10
Estes dados foram obtidos por meio de pesquisa elaborada no âmbito do projeto Elos de Diversidade, com aplicação de questionários com os usuários do Monte
Cardoso, entre 2013 e 2104, como parte do processo de Educação Ambiental.
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Nestes espaços seus rituais consistem em orações, jejuns, batismo nas águas, queima do pedido de oração em rochas,
aterramento de recipientes de azeite em busca da unção divina, o que os configura religião com fortes vinculações com a na-
tureza. Tal condição nos leva a dizer que os “canelas de fogo” tem interesse na preservação da natureza, pois, sem está o ritual
não se completa.
Mas, como os parques nacionais, no Brasil, não permitem a permanência de populações humanas dentro de seus espa-
ços, a não ser que sejam visitantes e pesquisadores, a solução inicialmente encontrada pelos preservacionistas, foi à proibição
dos rituais neopentecostais - a partir de 2008, ano em que o Setor Pretos Forros e Covanca passou a ser considerado pelo Plano
de Manejo do Parque Nacional da Tijuca área de recuperação ambiental - seja, por meio de colocação de grades, troncos, ara-
mes farpados, placas sinalizando a proibição e/ou por multas e diferentes formas de coerção. Vide as fotografias abaixo extraídas
da monografia de Silva (2012) que comprovam a violação dos direitos à prática religiosa:
De acordo com Silva (2012) “esta última barreira foi levantada em dezembro de 2011 por ordem do Parque Nacional da
Tijuca, mais uma vez visando impedir a entrada de pessoas na área de preservação florestal”. As estacas da direita, em cor cinza,
já estavam ali, resquício de uma barreira maior, anterior, que fora arrancada parcialmente pelos neopentecostais como forma de
resistência social.
Observamos que, desde 2004, ainda sob a gestão do IBAMA havia resistência neopentecostal no Setor Pretos Forros e
Covanca (Monte Cardoso)12. Neste espaço, os religiosos lutavam em favor da manutenção de suas praticas religiosas frente à
negação do uso sagrado imposta pelo poder público (SILVA, 2012).
De acordo com o Plano de Manejo (2008), - sob a administração do ICMBio -estabeleceram-se mais restrições de uso
de acordo com , as formas de resistência entre neopentecostais e servidores do Parque Nacional da Tijuca se acirram naquela
área da Floresta, o que resulta em “apelo em tom reflexivo” pregado em uma das estacas que compõem a barreira (Figura 2),
deixando clara a relação de conhecimento pelos gestores do parque do uso público religioso desse Setor.
O fiscal do ICMBio responsável pelo Setor Pretos Forros e Covanca, reconhece o fenômeno do “monte sagrado” pelos
evangélicos e as formas de resistência. Segundo suas palavras:
“de seis meses pra cá nós fechamos, aí cortaram de novo. Eu dei ideia de fazer um muro de con-
creto aqui. Fazer um muro de concreto e por trás do muro plantavam [sic] as árvores. O muro ia
manter as mudas crescendo, de maneira que quando tivesse árvore o muro já podia derrubar que
ninguém encostava mais a árvore. Porque se botar muro de árvore normal aqui eles vão cortar a
árvore. Ou senão cabo de aço. Que isso aqui não, isso corta. Se botar cabo de aço grosso, quero
ver. E solda a amarração dele, acabou o problema” (Silva, 2012, p. 25).
Na lógica cartesiana dos conservacionistas, esses religiosos foram nomeados como agressores da natureza, fato que
aponta para duas questões significativas: a primeira diz respeito ao resgate pelo fiscal, mesmo sem a plena consciência do mito
Havia “canelas de fogo” que derrubavam as barreiras colocadas pelos servidores do Parque Nacional da Tijuca e também, os questionavam face a face do motivo
12
A segunda questão é que o Estado por meio de fiscais ignora a existência prévia de regimes de uso comum, relações
afetivas e religiosas de grupos neopentecostais sobre esses mesmos espaços, caracterizando a violação dos direitos humanos
na medida em que, inviabiliza a manutenção dessa tradição religiosas que, segundo estudos realizados pelo IGEOG (2014) são
realizadas há pelo menos 50 anos no Setor Pretos Forros e Covanca e proíbem o uso democrático deste espaço.
Nesse sentido, o Parque Nacional da Tijuca representa um tipo específico de espaço que mesmo, estando no âmbito da
concepção instrumental do Estado de Quijano (1988), institucionalizado mediante decretos e leis, sendo, portanto, terras públi-
cas ignora a democracia quando impede o uso público religioso neopentecostal.
Diante disso, o modelo de gestão e uso do Parque torna-se antidemocrático e contraditório visto que, os fiscais em nome
das leis ambientais e de suas formações pragmática violam as determinações do artigo 5º da Constituição Federal que garante
a livre ritualística para diferentes grupos sociais. Esta mentalidade simplificadora e ideologicamente determinada tem conflitado
com o pensamento religioso dos neopentecostais e tem se constituído em ferramentas de subalternização, divisão de classe
e segregação étnica, tendo em vista o perfil dos cristãos “canelas de fogo”. Aliás, tal noção converge fielmente com os ideais
do modelo conservacionista norte-americano que se espalhou pelo mundo, recriando a dicotomia entre “povos tradicionais” e
“parques”(DIEGUES, 2001).
O caso vivenciado pelos religiosos neopentecostais, “canelas de fogo” no Setor Pretos Forros e Covanca, em áreas do
Parque Nacional da Tijuca demostra que, esses grupos sociais, vulnerabilizados pelo processo de pauperização que assola
uma parcela significativa da sociedade brasileira, têm sido afetados também pela institucionalização e gestão mercadológica
dessa Unidade de Conservação, que foca suas políticas no atendimento aos serviços de visitação turística em detrimento do uso
público religioso.
Dessa maneira, as normas de gestão e de uso dos espaços naturais protegidos no Brasil, sobretudo no caso em nos de-
bruçamos, violam o artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura que todo ser humano tem direito à
liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular (UNIC/
RIO/005, 2009). Sendo assim, as normas do Parque Nacional da Tijuca afetam o modo de vida desses religiosos, suas identidades
culturais que os constituem com seres sociais no espaço em face do mundo homogeneizante atual.
13
Segundo Thiollent (2004, p. 61), esse tipo de pesquisa social tem base empírica e é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução
de um problema coletivo no qual os pesquisadores e participantes estão envolvidos de modo participativo.
14
O estudo de caso é uma modalidade de pesquisa pela qual se tenta compreender fenômenos complexos em curto espaço de tempo, Yin (2005, p. 63).
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O Grupo de Trabalho
Consideramos o grupo que atuou no Projeto Elos da Diversidade como parte do resultado devido às suas particulari-
dades. A primeira diz respeito à inter-relação entre os diferentes saberes e fazeres, tendo vista que, inicialmente, o grupo foi
composto por umbandistas, candomblecista e professores universitários. Observamos que, mesmo diante de um cenário em que
o pragmatismo científico e a racionalidade economicista imperam, provocando a fragmentação das relações socioambientais, a
harmonização e a cooperação entre os atores foram possíveis com vistas a alcançar o objetivo comum.
A segunda particularidade é marcada pela inclusão, em 2013 e 2014, de técnico e de pastores neopentecostais no grupo
de trabalho do projeto. Sendo assim, notamos que as relações foram colaborativas e de respeito à diversidade de saberes e cren-
ças, possibilitando que as ações fossem elaboradas e executadas de maneira coletiva e interdependente.
Além disso, a maturidade das discussões, a seriedade dos segmentos participante dos encontros em saber respeitar o
outro – tomando emprestadas as palavras de Corrêa, Costa & Loureiro (2013) – facilitaram que outras particularidades apareces-
sem: a) de acordo com os religiosos neopentecostais, membros do grupo de trabalho, é fundamental atuar no interior das igrejas
evangélicas. Isso porque há uma parcela de religiosos que, ao realizarem os rituais em áreas do Parque Nacional da Tijuca, de-
gradam o ambiente por desconhecimento da teoria, da prática e da necessidade de conservação. Nesse sentido, destacaram-se
a importância da realização de parcerias entre instituições religiosas e públicas para realização de diálogos e formação, através
de cursos, oficinas, palestras, seminários e elaboração de materiais pedagógicos para os evangélicos “canelas de fogo”; b) é ne-
cessária a mobilização das lideranças e, posteriormente, dos membros das igrejas neopentecostais periféricas para elaboração
de condicionantes e de projetos de intervenção. Assim, é provável que consigam evitar a degradação ambiental, e enfrentar a
intolerância, econômica, étnica e religiosa, decorrente das relações entres fiscais e técnicos dos órgãos ambientais e religiosos
empobrecidos e de pela negra, com o objetivo de constituir e consolidar políticas públicas; c) os neopentecostais “canelas de
fogo” se semelham aos religiosos umbandistas e candomblecistas nas condições econômicas, étnicas, política e, também, nas
desistências de frequentar certas áreas preservadas tal qual o Setor Pretos Forros e Covanca porque há anos ocorrem relações
de intolerância, de coerção e de ameaça de violência por parte do Estado.
Considerações finais
Tendo em vista a necessidade de reflexão sobre a interface entre unidade de conservação, práticas religiosas neopen-
tecostais e direitos humanos o presente artigo analisou as atividades em educação ambiental realizadas no bojo do Projeto Elos
da Diversidade, desenvolvido pela Superintendência de Educação Ambiental da Secretaria do Estado do Ambiente do Estado
do Rio de Janeiro que, em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuaram junto a indivíduos e grupos neo-
pentecostais “canelas de fogo”, na tentativa de possibilitar a proteção da natureza e a manutenção das práticas ritualísticas deste
seguimento social no Setor Pretos Forros e Covanca, em áreas do Parque Nacional da Tijuca.
Isto foi possível a partir de estudos de diferentes fontes bibliográficas referentes as temáticas ambientais e humanas, do
acompanhamento das ações desenvolvidas pelo Projeto e, também, da análise dos dados extraídos por meio de entrevistas. Foi
possível compreender melhor que, se por um lado o modo de pensar e agir conservacionista pode contribuir para que a natureza
se torne mais “intocada”, mais acessível a visitação turísticas mercadológica e mais vinculada a promoção da imagem da cidade
do Rio de Janeiro por meio de divulgação de sua beleza cênica; de outro, esta racionalidade pode negar os direitos humanos, na
medida que desenvolve a intolerância, a discriminação e o preconceito ao lidar com religiosos neopentecostais “canela de fogo”.
Os resultados obtidos apontam para existência de relações dicotômicas entre o modo de pensar-agir da conservação da
natureza e a garantia dos direitos humanos, sobretudo, no que diz respeito à manutenção das práticas religiosas neopentecostais.
Tal fragmentação se dá particularmente com o fechamento, multas e coerções intolerantes impetradas contra o segmento social
que tratamos nesta abordagem.
É nesta perspectiva de conservação ambiental que se reproduz o pensamento científico e econômico do mundo atual. É
em Unidades de Conservação, como no caso do Parque Nacional da Tijuca, que se materializam as normas e formas de fiscali-
zação que em nome da dicotomia ser humano x natureza e do mercado turístico. São nestes espaços que o direito às práticas
religiosas neopentecostais realizadas por negros empobrecidos são violados. Porém, também, são em espaços com esses que
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os religiosos que resistem à intolerância, ao preconceito econômico e à “discriminação de cor” (VIGEVANI, OLIVEIRA, LIMA
2008, p 31). Portanto, é através do Projeto Elos da Diversidade que surge a oportunidade de pensar o espaço natural também a
partir do olhar dos neopentecostais “canelas de fogo”, que em muito diferem dos evangélicos detentores dos recursos econômi-
cos e do poder político no Brasil.
Dessa maneira, notamos também através dos resultados que a partir de uma visão de educação ambiental integradora e
libertadora é possível diluir o pragmatismo científico e os conflitos entre as diferentes percepções religiosas, tendo em vista que,
isto foi possível no Âmbito do Projeto Elos da Diversidade que findou no último mês de 2014 por falta de recursos financeiros para
a realização das atividades.
Finalmente, considerando que há necessidade da manutenção das práticas religiosas neopentecostais “canela de fogo”
no Parque Nacional da Tijuca destacamos que é fundamental a criação de políticas públicas que fomentem a inserção da ra-
cionalidade dos direitos humanos no campo ambiental, através de cursos e oficinas para gestores e fiscais e, sobretudo, como
regras no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) a fim de que a gestão das áreas naturais protegidas seja
tolerante e respeite o uso democrático, criando condições de fato à realização desta ritualística.
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Resumo
O arquipélago de Currais está localizado no Estado do Paraná e é uma área desabitada com pouca ou nenhuma interferência
humana. Em junho de 2013, o projeto de lei que cria um Parque Nacional Marinho no local foi sancionado (Lei n.º 12. 829); esta
categoria de Unidade de Conservação proíbe qualquer tipo de atividade com exceção de turismo ecológico ou pesquisas cientí-
ficas. O presente trabalho pretendeu analisar o processo de criação do Parque e a nova realidade da região, especialmente os
conflitos socioambientais gerados à comunidade pesqueira. A partir das informações coletadas através de reuniões e entrevistas
semiestruturadas com informantes-chaves, os principais impactos observados foram a perda de área de pesca de espécies de
safra e a perda de usos não materiais. Em uma tentativa de eventualmente auxiliar a gestão, considera-se que a inclusão da co-
munidade pesqueira nas tomadas de decisões futuras é essencial.
Palavras-chave: Parque Nacional Marinho de Currais, Unidade de Conservação, Conflitos Socioambientais, Pesca e Gestão.
Introdução
Contextualização
Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), os Parques Nacionais são Unidades de Conservação
(UC) de proteção integral, que tem como objetivo preservar os ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica. Ao mesmo tempo, possibilita a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e
interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Cabe ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) executar as ações do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UC instituídas pela União. Criado
em 2007, pela Lei 11.516, o ICMBio é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(Sisnama) (ICMBIO, 2015).
Entretanto, não é apenas o SNUC a política pública que atua sobre as Unidades de Conservação no Brasil. As áreas marinhas
protegidas também recebem atenção de tratados internacionais como, por exemplo, a Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB.
Em 2010, durante a Conferência das Partes (COP10), da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), realizada na
cidade de Nagoya, no Japão, foram estabelecidas novas Metas Globais de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020. O Brasil
aceitou cumprir as propostas da Conferência, e estas se transformaram em Metas nacionais através do Conselho Nacional da
Biodiversidade. Dentre as questões ambientais abordadas, as áreas protegidas estão incluídas e recebem destaque na meta 11
que estabelece:
Meta 11. Até 2020, que pelo menos 17% das áreas terrestres e de águas continentais e pelo menos
10% das áreas costeiras e marinhas, especialmente áreas de particular importância para a biodi-
versidade e para os serviços ecossistêmicos, sejam conservadas por meio de um sistema de áreas
protegidas efetivamente e equitativamente manejadas [...] (CONABIO/MMA 2013).
Apesar de ser fundamental – e inquestionável – a necessidade de criação de áreas protegidas, a localização dessas UC
deve considerar não apenas atributos naturais e ecológicos, mas também as relações entre sociedade e ambiente de uma deter-
minada região. Esta abordagem propicia a efetiva conservação e também evita que a implantação de Unidades de Conservação
seja fonte de inúmeros conflitos socioambientais, principalmente no interior ou entorno de Parques, como se observa em algumas
regiões (CONTI; ANTUNES,2012). Nogueira (2009) destaca que o atual aumento da visibilidade dos estudos etnoecológicos
na conservação ambiental, reitera a necessidade de envolver as práticas sociais, os usos e significados atribuídos ao meio nas
Figura 1. Mapa do Litoral do Paraná. Figura 2. Arquipélago de Currais. Fonte: Associação MarBrasil.
Fonte: (Carniel and Krul, 2010) Adaptado.
O arquipélago de Currais está localizado em frente aos municípios de Matinhos e Pontal do Paraná e é composto por três
ilhas oceânicas: Grapirá, Três Picos e Filhote. Possui uma rica biodiversidade de aves marinhas, sendo um importante local para
nidificação, e possui a natureza em sua forma natural, por conseguinte, uma área desabitada com pouca ou nenhuma interferên-
cia humana, especialmente em sua área emersa (Figura 2).
No ano de 2006, o arquipélago de Currais foi indicado pelo Projeto de Conservação e Utilização sustentável da Diversi-
dade Biológica brasileira (PROBIO), do Ministério do Meio Ambiente, como área prioritária para conservação da Mata Atlântica
e dos Campos Sulinos, na categoria de área de extrema importância biológica. Ainda, por conta dessas características em 20 de
junho de 2013 foi sancionada a lei federal n°12.829 que cria o Parque Nacional Marinho de Currais (ParNaMar Currais).
Antes mesmo da criação do ParNaMar Currais, o Projeto Currais vem sendo desenvolvido como objetivo de buscar infor-
mações através de pesquisas científicas sobre a fauna marinha e formas de uso no Arquipélago de Currais. Através da análise
das informações obtidas pretende-se compreender melhor a dinâmica sócio-ecológica da região e vislumbrar o futuro manejo
participativo para a área. A partir das pesquisas realizadas ao longo do projeto foram identificadas 144 espécies da comunidade
incrustante e 29 espécies da ictiofauna, sendo duas espécies de recursos pesqueiros de valor comercial: budião (S. frondosume)
e peixe-cirurgião (A. chirurgus).
Foram observadas também diferentes formas de uso no entorno do arquipélago, como: pesca esportiva, caça submarina,
passeio e pesca artesanal. O arquipélago é utilizado pelos pescadores artesanais da região, principalmente pelas comunidades
de Matinhos, Shangri-lá, Ipanema, Canoas, Barrancos, Atami e Pontal do Sul. Segundo levantamento feito pelo método de avista-
gem no arquipélago de Currais, de 67 embarcações, avistadas na região durante o período de estudo, 44 realizavam atividades
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de pesca. Os pescadores afirmaram utilizar a região para a pesca de tainha (Mugil spp.), cavala (Scomberomorus spp.) e sal-
teira (Oligoplites spp.), principalmente durante o outono e o inverno. Esse período pode ser considerado o “período de safra”
dessas espécies. No litoral paranaense, a atividade pesqueira é considerada artesanal, com alguns polos semi-industriais, pos-
suindo importância para a economia regional (ANDRIGUETTO FILHO et al.,2006 apud MEDEIROS; AZEVEDO, 2015).
Considerando o panorama de que o ParNaMar de Currais, o qual tem o objetivo de proteger uma área de interesse para
conservação da biodiversidade, localiza-se em uma região onde usos tradicionais e não-tradicionais ocorrem simultaneamente
é de extrema relevância identificar os principais conflitos gerados a partir de sua criação, devendo-se ter especial atenção à
comunidade pesqueira do litoral do Paraná.
Objetivo
O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de criação do Parque Nacional Marinho de Currais, seguindo
a regulamentação da Lei nº 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e analisar a
nova realidade da comunidade que vive na região ou no entorno de Currais, identificando os conflitos e os possíveis impactos
sociais da criação do Parque Nacional Marinho de Currais.
Metodologia
Para a análise do processo de criação do ParNaMar Currais, foi realizada uma pesquisa documental (SÁ-SILVA, ALMEI-
DA; GUINDANI, 2009) constituída por revisão bibliográfica, especialmente das legislações aplicáveis e do processo de criação
disponível em fontes oficiais (Câmara e Senado Federal). Os documentos e legislações foram lidos e uma comparação foi feita
observando-se a existência ou inexistência de documento comprobatório da etapa prevista em lei.
Ainda para confirmar as informações observadas em pesquisa documental, realizou-se a validação das informações du-
rante uma reunião que envolveu a participação de três grupos de atores sociais que estão relacionados ao parque: a comunidade
pesqueira, comunidade científica e o órgão gestor do parque. Essa mesma reunião serviu para o logro do outro objetivo desta
pesquisa.
Para a compreensão da nova realidade local, diferentes técnicas foram utilizadas. As formas utilizadas para obtenção
de informações foram reuniões e entrevistas semiestruturadas com ênfase em (i) apresentar o Projeto Currais, já que alguns
pescadores associam a criação da UC com o Projeto, (ii) discutir assuntos envolvendo a criação do Parque Nacional Marinho de
Currais e (iii) identificar possíveis conflitos gerados pela criação da UC, principalmente para a comunidade pesqueira. A reunião
foi gravada e todas as contribuições dos diferentes grupos envolvidos foram consideradas para posterior análise e edição de um
pequeno vídeo-documentário sobre o encontro.
Cada grupo foi convidado para participar da reunião utilizando o método mais adequado de comunicação. Os gestores
do ICMBio foram contatados através de e-mail e por meio de ofício; as comunidades pesqueiras contatadas através de ligações
telefônica se os representantes das demais comunidades e pesquisadores foram contatados através de e-mail. A apresentação
do projeto foi feita através de apresentação oral com auxílio de slides em Powerpoint, e as discussões foram feitas de forma livre,
onde cada indivíduo ou grupo expressava-se sem determinação de tempo e sem ordem definida de fala. A partir dessa reunião,
sistematizaram-se as principais opiniões dos grupos presentes sobre a nova realidade da região.
O segundo método utilizado, para mapear e compreender os principais conflitos gerados pelo ParNaMar, foi a pes-
quisa participativa. Dentre as diferentes técnicas de coleta, análise e divulgação de dados que a pesquisa participativa oferece,
utilizaram-se as entrevistas semiestruturadas com informantes-chaves (SEIXAS, 2005).
As informações a serem coletadas foram definidas com base na experiência prévia da reunião. As questões foram ela-
boradas e buscou-se enunciar questionamentos claros e diretos sem a utilização de termos técnicos, procurando facilitar a com-
preensão por parte dos entrevistados. O objetivo foi buscar a aproximação da linguagem a do público entrevistado e também
otimizar o tempo de trabalho em campo. As questões das entrevistas buscavam obter informações que a comunidade adquiriu
ao longo dos anos em que praticou a atividade de pesca em torno do arquipélago como: conhecimentos ecológicos e conheci-
mentos sobre a atividade pesqueira ao redor do arquipélago, especialmente aqueles adquiridos em seu cotidiano.
Definiram-se as comunidades pesqueiras de Matinhos (Matinhos – PR) e de Barrancos (Pontal do Paraná – PR) para a
realização das entrevistas. Estas comunidades foram selecionadas, pois foram identificadas nas atividades prévias de campo e
Resultados
A criação do Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais
De Projeto de Lei a Lei Federal
O Projeto de Lei da Câmara nº 60, de 2003 (PL nº7.032, de 2002, na origem), que cria o Parque Nacional Marinho das Ilhas
dos Currais foi apresentado pelo então deputado estadual do Paraná, Luciano Pizzatto, no ano de 2002, conforme a justificação
contida no projeto:
O projeto de lei esteve em tramitação no poder legislativo durante onze anos. Quando estava na Câmara dos Deputados,
o projeto passou por duas comissões. Primeiramente, foi aprovado em 27 de novembro de 2002 pela Comissão de Defesa do
Consumidor – antiga Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, que foi desmembrada em 2004 –tendo
como relator o ex-deputado José Borba. Em 11 de dezembro de 2002, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, sendo o ex-deputado estadual Osmar Serraglio, o seu relator. Em seu parecer pela constitucionalidade, juridicidade
e técnica legislativa, Serraglio propôs a única emenda do projeto, na qual opinava que os artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º deveriam ser
suprimidos, passando o 8º a constituir o 3º. Posteriormente, o projeto foi encaminhado para o Senado Federal, passando também
por outras duas comissões. Passados 7 anos, foi aprovado em 15 de julho de 2009, pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania; o relator foi o ex-senador Osmar Dias. Foi então enviado à comissão temática “Comissão do Meio Ambiente, Defesa
do Consumidor e Fiscalização e Controle”. Após aproximadamente 4 anos, o projeto foi aprovado em 05 de março de 2013 tendo
o Senador Cristovam Buarque como relator. Com isso, o projeto de lei foi enviado para a votação no Plenário do Senado, em
maio do mesmo ano, onde foi aprovado por unanimidade. Em 20 de junho de 2013, a presidente da República, Dilma Rousseff,
sancionou o projeto de lei e foi criado o Parque Nacional Marinho na região (Lei nº 12.829/2013).
Como a emenda proposta pelo deputado Serraglio foi aprovada, a lei que cria o PARNA Currais passou a ser constituída
por apenas três artigos. O Art. 1º determina a criação e os limites da UC, que formam um quadrilátero e abrangem todo o arqui-
pélago além de uma extensa área marinha (Figura 3). O Art. 2º define que a UC:
[...] tem por finalidade proteger os ecossistemas das Ilhas dos Currais, bem como os ambientes
marinhos dos limites do seu entorno, permitindo ainda a proteção e controle de relevantes áreas
de nidificação de várias espécies de aves e de hábitat de espécies marinhas (Lei 12.829/2013).
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Por fim, o Art. 3º determina que a lei entra em vigor na data de sua publicação.
[...] a área de oceano incluída nos limites do Parque, a mesma permite a existência de uma zona de
proteção entre as Ilhas e a região de uso público, incluindo pedras, lajes e outras formas naturais
onde existe variada fauna aquática. Sua porção maior em direção oposta a costa deve-se ao fato de
nesta área existirem estruturas de Recifes Artificiais instaladas há vários anos, na fase de pesquisa
do Projeto, onde já vivem de forma permanente raros exemplares de “meros”, peixes com várias
centenas de quilos, que adotaram as estruturas como excelente área de convivência.
Como já mencionado e apesar do número de trabalhos apresentados acima, não foram encontrados estudos conduzidos
especificamente para embasar a criação da PLC da UC na região. Apenas o mesmo relatório final do Projeto RAM – Recifes
Artificiais Marinhos tem em seu título o termo “Parque”2 Marinho.
Seguindo o procedimento de confirmação, o ex-deputado Luciano Pizzatto foi questionado sobre a realização dos estudos
técnicos para o estabelecimento dos limites do ParNaMar. O ex-deputado reiterou que o princípio do Parque veio com o Projeto
RAM – Recifes Artificiais Marinhos (executado pelo Instituto Ecoplan) – que difere do atual Programa REBIMAR (executado pela
Associação MarBrasil) – e que o Centro de Estudos do Mar da UFPR embasou a parte científica. Ele ressaltou ainda que a ideia
seria uma área de exclusão entre os arquipélagos de Itacolomi e Currais. Entretanto não mencionou quais estudos embasaram
efetivamente os limites.
Ainda como forma de compreender o processo de estabelecimento dos limites do Parque durante a reunião ocorrida na
CEPIAL (opcit), o coordenador da Regional Sul do ICMBio, Daniel Penteado, relatou que o órgão respondeu a notificação do
Ministério do Meio Ambiente sobre criação do ParNaMar de Currais dizendo que esta seria possível, mas alertou que deveria ser
feita com mais cautela, pela ausência de registros de consulta pública e devido a poucos estudos científicos realizados no local.
Sendo assim, os limites da UC e a sua categoria poderiam não corresponder ao que era necessário.
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700
comunidades pesqueiras. Apesar de serem contrárias a UC, as comunidades se mostram dispostas a colaborar com a Gestão
do Parque participando de encontros ou reuniões e compartilhando os seus conhecimentos ecológicos, adquiridos ao longo dos
anos que exerceram a atividade pesqueira na região. Também consideram o turismo no local como uma possibilidade de mini-
mizar os efeitos da criação, refletidos diretamente em sua renda econômica.
As leis que regularizam a pesca têm sido cada vez mais restritivas e o histórico é de formas pouco participativas dos
usuários dos recursos pesqueiros no momento de suas elaborações. Isso dificulta a aceitação das normas, além de tornarem a
maior parte das atuações ilegais. Por esse motivo, muitas vezes alguns pescadores acreditam que há o fornecimento das infor-
mações adquiridas nas pesquisas – realizadas tanto por universidades quanto por instituições do terceiro setor– para os órgãos
públicos, que supostamente contribuem para as restrições instituídas. No caso deste ParNaMar, o Projeto Currais é muitas vezes
acusado de ter “apressado” a sua criação ou ter algum tipo de ligação com o projeto de lei; a figura 4 mostra como esta afirmação
é infundada, já que a proposta da UC na região antecede até mesmo a criação de algumas das instituições responsáveis pelo
projeto de pesquisa3.
Figura 4. Linha do tempo com o ano de criação do projeto de lei que cria o PARNA Currais, do SNUC, do ICMBio e
das instituições envolvidas no Projeto Currais. Fonte: elaboração própria.
Discussão
O longo prazo de tramitação – 11 anos – para a aprovação do projeto de lei que cria o PARNA Currais é um fator que
dificulta tanto a recuperação de informações do processo, quanto para considerar a participação popular efetiva. Com o pas-
sar do tempo, a dinâmica de uma população local para extrair os recursos naturais de uma determinada região pode se alterar,
devido a questões políticas, ambientais, sociais e econômicas (por exemplo, como determinados tipos de pesca podem passar
a ser proibidos e outros passam a ser utilizados, os recursos pesqueiros extraídos no momento da consulta podem ser diferentes
dos que são extraídos hoje e etc.). Portanto, mesmo que tenha ocorrido à consulta pública no ano de 2002, o planejamento feito
a partir do debate realizado naquele momento, caso tenha ocorrido, pode ser pouco eficaz, pois talvez não esteja de acordo com
a realidade atual do arquipélago.
A consulta pública no momento da elaboração da proposta da UC é indispensável, mas dependendo do modo como é
realizada também não resultará em um bom planejamento para a área. O ideal é que estejam inseridos neste processo, prin-
cipalmente, os usuários dos recursos naturais da região e outros atores com potencial para serem afetados com a sua criação.
Apesar de a legislação ambiental ser favorável a participação pública, tem sido recorrente a ausência da sociedade civil
na criação, implantação e gestão das UC. Algumas diretrizes definindo como devem ocorrer as consultas públicas foram criadas.
Atualmente existem duas instruções normativas (IN) do ICMBio, a de 18 de setembro de 2007 e a de 15 de maio de 2008, que
definem a forma de realização de encontros e sua finalidade.
A ausência de estudos específicos para a criação de UC pode trazer dificuldades para sua gestão e ainda gerar conflitos
socioambientais que poderiam ser evitados. A criação de UC só desencadeará menos conflitos socioambientais se ocorrer com
os devidos procedimentos de análise técnica e consulta pública, sendo os seus objetivos claros e precisos, e suas características
de acordo com os usos que ocorrem na região.
Em relação à nova realidade da região, uma vez que as espécies de peixes mais pescadas são migratórias, e que estas
podem ser encontradas em áreas externas aos limites do Parque Nacional Marinho, infere-se que o arquipélago é um ponto de
concentração que facilita a captura, mas não é um ponto exclusivo dessa prática de pesca. Entretanto, o dimensionamento dos
impactos reais sobre as práticas de pesca ainda precisa ser feito. Além disso, o impacto dessas mesmas práticas de pesca sobre
a fauna local, também precisa ser avaliado. Assim promovendo o desenvolvimento socioambiental propriamente dito.
3
O Projeto Currais é Executado pela Associação MarBrasil (terceiro setor), Instituto Federal do Paraná e Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná
(ambas Instituições Federais).
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer à Fundação Grupo Boticário pelo patrocínio do Projeto Currais, ao Instituto Federal
do Paraná, pelo apoio financeiro por meio do Programa de Bolsas de Extensão da Diretoria de Extensão e Políticas de Inclusão
– DIEXT, à Associação MarBrasil pela Execução do Projeto e ao Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná.
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Guedes, Maite Alves1, Pereira, Mauro Braga Costa2 & Brusnello, Leidiane Diniz3
Resumo
A Reserva Extrativista é uma categoria de unidade de conservação criada a partir do pleito dos movimentos sociais para garantir
o reconhecimento do direito ao território das comunidades tradicionais que viviam nas florestas, com destaque para os chamados
seringueiros. Apesar desse histórico e das garantias legais atualmente existentes, a participação desses grupos na gestão das
RESEX, em muitos casos, ainda não é efetiva. A partir do estudo de caso da RESEX Rio Xingu, buscar-se-á contribuir para uma
melhor compreensão de alguns dos espaços de participação atualmente existentes nessa categoria de Unidade e seus limites.
No caso, a gente pensava que era uma coisa e foi outra diferente. (...) A gente pensava, porque
lá no relatório quando se brigou para criar a RESEX se dizia que quem mandava lá dentro era o
ribeirinho e não é, quem manda lá é o Governo. (Morador da RESEX Rio Xingu)
Introdução
As Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas protegidas por lei que, pelas normativas vigentes, trazem a participação
social como parte constitutiva tanto do seu processo de criação, como de sua gestão.
A proposta da categoria de unidade de conservação (UC) Reserva Extrativista nasce no interior do movimento social dos
seringueiros – notoriamente no I Encontro Nacional dos Seringueiros ocorrido em 1985 – e foi efetivada como política pública
através do Decreto Presidencial n. 98.897/1990. Este caminho foi traçado pela luta dos seringueiros por uma reforma agrária
compatível com a territorialização desse grupo, em articulação com o movimento ambientalista internacional que pressionava o
governo brasileiro pelo combate ao desmatamento na Amazônia (ALLEGRETTI, 2008, p. 51).
A Lei 9.985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e normatiza atualmente a gestão
dessas áreas, tem como uma das suas diretrizes gerais a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e
gestão das UC, o que se aplica a todas as categorias previstas. Para a efetivação dessa diretriz, foram criados, no próprio texto
da lei e em normativas posteriores, diversos instrumentos como, por exemplo, a instância do conselho gestor da Unidade. No
caso das RESEX esse fórum tem poder deliberativo sobre os diversos temas relacionados à gestão da Unidade e a participação
de representantes das comunidades é garantida. Diante desse cenário, uma vasta literatura tem tratado da questão de como se
efetivar uma gestão ambiental participativa nas UC, em especial em RESEX, inclusive na forma de manuais de gestão.
Contudo, observa-se, em muitos casos concretos, que a participação social na gestão das RESEX ainda não se dá de forma a
efetivamente reconhecer a autonomia das comunidades tradicionais na gestão desses territórios tal como ambicionado pelos movi-
mentos sociais envolvidos na criação desta categoria de UC. É o que apontam diversos trabalhos de pesquisa sobre essa temática5.
1
Para a história do movimento dos seringueiros ver também, dentre outros: Almeida (2004), Almeida (1993) e Porto-Gonçalves (1999).
2
Ressalta-se ainda a importância da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reconhece aos povos indígenas e tribais, entendidos
também como os povos e comunidades tradicionais previstos na legislação brasileira, não apenas o direito de domínio e posse sobre os territórios tradicionalmente
ocupados, mas também o direito de realizar a gestão dos recursos naturais dessas terras.
3
Ver Neiva et al. (2013) e ARPA; MMA (2009).
4
Sobre o conceito de território, ver Porto-Gonçalves (2012, p. 34): “o conceito de território deixa de ser pensado como a base física de exercício da soberania do
estado, tal como consagrado no direito internacional e sua ciência jurídica e política, e passa a ser visto como o processo de apropriação e controle do espaço
geográfico com seus recursos e suas gentes, revelando as tensas relações de poder que lhes são constitutivas. E como não há apropriação material que não seja
acompanhada por um determinado sentido dado por uma cultura, em outras palavras, como não há apropriação material que não seja ao mesmo tempo simbólica, o
processo de apropriação da natureza é acompanhado, ao mesmo tempo, por uma tensa e intensa luta pelos sentidos a ela atribuídos. Nesse sentido, a natureza e a
cultura são politizadas. Enfim, território é igual à natureza mais cultura através das relações de poder”.
5
Guerrero, Torres & Camargo. (2011), na análise dos processos participativos de elaboração de planos de manejo de Reservas Extrativistas, apontam como limitantes
a priori o fato de os planos de manejo não serem uma demanda advinda das populações e que seus processos de elaboração pecavam, nos casos analisados, tanto
pela falta de conhecimentos prévios sobre as características socioculturais do grupo, como pelo tempo destinado à sua elaboração. Almeida (2004), por sua vez,
aponta claramente a necessidade de as políticas ambientais considerarem a diversidade étnica dos grupos residentes nessas áreas e que detêm formas próprias de
organização e uso do território; para o autor, isso evitaria “o equívoco de reduzir a questão ambiental a uma ação sem sujeito”.
6
A denominação “beiradeiro” é uma categoria nativa, utilizada para autodenominação do grupo. “A nossa tradição é beiradeiro”, declarou um morador. Conforme Brah
(2006), a identidade e a diferença são construídas a partir da subjetividade do grupo, mas também de acordo com determinado contexto e motivação política. Vê-se
na história do grupo a utilização de diferentes categorias identitárias: antes “arigós” e “seringueiros”, “beiradeiros”, e mais recentemente, ribeirinhos e populações
tradicionais.
7
Trata-se da última unidade criada na região conhecida como Terra do Meio, que abriga um conjunto de áreas protegidas que inclui sete unidades de conservação
e oito terras indígenas que, juntas, abrangem mais de onze milhões de hectares (ICMBIO, 2012).
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A unidade de uso de recursos da floresta não é o seringal, e sim a colocação e os grupos domésti-
cos que a constituem. É na colocação que são tomadas as decisões relevantes sobre o volume e a
variedade da produção, o nível de povoamento e a conservação ambiental. [...]
As casas de uma colocação são na maior parte dos casos de chefes de família ligados por laços
de parentesco [...]
Colocações próximas interligam-se por laços de parentesco, casamento, compadrio, cooperação
e comércio. Reúnem-se em mutirões e festas, sem respeitar fronteiras de seringais, e transpondo
mesmo as bacias hidrográficas. (ALMEIDA, 2012, p. 127-130)
Muitos moradores da RESEX dizem que, antigamente, ao invés das “reuniões” realizadas hoje, os encontros entre as
famílias se davam mais nas festas do “beiradão” e em situações de convite de um vizinho para ajudar na roça, no sistema de
troca de dias.8
O sistema de aviamento descrito anteriormente também ainda permanece de alguma forma. Atualmente, os chamados
regatões, que são geralmente parentes dos atuais moradores que vivem em Altamira, adiantam mercadorias em troca principal-
mente do pescado, mas também da castanha e outros produtos.
Com relação a atual estrutura de prestação de serviços sociais presente na RESEX, verifica-se ainda significativa limi-
tação. A primeira escola começou a funcionar apenas em 2010 e o primeiro e único posto de atendimento de saúde existente
iniciou suas atividades em 2014. Ressaltam-se também as dificuldades de comunicação, uma vez que são inexistentes sistemas
de telefonia fixa ou móvel, conexão com internet e também de transporte público. As limitações na garantia desses direitos são
apontadas como os principais motivos para a mudança de moradores para a cidade, conforme relato de uma moradora citando
a questão da educação: “tinha muita gente, mas morreu, outros saíram, porque não tinha escola”.
O presidente da associação, Dicé Viana Nascimento, diz que eles são contra a RESEX pela ex-
periência vivida na região depois da criação de outras reservas, onde a população foi abandonada
pelo governo. “Estamos lá sem assistência, não tem transporte para os doentes”, revelou, infor-
mando que a comunidade fica há mais de dois dias de Altamira, viajando de barco pelo Rio Xingu.
Dicé diz que a maioria das famílias da área rejeita a criação, apesar das investidas do governo e de
Organizações Não Governamentais (ONGs) para que a RESEX seja criada. (LEAL, s/d)
Enquanto isso, alguns moradores denunciavam as ameaças de morte que vinham sofrendo por parte da grileira:
Atual presidente da Associação de Moradores do Médio Xingu, Herculano convive com o risco
da morte desde 2000. Quando os grileiros começaram a invadir sua comunidade, formada por 52
famílias, ele reagiu, denunciando as ilegalidades. Recados ameaçadores não tardaram a chegar.
O primeiro sinal de que as intimidações passariam de meros alertas verbais ocorreu em 2004,
com o incêndio criminoso de cinco casas da região. No último dia 17, veio o ultimato dos grileiros.
Herculano, um sobrinho e um afilhado, este menor de idade, foram abordados por cinco homens
e mantidos presos durante 14 horas. (MARIZ, 2008)
Os anos anteriores à criação da RESEX foram de intenso conflito de interesses pela destinação da sua área atual, que
abrangiam as fazendas que estavam sendo questionadas pelo MPF (MPF, 2008), a ocupação da CR Almeida, além da ação do
próprio Estado e das organizações da sociedade civil que vislumbravam a criação da reserva.9
Assim, com relação à participação social nesse processo de criação da unidade, destaca-se a intensa mobilização dos
moradores e a presença de diversos atores com objetivos, muitas vezes contraditórios, gerando situações de entendimento com-
plexo. Percebe-se que os moradores e as lideranças que se formaram nesse processo, se apropriaram de formas distintas dessa
complexidade, o que gerou em alguns casos certa falta de clareza sobre os interesses reais de cada agente envolvido, conforme
entrevista realizada com uma moradora:
Isso aí é que muita gente fala que disse que ela ia grilando a terra, porque eles pagavam o pes-
soal para ficar, né. [...] Pagavam para ficar, ainda davam o rancho. Eles iam construir casa para
o pessoal lá tudinho, tirar madeira [...]. Um bucado lá ele ajudava. [Pergunta:] Mas qual era o
objetivo do trabalho deles, porque eles queriam ficar aí?
Aí eu não sei o que que é. Eu quase não conversava com eles.
A Associação de Moradores
A criação da Associação de Moradores do Médio-Xingu (Amomex) começa a ser discutida no momento de maior conflito
entre a empresa CR Almeida e os atuais moradores da RESEX. Atendendo a uma orientação do Ibama e de outras entidades que
atuavam na região para a criação da unidade, começa a ser formada a associação como uma estratégia para unir os moradores
em torno da ideia de criação da unidade e também como uma necessidade formal de representação coletiva desses moradores.
Nenhuma entidade deste tipo existia até então no âmbito do conjunto de famílias beiradeiras do médio rio Xingu.
9
A postergação da criação da RRX em relação às demais UC da região levou a considerações sobre outros possíveis conflitos de interesse no Governo, como o, à
época, projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte (ISA, 2008).
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A Amomex, no seu processo de criação, teve uma composição diretiva provisória e, desde a sua formalização em 2009,
passou por três diretorias diferentes, sendo a mais recente eleita em maio de 2013. Entre essa última eleição e o início de 2014
ainda não havia sido realizada nenhuma assembleia ordinária e a diretoria não se reunia com frequência. A associação não tem
significativa arrecadação própria, apesar de prevista a obrigatoriedade de contribuição dos associados no seu estatuto. As ativi-
dades que têm realizado ultimamente são financiadas através de projetos previstos no Plano de Desenvolvimento Regional Sus-
tentável do Xingu (PDRS-Xingu), apresentados e implementados com a assessoria do Instituto Socioambiental (ISA). A associa-
ção ainda não tem uma sede, seja na RESEX ou na cidade, e não tem nenhum tipo de estrutura administrativa. A gestão dos seus
documentos, como estatuto social e atas de reunião, ainda é feita com o apoio de instituições parceiras, como a ISA e o ICMBio.
Durante atividades de capacitação da Amomex realizadas pelo ICMBio em parceria com o Conselho Nacional das Popu-
lações Extrativistas (CNS) ao longo do primeiro semestre de 2014, pôde-se compilar algumas dificuldades para a gestão da
associação apontadas pelos moradores que nos ajudam a entender o seu estado atual. Destacam-se os seguintes pontos: a
falta de união entre os moradores e diretores da associação; dificuldades de comunicação e de acesso à informação; falta de
entendimento e compromisso dos moradores; falta de participação nas decisões sobre os projetos e pesquisas realizados na
unidade; dificuldades para gestão de projetos e dos bens da associação; falta de acesso a políticas públicas, em especial de
saúde e educação.
Com relação à estrutura de comunicação, já descrita anteriormente, foi possível identificar que as limitações hoje exis-
tentes e as grandes distâncias entre as casas dos moradores e também com o centro urbano, são importantes gargalos para a
atuação atualmente exigida da associação de moradores.
Já as questões relacionadas à falta de união, entendimento e compromisso dos moradores parecem remeter, em parte,
às dificuldades enfrentadas atualmente para a organização política dentro dos modelos impostos. A reunião do grupo em torno
da discussão de temas que dizem respeito ao direcionamento de suas vidas em âmbitos de decisão coletiva como a associação
e o conselho ainda é algo recente. Assim, não são espaços a que todos os moradores buscam participar. Da mesma forma, exis-
tem novas regras e uma nova forma de agir nas relações, o que muitas vezes tem gerado situações de conflitos, como visto nas
declarações de uma moradora:
Só que era um pessoal unido [antes da criação da RESEX], eu não sei que agora virou tudo de
cabeça para baixo.
Só que hoje em dia, devido à RESEX também, tá tendo mais conflito, sei lá, eu digo que é. Mas só
que as pessoas não entendem o que o pessoal vai lá para fazer, as visitas, ele explica, [mas] eles
não tão entendendo o que é.
Da mesma forma, pela representação política estar ligada à relação com a “cidade”10, mais restrita à atuação das lider-
anças, e pelas dificuldades relacionadas aos processos formativos no interior da unidade para lidar com os novos instrumentos
de ação política previstos, aqueles que conseguiram ter uma experiência durante o processo de criação da RESEX acumularam
um capital político11 que os colocou em um patamar muito diferente dos demais moradores. Tal fato é exemplificado também na
existência de lideranças que são pouco contestadas em um ambiente de reunião, mas que nos espaços de conversa são muito
criticadas, conforme constatado nas oficinas. Essas lideranças desenvolveram habilidades para atuar nesses novos espaços e
têm pouca concorrência para disputa do campo político nesses novos termos.
Sobre esse aspecto do papel da liderança e da “profissionalização” da representação política, percebe-se ainda que as
exigências de participação nas reuniões da cidade têm gerado um distanciamento de certos diretores da Amomex em relação
aos demais moradores, conforme identificado pelos participantes das oficinas. Essa relação mais intensa com a cidade do que
com os moradores em si leva também ao questionamento do quanto a legitimidade da atuação de alguns diretores está fundada
nas suas bases de representação ou nas relações que são mantidas com esses novos espaços externos e principalmente com
os atores que detém certo poder de atuação na RESEX, como o ICMBio e ONGs. Tais relações de poder e autoridade são pro-
10
A relação com a “cidade” nesse caso pode ser traduzida como a relação com as instituições de apoio, como o ICMBio e ONGs, mas também com os órgãos do
Estado de prestação de serviços básicos, como saúde e educação.
11
Para Bourdieu (2012, p. 164), “a concentração do capital nas mãos de um pequeno grupo é tanto menos contrariada e, portanto tanto mais provável, quanto mais
desapossados de instrumentos materiais e culturais necessários à participação ativa na política estão os simples aderentes – sobretudo, o tempo livre e o capital
cultural”.
O Conselho Deliberativo
O conselho deliberativo é o fórum de tomada de decisão que reúne órgãos governamentais, entidades da sociedade civil
e representantes comunitários. Conforme o Decreto Presidencial n° 4.340/2003, é competência do CD decidir e acompanhar os
diferentes aspectos da gestão da unidade, como o processo de elaboração do plano de manejo, a autorização de empreendi-
mentos e atividades potencialmente poluidores, a gestão financeira do órgão executor e a relação com a população do interior e
entorno da unidade.
Atualmente, o conselho da RRX, criado em 2010 e renovado em 2013, é formado por oito cadeiras de representações
comunitárias, três cadeiras de entidades da sociedade civil e cinco cadeiras de representações governamentais, totalizando 16
membros. No caso desse conselho, as reuniões ordinárias devem ocorrer duas vezes ao ano, segundo seu regimento interno.
Desde 2012, o ICMBio tem buscado construir o seu planejamento anual com base no Plano de Ação elaborado no con-
selho, na tentativa de aproximar a realidade da gestão do órgão às demandas discutidas e apresentadas nesse fórum. Contudo,
a atuação do conselho ainda tem se restringido aos momentos de reunião que, pela quantidade realizada e prevista no seu
regimento, tem possibilitado pouco tempo de discussão sobre a diversidade de temas que envolvem a gestão da Unidade. As
autorizações de pesquisa e o monitoramento de projetos, por exemplo, são dois assuntos sobre os quais os moradores têm
demandado mais discussão, mas que não conseguem ser totalmente tratados no espaço do conselho, como seria preferível,
ficando, ao invés disso, em parte a cargo da gestão do ICMBio.
No funcionamento do conselho, é possível identificar ainda certa confusão sobre o papel das instituições e fóruns que
atuam na RESEX. Em reunião realizada em dezembro de 2014, foi claro, por exemplo, o desconforto dos conselheiros ao terem
que decidir sobre o tema da entrada de um novo morador na RESEX que já havia sido analisado pela assembleia geral da as-
sociação de moradores, mas que o Plano de Manejo da unidade indicava que deveria passar pela apreciação final desse fórum.
Após reunião restrita aos conselheiros comunitários, realizada por iniciativa dos mesmos, foi decidido que tal matéria voltaria à
assembleia e que a decisão dessa instância seria acatada pelo conselho.
É perceptível, ademais, uma tendência a delegar ao conselho a resolução de todos os conflitos existentes nesses territó-
rios. A ausência histórica do Estado na prestação dos serviços básicos contribui para que toda a demanda reprimida de acesso a
direitos seja direcionada em um primeiro momento às instituições que atuam no local e ao conselho. Contudo, como a resolução
de grande parte dos temas muitas vezes não é de competência das instituições presentes nas reuniões e como o atendimento
das demandas de acesso aos serviços estatais se dá de forma lenta, fica muitas vezes a sensação de que poucos dos problemas
levados ao conselho são realmente resolvidos. Analisando a ata da primeira reunião ordinária realizada, por exemplo, pode-se
verificar que das sete deliberações finais direcionadas aos diferentes órgãos competentes apenas a implementação das escolas
foi atendida e mesmo assim quatro anos depois desse encontro.
Gera-se, assim, um desgaste desse instrumento, sentido principalmente pelas lideranças comunitárias participantes
desse espaço. Todas as deliberações discutidas no conselho e que são levadas às famílias, mas que não são efetivadas, levam
à perda de credibilidade dos representantes. O desânimo decorrente é notado nos casos de desistência de conselheiros comu-
nitários. Em 2012, por exemplo, três representantes pediram desligamento por carta, alegando que o trabalho que realizavam
“não adiantava de nada”. Da mesma forma, em 2014, um conselheiro pediu demissão afirmando que “a nossa palavra não está
valendo mais”.
A criação do conselho inaugura também uma nova forma de resolução dos conflitos existentes no interior da própria
comunidade, que passa a conviver e, em alguns casos, tenta substituir os modos antigos de resolução. Os servidores do ICMBio
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recebem, por exemplo, muitos casos de conflitos por áreas de uso entre os beiradeiros, o que antes dependia em geral do acordo
entre os envolvidos, como presente na fala de um morador entrevistado que reclamava sobre o uso de área de seus castanhais
por outros moradores: “Aí é como diz a história, hoje é pecado matar gente ruim, naquela época não era. Aí, hoje, depois que
o Governo criou a RESEX, agora todo mundo deita e rola por cima dos outros. Antigamente não, todo mundo respeitava todo
mundo”.
Parece, nesses casos, encontrarmos alguns elementos do processo civilizador analisado por Elias (1993) ao descrever as
mudanças da sociedade medieval para a moderna:
A interdependência mais estreita de todos os lados, a pressão mais forte vinda de todas as di-
reções, exigem e instilam um auto-controle mais uniforme, um superego mais estável e novas
formas de conduta entre as pessoas: os guerreiros tornam-se cortesãos (ELIAS, 1993, p. 224-225)
No caso dos moradores da RRX, podemos perceber que a maior presença do Estado passa a realizar uma pressão maior
sob as condutas e a imposição de determinadas formas de resolução dos problemas. Muitas dessas já estavam previstas em lei,
mas não eram adotadas tendo em vista o distanciamento das estruturas estatais de controle, e outras surgiram com a criação da
RESEX. Os moradores que antes tinham na unidade familiar o âmbito principal de tomada de decisão sobre a sua vida prática,
passam a se ver em fóruns de planejamento das ações da RESEX e também do território mais amplo das áreas protegidas da
região, com outros moradores e atores diversos, aumentando as suas redes de relações, o que também passa a exigir um modo
de conduta específico.
Ainda sobre o espaço do conselho, são notórias também as limitações intrínsecas ao modelo adotado. No âmbito federal,
o presidente do conselho é sempre um gestor do ICMBio, conforme normativa dessa Instituição (ICMBIO, 2010). O acúmulo
da função de servidor público, muitas vezes envolvido também na tarefa de fiscalização direta nas unidades, e de presidente de
um espaço que objetiva a participação cidadã, pode criar um constrangimento ético para o servidor, dividido entre a posição
institucional e do espaço coletivo, mas também certo acanhamento dos demais atores em colocar livremente suas posições, pela
autoridade imbuída na figura do servidor, conforme também identificado por Gohn (2004) no estudo dos conselhos municipais.
Além disso, muitos dos conflitos existentes em UC estão relacionados com a atuação do próprio órgão gestor, que também influ-
encia nas relações de poder endógenas dos grupos sociais locais, como citado anteriormente.
Ainda utilizando a análise de Gohn (2004), para o bom funcionamento dos conselhos gestores é apontada pela autora a
necessidade de um fluxo contínuo entre os representantes das comunidades participantes e suas bases, além de um reveza-
mento dessas lideranças. Contudo, tal tarefa torna-se limitada naqueles locais onde a formação política de base das comuni-
dades para atuação nos modelos atuais de participação social não ocorreu anteriormente e subsistem outras formas de decisão
coletiva, como é o caso da RRX.
Considerações Finais
Vimos assim, que existe um caminho histórico de luta e uma orientação legal que garante às comunidades tradicionais a
participação social na gestão do seu território. Contudo, pela experiência da RRX, vimos também que, na prática, ainda existem
diversos obstáculos para tornar essa participação efetiva, a começar pelas limitações dos próprios instrumentos disponíveis.
A história dos moradores dessa unidade mostra como a empresa seringalista influencia a conformação da ocupação do
território e a organização social do grupo até os dias de hoje. Esse contexto, conjugado com a ausência histórica do Estado na
oferta de serviços básicos de saúde e educação – dentre outros – marcou a organização política do grupo e o próprio processo
de criação da RESEX.
A figura do conselho e da associação de moradores surge nesse contexto como algo estranho à organização sociopolítica
dos moradores. A associação foi criada por requisito do Estado para reconhecimento de uma representação daquela coletivi-
dade, sem envolver uma demanda das famílias por instrumentalizar uma organização política já existente. Da mesma forma, o
conselho foi imposto pela legislação vigente como um dos instrumentos de gestão do território para implementação da RESEX.
Surge, assim, nesse processo, por imposição do Estado, uma nova territorialidade beiradeira e, no seu bojo, novas for-
mas de lidar com os conflitos presentes. Para além do espaço político preexistente das colocações, certas decisões serão discu-
tidas em espaços mais amplos, envolvendo os moradores de toda a RESEX. Da mesma forma, surgem novas formas de decidir
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Destéfani, Homero Luiz¹; Luiz Francisco, Faraco, Ditzel² & Medeiros, Rodrigo Pereira³
1. Universidade Federal de Santa Catarina, h.destefani@gmail.com 2. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/
Estação Ecológica de Guaraqueçaba, luiz.faraco@icmbio.gov.br 3. Núcleo de Ensino em Sistemas Pesqueiros e Áreas Marinhas
Protegidas/ Centro de Estudos do Mar/ Universidade Federal do Paraná, verdesfilmes@gmail.com
Resumo
As unidades de conservação marinho-costeiras têm se revelado como espaço importante para a gestão pesqueira e representam
uma alternativa ao ineficiente modelo de gestão desse setor. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivos: identificar
as relações sociais entre os atores durante um período de atividades da Câmara Técnica de Pesca (CTP) compartilhada pelos
conselhos das unidades de conservação federais do litoral norte do Paraná, e identificar, nesse espaço de discussão, as pos-
sibilidades e obstáculos para a promoção da gestão participativa. Foram aplicados questionários com os atores para identificar
como era o cenário da CTP e como eram as relações sociais entre eles. Os pontos positivos e negativos identificados nesse
estudo podem contribuir para que os instrumentos gerados pelas unidades de conservação possam ser mais eficientes e auxiliar
na gestão pesqueira no litoral paranaense.
Introdução
As áreas marinhas protegidas, além do seu papel na promoção da conservação da biodiversidade, têm se revelado como
espaços importantes para a gestão pesqueira (ANGULO-VALDES; HATCHER, 2010). Desta forma, ampliam-se os objetivos de
gestão, incluindo a manutenção e proteção dos modos de vida dos usuários dos recursos pesqueiros, e outras dimensões huma-
nas (CHARLES; WILSON, 2009).
No Brasil, as áreas marinhas protegidas, devido a sua importância para a gestão pesqueira, representam uma alternativa
ao ineficiente modelo de gestão pesqueira no país (SEIXAS; KALIKOSKI, 2009). Essa situação permanece, apesar de um novo
modelo onde a participação tem sido melhor definida, porém, com limitações quanto à sua aplicação (MEDEIROS et al., 2013).
O presente trabalho explora as perspectivas de promoção da gestão pesqueira em áreas marinhas protegidas. Parte-se
da experiência da Câmara Técnica de Pesca (CTP) criada no âmbito de três unidades de conservação federais do litoral do
Paraná. Na análise, buscou-se identificar as relações sociais entre os atores durante um período (2004 a 2011) de atividades da
Câmara Técnica de Pesca e identificar as possibilidades e obstáculos para a promoção da gestão participativa nesse espaço de
discussão.
O artigo está organizado em seis seções. Após a introdução, a segunda seção desenha a problemática e o contexto do
estudo de caso. A terceira seção trata da área de estudo e da metodologia aplicada para desenvolver o trabalho. A quarta seção
contém os resultados, a quinta apresenta a discussão e, por fim, a sexta apresenta as considerações finais.
Contexto da Análise
Pesca artesanal e modelos de gestão participativa
Da mesma forma que em diversas regiões do mundo, no Brasil, a pesca artesanal tem um papel importante em termos de
produção, correspondendo a 53% da produção marinha e estuarina (entre 2000 e 2003) (REVIZEE, 2006). Na região Sudeste-Sul,
a participação do setor artesanal na produção pesqueira é considerada reduzida em termos do total de pescados desembarca-
dos. No entanto, o número de pessoas envolvidas é significativo, destacando a importância social da pesca artesanal. No estado
do Paraná, a pesca artesanal possui maior importância relativa (BORGES et al., 2006). A pesca de pequena escala tem sido parte
importante das atividades econômicas da zona costeira do Paraná há mais de dois séculos (MIGUEL, 1997). As populações
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das. O governo brasileiro protege as áreas naturais por meio de Unidades de Conservação (MMA, 2013). No caso de UC fe-
derais, o responsável pela administração dessas áreas é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Algumas dessas áreas tendem a excluir ou limitar o acesso de pescadores aos territórios de pesca e aos recursos, trazen-
do benefícios do ponto de vista biológico e ecossistêmico, porém, com prejuízos sociais e econômicos para as populações cujos
modos de vida dependem diretamente destes recursos. Na zona costeira, é comum observar casos em que as áreas protegidas
se sobrepõem às áreas utilizadas por comunidades locais. Isso pode contribuir para aumentar os conflitos entre os atores sociais
de uma região ou servir como um instrumento para a gestão pesqueira (FARACO, 2012), dependendo da abordagem feita pelos
gestores das UC, do esclarecimento e cumprimento dos objetivos, das ações a serem executadas e da dinâmica de participação
dos atores envolvidos nas tomadas de decisão, principalmente dos usuários dos recursos pesqueiros.
No litoral norte do Paraná, há certa carência de informações técnico-científicas no âmbito dos recursos pesqueiros, dos
serviços ecossistêmicos, da gestão pesqueira e do perfil dos pescadores. Isso demonstra que para o setor artesanal, as políticas
públicas e os planos de gestão não possuem subsídios suficientes para comprovar que elas estão considerando/representando
as peculiaridades do local e trazendo bons resultados, tanto na parte biológica quanto na socioeconômica. A respeito das normas
sobre a pesca, os pescadores do litoral norte do Paraná sofrem com diferentes restrições que são geradas por órgãos ambientais
e de gestão pesqueira de diferentes níveis (municipal, estadual e federal), sendo que o conhecimento tradicional dos pescadores
sobre as pescarias foi pouco ou nada considerado para a criação das regras. Entre os conflitos relacionados à pesca artesanal na
região do CEP, estão: a competição com a pesca industrial; a criação de áreas protegidas onde populações utilizavam tradicio-
nalmente os recursos naturais; a baixa representatividade das lideranças comunitárias; a falta de empoderamento dos pescado-
res artesanais; a baixa consideração do conhecimento tradicional local; e uma participação baixa e pouco efetiva dos usuários
dos recursos nas tomadas de decisão.
As Baías de Laranjeiras e Pinheiros, as principais do município de Guaraqueçaba, compreendem extensa região es-
tuarina de grande importância para a preservação ambiental. São marcadas pelas UC federais – Área de Proteção Ambien-
tal de Guaraqueçaba (APA de Guaraqueçaba), Parque Nacional do Superagüi (PARNA do Superagüi), Estação Ecológica de
Guaraqueçaba (ESEC de Guaraqueçaba) com diferenciados níveis de restrição ao uso. Também existem na região Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e não há UC estaduais e/ou municipais. A ESEC de Guaraqueçaba e o PARNA de
Superagui, por definição, não permitem práticas extrativistas, porém, a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) e as convenções internacionais em que o Brasil é signatário garantem às comunidades tradicionais o direito de re-
produção de seu modo de vida e acesso ao território. A oposição entre a proibição legal do uso direto de recursos e a apropriação
destes ambientes por parte dos pescadores para se reproduzirem social e economicamente, acarreta em uma série de situações
conflituosas, principalmente pelas restrições impostas pelos órgãos ambientais gestores e fiscalizadores (SILVA, 2014).
As unidades de conservação possuem conselhos que servem como uma ferramenta de relacionamento entre o órgão
gestor e a sociedade. São formados por órgãos públicos, organizações da sociedade civil e populações tradicionais, quando
houver. O conselho pode ser consultivo ou deliberativo. Nesse contexto, nos conselhos consultivos, o governo consulta, define
as normas e informa suas decisões, já nos conselhos deliberativos, o governo age como facilitador da discussão e possui direito
de voto, sendo a maior parte formada por membros de comunidades, tendo estes maior poder de decisão. As UC federais do
CEP (APA de Guaraqueçaba, ESEC de Guaraqueçaba e PARNA de Superagui) possuem conselhos consultivos como espaço
de gestão participativa.
Como estrutura de apoio à gestão pesqueira integrada nestes conselhos, foi criada a Câmara Técnica de Pesca, em 2004.
Reuniões anuais foram realizadas até 2009, quando a Câmara Técnica ficou inativa apesar de tentativas de sua reativação. Entre
essas tentativas está uma reunião em 2011. O principal objetivo era contribuir com o ordenamento pesqueiro, buscando soluções
para os conflitos mais relevantes envolvendo essa atividade na região do CEP. Dentre os diferentes atores sociais envolvidos na
gestão dos recursos pesqueiros da região estão: órgãos gestores de unidades de conservação, órgãos de fiscalização, órgãos
federais e estaduais do meio ambiente, universidades, organizações não- governamentais (ONGs) e pescadores.
A crise na gestão convencional dos recursos naturais demonstra que há necessidade da construção de modelos alterna-
tivos de gestão. Os conselhos e a CTP podem ser espaços de desenvolvimento desses modelos (nesse caso, a cogestão adap-
tativa). Ao analisar a CTP, esse estudo tem como objetivo geral trazer informações que possam contribuir com o ordenamento
pesqueiro e servir como subsídios à gestão das UC e da pesca, buscando contribuir para a melhoria da situação dos pescadores
Materiais e Métodos
Área de estudo
No ano de 1982, a partir do Decreto nº 87.222, foi criada a Estação Ecológica de Guaraqueçaba, posteriormente ampliada
pelo Decreto Federal 93.053 de 1986, com uma área de aproximadamente 4.470 hectares, composta basicamente por man-
guezais no entorno das baías de Laranjeiras e Pinheiros e por algumas ilhas no estuário (MMA, 2013). Em 1985, foi criada a APA
de Guaraqueçaba, pelo Decreto nº 90.883. No ano de 1989 foi criado o Parque Nacional de Superagui, através do Decreto Federal
nº 97.688. O Parque foi ampliado em 1997, passando a ter 33.988 ha. Com a ampliação, outras comunidades foram incluídas
dentro dos limites do Parque. Além da Colônia de Superagui, também se encontram atualmente dentro do PARNA de Superagui,
as comunidades de Barbados, Canudal, Vila Fátima, Ararapira, Barra do Ararapira, Rio dos Patos e Abacateiro, como também
famílias isoladas da Praia Deserta (Figura 1).
Figura 1. Mapa da região do Complexo Estuarino de Paranaguá, com os limites das seguintes unidades de conservação: Parque Nacional do
Superagui, Estação Ecológica de Guaraqueçaba e Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba. Fonte: Mapa criado pelo Núcleo de Ensino
em Sistemas Pesqueiros e Áreas Marinhas Protegidas, do Centro de Estudos do Mar, da Universidade Federal do Paraná (2014).
Em relação aos conselhos das UC, o da APA de Guaraqueçaba foi criado em abril de 2002, pela Portaria n° 65/2002; o da
ESEC de Guaraqueçaba foi criado em janeiro de 2012, pela Portaria nº 3/12; e o do PARNA do Superagui foi criado em junho de
2006, pela Portaria nº 45/2006.
Segundo Correa (1987) a Baía de Paranaguá possui cerca de 66 espécies de peixes com importância comercial. Esse
autor lista algumas dessas espécies: tainha (Mugil liza), bagre marítimo (Netuma barba), pampos (Trachinotus carolinus e T.
falcatus), pescadas (Cynoscion leiarchus e C. acoupa), corvina (Micropogonias furnieri), bagre (Cathorops spixii e
Sciadeichthyes luniscutus), robalo (Centropomus parallelus), betara (Menticirrhus americanus) e os paratis (Mugil curema
e M. gaimardianus). No caso do camarão as espécies capturadas são: camarão sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri), branco
(Penaeus schmitti) e o rosa (P. paulensis e P. brasiliensis).
Dados do Ministério da Pesca e Aquicultura apontam um total de 10345 pescadores profissionais no Paraná. Em
Guaraqueçaba, estima-se que o número de pescadores registrados é de 1.096. Segundo esse mesmo cadastro, o município teria
572 embarcações de pesca, sendo 380 canoas a remo, 140 canoas a motor, 50 bateiras e 2 barcos (MPA, 2012; ANDRIGUETTO,
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et al., 2006, apud, FARACO, 2012). Faraco (2012) fez uma classificação de nove vilas de pescadores presentes na região do CEP:
Vila das Peças e Ilha Rasa são vilas grandes (com mais de 50 famílias); Barra do Ararapira, Guapicum, Poruquara, Tromomô e
Massarapuã são vilas médias (entre 10 e 50 famílias); e Canudal e Engenho Velho são vilas pequenas (menos de 10 famílias).
Silva (2014) aponta que em média, a população das comunidades de dentro das baías depende mais da pesca do que aquelas
situadas em mar aberto.
Metodologia
Entre as variáveis apontadas por Plummer et al. (2012) como relevantes para análise da cogestão adaptativa, foram avali-
adas nesse estudo: os conflitos entre atores, a aprendizagem, as redes sociais, a interação entre os atores, e as relações de con-
fiança. Foram escolhidas essas variáveis devido à intenção de conhecer como eram as atividades da CTP e como elas poderiam
ser melhoradas para o futuro, isto é, buscar compreender como eram as relações entre os atores sociais e quais foram os resul-
tados dessa interação para que se possa aprender com o que foi feito e como melhorar esse espaço de discussão. Assim, com
essa análise é possível levantar pontos que possam melhorar a participação dos atores nas arenas de discussão, melhorar esses
espaços de discussão e demonstrar a importância da interação e da união entre os atores para se planejar e executar ações.
Para identificar as relações entre os atores sociais envolvidos e, também, compreender como era o cenário das reuniões
da CTP, entre 2004 e 2011, e como essas poderiam ser retomadas/melhoradas no futuro, foi feito um questionário com intenção
de avaliar as variáveis citadas no parágrafo anterior, que tratam de aspectos relacionados à CGA, e de propiciar informações fun-
damentais para uma reativação eficaz da CTP. Foram aplicados 11 questionários, sendo 2 presenciais, feitos no mês de maio de
2014, com os presidentes das Colônias de Pescadores, e 9 virtuais, enviados por e-mail aos representantes ou ex-representantes
de organizações que atuavam ou ainda atuam na gestão pesqueira no CEP, sendo: ICMBio (1), Instituto Ambiental do Paraná
(IAP) (1), Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) (1), Universidade Federal do Paraná (UFPR)
(1), Instituto Federal do Paraná (IFPR) (1), Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE) (2) e Mater Natura (2). Esses foram enviados e
retornaram respondidos durante o mês de julho. A dificuldade de encontrar os representantes e ex-representantes que participa-
ram da CTP devido ao período de aproximadamente três anos de inatividade motivou o questionário virtual.
As conversas presenciais com os pescadores foram importantes para demonstrar a intenção dos estudos e deixar claro
qual era a proposta do trabalho, buscando uma melhor relação de confiança entre os pescadores e o pesquisador. As entrevistas
presenciais foram realizadas na sede das Colônias de Pescadores em Guaraqueçaba e Matinhos. Foi utilizado um computador
para anotar/salvar as respostas de todos os entrevistados. Antes das entrevistas, que foram agendadas por telefone, foi explicado
para os entrevistados os objetivos do trabalho, a forma de abordagem que iria ser realizada e como os dados seriam trabalhados.
Obteve-se assim um consentimento verbal dos entrevistados para contribuir com a pesquisa.
Resultados
As respostas dos entrevistados foram agrupadas em diferentes tópicos e dentro desses é possível observar relações com
as variáveis estudadas, isto é, os dados obtidos contribuíram para melhorar o conhecimento sobre a Câmara Técnica de Pesca
e para identificar possibilidades e obstáculos para a construção da cogestão adaptativa. Entre os aspectos relevantes ocorridos
nas reuniões da CTP, os entrevistados apontaram: que a CTP era uma arena importante para colocar os problemas em debate e
um espaço que os pescadores tinham para se manifestar, onde havia um diálogo entre órgãos gestores/organizações e os pes-
cadores. Também foram ressaltados a participação qualificada e representativa da CTP envolvendo diferentes atores sociais, e
o planejamento das ações da CTP. Além desses aspectos, outros pontos positivos foram: a troca de informações e aplicabilidade
de alguns dados gerados pelas instituições de pesquisa; preocupação com alternativas tecnológicas e ambientais para as ne-
cessidades dos caiçaras; especificidade e praticidade dos temas abordados na CTP; curso de capacitação para formação dos
conselhos da região; e o uso de pesquisas na área.
Já a respeito das deficiências/falhas da CTP, os entrevistados apontaram: a falta de consenso entre os pescadores para
propor estratégias de ordenamento, de aplicação das propostas em médio e longo prazo e de apoio financeiro e jurídico para re-
solução dos problemas levantados pela CTP; a dificuldade de mobilização e locomoção dos representantes locais; os problemas
na comunicação entre pescadores e técnicos; a descontinuidade de ações por falta de recurso pessoal e/ou financeiro; e pouca
agilidade nas ações, em trazer resultados rapidamente.
Quadro 1 – Fatores relevantes apontados pelos atores sociais para a reativação da Câmara Técnica de Pesca.
Fonte: O autor.
O quadro a seguir demonstra quais devem ser, segundo os entrevistados, os primeiros passos a serem dados pela CTP,
os principais temas a serem debatidos e os resultados esperados com a reativação, segundo os entrevistados (Quadro 2).
Quadro 2 – Os entrevistados apontaram os primeiros passos a serem dados e os principais temas a serem abordados ao
se reativar a Câmara Técnica de Pesca e os resultados esperados com a reativação da Câmara Técnica de Pesca.
Fonte: O autor.
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Discussão
Atualmente, ocorre uma descrença na gestão por parte dos pescadores artesanais. A participação do público é um
componente-chave para o desenvolvimento de processos de cogestão, e, portanto, deve ser um tema central na investigação
de cogestão. Existem diferentes razões para os pescadores não participarem das reuniões com o governo, entre elas estão: a
reputação ruim dos órgãos ambientais; a crença de que o governo prejudica o pescador; a falta de interesse e a preocupação dos
pescadores; os pescadores não gostam de reuniões; as reuniões são cansativas; a linguagem usada nas reuniões não é clara; e
há poucos resultados provenientes das reuniões (TRIMBLE, ARAUJO; SEIXAS, 2014).
Alguns pontos positivos sobre as reuniões da CTP foram destacados pelos entrevistados, como: elas criam um espaço
onde se pode debater os problemas, ocorrer um bom diálogo entre os atores, haver a manifestação dos pescadores, para buscar
soluções para os conflitos mais rapidamente, gerar estudos sobre as pescarias e trazer subsídios para ações sobre a pesca. Es-
ses pontos se enquadram, de certa forma, em fatores que podem ser encontrados em casos de sucesso da CGA ou servirem
para se construir esse arranjo de gestão, como: a participação dos atores relevantes, a resolução de conflitos, geração de co-
nhecimento, criação de redes sociais e desenvolvimento de habilidades para se comportar nas arenas de discussão (PLUMMER
et al., 2012).
Duas deficiências apontadas pelos entrevistados nas reuniões da CTP foram: a falta de consenso entre os pescadores e a
comunicação entre esses e os técnicos. Plummer et al. (2012) aponta que o conflito de interesses entre os envolvidos e as incon-
sistências na comunicação e informação são fatores que podem atrasar a consolidação da CGA. Essas deficiências somadas à
necessidade de esclarecimento de dúvidas sobre normas de pesca e responsabilidades dos atores demonstram a necessidade
de estratégias de mediação entre usuários (neste caso, pescadores artesanais), tomadores de decisão (gestores) e outros atores,
e de trazer informações para empoderar os pescadores. As organizações ponte tornam possível fazer os pescadores saírem da
simples condição de usuários, para tomadores de decisão. Normalmente, esse é o papel feito por pesquisadores, ONGs e outras
agências (DESTÉFANI et al., 2014). É importante a presença de organizações ponte, também, para melhorar a comunicação e
mediar os encontros entre os atores, pois em cenários com relações enfraquecidas e baixa representatividade essas organiza-
ções são capazes de esclarecer dúvidas, gerar/fortalecer as redes sociais e, teoricamente, demonstrar uma visão neutra dos
conflitos. Como esclarece Folke et al. (2005), as organizações ponte podem facilitar a união da ciência e do conhecimento local,
fornecendo uma arena para construção de confiança, aprendizagem, colaboração vertical e horizontal, e resolução de conflitos.
Berkes (2009) aponta a importância da atuação das organizações ponte como uma ferramenta na construção da cogestão.
Como visto, ocorreu uma melhora nas relações entre os atores quando existia a CTP. O ICMBio e os pescadores estavam
comparecendo em bom número nas reuniões da CTP e, além disso, contavam com parcerias com outros órgãos. Esses atores
trabalhavam em conjunto para se planejar e executar algumas ações. Se esse ambiente for retomado pode ser um espaço impor-
tante para construir processos de CGA. As redes sociais são importantes para que ocorra o estabelecimento de alianças entre os
atores e a resolução de problemas locais e regionais (SERAFINI, 2012). Esse autor afirma que a falta de interação entre usuários
de diferentes localidades para a resolução de problemas e conflitos contribui para a falta de confiança entre os pescadores. Tais
redes servem para compartilhar informações, conhecimentos e interesses envolvendo os atores sociais em múltiplos níveis.
Uma possibilidade para contribuir com a CGA associada às redes sociais é a construção de diálogo entre os usuários devido à
similaridade dos problemas que afetam os pescadores e o conhecimento local que eles possuem.
Conclusão
Em relação ao espaço de discussão criado pela CTP, foram observados fatores que contribuem para se alcançar a CGA.
Entre eles estão: a participação dos atores relevantes envolvidos; melhorias na discussão dos temas, na aprendizagem social e
na formação de redes sociais; desenvolvimento de habilidades desses atores; e a geração e uso do conhecimento. A assimetria
de poder entre os envolvidos, os conflitos de interesses, deficiências na comunicação, insuficiência de recursos, fracas redes
sociais e problemas nos processos de tomadas de decisão são alguns fatores que podem ser obstáculos para a consolidação da
CGA. Na situação atual do CEP, as UC acabam sendo obstáculos para as atividades das comunidades tradicionais. No entanto,
os conselhos e a CTP funcionam como ferramentas que as comunidades podem utilizar para aumentar sua participação nos
processos de gestão e buscar soluções para os conflitos. Apesar das dificuldades, as lideranças não podem perder a esperança
em conseguir bons resultados às suas comunidades e ao setor pesqueiro, pois elas são o principal elo entre os pescadores
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Resumo
O presente trabalho parte de pesquisa realizada entre 2008 a 2014 no Mosaico de Unidades de Conservação (UC) do Jacupi-
ranga (SP) e é resultado do trabalho de pesquisa-ação vivenciado por seus autores, gestores e pesquisadores do Mosaico, e
pretende discutir o processo de gestão participativa desencadeado em quatro Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
do Mosaico, criado em 2008 na região do Vale do Ribeira, São Paulo. Como atividade principal de gestão das RDS Barreiro-
Anhemas, Lavras, Pinheirinhos e Quilombos da Barra do Turvo destaca-se o pleno funcionamento dos Conselhos Deliberativos
dessas Áreas Protegidas, cujos resultados contribuem para a conservação da biodiversidade, fortalecimento do processo de
gestão participativa e redução de conflitos socioambientais existentes nessas áreas.
Introdução
Desde 1958 e de forma mais intensa nas décadas de 1970 e 1980, os esforços preservacionistas levaram à criação de
Unidades de Conservação que impediram que uma grande quantidade de área florestal fosse derrubada de forma predatória
para a exploração econômica. No entanto, essa mesma política de proteção ambiental restringiu as comunidades locais ao uso
da terra e acesso aos recursos naturais, impedindo-as de exercer suas atividades agrícolas e extratoras, sem lhes proporcionar
alternativas de geração de renda ou mecanismos compensatórios. Tal ação afastou a população local do processo de preserva-
ção do meio ambiente, se colocando na contramão de diversas experiências cujo êxito na conservação ambiental dependeu da
cooperação das comunidades locais (MENDES Jr; NOGUEIRA, 2007, p.61).
Nesse contexto regional foi criado no ano de 1969 o Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ) que ocupava mais da
metade da área do município de Barra do Turvo (73% do território) e se estendia ainda pelos municípios de Cajati, Eldorado,
Jacupiranga, Cananéia e Iporanga. Na região foco deste estudo – Barra do Turvo e Cajati - o PEJ abrigava mais de 1.800 famílias.
Estes municípios apresentam um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado de São Paulo, além de
integrarem o grupo de municípios onde se concentram os piores indicadores avaliados pelo Índice Paulista de Responsabilidade
Social (IPRS)1. Estas condições, associadas às restrições impostas pela existência de uma Unidade de Conservação de proteção
integral – o Parque Estadual de Jacupiranga – ajudaram a compor o cenário de pobreza e conflitos na região (BIM, 2012).
A área original de 139.418,3 ha do antigo Parque Estadual de Jacupiranga se converteu, numa proposta pactuada com
as comunidades, em um Mosaico de 234.000 ha, contendo três Parques (PE Caverna do Diabo - PECD, PE Rio Turvo – PERT e
PE Lagamar de Cananéia - PELC), cinco Reservas de Desenvolvimento Sustentável, quatro Áreas de Proteção Ambiental e duas
Reservas Extrativistas. Como resultado deste processo houve aumento em mais de 10 mil ha de área de proteção integral e a
criação de várias unidades de uso sustentável, que possibilitaram a permanência das populações tradicionais e camponesas no
local, de forma organizada, e o uso do território de acordo com o modo de vida tradicional.
A implantação de Mosaicos de Unidades de Conservação no Brasil é recente e está prevista na Lei Nº 9.885/07/2000 que
criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Geralmente o Mosaico é estabelecido junto a um conjunto pré-
existente de áreas protegidas. No entanto, a experiência vivenciada no Mosaico de Unidades de Conservação do Jacupiranga
1
O Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) traz indicadores que sintetizam a situação de cada município do Estado no que diz respeito à riqueza, escolari-
dade e longevidade (FUNDAÇÃO SEADE).
Material e Métodos
Área de estudo - Vale do Ribeira
O Vale do Ribeira (Figura 1) é uma das mais antigas regiões de colonização do País, tendo os primeiros núcleos de povo-
amento europeu chegado à região no século XVI. A região é cortada pelo Rio Ribeira de Iguape e forma um polígono irregular
localizado no Sudeste do Estado de São Paulo, com 1,7 milhões de ha entre o oceano Atlântico e a Serra do Mar e corresponde a
10% da área territorial do Estado de São Paulo. O clima é tropical úmido e com alta precipitação anual média (PETRONE, 1958),
fator este sempre lembrado quando se analisa fracassos da integração histórica da região nas políticas econômicas rurais do
estado de São Paulo.
A região possui o maior índice de cobertura vegetal natural do Estado, onde 1,2 milhões de hectares são de nítida voca-
ção florestal (LEPSCH, 1990). No Vale do Ribeira estão concentrados os mais importantes remanescentes de florestas em área
contínua dos ecossistemas da Mata Atlântica em suas várias formações florestais e não florestais, cuja importância para proteção
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é reconhecida mundialmente. As Matas Atlânticas abrangem tipologias que variam desde a floresta tropical de altitude
aos manguezais e restingas. Esse contínuo de vegetação assim como várias áreas adjacentes, apresenta grande diversidade es-
trutural, ou seja, grande diversidade e zonação de ambientes e, consequentemente alto nível de biodiversidade, incluindo níveis
genéticos de espécies, de comunidades e ecossistemas, bem como a presença de espécies-chaves e endêmicas de fauna e
flora, que requerem todos os esforços para a sua conservação.
As RDS analisadas se concentram nos municípios de Barra do Turvo e Cajati (Figura 2).
2
Conselho Deliberativo formalizado pela Portaria FF nº 4 de 19 de janeiro de 2010 (Plano de utilização/FF, 2010)
RDS Lavras
Localizada no município de Cajati, possui 889,74 ha e é ocupada por apenas onze famílias de moradores tradicionais
de Cajati. A cobertura florestal de floresta ombrófila densa é de 81,1% da área nos diversos estágios de regeneração. O uso do
solo é de pastagem para pecuária de corte e leite, bananal e agrofloresta. A área desta RDS foi destinada a ocupantes do PERT
e PECD. Por meio de estudos de capacidade de suporte foram realocadas para a RDS nove famílias, oriundas dos Parques e
residir numa área onde as atividades de agricultura podem ser desenvolvidas de forma sustentável, com regras, geridas pelo
Estado e com um conselho que determina o que deve e pode ser feito. As famílias já foram aprovadas pelo conselho da unidade,
e pela Fundação Florestal para entrarem na área (FF, 2010).
O conselho gestor deliberativo5 é composto por dez membros, sendo seis representantes das comunidades tradicionais,
dois representantes dos órgãos governamentais e dois representando as ONGs locais. Já realizou 35 reuniões com uma média
de participação de 12 pessoas por reunião, entre conselheiros e comunidade (RDS, FF, 2012).
Referencial Teórico
Como referencial teórico desta pesquisa, utilizamos a categoria de território e territorialização, pois tratamos da espaciali-
dade humana, da interação sociedade-natureza e das relações de poder que envolveram e ainda envolvem a criação e implanta-
ção das Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Mosaico do Jacupiranga.
Para Milton Santos, na definição de território deve ser considerada “a interdependência e a inseparabilidade entre a ma-
terialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política” (SANTOS, 2000, p. 247).
Santos (2000) propõem que o território usado “é tanto o resultado do processo histórico quanto a base material e social das novas
3
Conselho Deliberativo - Portaria FF nº 06 de 19 de janeiro de 2010.
4
Conselho Deliberativo - Portaria FF nº 005/2010 (FF, 2010).
5
Conselho Deliberativo - Portaria FF nº 013/2010 (FF, 2010).
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ações humanas. Isso nos permite uma consideração abrangente da totalidade das causas e dos efeitos do processo socioterrito-
rial”. Todo o processo de formação do território do antigo Parque Estadual de Jacupiranga foi marcado pela interdependência
entre natureza e seu uso. Para Milton Santos (2000), (...) por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada.
Mas o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer aquilo que nos pertence....Esse sentimento de exclusivi-
dade e limite ultrapassa a raça humana e prescinde a existência do Estado.
A criação do MOJAC ocorreu por meio da transformação de uma área pré-estabelecida pelo Estado, portanto, um ter-
ritório político jurídico no meio de uma grande diversidade de perspectivas. Esse território passa por uma reterritorialização,
inicialmente determinado pelo Estado através da criação da reserva florestal, na década de 1940, e do Parque Estadual de
Jacupiranga (PEJ) em 1969. A criação do PEJ não levou em consideração a presença de populações em seu interior e tampouco
os usos tradicionais que essas populações faziam deste território. Vale ressaltar que o território, para seus ocupantes, já estava
estabelecido bem antes da implantação do Parque. Como consequência desta imposição, estabelece-se o conflito de uso. Como
afirma Diegues (1996, p. 158):
(...) Conflito se reporta também à ecologia política ou à política toutcourt, uma que o Estado impõe
espaços territoriais onde vivem populações tradicionais, outros espaços tidos como “modernos
e públicos”: o dos parques e reservas de onde, por lei, necessariamente devem ser expulsos os
moradores. Num primeiro momento, esses atores sociais são invisíveis, e os chamados “planos de
manejo dos parques” nem sequer mencionam a sua existência.
Mudar esta situação que caracteriza a criação das áreas protegidas no Brasil, de um território imposto (DIEGUES, 1996),
para um novo território de uso - com a criação de unidades de conservação de uso sustentável, em que o uso e a apropriação
do território se dão pelos ocupantes - mesmo que ainda sob a tutela do Estado que se dá por meio do domínio jurídico e pela
indicação do gestor da área - é o que se tem proposto com a criação do Mosaico do Jacupiranga.
A partir da criação do MOJAC, o território passa a ter novos desafios e novas oportunidades. A reterritorialização trouxe
as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), lugares-territórios onde as atividades de sobrevivência estão intimamente
ligadas ao uso da terra, propiciando o fortalecimento do sentido de territorialidade e pertencimento e das práticas da agrofloresta
e da agroecologia. Além disso, o Mosaico possibilitou mais acesso às informações sobre gestão e mesmo de técnicas de manejo
de produção, estimulando debate visando melhoria da atividade agropecuária desenvolvida na área, e pela disponibilidade de
serviços públicos de infraestrutura, como a instalação da energia elétrica, a recuperação e manutenção das estradas rurais e a
execução de projetos de habitação.
Para analisar se este processo está sendo trilhado rumo a um círculo virtuoso, pelos caminhos da apropriação material e
imaterial do território, e se está conseguindo estabelecer uma nova relação entre Estado-Sociedade-Natureza, diferente daquela
onde se sobressai o conflito socioambiental e que tem sido a marca das políticas preservacionistas no Brasil, o trabalho utilizou-se
também da análise de conteúdo, estudo de caso e pesquisa documental, além da categoria de território e de outros instrumentos.
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pode tudo e na RDS há um conjunto de regras a seguir” (RDS, FF, 2012).
Ainda sobre o tema Mosaico/Papel do Estado, figuraram com certa intensidade nas discussões os subtemas relacionados
ao não cumprimento da lei, à omissão, lentidão e morosidade do Estado e à falta de implantação de políticas públicas. Dos as-
suntos discutidos, 18% referem-se ainda ao tema infraestrutura, com os subtemas energia elétrica, estradas, saneamento básico
e coleta de lixo dominando os debates e demonstrando a preocupação das comunidades e o desejo de que as políticas públicas
fossem implantadas imediatamente nas RDS. A lentidão na chegada da energia elétrica nas comunidades também teve muito
destaque entre os assuntos tratados.
O tema Plano de Utilização representou 12% dos assuntos debatidos. Por lidar com o cotidiano das RDS e ser um instru-
mento formal para a implantação destas UC, o Plano de Utilização mereceu destaque nas discussões, já que deveria ser discu-
tido e aprovado pelos Conselhos para que tivesse valor formal. As regras para as atividades econômicas e de uso dos territórios
suscitaram muitos debates entre os conselheiros, destacando-se a participação do gestor no processo para dirimir as dúvidas
sobre o documento.
Dos assuntos discutidos, 12% referem-se às questões ambientais gerais e aos projetos nas UC, destacando-se o ICMS
Ecológico, os projetos de recuperação ambiental e de geração de renda, a agrofloresta, criação de peixes, combate à poluição,
uso de agrotóxicos, animais mortos e ao uso do fogo, incentivo à prática dos mutirões, o que evidencia as preocupações e os
posicionamentos dos conselheiros.
O tema das autorizações de roças e manejo de espécies nativas aparece com 11% entre os assuntos tratados, com vários
subtemas relacionados na forma de pedidos das autorizações: construção de tanque, poda e corte de árvores, desmatamento
para agrofloresta, documentação para o Pronaf, roçada de pasto, agilização das vistorias, construção de casa, uso de madeira
nativa. Esse tema é característico em processo de implantação de uma RDS e a demora na concessão das autorizações também
foi alvo de muitas críticas, mesmo que tenham ocorrido várias autorizações delas durante o processo.
O papel do Conselho e seu funcionamento foi tema presente entre os assuntos discutidos (9%). Foram citados: o esforço
em se reunir mensalmente, a importância do conselho, os avanços, a participação social, a análise de seu funcionamento, a falta
de estrutura e autonomia do Conselho e a dicotomia entre o que é debatido na base (conselhos) e a falta de retorno das deman-
das por parte da Fundação Florestal (SMA/São Paulo). A questão fundiária aparece com 8% entre os assuntos tratados.
Observa-se que a grande maioria das autorizações (68%) é voltada para atendimento à prática da agricultura e da pecuária,
solicitação de corte de vegetação para a implantação de roças e pedido para roçada de pasto para pecuária e produção de ali-
mentos. Em seguida estão os pedidos de construção (17%), atividades típicas do funcionamento dos sítios dos moradores.
Esse processo de construção de acordos contribuiu com a redução de um tipo de conflito que colocava o Estado e a
comunidade em constante disputa, pois antes da criação das RDS, quando o território pertencia a um Parque Estadual, e o uso
do território era proibido, e as praticas agrícolas eram coibidas através autuações, multa e processos judiciais.
Nos anos de 2012 a 2015, esse processo se manteve e apresenta resultados similares aos apresentados.
Conclusões
Pode-se afirmar que, nesse estudo de caso, a utilização de instrumentos de gestão ambiental e a construção dos acordos
nos conselhos das RDS contribuem para a redução dos conflitos na área e para imprimir a gestão participativa. O estabelecimento
de novos procedimentos metodológicos, jurídicos, econômicos ou sociais fortalece as práticas de gestão participativa do território,
e uma nova forma de administrar o seu uso. Nessa linha, a prática da gestão ambiental participativa vai se configurar como uma
importante forma para se estabelecer um relacionamento harmônico entre sociedade e meio ambiente (THEODORO et al., 2002).
O processo que se vivencia com o funcionamento dos Conselhos Deliberativos das RDS representa a prática da gestão
ambiental participativa, com a busca de caminhos para sobrepor os entraves da implantação do Mosaico e do uso do território.
Os conflitos e disputas por atividades essenciais aos moradores sempre foram vistos pelo poder público como grandes riscos à
conservação. E este mesmo processo de atuação dos conselhos contribuirá para esclarecer a sociedade e mesmo pactuar pelo
manejo tradicional em bases fortalecidas.
Colocar na balança os aspectos positivos da presença destas comunidades na região e os procedimentos de tolerância
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– que ao final acabam garantindo uma menor pressão dos contraventores sobre a área - pode representar um ganho e não um
prejuízo para o estado de conservação das UC.
Do ponto de vista social, a paisagem com pequenos agricultores é melhor do que a paisagem homogênea das pastagens.
E do ponto de vista ambiental, possibilitam conectividade entre os fragmentos florestais existentes.
O funcionamento efetivo dos conselhos gestores é um dos principais instrumentos de implantação do Mosaico do Jacu-
piranga e da prática da gestão compartilhada das UC.
Constata-se como notório o esforço coletivo empreendido por gestores e as comunidades envolvidas de construir pontes
que possibilitem a concretização desse novo Território, onde se consiga garantir a conservação da área em concomitância com
a garantia de que as comunidades também possam viver e desenvolver as atividades produtivas locais de forma sustentável.
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DIAGNÓSTICO DO SISTEMA SÓCIO-ECOLÓGICO ‘CONSERVAÇÃO E USO DE
FLORESTAS NATIVAS EM UNIDADES DE PRODUÇÃO AGRÍCOLAS PRIVADAS DO
CORREDOR ECOLÓGICO CHAPECÓ, SANTA CATARINA, BRASIL’.
Resumo
Um desafio atual na gestão de florestas nativas no Brasil é conciliar sua conservação com a produção agropecuária em unidades
de produção privadas, visto que as regras estabelecidas pela legislação vigente não estão sendo cumpridas. Para a identifica-
ção de variáveis que influenciam nessa situação-problema, devido sua complexidade, pode-se adotar abordagem sistêmica.
Este trabalho buscou realizar um diagnóstico do sistema de interesse ‘Conservação e uso de florestas nativas em unidades de
produção agrícolas privadas do Corredor Ecológico Chapecó’, por meio da elaboração de um mapa do sistema e descrição de
seus componentes, visando identificar variáveis relevantes para a sustentabilidade das florestas nativas em longo prazo na área
de estudo. Verificou-se que o mercado agropecuário, os sistemas de produção, vinculados ao relevo, e a fraca internalização das
regras de conservação e uso podem ser variáveis relevantes.
Introdução
Este artigo é decorrente de uma pesquisa que segue o paradigma científico Sistêmico, em que os fenômenos e seus
mecanismos de funcionamento são tratados em sua totalidade e não a partir da descrição meticulosa das partes e de suas pro-
priedades. Pode-se definir um sistema como sendo “uma entidade que mantém sua existência e funções como um todo através
das interações entre as suas partes” (O’CONNER; MCDERMOTT, 1997, p. 2), que seguem regras gerais de organização.
A abordagem sistêmica é importante para explicar e lidar com ‘situações-problema’ do mundo real caracterizadas como
situações de complexidade, ou seja, situações em que normalmente verificamos controvérsia, conflitos de interesses, incertezas
e múltiplas perspectivas e que o próprio problema e sua solução não estão explícitos (SCHLINDWEIN, 2007). A forma de lidar
com esse tipo de situação consiste de um processo cíclico em que idéias e conceitos sistêmicos são mobilizados para distinguir
sistemas de interesse e a reflexão sobre a modalidade da ação prática retro-alimenta o pensamento sistêmico buscando melhor
conhecer o mundo e agir de maneira diferente sobre ele (SCHLINDWEIN, 2007).
Ostrom (2007) propõe a abordagem de diagnósticos de sistemas sócio-ecológicos para a identificação da combinação
de variáveis que propiciem o uso sustentável e produtivo de determinado sistema de recurso, operando em uma escala espa-
cial e temporal específica, e a combinação que tende a levar os recursos ao colapso e a altos custos para a humanidade. Essa
proposta metodológica apresenta um mapa conceitual geral de grupos de variáveis, ou macrovariáveis, que são relevantes para
esses diagnósticos e que abrange (i) sistema de recursos, (ii) unidade dos recursos, (iii) interações, (iv) resultados, (v) sistema
de governança e (vi) usuários (OSTROM, 2007). A autora ressalta que é necessário identificar variáveis que estão dentro desses
grupos de variáveis (ou macrovariáveis), em níveis conceituais mais inferiores e fazer relações verticais e horizontais entre elas.
A abordagem proposta por Ostrom (2007) teve origem em estudos realizados a partir da década de 1970, sobre o manejo
de recursos limitados, que despertam interesses de diversos usuários e que possuem características de bens públicos, sendo
denominados de ‘recursos de uso comum’. Uma das principais questões sobre os recursos de uso comum é como manter a
produtividade e a capacidade de atender as demandas de consumo dos recursos, considerando um espectro de longo prazo
de utilização (OAKERSON, 1992). A evolução da teoria sobre os recursos de uso comum identificou sistemas de recursos com-
plexos, que envolvem diferentes tipos de usos subtraíveis e não-subtraíveis, entre diferentes grupos de atores, através de uma
mistura de regimes de direito de propriedade dentro de uma mesma área (STEINS; EDWARDS 1999).
Um desafio atual na gestão de ecossistemas florestais nativos no Brasil, recursos tratados como bem de interesse comum,
é conciliar a conservação de florestas nativas e a produção agropecuária em propriedades privadas. Existe um grande déficit
Métodos
A partir das estruturas de análise de recursos de uso comum, em especial as propostas por Oakerson (1992) e Ostrom
(2007), foi adotada metodologia sistêmica para, em linhas gerais, analisar a condição do sistema de interesse “Conservação e
uso de floretas nativas em unidades de produção agrícolas privadas do Corredor Ecológico Chapecó”, nos anos de 2011 a 2013,
período em que foi realizada a pesquisa.
A área de estudo está inserida no Corredor Ecológico Chapecó, localizado na região Oeste do estado de Santa Catarina,
criado pelo Decreto Estadual n° 2.957/2010, com área de 5.170,47 Km² e abrangendo 23 municípios. Devido os recursos de inte-
resse da pesquisa serem as florestas nativas em unidades de produção agrícolas privadas, não foram incluídas na área de estudo
as unidades de conservação, terras indígenas e áreas com altitudes acima de 1000 metros, onde passa a ocorrer os ecossistemas
de Campos do Planalto (KLEIN, 1978). Portanto, a área de estudo abrange aproximadamente 56% da área do Corredor Ecológico
Chapecó, o que equivale a uma área de 289.315,47 ha.
Foi elaborado um mapa conceitual (OSTROM, 2007) ou mapa do sistema de interesse (THE OPEN UNIVERSITY, 2012)
da condição à época do sistema, tendo como componentes macro e microvariáveis consideradas relevantes na literatura dos
commons (OSTROM, 2007; OSTROM, 1990). Um mapa de um sistema de interesse é a representação gráfica da estrutura de
um sistema e que contribui para a reflexão, entendimento e planejamento de um sistema real (THE OPEN UNIVERSITY, 2012).
Foi feita a descrição da condição à época de cada variável ou componente do sistema de interesse, por vezes em escala
de paisagem, no âmbito da área de estudo no Corredor Ecológico Chapecó, e por vezes em escala de unidade de produção,
quando se referem às unidades de produção agrícolas privadas amostradas no âmbito da pesquisa de Zuchiwschi (2013).
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Figura 1. Mapa do sistema de interesse “Conservação e uso de florestas nativas em unidades de produção
agrícolas privadas do Corredor Ecológico Chapecó”.
Os componentes do mapa do sistema de interesse são descritos nos subitens que se seguem conforme as suas condições
à época da realização da pesquisa.
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samento mecânico aumentou 11% em relação a 2009 (EPAGRI/CEPA, 2013). As florestas plantadas também vêm aos poucos
substituindo as florestas nativas no fornecimento de lenha e de madeira para carvão vegetal (EPAGRI/CEPA, 2013).
Taxa de desconto
Uma outra variável importante na teoria sobre os recursos de uso comum é a taxa de desconto, que, segundo Ostrom
(1990), se refere ao valor atribuído a um recurso no espaço de tempo. A autora afirma que os indivíduos atribuem menor valor aos
benefícios que eles esperam receber em um futuro distante e maior valor aos que esperam receber no futuro imediato.
A taxa de desconto neste trabalho é relativa aos recursos florestais nativos, mas se aplica de forma indireta por meio das
opções disponíveis aos agricultores em relação ao uso da terra, o que tem consequências sobre a manutenção de maiores ou
menores áreas de florestas, na localização dessas florestas nos imóveis e até mesmo na qualidade da floresta, visto que algumas
atividades como a pecuária ou a exploração de erva-mate podem implicar em manejos intensivos das florestas.
No Corredor Ecológico Chapecó considera-se que existam situações relevantes entre os agricultores para essa variável
do sistema:
• taxas de desconto elevadas para agricultores com imóveis localizados em relevo plano a suave ondulado, onde é pos-
sível a mecanização da agricultura, devido o mercado favorável para a produção de grãos;
• taxas de desconto medianas para agricultores com imóveis localizados em relevo mais acidentado e que produzem
leite, o que demanda áreas menos propícias para mecanização para pastagem;
• taxas de desconto baixas para agricultores com imóveis localizados em relevo mais acidentado e que produzem suínos
e aves, não dependendo das áreas acidentadas para o sistema de produção, com exceção da produção de lenha para aqueci-
mento dos aviários.
Regime de propriedade
O regime de propriedade dos recursos florestais nativos presentes nas unidades de produção agrícolas do Corredor
Ecológico Chapecó é o privado, sobre o qual incide o regime jurídico “bem de interesse comum do povo” que limita os direitos
de propriedade, como o manejo e a apropriação dos recursos, através de regras operacionais estabelecidas por normas legais.
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740
Monitoramento
O monitoramento do cumprimento das regras operacionais está à cargo da fiscalização ambiental realizada no Estado
principalmente pela Polícia Militar Ambiental, mas também pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA) e por alguns órgãos
municipais de meio ambiente que possuem estrutura para tal atividade. A limitação de efetivos e a imensa área a ser coberta no
Estado limita o poder de atuação. Devido às limitações em fiscalização as sanções acabam sendo aplicadas a partir de denún-
cias, o que tem gerado conflitos nas comunidades rurais.
Sanções
As sanções para o descumprimento das normas legais estão previstas na legislação, principalmente pela Lei de Crimes
Ambientais (Lei 9.605/1998) e sua regulamentação (Decreto 6514/2008), e são graduais no sentido que consideram o tipo e a
dimensão do dano causado, porém estabelecem intervalos amplos para multas, o que dificulta a padronização entre os agentes
fiscais.
Enforcement
Os órgãos governamentais tem investido pouco em reforçar as regras de manejo, uso e conservação dos recursos flo-
restais nativos, o que ocorre, de forma predominante através de programas e projetos de desenvolvimento rural e educação
ambiental propostos e implementados por organizações da sociedade civil.
Um reflexo do fraco enforcement é o resultado encontrado em trabalho de Zuchiwschi (2013) em relação às informações
detidas pelos agricultores da área de estudo sobre as regras de conservação e uso dos recursos florestais nativos. Apenas 5%
dos entrevistados possuíam informações completas sobre a localização de APPs e somente 9% dos entrevistados possuíam
informações corretas sobre as medidas das APPs (ZUCHIWSCHI, 2013). Além disso, 68% dos entrevistados acreditam que não
existem possibilidades de uso dos recursos florestais nativos protegidos em APPs e RL, mesmo que de forma sustentável, o que
é previsto na legislação (ZUCHIWSCHI, 2013).
Conclusões
A elaboração do mapa do sistema de interesse e a descrição de alguns aspectos dos componentes do mapa, permitiu
identificar algumas variáveis que influenciam nas tomadas de decisão dos agricultores da área de estudo na conservação e uso
de florestas nativas.
Verificou-se que a área de estudo está inserida em uma região com importante contribuição para o mercado agropecuário
do Estado, e os sistemas de produção ali desenvolvidos estão em constante influência da dinâmica do mercado, como por exem-
plo, da demanda atual e crescente da produção de grãos, o que influencia no uso da terra e, consequentemente, na tomada de
decisão do agricultor em conservar ou não florestas nativas. Mesmo existindo regras para a conservação e uso das florestas nati-
vas, essa variável parece ter fraca influência sobre os agricultores porque são pouco conhecidas, a capacidade de monitoramen-
to do seu cumprimento pelo Estado é reduzida e faltam regras de manejo sustentável que incentivem a valorizem esses recursos.
O relevo é uma variável que pode condicionar o uso da terra, como por exemplo, as limitações para a agricultura me-
canizada em áreas de relevo acidentado, podendo favorecer a conservação de florestas, e está bastante vinculado com o sistema
de produção desenvolvido.
Apesar dos desafios de se lidar com essa situação complexa, a que se considerar que prevalece entre agricultores da
área de estudo a representação social positiva a respeito das florestas nativas e a família é a principal referência para as tomadas
de decisão desses agricultores.
Outros estudos são necessários na área de estudo para melhor elucidar a influência das variáveis identificadas neste
trabalho na conservação e uso das florestas nativas em unidade de produção agrícolas privadas.
Agradecimentos
Aos agricultores que participaram voluntariamente da pesquisa, à CAPES pela bolsa de estudo, à Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina e à Fundação do Meio Ambiente - FATMA pelos dados fornecidos.
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744
EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PROPOSTA DE FORTALECIMENTO DA GESTÃO
PARTICIPATIVA DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
COM PRESENÇA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS:
O CASO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA JUREIA-ITATINS (IGUAPE-SP)
1.Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas, Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba,
thais.cruz89@gmail.com 2.Profª Adjunta do Departamento de Ciências Humanas e Educação,
Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba, julianart@ufscar.br
Resumo
Unidades de Conservação (UC) são espaços que, além dos aspectos ecológicos, comportam relações sociais complexas por
vezes movidas por conflitos oriundos de divergências quanto às intenções de uso do território e dos recursos naturais e quanto à
distribuição do poder decisório, principalmente em UC de proteção integral com presença de comunidades tradicionais, como
é o caso da Estação Ecológica Jureia-Itatins (EEJI), instituída em 1986, localizada no Vale do Ribeira, estado de São Paulo. Essa
pesquisa buscou investigar a repercussão da criação da EEJI sobre as comunidades tradicionais locais, quanto à ocupação do
território, modo de vida e identidade cultural, bem como a participação social dessas comunidades tradicionais nos processos
decisórios da EEJI.
Introdução
Diante do atual cenário de degradação ambiental, decorrente do paradigma societário hegemônico que norteou a tra-
jetória de ocupação e exploração dos recursos naturais, a criação de áreas naturais legalmente protegidas, ou Unidades de
Conservação (UC), constitui uma das estratégias mundiais mais reconhecidas atualmente para a conservação de ecossistemas,
espécies e recursos naturais. Além da dimensão ecológica, esses espaços de reordenamento territorial integram-se fortemente
às regiões e comunidades em que se inserem de forma que possuem um enorme potencial de uso público para fins recreativos,
acadêmicos, educacionais e de oportunidades de fortalecimento de interações sociais e participação crítica cidadã (QUEIROZ,
2013).
Porém, o processo de criação e gestão das UCs, por vezes ainda é regido de uma forma fortemente centralizado e unila-
teral em detrimento de uma concepção mais pluralística que considere o contexto social, cultural, econômico e político em que
a UC está inserida (BRASIL, 2014). O poder de decisão envolvendo o uso dos recursos naturais e a ocupação territorial distribui-
se de forma não equitativa entre os grupos sociais envolvidos, resultando na exclusão das comunidades locais dos processos
decisórios e consequentemente no desperdício de um precioso potencial cultural, além do agravamento dos conflitos ambientais
locais (LOUREIRO; CUNHA, 2008).
A motivação dessa pesquisa partiu de uma reflexão pessoal sobre o papel da sociedade civil, sobretudo das comuni-
dades tradicionais, nos processos de tomadas de decisão envolvendo os recursos naturais, ocupação territorial e a transforma-
ção da realidade local de acordo com a concepção Crítica de Educação Ambiental. As comunidades que compartilham os seus
territórios com as áreas protegidas, além de possuírem o direito à participação, podem oferecer uma grande contribuição tanto
para a criação de processos de gestão ambiental como de estratégias de enfrentamento aos conflitos ambientais.
Nesse contexto de abordagem de UC, A Estação Ecológica Jureia-Itatins (EEJI), localizada no Vale do Ribeira (entre os
municípios de Iguape, Peruíbe, Miracatu e Itariri) e criada em 1986, foi eleita por estar inserida numa área de grande relevância
ecológica, abrigando a maior concentração (cerca de 66%) de áreas remanescentes da Mata Atlântica no Estado de São Paulo
(PEIXOTO, 2005), e consequentemente uma rica biodiversidade que vem inspirando pesquisas de diversas instituições do país
nos últimos anos.
O território compreendido pela EEJI e seu entorno também possui grande relevância do ponto de vista antropológico, cul-
tural e social, devido à forte presença de comunidades tradicionais caiçaras1, descendentes de povos que ocuparam a região há
centenas ou até milhares de anos, conforme constatado por evidências arqueológicas, sendo que atualmente existem 22 comuni-
dades no território (ALMEIDA et al., 2013). O conhecimento tradicional destas comunidades também tem sido recorrentemente
objeto de estudo de pesquisas de diversas áreas (QUEIROZ, 1992). Além disso, há o fator econômico, uma vez que a região tem
atraído fortemente o mercado imobiliário e o turismo de massa, e o fator histórico, já que a região foi uma das primeiras a serem
ocupadas pelos colonizadores ibéricos, desempenhando um importante papel nos ciclos econômicos do Brasil, do período co-
lonial até o século XX (DIEGUES, 2007).
Por se tratar de uma área protegida e ao mesmo tempo possuir presença humana, de comunidades tradicionais ou não
tradicionais, a EEJI também é caracterizada por historicamente protagonizar conflitos de interesses envolvendo setor imobiliário,
grandes empreendimentos, ambientalistas e comunidades tradicionais locais. Esses conflitos surgem a partir de diferentes in-
tenções de uso do território e dos recursos naturais abrangidos pelas UC, principalmente as de proteção integral, como é o caso
da EEJI, e já foram identificados e descritos por pesquisadores de diversas áreas, como Queiroz (1992), Nunes (2003), Peixoto
(2005), Bacelar & Silva (2008), entre outros.
Temas como percepção ambiental (PEIXOTO, 2005) e Educação Ambiental (EA) no contexto específico da EEJI também
aparecem, embora menos frequentemente. Visto que a EA ainda é relativamente pouco explorada em pesquisas desenvolvidas
na EEJI e seu entorno mesmo ocupando um papel de destaque nas políticas públicas e sendo reconhecida como um importante
meio de mediação de conflitos e fortalecimento das comunidades, esse trabalho busca reafirmar o papel da EA Crítica no forta-
lecimento da participação social no contexto da EEJI, do ponto de vista das comunidades tradicionais locais.
Dessa forma, os objetivos da pesquisa foram: (1) investigar como a criação da EEJI repercutiu sobre as comunidades
tradicionais locais, quanto à ocupação do território, modo de vida e identidade cultural; (2) identificar os conflitos nas relações
entre os diversos atores sociais que interagem com a UC e (3) diagnosticar a atual situação da EEJI quanto à participação so-
cial das comunidades tradicionais nas atividades que ocorrem na área e em seus processos decisórios, buscando responder
a seguinte pergunta: Qual poderia ser o papel da Educação Ambiental Crítica para o fortalecimento da gestão participativa e
mediação de conflitos na EEJI?
1
O termo “caiçara” define os indivíduos especificamente descendentes da miscigenação entre índios Guaranis e Carijós, europeus (principalmente portugueses,
mas também espanhóis, franceses e holandeses) e afrodescendentes, no litoral do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro (MERLO, 2009; DIEGUES, 2007).
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Metodologia
As repercussões da criação da EEJI sobre o modo de vida e arranjo social das comunidades tradicionais locais e as for-
mas de participação dessas comunidades, que compõem o objeto de estudo desta pesquisa, são processos dinâmicos determi-
nados por variáveis que estão além de um controle intencional. Dessa forma, a opção metodológica qualitativa, mais especifica-
mente o estudo de caso, demonstrou ser a mais viável. Em tal abordagem, o ambiente em que ocorrem os fenômenos estudados
constitui a fonte direta dos dados e o processo é mais enfatizado do que o produto em si (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
A etapa de coleta de dados consistiu em realização de entrevistas semiestruturadas aos integrantes de comunidades
tradicionais da Jureia que vivenciaram os desdobramentos da criação da EEJI. Os relatos foram registrados em gravações de
áudio e posteriormente transcritos. Na medida do possível, buscou-se garantir o anonimato dos entrevistados e entrevistadas,
uma vez que o contexto vivencial da EEJI é um tanto frágil e conflituoso.
Para fins analíticos, as entrevistas foram divididas em seis categorias de análise determinadas a partir das respostas (ou
“a posteriori”), a saber: (1) impactos da criação da EEJI sobre modo de vida e identidade cultural das comunidades tradicionais
locais, (2) relação entre equipe gestora da EEJI e comunidades tradicionais locais, (3) arranjo da participação das comunidades
tradicionais da EEJI, (4) contribuição das comunidades tradicionais à conservação da natureza, (5) EA e comunidades tradi-
cionais na EEJI e (6) perspectivas futuras. Os relatos foram analisados pontuando-se as semelhanças entre eles, identificando
elementos comuns nas falas para assim traçar o panorama atual da EEJI e propor encaminhamentos para o fortalecimento da
gestão participativa.
Resultados e Discussão
Os resultados foram divididos em categorias apresentadas em tópicos contendo as questões, alguns depoimentos que
sintetizam os elementos mais recorrentes nas falas, seguidos pela análise e considerações, conforme a seguir.
Sobre a criação da EEJI e seus impactos sobre modo de vida e identidade cultural
das comunidades tradicionais locais
Essa primeira categoria buscou entender quais os impactos da criação da EEJI sobre o modo de vida e a identidade cul-
tural das comunidades que já ocupavam o território. Dessa forma, essa categoria contemplou as seguintes perguntas: (1) “Como
era o modo de vida nas comunidades antes da EEJI?”, (2) “Como foi a criação da EEJI, você se lembra?” e (3) “A EEJI trouxe
alguma mudança para as comunidades? O que mudou?”.
“As comunidades caiçaras, que vivem do Paraná ao Rio de Janeiro, sempre viveram da agricul-
tura de subsistência, itinerante, o extrativismo, a pesca e a caça, tudo de subsistência. E tudo o
que produzia ou pescava a mais, era vendido. Dependem totalmente da natureza, pra fazer o
remo, o pilão, a canoa, a cama, o capim pra fazer o colchão, só usa coisa do mato. O alimento
é do mato, só a roupa que ia buscar na cidade, e roupa era bem pouquinha que a gente tinha.
Basicamente vivem da floresta, da terra e do mar. Tudo o que tem ali nos ecossistemas.” [E3]
“Na época, eles diziam que queriam fazer um santuário ecológico, mas não falaram da situação
de ser EE, que se proíbe pesca, agricultura... então quando os caiçaras que viviam lá olharam pra
isso, viram que era uma coisa completamente diferente, porque começou a vir guarda-parque,
entrar na casa das pessoas, abrir tampa de panela pra ver se tava com caça, abrir guarda-roupa
pra ver se tinha espingarda, então foi se tornando um ambiente muito difícil de se viver” [E5]
“Aí quando vieram esse pessoal do meio ambiente, foram apertando, apertando cada vez mais...
já não podia mais fazer a roça, já não podia mais cortar uma madeira, que já vinha processo e
multa em cima, não tinha mais como sobreviver” [E4]
Todos os depoentes descrevem o modo de vida da comunidade como estritamente dependente dos recursos naturais,
ressaltando, principalmente a agricultura de subsistência. O próprio arranjo social era organizado em função da agricultura de
subsistência: a rotina, o trabalho e até mesmo as manifestações culturais, como o tradicional fandango caiçara, que ocorria após
os “mutirões” de trabalho na roça, como se fosse uma celebração após o trabalho. Os relatos também destacaram muito a extra-
ção de madeira da caixeta (Tabebuia cassinoides), árvore caracterizada por sua madeira clara, porosa, leve e macia, sendo por
“Eles se reuniram com a comunidade, muitas vezes... Mas falam, falam, de um jeito que a gente
não entende, falam uma coisa, fazem outra. Até hoje é assim. (...) a última foi em outubro [de
2014], no salão paroquial, mas eles nem avisaram a comunidade, muita gente nem foi, não ficou
sabendo.” [E1]
“O que mais a gente faz é se reunir com eles [gestores]. E tem sido muito dramático, a todo custo
eles querem dizer que a comunidade chegou depois da Estação Ecológica (...) o que é absurdo
e vai contra todas as evidências, que mostram que a comunidade está aqui há muito tempo.” [E5]
Pode-se concluir que a relação entre as comunidades e os órgãos gestores, principalmente no período que se sucedeu à
criação da EEJI, é extremamente distanciada, e um dos fatores que contribuiu fortemente para isso, além de toda a questão políti-
ca e econômica, é a falta de acessibilidade por parte dos representantes desses órgãos gestores, que é manifesta até mesmo na
linguagem que eles usam ao conversar com os moradores: vocabulário técnico e distante da realidade em que as comunidades
estão inseridas, gerando falhas de comunicação e, consequentemente, afastando as possibilidades de diálogo significativo. Essa
hipótese pode ajudar a entender, por exemplo, porque muitos moradores afirmam nunca terem sido procurados pelo poder
público e órgãos gestores para serem informados sobre as implicações em se transformar a área em UC de proteção integral,
ao passo que outros afirmem que sim, que foram informados, mas na época não compreenderam plenamente quais seriam as
consequências disso para o seu modo de vida.
Atualmente, as reuniões entre representantes da comunidade e equipe gestora da EEJI, bem como de suas instâncias su-
periores, ainda são marcadas por tensões e conflitos, e a comunidade encontra dificuldades em se inserir nos debates de forma
equitativa, sendo que muitas vezes não chegam nem mesmo a ter oportunidade de trazer suas demandas e sanar suas dúvidas, o
que os impulsiona a buscarem outros mecanismos de participação nos processos decisórios, o que nos leva ao próximo tópico.
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“Quando criaram a EE, em 1986, começou a chegar a polícia, multar um, multar outro, proibir a
pesca, proibir a roça, já não podia mais reformar casa (...) Foi aí que a gente começou a se orga-
nizar, se reunir, criamos a UMJ [União dos Moradores da Jureia].” [E3]
“A UMJ, é a nossa associação política, né. A AJJ, ela cuida mais dessa parte artística, né, mostrar o
fandango, a cultura em si. A UMJ é mais pela questão dos territórios, como se trabalha o território.
Se a gente vai fazer uma oficina na escola, a gente vai como AJJ, agora se for mais embate político
em assembleia, ou numa questão mais federal, a gente vai como UMJ.” [E5]
Todos os entrevistados mencionaram a União dos Moradores da Jureia (UMJ) e a Associação dos Jovens da Jureia (AJJ),
entidades estabelecidas no início da década de 1990 com o intuito de fortalecer as comunidades tradicionais locais, garantir seu
direito de permanência nos seus territórios e consolidar sua identidade cultural, reconhecendo a importância dessas entidades
para as conquistas alcançadas e para o fortalecimento de sua identidade cultural.
De acordo com os relatos, as reuniões, tanto da UMJ quanto da AJJ são realizadas mensalmente, ocorrendo reuniões
extraordinárias conforme a demanda. O contato associação-comunidade é realizado pessoalmente, e também via e-mail, blogs e
redes sociais. As lideranças dessas associações são escolhidas democraticamente por um processo eleitoral que ocorre a cada
dois anos. Embora haja certa hierarquia (sendo que há cargos de lideranças, como presidentes, vice, tesoureiros, entre outros),
o processo procura ser o mais democrático e transparente possível, sendo que nas reuniões, inclusive nas deliberativas, todos
tem a oportunidade de se manifestar.
Para amplificarem seu reconhecimento, legitimidade e participação, tanto a UMJ quanto a AJJ, de maneira organizada,
têm buscado outras vias, como parcerias com universidades e instituições de pesquisa que lhes dão respaldo acadêmico, além
de ONGs, para levar suas demandas a instâncias superiores, como Defensoria Pública e Ministério Público Federal, ou mesmo
a articulação com outras comunidades tradicionais, de outras localidades que enfrentam conflitos parecidos, o que tem con-
tribuído para o empoderamento dessas comunidades, resultando em diversas conquistas e encaminhamentos no cenário local
e nacional.
Apesar dos obstáculos e de todas as tentativas de silenciamento e rechaço à sua participação, as comunidades tradicio-
nais da EEJI se empenharam arduamente e incessantemente para garantirem seus direitos territoriais, culturais e ambientais,
construindo um histórico de resistência, ainda que isso não seja tão devidamente valorizado e reconhecido. Interessante notar
que essas comunidades atualmente estão muito bem respaldadas, academicamente e juridicamente, e inteiradas sobre os seus
direitos, graças à sua própria iniciativa, enquanto povo organizado, de estabelecer o diálogo entre os saberes tradicionais e o
saber acadêmico através das parcerias firmadas.
“Nunca houve desmatação grande por parte dos trabalhadores da terra, por causa disso, aí... a
gente escolhia um pedaço de mata virgem, porque tudo isso aí é conhecido por nós, mata virgem
que nunca foi mexida, o mato que foi mexido que vai indo, vai indo e vira caporão, que é madeira
mais grossa. A gente escolhia o lugar pra fazer a roça, plantava, ficava ali uns dois ou três anos e
depois não mexia mais, porque a terra vai perdendo a força que tinha, aí tinha que deixar o mato
crescer ali de novo, e escolhia outro lugar pra plantar de novo a roça” [E4]
“Depois da saída das comunidades do território onde hoje é a Estação Ecológica, as áreas mais
destruídas são as áreas em que não tem mais ninguém, porque a própria casa, o fato de ter gente
morando, já cria uma proteção no entorno.” [E5]
Um aspecto que foi explorado nos depoimentos é o “efeito inibidor regional” que as comunidades tradicionais exercem
nos territórios que ocupam, agindo como obstáculo contra o avanço do desmatamento, o que torna as áreas protegidas com
presença dessas comunidades mais conservadas em relação às áreas “vazias”, mesmo as de proteção integral (BRASIL, 2014).
Esse aspecto faz dessas comunidades, potenciais colaboradoras do poder público nos objetivos conservacionistas, não seus
“Na EEJI é permitido EA, só que é muito complexo, tem que ter um projeto muito específico e
bem alinhado com os objetivos da unidade, mas não presta EA à sociedade, nem à comunidade.
O que tem lá são alguns monitores, geralmente pessoas da comunidade, que conhecem o lugar,
que acompanham só os pesquisadores, e no máximo alguns grupos de escolas. (...) E aí ele passa
todo o conhecimento da comunidade pra esses pesquisadores, acompanha, vai mostrando. (...)
mas só para esses pesquisadores.” [E5]
Aproximadamente um terço dos entrevistados criticou o modelo de EA que ocorre na EEJI, relatando que ele é excludente
(ou até mesmo inexistente) e em nenhum momento contempla a participação das comunidades tradicionais. Baseando-se nos
relatos, é possível inferir que não há um programa de EA, muito menos de EA Crítica, dentro da EEJI e, quando ocorre alguma
atividade nesse sentido, é de maneira pontual e desconexa da realidade local, como visitas monitoradas de grupos ou escolas,
por exemplo.
“São várias formas, uma é excluir as UC de proteção integral dos territórios que tem presença de
comunidade, ou mudar de categoria, para RDS, que o estado vai gerir, mas garantindo, pelos pla-
nos de manejo e tudo, que a comunidade possa viver, trabalhar, viver conservando como ela faz
sempre. (...) Dá pra conciliar as duas coisas, com certeza, o ser humano e o meio ambiente.” [E5]
“Para mim só tem um fator para isso acontecer, que é mantendo as comunidades no lugar, porque
assim você tem as duas coisas, você consegue manter as gerações futuras e a conservação do
meio ambiente. E a própria questão da gestão também, incluir mais a comunidade.” [E6]
“Naquele momento, a EE foi essencial, pela questão das usinas nucleares, mas que deveria ter
sido discutida imediatamente, logo após, esse modelo, essa categoria, para, de repente, discu-
tir uma recategorização, para um modelo que permitisse uso sustentável, que não excluísse as
populações que pertencem aquele território (...) ” [E3]
“Está havendo um maior interesse do estado, do poder público em se aproximar das comuni-
dades tradicionais, mas isso devido à pressão dos movimentos sociais. E os grupos que de al-
guma forma se aproximam das comunidades tradicionais, também estão acreditando mais. Está
havendo uma maior demanda nesse sentido.” [E3]
A recategorização imediata de UC de proteção integral para UC de uso sustentável em casos de presença comprovada
de comunidades tradicionais, através de estudos sociológicos e antropológicos prévios, foi quase que unanimemente apontada
como uma solução viável a curto e médio prazo para os conflitos. Porém, esse modelo de recategorização deve ser discutido
juntamente com a comunidade, ouvindo suas demandas, respeitando seus direitos territoriais e de participação. Do contrário,
o problema de exclusão e marginalização da comunidade acaba sendo recorrente, como tem sido no caso da Jureia, mesmo
após a recategorização em 2013. Esse modelo de recategorização mais inclusivo e participativo para a EEJI é uma das principais
bandeiras levantadas por essas comunidades.
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Interessante ressaltar que, como expresso nas falas, os moradores, de uma forma geral não se opõem à intervenção do
poder público no sentido de resguardar áreas de relevância ecológica e social, nem contra as políticas ambientais em si. O que
eles combatem é a forma centralizadora, e por vezes autoritária que essas políticas são instituídas e desenvolvidas, que acaba
deixando de lado e até mesmo criminalizando grupos que já são historicamente fragilizados.
Portanto, as associações das comunidades tradicionais da EEJI são espaços que contribuem fundamentalmente para
a construção de processos participativos, mas, conforme exposto pelos entrevistados ainda encontram limitações para se in-
serirem nos processos decisórios sobre a destinação dos recursos naturais e uso do território da EEJI devido à dificuldade de
diálogo com o órgão gestor que administra a EEJI e a ausência de um plano de manejo definido e de um conselho consultivo.
Dessa forma, os entrevistados apontaram que os próximos encaminhamentos centram-se em continuar buscando uma aproxi-
mação do diálogo com o poder público, que vem se mostrando mais aberto em atender às suas demandas, bem como fortalecer
a discussão sobre um modelo de recategorização que realmente contemple a valorização e participação da comunidade, no
planejamento, elaboração do plano de manejo e gestão da área protegida em questão.
Considerações Finais
Os conflitos observados em UC de proteção integral com presença de comunidades tradicionais atestam, de maneira
irrefutável, a indissociabilidade entre os aspectos naturais e sociais. Por essa razão, é necessário se superar a visão fragmentada
que atrela as UC unicamente a aspectos “naturalistas”, enxergando-as como espaços que agregam diversas relações sociais e
possibilidades de participação social e experiências educativas. Além disso, o planejamento e instituição de novas UC devem
partir de um amplo processo de discussão entre as partes afetadas por esse processo, contemplando não só a biodiversidade,
como também a diversidade social. Esse debate tem se expandido nos últimos anos, principalmente devido ao aumento das mo-
bilizações dos movimentos sociais e dos documentos oficiais (nacionais e internacionais) e políticas públicas que estenderam o
reconhecimento aos povos e comunidades tradicionais, defendendo a permanência dos mesmos em seus territórios de origem.
Porém, a relação entre órgãos gestores de UC e comunidades tradicionais, de uma forma geral, ainda permanece dis-
tanciada e conflituosa, como é o caso da EEJI, UC de proteção integral inserida numa das regiões mais relevantes (e paradoxal-
mente mais vulneráveis) do ponto de vista ecológico, histórico, cultural e social do Brasil. Podemos concluir que a criação desta
UC foi resultado de um processo centralizador, o que resultou na marginalização das comunidades tradicionais, que tiveram
suas atividades de subsistência restritas, além de suspensão de serviços públicos como saúde e educação, o que forçou muitas
famílias a deixarem os seus territórios e migrarem para as periferias das cidades vizinhas, o que significa não mais vivenciar a
sua cultura de modo pleno, o que vem afetando a construção da sua identidade enquanto caiçaras e os expondo a diversos pro-
blemas sociais, como a violência urbana, desemprego, dificuldade de acesso a serviços públicos, entre outros.
Como forma de enfrentamento a esses conflitos, os remanescentes das comunidades que ainda vivem no território e
mesmo os que já o deixaram, organizam-se e mobilizam-se através de suas entidades de representação, a UMJ e a AJJ, estabe-
lecendo parcerias com outras instituições e comunidades, construindo assim suas vias de participação, ainda que nem sempre
sejam adequadamente reconhecidas e legitimadas pelos órgãos gestores.
Outro aspecto das UC, inclusive as da categoria de proteção integral, se refere à EA, prevista no SNUC como uma das
principais finalidades destes espaços. Porém, a concepção de EA que prevalece na EEJI (conforme os relatos obtidos nesta pes-
quisa) ainda se restringe muito a conceitos como sensibilização, numa abordagem desconexa do contexto social e da realidade
local, além de contemplar uma porção muito reduzida da sociedade. Já a EA Crítica, que problematiza as questões ambientais,
encarando-as como resultado de um modelo de civilização e como processo histórico, se configura como um importante ins-
trumento de transformação social em espaços não formais como as UC, uma vez que seu esforço educativo se converge para
as causas, e não para os efeitos, da problemática ambiental. Tal concepção de EA pode fortalecer o senso crítico dos sujeitos,
tornando-os mais reflexivos, fortalecendo sua participação crítica nos processos decisórios, oferecendo subsídios para a criação
de novas políticas públicas e a construção de um novo (e necessário) paradigma de conservação da natureza, o que, portanto,
responde à pergunta de pesquisa: Qual é o papel da Educação Ambiental Crítica para o fortalecimento da gestão participativa
e mediação de conflitos na EEJI?
Contudo, a discussão sobre EA e gestão participativa no contexto da EEJI está longe de se esgotar aqui, de forma que
se pretende dar continuidade a essa pesquisa futuramente, estabelecendo como objetivo a elaboração e desenvolvimento, de
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O PROGRAMA DE VOLUNTARIADO DO INSTITUTO CHICO MENDES DE
CONSERVAÇAO DA BIODIVERSIDADE COMO MECANISMO DE INTERFACE
SOCIOESTATAL E/OU PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Dau, Julia Zapata Rachid1 & Oliveira, Flávia Cristina Gomes de2
Resumo
Este trabalho analisa o Programa Nacional de Voluntariado no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade como
mecanismo de interface socioestatal. Para tal, utiliza-se dados como adesão das unidades de conservação federais e dos cen-
tros nacionais de pesquisas ao Programa, bem como número de vagas oferecidas pelo Instituto para a prestação de serviço
voluntário. Conclui-se que embora a concepção do Programa Nacional de Voluntariado tenha sido regulamentada como política
pública com interface socioestatal, a complexidade de sua implementação a torna uma ferramenta de participação social iso-
lada, à medida que não promove efetivamente a cogestão das unidades de conservação federais.
Introdução
O Programa Nacional de Voluntariado – PNV do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio foi
regulamentado por meio de uma Instrução Normativa em 2009. Desde então, a busca em realizar serviço voluntário nas unidades
de conservação federal e centros nacionais de pesquisa, unidades descentralizadas vinculadas ao ICMBio, vem crescendo ano a
ano. Inicialmente as atividades vinculadas à área de proteção eram as que tinham maior oferta de vagas. Atualmente, já é possível
perceber uma mudança para as áreas de pesquisa e uso público.
Um estudo específico sobre as causas do aumento de vagas e procura pela sociedade sobre este tipo de atividade poderá
ser realizado em outro momento. A princípio buscaremos entender se o voluntariado, ou mais especificamente o Programa de
Voluntariado do ICMBio, pode ser considerado como um mecanismo efetivo de participação social e/ou interface socioestatal.
Até que ponto esta interface interfere na implementação da política pública?
Para responder tal problema, ao longo deste trabalho, utilizaremos o conceito de interface socioestatal apresentado por
Pires e Vaz e as ideias de Avritzer, que defende que a participação social nas políticas públicas deve ser analisada conforme
seus efeitos democráticos e distributivos. Posteriormente apresentaremos, além da metodologia utilizada, o histórico do PNV e
analisaremos alguns dados sobre vagas disponibilizadas e unidades descentralizadas que aderiram ao Programa. Finalmente,
apresentaremos algumas considerações finais.
“... a adoção do conceito de interface socioestatal, em vez do usualmente adotado conceito de par-
ticipação social, como embasamento teórico-analítico com maiores alcance e poder explicativo e
de compreensão não apenas do papel, mas principalmente, das influências e impactos dos tipos
de canais instituídos e concretizados pelo governo em relação tanta à sociedade quanto à própria
estrutura da administração pública. A interface consiste num espaço político, isto é, num espaço
de negociação e conflito, estabelecido intencionalmente entre atores, cujos resultados podem
gerar tanto implicações coletivas, quanto implicações estritamente individuais”. (ISUNZA; HEVIA,
2006 apud PIRES; VAZ, 2012, p.15)
Deste modo, esclarecem com base nos textos de Isunza e Hevia, que a interface estatal é constituída por uma interface
política, que pode ser compreendida por suas subdivisões: a interface mandatória, a interface de transferência e a interface de
cogestão. Diferentemente, portanto, da análise de participação social que constitui a interface cognitiva, que pode ser entendida
pela interface de contribuição, interface de transparência e interface comunicativa (PIRES; VAZ, 2012).
O conceito de interface socioestatal, como apresentado acima, nos parece mais apropriado para a análise da realidade
brasileira atual, já que a interface socioestatal é entendida como um espaço político e, como tal, a compreensão da relação do
Estado e da sociedade dar-se-á por meio da compreensão do papel e dos impactos que este espaço político desencadeia nas
políticas públicas. No caso do Programa Nacional de Voluntariado do Instituto Chico Mendes, a concepção da gestão da biodi-
versidade, a cargo do Estado, torna-se permeável à atuação dos cidadãos, criando espaços de construção coletiva de conheci-
mento e permitindo o engajamento social no debate e na justificação dos conteúdos normativos da própria política ambiental. No
âmbito do Programa, pode-se afirmar que estão combinados na atuação voluntária mecanismos que ampliam os instrumentos
de participação, viabilizando a cogestão pública.
Assim, ao atuarem como espaços da formação democrática da opinião e da vontade coletiva, as unidades de conser-
vação federais e os centros nacionais de pesquisa tornam-se instâncias geradoras de poder legítimo. Na concepção do PNV,
a sociedade civil é entendida como uma esfera solidária e corresponsável pela gestão da biodiversidade, contribuindo com os
processos que legitimam o poder estatal.
Sob esta ótica, as unidades de conservação federais e os centros nacionais de pesquisa do ICMBio, enquanto área ter-
ritorial, passam a constituir espaços políticos e, enquanto política pública, uma interface socioestatal. De modo análogo ao que
ocorre com as cidades e sobretudo com os municípios, a relação de afinidade e pertinência da população local com as unidades
descentralizadas do ICMBio potencializa o desenvolvimento de instrumentos de participação social, ao mesmo tempo em que
compromete a comunidade com as decisões quanto a iniciativas e prioridades na gestão dessas áreas públicas, acabando por
constitui-se em mecanismo legítimo de interface socioestatal.
1
Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
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754
Metodologia
Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizado levantamento bibliográfico sobre o tema participação social no Brasil
e mecanismos de interface socioestatal2, bem como pesquisa histórica da legislação relativa ao trabalho voluntário em unidades
de conservação. Para a coleta de informações sobre o Programa Nacional de Voluntariado do ICMBio - PNV, foi utilizado o
cadastro das unidades descentralizadas participantes do Programa, elaborado no formato de relatório, e atualizado até julho
de 2014 pela Coordenação Geral de Proteção, área responsável pela coordenação nacional do PNV no âmbito do Instituto. Na
análise realizada, foram consideradas apenas as informações relativas ao número de unidades descentralizadas que aderiram ao
Programa entre 2009 e 2014, bem como ao número de vagas disponibilizadas anualmente para o serviço voluntário por área de
atuação, denominada “linha temática”. As demais informações, referentes à avaliação anual do PNV e da atuação dos voluntários,
encontravam-se incompletas e pouco sistematizadas. Portanto, por se tratar de fonte com baixa confiabilidade, tais informações
foram desconsideradas na análise e conclusões do presente trabalho.
Histórico Normativo
Voluntários que realizam atividades em unidades de conservação não é novidade em outros países. Nos Estados Unidos,
por exemplo, o trabalho voluntário faz parte da cultura norte americana e muitos cidadãos utilizam seu tempo livre para se dedi-
car às atividades em áreas protegidas.
Nos dois órgãos do governo norte americano que administram as unidades de conservação, a saber, o U.S. Forest Ser-
vice e o U.S National Park Service, o programa de voluntariado está consolidado e é reconhecidamente fundamental não só para
incrementar a força de trabalho, bem como para garantir a destinação de recursos para estes órgãos gestores e/ou unidade de
conservação específica.
No Brasil, o trabalho voluntário foi normatizado pela Lei nº 9.608/1998, que definiu serviço voluntário como atividade não
remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública ou instituição privada sem fins lucrativos, sem gerar vínculo empre-
gatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim. O referido diploma legal teve como preocupação central
explicitar a natureza não-trabalhista do serviço voluntário, mais do que normatizá-lo como mecanismo de participação social.
Na área de meio ambiente, a atividade voluntária foi legitimada com a criação dos “mutirões ambientais”, por meio da
Resolução nº 03/1988, do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. O ato normativo destinou-se a permitir a participa-
ção de entidades civis com finalidades ambientalistas no exercício de atividade fiscalizatória em áreas protegidas, por meio da
constituição de mutirões.
Com a finalidade de regulamentar o funcionamento dos mutirões ambientais, foi editada a Instrução Normativa nº 19/2001,
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Nesta ocasião, surgiu a figura do Agente
Ambiental Voluntário - AAV, novo ator no cenário ambiental federal, com participação definida em ato normativo e vinculada à
entidade ambientalista sem fins lucrativos. A despeito das atribuições fiscalizatórias conferidas aos mutirões ambientais terem
sido largamente contestadas, inclusive por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 2.714/2003, vislumbra-se com
a introdução da figura do AAV o cerne embrionário de um importante mecanismo de participação social na área ambiental.
Em 2002, o serviço voluntário em unidades de conservação federais foi regulamentado por meio do Decreto nº 4.519/2002.
Embora demonstre a mesma intencionalidade já consolidada na Lei nº 9.608/1998, qual seja, distinguir o serviço voluntário das
atividades remuneradas exercidas com vínculo empregatício, a edição do referido Decreto apresenta como avanço a demarca-
ção legal de um novo espaço de participação social por meio da atividade voluntária: o território das unidades de conservação
sob domínio da União.
Com vistas à regulamentação do Decreto, em 2005 o Ministério do Meio Ambiente - MMA publica a Portaria nº 19/2005,
2
Mecanismos de interface socioestatal é definido por Pires & Vaz como a base para análise das interações Estado e sociedade, “desde a participação social em
fóruns coletivos e deliberativos, (...) às formas mais restritas e individualizadas de contato” (PIRES & VAZ, 2012. p.6)
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05: Sistemas de Gestão e Governança
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Copa3. Ademais, o apelo à questão ambiental passou a atrair substancialmente a participação de estudantes e pesquisadores
junto às unidades de conservação e centros de pesquisa do ICMBio, ocasionando o aumento da oferta de vagas para o serviço
voluntário especializado.
Também no caso das linhas temáticas ligadas ao uso público e à pesquisa, tal como ocorreu inicialmente com a proteção
ambiental, percebe-se que o interesse quanto ao incremento da força de trabalho por meio do serviço voluntário permanece
como fator determinante quanto à disponibilização de vagas, e, portanto, como elemento direcionador da participação social.
Na análise quanto à quantidade de unidades descentralizadas que aderiram ao Programa por ano, de acordo com a
TABELA 2, observa-se que até 2012 o número de adesões era crescente, período em que ocorreu incremento institucional na
formação das brigadas para atuarem nas emergências ambientais, tornando-se decrescente em 2013 e 2014 – ressalvando-se
que a consolidação dos dados ocorreu até julho/2014. Ademais, verifica-se que mais da metade das adesões foi realizada pelas
unidades de conservação do grupo “Proteção Integral”, que inclui as categorias “Parque Nacional”, “Reserva Biológica” e “Es-
tação Ecológica”, as quais atraem, sobretudo, a atuação de voluntários das áreas de pesquisa, conservação da biodiversidade,
uso público e proteção ambiental.
Vale ressaltar que apesar de ser baixo o número de adesões, proporcionalmente ao número de unidades de conservação
e centros de pesquisa geridas pelo ICMBio (Figura 1), o Programa Nacional de Voluntariado não possui financiamento próprio,
nem ação orçamentária específica para suportar os custos de sua implementação. Neste sentido, o PNV implementa-se por seu
baixo custo (muitas vezes custo zero), e em decorrência da articulação dos gestores das unidades de conservação no sentido de
captar recursos e buscar parcerias locais para custear eventuais despesas.
Ademais, a adesão ao PNV acaba por se tornar restrita às unidades de conservação localizadas próximas aos núcleos
urbanos, fato que facilita tanto no deslocamento dos voluntários e no conhecimento por parte da sociedade daquela área pro-
tegida, quanto na existência de articulações e parcerias locais para patrocínio das atividades a serem realizadas. Destacamos
que grande parte das unidades de conservação localiza-se distante dos centros urbanos, fato que dificulta o estabelecimento de
parcerias ou outros meios para captação de recurso para este fim. Além da localização, a existência de algum atrativo específico
em uma determinada unidade de conservação também justifica a adesão ao Programa e o interesse do cidadão em se deslocar.
Neste cenário de restrições, a existência de 27% das unidades de conservação federais que aderiram ao Programa deve ser
considerando um número expressivo.
3
O Projeto Parques da Copa trata-se do investimento de R$ 10,4 milhões, por meio do Ministério do Turismo, em 16 unidades de conservação federais, cujo objetivo
principal consistiu na melhoria da infraestrutura de acesso. Outras informações sobre o Projeto Parques da Copa podem ser obtidas junto ao Ministério do Turismo,
Ministério do Meio Ambiente e Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio.
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758
Figura 1. Percentual de unidades de conservação que aderiam ao PNV do ICMBio.
Fonte: Organizado pelo autor. Dados: Programa Nacional de Voluntariado do ICMBio.
Percebemos assim, que não obstante a relação entre sociedade e Estado seja concebida na normatização do Programa
Nacional de Voluntariado do ICMBio como uma interface socioestatal, a partir da previsão de cogestão das unidades descen-
tralizadas, ainda hoje esta interface não foi efetivada. A implementação do Programa necessita de financiamento próprio para
que assim possa expandir as atividades para outras unidades descentralizadas que não possuem fontes de recursos próprias.
Além disso, linhas temáticas como “Gestão Socioambiental” e “Produção e Uso Sustentável”, que ainda apresentam baixa
adesão por parte das unidades descentralizadas e, consequentemente, menor quantitativo de vagas disponibilizadas, carecem
de incentivo institucional para o fortalecimento da interface com a Sociedade por meio do trabalho voluntário, principalmente por
envolverem ações estrategicamente relacionadas à participação social.
Considerações Finais
Inicialmente levantamos o problema se o Programa Nacional de Voluntariado do ICMBio pode ser considerado como
um mecanismo efetivo de participação e/ou interface socioestatal e até que ponto esta interface interfere na implementação da
política pública.
Apresentamos no histórico normativo que a concepção do Programa Nacional de Voluntariado reeditado pelo ICMBio
extrapola o conceito de instrumento de participação social, passando a ser concebido como mecanismo de interface socioestatal
na área de meio ambiente.
No entanto, por meio dos dados levantados junto a Coordenação Nacional do Programa, identificou-se que inicialmente
o PNV esteve voltado às ações de emergências ambientais, sendo vislumbrado como forma de aumento de mão de obra. Mais
recentemente, em um novo contexto, aumentou a oferta de vagas em outras linhas temáticas, envolvendo atividades vinculadas
à pesquisa da biodiversidade e ao uso público, mas o Programa continuou sendo prioritariamente visado como incremento
de força de trabalho. Adicionalmente, o fato do PNV não possuir financiamento próprio e depender de parcerias locais para
patrocínio e execução das atividades fragiliza a ampliação do Programa e, consequentemente, dificulta a sua implementação.
Neste sentido, concluímos que despeito da concepção do Programa Nacional de Voluntariado ter sido proposta e regu-
lamentada como política pública com interface socioestatal, sua implementação a torna uma ferramenta de participação social
isolada, à medida que não promove efetivamente a cogestão das unidades de conservação federais, restringindo a promoção
dos efeitos democráticos e distributivos.
BRASIL. Decreto nº 4.519 de 13 de Dezembro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 16/12/02, Seção I, Pág. 6.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Instrução Normativa nº 19 de 5 de novembro de
2001. Diário Oficial da União, Brasília, 13/11/01, Seção I, Pág. 91.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Instrução Normativa nº 66 de 12 de Maio de 2005.
Diário Oficial da União, Brasília, 23/05/05. Seção I, Pág. 55 e 56.
BRASIL. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Instrução normativa nº 03 de 02 de Setembro de 2009. Diário
Oficial da União, Brasília, 18/09/09, Seção I, Pág. 95 a 98.
BRASIL. Lei nº 9.608 de 18 de Fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, 19/02/98, Seção I, Pág. 30.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 19 de 21 de Janeiro de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 24/01/05, Seção
I, Pág. 103.
CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução nº 3 de 16 de março de 1988. Diário Oficial da União,
Brasília, 16/11/88, Seção I, Pág. 22.123.
PIRES, R.; VAZ, A. Participação social como método de governo? Um mapeamento das “interfaces socioestatais” nos pro-
gramas federais. Texto de Discussão. Ipea: Rio de Janeiro, fevereiro de 2012.
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760
POSSIBILIDADES PARA OS MOSAICOS DE ÁREAS PROTEGIDAS: A EXPERIÊNCIA
DO 1° ENCONTRO PARA O DIÁLOGO ENTRE COMUNIDADES AGRÍCOLAS E
TRADICIONAIS E PARQUES DO MOSAICO CARIOCA (RJ)
Marques, Ana Carolina1; Pena, Ingrid Almeida de Barros2 & Marques, Maria Clara de Oliveira3
Resumo
O Mosaico de Áreas Protegidas é um instrumento de gestão e ordenamento territorial previsto pela lei que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, e pressupõe a gestão integrada de áreas protegidas, tanto no que tange ao aspecto
ecossistêmico, quanto institucional. O trabalho trata da 1° experiência do Mosaico Carioca como um promotor do encontro entre
o poder público e alguns grupos de produtores agrícolas e quilombolas da cidade do Rio de Janeiro, que tem a dinâmica de suas
vidas afetadas pela gestão das áreas protegidas. A configuração deste encontro foi o evento “1° Encontro para o Diálogo entre
Comunidades agrícolas e tradicionais e Parques do Mosaico Carioca, Experiências: Parque Estadual da Pedra Branca e Parque
Estadual do Mendanha”, realizado em dezembro de 2014. Com base neste acontecimento, são apresentadas algumas reflexões
tecidas sobre o papel dos MAP no contexto deste tipo de conflito.
Palavras-chave: Mosaico de Áreas Protegidas, Comunidades Agrícolas e Tradicionais, Conflito Socioambiental, Mosaico Ca-
rioca; Gestão Integrada.
Introdução
O Mosaico de Áreas Protegidas (MAP) é um instrumento de gestão e ordenamento territorial previsto pela Lei n°9.985/2000
que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A criação de um MAP está relacionada à existência de
áreas protegidas próximas, justapostas e sobrepostas.
Este intrumento pressupõe a gestão integrada de áreas protegidas, tanto no que tange ao aspecto ecossistêmico, quanto
institucional, tendo um conselho de caráter consultivo como sua instância de gestão. Como a gestão de uma determinada área
protegida pode ocorrer nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), a gestão dos mosaicos implica a integração
entre as esferas de governo, dependendo das áreas protegidas abarcadas por um MAP. Além disso, o conselho deve ser consti-
tuído por representantes do governo e da sociedade civil. Neste sentido, fazem parte da gestão de um MAP não só os gestores
das áreas protegidas, mas também representantes de empresas, universidades, ONGs e outros segmentos sociais (em alguns
casos, historicamente excluidos) que possuem a dinâmica de suas vidas afetada pela gestão, uso e ocupação de uma determina-
da área protegida. Assim, segundo Gidsicki (2013), os MAP vêm se consolidando como um dos mais importantes instrumentos
que promovem a gestão integrada e participativa dessas áreas e sua inserção positiva nos territórios.
Segundo Loureiro et al. (2014), desde 2007, no estado do Rio de Janeiro, é possível observar um aumento de mobilização
para a criação e consolidação dos mosaicos, principalmente pela SEA/RJ e órgãos vinculados (até outubro 2007 IEF e FEEMA, e
atualmente o Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Para os autores, as iniciativas representam uma tentativa de enfrentamento
de um cenário em que as UC (as estaduais, e, principalmente, as municipais) possuem dificuldades para garantir o cumprimento
de suas competências institucionais, com pouco incentivo para a consolidação de estratégias participativas e integradas de
gestão territorial (não só no estado do Rio de Janeiro, mas por circunstâncias históricas do país) e representam também uma
busca por articulação com outras políticas setoriais. Assim, recentemente estes órgãos passaram a fomentar a criação e fortaleci-
mento de MAP e corredores ecológicos.
Neste contexto, alguns MAP, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, tem exercido um papel importante como espaços de
encontro e diálogo entre representantes da sociedade civil e do governo. Neste contexto, os MAP podem ser considerados um
instrumento em potencial para se pensar as transformações sociais associadas às áreas protegidas.
O Mosaico Carioca
O Mosaico Carioca, reconhecido em julho de 2011 pela Portaria nº 245 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), está inte-
gralmente inserido na malha urbana, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, com pequenas partes nos municípios de Nova
Iguaçu e Nilópolis. Conforme sua portaria de reconhecimento, o Mosaico Carioca é composto por 23 (vinte e três) UC, sendo 2
(duas) federais, 4 (quatro) estaduais e 17 (dezessete) municipais. Tal composição está representada na Figura 1.
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Figura 1. Mosaico Carioca de Áreas Protegidas, conforme portaria de reconhecimento, n° 245, de 11 de julho de 2011.
Fonte: Gerência de Gestão de Unidades de Conservação, SMAC, 2013.
Entre os anos de 2012 e 2013, algumas UC foram recategorizadas e criadas para compatibilizar sua gestão com a real
dimensão e função da área. Em junho de 2013, uma equipe do Instituto Brasileiro de Anáises Sociais e Econômicas (Ibase)
iniciou a execução do “Projeto Mosaicos da Mata Atlântica: Fortalecimento da sociobiodiversidade da Mata Atlântica e apoio à
gestão integrada de Mosaicos de Áreas Protegidas”, custeado com recursos de compensação ambiental estadual e supervisio-
nado pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Por intermédio desta iniciativa,
foi realizado o processo de constituição do conselho consultivo do Mosaico Carioca, incluindo a elaboração de seu regimento
interno e desenvolvimento dos planos de ação (2014 - 2016). Neste contexto, foi elaborada uma proposta de uma nova portaria
ministerial para o Mosaico Carioca, contemplando as mudanças em relação à composição das UC e do conselho consultivo. O
documento foi enviado ao MMA no primeiro semestre de 2014, e até o momento em que o presente trabalho foi concluído não
houve resposta (PENA, 2015).
O conselho conta com a participação de mais de 30 representantes de diferentes instituições: órgãos públicos ambi-
entais, universidades, empresas e movimentos sociais organizados. Um destes movimentos é a Rede Carioca de Agricultura
Urbana (Rede CAU)1, que compreende o Mosaico Carioca como um espaço de atuação para estabelecer um diálogo sobre a
importância e o valor das famílias agricultoras em UC (DIAS; MORAES, 2015).
O plano de ação foi elaborado de forma participativa no primeiro semestre de 2014, agrupados em torno de temas con-
siderados estratégicos: Conservação da biodiversidade, Uso Público, Socioambiental e Proteção. Para apoiar a implementação
dos planos de ação, posteriormente foram criadas câmaras temáticas (CT), e no âmbito destas, grupos de trabalhos (GT).
Um dos objetivos do tema Conservação da Biodiversidade é “Construir diálogo com as comunidades agrícolas no interior
(e entorno) das UC do Mosaico Carioca”. Cumpre salientar que este objetivo foi apresentado como uma demanda pela con-
selheira do Mosaico Carioca representante da Rede CAU, durante a elaboração participativa do Plano de Ação do Mosaico. As
estratégias para o cumprimento do objetivo foram pensadas conjuntamente com outros conselheiros. A relevância deste objetivo,
isto é, o diálogo entre os gestores de UC e as comunidades agrícolas e tradicionais que estão presentes e atuantes no território
do Mosaico, está no entendimento de que esta é a única forma possível de encontrar os melhores caminhos para compreender
e solucionar os conflitos existentes.
1
Criada em 2009, a Rede CAU reúne mais de 30 organizações para a defesa da agroecologia na cidade do Rio de Janeiro. Participam representantes de diversas or-
ganizações populares; agricultores, instituições de pesquisas e ensino; e agentes governamentais e não governamentais que se percebem com autonomia para essa
representação. A rede está vinculada à Articulação de Agroecologia do Estado do Rio de Janeiro (AARJ), ao Coletivo Nacional de Agricultura Urbana, e à Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA) (AS-PTA, 2015).
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Destacam-se como temas de debate: a necessidade de tornar as informações referentes ao Mosaico Carioca (e às UC abarca-
das por ele) acessíveis (tanto fisicamente quanto à adequação de linguagem), a possibilidade de o Mosaico ser um apoiador
no reconhecimento de comunidades tradicionais inseridas no seu território e a necessidade de tornar a Trilha Transcarioca2 um
projeto mais inclusivo e próximo à realidade social que está inserido.
A estruturação do evento contou com uma mesa de abertura, uma apresentação sobre o Mosaico Carioca, e 3 mesas
redondas: 1) Conflitos; 2) Resistências; e 3) Convergências (finalização e encaminhamentos).
De modo geral, o acontecimento consistiu na exposição de questões que perpassam os conflitos territoriais, em especial
os fundiários e os ligados à atividade agrícola, a partir da perspectiva de moradores, quilombolas, produtores e produtoras agrí-
colas que vivem dentro e no entorno dos dois parques estaduais do Mosaico Carioca. Os principais conflitos pontuados foram,
a invisibilidade dos agricultores pelo fato da prefeitura municipal declarar que não existe área rural no município, os agricultores
serem tratados como principais infratores, os privilégios dados a infratores e invasores de maior poder aquisitivo, a população
ser ignorada em projetos para o território como a Trilha Transcarioca, de forma a favorecer os interesses do mercado, e a espe-
culação imobiliária e favelização. Como principais oportunidades foram apontadas o apoio que os moradores dão à conservação,
afastando invasores e degradadores, a chance deles se capacitarem em práticas agroecológicas e se organizarem em associa-
ções e cooperativas, a chance de discutir como apoiar a permanência da agricultura sem que isso implique em inobservância
da legislação ambiental, além da abertura do diálogo por si só. Tanto agricultores quanto gestores enxergam ameaças comuns,
como a especulação imobiliária, favelização e a realização indevida de corridas de Motocross dentro das UC, o que evidenciou
a importância de uma atuação conjunta para a conservação e não uma exclusão das comunidades agrícolas, tratando-as da
mesma forma como se tratam infratores.
Agradecimentos
A elaboração deste trabalho foi possível graças à todo o grupo de trabalho empenhado na organização e execução do
“1° Encontro para o Diálogo entre Comunidades agrícolas e tradicionais e Parques do Mosaico Carioca, Experiências: Parque
Estadual da Pedra Branca e Parque Estadual do Mendanha”, na organização das reuniões de mobilização pré-evento. Foram
produtores rurais, representantes de organizações sociais e servidores da SMAC e INEA que tornaram possível este primeiro
para um objetivo em comum. Neste sentido, os autores agradecem especialmente à: Bernadete Montesano, Maria das Graças
Nascimento, Vinicius de Laia, Marco Antonelli, Carlos Dário, Alexandre Chagas Francisco Caldeira, Sandro Da Silva Santos,
Alexandre Pedroso, Sílvia Baptista, Alba Simon, Rita Montezuma, Daniela Albuquerque, Claudemar Mattos, Marta Varges, Clau-
dia Magnanini, Madalena da Silva Gomes, Solimar Oliveira de Farca, Luiz Carlos do Nascimento e Pedro dos Santos, que partici-
param ativamente nas etapas de mobilização e organização do evento.
Além desses, agradecemos também à todos os participantes do evento, que contribuíram com os ricos debate: Renan
Zanatta, Rafael Ribeiro, Mario Luiz, Marcelo Barros de Andrade, Christiane dos Santos Rio Branco, Fernanda da Silva Figueira
Rodrigues, Daniel Machado de Oliveira Patrícia Tavares, Renato Silva, Nazário Luz, Stella Rodriguez, Maria Regina, Morgana
Mazelli, Carlos Alberto Riacalvo, Sampaia do Rosário, Aurea Alves do Nascimento, Arnaldo Costa, Roberto Nascimento, Laura
Sinay, Marcia Cristina, Jorge Cardia, Francisco Souza, Annelise Fernandez, Cristina Novais, Eric Vidal, Vagner Rodrigues, Vinicius
Bertin, Rodolfo Lobato, Emilia Jomalinis, Marcelo Correa, Saney Souza, Herica Simone, Gabriel Ribeiro Batista e Lorena Dávila.
Referências
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aspta.org.br/2015/03/agroecologia-espaco-de-producao-dos-encontros-das-organizacoes-camponesas/>Acesso em 14 julho 2015.
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Rio de Janeiro. 2009.
1. Mestranda no PPG em Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná – UFPR, mariliabk@gmail.com Curitiba - Brasil.
2. Professor Doutor do Departamento de Ciências Florestais – UFPR.
Resumo
A RPPNM Cascatinha foi a primeira RPPNM a ser criada no município de Curitiba. Criada no ano de 2007, serviu de inspiração
para a criação de outras áreas protegidas privadas em Curitiba. Após cerca de 8 anos da sua criação, este trabalho teve o objetivo
de avaliar a situação atual da área em relação a sua efetividade de manejo. O método utilizado foi o denominado Efetividade de
Manejo de Áreas Protegidas (EMAP). Para isso, foram utilizados dados sobre a gestão da reserva obtidos por meio de entrevista
sobre os seguintes âmbitos: planejamento e ordenamento, administrativo, conhecimento, qualidade dos recursos naturais e usos
atuais. A RPPNM Cascatinha registrou 64% de efetividade de manejo, o que é considerado um padrão mediano de qualidade de
gestão de acordo com a escala adotada.
Palavras-chave: Efetividade de Manejo de Áreas Protegidas, Unidade de Conservação, Áreas Verdes Urbanas, Áreas Protegidas
Privadas.
Introdução
Matos & Queiroz (2009) definem áreas verdes urbanas como locais inseridos em uma cidade, com solo não imperme-
abilizado e com a presença de vegetação, predominando a arbórea. Elas podem ser de uso público ou privado e incluem várias
categorias, como arborização de ruas, avenidas, rotatórias, praças, parques, jardins, dentre outras, devendo cumprir as funções
ecológica, social e estética.
As áreas de vegetação nativa nas cidades, além de embelezarem a paisagem, preservam espécies vegetais, oferecem
abrigo e alimentação para a fauna, contribuem para a boa qualidade do ar, mantêm a integridade e permeabilidade do solo re-
duzindo o risco de enchentes e erosões, regulam o microclima reduzindo as “ilhas de calor”, entre tantos outros benefícios diretos
e indiretos (PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, 2013).
Desde a década de 70 o poder público de Curitiba vem implementando políticas municipais, mecanismos legais e fiscais
a fim de conservar todas estas áreas verdes, sejam elas privadas ou públicas (PANASOLO et al; 2014). Nos últimos dez anos,
a área dos maciços florestais de Curitiba teve um aumento significativo, passando de 18 para 26% da área do município, sendo
que o índice de áreas verdes que era de 51,5 m²/hab em 2000 aumentou para 64,5 m²/hab em 2010 (CURITIBA, 2012). Dessas
áreas, conforme Ribeiro (2012), aproximadamente 25% encontram-se em unidades de conservação municipais e 75%, em áreas
particulares.
Ações de conservação da natureza em propriedades privadas são consideradas uma importante estratégia para a pro-
teção da biodiversidade (LANGHOLZ, 1996; LANGHOLZ; LASSOIE, 2001). Segundo Primack & Rodrigues (2005), reservas
pequenas, localizadas próximo a áreas habitadas, podem servir de excelentes centros de estudos da natureza e educação para
conservação.
De acordo com o Sistema Nacional de Unidade de Conservação, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é
uma unidade de conservação de uso sustentável, instituída em áreas privadas, gravada com perpetuidade, que tem como obje-
tivo conservar a diversidade biológica (BRASIL, 2000).
Assim, a capital paranaense se tornou a primeira cidade do país a instituir o instrumento de Reserva Particular do Pa-
trimônio Natural Municipal (RPPNM). A primeira RPPNM de Curitiba, denominada RPPNM Cascatinha, nasceu do esforço de
moradores do bairro de Santa Felicidade, na zona oeste de Curitiba. A proposta começou a nascer em 2002, quando entidades do
bairro fizeram fóruns com seus membros buscando identificar ações voltadas a garantir a qualidade de vida na região. O grupo
decidiu investir na despoluição do rio que dá o nome a RPPNM, contratou um levantamento de flora, fauna, ictiologia e qualidade
Materiais e Métodos
Caracterização da área
A RPPNM Cascatinha foi criada por meio do Decreto nº 234, de 27 de março de 2007. A área possui 8.201,25 m², está
localizada na rua Sebastião Santos, no bairro de Santa Felicidade, município de Curitiba. O rio conhecido por Cascatinha corta
a unidade e pertence à sub-bacia do rio Barigui. Está inserida no Bioma Mata Atlântica, na ecorregião da floresta com araucária
ou Floresta Ombrófila Mista (BASTOS, 2005).
Segundo inventário realizado por BASTOS (2005), na unidade o fragmento de vegetação caracteriza-se como um rema-
nescente da Floresta Ombrófila Mista Aluvial, diretamente ligada à existência do rio Cascatinha, e há a ocorrência de pelo menos
52 espécies de mamíferos, 95 espécies de aves, duas de anfíbios e duas de peixes.
A RPPNM Cascatinha tem por função básica a promoção da preservação da biodiversidade, através da proteção da
fauna, da vegetação nativa e dos recursos hídricos ali localizados, em caráter irrevogável. Na RPPNM Cascatinha será possível o
desenvolvimento de atividades de pesquisa científica e visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (CURITIBA,
2007).
Processo Metodológico
A metodologia utilizada para se medir a efetividade da gestão da RPPNM foi a denominada Efetividade de Manejo de
Áreas Protegidas (EMAP), desenvolvida por Cifuentes, Izurieta & Faria (2000), sendo incorporadas algumas modificações pro-
postas por Faria (2004), Pellin (2010) e pelos autores.
A aplicação desta metodologia implica no uso de indicadores, em acordo com os objetivos de manejo da categoria de
gestão das unidades a serem avaliadas, a construção de cenários ótimos e atuais para cada indicador e associação destes a uma
escala padrão (PELLIN, 2010), onde o maior valor corresponde à melhor situação e o menor valor corresponde à pior situação
possível de ocorrer no sistema. Os indicadores selecionados compreendem os seguintes âmbitos: político e legal, planejamento
e ordenamento, administrativo, conhecimento, qualidade dos recursos naturais e usos atuais, conforme demonstrada na Tabela 1.
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Comparando-se proporcionalmente o cenário ótimo com o cenário atual, obtém-se um valor em porcentagem que, cor-
relacionada a uma escala de valoração, define o nível de eficácia do manejo (Tabela 2).
Resultado e Discussão
A RPPNM Cascatinha foi criada com o principal motivo de conservar espécies e ecossistemas, proteger recursos hídri-
cos e por satisfação pessoal do proprietário da área. Quando criada, não recebeu apoio, pois não existia a figura da RPPNM insti-
tucionalizada no município de Curitiba, havendo posteriormente, incentivos decorrentes da Lei nº 12.080 de 2006. A propriedade
pertence à mesma família há cerca de 30 anos. No local, antigamente, havia plantação de vime.
Em relação ao âmbito legal, não existem problemas jurídicos relacionados ao seu processo de reconhecimento, pois
possui seu memorial descritivo e é averbada na matrícula do imóvel. Atualmente, conta com um incentivo relacionado a isenção
de IPTU e com uma certidão de venda de potencial construtivo. Com esta certidão, o proprietário pode transferir o direito que
ele tem de construir na unidade para outro local que não tenha restrições ambientais, respeitados os parâmetros previstos na
legislação específica (PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, 2013).
De acordo com o mesmo autor, o roteiro para criação e elaboração do plano de manejo e conservação de Reservas Par-
ticulares do Patrimônio Natural Municipal de Curitiba, solicita a elaboração do relatório anual contendo a avaliação da efetividade
da área para a conservação da biodiversidade, especificando quais atividades estão sendo desenvolvidas no local, e qual a apli-
cação do recurso financeiro eventualmente destinado à manutenção da área. Este relatório não está sendo elaborado anualmente
por falta de cobrança da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA).
No âmbito político, a unidade não conta com parceiros para a gestão da área, mas já contou com apoio técnico que auxi-
liou no alcance dos seus objetivos específicos de manejo. O proprietário participa com frequência das reuniões da Associação
de Proprietários de Áreas Verdes de Curitiba e Região Metropolitana (APAVE). Também frequenta reuniões relacionadas a con-
servação da natureza. A reserva também realiza ações de divulgação junto a sociedade, tais como em jornais e redes sociais, e
a sua relação com a população do entorno é boa.
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Com relação ao planejamento da área, a unidade tem como principais objetivos de manejo conservar espécies e ecos-
sistemas, conservar o rio Cascatinha, promover a educação ambiental, conservar a beleza cênica e preservar o bairro onde se
localizada a unidade e o local onde os primeiros moradores frequentavam para pegar água.
A unidade possui um plano de manejo aprovado pela SMMA no ano de 2010, porém, como ele foi elaborado anterior-
mente ao roteiro para criação e elaboração do plano de manejo e conservação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural
Municipal de Curitiba do ano de 2013, não possui os programas e zoneamento conforme solicita este documento.
Na parte administrativa, a reserva possui um administrador e uma pessoa que trabalha com serviços gerais, mas não pos-
sui uma infraestrutura adequada para o manejo. Há a intenção de implantar uma sede para a administração, uma portaria, trilhas,
decks, placas de sinalização e infraestrutura para a realização de arvorismo, porém não existe uma previsão para o começo das
obras.
Em relação ao conhecimento sobre a unidade, as informações biofísicas, socioeconômicas e cartográficas estão dis-
poníveis para utilização na área, por meio do documento denominado “Relatório Final da Área Cascatinha”, sendo estes dados
utilizados como subsídios para o manejo, porém as informações geradas por pesquisas desenvolvidas ainda são escassas e não
estão acessíveis na unidade.
Sobre a qualidade dos recursos naturais, cerca de 70% da área está conectada a remanescentes de vegetação nativa, e
entre 5 a 15% da área está degradada ou em recuperação. A caça, o incêndio florestal, as invasões, a pressão urbana, a poluição
e as espécies exóticas são consideradas como ameaças a unidade.
No âmbito usos atuais, existem somente atividade permitidas na unidade, sendo estas compatíveis com os objetivos de
manejo, porém as normas que as regulam são pouco claras.
Com esses dados analisados, a RPPNM Cascatinha registrou 64% de efetividade de manejo, o que de acordo com a clas-
sificação proposta por Faria (2004) é considerado um padrão mediano (de 55 a 69,99%) de qualidade de gestão. Isso significa que
ela apresenta problemas pontuais, mas eles interferem no efetivo manejo e no alcance dos seus objetivos.
Não existem muitos estudos relacionados à avaliação da efetividade de manejo de reservas particulares no Brasil. Um
deles foi realizado por Mesquita (1999), que avaliou o manejo de quatro reservas privadas do Brasil e duas da Costa Rica. Das
reservas do Brasil, foi concluído que apenas uma destas reservas, a Reserva Natural Salto Morato, era classificada como um
padrão elevado de gestão, de acordo com escala utilizada neste trabalho. As outras três áreas, Estação Veracruz, Fazenda Bom
Retiro e Ecoparque de Uma, enquadraram-se em um padrão mediano de gestão.
Debetir (2006) avaliou a gestão das unidades de conservação sob influência de áreas urbanas, realizando o estudo no
município de Florianópolis. Entre as unidades de conservação analisadas, duas eram RPPNs, a Reserva Natural Menino Deus e
a Reserva Particular do Patrimônio Natural Morro das Aranhas, ambas com padrão inferior de eficácia.
Outro estudo, realizado no estado do Mato Grosso por Pelin (2010), mostrou que 17,6% das RPPNs deste estado possuem
um padrão elevado de manejo, sendo que 11,8% têm um padrão de excelência, 17,6% possuem um padrão elevado, 20,6% pos-
suem um padrão muito inferior e 32,4% possuem um padrão inferior de gestão.
Conclusões
A RPPNM Cascatinha teve 64% de efetividade de manejo, o que de acordo com a classificação adotada, é considerado
um padrão mediano (de 55 a 69,99%) de qualidade de gestão.
Como ponto positivo, destaca-se que os documentos necessários para a criação (memorial descritivo) e a averbação na
matrícula do imóvel estão conforme a legislação pertinente, todos os usos realizados são permitidos, cerca de 70% da área está
conectada a remanescentes de vegetação nativa. Pode-se mencionar também que em relação ao conhecimento, as informações
biofísicas, socioeconômicas e cartográficas são detalhadas e estão à disposição para consulta na unidade.
Esta unidade tem um importante papel na história da política ambiental de Curitiba, pois é a primeira RPPNM de Curitiba,
tendo sido inclusive a inspiração para a criação da legislação que normatiza este tipo de unidade. Por ter sido a primeira a ser
criada, o seu plano de manejo não possui os programas e o zoneamento em acordo com o roteiro metodológico que foi publicado
posteriormente, prejudicando o planejamento da área e assim o seu manejo efetivo. A elaboração do relatório anual, com todas
as especificações solicitadas no roteiro metodológico, se caracterizou como um ponto negativo, pois é por meio deste relatório
que a Prefeitura Municipal de Curitiba avalia a efetividade de gestão das RPPNMs de Curitiba.
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nicipal - RPPNM no município de Curitiba, revoga as leis nº12.080, de 19 de dezembro de 2006 e Lei nº13.899, de 9 de dezembro
de 2011. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/2015/1458/14587/lei-ordinaria-n-14587-2015-
reestrutura-o-programa-das-reservas-particulares-do-patrimonio-natural-municipal-rppnm-no-municipio-de-curitiba-revoga-as-
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Resumo
O trabalho relata o processo de construção participativa de um Termo de Compromisso entre a Estação Ecológica de Tamoios,
unidade de conservação federal de proteção integral na baía da Ilha Grande, RJ, e pescadores artesanais da comunidade de
Tarituba. Situa o contexto de implementação da unidade de conservação a partir de meados da década de 2000, evidenciando
os fatores que contribuíram para o desvelamento dos conflitos devido à apropriação de territórios tradicionais da pesca artesanal
pela unidade de conservação. Descreve o processo de construção do acordo entre os anos de 2012 até o momento atual. Reflete
sobre as possibilidades do termo de compromisso enquanto instrumento de gestão para as unidades de conservação, processo
de construção participativa e instrumento de gestão pesqueira; com um longo caminho a percorrer para garantir efetividade a
processos participativos de longo prazo.
Introdução
Este trabalho relata o percurso de um processo de gestão: a construção de um termo de compromisso entre pescadores
artesanais da comunidade de Tarituba, em Paraty, e a Estação Ecológica de Tamoios, unidade de conservação federal de pro-
teção integral situada na baía da Ilha Grande, litoral sul do estado do Rio de Janeiro, sob administração do ICMBio (Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Este termo de compromisso se insere na história recente de implementação das unidades de conservação nesta região,
que se deu junto com o progressivo desvelamento de conflitos inerentes a interação entre os diferentes atores, interesses e visões
com esses espaços especialmente protegidos.
O termo de compromisso é um instrumento de gestão previsto no Decreto nº 4.340/20021, que definiu em seu artigo 39
que as condições de permanência de populações tradicionais em unidades de conservação de proteção integral seriam regu-
ladas por um termo de compromisso negociado entre as partes, órgão gestor e populações, com participação do conselho da
unidade, até que houvesse condições de reassentamento.
Na experiência que relataremos não há população residente na UC e sim usuários dos recursos das áreas marinhas da
unidade, uma vez que o território marinho da baía da Ilha Grande é território tradicional da pesca artesanal.
O Termo de Compromisso da ESEC Tamoios tem sido objeto de estudo de trabalhos acadêmicos recentes (ARAUJO et
al., 2014; DE FREITAS, 2014; JOVENTINO, 2013; TRIMBLE; ARAUJO; SEIXAS, 2014; JOVENTINO; JOHNSSON; LIANZA, 2013)
que o tem analisado dentro de uma perspectiva de iniciativas institucionais de mitigação de conflitos e gestão compartilhada
dos recursos pesqueiros, valorizando a participação, o compartilhamento de poder e de responsabilidade sobre as tomadas de
decisão (KALIKOSKI; SEIXAS; ALMUDI,, 2005) .
Este relato inclui os últimos capítulos deste processo em construção, não abordados nos trabalhos citados, na perspec-
tiva da técnica responsável pela condução do processo na UC.
Breve contextualização
A baía da Ilha Grande está situada no sul do estado do Rio de Janeiro e inclui os municípios de Angra dos Reis
e Paraty. Além de ser detentora de relevância paisagística singular e de ser classificada como área de importância biológi-
caextrema para a conservação da biodiversidade brasileira2, congrega também um grande volume e diversidade de ativi-
1
O Decreto 4.340/2002 regulamentou artigos da Lei 9.985/2000, que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC
2
De acordo com a Portaria MMA nº 126, de 27 de maio de 2004, que estabeleceu “Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de
Benefícios da Biodiversidade Brasileira”.
3
Portaria MMA nº 349, de 11 de dezembro de 2006, que instituiu o Mosaico Bocaina
4
Entretanto, a escolha das ilhas que integrariam a ESEC Tamoios foi feita no início da década de 80.
5 O Decreto nº 84.973/1980 estabelece a necessidade de co-localização de estações ecológicas e usinas nucleares.
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Figura 1. Localização da Comunidade de Tarituba e dos dois blocos de ilhas da ESEC Tamoios propostos no
Termo de Compromisso. Fonte: Informação Técnica ESEC Tamoios nº 21/2013
6
De acordo com o SNUC (Lei 9.985/2000), todas as categorias de UC de proteção integral, como é o caso das Estações Ecológicas, devem ter conselhos de caráter
consultivo.
7
Colônias de Pescadores dos municípios de Angra dos Reis e Paraty, Secretarias Municipais de Pesca de ambos os municípios, Ministério da Pesca e Aqüicultura,
Associações de Maricultores, Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro e Capitania dos Portos da Marinha do Brasil.
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que deveriam ser atendidas11, afirmando que: “de acordo com o SNUC e demais atos normativos referentes aos direitos das
populações tradicionais, seria possível firmar termo de compromisso com pescadores artesanais que utilizam áreas da ESEC
para exercer pesca de subsistência, atividade que inclusive caracteriza o modo de vida das populações caiçaras”.
Matéria publicada no ICMBio em Foco12 nº 193, de maio de 2012, celebrava o início dos trabalhos: expectativas de forta-
lecimento das parcerias, respeito às práticas das populações tradicionais, aprendizado. Reconhecia-se que era um instrumento
de gestão ainda pouco experimentado pelo instituto, sem receitas prontas, gerando por outro lado grande oportunidade de
aprendizado institucional. A primeira reunião de retomada da Câmara Temática de Aquicultura e Pesca do Conselho Consultivo
da ESEC Tamoios se deu no dia 25 de abril de 2012, com o objetivo de nivelar entendimentos sobre o processo de construção
participativa, conhecer as etapas que deveriam ser trilhadas e planejar os primeiros passos do trabalho coletivo.
Em 2012 ocorreu a etapa de mobilização e articulação, com várias reuniões comunitárias, e também a etapa de levan-
tamento de informações secundárias. Estas foram apresentadas de uma forma sistematizada na reunião da Câmara Temática
realizada em 28 de junho de 2012. Nesta reunião também foi constituído um grupo de trabalho, com um número menor de insti-
tuições13, com uma dedicação maior para a condução dos trabalhos do TC. Em outubro de 2012 foi realizado o cadastramento
de 68 pescadores de Tarituba, com o apoio das instituições do grupo de trabalho. O cadastramento reuniu dados familiares,
socioeconômicos, das embarcações utilizadas na pesca, caracterizou as modalidades de pesca praticadas e reuniu dados de
comercialização. Esses dados foram analisados e apresentados na última reunião do ano do Conselho Consultivo da ESEC
Tamoios, em dezembro de 2012. Relatório interno da UC no período avaliava que “o processo de elaboração de Termos de Com-
promisso na ESEC Tamoios evoluiu bastante em 2012, tem um conjunto robusto de parceiros comprometidos com a agenda,
pode ser exemplo na Instituição para outros TCs e precisa manter o seu ritmo e compromisso com a sociedade, garantindo a
transparência e coerência” (ICMBio, 2012).
Em 2013 as atividades de construção participativa foram retomadas com uma oficina realizada em abril de 2013, que teve
como objetivo acordar critérios de participação no TC e pactuar as principais regras de uso. Neste momento foi estabelecido
também um objetivo superior para o TC, que nos acompanhou ao longo de todo o processo: “Contribuir com a formação de
laços genuínos de confiança, solidariedade e respeito entre ESEC Tamoios, pescadores de Tarituba e demais parceiros en-
volvidos no TC, atributos necessários para a condução de processos de longo prazo, com compromisso e continuidade”. Nesta
oficina foram pactuados os seguintes critérios para a participação no TC:
•Moradores de Tarituba;
• Abranger tanto pescadores comerciais artesanais quanto pescadores não comerciais de subsistência,
•Que possuam histórico de pesca na família, com atividade anterior à criação da ESEC Tamoios
• Que dependam da área da ESEC Tamoios para a atividade;
• Com embarcações de baixa mobilidade (canoas a remo);
• E que exerçam artes de pesca tradicionais (na oficina foram listadas um conjunto de artes de pesca tradicionais, que
depois foram validadas pelo grupo de beneficiários)
Com o apoio do grupo de trabalho foram identificados dentre os pescadores cadastrados os dois grupos que deveriam
compor o TC: pescadores comerciais artesanais e pescadores não comerciais de subsistência. Os pescadores comerciais arte-
sanais são aqueles que vivem basicamente da pesca. Os pescadores ditos de subsistência são moradores de Tarituba, muitas
vezes aposentados ou com outro meio de vida, mas que tem a pesca como tradição e que defendem o direito de poder pescar
ocasionalmente no “quintal de suas casas”, ou seja, nas áreas em frente à comunidade, que hoje se transformaram em áreas da
ESEC Tamoios.
Depois da oficina realizada em abril, ocorreram duas reuniões com um conjunto significativo dos pescadores envolvidos.
A primeira, realizada em maio de 2013, apresentou uma devolutiva da análise do cadastramento feito em outubro de 2014, que
11
Posteriormente, foi publicada a Instrução Normativa nº 26, de julho de 2012, que estabeleceu diretrizes e regulamentou os “procedimentos para a elaboração,
implementação e monitoramento de termos de compromisso entre o Instituto Chico Mendes e populações tradicionais residentes em UC onde sua presença
não seja admitida ou esteja em desacordo com os instrumentos de gestão”, detalhando as etapas necessárias para a construção desses acordos e estratégias de
monitoramento durante a fase de implementação.
12
Informativo semanal de circulação interna do ICMBio.
13
O grupo de trabalho foi formado por integrantes do ICMBio, lotados na ESEC Tamoios, da FIPERJ (Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro), AMOT
(Associação de Moradores de Tarituba), Colônia Z-18 de Paraty, Câmara de Vereadores de Paraty e APEPAD (Associação dos Pescadores Profissionais e Amadores
do 4º Distrito de Angra dos Reis).
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participativo da pesca artesanal e de subsistência na localidade de Tarituba, em Paraty... A expectativa dos pescadores é
grande quanto ao anúncio da data em que finalmente o acordo será chancelado pelo Instituto”.
Finalmente, após parecer favorável da Procuradoria do Instituto, a chefia da UC recebeu autorização da presidência do
Instituto para a assinatura dos TACs, inicialmente somente com os 25 pescadores que integravam o grupo de pescadores co-
merciais artesanais15.
A cerimônia de assinatura dos termos se deu em clima de festa, na XXX Reunião do Conselho Consultivo da ESEC
Tamoios, em 11 de dezembro de 2014. Faltavam ainda as assinaturas dos Procuradores do Ministério Público e do Presidente
para que finalmente os TACs fossem validados e publicados no Diário Oficial da União. As assinaturas dos procuradores foram
obtidas logo após a reunião e em seguida o processo e todos os TACs assinados foram despachados para o gabinete da
presidência do ICMBio.
A assinatura do acordo foi notícia em vários meios de comunicação. No site do Mosaico Bocaina16 a assinatura do acordo
com pescadores artesanais da comunidade de Tarituba foi noticiada com um momento inédito e promissor no território do
Mosaico Bocaina, considerando o potencial que esses acordos podem trazer, tanto para a conservação da natureza como para
as dinâmicas sociais das comunidades locais A notícia foi replicada no site do Instituto Socioambiental17 e no Diário do Vale18,
um jornal diário de circulação regional, foi registrada a declaração de um dos pescadores: “Vivo da pesca há 25 anos. Esse
acordo vai ser muito importante para a comunidade”. O site Foco Regional19 destacou em sua manchete: “Moradores de Tarituba
poderão pescar legalmente na ESEC Tamoios”, destacando que seria o primeiro TAC com o setor pesqueiro no país, e que havia
a expectativa da conquista ser estendida a outros pescadores do município. No site do MPF20 a manchete foi: “MPF garante pes-
ca tradicional à comunidade em Paraty e conservação da Estação Ecológica de Tamoios”, notícia replicada no site Ecodebate21.
O ano de 2015 teve início com a mobilização da equipe da UC para dar início às atividades de monitoramento participa-
tivo, ao mesmo tempo em que aguardava a publicação oficial dos TACs no Diário Oficial da União. No dia 08 de abril, quando
foi realizada a primeira reunião do Conselho Consultivo da ESEC Tamoios em 2015, o presidente do ICMBio compareceu e
informou que o a direção do ICMBio errou, que o TAC era muito permissivo, comprometedor para o instituto e inviável para
assinatura. Solicitou mais um voto de confiança para elaborar uma proposta alternativa e propôs uma reunião extraordinária em
30 dias para apresentar essa nova versão a ser elaborada. Pouco tempo depois houve mudança na presidência do ICMBio. Não
houve a reunião extraordinária no prazo previsto nem foi elaborada a nova versão. Em maio de 2015 o Procurador da República
que assinou os TACs pelo MPF oficiou Diretor do ICMBio solicitando informação quanto a assinatura dos TACs22. O presidente
da Câmara de Vereadores de Paraty, que participou ativamente de todo o processo desde o seu início, tem enviado mails para o
Ministério de Meio Ambiente e para o ICMBio, cobrando a assinatura do acordo. A chefia da UC suspendeu qualquer atividade
relativa ao TAC de Tarituba enquanto não tiver definição nos escalões superiores da instituição.
Considerações
O caminho trilhado ao longo desses últimos 3 anos e meio na condução do processo administrativo referente ao Termo
de Compromisso traz reflexões e questionamentos.
Quanto ao Termo de Compromisso como instrumento de gestão para as unidades de conservação de proteção integral,
há que se considerar que o mesmo possui caráter transitório. As questões de reconhecimento dos territórios ou do uso dos recur-
sos pelas populações tradicionais não se resolverão somente com a elaboração dos TCs. Entretanto, estes podem ser instrumen-
tos importantes no distensionamento das relações entre gestores de UC e comunitários, podem gerar conhecimento e também,
mesmo que transitoriamente, compatibilizar o modo de vida dessas populações com a unidade de conservação. Outra questão
que começou a ser percebida pelos pescadores de Tarituba ao longo do processo é que o termo de compromisso poderia acirrar
15
O segundo grupo de pescadores, cerca de 40, classificados como pescadores não comerciais de subsistência, teriam os seus TACs assinados em um segundo
momento.
16
http://www.mosaicobocaina.org.br/noticias/628-tac-esec-tarituba
17
htpp://uc.socioambiental.org/en/noticia/estacao-ecologica-de-tamoios-encerra-o-ano-com-assinatura-de-acordo-inedito-com-os-pescadores
18
http://www.diariodovale.com.br/noticias/98216.print.Moradores-de-Tarituba-sao-autorizados-apescar-na-Estacao-Ecologica-Tamoios.html
19
http://www.focoregional.com.br/page/noticiasdti.asp?t=Moradores+de+Tarituba+poderao+pescar+legalmete+na+Esec+Tamoios+++&idnoticia=116173
20
http://www.prrj.mpf.mp.br/frontpage/noticias/mpf-garnte-pesca-tradicional-a-comunidade-em-paraty-e-conservacao-da-estacao-ecologica-de-tamoios
21
http://www.ecodebate.com.br/2015/01/08/em-paraty-rj-acordo-garante-pesca-tradicional-e-conservacao-de-estacao-ecologica/
22
Ofício Nº 302/2015 - PRM/ANGRA/RJ/FABL, Inquérito Civil 1.30.014.000167/2014-31
“O exercício da participação social em arenas de pesca necessita caminhar junto com a distri-
buição de poder pelas lideranças do governo, delegação de autoridade, acesso à informação,
transparência nos processos, compartilhamento de responsabilidades entre governo e usuários
de recursos pesqueiros, desenvolvimento de mecanismos de negociação e resolução de confli-
tos, capacitação de gestores e pescadores, construção de visões comuns sobre os problemas
da pesca, mudança de atitude de pescadores do discurso reivindicatório para o diálogo e nego-
ciação, e criação de mecanismos de avaliação de processos participativos. Esses são requisitos
obrigatórios para que o exercício de participação seja um processo efetivo no longo prazo.”
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Sakagawa, Sergio1, Pereira, Henrique dos Santos2 & Stancik, Juliane Franzen3
Resumo
O Parque Estadual do Matupiri é uma Unidade de Conservação criada em 2009 com o objetivo de blindar o interflúvio Purus-
Madeira contra os avanços do desmatamento que acompanharão a reativação da BR-319. Dentre as Áreas Protegidas do entorno
do Parque, há a TI Cunhã-Sapucaia ocupada pela etnia Mura. Este grupo social reivindica o direito de uso tradicional das áreas da
UC, mesmo não havendo sobreposição de terras entre as Áreas Protegidas. Desta maneira, a gerência do Parque foi provocada
pelos indígenas a um processo de diálogo e inclusão deste grupo social na gestão da UC. Como resultado desta iniciativa criou-se
a Zona de Uso Especial Indígena na elaboração do Plano de Gestão do Parque. Neste sentido, o presente trabalho analisa este pro-
cesso desenvolvido na Unidade de Conservação de Proteção Integral diante do paradigma entre Parques e populações indígenas.
Palavras-Chave: Parque Estadual do Matupiri/AM, Zona de Uso Especial Indígena, Terra Indígena Cunhã-Sapucaia e Gestão.
Introdução
A gestão de Unidades de Conservação - UC na Amazônia brasileira é uma tarefa complexa. Os desafios do contexto
amazônico se somam às contradições inerentes às tentativas de conciliação entre os objetivos da conservação biológica e os do
desenvolvimento socioeconômico local. Esse contexto pode ser ainda mais desafiador quando envolve a presença de popula-
ções indígenas que ocupam territórios ou utilizam recursos naturais em áreas afetadas pela criação de Unidades de Conserva-
ção de Proteção Integral - UCPI. Soluções que assegurem os direitos originais das comunidades indígenas, ao mesmo tempo
em que viabilizam as metas de conservação da biodiversidade, requerem arranjos institucionais criativos e que desafiam as
interpretações convencionais de marcos regulatórios e legais existentes.
Esta situação se apresenta no caso do processo de implementação do Parque Estadual do Matupiri/AM - PAREST Ma-
tupiri criado através do Decreto Estadual nº 28.424 de 27 de março de 2009, pelo Poder Executivo do Estado do Amazonas. O
planejamento e elaboração do plano de gestão - PG dessa UCPI trouxeram elementos novos e podem significar um novo enten-
dimento para gestão de unidades de conservação ocupadas ou utilizadas por populações indígenas.
Por uma iniciativa do Governo Federal, a BR-319 está em processo de recuperação com o objetivo de viabilizar nova-
mente um corredor viário ligando o Norte ao restante do país. A retomada desta estratégia tende a reabrir uma via facilitadora
ao desmatamento e uso irregular do solo (AMAZONAS, 2006). Visando criar barreiras ao avanço dos impactos negativos deste
processo, a criação de UC se tornou a estratégia do Governo Federal para blindar as áreas florestais de influência da BR-319
contra os avanços dos impactos que acompanharão o funcionamento desta rodovia.
Neste sentido, o Governo do Estado do Amazonas, através do Centro Estadual de Unidades de Conservação – CEUC,
com aporte financeiro do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte - DNIT criou seis Unidades de Conservação, e
dentre estas, uma única de proteção integral, o PAREST Matupiri.
Segundo seu estudo de criação (AMAZONAS, 2006), os principais fatores que justificaram a escolha da categoria de
parque na criação da UC foram a inexistência de moradores em seu interior e a existência de complexos de campinas amazôni-
cas, ambientes extremamente peculiares e pouco representados no Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Amazo-
nas - SEUC-AM (Lei Complementar nº53 de 05 de junho de 2007).
Exercendo forte influência em sua área de entorno, já que é cercado por quatro Unidades de Conservação Estaduais de
Uso Sustentável (RDS Igapó-Açú, RDS Matupiri, RDS do Rio Madeira e RDS do Rio Amapá), pelo Projeto de Assentamento Agro-
extrativista Jenipapo - PAE Jenipapo e pela Terra Indígena Cunhã-Sapucaia - TICS, torna-se uma área de extrema importância
quanto ao seu papel ecológico como área fonte para a geração, manutenção e reprodução de recursos naturais para as popula-
ções humanas residentes em seu entorno.
Metodologia
Todas as informações apresentadas neste tópico foram adquiridas em consulta exclusiva ao Plano de Gestão do PAREST
Matupiri publicado no ano de 2014 (AMAZONAS, 2014).
Área de Estudo
O Parque Estadual do Matupiri possui uma área de aproximadamente de 513.747,469 ha, está localizado no interflúvio
Purus - Madeira, nas bacias dos rios Matupiri e Amapá, dentro dos municípios de Borba e Manicoré, pertencente à Microrregião
do Madeira no estado do Amazonas.
Localiza-se no trecho do Km 161 ao Km 365 da BR-319, na margem esquerda no sentido Manaus - Porto-Velho/RO. Na
porção sul limita-se com o assentamento PAE Jenipapo e mais a sudeste com a RDS do Rio Madeira. Ao sudoeste é delimitada
pela rodovia AM-464 e limítrofe a RDS do Rio Amapá. Ao norte faz divisa com a RDS Igapó-Açú e área de afetação da BR 319.
Sua porção nordeste limita-se com a TI Cunhã-Sapucaia e a RDS Matupiri. Na sua porção central é cortada pelo rio Matupiri,
principal via de acesso ao interior do Parque (Figura 1.).
O PAREST Matupiri possui cinco fitofisionomias vegetais, sendo as duas principais: Floresta Ombrófila Densa de Ter-
ras Baixas com Dossel Emergente (91%) e Savana - Gramíneo-Lenhosa ou Campina Amazônica, sem floresta-de-galeria (7%).
Esta segunda de extrema importância, pois parte de suas espécies biológicas são exclusivas desse tipo de ambiente, portanto,
qualquer intervenção que modifique a estrutura dessas ilhas pode extinguir algumas destas.
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Em relação à fauna estudada neste ambiente, foram registradas duas possíveis espécies novas de peixes; três possíveis
novas espécies de herpetofauna, e seis espécies de aves endêmicas à área do interflúvio Purus-Madeira.
A alta frequência de registros de espécies extensivamente caçadas, como a anta (Tapirus terrestris), queixada (Tayassu
pecari), caititu (Pecari tajacu), veados (Mazama spp.) e macaco-barrigudo (Lagothrix cana) indicam alta qualidade ambiental da região.
Figura 1. Parque Estadual do Matupiri e Áreas Protegidas de seu entorno. Arquivo CEUC/SDS-AM.
Estratégia metodológica
O presente estudo analisa o processo de criação da Zona de Uso Especial Indígena durante a elaboração do Plano de
Gestão da UCPI, através de um viés teórico, embasado em bibliografias, casos similares sul americanos e marcos legais nacio-
nais referentes ao tema que justificam a criação de uma zona de gestão do PAREST Matupiri não praticada usualmente.
Resultados e Discussão
Zoneamento do PAREST Matupiri
De acordo com o SNUC, zoneamento é:
Definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de manejo e normas
específicas, com o propósito de proporcionar os meios e as condições para que todos os objetivos
da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz (BRASIL, 2000, p. 48).
O trecho “[...] de forma harmônica e eficaz”(BRASIL, 2000, p. 48), apresenta-se como uma das justificativas para a con-
figuração do zoneamento do Parque, onde se pretendeu estabelecer, nada mais nada menos, que uma relação de boa vizinhança
entre as AP.
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Com o objetivo de zonear a UCPI, considerando as áreas de uso mapeadas pelos Mura, consultaram-se as categorias
de zonas existentes em UCPI brasileiras que respaldariam este uso histórico do PAREST. Neste sentido, consultou-se o Roteiro
para a Elaboração de Planos de Gestão do CEUC-AM (AMAZONAS, 2010) e o Roteiro Metodológico de Planejamento do IBAMA
(IBAMA, 2002).
Estes dois documentos apresentaram zonas pré-estabelecidas para situações similares ao PAREST Matupiri, porém com
detalhes não pertinentes às estratégias de gestão da UC. Nesta linha cita-se a Zona de Uso Conflitivo do CEUC-AM e a Zona de
Superposição Indígena do IBAMA. A primeira foi desconsiderada por entender que não foram os Mura que causaram conflito
à UC, mas pelo contrário, a criação do Parque que causou esta situação aos indígenas. Já a segunda, mantém a prerrogativa
de zona temporária, ditando assim que as práticas culturais de uso de recursos naturais pelos Mura devem ter tempo de venci-
mento, não sendo pertinente constitucionalmente.
Neste sentido, procuraram-se outros casos que pudessem auxiliar a gestão do Parque na América do Sul. Segundo Ma-
retti (2004), no Peru e Colômbia, avanços na implementação dos direitos indígenas em relação a terras tem sido alcançados pela
adoção de duas prerrogativas: reconhecimento da propriedade de forma coletiva e permanente, e reconhecimento da capaci-
dade de governar de forma autônoma.
No Peru a definição de Parques Nacionais é similar à estipulada pelo SNUC, porém com um detalhe importante nesta
análise, como cita-se:
1
En ellos se protege con carácter intangible la integridad ecológica de uno o más ecosistemas,
las sociaciones de la flora y fauna silvestre y losprocesos sucesionales y evolutivos, así como otras
características , paisajísticas y culturales que resulten asociadas (PERU, 1997, p.6).
Percebe-se na sua definição de Parques a equivalência de valores biológicos com as características culturais associadas
à área. Neste sentido, o zoneamento deve obrigatoriamente considerar que a sua implementação não afeta os direitos adquiridos
de grupos indígenas estabelecidos anteriormente à sua criação (SERNANP, 2010).
Como exemplo deste país, pode-se citar o Parque Nacional del Manú, destacado por ser considerada uma Reserva da
Biosfera e estar inserido na “World Heritage List” da UNESCO pelo seu valor natural e cultural, habitando em sua área no mínimo
quatro grupos indígenas. Possui como um de seus objetivos de criação, reconhecer e proteger a diversidade cultural e a autode-
terminação dos povos indígenas (http://whc.unesco.org/en/list/402, Consultado em 18/02/2015).
Em seu zoneamento existem a Zona de Uso Especial e a Zona Silvestre, onde se permitem práticas de subsistência de
ocupações preexistentes na AP e a caça de subsistência pela população do entorno, respectivamente (SERNANP, 2013).
Outro Parque destacado é o Parque Nacional Cordilheira Azul. Em seu zoneamento compreendem-se a Zona Silvestre 2 e
a Zona de Uso Especial, onde são permitidas práticas tradicionais de subsistência, e uso de produtos florestais não madeireiros
para beneficiamento local das populações locais e do entorno (SERNANP, 2011).
Já na Colômbia, a definição de Parques também entende as “manifestações históricas ou culturais” como aspectos tão
importantes quanto os fatores biológicos (COLOMBIA, 1974).
Uma iniciativa deste país, relevante ao estudo, é o reconhecimento de lideranças indígenas como autoridades públicas
com competências ambientais em suas áreas tituladas, razão necessária sobre as áreas indígenas sobrepostas com seu Sistema
Nacional de Parques, onde se respeita o direito dos indígenas em fazer uso dos recursos naturais com as limitações impostas
pela conservação da AP (http://historico.presidencia.gov.co/sp/2008/octubre/31/especial_19312008.pdf Consulta em 28/03/2014).
Nesta linha de gerenciamento colombiano, destacam-se o PNN Cahuinari e Utría, com contextos similares ao PAREST
Matupiri.
O PNN Cahuinari destaca-se pelo fato de suas áreas sobrepostas com áreas indígenas serem zoneadas pelos moradores
das aldeias, sendo estes ocupantes do interior e entorno do PNN (MUÑOZ et al., 2009). Entretanto, percebe-se um grande
número de regras no zoneamento, demonstrando a consciência ambiental dos indígenas sobre seu território. Suas lideranças
são nomeadas como “autoridades indígenas”, possuindo responsabilidade ambiental na área. Entende-se esse método de em-
poderar e responsabilizar as populações locais e indígenas, como uma maneira justa e coerente de se gerir uma UC ou AP.
1
Neles se protegem com caráter intangível, as associações à integridade ecológica de um ou mais ecossistemas, as associações da flora e fauna silvestre e os proces-
sos sucessionais e evolutivos, assim como outras características, paisagísticas e culturais associadas. (Tradução nossa).
Será sempre mais fácil convencer uma comunidade indígena do que as frentes predatórias [...] A
sua criminalização como se fossem protagonistas - e não vítimas - de práticas predatórias, funciona
como um tiro no pé para qualquer estratégia conservacionista (SANTILLI, 2004, p. 12).
Portanto, com o conhecimento de zoneamentos em AP do Peru e da Colômbia, que poderiam servir de base para o uso
de áreas do Parque pelos Mura, e o respaldo institucional do CEUC-AM apoiando a iniciativa através da elaboração de Termos
de Compromissos, o zoneamento do PAREST Matupiri realizou-se em dois momentos.
No primeiro, ocorreu a sua contextualização, o resgate do diagnóstico socioeconômico, do mapeamento participativo
e sua efetiva elaboração. No segundo momento apresentou-se o zoneamento, já em formato de mapas confeccionados pelo
CEUC-AM, onde foi apreciado pelos Mura, e, após correções e ajustes propostos pelos stakeholders, este foi validado.
Como resultado desta conjuntura, criou-se a Zona de uso Especial Indígena - ZUEI na UC (Figura 2).
De acordo com o PG da UCPI, a ZUEI é caracterizada da seguinte maneira:
...é aquela onde, mediante a construção e assinatura de termos de compromisso entre a popula-
ção usuária e o órgão gestor da Unidade, prevê-se o manejo de alguns recursos naturais centrais
para a reprodução cultural daquela população (AMAZONAS, 2014, p. 286).
Entre todas as análises e interpretações, considera-se a criação da ZUEI uma iniciativa para conciliar as especificidades
do ponto de vista biológico do Parque, com seus fatores político-histórico-culturais, o Parque ser área de uso tradicional pela
população Mura da TICS.
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05: Sistemas de Gestão e Governança
Figura 2. Zoneamento do Parque Estadual do Matupiri. Zona de Uso Especial Indígena em verde limão. Arquivo CEUC/SDS-AM
Os dois argumentos, entre a estratégia conservacionista e o reconhecimento histórico-cultural do rio Matupiri, comple-
mentam fatores importantes que embasaram a gênese de uma categoria de zoneamento não praticada em Parques brasileiros.
Como resultados da criação da Zona de Uso Especial Indígena do PAREST Matupiri, podem-se citar:
• A resolução parcial da sobreposição territorial entre PAREST Matupiri e TI Cunhã-Sapucaia;
• A diminuição da angústia dos Mura em relação às ações de gestão e implementação do PAREST Matupiri;
• O comprometimento dos Mura na conservação de toda a bacia do rio Matupiri, principalmente das áreas do PAREST
do Matupiri, já que esta se manteria acessível às suas necessidades;
• Aquisição de uma parceria sólida entre TI Cunhã-Sapucaia e PAREST Matupiri, através das lideranças indígenas e CEUC;
• A presença e atuação efetiva dos Mura e suas representações sociais e institucionais no Conselho Gestor da UCPI;
• Consideração aos acordos internacionais, que relevam o respeito às populações tradicionais e povos indígenas pre-
sentes em Unidades de Conservação, dos quais o Brasil é signatário como: OIT 169º, Programa de Trabalho sobre Áreas Protegi-
das da CDB (SECRETARÍA DEL CONVENIO SOBRE LA DIVERSIDAD BIOLÓGICA, 2004), Metas de Aichi (SECRETARÍA DEL
CONVENIO SOBRE LA DIVERSIDAD BIOLÓGICA, 2010) e Congresso Mundial de Parques da IUCN;
• Respeito a marcos legais nacionais como a Constituição da República Federativa do Brasil, Plano Estratégico Nacional
de Áreas Protegidas (Decreto Federal nº 5.758, de 13 de Abril de 2006) e Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de
Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto Federal nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007);
• Garantia de maior proteção das áreas e populações que estarão expostas aos impactos gerados pela revitalização da
BR-319, através da conservação da biodiversidade e da manutenção sociocultural dos Mura.
Conclusão
O processo de zoneamento do PAREST Matupiri se configurou mais como uma negociação entre duas partes, que ante
a qualquer mentalidade preservacionista ou humanista, tinham os mesmos objetivos em comum que é conservar as áreas do rio
Matupiri para a proteção da diversidade biológica no seu sentido mais amplo do termo: “2organismos vivos de cualquier fuente
[...]” (NACIONES UNIDAS, 1992, p.4).
Como resultado desta negociação, criou-se na UC a Zona de Uso Especial Indígena. Esta zona, normalmente não ins-
tituída em Parques brasileiros, foi o cerne deste trabalho e fator preponderante para a concretização da parceria dos Mura da
TICS. Consequentemente, manteve-se a barreira humana já existente frente aos impactos e pressões sobre os recursos naturais
da UCPI, da mesma maneira que as requisições deste grupo social foram atendidas na medida em que as áreas historicamente
utilizadas e selecionadas por este povo foram zoneadas para seu uso.
Porém, esta criação não pode se tornar mais um “elefante branco na Amazônia”. Por isso, deve-se pensar em como esta
área será gerida daqui para frente. Neste sentido, apenas iniciou-se uma caminhada longa e trabalhosa, onde o órgão gestor terá
que gastar esforços e expertise para manter os objetivos de conservação da UCPI e garantir a reprodução física e cultural dos
Mura.
Por fim, conclui-se que as Unidades de Conservação do Amazonas são indissociáveis da presença humana, sejam estas
indígenas, caboclas, ribeirinhas ou quilombolas. Suas presenças nestas áreas são muito mais benéficas do que prejudiciais à
conservação da natureza, sejam em áreas de uso sustentável ou de proteção integral. Porém, este benefício somente se consolida
quando estas presenças são interpretadas como uma “potência” a mais para o alcance de uma meta complexa e audaciosa em
comum, que é a conservação da biodiversidade.
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2
variedade de organismos vivos de qualquer fonte (Tradução nossa).
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Rodrigues, Rafael de Oliveira Castro1, Filho, Waldemar Londres Vergara & Pimentel, Marcia Aparecida da Silva2
Resumo
O presente trabalho objetiva apresentar a importância da extensão universitária na prática da Educação Ambiental (E.A.) em co-
munidades de pescadores tradicionais, da Reserva Extrativista de São João da Ponta, Nordeste do Pará. A EA aplicada nas comu-
nidades tem uma importância primordial no compartilhamento entre os saberes locais e os acadêmicos, especialmente quando
relacionadas ao espaço vivido. A metodologia utilizada para elaboração deste relato foram as pesquisas em campo, entrevistas
semiestruturadas, além da própria prática da extensão. Os resultados mostraram a relevância das ações de extensão universitária
para a Academia e a comunidades da Reserva Extrativista Marinha no sentido da valorização da integração desses saberes.
Introdução
As práticas de extensão universitária são comuns ao longo da história da Ciência e da Academia. Utilizando como foco
essas práticas em Comunidades Tradicionais, observamos que nesse método de aprendizagem – na maioria das vezes – essa
relação entre a Academia e a Comunidade tem sido apenas uma via de mão única, pois as comunidades recebem os estudiosos,
disponibilizam informações sobre o objeto de estudo dos mesmos, mas não recebem um retorno das instituições que realizam
a pesquisa e extensão.
Para servir como contraponto a essa relação desigual na produção do saber científico, as práticas de extensão universi-
tária têm fundamental importância no que tange à troca de experiências entre os saberes entre Academia e das Comunidades.
A partir, principalmente, da última década, a extensão universitária tem conseguido consolidar-se enquanto método de apren-
dizagem utilizado no âmbito acadêmico. Essa consolidação deve-se, principalmente, a dois aspectos principais: a interdisci-
plinaridade das ciências nas extensões e o “compromisso social” dessas práticas (OLIVEIRA, 2004). Nesse sentido, o Fórum
Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras direcionaram a política extensionista a projetos que
garantam o compromisso social com a Comunidade.
Ao ensino, é proposto o conceito de sala de aula que vai além do tradicional espaço físico, com-
preendendo todos os demais, dentro e fora da universidade, em que se realiza o processo histórico
social com suas múltiplas determinações, passando a expressar um conteúdo multi, inter e trans-
disciplinar, como exigência decorrente da própria prática. (MARTINS, 2008, p.203).
Tomando como princípio esse compromisso que está intrínseco ao papel da Universidade para com a Comunidade, foi
criado, em 2010, o evento “Entre Marés: Compartilhando Saberes”. O evento proporciona à comunidade e alunos da graduação
uma visão diferenciada acerca da Educação Ambiental por meio de ações como oficinas de narrativas orais, música, teatro e
apresentações culturais, cuja temática está ligada entorno das questões da localidade de São João da Ponta, nordeste paraense.
Assim, temos a Extensão Universitária sendo um importante método de aprendizagem, devido a sua maior aproximação ao
público-alvo e sua maior interação com o objeto de estudo, através de ações como as citadas anteriormente.
Para que esse processo de aprendizagem sobre as questões socioambientais ocorra de forma integrada, o pesquisador
deve ir além de apenas informar o seu público-alvo. Ele deve, acima de tudo, proporcionar atividades (trans)formativas no cotidi-
ano desse público. Desta forma, para que essas atividades sejam aplicadas, os organizados do “Entre Marés” utilizam-se, priori-
tariamente, do espaço das escolas. – É preciso que haja a formação de cidadãos mais participativos nas questões ambientais e,
por sua vez, possuam um olhar crítico frente aos problemas ambientais.
O desenvolvimento metodológico da presente ação foi possível a partir de pesquisas bibliográficas, documentais e visitas
em campo à localidade, além de consulta ao trabalho do Grupo de Estudo Paisagem e Planeamento Ambiental (GEPPAM), da
Faculdade de Geografia e Cartografia da UFPA, que é o promotor, organizador e executor do projeto extensionista “Entre Marés”.
O GEPPAM trabalha em parceria com a Associação dos Usuários da RESEX Marinha de São João da Ponta (MOCAJUIM),
localizada no município de mesmo nome (Figura 1) e tem o apoio da Prefeitura municipal; do Instituto Chico Mendes para a
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Governo Federal responsável pela gestão das unidades de conservação;
Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da UFPA, Faculdade de Geografia e Cartografia (FGC) e a Secretaria de Estado de Pesca e
Aquicultura ( SEPAq – PA).
Figura 1. Mapa de localização da Reserva Extrativista Marinha de São João da Ponta (PA), que recebe o evento
“Entre Marés: Compartilhando Saberes”.
Fonte: Grupo de Estudo Paisagem e Planejamento Ambiental (GEPPAM), realizador e organizador do evento.
O objetivo geral do presente relato é proporcionar uma análise acerca da relação entre as práticas extensionistas universi-
tárias e às comunidades tradicionais, compartilhando os saberes tradicionais e o saber acadêmico através da Educação Ambien-
tal. De maneira específica, buscamos refletir sobre o conceito “tradicional” e as mostrar a importância do evento na manutenção
desta troca de saberes entre a Academia e a Comunidades Tradicionais em Reserva Extrativista Marinha, bem como apresentar
as ações utilizadas pelo “Entre Marés” na prática da Educação Ambiental.
Para possibilitar o desenvolvimento desta pesquisa, foram utilizados levantamentos bibliográficos e documentais acerca
do município e do evento em questão, bem como pesquisa em campo, práticas extensionistas, conversas livres com moradores
e apoio de líderes da Associação da Reserva Extrativista Marinha do município.
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Referencial teórico
A discussão no presente trabalho acerca do espaço geográfico é relevante, principalmente quando voltamos os olhares
para as comunidades. Sendo assim, buscamos uma análise do espaço, prioritariamente, voltada para a geografia humanista.
A partir do exposto acima, podemos perceber o caráter vivenciado que está intrínseco no espaço. Ocorre, claramente, o
desenvolvimento de um sentimento para com o espaço que é cotidiano. Dessa forma, é preciso desenvolver, desde muito cedo,
o olhar ambiental das crianças e jovens. Somente dessa forma, poderemos garantir que o futuro cultural e ambiental desse local
seja preservado.
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000:
A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistên-
cia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação
de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (Capítulo1,
Art. 18, 2000).
Como percebemos no exposto acima, os meios de vida e a cultura das populações são protegidos e garantidos por Lei
Federal, sendo, inclusive, critério fundamental para a área em questão ser considerada uma Reserva Extrativista.
Além da definição de RE mencionada acima, o SNUC também define que:
§2ª A Reserva deverá ser regida por um Conselho Deliberativo, presidido elo órgão responsável
por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área [...] (SNUC, 2000).
O documento da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade, Educação e Consciência Pública para a
Sustentabilidade, realizada em Tessalônica (Grécia, 1997), propõe uma visão mais focada à necessidade de se articularem ações
de educação ambiental baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização e
participação e práticas interdisciplinares (SORRENTINO, 1998).
O espaço como conceito geográfico, a educação ambiental e práticas extensionistas são os conceitos máximos no de-
senvolvimento deste trabalho, tomando como foco os trabalhos de autores como Correa, Castro & Gomes (2000), Anjos (2014)
e Reigota (1995), que possuem importantes trabalhos no desenvolvimento desses conceitos. Cada um em sua área específica.
Resultados
A partir do pensamento de Tuan (1979) sobre o espaço advindo da experiência, podemos aplicar seu conceito neste
trabalho, para compreendermos melhor o papel da educação ambiental no município de São João da Ponta, nordeste paraense.
O evento promove oficinas de educação ambiental aplicadas à realidade vivenciada na comunidade, visto que a maior
parte das crianças participantes do evento tem seu modo de vida ligado à floresta (figuras 2 e 3), visto que seus pais e familiares
utilizam a pesca como principal fonte de renda.
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Figura 3. Ministrantes da oficina intitulada “Brincando com a vivência no mangue”, que teve como objetivo ampliar a visão dos alunos sobre
a importância da utilização e conservação dos recursos pesqueiros, a partir de suas experiências empíricas, buscando assim provocar uma
reflexão sobre a responsabilidade ambiental em parceria com as crianças da comunidade onde a atividade irá acontecer de maneira
prática para o melhor envolvimento dos alunos. Fonte: Acervo do Grupo de Estudo Paisagem e Planejamento Ambiental, organizador e
realizador do evento. Fotografia: Rodrigues, 2014.
A participação e a mobilização dos alunos são extremamente importantes para que as lições da EA sejam repassadas de
forma eficaz (SORRENTINO, 1998), bem como se devem usar os conceitos de sustentabilidade e identidade cultural na criação de
uma vontade coletiva em conservar o Meio Ambiente na comunidade de São João da Ponta, como mostram as Figuras 4, 5, 6 e 7.
Oficinas voltadas para o desenvolvimento desse interesse foram aplicadas no Evento, e as mesmas reforçam as ideias de
Sorrentino (1998), já apresentadas.
Figuras 4, 5, 6 e 7. A oficina intitulada de “Brincando a Realidade” e teve como público-alvo os alunos da educação infantil e
série fundamental primária.
“VIVENDO A FLORESTA”
Público-alvo: Crianças de 6 a 13 anos;
Objetivo: O projeto buscou abordar a Educação Ambiental de forma lúdica e crítica partindo de suas vivencias, levando-
os assim a valorizar o meio ambiente e seus recursos naturais, através de um novo olhar, de uma nova vivencia da natureza,
entendendo-a não apenas como forma de recursos para subsistências ou econômicos, mas como parte integrante da sua forma-
ção enquanto cidadão.
Resultado: Provocou maior interesse das crianças aos assuntos ligados ao Meio Ambiente a partir de metodologias
lúdicas que “prenderam” a atenção do público.
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“A VALORIZAÇÃO DO LUGAR ATRAVÉS DA REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA E DA EA”
Público-alvo: Crianças e Adolescentes;
Objetivos: Difundir o conhecimento sobre o ambiente, no caso o ecossistema manguezal, a fim de conscientizar os indi-
víduos sobre a importância da preservação desse meio ambiente enquanto seu lugar de memória e identidade; Contribuir para a
formação de cidadãos conscientes e aptos na criação de iniciativas em prol da preservação e utilização sustentável dos recursos
do manguezal; Através da representação cartográfica estimular nos indivíduos o exercício de percepção ambiental como instru-
mento de estudo e valorização do lugar.
Resultados: Obteve o resultado esperado ao sensibilizar o público-alvo acerca da importância do meio ambiente.
Considerações Finais
O presente trabalho teve como objetivo relatar experiências adquiridas no evento extensionista “Entre Marés: Compar-
tilhando Saberes”, que tem como proposta compartilhar saberes entre as comunidades tradicionais de pescadores da RESEX
Marinha de São João da Ponta e dos professores e alunos da graduação do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará.
A partir dos relatos expostos nesse trabalho, podemos perceber que os conhecimentos sobre a dinâmica da natureza e
modo de vida tradicional, devem ser considerados na elaboração das atividades de educação ambiental junto às crianças e jo-
vens da comunidade para preservação das práticas ambientais sustentáveis. Os saberes tradicionais integrados aos estudos da
academia colaboram para a formação mais completa dos alunos da graduação, na medida em que fornece uma visão integrada
e interdisciplinar da relação natureza e sociedade.
Referências
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extensão universitária. Florianópolis, 2014. 442p.
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SORRENTINO, M. De Tbilisi a Tessaloníki, a educação ambiental no Brasil. In: JACOBI, P. et al. (orgs). Educação, meio ambi-
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427. Progress in Geography. v.6, p. 211-252, 1974.
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O DESPERTAR DO PROTAGONISMO JUVENIL:
A EXPERIÊNCIA DO PROJETO JOVEM CIENTISTA DAS ÁGUAS NA RESERVA DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PIAGAÇU-PURUS, AMAZONAS
Silva, Luiza Helena Pedra da1; Freitas, Camila Carla de2; Dutra, Juliana Cabral de Oliveira3;
Rossoni, Felipe4 & Rodrigues, Leonardo da Silveira
1. Instituto Piagaçu luiza.pedra@gmail.com 2. Instituto Piagaçu, 3. Centro de Trabalho Indigenista, 4. Instituto Piagaçu, 5. Programa Verde Perto
Resumo
A necessidade do envolvimento dos jovens na organização comunitária e em atividades de manejo dos recursos naturais culminou
na realização do Projeto Jovem Cientista das Águas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP), localizada
no baixo rio Purus, no estado do Amazonas. Este é um projeto de cunho educativo não formal baseado em pedagogia de estímulo ao
protagonismo através de práticas lúdicas e da transdisciplinaridade. O projeto apresentou resultados tangíveis de empoderamento
e inclusão dos jovens ribeirinhos nas arenas políticas locais e no manejo dos recursos pesqueiros, viabilizando a participação ativa
de jovens como: representantes no conselho deliberativo, novos integrantes dos grupos de manejo pesqueiro, assistentes de campo
em projetos de pesquisa acadêmica, intercambistas em outros projetos protagonismo jovem na Amazônia e organizadores de um
grupo de jovens da RDS-PP.
Palavras-chave: Educação Ambiental, Protagonismo Juvenil, Unidades de Conservação, Amazônia, Reserva Desenvolvimento Sus-
tentável Piagaçu-Purus.
Introdução
Há 11 anos o Instituto Piagaçu (IPi) atua na região do baixo rio Purus, principalmente na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP), localizada no estado do Amazonas. Esta Unidade de Conservação (UC) estadual foi de-
cretada em 2003, tendo como um de seus principais objetivos assessorar os moradores da região no manejo sustentável dos
recursos naturais.
Neste sentido, atua fortemente para o desenvolvimento do manejo pesqueiro participativo sustentável, como uma forma
de reduzir as ameaças aos peixes do rio Purus e colaborar para a manutenção dos modos de vida tradicionais das populações
que ali vivem. No contexto dos Recursos Pesqueiros, desde o início de sua atuação, o IPi tem trabalhado na geração e dissemina-
ção de conhecimentos sobre as espécies de peixes locais, realizando monitoramento participativo da pesca, contribuindo para o
fortalecimento da organização e gestão comunitária e, finalmente, sensibilizando e viabilizando assessoria técnica aos pescado-
res no manejo participativo de pirarucu e peixes ornamentais.
Este trabalho, iniciado em 2004, foi um fator decisivo para que em 2010 o grupo de pescadores do setor Itapuru obtivesse
junto ao IBAMA sua primeira cota de pesca de Pirarucu manejado. Em 2011 foi a vez dos moradores dos setores Caua-Cuiuanã
e Ayapuá também realizarem suas primeiras pescarias autorizadas, seguindo o manejo em expansão até os dias de hoje. Este
trabalho, de pouco mais de 10 anos, contribuiu para o fortalecimento das comunidades locais destes setores, onde os grupos
de manejadores acreditam e trabalham para consolidar estes sistemas de práticas sustentáveis de uso dos recursos pesqueiros.
Após um longo processo de sensibilização e articulações junto a comunidades locais, dispende-se igualmente um grande
esforço no sentido de estruturação e implementação destes novos processos produtivos voltados às práticas sustentáveis, no
cenário de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável. Neste contexto, o IPi sempre discutiu com as comunidades locais
a necessidade de estratégias para alavancar uma maior participação da população local nos processos de gestão da RDS-PP.
Para isso, intervenções contínuas no sentido de capacitações são fundamentais para a formação de agentes protagonistas sociais.
Em conversas entre membros da diretoria do IPi e comunitários antigos e engajados na causa “RDS” surgiu a identifica-
ção de uma grande demanda, que era o trabalho com o público jovem das comunidades locais; o anseio destes comunitários
com idades mais avançadas é que sejam formadas novas lideranças, para seguirem na implementação e consolidação dos siste-
mas de manejo e gestão da RDS-PP, além de levar aos jovens informações relevantes no contexto de saúde, educação e cultura,
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trução de processo educativo por meio da utilização de uma pedagogia não formal de estímulo ao protagonismo por meio
da educação lúdica e da transdisciplinaridade, linha adotada na metodologia Verde Perto Educação (RODRIGUES, 2008; RO-
DRIGUES; PEREIRA, 2015).
Desenvolvimento do projeto
O Jovem Cientista das Águas contou com quatro encontros, ou módulos, com duração de 3 a 4 dias e participação de
aproximadamente 100 jovens moradores de diferentes comunidades da RDS-PP em cada módulo, ao longo de um ano. Ao todo
210 jovens participaram do projeto. Foi realizado também um encontro direcionado para os jovens representantes de cada comu-
nidade em processo de formação de um grupo de jovens. Entre cada módulo, a equipe do Programa de Educação Ambiental
do Instituto Piagaçu manteve uma ação continuada de educação junto aos jovens, estimulando-os a realizarem atividades de
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O terceiro módulo foi realizado em março de 2015 na comunidade Uixi e teve como tema principal “Manejo Participativo
dos Recursos Pesqueiros”: histórico, legislação, metodologia e prática. Neste encontro, foram realizadas oficinas de teatro, ativi-
dades físicas, palestras e atividades práticas. As atividades teórico-práticas foram conduzidas por meio de dinâmicas, palestras
e mesas-redondas.
O conteúdo trabalhado detalhou as etapas necessárias à realização do manejo participativo do pirarucu. Também foram
abordadas questões históricas e dinâmicas para simulação metodológica de determinadas etapas. As oficinas de teatro foram
integradas às atividades teórico-práticas como mais uma forma de abordar o tema. As atividades do Momento Saúde foram re-
alizadas pela terapeuta ocupacional Antonieta Dias, da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. Foram abordados dois temas
de importância fundamental para a juventude: Uso de Drogas e Sexualidade.
Neste módulo houve aumento do número de participantes moradores em comunidades localizadas no entorno da RDS-
PP. Isso indica que os jovens destas comunidades estão procurando cada vez mais envolvimento com as questões relacionadas
à RDS-PP e conservação da região. Inclusive houve a participação do presidente da comunidade Nova Jerusalém, a qual iniciou
recentemente o manejo sustentável do pirarucu e que anteriormente realizava a exploração predatória desta espécie. Esse fato
pode ser um indicativo que o projeto esteja incentivando boas práticas de manejo nas comunidades de entorno. Também houve
a participação de moradores, dois jovens e um professor, da Terra Indígena Ayapuá, território que faz vizinhança com a RDS-PP,
o que constituiu em uma oportunidade inédita de integração entre os jovens dessas duas áreas protegidas.
Os momentos de debate entre as lideranças de setores diferentes são muito enriquecedores tanto para os jovens quanto
para os técnicos do Instituto Piagaçu. Geralmente, essas lideranças se encontram apenas em momentos estratégicos, como nas
reuniões de Conselho Gestor e, muitas vezes não possuem tempo para debater questões específicas relacionadas ao manejo
pesqueiro que realizam, fazendo desses debates momentos políticos muito importantes para a RDS-PP.
O quarto módulo foi realizado em abril de 2015 na comunidade do Itapuru e teve como tema principal “Organização
Comunitária”. Neste encontro foram realizadas oficinas de circo e origami. Os conteúdos trabalhados estiveram atrelados a
conhecimentos essenciais na promoção da organização comunitária, como cidadania, direitos da juventude, metodologias de
identificação de soluções de problemas, associativismo e cooperativismo, dentre outros.
Este módulo contou com a participação especial de Dione Torquato, Secretário de Articulação da Juventude Extrativista
do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Dione compartilhou sua história de vida com os jovens participantes e
ministrou palestras. A importância de sua presença se deu pelo fato de ter tido seu protagonismo e envolvimento em movimentos
sociais despertos com a participação em um projeto semelhante ao Jovem Cientista das Águas, na Floresta Nacional de Tefé no
estado do Amazonas. Tal fato permitiu uma maior proximidade do convidado com a realidade dos jovens da RDS-PP e serviu de
inspiração e incentivo parra os mesmos.
Como no primeiro módulo, houve a participação de três jovens da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Ne-
gro que participam de um projeto também baseado na metodologia Verde Perto. A troca de experiências e participação desses
jovens em intercâmbio foram muito importantes para levar aos jovens da RDS-PP o conhecimento de uma vivência semelhante
a que eles estavam vivendo no projeto. Também houve a participação de dois jovens moradores do centro urbano de Beruri, os
quais fazem parte do Instituto Beruri de Juventude.
Nesse último encontro, ocorreu a gravação do programa Nova Amazônia, produzido pela TV Cultura, que abordou em
um de seus episódios a experiência do Jovem Cientista das Águas. A oportunidade de ter um programa da televisão aberta na
rede nacional, apresentando o projeto, tem elevado potencial a divulgação do trabalho realizado e incentivo de ações de mesmo
caráter. Ao mesmo tempo, a gravação do programa proporcionou aos jovens e aos comunitários da RDS-PP o reconhecimento e
a valorização de suas práticas e sua importância para a conservação ambiental na Amazônia.
No primeiro módulo do Jovem Cientista das Águas foram ministradas oficinas de desenho por um artista, nas quais
diversas técnicas de desenho foram apresentadas com o objetivo de fornecer elementos para que os participantes pudessem
re-elaborar os conteúdos trabalhados por meio da linguagem visual. A participação dos jovens nessas oficinas foi muito positiva
e estimulou-os a utilizar o desenho em algumas das atividades em grupo indicando que uma nova alternativa de linguagem
foi apreendida. Os participantes foram convidados a produzir um desenho sobre todo o conteúdo debatido durante o módulo,
valendo-se de todas as técnicas aprendidas durante as oficinas e aprestar o resultado em plenária. Ao final de cada módulo, os
jovens tiveram a oportunidade de escolher quais oficinas artísticas teriam no módulo seguinte.
As oficinas de artes escolhidas para o segundo encontro foram de pintura e escultura, e permitiram que os jovens retra-
tassem os peixes estudados por meio de linhas, cores e objetos tridimensionais, colaborando na reflexão sobre o importante
espaço que tal fauna ocupa em seus cotidianos. Foram realizadas também atividades de musicalização e percussão corporal no
início de cada período (matutino e vespertino) com o intuito de construir a harmonia entre sons e movimentos corporais, além de
descontrair e dinamizar as atividades do curso, contribuindo para o despertar dos jovens antes das atividades teórico-práticas.
Para o terceiro módulo foi escolhido pelos jovens a realização de oficina de teatro, que foi conduzida por uma educadora
de teatro estudiosa da metodologia “Teatro do Oprimido”. As atividades de teatro estiveram diretamente relacionadas ao tema
trabalhado nas palestras e mesas redondas, contribuindo na construção de conceitos e encenação de contextos necessários à
compreensão do manejo participativo dos recursos naturais.
Oficinas de circo e origami foram elegidas para o quarto módulo. Diferentemente dos outros encontros, os jovens se
dividiram por escolha em três turmas diferentes: a) mágica; b) palhaço e malabarismo; c) origami. As atividades contribuíram na
construção de conceitos e conhecimentos importantes à compreensão da organização comunitária para o manejo participativo
dos recursos naturais. Durante as oficinas os participantes construíram e ensaiaram apresentações circenses para serem apre-
sentadas a toda comunidade no encerramento do projeto, culminando em um espetáculo de circo de quase 2 horas de duração,
com diversas atrações. A condução e organização do espetáculo foram de responsabilidade dos jovens com o auxílio dos arte-
educadores, o que contribuiu no incentivo à autonomia, pro atividade e autogestão. Além disso, também foi um fator importante
o envolvimento da comunidade como um todo proporcionado pelas apresentações e pela difusão dos conhecimentos adquiridos
ao longo do encontro.
Resultados
Relações diversas foram estabelecidas e fortalecidas com o projeto: a) entre os jovens das diferentes comunidades; b)
entre os jovens da RDS-PP com jovens de outras localidades (Terra Indígena Ayapúa, Comunidade Nova Jerusalém, RDS Rio
Negro, Reserva Extrativista do Rio Unini e Centro Urbano de Beruri); c) entre os mais velhos e os jovens, através do resgate de
relatos históricos sobre fartura de peixes, sobre-exploração e a implementação do manejo; d) entre o IPi com os jovens, escolas
e professores da RDS-PP.
Cabe destacar que as trocas de experiências entre jovens de comunidades/setores diferentes, bem como entre jovens de
diferentes regiões da Amazônia, geram o reconhecimento e fortalecimento destes atores como um coletivo ativo.
Após o início do Jovem Cientista das Águas alguns dos participantes se destacaram e passaram a assumir papéis es-
tratégicos dentro da reserva: dois jovens foram eleitos como representantes de seu setor (Itapuru) no Conselho Deliberativo da
RDS-PP (um titular e um suplente); um participante se tornou contador de pirarucu dentro do manejo da espécie, tendo sido
capacitado e certificado; outros jovens foram inseridos nos grupos de manejo da pesca; três jovens estão participando de pes-
quisas acadêmicas como assistentes de pesquisa.
Além disso, cinco jovens fizeram intercâmbio de experiência em projetos similares na RDS Rio Negro e na Reserva Ex-
trativista do Rio Unini, e dois jovens foram selecionados para participar do Guerreiros Sem Armas na cidade de Santos/SP, um
programa internacional de formação vivencial de jovens em liderança e empreendedorismo social.
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Um dos resultados mais diretos e com maior potencial transformador foi o estabelecimento de um grupo de jovens re-
presentantes de cada comunidade. Ao se sentirem empoderados, os jovens perceberam a força de mobilização que possuem e
a necessidade de aprender a gerenciar ferramentas para conseguirem usar esta força em prol de suas comunidades.
Esse grupo de jovens teve o apoio do IPi, através de um encontro destinado à sua formação e elaboração de um plano
de ação, onde planejaram continuar as atividades de formação desenvolvidas no Jovem Cientista das Águas autonomamente e
expandirem para as comunidades da RDS-PP que não participaram do projeto. Outra meta do grupo é elaborar um dossiê sobre
a situação precária de suas escolas e cobrarem dos órgãos públicos responsáveis a reforma de algumas e a construção de novas
em comunidades onde não há.
Houve uma criação de um novo cenário nas relações políticas, internas das comunidades, entre comunidades, e das
comunidades com o poder público, alavancadas pelos jovens. As comunidades que tiveram participantes no projeto acabaram
recebendo através do jovem uma série de informações importantes para articulações internas e externas, no tocante a relações
com secretarias municipais, órgãos estaduais de gestão de Unidades de Conservação, dentre outros. Os adultos relatam terem
sido surpreendidos com a intensidade do envolvimento dos jovens no projeto e a mudança de postura e mobilização subse-
quente.
Conclusão
Os resultados alcançados com o desenvolvimento do Projeto Jovens Cientistas das Águas foram surpreendentes tanto
para os participantes quanto para o Instituto Piagaçu. Houve um impacto positivo no empoderamento e protagonismo da juven-
tude, nas comunidades que tiveram jovens participando e no cenário de relações internas e externas da RDS-PP.
Acredita-se que o trabalho de educação ambiental com jovens deva receber atenção especial dos órgãos de gestão de
Unidades de Conservação e de agências de fomento à conservação dos recursos naturais. A integração de diferentes linguagens
no processo de aprendizagem, como proposto pelo projeto, traz maiores possibilidades de assimilação dos conteúdos por jo-
vens em situação de precário acesso à escolarização formal. A continuidade do projeto se faz necessária para a manutenção da
integração e mobilização alcançadas, assim como a expansão para outros setores da RDS-PP.
Referências
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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários a Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
LEFF, E. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes. Educação & Realidade, v. 40, n. 3, 2009.
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RODRIGUES, L. S. & ANCIÃES, M (orgs.). Verde Perto Educação Vol. 1. Manaus: Editora do Inpa, 2015.
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Rodrigues, L. S. & Anciães, M. orgs. Verde Perto Educação. Vol. 1. Manaus: Editora do Inpa, 2015.
Resumo
A juventude historicamente se mostra com grandes possibilidades de protagonismo. As Áreas de Proteção Ambiental exigem ações
humanas de maior proteção. Para tal há que se buscar saber o que atores sociais pensam sobre tais áreas. A pesquisa traz o en-
tendimento de jovens estudantes de escolas públicas de Manaus sobre os quatro elementos naturais e a caracterização de seus
usos sociais1. A amostra compôs-se de 582 estudantes de ambos os sexos, que cursavam do 6º ao 9º ano. Os níveis mais baixos de
entendimento sobre os elementos residiram: água na dimensão abastecimento; ar, nas fontes de emissões de gases do efeito estufa
ligadas; fogo, nas fontes de energia e seus custos socioambientais; e terra, nos usos mais adequados dos solos. Conclui-se que
considerar os limites do conhecimento sobre esses elementos é fundamental para a ampliação e fortalecimento desse segmento
social com vistas ao cuidado de área protegidas, em especial, no âmbito da floresta amazônica.
Introdução
O debate sobre a sustentabilidade ou sobre sociedades sustentáveis, uma vez que um único modelo não incluiria a diversi-
dade de ecossistemas naturais, e nem a sociodiversidade de povos e comunidades, tão pouco a complexidade que envolve a nossa
história e culturas, precisa ser ampliado e contextualizado. E pensar processos educativos em Áreas Protegidas, implica primeiro
em compreender o que as pessoas e grupos sociais pensam, percebem e entendem os elementos constituintes dessas áreas.
O estudo ora apresentado, ainda que não esteja diretamente ligado com uma área protegida específica, traz informações
de como jovens estudantes entendem aspectos distintos relacionados aos quatro elementos naturais. Tais elementos dizem res-
peito a qualquer área protegida, e nessa interface, o papel que as ações humanas desempenham no maior ou menor cuidado
com esses elementos, e para nossa realidade regional, relacionados à floresta amazônica.
Nesse debate, teóricos e pesquisadores como Sachs (2002) e Jacobi (1999), enfatizam que as pautas das sustentabili-
dades assumem papel central na reflexão em torno das dimensões que envolvem desenvolvimento econômico-social e as alter-
nativas tecnológicas que visam minimizar os impactos negativos que os seres humanos fazem no uso excessivo dos recursos
naturais. Para tal, há que se construir sociedades que pensem a hajam com responsabilidade, com respeito, com cuidado, e isso
implica mudanças profundas de valores, princípios e atitudes, e consciência ecológica que preconize a conexão com a natureza
em uma nova aliança (MOSCOVICI, 1976; REIGOTA, 1999).
Mas, como construir essas sociedades? Começar por onde? Fortalecer quais contextos? Acreditamos que a juventude
tem sido um segmento social que mostra grandes possibilidades de protagonismo na relação pessoa-ambiente. O termo juvenil
assumido refere-se a pessoas que estão buscando situar-se no mundo do adulto, e ao mesmo tempo, têm suas próprias agendas,
interesses diversos e difusos. Meninos e meninas que estão expostos aos mais variados estímulos e que são “convocados” a
repensarem seus focos, suas escolhas, seus estilos de vida, e ao mesmo tempo, tem que lidar com as transformações corporais,
psicossociais, familiares e culturais (GUIMARÃES; GRINSPUN, 2008; DAYRELL, 2003).
O movimento da juventude em torno do meio ambiente tem conseguido agregar jovens de todas as idades, classe social,
escolaridade visando dar sua contribuição para a resolução de problemáticas socioambientais importantes. A juventude ou ju-
ventudes como apontam as teorias mais recentes compreende ser esse um momento muito importante do desenvolvimento da
pessoa. E tal desenvolvimento não se dá mesma forma, nem ao mesmo tempo, e nem há uma cronologia tão marcada para definir
quem são os jovens deste contexto socioeconômico, cultural e ambiental (CARVALHO, 2002).
1
Pesquisa de Iniciação Científica no âmbito de um projeto mais amplo intitulado “Ecoethos da Amazônia: educação ambiental e desenvolvimento social com respon-
sabilidade ambiental”, realizado pelo LAPSEA/INPA, com apoio financeiro da FAPEAM.
Material e Métodos
A pesquisa se caracterizou como quanti-qualitativa de caráter diagnóstico e descritiva. Aplicou-se um formulário semies-
truturado o qual continha dados do perfil socioeconômico e cultural, grau de preocupação com os problemas socioambientais
e 45 afirmações sobre o entendimento dos conceitos, definições de usos e atitudes ecológicas referentes aos quatro elementos.
A aplicação foi conduzida pelo aplicador/pesquisador em 18 escolas públicas de Manaus, em sala de aula, de forma
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coletiva e respondida individualmente pelos estudantes. Para os itens de entendimento, se o estudante considerasse a afirmativa
correta marcava a letra C, se a considerasse errada, marcava a letra E. A aplicação durou em média de 30 minutos.
A amostra foi composta por 582 estudantes, sendo 297 do sexo feminino e 285 do sexo masculino, entre 10 e 18 anos de
idade, que estavam cursando do 6º ao 9º ano escolar, da rede pública estadual e municipal de ensino da cidade de Manaus-AM.
Resultados e Discussão
Perfil socioeconômico e cultural dos jovens
Quem são esses jovens, onde moram, quais suas preferências e interesses?
Considerando a idade e ano escolar, verificam-se algumas distorções que ainda permanecem no ensino brasileiro. Tais
distorções dizem respeito ao final das séries finais do ensino fundamental que deveria corresponder dos 11 aos 14 anos, de
acordo com as Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação (MEC). Nesse sentido, encontrou-se 132 estudantes que estão
fora do esperado, ainda que um número importante esteja dentro da faixa esperada (74%), e encontrando-se 22,2% com idade
superior ao ano escolar, o que parece muito bom.
Com relação a moradia, 88% residem em casas, revelando uma realidade local de construções horizontais; embora 10%
residindo em apartamentos indica a tendência de uma nova configuração vertical para os novos empreendimentos imobiliários
na cidade de Manaus, muitos destes incentivados por políticas públicas de habitações populares.
Quanto a algumas preferências de lazer: 60% preferem passear em lugares próximos à natureza (zoológico e sítios), 35%
preferem atividades urbanas (cinema ou shopping); 47% preferem atividades de lazer externas (jogar bola, brincar na piscina);
36% internas (games, desenho e pintura).
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De forma geral, os resultados mostraram que o entendimento sobre aspectos relacionados ao desperdício teve o maior
índice de acertos (78%), seguido pelo entendimento de aspectos relacionados à poluição da água (62%) e por último, o entendi-
mento sobre abastecimento teve o menor índice (45%) de acertos.
Tais resultados indicam que alguns aspectos do uso social da água têm sido mais explorados na escola, e consequen-
temente são os que os jovens mostram maior entendimento (poluição e desperdício). No entanto, os dados apontam que os as-
pectos relacionados ao abastecimento carecem de maior sensibilização e informação para então se proceder com um processo
educativo de maior compromisso.
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ser um sumidouro de carbono, por outro houve 61,9% de erro para a afirmação em se considerar ser mais apropriado deixar as flo-
restas em pé para sequestrar carbono. Ora, já se sabe que as florestas em “pé”, além de estocar biomassa, mantem serviços ambi-
entais, como a proteção da biodiversidade e conservação dos recursos hídricos (HIGUCHI & HIGUCHI, 2012; FEARNSIDE, 2006).
Quanto as afirmações que caracterizam as fontes energéticas, na dimensão referente ao MF, chama-se atenção para o
percentual de 58% dos que erraram quanto a energia eólica, ou seja, parte desses jovens entendem que esta fonte por ser mais
limpa, seria uma solução para a Amazônia, ensejando um desconhecimento do meio físico mais apropriado. Quanto ao luga-
rideal para construir uma hidrelétrica, apenas 39% acertou, ora, ainda que na Amazônia haja muitos rios, isso não significa que
pode-se construir hidrelétricas, uma vez que os custos socioambientais são enormes.
Ainda nessa dimensão, em relação às usinas térmicas geradas por biomassa (plantas), 70% desses jovens acreditam que
ter grandes área seja um bom argumento para o plantio de cana. Tal resultado preocupante se relativiza quando 75% já demons-
tram um bom entendimento que de fato o uso de petróleo e derivados já não se constitui o melhor caminho para a humanidade,
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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Observa-se que as três afirmativas (*) que obtiveram os menores percentuais de acerto envolveram uma ação de cons-
trução de aparato de entretenimento ou lazer. Considerando que o lazer e entretenimento é uma dimensão muito importante
para os jovens, essa demanda social se sobrepõe à demanda ambiental que solicita restrição do uso e ocupação da terra. Seria
importante aprofundar tais aspectos em estudos complementares para verificar se isso realmente se configura como um ponto
crítico na responsabilidade ambiental.
Conclusão
Acreditamos que a relevância deste estudo reside no levantamento de indícios de como jovens estudantes dos anos finais
do ensino fundamental em Manaus entendem os elementos biofísicos naturais (água, ar, fogo e terra), e como caracterizam os
usos socioculturais e as atitudes ecológicas relacionados com mesmos. Tal diagnóstico nos convida a ampliar a nossa compreen-
são do papel de protagonista que os jovens podem desempenhar no cuidado e proteção dos recursos ambientais pertencentes
as áreas de proteção ambiental, e especial as ligadas a floresta amazônica.
As evidências de algumas distorções em relação ano escolar/idade refletem ainda a realidade brasileira, embora haja
indícios de redução dessas diferenças. A contradição que aparece entre ter média e muita preocupação com os problemas
ambientais não acompanhar o nível de participação efetiva em atividades de soluções dos problemas, merece discussão mais
cuidadosa. Será que a não participação e envolvimento nas soluções socioambientais é por falta de oportunidades dentro e fora
das escolas? Será que as escolas estão estimulando e propondo desafios aos estudantes de compreenderem sua realidade e
aturarem nela?
O entendimento sobre o elemento água das dimensões poluição e desperdício alcançou os níveis mais altos de acertos,
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Cordeiro, Themis Eliza Bessa S.1, Higuchi, Maria Inês Gasparetto1 & Azevedo, Genoveva Chagas de1
Resumo
A juventude é um segmento social com grandes possibilidades de protagonismo na proteção de áreas verdes. Por isso, envolvê-los
nesse debate é premente e urgente. Este estudo investigou como os jovens se posicionam diante de conflitos éticos onde o cuidado
e a responsabilidade são pressupostos formadores das decisões de agir na relação com o ambiente. A pesquisa se deu por meio
de um formulário e entrevista semiestruturada a partir de dilemas socioambientais com 16 estudantes (F=8; M=8), de 13 a 15 anos
de idade, do 8º e 9º ano do ensino fundamental em Manaus-AM. Ao se defrontarem com dilemas que apresentam pessoas desem-
penhando um tipo de comportamento que evidencia um claro conflito entre demandas sociais e ambientais, os jovens de maneira
geral demostraram um ethos voltado para um imperativo categórico pró-ambiental, isto é, se preocupam com critérios ecocêntricos
e observam as consequências futuras das ações sobre o ambiente e coletividade.
Palavras-chave: Ética Ambiental, Cuidado Ambiental, Juventude e Meio Ambiente, Ecoethos da Amazônia.
Introdução
Este estudo traz os resultados obtidos a partir de um recorte do projeto Ecoethos da Amazônia desenvolvido no Labo-
ratório de Psicologia e Educação Ambiental do INPA. O Ecoethos da Amazônia é uma plataforma educacional que trata de
problemáticas ambientais e o comportamento humano (HIGUCHI; AZEVEDO, 2013). O ponto central do projeto é a Educação
Ambiental (EA), e esta é considerada uma forma de construção de ideias, de pensar e agir de forma crítica e autônoma sobre a
relação pessoa-ambiente.
No caso do Ecoethos da Amazônia o foco de trabalho é o público jovem, estudantes do ensino fundamental e médio,
que tem na plataforma elementos recursos pedagógicos e educativos planejados para um pensar e agir mais responsável sobre
os problemas ambientais. Como no Ecoethos da Amazônia toda a ação educativa é direcionada para os jovens, é necessário
que saibamos as características desse público alvo. Os jovens se encontram num momento crucial na formação de valores e
atributos éticos do comportamento, em particular no comportamento socioambiental. Outros estudos foram produzidos dentro
deste projeto que busca o entendimento dos elementos naturais por parte dos jovens (CELESTINO; AZEVEDO; HIGUCHI, 2015;
CORDEIRO; AZEVEDO; HIGUCHI, 2015; RAMOS; HIGUCHI; AZEVEDO, 2015; REIS; HIGUCHI; AZEVEDO, 2015; FORTE et
al., 2015).
O jovem é um cidadão ativo e dinâmico e capaz de transformar, de ir contra uma tradição, de fazer o diferente, de se
reinventar nos mais diversos aspectos da cidadania (DAYRELL, 2003; GUIMARÃES; GRINSPUN, 2008). Apesar de trazer muito a
estrutura preparada pelos adultos com os quais convive, continua a se transformar cotidianamente e a se inovar. Nesse sentido
os processos educativos são cruciais em todas as dimensões sociais e para todos os contextos, de modo particular na proteção
do ambiente natural, seja no espaço urbano ou não urbano.
A Educação Ambiental (EA) tem sido apontada como uma ferramenta necessária para mudar o comportamento vigente
da sociedade, uma vez que os problemas ambientais têm aumentado de forma assustadora (GONZALES-GAUDIANO; LOREN-
ZETTI; 2009; GUIMARÃES, 2004; 2007; HIGUCHI; AZEVEDO, 2004; HIGUCHI, 2008a; HIGUCHI; MOREIRA JÚNIOR, 2009;
HIGUCHI; ZATTONI; BUENO, 2012; LAYRARGUES, 2010; LOUREIRO, 2003; 2004a; 2004b; 2008; 2010; REIGOTA, 2008). Uma
mudança é emergente e a juventude pode contribuir de forma muito intensa se engajando na construção de novas condutas
ecologicamente equilibradas e socialmente justas (CARVALHO, 2008; HIGUCHI, 2008b; HIGUCHI et al., 2010). Reconhecer e
evidenciar tais fatores nessa ação da ética do cuidado ambiental pode nos indicar caminhos importantes para uma efetiva busca
da sustentabilidade ambiental entre os jovens.
A atuação do jovem pode ter essa formação de diversas formas, seja de forma mais imediata como pela família ou escola,
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Para cuidar do planeta precisamos todos passar por uma nova educação, uma educação ecológica para rever nossos
hábitos diários, nossos costumes e consumo é preciso perceber que a dominação da natureza não ocorre sem a dominação de
humanos sobre outros humanos (GRÜN, 2007; BOFF, 2003). A sociedade precisa mostrar na prática que está sujeita para mudar
seus hábitos e a projetar novos desenvolvimentos que trabalhe o cuidado e com os equilíbrios ecológicos e funcione no limite
da natureza. Para Boff (1999) não significa voltar ao passado, mas oferecer um novo enfoque para o futuro comum. Não se trata
simplesmente de não consumir, mas de consumir responsavelmente.
O ethos se manifesta a partir desses níveis de responsabilidade, com maior ou menor responsabilidade e cuidado com
o ambiente e seus recursos. A afetividade estaria como condição dessa maior responsabilidade, de forma que quando ocorre
a ausência desse cuidado na relação com o ambiente caminhamos para graves problemas. Como diz Boff (2003) ou cuidamos
ou pereceremos.
Métodos
A pesquisa de abordagem qualitativa, descritivo exploratória foi realizada por meio de um formulário (devidamente tes-
tado) com questões abertas e fechadas que contemplaram a) dados sócio demográficos b) perfil de preferências e atividades
socioeconômicas; c) posturas e participação em atividades ambientais.
Após o preenchimento do formulário foi aplicada uma entrevista semiestruturada contendo perguntas sobre atitudes
ecológicas e atitudes éticas socioambientais. A aplicação do formulário e entrevista foi realizada foi feita de forma individual na
escola em sala reservada. A entrevista foi gravada com o consentimento do participante e todo o procedimento teve duração
média de 15 minutos.
Os participantes eram alunos do ensino fundamental de duas escolas da rede Estadual de Ensino (SEDUC) e Municipal
(SEMED) escolhidas por acessibilidade. A pesquisa foi desenvolvida após anuência do Secretário, gestores e após a respectiva
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, o número de aprovação é 37940714.6.0000.0006.
Resultados e discussão
Os resultados estão organizados inicialmente pelo perfil dos estudantes, participação em atividades socioambientais e
finalmente o entendimento sobre o cuidado ambiental.
Participaram da pesquisa 16 estudantes (F=8; M=8), de 13 a 15 anos de idade, matriculados do 8º e 9º ano do ensino
fundamental. A tabela 1 mostra a distribuição destes jovens considerando sexo e idade.
Entre os estudantes, 13 deles declaram ter uma religião (10 evangélicos e 3 católicos) e 3 não responderam. Numa escala
hipotética de renda familiar de 1 a 10 (sendo 1 mais pobre e 10 mais rico), os entrevistados se identificaram num intervalo de um
máximo de renda como 8 e um mínimo de 3.
Para melhor abreviar o entendimento dessa escala, os diferentes números foram transformados em 3 categorias, sendo
de 7 e 8 = acima da média; 5 e 6= na média, e 3 e 4 = abaixo da média de renda obtida pela família. A maioria (10) deles
declarou estar na média (5 e 6); 4 deles se consideram estar acima da média (7 e 8); e 2 deles se consideraram estar abaixo
da média (3 e 4). Constatou-se ainda que a maioria (14) dos jovens estudantes se dedica exclusivamente aos estudos e 2 deles
declararam trabalhar além de estudar; um trabalha em um posto de lavagem de carro e o outro em um estúdio de filmagens.
1
WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS. Está disponível para smart-
phones iPhone, BlackBerry, Windows Phone, Android e Nokia.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
830
c) desmatamento; d) falta de arborização e produção do lixo.
“... eu acho que é a poluição dos rios, dos igarapés, acho que antes era mais conservado... hoje
em dia é mais poluído. E todo mês a prefeitura, tira toneladas e toneladas de lixo dos igarapés e
dos rios ai isso é o que mais eu acho que polui a nossa cidade. ”
“A poluição dos rios. Porque as pessoas jogam lixos não se preocupam, aí tem o caso de enchen-
tes, todo ano tem as enchentes aqui e as pessoas não se lembram de que jogaram lixo e quando
a enchente passa, voltam a jogar lixo de novo e então acho que não tão se preocupando”.
“Poluição do ar. Devido o aumento de vendas e compra de carros e também aqui em Manaus não
tem muito carros elétricos, mas na Europa até os ônibus são. Vai aumentando o efeito estufa e o
gás vai poluindo cada vez mais”.
“Ambientais é, problema de não ter arborização, muito lixo, porque tem vários lixos espalhados
pela cidade e é tudo sujo e também as águas tão poluídas”.
Observa-se que os jovens não só indicam as evidências dos problemas, mas também fatos que estão relacionados com
esse problema, sejam as causas ou as consequências. Constata-se ainda, que a indicação desses problemas são bastante gerais
e atingem um macro cenário, seja da cidade, da região ou do Brasil. Grün (2007) e Jacobi (2003), argumentam que as pessoas
precisam despertar urgentemente, olhar para a natureza com cuidado, respeito e ver que precisamos saber cuidar dos recursos
que ela nos oferece, pois caso olhe somente os benefícios financeiros vamos ter muito mais problemas futuramente.
Os jovens, de modo geral, estão tendo esse olhar para a natureza com cuidado, a percepção deles está sendo construída,
portanto, a partir desse estranhamento com o ambiente em que eles estão inseridos. Conforme Higuchi & Kuhnen (2011) para
haver uma compreensão do que se passa ao nosso redor, é necessário romper com certas familiaridades, pois são as inquieta-
ções que levam ao movimento e à mudança.
Conclui-se que, de modo geral, os jovens reconhecem que as responsabilidades das resoluções desses problemas
ambientais estão em cada um de nós mesmos. Que eles podem começar a mudar suas atitudes e rever seus comportamentos
em questão com esses problemas que foram expostos a eles. Porém, eles nos trazem preocupações com o meio ambiente que
De maneira geral, contata-se que os jovens mostram um ethos que tende a observar aspectos de cuidado ambiental
e de bem estar coletivo. Em suas justificativas, que por motivos de restrição de espaço não estão aqui abordadas, os jovens
enaltecemas regras que constituem uma boa ação independente das condições restritivas do sujeito em poder realizá-las, seja
devido sua idade, sua incapacidade física, seu poder aquisitivo, suas metas pessoais ou responsabilidades familiares.
Nas ações, cujas consequências não trariam problemas ambientais evidentes como o fato de jogar resto da fruta em
um canteiro de plantas, a metade dos jovens ponderou e flexibilizou seu ethos ambiental considerando não ser exatamente pro-
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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blemático, pois o que se jogou seria incorporado como adubo. Outra ação que envolve propriedade e proteção florestal, também
gerou o segundo menor consenso, embora tenha prevalecido o fato de que a floresta deveria ser preservada em detrimento das
necessidades de moradia das pessoas.
Considerações Finais
Os jovens participantes dessa pesquisa estão engajados numa ampla rede de comunicações na mídia social, se dizem
muito preocupados com os problemas sociais e são capazes de distinguirem as responsabilidades de cada segmento social
na busca de soluções para os problemas vivenciados na cidade. De modo geral prevalece na maioria dos jovens um ethos que
valoriza o cuidado ambiental independente das condições particulares do sujeito e demandas sociais.
O entendimento juvenil sobre a ética no cuidado ao meio ambiente que esses jovens manifestaram neste estudo é bastan-
te positivo, mas ainda as questões pessoais e sociais exercem um apelo considerável para alguns jovens. Os jovens mostraram
uma preocupação genuína com o meio ambiente e uma certa visão crítica sobre essa relação pessoa-ambiente. Os conflitos são
complexos para os jovens, mas observa-se que o cuidado ambiental faz parte dessa ética na sociedade atual, mesmo que em
determinados momentos isto não seja muito simples de se posicionar.
Este estudo não teve a intenção de ser conclusivo, mas mostra que a juventude vem construindo atitudes éticas cada
vez mais abrangentes e críticas. Apesar de serem necessários estudos mais aprofundados, nessa pesquisa fica evidente que a
maioria dos jovens tem pensamento voltado para a coletividade considerando o meio ambiente como parte desse cenário social
e mostram-se, portanto, um segmento importante de inclusão no processo de proteção e cuidado ambiental. Com a consolidação
deste compartilhamento juvenil as possibilidades de trilhar de um mesmo caminho para um fim democrático pode ser enriquece-
dor a sustentabilidade ambiental, seja de áreas urbanas ou áreas protegidas.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM ÁREAS DE RESEX MARINHA:
GURUPIPIRIÁ/ VISEU-PA
Resumo
Neste artigo, objetiva-se compreender como a criação de Reservas Extrativistas Marinha - RESEX, vem influenciando na elaboração
de políticas públicas, especialmente as educacionais, em condição de contemplar as necessidades e perspectivas das populações
que vivem dentro das comunidades da RESEX Gurupi-Piriá no município de Viseu, criada em 20 de maio de 2005. A partir da me-
todologia qualitativa e por meio do estudo das unidades de ensino e instituições representativas, analisam-se as práticas de ensino/
aprendizagem no contexto da referida UC. No que concerne aos objetivos do estudo, evidenciou-se algumas dificuldades para a
concretização de uma política educacional que atenda e reconheça as peculiaridades do modo de vida das comunidades locais.
Resumo
Trata-se de visibilizar as relações geracionais a partir dos saberes ecológicos pesqueiros locais que as constituem na Reserva ex-
trativista marinha de Caeté-Taperaçu, Amazônia Oriental, Brasil. O texto ancora-se em entrevistas parcialmente estruturadas, obser-
vação participativa e grupos focais com os membros das famílias pescadoras. Identificou-se que na referida reserva extrativista as
relações de parentesco são fundamentais na formação dos mais jovens, especialmente na formação daqueles que estão iniciando
a atividade de pesca. Esse modelo de vida, representada em grande medida pelos vários aspectos socioculturais de uma comuni-
dade tradicional, transita pelos diferentes, porém relacionados, campos de ação humana.
Introdução
Dentro do cenário pesqueiro brasileiro o Estado do Pará, Amazônia oriental, ocupa lugar de destaque, sendo responsável
por 63,82% da produção da Região Norte e 17,3% da produção nacional (ISAAC et. al., 2006). A pesca artesanal no Pará é respon-
sável por aproximadamente 60% do total de pescado produzido no estado, apresentando grande importância do ponto de vista
social e econômico (PARÁ, 2003). Esta atividade destaca-se, tanto em volume de produção, quanto em contingente de pessoal
ocupado, pela importância no abastecimento local, regional e nacional (Ibid; 2003).
A pesca artesanal implica em todo um conjunto de conhecimentos acumulados em torno do espaço marítimo, construído,
principalmente pela experiência e pela intuição. Nesse processo, é visível verificar na cultura tradicional dos pescadores artesa-
nais uma noção tridimensional do espaço, que abrange seus distintos domínios de vida - mar, terra e céu - dotados de significa-
dos específicos (CUNHA, 2003).
Nesse contexto, a vida econômica, social e cultural dos pescadores artesanais está intimamente ligada à flora e à fauna,
ao ciclo lunar, sazonais e de marés e aos períodos de reprodução de peixes, caranguejos e outras espécies (GLASER, 2005). Ou
seja, a natureza, em boa medida e simultaneamente, determina e condiciona tempo, local, recursos a serem extraídos.
Para Davis & Wagner (2006) os Conhecimentos Ecológicos Locais (CEL) trata-se de informações empíricas em torno
do ambiente físico, hábitat, classificações, presença/ausência (abundância), comportamentos e costumes de espécies, além de
explicações para tais fenômenos. Pode ainda ser usada a expressão de saber local. Isto porque, embora a expressão englobe a
noção de saber tradicional (indígenas, pescadores), ela refere-se a um produto histórico-social (CUNHA, 1999). Logo, se recons-
trói e se modifica. Não se trata de um patrimônio intelectual que apesar das transmissões geracionais, não são imutáveis, fixos.
Além da dinâmica socialização dos saberes locais, tais grupos sociais (populações tradicionais, artesanais, extrativistas,
organizadas em comunidades) estão inseridos também em práticas de solidariedade familiar, isto é, formas de colaboração en-
tre todos os membros, relacionando-se diretamente com a organização da comunidade, a qual é fortemente marcada por laços
de parentesco mais distantes (primos/primas, tios/tias, sobrinhos/sobrinhas, vizinhos/vizinhas, comadres/compadres). O paren-
tesco é um princípio organizativo fundamental e elemento central da reprodução social (VIEIRA et al., 2013).
O presente artigo apresenta parte dos resultados de pesquisas que vêm sendo desenvolvidos pelo grupo de pesquisa
ESAC – Estudos Socioambientais Costeiros1. Partindo-se de que a pesca artesanal é uma atividade realizada por diferentes
grupos etários (crianças, jovens, adultos, idosos), visa a contribuir com as discussões em torno de relações geracionais e de
parentesco na socialização dos Conhecimentos Ecológicos Locais (CEL), destacando os lugares de gênero e de geração neste
contexto.
1
Programa de PG em Biologia Ambiental/IECOS – Instituto de Estudos Costeiros/UFPA – Universidade Federal do Pará, Campus de Bragança.
Figura 1. Localização da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu, nordeste do estado do Pará, Brasil. Fonte: Repinaldo Filho (2012).
A coleta de dados, realizado através do trabalho de campo durante os anos de 2012 a 2014, ancorou-se em entrevistas
parcialmente estruturadas e observação participante (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2009). Houve participação na rotina de
várias famílias da comunidade, incluindo alimentação conjunta, pescarias, atividades domésticas e de manutenção dos instru-
mentos de pesca, dentre outras.
As entrevistas foram realizadas nos domicílios de 20 famílias de pescadores e pescadoras, as quais foram identificadas
a partir de pesquisas realizadas anteriormente, ou seja, em 2006 e 2007 (VIEIRA, 2007)2. O critério utilizado foi a maior disponibi-
lidade de participação na pesquisa.
Além das entrevistas foram realizados quatro Grupos Focais3 com membros (homens, mulheres e jovens) das famílias
entrevistadas, com propósito de enriquecer e aprofundar as informações coletadas. Foram apresentados para o grupo alguns
tópicos identificados como centrais a partir das estratégias de pesquisa anteriores, no sentido de dinamizar a discussão. Estes
encontros ocorreram na escola de ensino fundamental da comunidade e as falas foram registradas em gravações fonográficas
e posteriormente transcritas.
2
A dissertação de Vieira, Norma (2007), Participação Juvenil na Pesca Artesanal da Vila de Bonifácio, Bragança, Pará, Brasil, defendida no Programa de PG em Bio-
logia Ambiental, Campus de Bragança da UFPA em 2007 foi elaborada a partir de pesquisas realizadas na mesma comunidade.
3
Grupo focal é uma técnica de pesquisa que coleta informações por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador (VEIGA
& GONDIM, 2001).
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Conhecimento Ecológico local, relações geracionais
e os lugares de gênero na pesca artesanal
Desde cedo, ainda na infância, os pescadores e as pescadoras da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu afir-
mam, em entrevista, ter aprendido a identificar os pesqueiros – locais de pesca, com base no tipo de fundo (areia, pedra ou lama).
A identificação da profundidade (em braças) também é uma das primeiras lições ensinadas aos mais jovens. Geralmente
a identificação do tipo de fundo e profundidade ocorre com auxílio de prumo ou âncora.
Para eles, como para elas, as espécies-alvo estão associadas aos diferentes tipos de substrato (tipos de fundo). Sobre
essa questão Forman (1967) destaca que a distribuição dos recursos faunísticos dentro dos pesqueiros dá-se em função da pro-
fundidade e da composição do fundo.
Outro ponto a destacar são as condições do vento e da maré enquanto importantes indicadores para a atividade pesquei-
ra da comunidade. O domínio desses saberes, fortemente relacionados, é apreendido não somente para facilitar a captura do
pescado, mas como medida de segurança no mar.
Homens e mulheres de diferentes idades, em grande medida, têm o domínio das condições diárias do vento e da maré,
abstraído principalmente através de duas relações fundamentais: 1-proximidade com a natureza, por meio da oportunidade e da
capacidade de observá-la para compreendê-la. 2- e através da socialização dos saberes ecológicos pesqueiros locais realizados
pelas gerações sociais mais experientes para as menos experientes.
Além do conhecimento sobre maré, ventos, tipos de fundo e profundidade da água, se fazem necessário conhecer o
hábito alimentar das espécies-alvo. Esse tipo de conhecimento é fundamental porque garante identificar os locais de pesca e/ou
os cardumes das espécies a serem capturadas pelo tipo de alimento que elas utilizam.
Por exemplo, a sardinha foi citada como item alimentar importante na dieta de espécies de relevância comercial na
região, como a pescada-amarela (Cynoscion acoupa), a pescada gó (Macrodonan cylodon) e a corvina (Cynoscion virescens).
Ou seja, a identificação da presença da sardinha (Anchovia clupeoides; Cetengraulis edentulus), principalmente dentro do es-
tuário, indica grande chance de captura das espécies acima citadas.
Sobre essa questão, Mourão e Nordi (2003) destacam que a sardinha se comporta como importante elo basal da rede
alimentar estuarina. Também Maneschy (1993) ressalta que a chegada dos cardumes de sardinha no estuário, representa alimen-
tação das espécies maiores. Para os pescadores e as pescadoras da comunidade a “sardinha é a farinha4 dos peixes”.
Outro exemplo versa sobre o hábito alimentar do camarão branco (Litopenaeus schmitti), espécie de valor econômico
na região. A prática contínua da atividade, na maioria das vezes desde a infância, leva os pescadores e as pescadoras da comu-
nidade a associarem o hábito alimentar da espécie ao hábitat. Essa associação condiciona os locais a serem explorados. Moraes
(2005) explica que a pesca artesanal envolve muitos elementos, onde o importante é o contato com a natureza.
Para os pescadores mais idosos e mais experientes conhecer o ritmo da natureza, como ela se apresenta e como se
comporta é tarefa primeira para quem inicia a profissão. Os jovens participam de pescarias sempre em companhia dos mais
experientes, parentes ou vizinhos, homens e mulheres, até que se tornam pescadores ou pescadoras e passam a compor seus
próprios grupos de pesca com os parentes e/ou parceiros.
Diegues (2004) afirma que esses conhecimentos e saberes englobam diversos campos, como a classificação de espé-
cies aquáticas, comportamento dos peixes, taxonomias, padrões de reprodução e migração das espécies, cadeias alimentares,
bem como as características físicas e geográficas do habitat aquático, clima (nuvens, ventos, mudança do tempo), as artes de
navegação e de pesca.
Diante desse conjunto de conhecimento sólido e dinâmico, fortemente presente e estruturalmente necessário para a
prática pesqueira, questiona-se: como as relações geracionais podem ser visibilizadas a partir do processo de transmissão e
assimilação dos conhecimentos de pesca? Quais os principais atores e seus respectivos lugares? Quais os percursos, avanços e
limitações dos jovens e das jovens na atividade? De que maneira os lugares de gênero são postos, combinados, articulados, nas
relações geracionais de aprendizado dos conhecimentos de pesca?
Na Reserva de Caeté-Taperaçu os pais, os parceiros e as parceiras, as mães, os avôs, os tios, os irmãos mais velhos foram
citados nas entrevistas como os principais responsáveis pelo aprendizado da pesca dos jovens e das jovens entrevistados.
Isso demonstra que o grupo social está calcado nas relações de parentesco, de produção, de aprendizado. Isto é, as
4
Farinha, produto obtido da raiz da mandioca (Manihot esculenta), rico em amido, bastante utilizado pela população amazônica na alimentação.
[...] parece que foi ontem, eu tinha entre 6 e 7 anos quando meu avô me chamou para pescar de
canoa. Considero essa, minha primeira pescaria, talvez uma das melhores. Estávamos nós, eu e
meu avô, apenas nós, na espera do peixe. A pescaria era com rede, cada ação que ele realizava,
ele fazia questão de me explicar para quê e o porquê. Eu ficava atento a tudo, não queria perder
nada, aprendia com o que ele me falava e com o que eu olhava.
O domínio desse conjunto de saberes da pesca construídos a partir da socialização das diferentes gerações traduz apren-
dizados adquiridos por um lado, pela sistematização do saber, realizada, geralmente, pelos mais experientes aos mais jovens
e por outro pela observação, pela prática, acompanhando parentes, vizinhos, parceiros/parceiras na pescaria, bem como em
outras atividades ligados a ela.
Nesta perspectiva, Almeida (2010) reforça que os saberes da tradição arquitetam compreensões com base em métodos
sistemáticos, experiências controladas e sistematizações reorganizadas de forma contínua. Para a autora, diferentes do senso
comum, os saberes da tradição constituem uma ciência que, mesmo operando por meio das universais aptidões para conhecer,
expressa contextos, narrativas e métodos distintos.
Para Moraes (2005), os saberes da tradição ilustram o tipo de aprendizado que permeia toda a vida de populações tradi-
cionais, onde os astros, as condições climáticas, a terra, as águas, a flora e a fauna fazem parte do conteúdo que é sistematizado
através das experiências vividas e, como tal, absorvido pela socialização dos saberes.
Para Diegues (2004) os saberes locais pesqueiros consistem em um conjunto de práticas cognitivas e culturais, habili-
dades práticas e saber fazer, transmitidas oralmente com função de assegurar a reprodução do modo de vida nas comunidades
de pescadores artesanais.
Essa reprodução do modo de vida representada, em grande medida, pelos vários aspectos socioculturais de uma comu-
nidade tradicional, caso da Reserva de Caeté-Taperaçu, transita pelos diferentes, porém relacionados, campos de ação humana.
Dentre eles merecem destaque as relações de gênero no processo de socialização dos conhecimentos pesqueiros.
As mulheres jovens pescadoras aprendizes, longe de ter as mesmas oportunidades e ensinamentos dos homens, apren-
dem prioritariamente a lida com o pescado (limpar, eviscerar, retalhar, salgar), em grande medida com a mãe. Concomitante,
também aprendem a utilizar os espaços e recursos existentes de dentro do estuário, sobretudo os furos e o manguezal, repro-
duzindo os lugares de gênero no território biofísico. As atividades em terra, como confecção de redes de pesca, especialmente,
também são socializados com ela.
Aos homens jovens pescadores aprendizes, a socialização dos conhecimentos pesqueiros calca-se em direção a profis-
sionalização no setor. Neste caso, o nível e o grau de ensinamentos e de conhecimentos sobre a atividade de pesca extrapolam o
limite do estuário, isto é, os territórios e os domínios de atuação como os inúmeros pesqueiros (locais de pesca) vão tendencio-
samente se alargando e se diversificando, situação considerada como não compatível para as mulheres.
Além disso, conhecimentos como pilotar barcos motorizados, segurança no mar, o uso de tecnologias mais sofisticadas
(rádio, sonar, navegador, GPS), habilidades com diferentes tipos de instrumentos pesqueiros, bem como a manutenção destes
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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saberes indispensáveis e em grande medida, limitados à figura masculina.
Sobre essa questão, Medrado & Lyra (2008) afirmam que a dimensão relacional do conceito de gênero possibilita com-
preender ou interpretar uma dinâmica social que hierarquiza as relações entre o masculino e o feminino e não apenas entre
homens e mulheres, mas nos homens e nas mulheres. Por isso que gênero é estruturante, pois define lugares e posições sociais,
em grande medida, desiguais. Para Joan Scott (2008), gênero é um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o
poder é articulado.
Nesta perspectiva, Kergoat (2009) chama a atenção para a indissociabilidade entre relações sociais de sexo e a divisão
sexual do trabalho, para ela, epistemologicamente, ambas as expressões formam um sistema, no qual a divisão sexual do tra-
balho tem o status de jogo em disputa das relações sociais de sexo. Nesse jogo, as mulheres e suas respectivas atividades estão,
em boa medida, em condição de desigualdade.
Diante disso, o conjunto de aprendizado pesqueiro construído por elas não lhe possibilita ou lhes dificulta desenvolver as
inúmeras modalidades e usos de territórios que a pesca permite, em boa medida aos homens. Isto é, ao mesmo tempo em que
há modificações e em boa medida avanços na estrutura pesqueira local, através da inserção de novos mercados, das tecnologias
de pesca, dos territórios explorados e a presença marcante da geração jovem masculina nestes contextos, permanecem rígidos
os papéis e os lugares de gênero na pesca artesanal. Assim como permanece rígido seu lugar da domesticidade/maternidade.
Conclusão
Na Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu o uso dos espaços e dos recursos naturais estão estruturados a par-
tir das relações de parentesco, isto é, a família compõe a unidade de produção pesqueira. Homens e mulheres, de diferentes
idades, estão envolvidos nas inúmeras tarefas que estruturam a pesca artesanal. É através destas relações que se constroem os
primeiros conhecimentos ecológicos locais.
O domínio desse conjunto de saberes da pesca construídos a partir da socialização das diferentes gerações traduz apren-
dizados adquiridos, em grande medida pela sistematização do saber, pela observação e pela prática.
Essa reprodução do modo de vida representada, de modo geral, pelos vários aspectos socioculturais de uma comuni-
dade tradicional, caso da Reserva de Caeté-Taperaçu, transita pelos diferentes, porém relacionados, campos de ação humana.
Dentre eles merecem destaque as relações geracionais e de gênero no processo de socialização dos conhecimentos pesqueiros.
Durante a formação do pescador e da pescadora para a atividade de pesca, a contribuição do grupo social a partir das
relações geracionais, se dá de diferentes formas, com reprodução dos lugares de gênero - os ensinamentos dado pelas e para
as mulheres, em boa medida, não são as mesmas disponibilizadas pelos e para os homens. Isso demonstra que a atividade de
pesca está estruturada em uma rígida divisão sexual do trabalho com lugares e com aprendizados calcados pelo gênero.
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
842
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E VISITAÇÃO EM PARQUES NACIONAIS: A EXPERIÊNCIA
DO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA (RJ) COM GUIAS DE TURISMO E
CONDUTORES DE VISITANTES
1.Professora do Departamento de Turismo e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Doutoranda em
Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio de Janeiro, eloise.botelho@unirio.br. 2.Educador Ambiental. Doutorando em Serviço
Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, minhatrilha2000@yahoo.com.br
Resumo
Este trabalho traz reflexões sobre a possível vinculação entre educação ambiental e guiamento e condução de visitantes em
parques nacionais, a partir da análise da experiência de formação de guias de turismo e condutores atuantes no Parque Nacio-
nal da Tijuca (RJ). Com base na proposta da educação ambiental crítica, desenvolve um estudo exploratório sobre o processo
formativo realizado por esta unidade entre os anos de 2010 e 2012, envolvendo guias de turismo e condutores de visitantes. Este
estudo baseia-se em relatórios técnicos e pesquisa em sites oficiais. Conclui que, embora houvesse intenção por parte do Parque
Nacional da Tijuca em construir uma proposta de “interpretação ambiental crítica” para o guiamento e a condução de visitantes,
não houve êxito devido à interrupção do processo. O trabalho considera que a gestão dos parques nacionais deve reconhecer o
papel do guia/condutor como educador ambiental, ou seja, agente capaz de incentivar a reflexão e colaborar para a proteção do
patrimônio natural e cultural dos parques nacionais.
Palavras-chave: Educação Ambiental Crítica, Interpretação Ambiental Crítica, Guia de Turismo, Condutor de visitantes, Parque
Nacional da Tijuca (RJ).
Introdução
Umas das mais importantes estratégias da política ambiental no Brasil são a criação, implantação e gestão de áreas pro-
tegidas (LEUZINGER, 2007). No Brasil, o reconhecimento da importância das áreas protegidas é constituído em lei, através do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/2000), que estabelece categorias de manejo, determina e regulariza
o uso e a apropriação dos recursos naturais. Dentre as categorias de Unidades de Conservação, o Parque Nacional chama aten-
ção, pois tem como objetivo básico a proteção dos recursos naturais e da beleza cênica das paisagens, associado à realização
de pesquisas científicas, de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação e de turismo (BRASIL, 2000).
A visitação em parques nacionais oferecem uma oportunidade para que visitantes possam conhecer e aprender sobre a
diversidade biológica e cultural, mas também demanda o estabelecimento de infraestrutura e serviços específicos que permitam
as atividades de recreação, lazer e turismo. Porém, é muito importante que essas atividades estejam associadas a uma proposta
de educação e interpretação ambiental.
Diante aos diversos cenários de degradação ambiental e problemas sociais que constituem a realidade de muitas locali-
dades, a associação entre visitação, educação e interpretação ambiental pode colaborar no enriquecimento cognitivo, político
e ideológico dos atores sociais envolvidos, a partir da internalização de informações e de reflexões sobre a importância da pro-
teção da biodiversidade e do patrimônio cultural presentes nos parques nacionais. Uma das estratégias para isso é a visita guiada
por profissionais com formação e habilidades para realizar atividades de educação e interpretação ambiental, que são os guias
de turismo e os condutores de visitantes.
Considerando que a gestão dos parques nacionais deve promover atividades de educação e interpretação ambi-
ental, uma das estratégias que tem sido utilizada pelos órgãos gestores é a normatização, cadastramento e oferta de cursos
aos guias de turismo e condutores de visitantes que comercializam seus serviços no interior das unidades. Diversas experiên-
cias como estas tem ocorrido tanto em âmbito dos parques nacionais (como nos Parques Nacionais da Serra dos Órgãos1,
1
ICMBIO. Portaria No. 116, de 19 de novembro de 2010. Estabelece normas e procedimentos para o cadastramento e a Autorização para exercício da atividade com-
ercial de condução de visitantes no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Disponível em: www.icmbio.gov.br. Acessado em 14/jul/2015.
2
ICMBIO. Portaria No. 204, de 10 de julho de 2013. Estabelece normas e procedimentos para o credenciamento e a autorização de uso para exercício de atividade
comercial de condução de visitantes no Parque Nacional de Itatiaia. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br. Acessado em 14/jul/2015.
3
ICMBIO. Portaria No. 12, de 23 de fevereiro de 2011. Estabelece normas e procedimentos para o cadastramento e a Autorização para exercício da atividade comer-
cial de condução de visitantes no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Disponível em: www.icmbio.gov.br, Acessado em 14/jul/2015)
4
INEA. Resolução INEA No. 61 de 04 de Outubro de 2012. Estabelece normas e procedimentos para o censo, credenciamento e prestação de serviços de guias de
turismo e condutores de visitantes nos parques estaduais administrados pelo INEA. Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/cs/groups/public/documents/document/
zwff/mda2/~edisp/inea_006668.pdf. Acessado em 14/jul/2015.
5
SMA. Resolução 32 de 31 de março de 1998. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com
a natureza e de turismo ecológico” (BRASIL, 2000). Dentre as 12 categorias de unidades de conservação6, o parque nacional é
aquela em que as palavras-chave “visitação” e “turismo ecológico” estão presentes na definição de seus objetivos de criação, o
que revela a importância destas atividades para a unidade (LEUZINGER, 2010).
A visitação em parques nacionais é uma prática que tem ganhado cada vez mais adeptos em todo mundo e também
no Brasil (KINKER, 2002; BRAGA, 2015). Em dados recentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), mais de 7 milhões de pessoas visitaram diversos tipos de unidades de conservação de âmbito federal em 2014, tais
como Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Áreas de Proteção Ambiental (ICMBIO, 2015). Este cenário revela a necessidade
de estabelecimento de investimentos em infraestrutura, facilidades e em serviços, que devem proporcionar oportunidades de
realização de atividades de recreação, lazer e turismo associados a processos de educação e interpretação ambiental, a fim de
garantir a proteção da biodiversidade e do patrimônio cultural.
Dentre as possibilidades de associação entre proteção, visitação, educação e interpretação, o guiamento e a condução
de visitantes é considerada por Zimmerman (apud CRONEMBERGER, 2007, p. 1) como uma “oportunidade de sensibilização
ambiental e estabelecimento de um gradual compromisso dos visitantes com a conservação, não só do parque, mas do ambi-
ente num contexto amplo”. De acordo com a Cartilha “Noções Básicas para a Condução de Visitantes em áreas naturais” (MMA,
2005), os guias de turismo e os condutores de visitantes desempenham, portanto, um papel fundamental para a formação de
atitudes e comportamentos por parte do visitante perante ao ambiente. Sendo assim, o guiamento e a condução de visitantes
compõem o rol de serviços comerciais que podem ser realizados em parques nacionais. Estes são regulados por diversos instru-
mentos legais que orientam os procedimentos de normatização de guiamento e condução de visitantes.
A Lei nº 9.985/2002 que instituiu o SNUC, bem como o Decreto nº 4340/2002, estabelecem que a exploração comercial de
serviços, obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais, a fim de dar suporte à imple-
mentação das atividades de uso comum do público (tais como visitação, recreação e turismo), depende de prévia autorização
do órgão gestor.
Outro instrumento legal que complementa a Lei do SNUC é o documento do Ministério do Meio Ambiente intitulado
“Diretrizes para Visitação em Unidades de Conservação”7, que orienta aos gestores a requererem “que todos os condutores,
monitores e guias estejam devidamente cadastrados nas UC onde deverão atuar. Este cadastro deverá contemplar aqueles que
realizaram cursos de capacitação e de formação para condutores, monitores ou guias reconhecidos pelos órgãos gestores”, e
que deve ser estimulada a continuidade da formação.
Nesse sentido, é importante entender as diferenças sobre as atribuições, os pré-requesitos para atuação profissional e
demais características das atividades de guia de turismo, de monitor de turismo e de condutor de visitantes. O guia de turismo
possui formação técnica-profissionalizante em curso reconhecimento pelo Ministério da Educação. De acordo com o Ministério
do Turismo8, além da comprovação de conclusão no curso, o profissional precisa estar inscrito no Cadastro dos Prestadores de
Serviços Turísticos (Cadastur)9. Segundo a portaria que estabelece requisitos e critérios para o exercício da atividade de Guia
de Turismo, o guia de turismo é aquele que exerce “atividades de acompanhamento, orientação e transmissão de informações
a pessoas ou grupos, em visitas, excursões urbanas, municipais, estaduais, interestaduais, internacionais ou especializadas”
(BRASIL, 2014).
A formação profissional pode ser especializada conforme o âmbito geográfico de atuação (local e/ou intermunicipal;
nacional; internacional) e a tipologia de atrativos (prestação de informações técnico-especializadas sobre atrativo natural ou
cultural). O Guia de Turismo com especialização em determinada tipologia de atrativo somente poderá exercer sua atividade
6
No Brasil, as áreas protegidas são regulamentadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, que é um mecanismo governamental de proteção
da bio-sociodiversidade. Este Sistema foi criado em 2000, e busca atender às diretrizes da Convenção da Diversidade Biológica. Define 12 tipos de áreas protegidas,
dividida em dois grupos: Proteção Integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; e Refúgio de Vida Silvestre), e Uso Susten-
tável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento
Sustentável; Reserva Particular do Patrimônio Natural.).
7
Aprovado pela Portaria MMA nº 120, de 12 de abril de 2006. Disponível em: www.icmbio.gov.br. Acessado em 14/jul/2015.
8
Portaria nº 27, de 30 de janeiro de 2014. Estabelece requisitos e critérios para o exercício da atividade de Guia de Turismo e dá outras providências. Disponível em:
http://www.turismo.gov.br/legislacao/?p=117. Acessado em 14/jul/2015.
9
O CADASTUR “é o sistema de cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam na cadeia produtiva do turismo, executado pelo MTur em parceria com os Órgãos
Oficiais de Turismo das Unidades da Federação” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2011). Disponível em: www.cadastur.turismo.gov.br/cadastur/SobreCadastur.mtur.
Acessado em 14/jul/2015.
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tores de turismo e condutores de visitantes tem sua atuação restringida aos espaços patrimoniais e unidades de conservação,
não podendo atuar como guias de turismo sem atender à legislação vigente. Neste sentido, os profissionais possuem comple-
mentariedade em suas atuações em parques nacionais.
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cultural desta Unidade de Conservação”. Como resultado, esperava-se “estimular a melhoria na qualidade do serviço prestado
ao visitante, criando as condições necessárias para que profissionais competentes e preparados realizem seu trabalho” (PARNA
TIJUCA, 2011, p. 4).
A primeira etapa ocorreu em fluxo contínuo até 2013, e consistiu em cadastramento preliminar e inscrição para participa-
ção no curso. No banco de dados do PARNA Tijuca, constam 569 guias de turismo e condutores de visitantes14. Considerando o
total de guias de turismo inscritos no Cadastur para a cidade do Rio de Janeiro (3.430 profissionais inscritos) acredita-se que, em
termos quantitativos, houve uma relevante aderência (16%, em 2 anos) destes profissionais ao processo desenvolvido pelo PAR-
NA Tijuca. Em uma amostra de 346 profissionais cadastrados no banco de dados do PARNA Tijuca analisados, 203 são guias de
turismo com registro no CADASTUR; 82 são condutores de visitantes (sem curso técnico de formação profissional e sem número
de registro no CADASTUR); e 61 possuem curso, mas não souberam informar o número de registro no CADASTUR. Apenas 32
profissionais são moradores de cidades localizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro.
A segunda etapa consistiu na participação em curso de formação oferecido pelo PARNA Tijuca. Este curso abordou
os seguintes assuntos: sustentabilidade e turismo; educação e interpretação ambiental; zoneamento e normas de uso público
do PARNA-Tijuca; patrimônio natural e histórico-cultural; segurança e técnicas de condução. Os cursos foram ministrados pe-
los analistas ambientais e funcionários terceirizados do PARNA Tijuca e, também, por profissionais com formação em guia de
turismo e membros da ABETA (Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura) que se voluntariaram com temas
especificamente relativos à atividade de guiamento e condução de visitantes.
Entre 2010 e 2012, foram oferecidos cinco edições do curso, atendendo a um total de 179 profissionais (31% do total de
profissionais inicialmente cadastrados). Diante do número de cadastros preliminares, avalia-se que existe uma demanda re-
primida de profissionais interessados em participar dos cursos e em obter a autorização para a comercialização dos serviços em
áreas do PARNA Tijuca, considerando estes pré-requisitos.
Com base na análise dos relatórios, pode-se afirmar que a participação nos cursos oferecidos foi considerada por todos
os envolvidos (gestores, técnicos, voluntários e profissionais participantes) como um importante momento de aproximação entre
a gestão e aqueles que usam as áreas do parque para a prestação de serviços. Isso porque houve oportunidade para o diálogo,
não somente com informações e dúvidas sobre as normas do PARNA Tijuca (desconhecida por muitos guias e condutores) e
sobre aspectos relativos à biodiversidade e ao patrimônio histórico-cultural. O curso também contribuiu para a reflexão sobre
o papel do guia e do condutor como sujeito atuante no processo de gestão do parque, na medida em que puderam trocar ex-
periências e participar com recomendações que visaram colaborar para a melhoria da gestão do uso público e da visitação da
Unidade. Segundo alguns relatos,
“Aprendi muito, graças ao curso sobre legislação, plano de manejo, zoneamento. Achei funda-
mental a técnica de interpretação ambiental que antes eu aplicava de uma forma desorganizada.
Vou poder tornar minha apresentação do Parque mais completa e objetiva.”
“Com a reflexão sobre os problemas ambientais atuais, passados e vindouros, sobre a preser-
vação do meio ambiente, sobre o papel do PNT na minha vida e na vida da minha comunidade.”
Segundo os participantes, os temas relativos à história do Parque, educação e interpretação ambiental e informações
sobre o Plano de Manejo foram aqueles com maior aproveitamento, pois acreditam que utilizarão as informações em suas
atividades de guiamento/condução. Também, relatam que adquiriram maior comprometimento, uma vez que reconheceram seu
papel como educador ambiental. Outro aspecto importante a ser destacado é o envolvimento dos guias/condutores para com
o Parque e entre si, considerando que foram formados grupos de estudos/trabalho e de discussão virtual entre os participantes
com a presença dos analistas ambientais do PARNA Tijuca, mantendo o grupo atualizado sobre os eventos, cursos, mutirões e
demandas da unidade.
As etapas seguintes, como a homologação do cadastramento e emissão de autorização para a realização de atividades
comerciais no interior da Unidade, previstas para o processo de formação, não foram continuadas como prioridade de gestão
14
Dados de outubro de 2012.
Considerações Finais
Este trabalho buscou contribuir com reflexões sobre a vinculação entre educação ambiental e guiamento e condução
de visitantes em parques nacionais, a partir da análise da experiência de formação de guias de turismo e condutores atuantes
no Parque Nacional da Tijuca (RJ). Com base nos pressupostos da Educação Ambiental Crítica defendido por Quintas (2009),
procurou-se compreender o papel e a importância do guiamento e da condução de visitantes em parques nacionais para ana-
lisar o processo de formação envolvendo guias de turismo e condutores de visitantes atuantes no Parque Nacional da Tijuca (RJ).
A partir desta análise, entende-se que o processo formativo não foi concluído da forma como havia sido proposto inicialmente,
tendo em vista que não houve continuidade, apesar da avaliação positiva dos participantes.
Diante do exposto, é importante tecer algumas considerações sobre a relação entre educação ambiental, guias de turis-
mo e condutores de visitantes em parques nacionais. Neste trabalho, defendeu-se a ideia de que a interpretação ambiental pode
promover a reflexão sobre a relação entre os problemas sociais e os parques nacionais. Sendo assim, propõe que o processo
formativo deve transformar o papel do guia/condutor de intérprete, passivo, para um agente capaz de incentivar a reflexão; e,
por sua vez, alterar o papel do visitante de mero receptor de informações sobre o que se ouve e se vê, para um sujeito político
no seu ambiente de origem. Além disso, os analistas ambientais envolvidos no processo formativo constituem parte do processo
de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, é importante, (re)conhecer o sujeito, como um ser autônomo, conforme aponta Quintas (2009). A perspec-
tiva defendida é a de que a interpretação ambiental crítica propõe a reflexão, tanto no ato da visita quanto no processo formativo,
sobre as relações sociais no âmbito estrutural e estruturante da questão ambiental, o que favorece a intervenção crítica no cotidi-
ano do visitante.
Entende-se que este trabalho pode colaborar na reflexão sobre o papel e a importância do guiamento e da condução
de visitantes em parques nacionais, oferecendo uma análise crítica sobre o processo de formação, na perspectiva da educação
ambiental crítica.
Referências
BOTELHO, E.S.; MACIEL, G.G. Seminário da Associação Nacional Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo, 11., 2014, Ceará.
A reprodução capitalista do espaço por meio da terceirização de serviços: desvelando as implicações para lazer dos visitantes
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ental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em julho 2014.
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Capacitação de guias de turismo e condutores de visitantes. Rio de Janeiro, 2011.
ICMBIO. COORDENAÇÃO DE USO PÚBLICO E NEGÓCIOS DO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA. Relatório do Curso de
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VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA: EXPERIÊNCIAS NA CO-GESTÃO DO CAMPING
DO PARQUE ESTADUAL DO RIO VERMELHO, FLORIANÓPOLIS (SC)
Palermo, Pedro Rodolfo Ocampos1; Abreu, Marcos José de1; Bottan, Guilherme Angelo1; Pereira, Icaro Chrsitóvam1; Teixeira,
Camilo1; Trivella, Renato Barretto Barbosa1; Cardoso, Stephanye Oliveira1; Gellert, Luana Jamayna1; Taffe, Bruna Lunardi1;
Lorenzi, Karina Smania de.1; Ganzarolli, André Martins1 & Angeloletto, Fernando1
Resumo
Desde dezembro de 2013 ocorre a co-gestão do Camping do Parque Estadual do Rio Vermelho, em Florianópolis (SC), entre o
Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo – CEPAGRO (OSCIP) e a Fundação do Meio Ambiente - FATMA. Com o
objetivo de apresentar nossas experiências, abordamos as seguintes ações: a promoção da educação e interpretação ambiental;
utilização de áreas de lazer; serviço de camping; eventos sociais e ações no entorno do parque. Já passaram mais de dez mil pes-
soas pelo camping atendidas por nossos objetivos, mostrando-se uma ferramenta pública com potencial promissor de referência
para o turismo, educação e interpretação ambiental e lazer em unidade de conservação.
Introdução
O Parque Estadual do Rio Vermelho (PAERVE) caracteriza-se por estar situado em um dos ecossistemas mais ameaça-
dos do mundo, dentro do domínio mata atlântica, e na face leste da ilha de Santa Catarina, entre o Oceano Atlântico e a Lagoa
da Conceição, apresentando predominantemente vegetação de restinga e a Floresta Pluvial da Encosta Atlântica, denominada
Floresta de Planícies Quaternárias (BISHEIMER, SANTOS & CARLSON., 2013).
A área do parque, com 1.532 ha, ainda abriga grande quantidade de seres vivos, possui uma relevante beleza cênica entre
florestas e praias, está sobre o aquífero Rio Vermelho - Ingleses, que abastece todo o norte e leste da Ilha (SOUZA et al., 2012).
O Camping do Rio Vermelho foi fundado em 10 de dezembro de 1973, através do convênio entre a Secretaria de Agri-
cultura e o Camping Clube do Brasil (CCB) (VENTURIERI, 2014), ocupa uma área de 25.000 m², com estruturas básicas como
banheiros, postes de luz e áreas de churrasqueira, recebendo nesse período visitante e turista do Brasil e do mundo (FERREIRA,
2010), servindo apenas como uma opção comercial e recreativa dentro da Unidade de Conservação. Segundo o mesmo autor,
o camping do rio vermelho é considerado uma zona de uso conflitante, pois as infra-estruturas que comportam a área não são
coerentes com as normas estabelecidas para categoria de Parque Estadual, podendo vir a ser enquadrada como zona de uso
intensivo após adequações.
Em termos de infra-estrutura o camping possui: área de 25 mil metros quadrados, campo de futebol, parque infantil,
quadra de vôlei iluminada, estacionamento, banheiros equipados com pias para lavar louça e roupas, cozinha, churrasqueiras,
área de jogos, horta ecológica, viveiro de mudas, fácil acesso a praia e à Lagoa da Conceição, acesso a internet, segurança,
atendimento na recepção em três idiomas: português, inglês e espanhol, e a separação dos resíduos sólidos.
A partir de dezembro de 2013 nasce a co-gestão do Camping do Parque Estadual do Rio Vermelho, entre o Centro de
Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo - CEPAGRO e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FATMA), coordenando
ações ligadas à gestão do espaço fazendo a administração e manutenção do camping para recebimento de visitantes, campistas
e eventos sociais; a educação ambiental, através de cursos, oficinas, atendimentos a escolas e grupos interessados na temática
ambiental com diversas abordagens.
Essa instituição existe desde 1990, trabalha a agricultura urbana e educação ambiental há 12 anos. Nesse contexto, atua
em diversos projetos com metodologias de produção de hortas agroecológicas (em comunidades, centros de saúde, escolas),
gestão comunitária de resíduos orgânicos e gestão de resíduos sólidos em todo território nacional.
Portanto, o camping promove a educação e interpretação ambiental, aliando o potencial do espaço para criar uma relação
comum entre todos na sociedade, que é o PAERVE, que se caracteriza por ser um espaço público e uma unidade de conservação
Eventos
A visitação ao camping criou a demanda pela realização de eventos sociais, tais como aniversários, ações solidárias,
atrações culturais e de valorização da cultura local, ensaios de grupos artísticos, reuniões de instituições, encontros escolares e
religiosos, cursos, oficinas, entre outros. Esses eventos requerem uma consulta e agendamento prévio, e possibilitam que grupos
interessados promovam seus objetivos em consonância com os objetivos do PAERVE.
Entorno do Parque
Desde sua atuação como co-gestor do camping, o CEPAGRO demonstra seu interesse em atrair a comunidade às ações
no espaço. Todavia, em comunhão aos problemas advindos da sociedade ou comunidade do entorno, fez com que conectasse
grupos distintos que buscam soluções comuns aos seus problemas.
O grupo Alecrim, formado principalmente por moradores do bairro São João do Rio Vermelho em Florianópolis, interes-
sados em resolver questões ligadas ao bem-estar das pessoas através de hortas comunitárias e a gestão de resíduos sólidos do
bairro, levou a parceria com o projeto do camping, procurando soluções originais para seus problemas.
A comunidade remanescente de quilombo Vidal Martins, localizada também no bairro do Rio Vermelho, também se
aproximou do Camping em busca de alternativas para agricultura e para o problema do resíduo orgânico na comunidade.
Resultados
Camping e Lazer
Para o serviço de hospedagem de camping, buscamos atender o turista e visitante com qualidade, ressaltando sempre a
importância do PAERVE para a região.
Além de um preço acessível durante todo o ano, a recepção do camping funciona como um centro de Informações sobre
a Unidade de Conservação e o turismo da cidade. Foram mais de 2.000 campistas durante a temporada 2014/2015. Pessoas de
várias partes do mundo estiveram no camping, como mostra o Quadro 1.
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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De dezembro de 2014 a fevereiro de 2015, período em que marca a alta temporada para o setor turístico do camping,
registramos 1.908 adultos e 183 crianças que acamparam. E de março de 2015 a junho de 2015, período de baixa temporada, já
registramos 881 campistas, sendo 731 adultos e 150 crianças.
Desde Dezembro de 2014 a junho de 2015 já registramos mais 3.300 pessoas que visitaram o camping. Muitas dessas
pessoas frequentaram o camping, buscando contato com a natureza (trilhas e praia); prática de esportes (futebol, futevolei, surf)
e entretenimento (churrasco, piquenique e diversão) como pode ser visto na Figura 1.
“Da mesma forma, no que se refere aos processos de conservação da biodiversidade e à gestão
de áreas protegidas, parece fundamental que o cidadão possa ser entendido, pelas políticas públi-
cas, não mais como um “outsider” da natureza e um risco ao seu equilíbrio, mas como protagonista
e “guardião” de um patrimônio de valor global e “bem comum”. Mas não se avançará no processo
se esse cidadão também não puder perceber esse patrimônio como “a sua própria casa”, asso-
ciado a um sentido positivado e não negativado da natureza, em uma perspectiva de presente e
futuro baseada na afirmação das identidades locais” (FUNDO VALE, 2012, p.48).
Segundo Fundo Vale (2012), o turismo está entre os cinco maiores geradores de receita no mundo e o Brasil, recém-
promovido ao posto de sexta economia mundial, precisa despertar para o potencial de gerar riquezas a partir de suas áreas
protegidas, fazendo com que as pessoas experimentem, positivamente, o turismo em áreas protegidas.
Dessa maneira, parece inevitável a apropriação da população no Parque Estadual do Rio Vermelho, porém, no que diz
respeito ao Camping, o CEPAGRO está preocupado com a forma como essa apropriação ocorre, principalmente relacionado
à geração de resíduos sólidos, uma vez que a quantidade de pessoas sempre traz o aporte do “lixo”. Buscamos uma gestão de
qualidade nesse serviço, a fim de que haja uma mitigação eficiente do impacto ambiental dentro do camping através da gestão
de resíduos sólidos e a educação ambiental.
Educação Ambiental
O trabalho de educação e interpretação ambiental para instituições de ensino atinge diretamente muitas pessoas, como
Figura 2. imagens das Atividades com Educação e interpretação Ambiental realizadas no Camping do PAERVE.
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Outra ação ligada à educação ambiental no camping do PAERVE foram as oficinas gratuitas que ocorreram durante a
temporada de verão 2014/2015, o material de divulgação dessas oficinas pode ser visualizado na Figura 3.
Figura 3. material de divulgação das oficinas de Educação Ambiental durante a alta temporada 2014/2015 no Camping do PAERVE.
De abril a junho de 2015 iniciamos uma nova fase de oficinas abertas e gratuitas à população, que denominamos “Saber
na Prática”. As oficinas ocorreram aos sábados, das 10 horas da manhã até o meio dia. As temáticas foram: A horta agroecológica;
Práticas de Viveiragem; Compostagem e Gestão de Resíduos Sólidos (Figura 4); Confecção de Telhado Vivo; despolpa artesanal
do açaí da Mata Atlântica (palmito juçara); Astronomia e Agricultura; Trilha ecológica: Conhecendo os Ecossistemas e a Bacia Hi-
drográfica da Lagoa da Conceição; Gastronomia com Plantas Alimentícias não-Convencionais (PANC’s); Plantas medicinais com
o Grupo Quinta das Plantas; Compostagem Doméstica: como implantar e manejar uma composteira para casas e apartamentos.
Figura 4. Uma das oficinas mais requisitadas e apresentadas foi a Compostagem Termofílica.
Em relação à promoção da educação e interpretação ambiental através de cursos gratuitos para instituições, durante o
ano de 2014, realizamos três cursos com a temática “Hortas escolares agroecológicas”, sendo dois destes para 200 professores
da rede municipal de ensino de Florianópolis, ligados ao Projeto Educando com a Horta Escolar e a Gastronomia da Prefeitura
Municipal de Florianópolis (PEHEG/PMF), e outro curso realizado através de parceria com a ESAG/UDESC, que teve a partici-
pação de 30 pessoas de diversos municípios de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Em 2015 o CEPAGRO realizou a “Formação em Gestão Comunitária de Resíduos Sólidos Orgânicos”, utilizando os ser-
viços de hospedagem do camping para os participantes que quisessem acampar. O evento nasceu de uma demanda de insti-
tuições e pessoas de diversos estados que conheceram o projeto “Revolução dos Baldinhos” e tiveram o interesse de replicar o
projeto adaptado às suas realidades.
Eventos
Devido à demanda advinda da população por eventos, no ano de 2014 estiveram presentes cerca de 2.180 pessoas e o
título destes podem ser visualizados no Quadro 3:
Em 2015, os eventos reuniram mais de 885 pessoas no camping do PAERVE, sendo o título dos eventos listados no
Quadro 4 e um destes eventos demonstrado na Figura 5:
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Figura 5. Domingo no Parque, evento que reuniu mais de 1000 pessoas e diversas atrações culturais no camping do PAERVE.
Entorno do Parque
O Grupo Alecrim participa em atividades do camping, tais como oficinas e cursos e convida o camping a participar de
atividades que eles promovem junto à comunidade, como a “GRATIFEIRA” – feira solidária de trocas gratuitas entre as pessoas.
Foram quatro edições que ocorreram no bairro São João do Rio Vermelho desde outubro de 2014. O camping fez questão de
participar em todos, levando mudas nativas para doação, informações sobre as atividades e ações realizadas, ou seja, atraindo
a comunidade.
Atualmente, o CEPAGRO contribui com o Grupo Alecrim no planejamento e execução de um sistema de gestão local
de resíduos sólidos orgânicos no bairro, reflexo do curso de Formação de Gestão Comunitária de Resíduos Sólidos Orgânicos,
realizado no camping.
No caso da comunidade Vidal Martins, técnicos do Camping prestam assessoria para desenvolver um sistema de Gestão
Comunitária de Resíduos Orgânicos e para incentivar práticas agroecológicas de agricultura.
Dessa maneira, esses dois grupos buscam autonomia por meio da cidadania, acesso aos direitos sociais e econômicos,
participando de forma ativa, organizada e consciente da construção da vida coletiva no Estado democrático (BONAVIDES; MI-
RANDA; AGRA, 1988).
Considerações Finais
Em um ambiente urbano como a cidade de Florianópolis é muito importante a existência e manutenção de uma unidade
de conservação, permitindo a interação entre as pessoas e o meio natural. Destacando-se principalmente o fato desta estar locali-
zada em um ambiente originário de mata atlântica, que é um dos biomas mais ameaçados no planeta.
O modelo de gestão compartilhada entre FATMA e CEPAGRO no Camping do Parque Estadual do Rio Vermelho, se
mostrou eficiente e nesses 18 meses o mesmo se tornou um espaço público apto para lazer, prática de esportes, piquenique,
eventos sócio-ambientais, trilhas ecológicas, doação de mudas, contato com a natureza, cursos e oficinas. Este local possi-
bilita que crianças, jovens e adultos de diversas culturas e nacionalidades reflitam sobre o seu comportamento na sociedade
e busquem soluções para problemáticas globais. Desta forma, a atuação do CEPAGRO no Camping acontece em 4 eixos: 1)
camping e lazer; 2) educação e interpretação ambiental; 3) eventos sociais e 4) ações comunitárias.
Desde o inicio do trabalho mais de 10.000 pessoas visitaram o Parque. São pessoas de diversas partes do mundo que
levam uma ótima mensagem para seus lares e contribuem para a dispersão de ideias que permitem uma maior harmonia entre
o meio ambiente e o ser humano.
A educação e interpretação ambiental é o principal foco do nosso trabalho e a principal forma de disseminação da nossa
Referências
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Florístico Florestal de Santa Catarina. Epagri/Ciram Santa Catarina, 2012. Disponível em: <http://ciram.epagri.sc.gov.br/
siffsc/>. Acesso em 21 outubro 2014.
VENTURIERI, G. A. O parque do Rio Vermelho: pelas palavras de seu fundador Henrique Berenhauser. São Paulo: Editora do
Autor. 1ª Ed. 2014.
ANEXO
Links que se referem ao trabalho realizado no camping do PAERVE:
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/verao/2015/noticia/2015/01/camping-no-parque-do-rio-vermelho-e-opcao-de-ferias-para-
turistas-em-sc.html
http://ecohospedagem.com/narotadasustentabilidade/parque-do-rio-vermelho-trilha-ecologica-e-camping/
http://www.ecovida.org.br/a-rede/nucleos/litoral-catarinense/compostagem-e-abordada-na-teoria-e-na-pratica-em-curso-organizado-pelo-/
http://portal.macamp.com.br/guia-conteudo.php?varId=14
https://www.youtube.com/watch?v=gEs11Egl_CA
https://www.youtube.com/watch?v=Wo2kzO3zuYs
http://noticias.ufsc.br/2015/03/compostagem-em-tratamento-de-residuos-solidos-sera-discutida-em-encontro/
http://educares.mma.gov.br/index.php/reports/view/214
http://www.youtube.com/watch?v=96-8p_vlhRc
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/dc-na-sala-de-aula/noticia/2014/07/parque-estadual-do-rio-vermelho-oferece-
atividades-de-educacao-ambiental-para-escolas-4552490.html
http://crecheidalinaochoa.blogspot.com.br/2014/09/passeio-ao-camping-do-rio-vermelho.html
http://depaesmeflorianopolis.blogspot.com.br/2014/11/formacao-hortas-escolares.html
http://www.guiafloripa.com.br/agenda/infantil/um-dia-de-camping.php
https://agroecologia.wordpress.com/camping-do-rio-vermelho/
https://campingriovermelho.wordpress.com/category/educacao-ambiental/
https://www.facebook.com/parqueestadualdoriovermelho/posts/515605168580509
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HAVETÉ NO VIDIGAL: O RELATO DA EXPERIÊNCIA DE UM COLETIVO DE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MORRO DO VIDIGAL,
RIO DE JANEIRO-RJ
Pelacani, Bárbara1; Abreu, Manuela Muzzi de2; Uchôa, Rafaella1; Ximenes, Simone3; Dantas, Thalita3 & Costa, Érika Andrade3
1.Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro barbara.pelacani@gmail.com 2. Universidade Federal do Rio de Janeiro
3. Universidade Federal do Rural do Rio de Janeiro
Resumo
A Haveté Sustentabilidade é um coletivo concebido a partir da percepção da importância de se trazer para a prática o debate crítico
acerca da sustentabilidade e da educação ambiental. Este artigo apresenta uma reflexão sobre a sua criação e suas propostas
direcionadas ao planejamento e realização de cursos e projetos socioambientais. A Haveté tem como base teórica a Educação
Ambiental Crítica, que problematiza os contextos societários em sua interface com a natureza e se inspira em Paulo Freire para a
concepção de suas ações, troca de saberes e reflexões. A experiência no Morro do Vidigal é uma vivência que faz parte do Curso
de Introdução à Sustentabilidade. Este artigo apresenta a metodologia utilizada pelo coletivo para a realização desta atividade, que
pretende trazer diálogos propositivos que sejam capazes de desmistificar o que se entende sobre sustentabilidade.
Introdução
A Haveté Sustentabilidade é um Coletivo que nasceu da iniciativa de três biólogas e educadoras que se conheceram no
Grupo de Pesquisa “Educação Ambiental Desde El Sur” (GEASUR) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
e que desenvolve estudos sobre educação ambiental crítica a partir de perspectivas latino-americanas. A formação de um Co-
letivo com a proposta de trabalhar a educação ambiental direcionada à criação de cursos, ações e projetos socioambientais foi
concebida a partir da percepção da importância de se trazer para a prática o debate crítico acerca da sustentabilidade e da
educação ambiental, tornando-o acessível a públicos diversos.
Assim, como primeira proposta, o Curso de Introdução à Sustentabilidade foi criado pelo Coletivo Haveté com o objetivo
de problematizar de forma crítica, coletiva e prática, os conceitos de sustentabilidade, promovendo reflexões e ações através de
vivências e trocas de saberes. Foi iniciado em 2015, com uma proposta pedagógica de Formação em Sustentabilidade, que se
constitui em 8 módulos desenvolvidos ao longo do ano e com uma metodologia onde se destaca a realização de vivências que
possibilitam a interação com diversos contextos e realidades no nosso território e da compreensão da sua complexidade socio-
ambiental. O propósito do curso é trabalhar os conceitos e práticas de sustentabilidade, através de vivências e de experiências
únicas, capazes de desmistificar o que se entende sobre este tema, tão presente em diferentes contextos de nossa atualidade.
A partir disto, o presente artigo tem como objetivo discutir a proposta que fundamentou a criação do Coletivo Haveté e do
Curso de Introdução à Sustentabilidade, além de discutir os resultados da primeira vivência realizada pelo coletivo no Morro do
Vidigal, Rio de Janeiro – RJ, em junho de 2015.
Atualmente, a temática da sustentabilidade vem sendo apropriada por discursos generalistas e pouco contextualizados
que desqualificam os propósitos fundamentais dessa discussão. Diante do atual contexto global no qual a demanda por recur-
sos naturais é maior do que a capacidade do planeta de oferecê-los sem extingui-los, é essencial a formação de pessoas com
competências para atender às demandas ambientais nos mais diversos setores (IRVING; GIULIANI; LOUREIRO, 2008). Neste
contexto, a educação ambiental se faz necessária como ferramenta para o enfrentamento desse desafio.
A partir desta perspectiva, a proposta dos cursos, oficinas, ciclos de palestras e vivências é fundamentada na educação
ambiental crítica, transformadora e emancipatória (LOUREIRO, 2006), envolvendo o trabalho interdisciplinar, conectando estu-
dantes, professores, empresas, ONGs e demais atores sociais interessados na temática da sustentabilidade.
O Coletivo Haveté Sustentabilidade entende a interação com os territórios como um processo pedagógico, que acontece
na troca de experiências, de realidades, de saberes, de conhecimentos e de distintas leituras de mundo, que se associam às
“[…] uma compreensão (complexa) do real se instrumentalize os atores sociais para intervir nessa
realidade. Mas apenas o desvelamento não resulta automaticamente numa ação diferenciada, é
necessária a práxis, em que a reflexão subsidie uma prática criativa e essa prática dê elemen-
tos para uma reflexão e construção de uma nova compreensão de mundo. Mas esse não é um
processo individual, mas que o indivíduo vivencia na relação com o coletivo em um exercício de
cidadania” (GUIMARÃES 2004, p. 29).
Sob o enfoque crítico, a educação ambiental é definida, ainda segundo Loureiro (2006):
“[…] a partir de uma matriz que vê a educação como elemento de transformação social inspirada
no diálogo, no exercício da cidadania, no fortalecimento dos sujeitos, na superação das formas
de dominação capitalistas e na compreensão do mundo em sua complexidade e da vida em sua
totalidade’ (LOUREIRO 2006, p. 23-24).
Essa tendência traz uma abordagem pedagógica que problematiza os contextos societários em sua interface com a na-
tureza. Por essa perspectiva não é possível conceber os problemas ambientais dissociados dos conflitos sociais; afinal, a crise am-
biental não expressa problemas da natureza, mas problemas que se manifestam na natureza (LOUREIRO; LAYRARGUES, 2013).
As duas últimas décadas testemunharam a emergência do discurso da sustentabilidade como a expressão dominante no
debate que envolve as questões de meio ambiente e de desenvolvimento social em sentido amplo. Em pouco tempo, sustentabi-
lidade tornou-se uma palavra mágica, pronunciada indistintamente por diferentes sujeitos, nos mais diversos contextos sociais e
assumindo múltiplos sentidos. Sua expansão gradual tem influenciado diversos campos do saber e de atividades diversas, entre
os quais o campo da educação.
Há pouco mais de uma década, observa-se entre os organismos internacionais, nas organizações não-governamentais e
nas políticas públicas dirigidas à educação, ambiente e desenvolvimento de alguns países, uma tendência a substituir a concep-
ção de educação ambiental, até então dominante, por uma nova proposta de “educação para a sustentabilidade” ou “para um
futuro sustentável” (LIMA, 2003).
A partir do exposto, o embasamento da proposta vem das pesquisas acadêmicas e coletivas, com a valorização do que
atualmente se chama de coworking, que são trabalhos realizados em parceria, unindo diferentes atores, como academia e so-
ciedade civil engajada em movimentos sociais e ambientais, para que exista na prática um processo pedagógico de troca de
saberes e da construção de conhecimentos em grupo.
Estas parcerias foram constituídas a partir da conexão com a identidade e propósitos da Haveté, na qual os parceiros
atuam como agregadores ao processo colaborativo de trabalho, baseado na visão de que todos os envolvidos, independente-
mente de suas formas de parceria, têm contribuições fundamentais para o processo de aprendizagem e de troca de experiências.
Por isso, mais do que meramente convidar colaboradores, o Coletivo busca desenvolver e propiciar a ação participativa
e autônoma, com relações de confiança e de (re)conhecimento de uma identidade comum. A partir da convivência entre os
parceiros, para conhecer de perto seus trabalhos e metodologia, unem-se os esforços de forma colaborativa gerando elos de
planejamento e redes de atuação, visando à integração de seus projetos aos da Haveté.
No curso de Formação em Sustentabilidade, o módulo introdutório teve como um dos principais parceiros o Coletivo
Verdigal que, através de suas ações, promove a reflexão ambiental comunitária e realiza educação ambiental em espaços popu-
lares. Inserido no Morro do Vidigal, zona sul do Rio de Janeiro, realiza o plantio de hortas orgânicas, atividades de arte educação,
VII SAPIS | II ELAPIS: Culturas e Biodiversidade: O presente que temos e o futuro que queremos | Artigos e relatos de experiências
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promoção da alimentação saudável, design ecológico e sustentável, trabalhando no contexto da educação ambiental de base
comunitária. Desenvolve processos criativos junto à comunidade, como o caso do mapa social, organizado e financiado pelos
próprios moradores e projetos locais.
Assim, a primeira vivência do curso de Introdução à Sustentabilidade foi realizada no Morro do Vidigal, através de diálo-
gos e intervenções junto a moradores, movimentos sociais e coletivos locais, desenvolvendo práticas e debates com o público
participante do curso, fazendo com que os espaços de atuação do Coletivo Verdigal e o território do Vidigal se tornassem espa-
ços de vivência do Coletivo Haveté.
As ideologias trabalhadas pelo Coletivo Haveté vão ao encontro de uma das grandes referências teóricas da pedagogia
crítica, Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém. Ninguém se educa a si mesmo. Os seres humanos se educam mediatizados pelo
mundo” (FREIRE, 1993). O autor considera a importância do trabalho prático e da reflexão sobre o meio que é constantemente
transformado, quando coloca que “há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade dos espaços” (FREIRE, 2009), e esta
reflexão completa as principais fundamentações que orientaram a práxis desta vivência.
Para melhor contextualização e compreensão das atividades realizadas, a seguir é apresentada a metodologia utilizada
com este objetivo e os resultados alcançados a partir das discussões sobre cada etapa da vivência e do debate realizado ao final
do dia.
Metodologia
A primeira Vivência do Curso de Introdução à Sustentabilidade, realizado pelo Coletivo Haveté Sustentabilidade, no dia
13 de junho de 2015, no Morro do Vidigal, Rio de Janeiro/RJ foi intitulada “Educação Ambiental e Sustentabilidade para Roteiros
Inclusivos: o Morro do Vidigal”. Para apresentar aos participantes outro olhar sobre a comunidade do Vidigal, a partir de uma
construção coletiva e colaborativa do conhecimento, foram visitados locais importantes por meio da perspectiva de moradores
locais, que estão envolvidos em ações e projetos socioambientais, culturais e educativos, ligados a movimentos sociais, coletivos
socioambientais e à Associação de Moradores do Vidigal.
A partir do discurso desses atores sociais, a equipe de colaboradores e os participantes tiveram contato com a realidade
local e sua dinâmica pelo viés da inclusão social, buscando não só apresentar os problemas do Vidigal como uma das favelas
do Rio de Janeiro, mas para desvelar e compreender os conflitos existentes no território e vislumbrar suas potencialidades de
desenvolvimento social e ambientalmente justo.
A metodologia foi composta por quatro etapas, sendo a primeira a concepção da atividade em campo, discussão de
seus objetivos e resultados esperados. Foi desenvolvida entre os meses de abril e maio de 2015, quando a equipe da Haveté se
reuniu e idealizou o curso, pensando em realizá-lo em módulos com troca de saberes e vivências de campo. Esta etapa incluiu
a realização do evento “Troca de saberes: O que é sustentabilidade?”, a fim de debater o tema, atrair parceiros para o Coletivo,
lançar a proposta do Curso de Introdução à Sustentabilidade e divulgar a ideia do Coletivo, realizado no espaço de coworking
Catete 921, na cidade do Rio de Janeiro.
Neste evento estiveram presentes cerca de 60 interessados de diversas áreas (biologia, arquitetura, direito, comunicação,
psicologia, artes, educação) em conhecer mais sobre a temática e participar dos debates socioambientais.
A troca de saberes abordou as diferentes perspectivas da sustentabilidade; relatos sobre a cultura milenar da etnia Fulniô,
com a participação do representante indígena Tafiki-a; exibição de um curta-metragem intitulado “Os Bamba”, que foi produzido
pelo Curso de Cinema Ambiental do NUPEM/UFRJ; exposição de imagens e relato de um médico recém-chegado da Amazônia
sobre sua vivência com diversas etnias indígenas; e, por fim, o educador ambiental popular do Coletivo Verdigal relatou sobre a
experiência com projetos sociais na comunidade do Vidigal, introduzindo a vivência que seria realizada na comunidade no mês
seguinte.
A segunda etapa envolveu a organização da Vivência, através de reuniões de planejamento da equipe Haveté com os
colaboradores na UNIRIO e no Vidigal. A divisão de tarefas se deu de acordo com as demandas, principalmente relacionadas
à divulgação, contato com parceiros, definição de conteúdo, elaboração de roteiro e logística. A preparação envolveu estudos e
aulas específicas sobre a temática abordada, como diálogos sobre as perspectivas da Sustentabilidade e a História Ambiental
do Vidigal.
1
www.catete92.com.br
Resultados
A Vivência “Educação Ambiental e Sustentabilidade para Roteiros Inclusivos: O Morro do Vidigal” foi promovida pelo Co-
letivo Haveté no dia 13 de junho de 2015, com a duração de aproximadamente 09 horas. A vivência foi dividida em seis momentos:
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FEEMA. E então se iniciaram os mutirões de reflorestamento organizados pela Secretaria de Municipal de Meio Ambiente, que
existem até hoje e a iniciativa de mutirão comunitário persiste, representada pelo Parque Ecológico Sitiê. Foi ressaltada a im-
portância de não se naturalizar a poluição dos rios, através da denominação “valão” e o processo de degradação ambiental como
responsabilidade exclusiva da comunidade.
6) Dinâmica de encerramento
Após esta discussão, a equipe convidou os participantes a realizarem uma dinâmica final, que foi concebida a partir de
um questionamento levantado por uma moradora do Vidigal, durante as visitas de preparação da vivência, que seria: “o que
vocês vão deixar para o Vidigal”?
A partir dessa questão, os educadores/participantes puderam refletir sobre a transformação de suas impressões sobre o
Vidigal e fazer propostas sobre roteiros inclusivos, resíduos e alimentação saudável para a comunidade. Os participantes foram
organizados em 3 grupos para realizar esta dinâmica final, contando com 10 minutos para a discussão dentro de cada grupo
sobre os temas e mais 10 minutos para cada grupo apresentar suas ideias e debater as propostas coletivamente. As questões
norteadoras para o debate e os resultados da discussão estão apresentados a seguir.
a) Roteiros inclusivos:
As questões norteadoras foram: 1) Qual era sua impressão sobre o Vidigal antes da vivência de hoje? O que mudou? 2)
O que gostaria de conhecer e saber sobre o Vidigal, numa proposta de roteiro inclusivo? Do que sentiu falta? Em que gostaria
de se aprofundar?
2
Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza e dá outras providências. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm.
b) Alimentação e saúde:
Dentro da temática de alimentação e saúde, as perguntas iniciais foram: 1) O que acha sobre a acessibilidade à alimen-
tação saudável no Rio de Janeiro? 2) Como seria possível expandir esse acesso no caso do Vidigal?
Durante a discussão, os principais tópicos abordados foram a importância de se fortalecer projetos e ideias que já exis-
tem, de forma a agregar pessoas e esforços em uma frente já iniciada em direção a um objetivo comum. “Não é preciso inventar
a roda”! Pensando em longo prazo, a educação coletiva foi apontada como peça-chave para se pensar em alimentação e saúde,
conectando a alimentação com a educação para cozinhar e despertar as experimentações, além da educação para o cultivo dos
alimentos, o que poderia ser concretizado a partir de uma formação técnica voltada para a manutenção e implantação de hortas
comunitárias e orgânicas.
A existência de uma feira orgânica no Vidigal foi mencionada como importante, pois, além de proporcionarem o alimento
de qualidade para a saúde, possibilitam a aproximação com os produtores, sejam esses da cidade ou de outras hortas. Ainda,
foi identificada a necessidade de conexão entre as hortas comunitárias e as feiras orgânicas do Vidigal com o Circuito de Feiras
Orgânicas do Rio de Janeiro e outras redes. Foi citada a ideia da construção de um “Restaurante-escola popular” com os produtos
dos pequenos produtores locais.
c) Resíduos:
Sobre a temática dos resíduos, as questões norteadoras do debate foram: 1) Como você imaginava a problemática dos
resíduos no Vidigal? Sua visão mudou com a visita? 2) Como essa questão poderia ser mais bem trabalhada pela comunidade
(sugestões de projetos e parcerias).
O grupo colocou que consideraram o Vidigal mais limpo do que imaginavam. Identificaram que há um sistema de coleta
de resíduos, mas este precisa ser complementado, utilizando uma abordagem mais eficiente e “inteligente”, que envolva os mo-
radores locais e que traga algum retorno a esses.
Um primeiro passo para isto seria se considerar a realidade e dificuldades da população para tratar do assunto. Foi pon-
tuada também a necessidade de se disseminar na favela informações a respeito do tema. Como sugestões, o grupo identificou
que seria necessário se pensar em uma logística de coleta que minimizasse os esforços empreendidos, de forma setorizada,
com um mapeamento detalhado das rotas e possibilidades de coleta dentro da favela, pensando em uma rede ramificada que
finalizasse em um ponto único em comum. Algumas sugestões foram indicadas, como a formação de uma “brigada de coleta”,
envolvendo os jovens do Vidigal, além da realização de parcerias com ONGs ou outras empresas, com a utilização de motos.
Foi pensado pelo grupo a elaboração de um projeto de recuperação da trilha que leva ao Pico Dois Irmãos, com mutirões
e registros fotográficos. Estes poderiam gerar uma exposição permanente para o próprio parque, com a documentação de
todos os projetos realizados pela comunidade, pensando-se em um museu onde todos possam ver transformações e avanços
alcançados. Ainda, foi indicada a criação de uma associação de catadores no Vidigal, para desenvolverem o trabalho de coleta
associado à reciclagem.
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Uma sugestão geral ligada aos assuntos trabalhados foi a realização de um planejamento participativo para as ações
em todos os temas, envolvendo diversos representantes da comunidade e possíveis parceiros. Os resultados obtidos com a
realização da dinâmica fazem parte de um documento a ser entregue à Associação de Moradores do Vidigal e aos educadores/
moradores que fizeram parte da Vivência, como forma de contribuir para o desenvolvimento de seus projetos na comunidade.
Assim, após a dinâmica a Vivência foi finalizada, com uma confraternização no final do dia no Ateliê de moda do Vidigal.
A seguir, são apresentadas algumas imagens para ilustrar o dia da vivência. Na apresentação do curso foi realizada uma
dinâmica de abertura (Figura 1). O diálogo com o representante da Associação de Moradores foi realizado na própria sede da
associação (Figura 2).
Figura 1. Apresentação do curso, da equipe e Figura 2. Roda de conversa com a Associação de Moradores
dos participantes. do Vidigal
O diálogo com moradores locais realizado no “valão” e no Hostel Jaqueira estão representados nas Figuras 3 e 4.
Figura 3. “Valão”: discussão sobre a naturalização do termo e Figura 4. Hostel Jaqueira: compostagem, hortas comunitárias
dos problemas do saneamento básico e a História Ambiental e slow-food
do Vidigal
As últimas atividades do dia foram realizadas no Parque Ecológico Sitiê (Figuras 5 e 6).
Referências
CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da educação ambiental. In: LAYRARGUES, P. P.
(Org.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília (DF): Edições Ministério do Meio Ambiente, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia (29.ª ed.). São Paulo: Paz e Terra, 2009.
GUIMARÃES, M. Educação Ambiental Crítica. In: LAYRARGUES, P. P. (Org.). Identidades da educação ambiental brasileira.
Brasília (DF): Edições Ministério do Meio Ambiente, 2004.
IRVING, M. A., GIULIANI, G. M.; LOUREIRO, C. F. B. Parques Estaduais do Rio de Janeiro: construindo novas práticas para
a gestão. São Carlos: Editora Rima, 2008.
LIMA, G. O Discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. In: Ambiente e Sociedade. Campinas: Anppas/
Annablume, 2003.
LOUREIRO, C. F. B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. 2ed. São Paulo: Cortez. 2006.
LOUREIRO, C. F. B; LAYRARGUES, P. P. Ecologia política, justiça e educação ambiental crítica: perspectivas de aliança contra-
hegemônica. Revista Trabalho, Educação e Saúde. v.11, n.1., 2013.
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PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, AUTONOMIA DO MODO DE VIDA E
CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DA SERRA DO CIPÓ/ MG
1. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professora da Faculdade de Tecnologia SENAC
Minas – Unidade Barbacena, cristianagomeslopes@hotmail.com
Resumo
O presente relato pretende compartilhar a experiência de educação e intervenção do curso técnico em meio ambiente com ênfase
em turismo – CTMAT - da região da Serra do Cipó e os desdobramentos analíticos frutos da análise dessa experiência. Serão
compartilhados aspectos relacionados à estrutura pedagógica e operacional do curso, assim como, sobre o cenário regional da
conservação ambiental no qual está inserido. Já as questões analíticas que serão apresentadas a partir do relato de experiência rela-
cionam-se a centralidade e potencialidade analítica do conceito de modo de vida e suas contribuições na experiência pedagógica
do curso, as especificidades da lógica formal e da lógica dialética na produção do conhecimento científico e, por fim, serão tecidas
considerações sobre o desafio da lógica dialética no processo de ensino-aprendizagem do CTMAT e as possibilidades dessa
lógica para o debate da conservação ambiental.
1
No entorno de Santana do Riacho encontram-se os município de Jaboticatubas (localizado na direção sul em relação à Santana do Riacho), Morro do Pilar (a leste)
e Conceição do Mato Dentro (a nordeste) que também serão contemplados no presente relato.
2
Os professores envolvidos nesta consultoria foram Bernardo Machado Gontijo – IGC/UFMG e Márcia Spyer – FAE/UFMG.
3
As unidades de conservação citadas encontram-se representadas no mapa da figura 1 que mostra a localização do PARNA Serra do Cipó e da APA Morro da Pedreira
em relação ao município de Santana do Riacho e ao Distrito da Serra do Cipó.
Figura 1. O distrito da Serra do Cipó (listrado), localizado no município Santana do Riacho (contorno preto), está inserido na APA Morro da
Pedreira (laranja) e uma pequena porcentagem inserida no PARNA Serra do Cipó (roxo). Fonte: FILLIPO (2013).
A relevância ambiental e turística do distrito também contribuiu para a definição do local da sede do curso. Como descrito
por LOPES (2009), no distrito encontra-se a portaria principal de acesso ao PARNA Serra do Cipó, em torno do qual se situa a APA
Morro da Pedreira. A APA Morro da Pedreira funciona também, como zona de amortecimento do PARNA Serra do Cipó, sendo
ambas as Unidades de Conservação – UC - de jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO.
Ainda em relação à relevância ambiental da região, de acordo com FILLIPO (2013) a Serra do Cipó está localizada na
porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, e é conhecida pela elevada biodiversidade, alta taxa de endemismo,
abundância dos recursos hídricos e belezas naturais. Neste contexto, as transformações socioespaciais na região do Espinhaço
e, mais especificamente, no município de Santana do Riacho, e a consequente degradação dos recursos naturais, é uma reali-
dade que impulsiona diversas pesquisas na região.
É comum, na Serra do Espinhaço, cadeia montanhosa que vai de Outro Preto (MG) à Chapada
Diamantina (BA), o processo de rápida transformação social e econômica de povoados compostos
por pequenos agricultores após a chegada do turismo. Diversos estudos sobre este assunto foram
realizados em Lapinha da Serra (Gontijo, 2003; Lopes, 2009; Ribeiro, 2013), localizada no mesmo
município que o distrito da Serra do Cipó, ou seja, Santana do Riacho (FILLIPO, 2013, p.30).
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Santana do Riacho é um município de grande extensão territorial que possui 677 Km² e 4.211 habitantes4. O município
situa-se na encosta sudoeste da Serra do Cipó, nome regional da extensa Cadeia do Espinhaço, que corta o estado mineiro
desde o centro-sul até a Bahia, adotando diversas denominações regionais.
De acordo com GONTIJO (2003), em termos de sua geologia e de sua geomorfologia, a região de Santana do Riacho
apresenta dois grandes domínios - os calcários da bacia sedimentar do Grupo Bambuí/Depressão Sanfranciscana (Planalto de
Lagoa Santa de acordo com Kohler, 1989) que abrigam cotas altimétricas mais baixas de trechos da bacia do rio das Velhas e das
bacias do Paraúna e Cipó. E os quartzitos do Supergrupo Espinhaço da Serra do Cipó que abrigam nascentes de vários tribu-
tários dos Rios das Velhas, Cipó e Paraúna, os quais cortam os escarpamentos montanhosos do alinhamento serrano, formando
vários canyons e quedas d’ água.
De acordo com o ICMBIO (2009), o distrito da Serra do Cipó tem os seus limites em áreas com diferentes característi-
cas geológicas e biológicas. Na sua porção sul, onde está localizado o rio cipó o solo arenoso é predominante e a altitude 800m.
Uma característica marcante desta área é a presença, de lagoas marginais em forma de ferradura que nada mais são do que
antigos braços do rio Cipó. Está localizada no município de Santana do Riacho também, uma grande área de campos rupestres.
Esta área, inserida completamente na Serra do Espinhaço, com terrenos rochosos, solos rasos e arenosos, sendo encontradas
áreas com altitude entre 900 e 1500m.
São esses atributos da geografia física que configuram a relevância ambiental da região da Serra do Cipó e que justifi-
caram a implantação do CTMAT na região, assim como, a implantação de diversas unidades de conservação, não somente nes-
sa região, assim como em toda a extensão da Serra do Espinhaço. Os mesmos atributos que configuram ambientes relevantes
para a conservação ambiental, também configuram paisagens muito atraentes para um fluxo cada vez maior de turistas e novos
moradores, que se deslocam para uma região composta por municípios de pequeno porte, no sentido de não apresentarem
infraestrutura básica e turística suficientes, o que torna os problemas ambientais, atrelados ao parcelamento e ocupação do solo,
ainda mais evidentes.
Além desses problemas ambientais, a região experimenta desde 2006, os graves problemas ambientais advindos dos
projetos minerários vinculados à mineradora Anglo American no município de Conceição do Mato Dentro e a mineradora Manabi
no município do Morro do Pilar, ambos localizados na região da Serra do Cipó.
A vulnerabilidade ambiental da região da Serra do Cipó se configura, de forma geral, a partir do crescimento urbano e
de outros impactos advindos das atividades econômicas atreladas ao turismo e a mineração. Juntamente ao crescimento dos pro-
blemas ambientais, cresce também, o apelo conservacionista na região, consubstanciados também, em diversos projetos voltados
para a conservação ambiental desenvolvidos no município de Santana do Riacho e nos municípios do entorno. O CTMAT surge
nesse contexto, como um dos projetos voltados para conservação ambiental que saíram do papel para a realidade da região.
Nesta perspectiva, é nesse contexto geográfico que se encontra a experiência de educação e intervenção do CTMAT,
que começou a funcionar em agosto de 2009 e será encerrado em dezembro de 2015 com a formatura da última turma do curso.
Nesses 6 anos já decorridos, formaram-se quatro turmas, somando 63 alunos formados, número que aumentará com a formatura
de mais uma turma em dezembro de 2015, como já dito. A já citada amplitude regional do curso foi concretizada ao longo desses
anos através do ingresso de alunos de diversas localidades, das áreas rural e urbana, de diferentes municípios no entorno de
Santana do Riacho, especificamente, Jaboticatubas, Morro do Pilar e Conceição do Mato Dentro.
A partir dos recortes analítico e espacial apresentados pretende-se neste artigo mostrar as (im) possibilidades da
produção do conhecimento no que tange à conservação ambiental na região da Serra do Cipó a partir do relato de experiência
do CTMAT, da EEDFJ, localizada no distrito da Serra do Cipó, município de Santana do Riacho, Minas Gerais, às margens da
MG 010, porta de entrada do turismo e da mineração na região da Serra do Cipó.
Vale ressaltar desde já que, para além da promoção da educação profissionalizante em si, gerando a oportunidade do
acesso ao diploma de técnico ambiental, com registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais -
CREA/MG, o objetivo central do projeto pedagógico do CTMAT é promover a conservação ambiental na região da Serra do Cipó
a partir da autonomia do modo de vida das pessoas.
4
Censo IBGE 2013.
5
Até o ano de 2012, Lapinha ainda era classificada pelo poder público municipal como povoado rural. A partir de 2013, a área urbana da Lapinha foi regularizada e a
localidade deixou de ser povoado rural e se tornou distrito.
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direta da pesquisadora no contexto analítico determinado. O fato da autora do relato que se apresenta ser residente na região
permite o contato, a experimentação e a observação cotidiana do modo de vida das pessoas, e dos conflitos destas em relação
aos problemas ambientais e aos projetos de conservação ambiental. A inserção direta no CTMAT, como professora, permite uma
avaliação precisa do desenvolvimento dos alunos no que se refere à instrumentalização teórica e a mudança do posicionamento
político dos indivíduos.
A antropologia, e mais especificamente a etnografia, fornecem os argumentos que legitimam o norteamento metodológico
citado, fundamentado na experimentação do objeto de estudo. Sahlins (1997) ressalta as possibilidades analíticas da experiência
etnográfica, exaltando a importância dessa diretriz metodológica no processo de apreensão de determinada realidade. Contudo,
como alertado por Lefebvre (2007), é necessário estar atento ao risco analítico do pontual6.
Desta forma, no processo reflexivo sobre o CTMAT, sob o ângulo da experimentação da própria experiência, a atenção
esteve voltada também, para as possíveis lacunas da perspectiva etnográfica em relação às representações do espaço, de
acordo com a perspectiva teórica de Lefebvre (2007). Focada nos detalhes da vida cotidiana e do microcosmo das relações, a
experiência etnográfica exalta, analiticamente, os espaços de representação, isto é, o espaço da vida cotidiana e os detalhes das
relações locais; negligenciando por sua vez, as representações do espaço, isto é, as relações mais abrangentes que envolvem o
Estado, os processos de modernização e a modernidade de maneira mais ampla. A espacialização da perspectiva etnográfica
envolve o foco analítico no espaço e no processo de sua produção.
Pensar a experiência do CTMAT a partir da imersão etnográfica, não impede o pensamento conectado à produção do
espaço na região da Serra do Cipó de maneira mais ampla, atrelada a produção capitalista do espaço. Neste sentido, a perspec-
tiva analítica da produção do espaço, para além das relações globais e locais, envolve, inerentemente, a centralidade analítica da
totalidade ressaltada por Lefebvre (1955), Dumont (2000) e Seabra (2003).
No que tange à metodologia etnográfica utilizada, identificada no presente relato como o processo de experimentação
da experiência, a coordenação dos estágios supervisionados do curso permitiu e ainda permite o contato direto com instituições
públicas e privadas da região. Trata-se dos parceiros do CTMAT, que são as instituições que recebem os estagiários. Para ofi-
cializar e acompanhar estas práticas de estágios é necessário uma articulação direta com o poder público e privado, processo
que gera dados analíticos importantes sobre o cenário da conservação ambiental na região.
Esse contexto de inserção profissional no CTMAT e a integração direta no cenário da conservação ambiental na região,
através da inserção em diferentes grupos voltados para essa temática e do estabelecimento de contatos e parcerias com dife-
rentes instituições que trabalham, direta ou indiretamente, com conservação ambiental; foi possível constatar como, em grande
medida, os desafios identificados na experiência do CTMAT no que tange a tirar do papel as ações voltadas para a conservação
ambiental, são também, os desafios de muitos dos projetos de conservação ambiental que se desenvolvem na região.
Os desafios que objetiva-se ressaltar no presente relato são de caráter epistemológico. Desta forma, a atenção se volta
para os problemas epistemológicos dos projetos voltados para a conservação ambiental que surgem na gênese das ideias.
Trata-se das ideias que já nascem, na dimensão dos projetos, com problemas epistemológicos, atrelados, em grande medida à
negligência em relação à operacionalização da lógica dialética. E, também por isso, muitos desses projetos não alcançam resul-
tados significativos e duradouros, no que tange a conservação ambiental.
O projeto pedagógico do CTMAT: centralidade epistemológica
do conceito de modo de vida e o desafio da lógica dialética
De maneira ampla, a proposta pedagógica do curso propõe a autonomia dos saberes locais e do modo de vida das
pessoas pertencentes às comunidades da região. Desta forma, existem estratégias pedagógicas e curriculares para alicerçar a
proposta e sua flexibilidade, como a disciplina âncora do curso, Múltiplas Linguagens, que possui como objetivo a legitimação,
através da instrumentalização dos alunos e da valorização, de diversas formas de produzir e disseminar o conhecimento. A dis-
ciplina opera com formas diversas para apresentar o conteúdo, não se restringindo à produção textual e, valorizando também,
as produções audiovisuais e artísticas de forma geral. Nesta perspectiva, ao longo do curso os alunos têm oportunidades para
serem avaliados através de formas diferenciadas.
6
Lefebvre (2007) alerta para o fato de que o espaço social apoia-se em uma globalidade. Sendo necessário estar atento ao “risco do pontual”, “que separa o que se
implica, isola o que se articula, aceita a fragmentação. Esta argumentação está relacionada a crítica que o autor faz a antropologia. Ele considera que antropologia
se atém profundamente aos espaços de representação negligenciando as representações do espaço. (LEFEBVRE, 2007, capítulo 2).
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Além das considerações teóricas de Lefebvre (1969), foram utilizadas também, as considerações de KOSIK (1976) para
pontuar o significado e o lugar da lógica formal na produção do conhecimento e a necessidade de superá-la através da lógica
dialética. Considerou-se então, a lógica formal como um primeiro momento do processo da produção do conhecimento e ressal-
tou-se a objetividade que perpassa a operação desta lógica como mediação entre forma e conteúdo que, de certa forma, tornam
menos complexos os processos mentais de apreensão da realidade. Neste sentido, ressalta-se maior facilidade, por parte dos
alunos do curso técnico, em apreender este momento da produção do conhecimento. Nesta perspectiva, disseminar a lógica
formal não foi um desafio. Já a construção do movimento que envolve a superação da lógica formal e a apreensão da lógica
dialética, foi identificada como o principal desafio da proposta pedagógica da prática educativa analisada no que se refere ao
objetivo de romper com a “ideologia fatalista” nos termos de Freire (1996) e da geração de transformações na realidade através
da produção de conhecimento e da autonomia do modo de vida.
Nesta perspectiva, o grande desafio, de caráter epistemológico, do projeto pedagógico do CTMAT relacionou-se à
superação da lógica formal e apreensão da lógica dialética no processo de ensino-aprendizagem. Apesar do projeto pedagógico
do curso ter sido elaborado sob os alicerces da lógica dialética, o que acabou resultando em um projeto pedagógico flexível
e atento às questões elementares do modo de vida das comunidades, no processo de produção do conhecimento a partir, so-
bretudo, da elaboração dos projetos de intervenção, a lógica formal não foi superada e a elaboração da crítica à ideologia do
desenvolvimento sustentável não alcançou o amadurecimento necessário para a geração de projetos mais dialéticos e, portanto,
mais oportunos no que tange aos objetivos da conservação ambiental.
Considera-se a critica a ideologia do desenvolvimento sustentável central no debate da conservação ambiental porque
a importância dos fundamentos próprios dos lugares e da modernização capitalista cujo desdobramento foi (e é) a subordinação
da natureza para a reprodução do espaço, como enfatizado por (FERREIRA; FREITAS 2012), são fundamentos teóricos essenciais
para o debate da conservação ambiental e que foram apropriados pelo processo de reflexão apresentado no presente relato. Nesta
perspectiva, compactua-se com os autores citados, a centralidade analítica da crítica à ideologia do desenvolvimento sustentável
que dá suporte à reprodução do espaço e a constatação da incapacidade dessas ideologias sustentarem as promessas construídas.
Se essas ideologias não são oportunas no processo da produção do conhecimento sobre e para a conservação ambien-
tal, faz-se necessário conhecê-las na profundidade dos seus fundamentos epistêmicos e superá-las através da operacionalização
da lógica dialética nos movimentos do pensamento que buscam alcançar a realidade concreta. O fato do processo da produção
do conhecimento na elaboração dos projetos do CTMAT ter se estancado em um momento anterior à superação da lógica for-
mal, apreensão da lógica dialética e elaboração da crítica à ideologia do desenvolvimento sustentável, foi um dos motivos para
os projetos não alcançarem os resultados esperados, no que se refere, primeiramente, a materialização das ideias, isto é, ao
primeiro passo de conseguir tirar do papel a ideia para implantá-la na realidade. Para além do primeiro passo, para que as ações
geradas, a partir das ideias projetadas, deem certo, no sentido de alcançarem resultados significativos e duradouros para a con-
servação ambiental, é imprescindível que as projeções das ações superem o nível epistemológico dos discursos enrijecidos nas
promessas do desenvolvimento sustentável.
Referências
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SAHLINS, M.D. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: porque a cultura não é um “objeto” em vias de extinção.
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Fontana, Alessandra1; Martins, Jerônimo Carvalho1; Cunha, Cláudia Conceição1; Santin, Laci1; Fabiano, Fátima2 & Dino, Karina1
Resumo
O presente artigo trata da estruturação e integração dos processos formativos em gestão sociambiental no ICMBio e do impacto
em suas atividades finalísticas. Por meio da recuperação do histórico de cada formação: Curso de Educação na Gestão Pública da
Biodiversidade, Ciclo de Gestão Participativa e Curso de Gestão de Conflitos, buscou-se evidenciar a importância da integração
entre elas e apresentar uma nova estrutura para realizar a formação dos gestores na temática socioambiental. Esse processo teve
início em 2013, culminando, em 2015, em um processo formativo unificado, pautado na Educação Ambiental Crítica e com a finali-
dade qualificar a atuação do ICMBio junto à sociedade, promovendo a participação e o controle social na elaboração e execução
de políticas públicas e buscando a diminuição das injustiças e assimetrias socioambientais.
Palavras-chave: Educação Ambiental Crítica, Participação Social, Gestão Ambiental Pública, Gestão Participativa, Controle Social
e Cidadania.
Introdução
As demandas dos diversos setores da sociedade (organizações governamentais e não-governamentais, comunidades,
movimentos sociais, setor produtivo, dentre outros) para que os órgãos ambientais desenvolvam ações educativas são bastante
amplas e sobre as mais variadas temáticas. No Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), grande
parte desta demanda é voltada para a conservação de espécies da fauna e da flora e para os serviços de uso público, como a
visitação. No senso comum, é corriqueira a associação da educação ambiental à transmissão de comportamentos considerados
“ecologicamente corretos” e ao uso de tecnologias menos impactantes ao meio, em geral de forma individual, em que cada um
faz a sua parte, visando conservar os atributos da natureza, cada dia mais ameaçada pelo “homem”2.
Paralela e complementar a esta visão, está a associação direta da educação à escolarização, em que a escola seria o
espaço exclusivo de aprendizagem e formação da sociedade, onde as pessoas, em especial as crianças, por ainda estarem
em processo de formação, aprenderão técnicas e comportamentos adequados para, individualmente, salvarem a natureza e,
consequentemente, o futuro do planeta.
É inequívoca a importância do trabalho educativo junto às crianças no espaço escolar e também fora dele, assim como
todos devem ter ações conscientes em sua relação com o meio ambiente. No entanto, para um órgão de Estado, com a respon-
sabilidade de fazer gestão de problemas e conflitos decorrentes do acesso e uso dos recursos ambientais, torna-se questionável
o alcance de formas de intervenção educativas que não estejam voltadas à resolução desses conflitos, mas restritas à realização
de atividades centradas em si mesmas e, em alguns casos, estranhas à realidade social dos envolvidos.
No contexto atual, de hegemonia dos interesses econômicos em detrimento dos valores socioambientais, com a conse-
quente fragmentação da vida social e degradação do patrimônio natural, a prática educativa ambiental necessita estabelecer
relações entre a base estrutural da sociedade. Isto significa considerar seus aspectos sociais e políticos, bem como seus condi-
cionantes históricos, superando o pragmatismo tecnológico e comportamental, recorrente em experiências de educação ambi-
ental isoladas do contexto histórico-social onde são desenvolvidas. Conforme Loureiro, Layrargues, & Castro (2002):
1
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia criada pela Lei no 11.516/2007, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e integrante do
Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com a função de executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), podendo propor,
implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação (UC) instituídas pela União e fomentar e executar programas de pesquisa, proteção,
preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das UC federais.
Homem visto como ser “abstrato”, eminentemente desajustado na natureza. “A figura do ‘homem abstrato’, que tanto é vítima como causador da crise ambiental,
permite que se omitam as causas primeiras da crise ambiental, e, de imediato, soluções que poderiam ser apresentadas no âmbito do coletivo e da política,
estruturando-se no âmbito do indivíduo e da técnica.” (LAYRARGUES, 2002, p. 177).
Inicialmente, uma educação vinculada ao contexto vivenciado pelos grupos sociais e dirigida à resolução dos problemas
ambientais foi explicitada na I Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, da UNESCO, realizada em Tbilisi no
ano de 1977. De acordo com o documento de Tbilisi:
“a Educação Ambiental deve ser orientada para a comunidade. Deverá envolver o indivíduo num
processo ativo de resolução de problemas que permita resolvê-los no contexto das realidades
específicas estimulando a iniciativa, o sentido da responsabilidade e o empenho de construir um
futuro melhor. (sic) deveria suscitar uma vinculação mais estreita entre os processos educativos
e a realidade, estruturando suas atividades em torno dos problemas do meio ambiente que se
propõem para comunidades concretas e enfocar a análise de aqueles, através de uma perspectiva
interdisciplinar e globalizadora que permita uma compreensão adequada dos problemas ambien-
tais” (UNESCO, 1978).
Desde a década de oitenta, o princípio dessa educação ambiental voltada à comunidade, objetivando “capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente” está presente na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81). A mesma
define a educação ambiental como “processos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências para a conservação do meio ambiente” e incumbe aos órgãos integrantes
do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) “promover ações de educação ambiental integrada aos programas de
conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente” (BRASIL, 1981).
Conforme Loureiro (2006), “as proposições críticas admitem que o conhecimento é uma construção social, historica-
mente datada, não neutra, que atende a diferentes fins em cada sociedade, reproduzindo e produzindo relações sociais,
inclusive as que se referem à vinculação entre saber e poder”. Portanto, a participação ativa da coletividade na defesa do meio
ambiente, efetivando a democracia participativa, passa pela superação das assimetrias da sociedade, incluindo as relações de
saber e poder.
Dessa forma, é possível contribuir para a superação das assimetrias a partir do desenvolvimento de competências, com
a aquisição individual e coletiva de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à gestão consciente e responsável dos
recursos ambientais, por meio de processos pedagógicos de formação que fortaleçam a capacidade crítica e interveniente dos
setores tradicionalmente excluídos do processo decisório (IBAMA, 2006).
Nesse sentido, a institucionalização de um processo educativo voltado à gestão pública da biodiversidade, tendo como
pressuposto o mandato jurídico outorgado ao Poder Público e voltado à diminuição das desigualdades sociais, com o intuito de
desenvolver as competências necessárias para o exercício da cidadania e o controle social pelas populações mais vulneráveis
socioambientalmente, requer uma concepção pedagógica que contemple estes princípios.
É nessa linha, que o ICMBio vem trabalhando em seus processos formativos ligados à gestão socioambiental, desde 2010.
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(ARPA). Para isso, utilizando-se das experiências dos cursos que vinham sendo executados para os gestores de Unidades de
Conservação no âmbito do Programa ARPA e de educadores que atuavam com Educação Ambiental no Instituto, chegou-se a
um primeiro formato de curso, que contava com uma carga horária de 272 horas distribuídas em módulos de ensino presenciais,
intercâmbios, e execução de projetos de intervenção pelos participantes (LUZ et al., 2011).
Desde o início, buscou-se dar continuidade e resgatar a experiência da educação ambiental na gestão pública, cons-
truída por educadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no período de 1992
a 2007, através da vivência de servidores do ICMBio que haviam passado por esse processo de formação, aliado a um forte
enfoque na facilitação dos processos de gestão.
Além disso, eram abordadas metodologias que contribuíssem para a participação e para a construção do aprendizado
pela prática. Em sua primeira edição o curso foi ministrado por uma equipe de consultores, com o apoio desses servidores. No
decorrer dos anos, o curso foi completamente absorvido pela equipe do ICMBio, sendo cada vez mais internalizado, bem como
contextualizado e adequado às necessidades da gestão ambiental pública executada pelo instituto.
A previsão, dentro dessa formação, da realização de projetos de intervenção local, intercâmbios e seminários de monito-
ria, além da apresentação de trabalhos de final de curso, mostrou-se uma iniciativa que muito viria a contribuir com o alcance dos
objetivos do curso e para o aprimoramento das competências a serem alcançadas pelos educandos.
No ano de 2011, o ICMBio realizaria então a primeira edição do Curso de Formação em Educação Ambiental na Gestão
Pública da Biodiversidade, fundamentado nos princípios da educação crítica e na perspectiva de que o gestor adquira conheci-
mentos sobre gestão ambiental e sobre elementos constituintes da prática educativa, de maneira a ser capaz de planejar e coor-
denar processos educativos em diferentes contextos socioambientais, utilizando procedimentos adequados para inserir a educa-
ção no cotidiano das ações de gestão, prática esta conhecida como Educação no Processo de Gestão Ambiental (IBAMA, 2006).
Este primeiro curso teve como coordenador pedagógico convidado, o professor José Silva Quintas, educador respon-
sável pela realização de vinte e quatro “Cursos de Introdução à Educação no Processo de Gestão Ambiental Pública”, realizados
pela extinta Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEAM/IBAMA), entre 1997 e 2006, que formaram 890 educadores
vindos de órgãos públicos e da sociedade civil (CGEAM/IBAMA, 2007).
É nesta linha que os Cursos de Formação em Educação Ambiental na Gestão Pública da Biodiversidade, desenvolvidos
por uma equipe de educadores do ICMBio, após 2011, se ancoram: nas bases filosóficas e conceituais da educação que toma
o espaço da gestão ambiental pública como locus privilegiado de construção de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores,
ações e práticas, objetivando o controle social no ordenamento do uso dos recursos ambientais na sociedade (SANTIN et al., 2013).
A partir da realização do Curso de Formação em Educação Ambiental na Gestão Pública da Biodiversidade, com a for-
mação de mais gestores e parceiros institucionais em concepções e práticas educativas junto aos processos de gestão ambiental
pública, a educação ambiental do ICMBio teve a oportunidade de se fortalecer como instrumento de gestão no órgão, deixando
de ser uma prática isolada de alguns educadores, em sua maioria oriundos das formações e experiências desenvolvidas junto ao
Ibama, para se firmar como Coordenação de Educação Ambiental no Instituto.
No ano de 2012, como uma iniciativa de se capacitar servidores na temática de conflitos territoriais em unidades de
conservação, a Coordenação de Gestão de Conflitos Territoriais - COGCOT ofereceu um Curso de Elaboração de Termos de
Compromisso. Já em 2013, houve a primeira edição do Curso de Gestão de Conflitos propriamente dito, fruto da parceria com a
GIZ, que contou com a colaboração de um consultor com experiência em resolução de conflitos. No ano de 2014, em sua última
edição, com o intuito de que o ICMBio se apropriasse da metodologia e a adequasse à realidade da gestão ambiental pública, a
exemplo do que ocorreu no Ciclo de Gestão Participativa, alguns dos servidores envolvidos nos processos formativos da gestão
socioambiental fizeram o curso em um formato voltado à formação de instrutores na temática.
Hoje, é no âmbito da Coordenação Geral de Gestão Socioambiental (CGSAM) que ocorrem os processos formativos
relacionados à gestão socioambiental. Seu escopo é a interface entre diferentes ações e atividades do ICMBio junto à sociedade,
no contexto nacional, estadual e regional, nos processos de criação, implementação e gestão das Unidades de Conservação e
nas ações de pesquisa aplicada desenvolvidas pelos seus Centros de Pesquisa e Conservação. Esta concentra como coordena-
ções vinculadas as áreas de Educação Ambiental e Capacitação Externa, Gestão Participativa e Gestão de Conflitos Territoriais,
e seu objetivo é o de promover o diálogo e institucionalizar um conjunto de políticas relacionadas à gestão territorial, conservação
e desenvolvimento socioambiental, fundamentado nos princípios da Educação Ambiental (ICMBio, 2015).
Figura 1. Esquema da organização do processo formativo CGSAM, resultante da oficina de março de 2014
Fonte: “Recomendações para organização de mestrado profissional a partir do processo formativo CGSAM” (FABIANO, 2014).
Em 2014, iniciou-se de fato a unificação da formação dos gestores (aqui entendidos como atores que executam ou influ-
enciam a gestão ambiental pública) em um módulo inicial único denominado Fundamentos da Gestão Socioambiental, que trata
dos princípios instituintes da gestão ambiental desenvolvida pelo Estado e do papel dos servidores públicos e da sociedade na
construção de espaços de participação3 e controle social para a melhoria das condições de qualidade de vida da população,
conforme apregoa o artigo 225, da Constituição Federal. Como concepção pedagógica, foi definida a Educação Crítica, base do
3
Entende-se por participação social “o processo social que gera a integração entre diferentes atores sociais na definição do espaço comum e do destino coletivo”
(LOUREIRO, AZAZIEL & FRANCA, 2008, p. 26).
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Curso de Educação Ambiental do ICMBio.
Como parte desse processo, inicialmente houve a necessidade de se investir na formação dos servidores para que es-
tes, na sua atuação junto à sociedade, pudessem desenvolver ações organizadas e planejadas. Por ser um processo educativo
crítico, que desenvolve seu conteúdo teórico a partir dos contextos reais de atuação dos gestores no seu território, com ações
concretas no plano de ação institucional, esta formação vai além da capacitação per se dos servidores. O diálogo teoria-prática
se constitui numa práxis educativa ambiental, permitindo ao educando a aplicabilidade dos conhecimentos trabalhados por meio
do planejamento e da execução de projetos de intervenção local – cada qual no seu escopo de atuação, mas com base no mesmo
fundamento da promoção da participação social nos instrumentos de gestão ambiental.
Para que essa integração dos processos formativos fosse alcançada, um grande desafio se instalou, pois apesar de tra-
balharem na mesma agenda socioambiental (Curso de Educação Ambiental, Ciclo de Gestão Participativa e Curso de Gestão
de Conflitos), os servidores que compunham as equipes docentes desses cursos, distinguiam-se em sua práxis dentro de cada
linha de formação. Porém, os temas e ações eram convergentes, caracterizando-se, portanto, em grupos diferentes pensando
sobre uma práxis e uma agenda comum. Isto ocorre, pois quando se trabalha em grupo, estamos lidando com um mundo de
subjetividades e complexidades que são processadas no âmbito individual e coletivo.
Pichon-Rivière (1983) considera que grupo não é um mero somatório de indivíduos, mas se constitui como uma nova
identidade, com leis e mecanismos próprios e específicos e assim, com essa nova identidade grupal, passa-se por fases de
desenvolvimento, as quais expressam em si necessidades, tensões e crescimento específicos.
Nesse sentido havia três grupos com crenças, funcionamentos e identidades específicas e, ao somarem esforços em prol
de um processo formativo único, não bastava terem uma agenda socioambiental e temas em comum, era necessário que uma
nova identidade de grupo se formasse, alterando todo o seu funcionamento, crenças e práxis.
Foram necessárias várias oficinas, que aconteceram durante o primeiro semestre de 2014, para possibilitar, por meio de
processos de comunicação e aprendizagem, uma interação continuada, onde os integrantes pudessem estabelecer vínculos e,
nessa dinâmica do grupo, ocorrer o que Sartre chama de “processo de interiorização recíproca”. Esta, por sua vez, marca, junto
com a transformação dos interesses comuns em “interesses em comum”, a passagem da série ao grupo e cujos fenômenos
Pichon-Rivière (1983) conceitua como sendo a passagem da afiliação à pertença.
É então, a partir da necessidade do grupo, que se estabelece o vínculo e que, por sua vez, possibilita assentar objetivos
comuns e se propõe alcançar a realização de uma tarefa. Neste caso, a tarefa cumprida foi a construção coletiva de uma estrutura
para o processo formativo da CGSAM (Figura 2) e dos cursos que a compõem, com um módulo introdutório denominado “Fun-
damentos da Gestão Socioambiental”, requisito comum para as formações: Curso de Educação Ambiental na Gestão Pública da
Biodiversidade (3a edição); Ciclo de Gestão Participativa - Participação Social na Gestão da Biodiversidade (5a edição) e Curso
de Gestão de Conflitos Socioambientais na Conservação da Biodiversidade (Formação de Instrutores) que foram realizados no
segundo semestre de 2014, com exceção deste último, tendo desdobramentos em 2015, com um seminário conjunto de monito-
ramento dos projetos em execução pelos educandos e previsão de seminário de encerramento para outubro desse mesmo ano.
Figura 2. Foto do esquema de organização da 3a edição do Curso de Educação Ambiental e da 5a edição do Ciclo de Gestão Participativa.
“um circuito, onde primeiro é preciso estabelecer a confiança. Assim, quando essa tiver sido ins-
talada, o grupo consegue expressar livremente seus pensamentos, suas ideias, seus segredos,
seus sonhos, seus desejos, suas aspirações e sua história de vida para, em seguida, emergir a
empatia, a aceitação e aprovação fechando o ciclo, a confiança é fortalecida, tornando o grupo
coeso” (YALOM; LESZCZ, 2006 apud MOTTA 2013, p.35).
Outro desafio foi promover e manter a interação entre os grupos de trabalho dos docentes, uma vez que os participantes,
como servidores do ICMBio, estão lotados nas diversas e distantes regiões em todo o Brasil. Para tanto, foram e continuam sendo
utilizados os recursos disponíveis através de web conferência, chats, grupos de discussão, compartilhamento de documentos, etc.
Essa integração entre o corpo docente visando a unificação dos processos formativos culminou, em 2015, na criação de
um único curso chamado Curso de Gestão Socioambiental, com três linhas de atuação, a saber: Educação Ambiental na Gestão
Pública da Biodiversidade (4a edição); Ciclo de Gestão Participativa - Participação Social na Gestão da Biodiversidade (6a ed-
ição) e Gestão de Conflitos Socioambientais na Conservação da Biodiversidade, que possuem em comum, além do módulo
introdutório Fundamentos da Gestão Socioambiental e de tarefas em plataforma de Educação à Distância, um Seminário de Moni-
toramento de Projetos e um Seminário de Encerramento, bem como a elaboração e execução de um Projeto de Intervenção Local.
Considerando a finalidade institucional do ICMBio de promover o desenvolvimento socioambiental, os objetivos desse
processo formativo unificado consistem em: a) contribuir para a formação de servidores do ICMBio, e outros atores sociais en-
volvidos com a conservação da biodiversidade, para atuarem na Gestão Ambiental Pública a partir de uma compreensão crítica
do contexto histórico e sociopolítico no qual esta se situa e dos desafios inerentes à proteção do patrimônio natural e promoção
do desenvolvimento socioambiental; b) estimular e qualificar a atuação crítica e consciente do Gestor e outros atores sociais nos
seus territórios de atuação; c) estimular a articulação, em diferentes escalas, entre gestores e outros atores sociais, para a inter-
venção qualificada nos seus territórios de atuação.
São descritos abaixo o escopo de cada linha de formação, constituintes do Curso de Gestão Socioambiental.
A linha de Formação em Gestão Participativa – Participação Social na Gestão da Biodiversidade tem como objetivos
específicos: a) Ampliar e qualificar a participação social na elaboração e implementação dos diferentes instrumentos de gestão
ambiental; b) Contribuir para a promoção de processos de integração das Unidades de Conservação no contexto regional; c)
Instrumentalizar os servidores para a atuação em processos participativos na gestão ambiental; d) Aprimorar a comunicação e
o diálogo entre os diversos atores envolvidos na gestão ambiental; e) Estimular a prática de monitoramento, avaliação, registro e
divulgação de processos da gestão participativa.
Com isso, pretende desenvolver nos sujeitos a competência de conduzir processos que aprimorem a participação social
na gestão de Unidades de Conservação e dos trabalhos desenvolvidos pelos Centros de Pesquisa do Instituto Chico Mendes,
considerando o contexto sociocultural e os princípios da gestão adaptativa, de forma ética, crítica e comprometida.
A linha de formação em Educação Ambiental na Gestão Pública da Biodiversidade, por sua vez, tem os seguintes objeti-
vos específicos: a) Contribuir na formação e ampliação do corpo de educadores ambientais do ICMBio, demais órgãos do SIS-
NAMA, comunidades e parceiros possibilitando o desenvolvimento de competências para formular, executar, monitorar e avaliar
processos educativos com grupos sociais no contexto territorial; b) Construir processos de ensino-aprendizagem que proporcio-
nem reflexões sobre as tensões inerentes à prática social e seus reflexos sobre a gestão socioambiental para a conservação da
biodiversidade; c) Desenvolver ações educativas, utilizando estratégias de ensino-aprendizagem que estimulem a criticidade,
autonomia e intervenção de grupos sociais no processo de gestão da biodiversidade; d) Contribuir para o fortalecimento dos de-
mais instrumentos da Gestão Ambiental Pública, por meio da qualificação dos atores sociais envolvidos na sua implementação;
e) Fomentar espaços de articulação entre educadores para fortalecimento das ações de Educação Ambiental no ICMBio e entre
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Schutz (1958) apud MOSCOVICI (1975) descreve 3 fases (necessidades interpessoais) de desenvolvimento grupal: fase de inclusão, em que ocorre a necessidade
de ser aceito pelo outro; fase de controle, em que está presente a necessidade de ser reconhecido pela competência e responsabilidade e fase da afeição, com a
necessidade de sentimentos e reconhecimentos mútuos.
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atores sociais relacionados à gestão ambiental para intervenção qualificada no contexto territorial; f) Possibilitar que o cursista
se torne apto a construir e implementar projetos de educação ambiental no contexto territorial; g) Fortalecer a implementação do
monitoramento e avaliação de resultados dos projetos de educação ambiental; h) Estimular a reflexão sobre o papel da comuni-
cação como instrumento em processos educativos.
Com isso, as competências a serem desenvolvidas junto aos educandos são as de conhecer e compreender o contexto
socioambiental em que está inserida a gestão das unidades de conservação e de desenvolver processos educativos junto a gru-
pos sociais relacionados com a conservação da biodiversidade, contribuindo para o aprimoramento da participação social nos
instrumentos da gestão ambiental pública.
A formação em Educação Ambiental, ao desenvolver uma Ação Pedagógica utilizando estratégias de ensino-aprendiza-
gem que estimulam a criticidade, a autonomia e a intervenção dos grupos sociais no processo de gestão da sociobiodiversidade,
se propõe a construir processos educativos que proporcionam reflexões sobre tensões inerentes à prática social, tais como:
objetividade-subjetividade, individualidade-coletividade, necessidade-possibilidade, desejo-realidade, o eu e o outro, bem como
reiteração de valores no plano das atitudes como solidariedade, diálogo, lealdade, cooperação em lugar da competição, respeito
ao outro, à diferença e a todas as manifestações da vida, incorporando o uso prudente e cuidadoso dos recursos ambientais, que
devem caracterizar uma ordem social justa, democrática e sustentável.
Já a Linha de Formação em Gestão de Conflitos Socioambientais, tem por objetivo específico promover a capacitação
de servidores públicos para atuarem nas diversas situações conflituosas que permeiam a gestão das Unidades de Conservação
e a execução das políticas de conservação da biodiversidade. E pretende desenvolver junto aos educandos as competências
relacionadas a conhecer e compreender conceitos e métodos para análise de conflitos relacionados às atividades inerentes à
gestão das Unidades de Conservação e à execução das políticas de conservação da biodiversidade, por meio da identificação
dos elementos constituintes do conflito, da análise de atores e da proposição de estratégias de interação e gestão.
Uma característica peculiar desse processo formativo do ICMBio é o fato do mesmo articular o processo de formação
profissional dos servidores públicos, em concordância com a Política Nacional de Capacitação do Governo Federal, com a
qualificação e execução direta da atividade finalística dos servidores nas suas regiões de atuação. Um elemento indissociável
desse processo de formação é o desenvolvimento de ações concretas, como práxis educativa, realizadas no contexto de gestão
local dos participantes, onde teoria e prática se efetivam em um processo sistemático, ordenado e progressivo, ao ritmo dos
participantes, de maneira que estes possam ir descobrindo os elementos teóricos e aprofundando-os de acordo a seus avanços
pessoais. Como resultado, a atuação dos servidores, e a ação finalística do Instituto como um todo, tende a ir se qualificando dia
a dia, durante e após o curso de formação.
Outro resultado desse processo de integração dos cursos voltados à gestão socioambiental é o fortalecimento da Coorde-
nação Geral de Gestão Socioambiental, através da maior articulação entre as coordenações a ela vinculadas, possibilitando uma
melhor compreensão interna dos processos que a constituem, bem como de suas interfaces e necessária integração. Também
houve maior integração entre as equipes pedagógicas responsáveis pela implementação dos cursos voltados à gestão socioam-
biental do ICMBio.
Conclusão
Desta forma, todo esse processo tem gerado grande aprendizado institucional no que se refere ao planejamento e imple-
mentação de processos formativos e, principalmente, na melhoria das ações finalísticas, relativas à atuação direta dos gestores
no cumprimento das funções do ICMBio, bem como da articulação entre os processos da CGSAM e demais processos do
instituto. No entanto, o resultado mais esperado com relação à integração entre esses cursos é o fortalecimento da gestão so-
cioambiental nas ações finalísticas, ou seja, por meio da implementação da educação ambiental, da gestão participativa e da
gestão de conflitos de forma mais qualificada, pautada na Educação Crítica e voltada para o alcance da justiça ambiental e da
conservação da sociobiodiversidade.
Em suma, a integração dos processos formativos na área socioambiental tem por finalidade qualificar a atuação do ICM-
Bio junto à sociedade, promovendo o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação
social na gestão dos recursos ambientais e nas decisões que afetam a sadia qualidade do meio ambiente e a diminuição das
injustiças e assimetrias socioambientais.
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DIAGNÓSTICO DO DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES NO PARQUE MUNICIPAL
SÃO BARTOLOMEU, SALVADOR/BA, PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE
SEU ENTORNO
Pereira, Tiaro Katu1; Pellin, Andrea2, Reis, Jussara Christina3 & Pellin, Angela3
Resumo
O Parque Municipal São Bartolomeu (PSB) abrange um importante remanescente de floresta imerso em uma região densamente
urbanizada, e sofre diversos impactos devido à urbanização sem planejamento e realização de atividades irregulares em seu interior.
Visando orientar propostas que ampliem o envolvimento da comunidade com o parque, foi realizado um diagnóstico sobre o desen-
volvimento de atividades no PSB pelas instituições de ensino localizadas em seu entorno. Para isso as instituições foram identificadas
e selecionadas, e foram aplicados questionários aos seus gestores, professores e alunos. Os resultados indicaram que o parque
vem sendo pouco utilizado pelos professores, alunos e escolas de seu entorno. Embora a natureza do local motive as visitas, a falta
de segurança e infraestrutura compromete a utilização do Parque.
Introdução
O Parque São Bartolomeu (PSB) está situado na borda leste da Baía de Todos os Santos, entre o Subúrbio Ferroviário
e a BR 324, na capital do Estado da Bahia, Salvador. Foi criado pelo Decreto Municipal nº 4.590/74 abrangendo um importante
remanescente de Mata Atlântica da região, com 75 ha, incorporado no Sistema de Áreas Verdes e Espaços Abertos de Salvador
(Lei Municipal no 2.549/73) e incluído na Área de Proteção Ambiental Estadual da Bacia do Cobre/São Bartolomeu (Decreto nº
7.970/01).
Os estudos realizados para o plano de manejo do parque identificaram a existência de pelo menos 205 espécies de plan-
tas, sendo três consideradas ameaçadas de extinção e duas endêmicas da Mata Atlântica. Para a fauna, estima-se a existência de
pelo menos 14 espécies de mamíferos, 108 espécies de aves, sendo uma ameaçada e cinco endêmicas da Mata Atlântica; seis
espécies de anfíbios e oito de répteis, sendo uma espécie de anfíbio considerada vulnerável (CONDER, 2013).
A área do parque, bem como a região do seu entorno, também possui um grande valor histórico, cultural e cênico.
Trata-se de um dos mais significativos monumentos negros do estado, considerado sagrado para religiões de matriz africana, e
que fora palco de lutas libertárias do povo baiano como, por exemplo, a batalha de Pirajá e a independência do Brasil na Bahia
(IRVING, 2011).
No entanto, o PSB enfrenta uma série de desafios por se tratar de uma floresta imersa em uma região densamente ur-
banizada em um contexto de baixa efetividade das ações do poder público (FORMIGLI, 1998), carente em infraestrutura e for-
necimento de serviços básicos de apoio à população. Como consequência, tem-se uma floresta que sofre intensa pressão sobre
seus recursos naturais, sendo registradas atividades como extração de madeira, coleta de frutos, ervas e folhas, caça, pesca,
que juntamente com o isolamento do fragmento e a matriz urbana circundante afetam a conservação da biodiversidade no local
(CONDER, 2013).
Sabe-se que nas décadas de 1970 e início de 1980 o PSB contava com alguma infraestrutura e recebia intensa visitação
(com relatos de até 500 pessoas em um dia), principalmente associada aos rituais de religiões afro-brasileiras, mas também por
moradores do entorno para recreação e contemplação. Contudo, o extenso período de abandono da área pela gestão pública,
associada ao aumento da criminalidade da região afastaram seus visitantes. Aos poucos, o parque foi tornando-se um local
considerado inseguro e passou a ser utilizado por poucos moradores, pessoas que coletam recursos em seu interior e alguns
praticantes de rituais afro-brasileiros, que se concentram mais em suas bordas (CONDER, 2013).
As recentes intervenções de recuperação de alguns dos principais atrativos do PSB realizadas por meio do Projeto de
Urbanização e Desenvolvimento Integral de Áreas Carentes no Estado da Bahia - Projeto Viver Melhor, bem como a construção
Material e Métodos
Para a caracterização da educação ambiental no PSB foram realizadas entrevistas junto ao gestor do parque, assim
como demais técnicos da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador, e junto aos funcionários da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia - SEDUR e da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado
da Bahia - CONDER. Adicionalmente foram realizados levantamentos de dados secundários relacionados aos projetos de edu-
cação ambiental no PSB e seu entorno imediato. Para isso foram feitas consultas a artigos, teses, dissertações e livros referentes
à temática educação ambiental e PSB e foram analisados relatórios e documentos técnicos fornecidos pela CONDER e pela
Superintendência do Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador.
Os atrativos com potencial para ações de educação ambiental no parque foram mapeados e caracterizados através de
visitas a campo, sendo realizados registros fotográficos e anotados aspectos de interesse, seu potencial para educação ambiental
e estado de conservação.
A identificação das instituições de ensino localizadas no entorno imediato do PSB foi feita a partir de consultas aos sítios
das Secretarias Municipal e Estadual de Educação, Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Superintendência do Meio Ambiente
(Municipal) e o banco de dados do Mapeamento da Formação em Organização Cultural no Brasil elaborado pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). A partir do levantamento preliminar das instituições de ensino do entorno do PSB, estas foram ma-
peadas e contatadas para agendamento de visitas e entrevistas com professores e alunos a fim de caracterizar sua atuação em
projetos de educação ambiental e interesse em desenvolvimento de projetos futuros.
Durante as visitas às instituições de ensino, que ocorreram em julho de 2012, foram apresentados os objetivos do diag-
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Durante as visitas às instituições de ensino, que ocorreram em julho de 2012, foram apresentados os objetivos do diagnóstico
para os representantes das instituições e realizadas entrevistas com base em questionários contendo perguntas fechadas e
semiabertas visando caracterizar aspectos gerais da instituição, projetos de educação ambiental desenvolvidos na região, a
possível interação dessas instituições com o PSB, o conhecimento e percepção dos professores sobre o PSB e o conhecimento
e percepção dos alunos sobre o PSB (questionários aplicados a alunos de uma sala escolhida aleatoriamente em cada escola).
Foram registradas as coordenadas geográficas das instituições e os dados coletados nas entrevistas com os questionários
foram tabulados em planilhas para as analises quantitativas. Ao todo foram visitadas 13 instituições de ensino, situadas em quatro
bairros do entorno do Parque, sendo estes: Alto Terezinha, Ilha Amarela, Pirajá, e Plataforma. O nome e localização das institui-
ções visitadas estão apresentados na Figura 1.
Resultados e Discussão
Caracterização da Educação Ambiental e dos Atrativos de Interesse do PSB
A partir dos dados obtidos por meio de entrevistas junto aos representantes de diversos órgãos envolvidos com a gestão e
planejamento do PSB, verificou-se que este não possuía um programa de educação ambiental e nem desenvolvia ações pontuais
na época do diagnóstico.
Os funcionários do PSB relataram que no passado, por volta dos anos de 1970 e 1980, o Parque recebia a visitação de
diversos grupos - como escolas, universidades, praticantes de religiões de matriz africana , entre outros – vindos, além do próprio
Subúrbio Ferroviário, de diferentes pontos da cidade. Os funcionários cumpriam também um papel de condutores de visitas e
de trilhas, explanando sobre a história local, assim como a importância e o significado da área como sítio sagrado para algumas
religiões, cujo uso era bastante presente na época. Ainda assim, tais atividades não se encontravam inseridas em um programa
de visitação/educação sistematizado.
Com o decorrer dos anos, o número de funcionários foi reduzido e equipamentos e infraestrutura ficaram obsoletos, inter-
ferindo diretamente na manutenção do local. Essa situação associada a diversos fatores externos, como a intensificação da proble-
mática urbana na região, contribuiu para a drástica redução da visitação. Agravando a situação, na época do diagnóstico, o PSB
não dispunha de infraestrutura mínima para o desenvolvimento de ações educativas o que restringia muito a sua prática no local.
O potencial do local para realização de atividades de educação ambiental e patrimonial, no entanto, é reforçado pelos
inúmeros pontos de interesse que foram identificados na área, listados na Tabela 1.
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atividades no parque. Ao considerar que as escolas encontram-se relativamente próximas ao parque, o índice de envolvimento
pode ser considerado baixo, pois escolas avaliadas nos bairros Ilha Amarela e Alto da Terezinha nunca desenvolveram atividades
educacionais no PSB.
As atividades identificadas consistem predominantemente em visitas anuais e ações pontuais sem continuidade e sem
um planejamento de utilização frequente da área, ainda, nota-se uma maior intensidade de utilização das instituições localizadas
em suas imediações . No entanto, mesmo as instituições que nunca realizaram atividades no PSB demonstraram interesse em
utilizá-lo para atividades de educação ambiental, principalmente devido ao valor histórico, cultural e ambiental da área, e a facili-
dade de se trabalhar temas relacionados ao meio ambiente.
O interesse demonstrado pelas escolas em melhor aproveitar a área do PSB é uma oportunidade, tanto para os alunos
quanto para o parque. As escolas são ambientes ideais para a realização de atividades de educação ambiental, onde podem ser
incluídas em projetos pedagógicos, tornando possível trabalhar com cada aluno um sentimento de pertencimento com a área.
Através destas atividades também se espera que cada aluno transmita o conhecimento adquirido, conscientizando as pessoas
com as quais convive da necessidade de preservação do meio ambiente (MIORANDO et al., 2005).
Quanto aos projetos de educação ambiental, 10 foram registrados nas escolas e colégios localizados em três bairros do
entorno do parque, Plataforma, Pirajá e Ilha Amarela (Tabela 3). Destes, em 2012, seis encontravam-se em andamento e quatro
estavam encerrados, sendo três em andamento e dois encerrados no bairro Pirajá, três em andamento e um encerrado em Plata-
forma, e um projeto encerrado na Ilha Amarela. Destaca-se que os projetos mapeados não necessariamente envolvem o PSB.
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Conforme Oliveira (2009), as áreas protegidas têm potencial singular para a realização de processos educativos, prin-
cipalmente para os professores e estudantes. A presença de uma UC em uma região é um elemento facilitador na abordagem
da temática ambiental por parte dos professores do ensino formal, por proporcionar espaços para vivências educativas sobre a
biodiversidade conservada in situ.
Considerações Finais
O PSB representa uma área de alto valor cultural e histórico, que abriga um importante remanescente de Mata Atlântica
cercada por uma matriz densamente urbanizada. Estes são atrativos que privilegiam a visitação e a prática de atividades edu-
cativas em seu interior e favorecem a visitação por diferentes grupos como moradores do entorno, estudantes, religiosos, entre
outros. No entanto, mesmo mediante a sua relevância socioambiental, o PSB não dispõe de um programa de educação ambiental
estruturado de forma a envolver os diferentes públicos, em especial a população local.
Foi observado um número significativo de instituições de ensino localizadas no entorno do PSB que desenvolvem ativi-
dades de educação ambiental, entretanto são poucas as que utilizam ou já utilizaram a área do parque. Apesar disso destaca-se
que todas as instituições, mesmo aquelas que nunca utilizaram o parque, manifestaram interesse em realizar atividades no PSB.
Verificou-se, também, uma falta de planejamento para a utilização frequente do parque por parte das instituições, e os projetos
em educação ambiental que abordam o PSB foram pouco frequentes, assim como os temas violência, sustentabilidade, geren-
ciamento de resíduos e saneamento. Esses assuntos apresentam grande importância, uma vez que se relacionam diretamente
com os desafios que o parque enfrenta.
O contexto histórico e religioso do PSB também teve pouco destaque dentre os projetos avaliados. Esse aspecto reflete
a necessidade de mais incentivo para projetos de educação ambiental que valorizem os aspectos históricos e culturais da área.
A utilização do parque por parte dos professores ocorre principalmente para lazer. Já entre os principais motivos aponta-
dos para a sua não utilização estão a falta de segurança e infraestrutura. Desta forma, para haja um maior número de atividades
de educação ambiental ocorrendo no PSB, são necessários investimentos nesta área, o que já teve início com a implantação do
Projeto Dias Melhores e com a elaboração do plano de manejo do parque. No entanto, é preciso destacar que as melhorias na
infraestrutura devem atender às necessidades do público estudantil e atentar-se a questões relacionadas à segurança dos visi-
tantes e acessibilidade do local.
O parque também é pouco frequentado pelos alunos, e na maioria dos casos estas visitas ocorreram sem o acompa-
nhamento das escolas. O envolvimento dos alunos e das escolas com o PSB, e a realização de atividades de educação ambiental
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envolvendo o parque, constitui uma estratégia importante que auxiliará na conservação da área. A Natureza, as cachoeiras, a
tranquilidade e a religião foram os pontos que mais agradaram os professores das instituições de ensino e constituem-se como
temas potenciais para a realização de atividades educativas no parque.
Finalmente, a situação atual do PSB em termos de infraestrutura, segurança e conservação, reforça a necessidade do es-
tabelecimento de uma agenda de debates entre os gestores da área, atores e instituições locais que reflita sobre as condições da
prática da educação ambiental e patrimonial no local, levando em consideração a realidade social e o contexto histórico em que o
parque está inserido. O estabelecimento de bons programas de educação ambiental e patrimonial em áreas protegidas urbanas
como o PSB é fundamental para a proteção dessas áreas e para ampliar o conhecimento da sociedade sobre a sua importância,
bem como de todo o sistema de áreas protegidas.
Agradecimentos
Aos estudantes, professores e diretores das instituições que participaram do estudo, e aos funcionários da CONDER e
Prefeitura de Salvador. As informações deste artigo foram coletadas durante a elaboração do Plano de Manejo do PSB, contrato
estabelecido entre a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) e IPÊ – Instituto de Pesquisas
Ecológicas com recursos do Acordo de Empréstimo realizado entre o Governo da Bahia e o Banco Internacional para Recons-
trução e Desenvolvimento (BIRD) visando o financiamento do Projeto de Desenvolvimento Integrado em Áreas Urbanas Carentes
no Estado da Bahia – Dias Melhores.
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