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LOUIS DUMONT

O IN D IV ID U A LISM O
Uma perspectiva antropológica
da ideologia moderna

Tradução de
ÁLVARO CABRAL

rü ò c c c r
Rio de Janeiro — 1993
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fk s b d tfM l
ESSAIS SUR L'INUiV IIX'.NLISMI.
U m m v K i b t AmhropoJofiqt* m t I’id to to t* modern*

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Piititoft p*f* ã In*** poiw jue»* inervado*,


com e * lu m * i* Je f«ra O BraaH. à
EDITORA ROCCO LTUA
K«4 (U A»w«iblfca. 10 - Gr )l0l
C X t: X i\% 900 - Rio «k ¿4nr4*0 - RJ
W . 224-HM - U r 2S2M2?
T*ka: M M 2 LDUC SR

pTrtitcJin fimoV Impfcwo no ttn«»i

IZIDORO RANGEL MARTINS


'A TN O ILL SETÚBAL
HENRIQUE TARNAVOLSICY

C IP 'B n U . C « iü o |i(io n i Iq m
SiU k+ io Nortooál do* td u o r n de Lívtm. RJ*1

Du u k m , U u o .
l>92'i O lodN*te*to9»o: u n a p m p c o r r j am ropo¿df<4 dé *dcok>fu ooóerm /
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rtd é o io i* modere*

1. AMropotoft* socui I. C só n i. A ta ro II. Ululo

15^60 CDD • JOl J


SUMARIO

Prefácio ......................................................................... 9
Introdução ..................................................................... 11

1. SOBRE A IDEOLOGIA MODERNA

I. Gánese. /. Do indivíduo-fora-do-mundo ao indiví-


duo-no-mundo ........................................................... 35
Os primórdios cristãos do individualismo ............. 35
Calvino ...................................................................... 62
I I . Gênese. II. A categoria política c o Estado a partir
do século XIII .......................................................... 73
Introdução .................................................................... 73
Tomás de Aquino c Guilherme deOccam ............ 75
Da supremacia da Igreja à soberania política
(séculos XIV-XVI) .................................................... 79
O Direito natural moderno ..................................... ^
As implicações do individualismo: igualdade, pro­
priedade ..................................................................... 9]
O Leviatâ de Hobbes ................................................. 97
O Contrato Social de Rousseau ............................. 10l
A Declaração dos Direitos do Homcm ................... ^9
O contragolpe da Revolução: renascença d 3 "uni-
verst tas" ................................................................................ 114
III. Uma variante nacional. O povo c a nação cm Her­
der e Fichte ........................................................................ 123
IV. A doença totalitária. Individualism o e racism o em
Adolf Hitler ........................................................................ 141

2. O PRIN CIPIO COM PARATIVO:


O UNIVERSAL AN TRO PO LÓ G ICO

V. Mareei Mauss: uma ciência em devenir ................ 179


VI. A comunidade antropológica e a ideologia ......... 201
A disciplina cm sua relação com as ideologias . . 202
Onde o igualitarismo está d e s lo c a d o ......................... 225
VIL O valor nos modernos c nos outros ....................... 237
Léxico de algumas palavras-chaves ......................... 279
Índice dos autores citados ........................................... 281
prefacio

E stou profundam ente grato a Paul Thibaud. que leve a idéia


deste liv ro c assim testemunhou, uma vez mais, o interesse
q u e dispensa a meus trabalhos. Estou empenhado há quase
v in te anos num estudo da ideologia modema. o qual produziu,
e n tre outros, alguns ensaios de dimensões limitadas que têm
p o r objeto diferentes períodos c aspectos diversos desse imen­
so tem a. No presente livro, trata-se de fornecer uma idéia de
c o n ju n to dessa investigação, reagrupando, cm primeiro lugar,
esses ensaios dispersos e. depois, adicionando-lhes textos cm
q u e estabelece, com precisão, a perspectiva geral donde essa
investigação decorre, ou seja, o estudo comparativo das socie­
dades hum anas, ou antropologia social. Paul Thibaud pensou
que esta podia esclarecer aquela, ajudando o leitor a ter acesso
a o ponto de vista global que o estudo da modernidade impõe
c que, de outro modo. corre o perigo de parecer arbitrário,
q u ando não dependente do que uma crítica anglo-saxônica
cham ou saborosamente de minha "impudência parisiense”.
Após reflexão, acatei o conselho de Paul Thibaud. A pu­
blicação 6 oportuna, levando em conta o avanço relativo da
pesquisa cm referencia ao que posso ainda esperar acrescen­
tar-lhe. Q uanto ao esclarecimento antropológico, procurei, na
introdução ao livro antecedente,1 reconstituir a transição entre

1 Homo otçwdis. /, Cents* el £panouissement de lidtologie ¿eonomi-


que. Pari*. Galhmard. 1977.
10 Prefácio

a antropologia da India, que m e o c u p ara até en tão , e o novo


empreendimento, mas isso era pressupor a d q u irid a ou deixar
implícita uma concepção da antropologia que não é comumcn-
te admitida pelos especialistas nem , a fortiori, fam iliar ao
grande público. Q uero aqui, na in trodução que se segue e
que deve servir de ponte entre as duas vertentes d o livro, re­
troceder ainda mais, até à origem cm m im dessa concepção da
antropologia. Não existe nisso dificuldade algum a, porquanto
o percurso foi retilínco; mas, de qualq u er m odo, 6 voltar
atrás mais de quarenta anos, num plano cm que o pessoal se
mistura estreitamento com o científico, c a lem brança daquela
que me acompanhou ao longo de toda a jornada, até 1978, é
inseparável de tal recapitulação. Por isso dedico este livro á
sua memória.
Para terminar, gostaria de aproveitar a oportunidade para
expressar um agradecimento geral a todos aqueles que, de di­
versos modos, me encorajaram nos últimos anos num empreen­
dimento que podia parecer destinado a ficar sem repercussão.
Ê-mc impossível di/cr a que ponto eles me ajudaram e me
ajudam a persistir no esforço. Sua inspiração acompanha a
presente coletânea.

A bril de 1981
INTRODUÇÃO

E sta in tro d u ç ão tctn duas tarefas a cum prir. Por um a parte,


deve servir de ligação entre as duas partes d o livro, ultrapas­
sa r a distinção que separa uma especialidade da "ciência so­
c ia l" , a antropologia social, de um estudo que deriva da "h is­
tó ria das id éias", o u da história intelectual de nossa civiliza­
ç ã o ocidental m oderna. M ostrar como. numa perspectiva de
antropologia social, se justifica ou se recomenda um estudo
d o co n ju n to de idéias c valores característico da modernidade.
M as. se entendi bem o desejo de Paul Thibaud. como se diz
n o prefácio, isso não é bastante: é preciso ainda que o ponto
de vista, a orientação, digamos, o espírito do estudo ideológico,
deixe de parecer arbitrário ou imposto, c passe a ser visto co­
m o algo que resulta naturalm ente da perspectiva antropoló­
gica.
T u d o o que se segue c . cm particular, a segunda parte do
livro, 6 que deverá responder, ccrtamcnte. a essas necessidades.
A in tro d u ç ão cabe dirigir, desde já. a atenção para os princí­
pio s. destacar as linhas de força que conferem unidade a estes
ensaios c recuperar a inspiração de tudo isso. N ão é missão
difícil, um a vez que, para começar, a inspiração possui um
rosto, um nom e: ch3ma-se Mareei Mauss. Assim como os seus
ensinam entos estiveram na origem de meus esforços, também
esta in trodução pede que seja construída a partir dele.
M as, antes de se chegar a Mauss cm pessoa, cumpre re­
cordar que existem duas espécies de sociologías, quanto aos
12

te a t respectivos pontos de partida c i abordagem global de


cada uma delas. Na primeiro, partc-se. como é natural no* a »
demos, dos individuos humanos para vê-los cm seguida en
sociedade; por vezes. tenta se até fazer nascer a sociedade di
interação dos indivíduos. Na outra espécie de sociologia, parie­
se do fato de que o homem é um ser social e. portanto, consi­
dera-se irredutível a toda c qualquer composição o fato flob»!
da sociedade — não de " a sociedade" cm abstrato, mas de til
ou tal sociedade concreta, com suas instituições c representi-
ções específicas. Já que, para o primeiro caso, falou-se de indi­
vidualismo metodológico, seria licito falar de holismo método
lógico neste último.’ Na verdade. esse enfoque impõe-se. ni
prática, toda a vez que nos encontramos diante de urna jocie-
dade estrangeira, e o etnólogo ou antropólogo nao pode eximio
se-lhc: ele só pederá comunicar com as pessoas que pretende
estudar quando tiver dominado o língua que cías tcm era co­
mum. a qual 6 o veículo de suas idéias c de seut valores, di
ideologia cm que pensam e cm que se pensam. E basicamente
por essa razio que os antropólogos angk>-saxões. malgrado a
forte propensão para o individualismo e o nominalismo, que t
fruto da própria cultura deles, n io puderam dispensar a socio-
logia de Durkheim c de seu sobrinho. Marcel Mauss.
No cnsino de Marcel Mauss há urna característica que. do
ponto de v i ta do que acaba de ser dito, é essencial: refiro me
i éníosc atribuída i diferença. E i« o sob deis aspectos distin­
tos. Em primeiro lugar, um aspecto geral. Mauss recusa deter
se. h maneira de Frazer c da primeira escola antropológica in­
glesa. no que as sociedades teriam cm comum, negligenciando
suas diferenças.’ Sua grande preocupação, seu "fato social
total", é, por definição, um complexo especifico de uma dada
sociedade (ou de um tipo de socicdadcl, impossível de se »•
brepor a qualquer outro. Interpretemos um pouco: não existe1

1 A pulivr» "botiuno" figura ao scpJemento do Veeabutmr* «*+«««*


H crithu* de la pUkaopUe. de Aodrf lafcode. Pari. PUF. t«6*. 2.* «d*-
í*0 coreo rara cm francês core • seguinte definição: Tcori» segundo *
qu*t o todo t »)go nuil do que ■ iom* das partes" (p líM* Para o
significado da palavra aqui. cf o tísico no final dole volume
» liorna hicrorchicus le Syilime des catín ti set implications. Parts.
Galtimjrd. col T e T , 1979 treedicão ampliada). p. JÍ4, nou 2: desu­
ñado doravante como M I. Designarse* Igualmente por H A l I a obra
seguinte: Homo aetfutlu. op. cit
O Individualismo 15

full* sociológico indepcndcntctncnte da referência à sociedade


global em questão.
I'l», agora, o segundo aspecto, mais impórtame ainda, sc
ponível, do que o primeiro: entre as diferenças, h4 unta que
domina todas as outras, E aquela que separa o observador,
como portador das idéias e valores da sociedade moderna, da­
queles que ele observa. Mauss pensava, sobretudo, nas socie­
dades tribais, mas o caso náo 6 fundamentalmente diferente
no tocante As grandes sociedades de tipo tradicional. Essa dife­
rença entre nds c Wes impõe-se a todo o antropólogo c, de
qualquer modo, é onipresente cm sua prática. Supondo-se ad­
quirida a familiaridade com a cultura estudada, o grande pro­
blema para aquele está, como diria Evans-Pritchard, cm "tra-
d u tlr" essa cultura para a linguagem da nossa e da antropolo­
gia que far dela parte. Cumpre acrescentar ainda que a ope­
ração ê mais complexa do que uma tradução. Mauss refere-se,
com fteqiiíncia, às emboscadas que ai nos esperam, às difi­
culdades c precauções que essa diferença fundamental impõe.
Entre outras, as nossas rubricas mais gerais, como a moral, a
politics, a economia, aplicam-se mal às outras sociedades e só
se lites pode recorrer com circunspecção — e mesmo assim a
titulo provisório. Em última análise, para verdadeiramente
compreender, cumpre investigar no campo todo, pondo dc lado,
se necessário, esses compartimentos, aquilo que corresponde
neles no que conbcccmo». e em nós ao que eles conhecem; por
outras palavras, é imprescindível esforçar-se por construir aqui
e lá fatos comparáveis.
Talvez caiba sublinhar um aspecto geral do que se passa
aqui. Sob o ângulo mais imediatamente pertinente para o es­
tudo, o das representações sociais de que ele participa, o ob­
servador é aqui parte obrigatória da observação. O quadro que
ele fornece não é um quadro objetivo, no sentido de que o
sujeito dele estaria ausente: é. outrossim, o quadro de alguma
coisa vista por alguém. Ora, sabemos a importância de que se
reveste essa consideração para a filosofia das ciências, a qual
começa precisamente quando o quadro “ objetivo" 6 relacio­
nado com o sujeito que o fornece. Na antropologia a que noa
referimos, tal como na física nuclear, encontramo-nos de ime­
diato nesse nível mais radical em que nâo se pode abstrair do
observador. Reconhecemos que a coisa nâo está inteiramente
explícita em Mauss. Quando, a propósito do estudo da reli-
Iniroduç do

giío, ele chima a atenção para "quem são as pessoas que crécm
nisso", ele nlo diz "em rclaçio a nós, que cremos nisto”;
somos nós quera o acrescenta, apoiando-nos cm outras e nu­
merosas passagens cm que Mauss insiste no caráter particular,
mais ou menos excepcional, de nossas idéias modernas. A força
dessa perspectiva consiste em que. no fim dc contas, a ela se
vincula tudo o que a antropologia social ou cultural jamais fez
de essencial. Ela acarreta. 6 verdade, com uma complicação
garantida, servidões temíveis que explicara, talvez, o fato de
ela não se ter expandido. Citarei apenas duas: os jargões da
sociologia institucionalizada sio postos fora de circulação e,
por outro lado, o universal distancia se no horizonte: só se
pode falar do "espírito humano" a partir do instante em que
duas formas diferentes são incluídas numa mesma fórmula,
cm que duas ideologias distintas te apresentam como duas
variantes dc yma ideologia mais ampla. Esse movimento dc
Inclusão, sempre a renovar, aponta o espírito humano simulta­
neamente como seu princípio c como seu limite.
Excciuando-sc esta última digressão, tentei esquematizar
o menos possível o grande princípio, decorrente dos ensina­
mentos de Mauss, que orientou, que comandou todo o meu
trabalho. Sc uma confirmação exterior fosse necessária, encon­
tré laísmos na repercúteme demonstração, por Karl Polanyi.
do caráter excepcional do caso moderno sob i relação da eco­
nomia: em qualquer outro lugar, aquilo a que chamamos fatos
económicos está inferido no próprio tecido social, c só nós.
modernos, daí os extraímos e erigimos num sistema distinto.1
Existe, contudo, entre Mauss e Polanyi uma nuança e talvez
mal». Em Polanyi, a modernidade, sob a forma dc liberalismo
econômico, iltuaie nos antípod» dc todo o rtito. Em Mauss.
linda pode parecer que lodo o resto para aí se encaminha:
existem momentos em que um resto dc evolucionismo vem
coroar as descontimiidadc». ainda que firmemente reconhed-
dai. 6 o que ocorre quando ele »c refere »o grande projeto
durkhcimiano da "história iodai das categorias do espírito hu­
mano", o qual não deixava dc evocar um desenvolvimento

1 O livro qor Kut Putaayi drdlcoo ao ca» moderno acaba da aee tra-
•luildo para o fundi U Grand* Trantfornjtion, Parla, Gatlimard.
INI (d o meu prtfaoo).
O In d iv id u alism o I»

lin e a r d a h u m a n id a d e , a ssim c o m o u m a c a u s a lid a d e so c io ló ­


gica a q u e M a i m ta m p o u c o re n u n c ia r a p o r c o m p le to . A c ritic a
ra d ic al p o r P o la n y i d o lib e r a lis m o e c o n ô m ic o c d o p r ó p r io eco-
n o m ism o f a z r e s s a lta r a d is tâ n c ia q u e n o s s e p a ra a q u i d e
M a u ts; m a s e s s a d is tâ n c ia n ã o a f e ta , c m a b s o lu to , a c o n c e p ç ã o
fu n d a m e n ta l, e m M a u ss , d a c o m p a r a ç ã o c d a a n tro p o lo g ia , tal
c o m o é re to m a d a a q u i. A liá s , o p r ó p r io M a u s s já s e distan *
c ia ra d is c re ta m e n te d o c ic n tis m o e d o q u e h i d e h y b r ia s o c io ­
lógica c m D u rk h c im . E . n u m s e n tid o a m p lo , **a h is tó r ia so c ial
d a s c a te g o ria s d o e s p ír ito h u m a n o " e s tá s e m p re n a o r d e m d o
d ia , a p rc s c n ta -s c -n o s tã o -s ó c o m o in fin ita m e n te m a is c o m p le x a ,
m ú ltip la e d ifíc il q u e a o s d u r k h c im ia n o s e n tu s ia s ta s d o c o m e ç o
d o sé c u lo . P o r o u tr o la d o , se le rm o s a te n ta m e n te o q u e M a u ts
disse e m 1938 s o b re o s r e s u lta d o s d a s p e s q u is a s d e le s , p e rc e ­
b e rem o s q u e s u a s p re te n s õ e s s ã o b a s ta n te m o d esta s.*
D e ix em o s b e m c la r o q u e o r e tr a to q u e fiz d e M a u s s e m
1952 e q u e é a q u i re p ro d u z id o c o m o d iz e n d o o e s s e n c ia l, e s tá
longe d e se r a a p re c ia ç ã o c r ític a q u e h o je p o d e r-s e -ia e sp e ra r.*
T ratav a -se e n tã o d e o a p r e s e n ta r a c o le g a s in g le se s q u e o c o ­
n h e ciam p o u c o e c o r ria m o ris c o d e s e d e s o r ie n ta r e m — o u
serem re p e lid o s — p o r u m a in te r p r e ta ç ã o b r i lh a n t e m a s e x a ­
g e rad a m e n te a b s tr a ta . A s itu a ç ã o é h o je m u ito d if e r e n te , q u a n ­
d o a fig u ra d e M a u ss d e s f r u ta , n a p ro fis s ã o e n o p la n o m u n ­
dial. d c u m g ra n d e p re s tíg io c d ir ia m e s m o d e u m a re v e rê n c ia
m u ito ra ra — ta lv e z p a s s a g e ira m a s q u e n ã o d e ix a d e s e r c o ­
m ovente p a ra a q u e le s q u e o c o n h e c e ra m . P o r m a is d ifíc il q u e
seja a ta re fa , c h e g o u o m o m e n to , s e m d ú v i d a , d e u m a d is c u s s ã o
c irc u n sp e c ta m a s p r o f u n d a d a s te s e s d e M a u s s e d a s i n te r p r e ­
tações q u e e la s re c e b e ra m : m a s n ã o 6 e s s e o n o s s o o b je tiv o
p re sen te , já q u e n o s p ro p o m o s t r a t a r a q u i a p e n a s d o f u n d a
m ento.
E m te rm o s p r á tic o s , o u d e m é to d o , M a u s s e n s in a -n o s a m a n ­
te r se m p re u m a d u p la re fe rê n c ia . R e fe rê n c ia A s o c ie d a d e g lo ­
b a l, p o r u m a p a r le , e , p o r o u t r a , r e fe r ê n c ia c o m p a r a tiv a
re c íp ro c a e n tr e o o b s e r v a d o e o o b s e r v a d o r . F u i le v a d o , sub-

* Ver o in icio da conferência sobra "La notion da f m e s s t * . Mareei


M iu u . SocitAop* t t A nihropoiofi*. Pana. PU F. 1990. PP M V 3J4.
• Ver. para alguns detalhes, m eus com entarios em Lm CitHiamHom án-
éitnmm t i n o n . Paris. A . C olla. 1964, pp. »I-W . • • • prefácio paral
l 1 I van» Pr.ichard. L n S u tr . P aru. G alllm ard. i t t * . P ia________
16 htlroduçio

tendentem ente, a esquem atizar ou objetivar a oposição entre


o observador c o observado sob a form a de um a oposição
entre moderno e tradicional e , mais omplamentc, entre m oder­
no c não-modemo. E certo que esse género de distinção não
é boje bem acolhido. Ironiza-se dizendo que as oposições bi­
nárias e desse gênero já tiveram seu momento de glória no
século X IX , ou então opina-sc, corno Mary Douglas, que
as oposições binárias constituem um procedimento
analítico, mas sua utilidade não garante que o exis­
tente (cm inglês: existence) se divida dessa ma­
neira. Devemos desconfiar de quem quer que diga
que existem duas espécies de pessoas, ou duas es­
pécies de realidade ou de processo.*
A isso responderemos tranquilamente que existem duas
maneiras de considerar um conhecimento qualquer, uma ma­
neira superficial que deixa fora de questão o sujeito conhece­
dor, e uma maneira profunda que o inclui. A rigor, isso bas­
taria para justificar a nossa distinção.
Entretanto, o leitor não-espedalista está no pleno direito
se surpreender, pois els-nos, sem dúvida, bastante longe da
que o público pode estar inclinado a fazer de uma
"ciência social". Digamos, pois. sumariamente, como a antro­
pologia se distanciou da ciência social, cm particular nas ulti­
mas décadas. Desde que se abandonem as idéias ingênuas sobre
a determinação de uma parte da vida social por uma outra
parte ("infra-estrutura" e "superestrutura") e os compartimen­
tos mutiladores a que já aludimos, pcrccbc-sc que é muito
pouco interessante elaborar, para os sistemas ou subsistemas
sociais, classificações análogas às usadas para as espécies
naturais. Sir Edmund Leach zombou recentcmcntc dessa “cole-
d o ru ç io de borboletas”.’ E quanto mais se enfatiza, para além
da simples organização social, os fatos da consciência, as
idéias e os valores, aquilo a que Durkhcim chamava as " repre­
sentações coletivas", mais se procura fazer uma antropologia
abrangente, “compreensiva", c mais difícil fica comparar so-

* M«ry D ouflíi, ~|udg<ments on |»me» Fiaztr". Paedatm. outono àt


W 8 tp p . IM 164), p. 161.
t'dmund Leach, Aer/rinAín* Anthropology, Londres. Athlone Ptm.
IW I . p. J .
O IndniduuUsmo 17

ciedades diferentes.' Acrescentemos que aquelas poucas teoria*


de que dispomos — se o termo não 6 ambicioso demais —
aplicam-se, quando muito, a um tipo de sociedade, a uma re­
gião do mundo, a uma "área cultural"; elas permanecem cm
"um baixo nível de abstração”, o que se deplora. Mas se existe
ai uma servidão, também encontramos aí a marca da eminente
dignidade da antropologia: as espécies sociais de homens cm
questão impõem-se-lhe cm sua infinita c irredutível complexi­
dade, digamos, como irmãos c não como objetos.
Com efeito, o título que dei ã minha apresentação sumária
de Mauss permanece atual. Somos "uma ciência cm devenir".
O aparelho conceptual de que dispomos está muito longe de
responder às exigências dc uma verdadeira antropologia social.
O progresso consiste cm substituir pouco a pouco, se necessá­
rio um a um, os nossos conceitos por outros mais adequados,
isto é. mais libertos de suas origens modernas e mais capazes
dc abranger os dados que começamos por desfigurar. Essa é
a minha convicção: o quadro conceptual que ainda é o nosso
não só é insuficiente ou rudimentar mas. com freqüência,
também é enganador, mentiroso. O que a antropologia possui
dc mais precioso são as descrições e análises dc uma determi­
nada sociedade, as monografias. Entre essas monografias, a
comparação é, na grande maioria dos casos, muito difícil. Fe­
lizmente. cada uma delas já contém, cm maior ou menor grau,
uma comparação — uma comparação dc ordem fundamental
entre “eles” e "nós", os que falamos deles — e modifica, cm
medida variável, o nosso quadro conceptuol. Essa comparação
é radical, porquanto emprega as concepções do próprio obser­
vador c. cm minha opinião, ela comanda todo o resto. Desse
ponto de vista, a nossa maneira de nos concebermos não é.
evidentemente, indiferente. Donde resulta que um estudo com­
parativo da ideologia moderna não é um hors-d'oeuvre para a
antropologia.
Para sermos completos, cumpre acrescentar ao que pre­
cede, c que deriva diretamente dc Mauss, um elemento ou
princípio que surgiu no decorrer da investigação e. combinado

• Sobrei este ponto, ver o que ditemos iso capitulo VII sobre ■ tenta­
tiva de Clyde KlucMtohn c seu crupo.
18

com o s p re ce d en te s, p e rm itiu o *cu d esenvolvim ento. Se *e


c o n sid e ra os sistem as d e id éia s e v a lo re s, pode-se v e r os dife­
re n te s tip o s d e sociedades c o m o re p re se n ta n te s de o u tras tantas
o p ç õ es d ife re n te s, e n tre to d a s as a lte rn a tiv a s possíveis. Mas tal
m o d o d e v e r n ã o b a sta p a ra c o n so lid a r a com paração, para
fo rm alizá-la, p o r p o u c o q u e seja. P a ra ta n to , cum pre levar em
c o n ta , c m c a d a sociedade o u c u ltu ra , a im p o rtâ n cia relativa dos
níveis d e e x p eriên c ia c d e pe n sa m e n to q u e ela reconhece, ou
se ja, u s a r o s valores m ais sistem aticam en te d o que tem údo
fe ito , d e um m odo geral, a té ag o ra. C om e feito , o nosso sis­
tem a d c valo res d e te rm in a toda a nossa paisagem m ental. Veja­
m os o e x em p lo m ais sim ples. S uponha-se q u e a nossa sociedade
e a sociedade ob serv ad a ap resen tam am bas, cm seus respecti­
vos sistem as dc idéias, os m esm os elem entos A e B. Basta que
u m a su b o rd in e A a B e a o u tra B a A p a ra q u e resultem dife­
re n ça s consideráveis cm todas as concepções. P or outras pala­
v ra s. a hierarquia in te rn a d a c u ltu ra é essencial p a ra a com­
p a raç ão *
S ub lin h em o s com clareza a e streita união, a unidade desae
p rin c ip io com os precedentes: a ce n to sobre a diferença, isso
é . so b re a especificidade de c a d a caso: e n tre as diferenças,
a c e n to sobre a diferen ça e n tre " e le s " e “ nõs” e . portanto, entre
m o d ern o e não-m oderno, com o epistem ológicam ente funda­
m en ta l: e n fim , a ce n to n o in te rio r d e toda c q u alq u er cultura
so b re o s níveis h iera rq u izados q u e cada um a a presents, ou
seja, ênfase so b re o s valores com o essenciais para a diferença
c p a ra a com paração: tu d o isso perm anece. Ê verdade que. de
fa to , f d o c am p o in d ian o , ao q u a l se aplicava a m inha inves-
tigação, q u e m c levou, d c certo m odo. a rcd csc o b n r a hierar­
q u ia . m as é ev id e n te, em retro sp ecto , q u e estava aí um d em en ­
to necessário a o a p ro fu n d a m en to d a com paração. I)iga-*e de
passagem , e is a ra zã o p o r q u e u m a m onografia, o estudo de
um a ú n ica sociedade, c o n trib u i p a ra o q u a d ro teórico geral
C reio q u e a in tro d u ç ão d a h iera rq u ia perm ite desensolver a
in sp iraç ão fu n d a m e n ta l d e M areei M auss. A fu u l de contas,
cia p arece te r cruelm ente fa lta d o aos d u rk h e im ian o v Por in­
côm oda q u e e la possa p a rec er, p o r b a lb u cían te que sei* ainda.

* Para um a ivttla dc tal comparaçSo.


a U H . | 1IS
14

Ulvcc, quando por ntltn descrita, i Imliípcnsãvcl porque res-


liltik umn dimensão impórtente e negligenciada do dedo.
Se nssim t . por <|U0 apúrete. pctguntar-sc-ã, tio tardía­
mente? I'ttt primeiro lugar. cssc» estudo» »Ao tBo difíceis e
complexos que jamai» v io muito além de seus priraórdios.
como aludimos nclma l'm seguida. n hierarquia é preci«ámen­
te o óblelo dc urna aversão profunda cm nossas sociedades.
Finalmente. *e t a comparação, n discordância entre du*s hie­
rarquia» diferente*, que im píe. por si só. o reconhecimento do
principio hierárquico, ohiervasc. por urna parte, que entra
muito de implícito n ew * «i»trma* de representação: e. por
outra, que o nosso próprio implícito nos i relativamente trans­
parente. de modo que não é inútil para o esclarecimento do
tocio que nót figuremos em um do* dois pólo» da comparação.
f. e«*c. talvez, o ponto mai* importante: reencontramos af o
que designamos por comparação radical, na qua! nds próprio*
lomo* parte.

O» doi* ensaio* com que *c conclui este volume e»pUd-


lam e articulam a concepção da antropologia que acabamos
de resumir. São recente», porquanto não poderiam vir a lume
enquanto o estudo da ideologia moderna não tivesse recebido
um desenvolvimento suficiente. O primeiro. "A Comunidade
Antropológica e a Ideologia” (cap Vil, estava inicialmente
reservado, cm meu espirito, para mo Interno da profissão: ele
procura extrair as conseqüências da orientação teórica a res­
peito do estado atual da disciplina c de seu lugar no mundo
hodierno, c constitui, oo mesmo tempo, um esforço dc apro­
fundamento da perspectiva maussiana. A este último título,
tem distintamente seu lugar neste livro.
O último ensaio (cap. VII) nasceu da oportunidade de
oferecer uma idéia dn hierarquia numa linguagem mais habi­
tual para o* antropólogo», a linguagem dos "valores” Ao abor­
dar frontalmente o contraste entre moderno e nao-modemo.
ele propõe, em suma. o esquema dc uma antropologia da mo­
dernidade. Como tal, pode servir dc conclusão para cita coletâ­
nea. ficando entendido que a própria pesquisa só admite, neste
estágio, uma conclusão proviiória.

Sem dúvida, após as considerações procedentes, comprcen


de-se que. se a antropologia for concebida como fizemos aqui.
Introdução

as sdéias e o* valore* que nos são familiarea como moderno*


c io the «¿o estranhos mas, muito pelo contrário, entram em
soa composição. Todo o progresso que m possa fazer no co-
nheoraento dessas idéias e valores será um avanço da antro­
pologia. não só quanto ao seu objeto mas também era seu fuo-
cicoamcnto c cm seu quadro teórico. A tese complementar,
qoe falta demonstrar ou, pelo menos, defender, é que, inver­
samente. uma perspectiva antropológica pode permitir-no* co­
nhecer melhor o sistema moderno de idéias e valore*, sobre
0 qual acreditamos saber tudo pelo simples fato de ser nele
que pen-amo* e vivemos. Ela uma pretensão aparentemente
ambiciosa demais e que, no entanto, devo cmpenhar-mc cm
justificar, com a ajuda dos quatro ensaios que se seguem
(caps MV).
Dou o nome de ideologia a um sistema de Idéias c valores
que tem curso num dado meio social. Chamo ideologia moder­
na ao sistema de idéias c valores característico das sociedades
modernas. (A fórmula difere da precedente; reverteremos a
este ponto na conclusão desta Introdução.)
Em primeiro lugar, a perspectiva antropológica ou com­
parativa tem uma inestimável vantagem, a qual consiste em
permitir-no* ver a cultura moderna em sua unidade. Enquanto
ptnníncctftDOf no interior dessa cultura, parecemos condena­
dos simultaneamente por tua riqueza e por sua forma própria
a fragmentáis de acordo com o traçado dc nossas disciplinas
« especialidades, e a situar-nos cm um ou outro dc seus com­
partimentos <cf. cap. VII). A aquisição de um ângulo de visão
«Menor. a colbcaçào em perspectiva — e talvez só ela — per­
mite urna visão global que não seja arbitrária. Ai está o
esaencú!.
O caminho está aberto desde 1964. No ponto de partida,
ona conceptual da investigação foi fornecida, muito natu-
e-.te, pela inversão do enfoque metodológico que tinha
necessário para a compreensão sociológica da India A
sc dos dados indianos exigira que not emancipássemos de
m representações individualistas a fim de apreender os
e, em úilima análise, a sociedade conso um todo."
ponto dc vista, podc-sc opor a sociedade moderna is

• U indtennr tf . ty> eit.. td de 1*7». p. 3*.


O Individualismo 21

sociedades náo-tnodcmas. Será c í k o ponto de vista principal,


m « coin precisóes. limitações c complicações notáveis. A ideo­
logia moderna é individualista — sendo o individualismo de­
finido sociologicamente do ponto dc vista dos valore» globais."
Mas trata-se de uma conli&uraçâo. náo de um traço isolado,
por mais importante que seja. O indivíduo como valor tem
atributos — como a igualdade — e implicações ou concomi­
tantes para os quais a comparação sensibilizou o investigador.
Vejamos um exemplo para se apreciar a diferença entre
o discurso ordinário e o discurso sociológico de que estamos
tratando. Alguém opõe ao individualismo o nacionalismo, sem
explicação; sem dúvida, é preciso entender que o nacionalismo
corresponde a um sentimento de grupo que se opõe ao senti­
mento “ individualista". Na realidade, a nação, no sentido pre­
ciso e m oderno do termo, e o nacionalismo — distinto do sim­
ples patriotismo — estão historicamente vinculados ao indivi­
dualismo como valor. A nação é precisamente o tipo de socie­
dade global correspondente ao reino do individualismo como
valor. Não só ela o acompanha historicamente, mas a inter­
dependência entre ambos impõe-se. de sorte que se pode dizer
que a nação é a sociedade global composta de pessoas que se
consideram como indivíduos ( / // / . ap. D. p. 379). E uma série
dc ligações desse género que nos autoriza a designar pela pala­
vra "individualismo” a configuração ideológica moderna.’1 Eis
como a comparação ou. mais exatamente, o movimento dc re­
torno da fndia para nós. fornece o ponto de vista, dc certo
modo a grade conceptual" a aplicar ao dado.
Chie dado? O s textos ou. pelo menos, esaencialmente o»
textos. Por duas razões. Em primeiro lugar, por comodidade:
a nossa civilização é. em grande parte, numa proporção sem
precedentes, uma civilização escrita, e seria inimaginável coli-
gir-se de qualquer outro modo uma massa comparável dc da-

n Nio k quis p**»*r aqui em revista os diferente* termos atiIludo*,


o* quais tio definidos no decorrer dos ensaios. Para comodidade do
leitor, reagrupamos suas definições n u a léxico colocado oo final deste
volume
u O falo de eu ter adotado como titulo, pela comodidade da antítese
com a sociedade hierárquica. Homo orquotis. alo deve ser interpretado
como assinalando uma prepoadertncU da igualdade em relaclo ao indi­
vidual i«mo A igualdade * aqui um atributo do indivíduo.
“ Ve» o léxico.
23 /«/»***•

dot E também porque o dimensão hiitôrica é essencial; •


xnflguraçáo individualista dc idéias c valores que nos é fami­
liar náo existiu sempre nem apareceu de um día para o outro.
Fex-se remontar a origem do •'individualismo" a uma época
s a is ou menos remota, segundo, sem dávida, a idéia que dele
se fama e a definição que se lhe dava. Se refletirmos bem,
deve-se poder, numa perspectiva histórica, desvendar a gênese
da configuração em questão em suas principais articulaçdet
De fato. basta para isso um trabalho ao mesmo tempo amplo
e preciso que. por urna parte, recolha oa melhores frutos das
divenas disciplinas e. por outra, não tenha um respeito supers-
ticioso pelos compartimentos disciplinares. Considere-se ape­
nas. por exemplo, que os tratados de Locke considerados polí­
ticos contém a ata dc batismo da propriedade privada; e que
a filosofia "poHtica" de Hcgel dá a forma do Estado k eomu-
r ã ia it. oposta à simples sociedade (civil).
Pode-se fazer a tal empreendimento toda • espécie de
objeçdes. Pode-se objetar, antes dc tudo, com a imensidade
do campo e a complexidade do objeto de estudo. Gostaria de
fazer neste ponto uma advertência a fim de afastar maUmav-
didos. Reconhecemos que o empreendimento nada tem dc
fácil; ele exige muito cuidado, muito rigor e numerosas pre-
caoçfies, e, por via dc conseqüência, também exigirá moho
k ao leitor, a quem náo se poderá fornecer a exposiçáo continua
e sem lacunas, o vasto quadro dc conjunto que o enunciado
da tarefa parece promctcr-lhc. Reconhecemos até que. em ioda
a sua extensão, a tarefa é desproporcional ks forças do inves-
bgader que a iniciou.
Admitimos tudo isso mas p r a logo acrescentar que. on
nossa opinião, os resultados obtidos até agora já justificam a
iniciativa e desmentem a objeção radical que a declara impos­
sível. em princípio. Consideremos, por um instante, esta obje­
ção-. nega-te a possibilidade dc apreender, na prática, um objeto
tio complexo e tio vago quanto uma configuraçá-j de idém
c valores como aquela que visamos, a qual. no fim de contas,
cio existe realmente e só pode ser uma c o m tru çio do espirito.
À w m como náo há espírito de um povo. dir-se i . tampouco
pode haver, acima de todas as diferenças entre indivíduos,
«cios sodaia, épocas, escolas de pensam ento, línguas d.ferro-
* « e cultural nacionais distintas, um a configuração conr.-a
de idéiaa c valores Contudo, a experiência nos cm ina. ca
O Indi vidualitmo
U

certa medida, o contrário, vi»to que. de urna pane, existiu e


existe continuidade histórica c intercomunicado, c, de outra,
conforme já foi corroborado por Mauss e, sobretudo, por Pi>
lanyi, a civilização moderna difere radicalmente das outrai
civilizações c culturas. Mas. precisamente, o nominalismo, que
confere realidade aos individuos c não às relações, aos elemen­
tos e não aos conjuntos, é muito forte entre nós. Em última
instância, nada mais é do que um outro nome do individua­
lismo ou, melhor dito, de uma de suas faces. Propõe-se, cm
suma, analisá-lo, e ele recusa-se a ser analisado: nesse «mido,
a oposição chega a um impasse. Só quer conhecer foâo, Pedro
e Paulo, mas |oão. Pedro c Paulo só são homens cm virtude
das relações que existem entre eles. Voltemos ao assunto de
que nos ocupávamos: num texto dado, de um dado autor,
existem idéias que têm entre si certas relações e, sem essas
relações, elas não seriara nada. Essas relações constituem, em
cada caso, uma configuração. Essas configurações variam de
um texto, de um autor, de um meio a um outro, mas não
variam dc todo cm todo c podemos esforçar-nos por ver o que
elas têm cm comum em cada nivel de generalização.
Dc um modo geral, é falacioso, cm ciência social, preten­
der, como se tem feito, que os detalhes, elementos ou indivi­
duos são mais acessíveis à compreensão de que oa conjuntos.
Vejamos, pois, corno pensamos poder apreender objeto* tão
complexos quanto as configurações globais dc Idéias e valore*.
Podemos apreendê-los cm contraste com outros c somente sob
cotos aspectos. Em contraste com outros: a índia C. de um
modo menos preciso, as sociedades tradicionais em geral, são
a tela de fundo sobre a qual a inovação moderna se destaca.
Somente sob certos aspectos: ai cvti. portanto, objctar-sc-í,
onde o arbitrário se reintroduz. Nada disso. Afirmamos.mais
acima que as idéias ou categorias de pensamento específica­
mente modernas aplicavam-»* mal às outras sociedades Por­
tanto. 6 interessante estudar o nascimento e o lugar ou função
dessas categorias. Por exemplo, constata-se o surgimento no*
modernos da categoria económica. E possível acompanhar tua
gênese, que foi o objeto do livro já citado (Homo ae*¡uaUs I).
O trabalho consiste cm realizar o inventário mais completo
possível das relações que essa categoria mantém com os ou­
tro» elementos da configuração global (o individuo, a política,
a moralidade), em apurar como cia te diferencia c. finalmente.
24 t m n àuçêu

que papel essa categoria desempenha na configuração global.


Vcrificar-sc-á que a configuração é constituída de ligações ne­
cessárias t que a concepção econômica é a expressão acabada
do individualismo. £ possível que, nessa pesquisa das rela­
ções. tenhamos apenas visto parte delas e que outras nos te­
nham escapado. Isso teria ocorrido involuntariam ente c não
porque tivéssemos rejeitado deliberadam ente averiguar a even­
tual existência de outras relações. Pelo m enos, aquelas que
revelamos e elucidamos são razoavelmente certas.
Há. no que precede, um aparente paradoxo: uma consi­
deração que pretende ser global confcssa-se incompleta e, por­
tanto, parcial; todo o discurso 6, com efeito, parcial, corno
quer o nominalista, mas pode ter em vista o conjunto, como
aqui. ou não. O nosso discurso talvez seja, a m aior parte do
tempo, Incompleto, mas refere-se a um objeto global dado. £ o
inverso de um discurso que se considerasse completo mas se
referisse tão-só a objetos arbitrariam ente postulados, ou esco­
lhidos.'* Isto deve fazer ver que seria errado concluir, com
base na amplitude do objeto visado no presente estudo, que
o investigador está possuído de uma ambição desmedida. A
ambição mantém-se. no fim de contas, dentro dos limites do
descritivo, submetida ao dado. Sc em alguma parte existe
hybris não será ccrtnmcntc aí mas, antes, na pretensão de
outros autores em construírem um sistema fechado ou ainda
cm só atribuírem um sentido á realidade através de sua crítica.
Cumpre dizer algumas palavra» sobre os procedimentos
adotados, a fim de evitar o erro e assegurar o rigor da inves­
tigação. £ verdade que se está longe de uma investigação an­
tropológica stricio sensu mas. no entanto, procurou-se conser­
var alguma coisa das virtudes da antropologia. Também é ver­
dade que se adota como objetos de estudo textos e n io homens
e que, por conseqüência, não se está em condições dc
o aspecto consciente pelo aspecto observado de fora,
pelo "comportamento". Neste sentido, o trobalho
antropológica ou sociologicamente incompleto, e
a tal respeito (/M E / . pp. 36-38). observando que

de um ensaio aqui «imprest© (cap I). Roland Ro­


que eu reipondrue • toda» •> questões iiscluido* o» *>
Mm Weber IRtU&m. 12. I W , pp Mas » p testt"
u n e voluntarismcnic i margem do paradigma webertsno.
O Individualismo n

« m dimensão ausente foi, de cetlo modo, substituida pela


introdução sistemática da dimensão comparativa. Num outro
plano, a antropologia caracteriza se pela conjunção da atenção
dedicada aos conjuntos e da preocupação meticulosa com o
detalhe, com todos os detalhes. Daí a preferencia pelo estudo
monográfico, intensivo, de conjuntos de dimensões reduzidas,
c a exclusão rigorosa de toda a intrusão ou pressuposição, de
todo o recurso k idéia preconcebida, ao vocábulo demasiado
cómodo, ao resumo aproximativo, á paráfrase pessoal. Ora. a
história das idéias é, evidentemente, um campo privilegiado
para todos esses procedimentos, dos quais fica difícil prescin­
dir, e que ameaçam encobrir os problemas na medida cm que
fazcm prevalecer as concepções próprias do autor. Portanto,
recorre r-seá o mais possível á monografia, seja. por exemplo,
na obra citada, o capítulo sobre a Fábula das Abelhas de
Mandevillc. ou o estudo, palavra por palavra, de passagens
de Adam Smith sobre o valor-trabalho. Esse recurso nem sem­
pre é possível, ou suficiente: cm tais casos, teremos de nos
contentar com um meio-termo. Não se podendo dispensar por
completo os resumos, cuidar-se-á. pelo menos, de lhes controlar
rigorosamente a redação. O leilor menos atento talvez se aper­
ceba apenas de urna parte dessas precauções, os quais serão
reveladas, entretanto, por uma leitura cuidadosa ou um estudo
especial. Em todo o caso, está ai o suficiente para fazer com­
preender ao leitor por que só em certa medida se lhe pode
aplanar o caminho, e por que se deve, na maioria das vezes,
evitar os atalhos fáceis que cie poderia esperar para encurtar
caminho.
Rcsta-me apresentar sucintamente os quatro estudos que
se seguem (caps. MV). Quanto k forma, o leitor poderia, sem
dúvida nenhuma, desejar coisa melhor. Ele lem ã sua frente
uma série de estudos descontínuos, dc datas diversas, cada um
dos quais, no original, devia ser auto-suficiente: daí resultam
algumas repetições, sobretudo quanto às definições de base
Modificaram-sc c eomplctaram-se os títulos, a fim de melhor
assinalar o lugar de cada ensaio no conjunto, mas abitivemo-
nos de alterar os textos (salvo, cventualmcnte. quando assina­
lado cm nota). Por incapacidade pata proceder dc outro modo,
ma* também por principio. Cada um desse» ensaios, com efei­
to, condensa um trabalho extenso: o conjunto é o precipitado.
Introducto

nu a ala final, da Investigação e. ao reproduzi-lo ipsís vtrbl»


o autor aflrma-M o seu responsável exclusivo. As próprias
irpcllçõea talvez nk> sejam inúteis: concepções e definições
jm ko familiares ganham cm ser recordadas cada vez que
utilizadas.
Oiwnlo ao fundo, situemos agora esses estudos no con­
junto da investigação que realizamos e que prossegue. Desde
0 começo, procurei pór è prova o método cm vários planos,
segundo várias direções. Temos, em primeiro lugar, o quadro
global, ou seja, a visão comparativa, antropológica, da moder­
nidade, a pcrapcctivação hierárquica da ideologia moderna, fi
r»»e o objeto de estudo, como se disse, do capítulo VII. Iro-
punha v . rm seguida, um primeiro eixo de pesquisa. O eixo
cronológico: era preciso acompanhar na história a gênese c o
<1-'envolvimento da ideologia moderna. Nesse plano, dispõe-
se hoje de tré» estudo», dois dos quais figuram neste livro.
Refercnne a periodos históricos diferentes ■ — não sem certa
sobreposição — c mais ainda a aspectos distintos da ideologia.
0 primeiro estuda a Igreja dos primeiros séculos, com uma
extrapolação sobre a Reforma, c mostra como o indivíduo
crisláo, estranho ao mundo na origem, vê-se progressivamente
envolvido, de um modo cada vez mais profundo: esse é o pri­
meiro capítulo. O segundo estudo mostra o progresso do indi­
vidualismo, a partir do século XIII, através da cmancipoçfio
de uma categoria — a i<olltica — c do nascimento dc uma
Imtituiçáo — o Estado, t. o segundo capítulo. (E também o
primeiro em data desses estudos, daí sua apresentação muito
geral e um aspecto algo arcaico cm rclaçfio aos desenvolvimen­
tos recentes.) Finalmente, um terceiro trabalho descreve, a par­
tir do século XVII, a emancipação da categoria econômico,
a i|iml representa, por sua vez. cm relação à religião e à poli­
tic a, h Igreja c oo Estado, um progresso do individualismo
1 " trabalho adquiriu a dimensão dc um livro. Gcnèse ei f.pa-
nouhtemrnl tie I'idM ogie iconom ique <HAF. /). c não pode,
portanto, figurar aqui. Eis, em suma, não uma gênese comple­
ta. por « r io , mas pelo menos tn h aspectos principais da gê­
nese da ideologia moderna.
Um segundo eixo dc pesquisa íoi escolhido desde logo:
a comparação entre culturas nacionais na Europa. Com efeito.
• Maologla moderna reveste-se de formas notavelmente dife-
O InJivUualUmo V

rentes ñas diferentes línguas ou nações, mais exatamente nas


diversas subcultures que correspondem mais ou menos a essas
línguas c a essas nações. Tomando cada uma dessas ideologias
mais ou menos nacionais como uma variante da ideologia mo­
derna. devia ser possível, e isso pela primeira vez. propor o
começo dc uma comparação sistemática c . portanto, de uma
verdadeira intcrcomprcensáo entre essas variantes — seja a
francesa, a alem ã, a inglesa — as quais permanecem até agora
relativamente opacas umas às outros. Na prática, o trabalho
incidiu principalm ente sobre a variante alemã comparada —
de um m odo mais ou menos explícito — com a francesa. Al
se encontrará somente um artigo sobre "O Volk e a nação cm
Herder e Fichte" (cap. III). E breve mas o tema 6 absoluta­
mente central para a filosofia social do idealismo alemão e.
por outro lado, trata-se dc uma etapa importante na consti­
tuição da idéia moderna de nação. Com efeito, a pesquisa de
conjunto está bastante avançada c espero poder fornecer em
breve outros resultados; mas não resisti à tentação de apresen­
tar aqui (cap. IV) alguns pontos dc vista inéditos, a propósito
do hitlerismo.
Resta um terceiro eixo de pesquisa ou. melhor dtzendo.
uma terceira perspectiva que é, cm grande medida, a resul­
tante das duas precedentes. 0 que acontece h ideologia mo­
derna, uma vez aplicada na prática? A visão comparativa da
ideologia permitirá elucidar 01 problemas apresentados pela
história política dos dois últimos séculos c. em particular, o
totalitarismo, definido como uma enfermidade da sociedade
moderno? O cap. IV 6 uma contribuição para o estudo do
nacionalismo. Situa-se. por uma parte, no plano geral ou Inter-
cultural do m undo contemporâneo; dc outra, no plano da ideo­
logia alemã, cuja crise histórica ele explorou. Estuda-se o lugar
do racismo anti-semita no conjunto das representações que o
próprio Hitler dá como suas cm seu livro Minha Lula.
Sobre esse ponto, particularmente sensível, do totalitaris­
mo. gostaria de acrescentar algumas palavras. Num extenso
artigo consagrado, era grande parte, a uma análise deveras be­
nevolente e penetrante de H A E I, Vincent Descombes abordou
a relação entre a sociologia de Durfcheim. de Mauss c o tota-
tmredufU

lilarismo." Elo pergunto-te que relação haverá entre o hohsmo


de Durkbcim e de k u i discípulo» e o totalitarismo. Nao teri
Duikhcim, ao detejar para a» no»tai sociedade* "hora* de cícr-
vcKincla criadora", cm 1912, Idealizado tera querer o nazis-
mo vindouro, e Mauss nao conícuou teu embaraço dianu do
acontecimento (op. cil.. pp. 102V I026)7 Mí mai*: ücacoat-
be» parece sugerir. em última anílitc, que eu reproduzo, por
minha vez. o "infortúnio'* de Duriheim, a "catástrofe da esto-
la durkhcimiana" perante o totalitarismo O rí, i grande a di*-
tincia entre • definição do totaliuriimo como contraditório
que cu dou c que a critica cita (p. 1026) e o ponto de vit u
comum de um limpie* retorno I comunhão primitiva ou me­
dieval. que Mautt retomou por tua vez. Parece. porUnto, haver
ai desatenção Acontece que, num pooto precito e fundamental,
cu assinalava a superação da* formulações durkheimianai
logo no começo de ////, distinguindo o t dois temido» da pa­
lavra individuo (o homcm particular empírico c o homem
como portador de valor).'* eu mostrava numa oo u (5.*), com
ba»c no ejemplo de uma pastagem do próprio Maus», a neces-
sidade da distinção. Ora, urna vez estabelecida esta distinção.
i Impottivcl a confusão que Dcscombct censura no» durkhei
mianoi Poi ao que a crítica não prestou suficiente atenção.
£ certo que Durkhcim viu, de lato, o individualismo como
.¡al." ma» não o descreveu de modo indelével em seo
rio, não acentuou suficientemente a distância que este
valor abre entre o» moderno* e os outro*." e só foi por imo
que cie pôde. ocasionalmente, na passagem de F orm a tUmen-
la rri que Descorobes sublinha, imaginar para o* moderno*
uma "efervescência" comunitária á maneira da» tribo» aus­
tralianas
O mesmo já não ocorre quando se dittinguem o* dois
sentido* de “ individuo" e quando se coloca nesta bote a In­
compatibilidade entre Individualismo e holismo (UH. ( V*)}
todo o retorno pretendido ao holismo, no plano da nação mo-

" *••• Muda ItA puMirado «m Crl/Jv"-’ W. no**mitro At 1ST1. r t


W to r i. *ub mu Ututo .attptrado "four rite on f t aaçai*
" « n o l . w d » rotom., a Matea. • v m . yU U *
u l i . ***” • , **M . r.nroih tv.». i u i . f » » « ••
dM IaU â <iiM vlmra M « a lu u M a . P»»
* á» M lw |M(» rotasfl
O / n d iv id u a iitm o

d e m a , a p a r e c e d e im e d ia to c o m o u m e m p re e n d im e n to d e m e n ­
t i r a e o p re s s ã o , c o n a z ism o d e n u n c ia se c o n to um a m ascarada.
O in d iv id u a lis m o é o v a lo r fu n d a m e n ta l d a s socied ad es m o ­
d e r n a s . H i t le r n ã o lh e e sc a p a m ais d o q u e q u a lq u e r o u tr o e o
e n s a io q u e lh e d i z re s p e ito ne ste liv ro te n ta , p re cita m en te ,
m o s tr a r q u e u m in d iv id u a lis m o p ro fu n d o e stá su b e n te n d id o cm
s u a ra c io n a liz a ç ã o ra c is ta d o anti-sem itism o.

C o m e f e ito , o to ta lita ris m o e x p rim e , d e m an eira d ra m i*


tic a , a lg o q u e se e n c o n tra se m p re de novo n o m u n d o co n tem
p o râ n c o , a s a b e r, q u e o in d iv id u a lism o é . p o r um a p a rte , on l
p o te n te e . p o r o u tr a , p e rp e tu a c irrem ed iav elm en te perseguido
p o r se u c o n tr á r io .
E is u m a fo rm u la ç ã o m u ito v ag a c , n o p lan o geral, é difícil
se r m a is p re c iso . E , n ã o o b sta n te , n o estágio a tu a l d a p esq u isa,
e ssa c o e x istê n c ia , n a id eo lo g ia d o nosso tem po, d o in d iv id u a
lis m o e d e s e u o p o s to im pO c-sc com m ais força q u e nunca
E n e sse s e n tid o q u e . se a c o n fig u ra ç ã o in d iv id u alista de idéias
c v a lo re s é c a ra c te rística d a m o d ern id ad e , n ã o lh e é cocx-
te n siv a .
D o n d e p ro v ê m , n a ideologia c . m ais (im píam ente, n a so­
c ie d a d e c o n te m p o râ n e a , o s e le m en to s, aspectos o u fato res não
in d iv id u a lis ta s ? E s tã o v in cu la d o s, e m prim eiro lugar, á p e rm a ­
n ê n c ia . o u ‘'s o b re v iv ê n c ia " de elem en to s pré m odernos c m ais
o u m en o s g e ra is — c o m o a fam ilia. M as tam bém têm a ver
com o f a to d e q u e o p ró p rio e m p re g o d o s v alores in d iv id u a ­
lis ta s d e se n c a d e o u u m a d ia lé tic a com plexa q u e teve p o r resul­
ta d o . n o s m a is d iv e rs o s d o m in io s, e p a ra alguns desde fins
d o s é c u lo X V I I I e c o m c ç o s d o X IX . com binações c m q u e eles
se m is tu ra m s u tilm e n te c o m seu s opostos.**
A q u e s tã o é re la tiv a m e n te sim ples — c . graças a Karl
P o lan y i, c la r a — c m m a té ria e conóm ico-social, o nde a aplica­
ç ã o d o p rin c íp io in d iv id u a lis ta , o " lib e ra lis m o " , o b rig o u â In­
tro d u ç ã o d e m e d id a s d e sa lv a g u a rd a social c re d u n d o u , fin al­
m en te , n o q u e s e p o d e c h a m a r o "p ó s-lib era U im o " c o n ta n
p o rân co .
U m p ro c e ss o m a is c o m p le x o , m u ito im p o rta n te m as só ti­
m id a m e n te d e te c ta d o a té a g o ra , vam o s e n c o n tra r n o dom ínio

** A hordel c»»« p o n to a propósito das idéias aconósnkas. no finai do


meu prefácio p ara La G rand* T ra n tform al ion, op d l
JO Introdujo

das culturas c resulta, em suma, na sua interação. As idéias


e os valores individualistas da cultura dominante, k medida
que se propagam através do mundo, sofrem (ocalmente modifi­
cações que dão origem a novas formas. Ora, c está af o ponto
inapcrcebido. essas formas modificadas ou novas podem pas­
sar, por sua vez, para a cultura dominante e ncla figurar como
elementos modernos de pleno direito. A aculturação à moder­
nidade de cada cultura particular pode, assim, deixar um pre­
cipitado duradouro no patrimônio da modernidade universal.
Além disso. o processo é. por vezes, cumulativo, no sentido de
que esse mesmo precipitado pode, por sua vez. ser transfor­
mado numa aculturação subseqüente.
Não se imagina por isso que. através dessas adaptações,
a ideologia moderna dilui-se ou debilita se. Muito pelo con­
trário, o fato notável, e preocupante, é que a combinação de
elementos heterogéneos, a absorção pelo individualismo de ele­
mentos estranhos c mais ou menos opostos, tem por resultado
uma intensificação, um rccrudcscimcnto em potência ideoló­
gica. das representações correspondentes. Estamos aqui no ter­
reno do totalitarismo, combinação involuntária, inconsciente,
hipertensa, do individualismo e do holismo.
Aliás, foi a propósito do breve estudo sobre Hitler que
introduzi esta digressão, que é também uma conclusão. O mun­
do ideológico contemporâneo é tecido da interação de culturas
auc teve lugar desde, pelo menos, o final do século XVIII.
é feito das ações c reações do individualismo c de seu contrá­
rio. Nio é este o lugar para desenvolver esse ponto de vista
e é muito prematuro Íazi-Jo; ele é somente o resultado geral
da pesquisa empreendida até agora ou, melhor dizendo, a
perspectiva sobre a qual ela se debruça, como uma nova ver­
tente a explorar. Isso é acompanhado de um deslizamento do
ponto de vista em relação ao inicio desta pesquisa, c até. no
plano do vocabulário, de um certo embaraço, o preço pago
pelo caminho percorrido. Para começar, procurou-se isolar o
que é carocterluico da modernidade, cm oposição ao que •
precedeu e ao que com d a coexiste, c descrever a gênese desse
algo a que chamamos aqui individualismo. Durante essa etapa,
houve a tendência acentuada para identificar individualismo
e modernidade. O fato maciço que ora se impõe é que existe
no mundo contemporâneo, mesmo cm sua parte -avançada”,
“ desenvolvida" ou "moderna" por excelência, e até no plano
O Individualivno 51

táo-somente dos sistemas de idéias e valores, no plano ideoló­


gico, alguma outra coisa que nada tem a ver com o que se
definiu diferencialmente como moderno. E bem mais do que
isso: descobrimos que numerosas idéias-valores que se aceita­
vam como intensamente modernas sáo. na realidade, o resul­
tado de uma história em cu jo transcurso modernidade e não-
modemidade ou. mais exatamente. as idéias-valores individua­
listas e suas contrárias. corobinaram-te intimamente.
Podcr se-ia assim falar de "pós-modemidade" para o mun­
do contemporáneo, mas a tarefa consiste muito mais cm anali­
sar essas representações mais ou menos híbridas, cm acompa­
nhar no concreto as interações desde o instante cm que nasce­
ram e seu destino ulterior, em suma. cm estudar a história e
a ideologia dos dois últimos séculos numa perspectiva inter-
cultural.
1- SOBRE A IDEOLOGIA
MODERNA
I
GÊNESE. I

Do Individuo-fora-do-Mundo
ao Individuo-no-Mundo*

Este e stu d o compõe-se de duas partes. A parte p rincipal trata


dos prim eiros séculos do cristianism o. Af se vislum bram as
p rim eiras e ta p as de um a evolução. Um com plem ento o u epí­
logo m ostra, a longo p n z o . a culm inância dessa evolução em
C al vi no.**

Os primórdios cristãos do individualismo


N os últim os dccénios. o individualism o m oderno apresentou-se
cada vez m ais, a alguns dentre nós, como um fenóm eno ex cep ­
cional na história das civilizações. Mas. se a idéia d o indi­
viduo é tão idiossincrásica quanto fundam ental, é necessário

• Publicado em Le Débot. 15. tetem brooutubro de 1981. com o título


“l a gentse ehrétienne de nndividualnm e modeme. une vue modifiéc
de nos origines" (em inglés: Retipon. 12. 1982. p 1-27, ef. a discussão
em tb U . PP. 8V91).
• • A primeira pane i uma versão francesa da Derteke Lecture proferida
na l.ady Margaret Hall, em Oxford, em maio de 1980 (cf. anterior­
mente Annutrire de F feo te Pratique d ei U autei ftu d es. 6.* aceto, para
1975-1974) A hipótese geral foi provocada por um colóquio d a revista
Daedaíut sobre o primeiro milênio antes de J . C .. e devo muito a seut
participantes, principalmente a A nuido Momigliano, Sally Humphreys e
Peter Brown, por tuas críticas c sugestões (cf Oaedatus, primavera de
1975, para uma primeira apresentação da hipóteac. que as críticas con­
tribuíram para modificar e ampliar).
O complemento sobre Calvino foi propoato num seminário sobre
“La cat¿gone de personne" (Oxford. Wolfion College. maio de 1980).
G inn*. I

que te esteja de acordo quanto às suas origens. Para certos


autores, sobretudo nos paites onde o nom inalismo é forte, ela
esteve sempre presente por toda a parte. Para outros, ela surge
com a Renascença, ou com a ascensão da burguesia. Mais
frequentemente, sem dúvida, c de acordo com o tradição, con­
sidera-se que as raízes dessa idéia estão cm no$ia herança
ctissica c judaico-cristi. cm proporções variadas. Para alguns
classicisms. a descoberta na Grécia do "discurso coerente" é
obra de homens que se viam como indivíduos: as névoas do
pensamento confuso tcr-sc-iam dissipado rob o sol de Atenas,
rendendo-se o mito à razio, c o evento m arcaria o início da
história propriamente dita. Há uma verdade, sem dúvida,
nessa afirmaçSo, mas é demasiado estreite, tio estreita que
adquire um ar provinciano no mundo de hoje. £ evidente que
exige, pelo menos, ser modificada. Para começar, o sociólogo
seria propenso a privilegiar mais a religião do que a filosofia,
visto que a religiio age sobre a sociedade inteira e e stí cm
relação imediata com a ação. Assim procedeu Max Weber.
Deixemos de lado, por nossa parte, toda a consideração
de causa c efeito e estudemos somente as configurações de
idéias e valores, as redes ideológicas, a fim de tentar chegar às
relações fundamentais nelas subentendidas. Eis a minha tese.
termos aproximados: algo do individualismo moderno esti
-ntc nos primeiros cristãos c no mundo que os cerca, mas
se trata exatamente do individualismo que nos é familiar,
realidade, a antiga forma c a nova estão separadas por uma
transformação tão radical c tão complexa que foram precisos
nada menos de dezessete séculos de história cristã para com-
plcti-la. c talvez prossiga ainda cm nossos dias. A religião foi
o fermento essencial, primeiro, na generalização da fórmula e.
cm seguida, na sua evolução. Nos nossos limites cronológicos,
o pedigree do individualismo moderno é. por assim dizer,
duplo: uma origem ou aceitação de uma certa espécie, e uma
lenta transformação numa outra espécie. Nos limites deste
m u lo , devo cootcntar-roc cm caracterizar a origem e assinalar
algumas das primeiras etapas da transformação. Oue nos seja
desculpada a forma condensada cm que apresentamos o que se

Para vermos a nema cultura em sua unidade e especifici


em perspectiva, contrastando-a com ou-
assim podemos tomar consciência do
O IndivúJualumo V
que, aliás, deveria te r óbvio: o fundamento familiar e implí­
cito do nosso discurso ordinário. Assim, quando falamos de
"indivíduo", designamos duas coitas ao mesmo tempo: um
objeto fora de nós e um valor. A comparação obriga-nos a
distinguir analíticamente esses dois aspectos: de um lado. o
sujeito empírico que fala, pensa e quer, ou teja, a amostra
individual da espécie humana, tal como a encontramos em to­
das a t sociedades; do outro, o ser moral independente, autô­
nomo e. por conseguinte, essencialmente nio-social, portador
dot nossos valorei tupremos. e que te encontra cm primeiro
lugar cm nossa ideologia moderna do homem e da sociedade.
Dwtc ponto de vista, existem duos espécies dc sociedades.
Quando o Indivíduo constitui o valor supremo, falo dc indi-
vidualísmo; no caso oposto, cm que o valor se encontra na
sociedade como um todo, falo de holiimo.
Grosso modo. o problema das origens do individualismo
está cm saber como, o partir do tipo geral das sociedades bo­
listas, pôde desenvolvcr-tc um novo tipo que contradizia fun­
damentalmente a concepção comum. Como foi possível essa
transição, como podemos conceber uma transição entre esses
dois universos antitéticos, essas duas ideologias inconciliáveis?
A comparação com a índia sugere uma hipótese. Há mais
de dois mil anos, a sociedade indiana caracteriza-se por dois
traços complementarei: a sociedade impõe a cada um uma
interdependência estreita, a qual substitui as relações constran­
gedoras para o indivíduo, tal como o conhecemos; mas, por
outro lado, a instituição da renúncia ao mundo permite a ple­
na independência de quem quer que escolha esse caminho.’
A propósito, esse homem, o renunciante, é responsável por to­
das as inovações religiosas que a India conheceu. Além disso,
vê-se claramente nos textos antigos a origem da instituição,
que é facilmente compreensível: o homem que busca a ver­
dade última abandona a vida social e suas restrições para con­
sagrar-se ao seu progresso c destino próprios. Quando ele
olha para trás dc ti, para o mundo social que abandonou,
vê-o a distância, como algo desprovido dc realidade, e a desco­
berta do eu confunde-se para elo, não com a salvação no sen-

' Cf Dumoot. “La rtnonccmcnt dan» les religions dc finde" (1959).


«m f l H, »p B
JS C iñese. I

lido cristão, mas com a libertação dos entraves da vida, tal


como é vivida neste m undo.
O renunciante basta-se a si mesmo, só se preocupa con­
sigo mesmo. O pensamento dele é sem elhante ao d o individuo
moderno, mas com uma diferença essencial: nós vivemos no
m undo social, ele vive íora deste. Foi por isso que chamei ao
renunciante indiano um "indivíduo-fora-do-m undo". Compara*
tivamentc, nós somos "indivíduos-no-mundo”, individuos mun­
danos; ele é um individuo extram undano. Farei um uso in­
tensivo dessa noção de “ indivíduo-fora-do-m undo", e gostaria
de cham ar a atenção para essa estranha criatura e sua relação
característica com a sociedade. O renunciante pode viver co­
m o eremita solitário ou juntar-se a um grupo de colegas de
renuncia, sob a autoridade de um mestre-renunciantc. repre­
sentando urna determinada "disciplina de libertação". A se­
melhança com os anacoretas ocidentais ou entre mosteiros bu­
distas e cristãos pode chegar muito longe. Por exemplo, as
duas espécies de congregações inventaram, independentemente,
aquilo a que chamamos o voto majoritário.
O que é essencial para nós. é o abismo que separa o re­
nunciante do mundo social e do homem-no-mundo. F.m pri­
meiro lugar, o caminho da libertação somente está aberto a
quem abandona o mundo. O distanciamento em face do mun­
do social é a condição do desenvolvimento espiritual indivi­
dual. A relativizaçõo da vida no mundo resulta ¡mediatamen­
te da renúncia ao mundo. Só os ocidentais puderam cometer
o erro de supor que certas seitas de renunciantes tentaram
m udar a ordem social. A interação com o m undo social assu­
mia outras formas. Em primeiro lugar, o renunciante depende
deste mundo para a sua subsistência e . de hábito, é ele quem
instrui o homem-no-mundo. Historicamente, toda uma dialé­
tica específicamente indiana é deslanchada, a qual teremos de
deixar aqui de lado. Conservemos somente na memória a si­
tuação inicial, tal como é ainda encontrada no budismo. A
não ser que adira i congregação, o leigo recebe apenas os en­
sinamentos de uma ética relativa: que seja generoso para com
os monges e evite as ações demasiado degradantes.
O que para nós é preciso em tudo isso é que o desenvol­
vimento indiano compreende-se facilmente e. na verdade, pa­
rece "natural". A partir dele podemos formular a hipóte*
seguinte: se o individualismo deve aparecer numa sociedade
O Individualismo 39

d o tip o tra d ic io n a l, b o lis ta , será cm o p o s iç ã o à s o c ie d a d e e


c o m o u m a e s p é c ie de s u p le m e n to em re la ç ã o a e la . o u s e ja ,
sob a fo rm a de in d iv íd u o -fo ra -d o -m u n d o . S e rá p o s s iv c l pen­
sar que o in d iv id u a lis m o com eçou d esse m odo no o c id e n te ?
Ê p re c is a m e n te is s o o q u e vou te n ta r m o s tra r; q u a is q u e r q u e
s e ja m a s d if e r e n ç a s n o c o n te ú d o d a s re p re s e n ta ç õ e s , o m esm o
tip o s o c io ló g ic o q u e e n c o n tr a m o s n a ín d ia — o in d iv íd u o - fo ra -
d o -m u n d o — e s tá in e g a v e lm e n te p re s e n te no c ris tia n is m o e
e m to r n o d e le n o c o m e ç o d a n o s s a e r a .

N ão há d ú v id a s s o b re a c o n c e p ç ã o fu n d a m e n ta l do ho­
m e m n a s c id o d o e n s in a m e n to d o C r is to : c o m o d is s e T r o e lts c h ,
0 hom em é um indivlduo*mrelação-com-Deus. o que s ig n ifi­
ca. p a ri n o sso u so . u m in d iv íd u o e s s c n c ia lm c n te ío ra -d o - m u n -
do. A n te s d e d e s e n v o lv e r e s te p o n to , g o s ta ria d e te n ta r u m a
a firm a ç ã o m a is g e r a l. P o d e -s e s u s te n ta r q u e o m u n d o h e le n ís ­
tic o e s ta v a , n o q u e ta n g e à s p e s s o a s in s tr u íd a s , tã o im p r e g n a ­
d o d essa m esm a concepção q u e o c ris tia n is m o não te ria po­
d id o tr iu n f a r , a lo n g o p r a z o , n e s s e m e io , s e tiv e s s e o f e r e c id o
u m in d iv id u a lis m o d e tip o d ife re n te . E is u m a te s e m u ito fo r te
q u e p a re c e , à p rim e ira v is ta , c o n tra d iz e r c o n c e p ç õ e s b e m e s ta ­
b e le c id a s . Na v e rd a d e, nada m a is fa z do que m o d ific á -la s c
p e rm ite r e u n ir m e lh o r d o q u e a c o n c e p ç ã o c o r r e n te n u m e ro s o s
d a d o s d is p e r s o s . A d m ite -s e c o m u m e n te q u e a tr a n s iç ã o n o p e n ­
s a m e n to filo só fic o d e P la tã o e A ris tó te le s p a r a a s n o v a s e s c o ­
la s do p e río d o h e le n ís tic o m o s tra um a d e s c o n tin u id a d e {"a
treat gap'*) — o s u r g im e n to s ú b ito d o in d iv id u a lis m o . E n q u a n ­
t o q u e a polis e r a c o n s id e r a d a a u to - s u f ic ie n te e m P la tã o e A ris ­
tó te le s . p r e s u m e - s e a g o r a ser o in d iv íd u o q u e m se b a s ta a si
m esm o (ibid., p. 1 2 5 ). E s s e in d iv íd u o é . o r a s u p o s to c o m o u m
fa to , o r a a p re s e n ta d o c o m o um id e a l p o r c p ic u ris ta s , c ín ic o s
c e s tó ic o s in d is tin ta m e n te . P a r a ir m o s d ir e to a o n o s s o a s s u n to ,
é e v id e n te q u e o p rim e iro p a ss o d o p e n s a m e n to h e le n ís tic o fo i
d e ix a r p a r a tr á s o m u n d o s o c ia l. P o d e ría m o s c ita r lo n g a m e n te ,
p o r e x e m p lo , a c lá s s ic a Histoire de la Pensé* Potinque d e Sa­
b in e , d a q u a l já re p ro d u z i a lg u m a s fó rm u la s e q u e c la s s ific a ,
d e fa to , a s t r i s e s c o la s c o m o d ife re n te s v a rie d a d e » d e " r e n ú n ­
cia** ( p . 1 J7 ). E s s a s e s c o la s e n s in a m a s a b e d o ria e , p a ra to r -

1 C ro e * H Sabia*. A History of Polilkol Thoory. lo n d m . I * J . **


«4 . p. I4|.
40 Gtntu. /

n a r-se u m s á b io , é p re c is o em p rim e iro lu g a r r e n u n c ia r ao


m undo. U m tra ç o c rític o p e rc o rre to d o o p e r ío d o s o b d ife re n ­
te s f o r m a s ; é u m a d ic o to m ía ra d ic a l e n tr e a s a b e d o ria e o
m u n d o , e n tre o s á b io e o s h o m e n s n ã o e s c la re c id o s q u e p e r­
m anecem e sc ra v o s d a v id a m u n d a n a . D ió g c n c s o p õ e o s á b io
e o s lo u c o s ; C r i s i p o a f i r m a q u e a a l m a d o s á b i o s o b r e v i v e p o r
m a i s te m p o , a p ó s a m o r t e , q u e a d o s m o rta is c o m u n s. A ss im
c o m o n a In d ia a v e rd a d e só p o d e s e r a tin g id a p e lo re n u n c ia n ­
te . ta m b é m só o s á b io , s e g u n d o Z c n ã o d e C íc io , c o n h e c e o q u e
é bom ; as açõ es m u n d a n a s, m esm o q u a n d o p r a t i c a d a s p e lo
s á b io , n ã o p o d e m s e r b o a s m a s a p e n a s p r e f e r í v e i s à s d e o u tr o s :
a a d a p t a ç ã o a o m u n d o é o b t i d a p e la relativização d o s v a lo r e s ,
a m e s m a e s p é c ie d e r e l a t i v i z a ç ã o que s u b lin h e i n a Í n d ia .
A a d a p ta ç ã o a o m u n d o c a r a c te riz a o e s to ic is m o d e s d e o
c o m e ç o e , c a d a v e z m a is . o e s t o i c i s m o m é d i o e t a r d i o . E la c o n ­
trib u iu c e r ta m e n te p a ra c o n fu n d ir, a o s o lh o s d o s in t é r p r e t e s
p o s te r io r e s , a f i x a ç ã o e x t r a m u n d a n a d a d o u t r i n a . O s e s tó i c o s
de R om a e x e rc e ra m p esad o s carg o s n o m undo c um S eneca
fo i p e r c e b i d o c o m o u m v i z i n h o p r ó x i m o p e l o s a u t o r e s d a Id a ­
d e M é d ia e a té p o r R o u l e a u , q u e m u i t o l h e f i c o u d e v e n d o .
E n tre ta n to , n ã o é d ifíc il d e te c ta r a p e rm a n ê n c ia d o d iv ó r c io
o rig in a l: o i n d i v í d u o q u e s e b a s t a a si m e s m o c o n t i n u a s e n d o
o p rin c íp io , m e sm o q u a n d o age n o m undo. O c s tó ic o deve
m a n te r - s e d e s li g a d o , d e v e p e rm a n e c e r in d if e r e n te , a té m e sm o
à dor q u e t e n ta s u a v i z a r . A s s im dbsc E p ic te to : " E le pode
p e r f e ita m e n te s u s p ir a r le o m a q u e le q u e so fre ], d e sd e q u e o
s e u s u s p i r o n ã o v e n h a d o c o r a ç ã o . ’’*
E sse tra ç o , tã o e s tr a n h o p a ra nós, m o s tra que. m esm o
q u a n d o o e s t ó k o v o lto u a o m u n d o d e u m m o d o q u e é desco­
n h e c id o d o re n u n c ia n te in d ia n o , is s o n ã o fo i m a is , p a r a e le .
do que um a a d a p ta ç ã o s e c u n d á ria : no fu n d o , e le d e fin e - s e
te ra p re c o m o u m in d iv íd u o e s tr a n h o a o m u n d o .
C om o e n te n d e r a g ê n e se d e ss e I n d iv id u a lis m o filo só fic o ?
O in d iv id u a lis m o é d e u m a t ã o g r a n d e e v i d ê n c i a p a r a n ó s q u e ,

• Citado em Edwyn Bevan. SiotcUnt » Setptiquti. Peril. H27. p 63.


tradvu»do do ineléi E**e autor vhi • irmelhanca com • rrmlncii In­
diana Fie cita kmtamente a Bhagavcd Cita para mostrar o paralelóme
coa» ii mixinui dot «tólcoi lobrt o doprendñnemo (iM . p 73-
D» (ato, a Cita \k contém a adaptólo da rtnóocia ao mundo, cí "U
«•«•cement loe e i l . «Ç*o 4.
O Individualismo 41

no caso presente, í corrcntem cntc aceito, sem mais rodeios,


como uma conseqüência da ruina da polis grega e da unifica­
ção do mundo — gregos e estrangeiros ou bárbaros confun­
didos — sob o poder de Alexandre. Sem dúvida, temos a( um
evento histórico sem precedentes, o qual pode explicar muitos
traços mas não, pelo menos para mim, o surgimento, a cria­
ção ex nihilo do individuo como valor. E preciso olhar, antes
de tudo, do lado da própria filosofia. Náo só os mestres he­
lenísticos recolheram c coligiram para seu uso elementos to­
mados aos pré-socrálicos, não só eles são os herdeiros dos so­
fistas c de outras correntes de pensamento que se nos apresen­
tam subm enas no período clássico, mas a atividade filosófica,
o exercício continuamente mantido por gerações de pensadores
da inquirição racional, deve ter, por si mesmo, alimentado o
individualismo, pois a razio, se é univenal cm princípio, ope­
ra na prática através da pessoa particular que a exerce, e ga­
nha predomínio sobre todas as coisas, pelo menos implicita­
mente. Platio e Aristóteles, depois de Sócrates, souberam re­
conhecer que o homem é csscncialmcnte um ser social. O que
seus sucessores helenísticos fizeram foi, no fundo, postular
como ideal superior o do sábio desprendido da vida social. Se
essa 6 a filiação das idéias, a vasta transformação política, o
nascimento de um império univenal provocando relações in­
tensificadas cm toda a sua extensão territorial, terão indubi­
tavelmente favorecido o movimento. Assinalc-se que, nesse
meio, a influência direta ou indireta do tipo indiano de re­
nunciante não pode ser excluída a priori, mesmo que os dados
comprovativos sejam insuficientes.
Se fosse necessária uma demonstração do fato de que a
mentalidade extramundana reinava entre as pessoas instruídas
cm geral, na época de Cristo, encontrá-la-íamos na obra de
um judeu, Filón de Alexandria. Fílon mostrou aos futuros
apologistas cristãos como adaptar a mensagem religiosa a um
público pagão instruído. Ele exprime com veemência sua pre­
dileção fervorosa pela vida contemplativa do recluso, à qual
anseia por regressar, não a tendo interrompido senão para ser­
vir à sua comunidade no plano pedítico — o que ele fez,
aliás, com distinção. Coodcnough mostrou precisamente co­
mo essa hierarquia dos dois modos de vida e a da fé judaica
42 G ineu. I

e da filo so fia pagã te re fle te m no d u p lo ju lg a m e n to p o lític o


d e F il ó n , o r a e x o té r ic o e a p o lo g é tic o , o r a e s o t é r i c o e h e b r a ic o .*
V o lta n d o a g o ra ao c ris tia n is m o , d e v o d iz e r e m p rim e iro
lu g a r q u e o m eu p rin c ip a l g u ia será o h is to ria d o r-s o c ió lo g o
da Ig r e ja , E m s t T ro c lts c h . Em s e u m a c iç o liv r o , Les Doctri­
nes Sociales da f.ilisa et Croupes Chrétiens, p u b lic a d o cm
1911 e que pode ser c o n s id e ra d o u rn a o b ra -p r im a , T ro e lts c h
já tin h a o fe re c id o u m a v is ã o re la tiv a m e n te u n ific a d a , c m seu*
p r ó p r io s te rm o s , d e " to d a a e x te n s ã o da h is tó ria da Ig re ja
C ris tã " * ( p . v iii) . S c a e x p o s iç ã o d e T r o e lts c h p o d e . c m c e rto s
p o n to s , p e d ir q u e s e ja c o m p le ta d a o u m o d if ic a d a , o m e u e s f o r ­
ç o c o n s is tir é p rin c ip a lm e n te c m te n ta r a tin g ir, g ra ç a s ã p e rs­
p e c tiv a c o m p a ra tiv a q u e a c a b o de e sb o ç a r, u m a v is ã o a in d a
m a is u n ific a d a e m a is s im p le s do c o n ju n to , m e s m o que, de
m o m e n to , n o s o c u p e m o s d e a p e n a s u m a p a r te d e s s e c o n j u n t o .'
A m a té ria é f a m ilia r, e is o la re i e s q u e m á tic a m e n te a lg u n s
tr a ç o » c r í t i c o s . D e c o rre d o s e n s in a m e n to s d o C ris to e . c m se­
g u id a , d e P a u lo , que o c ris tã o é um " in d iv íd u tx m re la ç á o -
c o m -D c u s” . E x is te , d iz T r o e lts c h . “ in d iv id u a lis m o a b s o lu to
e u n iv e rs a lis m o a b s o lu to " e m re la ç ã o a D e u s . A a lm a in d iv i­
d u a l re c e b e v a lo r e te m o d e s u a re la ç ã o filia l c o m D e u s e n essa
re la ç ã o se fu n d a ig u a lm e n te a f r a te r n id a d e hum ana: os c ris ­
tã o s re ú n e m s e n o C ris to , d e q u e m são os m e m b ro s. E ssa e x ­
tra o rd in á r ia a firm a ç ã o s itu a -s e num p la n o que tra n s c e n d e o
m undo d o hom em e d a s in s titu iç ó e s s o c ia is , a in d a que e s ta s

* E. It Coodcnough. An Introduction to Philo ludocut. New Haven.


* Em»! Troeltach, Die Sorvllehrcn der chnulichen Kitchen und Crup
pen. em Geummeile Schnlten. tomo I. Tubingen, 1922; Aalen. 1%5.
Trad Inglesa: The Social Teaching of the Christian Churches. Nova Ior­
que. Harper Torchbooks. 19». 2 vol» (A tradução, mais acesitvcl. con-
serva a numeração das nous de Trodlach; ela ncm aemprt i segur» )
As referências de página» Indicada» no texto remeterlo a etu obra,
salvo indicado cm contrário
* A distância i pequena entre o sentido geral do livro de Troeltsch e
a peeaeote formulação. Assim, um sociólogo penetrante. Benjamin Nel­
son, tendo observado que o inirrtsee não só de Troeltsch mas doa prin­
cipais pensadores alemães doe séculos XIX e XX. • partir de Hfgel.
concentrou* na ‘tnatitocionalização da cristandade primitiva*, enun­
ciou o problema de duas manaras, sendo uma delas a seguinte: Xoaao
«ma seita ultramundana deu nascimento á Igreja romanar f^eber.
Troeltsch. Icdinek as comparative historical sociologist»'. SocrólogW
Anai/sli, Jo J, 1975. pp 229-240; d nota da p. 2)2).
0 InJutJualumo 43

procedam também de Deu». O valor infinito do indivíduo é,


ao meimo tempo, o aviltam ento, a desvalorização do mundo
tal como existe: é postulado um dualismo, estabelece-se uma
tensão que é constitutiva do cristianismo e atravetsará toda
a história.
Detenhamo-nos sobre este ponto. Para o homem moder­
no. essa tensão entre verdade e realidade tomou-se muito di­
fícil de aceitar, de avaliar positivamente. Falamos algumas ve­
res de “ mudar o m undo" e ficou claro, segundo os seus pri­
meiros escritos, que o Jovem Hegel teria preferido ver o Cristo
declarar guerra ao mundo tal como ele é. Entretanto, retrospec­
tivamente. vemos que se o Cristo como homem tivesse agido
desse modo. o resultado teria sido pobre em relação ãs con­
seqüências que seus ensinamentos acarretaram através dos sé­
culos. Em sua idade madura. Hegel penitenciou-se pela im­
paciência de sua juventude ao reconhecer plenamente a fc
cundidade do subjetivismo cristão, isto é. da tensão congênita
do cristianismo.’ Dc fato. se a considerarmos comparativa­
mente. a idéia de "m udar o m undo" tem um ar tio absurdo
que acabamos por compreender que ela só possa ter surgido
mima civilização que mantivera, durante largo tempo e impla­
cavelmente. uma distinção absoluta entre a vida prometida ao
homem e aquela que é. de fato. a dele. Essa loucura moder­
na enraíza-se no que foi chamado de absurdo da cruz. Recor­
do-me dc Alexandre Koyré opondo, numa conversa, a loucura
do Cristo ao bom senso do Buda. Eles têm. contudo, algo em
comum: a preocupação exclusiva do indivíduo unida a — ou.
melhor, fundada em — uma desvalorização do mundo* Assim
é que as duas religiões são. verdadeiramente, religiões univer-

' Cf Hfgrít iktologiseht lu/mdschriftm, Tübingen. 1907. pp 221-2».


»7 • m . trad fr.: L'Esprit du chritlhnitme t i ton dtttln. Pari». Vrin.
1971 O (ovem tlczet fot «rrebattdo por x u feto revolucionirio e ttn
fncfnio peta polis ideal (ibid. pp. I6S-1M. 297VH. JJS). Para a* opi-
da maturidade, cf Michael Thcuaiatcn. Hefrít Lthrt rom absolu­
t e Geiil ali throlofiuhe poüiiichrr Troktat. Berlim. 1970. pp. 10-11.
' O fato de a detvaloriraçlo acr relativa aqui. radical acolá. 4 urn
outro asninto £ evidente que o paralelismo mail limitado retabelectdo
por I'd ward Coiue entre “Budiimo (Mahayana) and CnoaU' agenta na
feevenva subjacente dai dual parle» do Indlvtduo-fora-domundo (Cf.
rtn ptfiicular. a concluUo e a última nota em I r Orlfini drilo Cnoili-
tumo. Cotóquio de Meuln». 1SIS do abril d* J966. Leyd». 1967. pp V»
MS e M)
G / n e w .l

s a i s c . p o r u m a c o n s e q ü ê n c i a l ó g i c a , m i s s i o n á r i a s , q u e se pro*
p a g a r a m n o e s p a ç o c n o l e m p o c p r o p i c i a r a m c o n s o la ç ã o a
i n ú m e r o s h o m e n s . A s s i m é q u e — p e r m i t o - m e a v a n ç a r até
a i — a m b a s s ã o v e r d a d e i r a s , e m t o d o o c a s o , n o s e n tid o de
q u e o s v a l o r e s d e v e m s e r m a n t i d o s f o r a d o a lc a n c e d o e v e n ­
t o . s e s e q u i s e r q u e a v i d a h u m a n a s e j a s u p o r t á v e l , s o b re tu d o
p a r a u m a m e n ta lid a d e u n iv e rs a lis ta .
O q u e n e n h u m a r e l i g i ã o i n d i a n a a ti n g e p l e n a m e n t e e é
d a d o d e s d e o c o m e ç o n o c r is tia n is m o . 6 a f r a te rn id a d e do
a m o r e m C r i s t o e p o r C r i s t o , e a i g u a l d a d e d e to d o s q u e d a í
r e s u l t a , u m a i g u a l d a d e q u e . in s i s t e T r o c l t s c h c m s u b l i n h a r ,
“ e x i s t e p u r a m e n t e n a p r e s e n ç a d e D e u s " . E m t e r m o s so c io ló ­
g i c o s . a e m a n c i p a ç ã o d o i n d i v í d u o p o r u m a tr a n s c e n d ê n c i a
p e s s o a l , e a u n i ã o d e in d iv fd u o s -fo ra -d o -m u n d o n u m a c o m u ­
n i d a d e q u e c a m i n h a n a t e r r a m a s te m s e u c o r a ç ã o n o c é u . e is .
t a l v e z , u m a f ó r m u l a p a s s á v c l . d o c r is ti a n is m o .
T r o c l t s c h s u b l i n h a a e s t r a n h a c o m b i n a ç ã o d e r a d ic a lis m o
c d e c o n s e r v a d o r i s m o r e s u l t a n t e . H á v a n ta g e m c m e n c a r a r a
c o is a d e u m p o n to d e v i s t a h i e r á r q u ic o . E n c o n tr a - s e to d a
u m a s é r i e d e o p o s i ç õ e s s e m e l h a n t e s e n t r e e s te m u n d o c o a lé m .
o c o r p o e a a l m a . o E s t a d o c a I g r e j a , o A n tig o c o N o v o T e s ­
t a m e n t o . a q u e C a s p a r y c h a m a o s “ p a r e s p a u l i n o s ” . R e m e to
o l e i t o r p a r a a a n á l i s e e m s e u r e c e n te c n o tá v e l liv r o s o b r e a
e x e g e s e d e O r í g e n e s * E c l a r o q u e n e s s a s o p o s iç ó c s o s d o is
p ó l o s e s t ã o h i e r a r q u i r a d o » . m e s m o q u a n d o is s o n ã o é e v id e n ­
te à s u p e r f íc ie . Q u a n d o le s u s C r is to e n s in a q u e se d ê a C ésar
o q u e é d c C é s a r c a D e u s o q u e i d e D e u s . a s im e tria só é
a p a r e n te , p o is é e m f u n ç ã o d c D e u s q u e d e v e m o s d o b ra r-n o s
à s l e g í t i m a s p r e t e n s õ e s d e C é s a r . A d i s t â n c i a a s s i m c r ia d a é .
n u m s e n t i d o , m a i o r d o q u e s c a s p r e t e n s õ e s d c C é s a r fo sa n *
s im p le s m e n te r e c h a ç a d a s . A o r d e m m u n d a n a é rc la tiv ira d a . n s
m e d id a e m q u e sc s u b o r d in a ao * v a lo r e s a b s o lu to s . T em o s si
u m a d ic o to m ía o r d e n a d a . O in d iv id u a lis m o e x tra m u n d a n o en ­
g l o b a r e c o n h e c i m e n t o c o b e d i ê n c i a q u a n t o à s p o t ê n c i a s d e s te
m u n d o . S c c u d e s e n h a s s e u m a f i g u r a , e s t a r e p r e s e n t a r i a d o is
c í r c u l o s c o n c ê n t r i c o * , r e p r e s e n t a n d o o m a i o r o I n d iv id u a lis m o -
e m - r c la ç ã o - c o m - D c u s c o m e n o r a a c e i t a ç ã o d a s n e c e s s id a d e s ,
d e v e r e s c o b e d iê n c i a » n o m u n d o , o u t e j a , a i n s e r ç ã o n u m a

• O w d C a n ary . / W i r . o n j O rigen e n d th e T w o S h W i
àtrfcrW y. L W c r u t , o( C a l.fo rn .a 1*7*
O Individualismo 4S

s o c ie d a d e p a g à , d c p o is c r is ta , q u e n u n c a d e ix o u d e s e r b o lis ta .
E ssa fig u r a , c m q u e a re fe rê n c ia p rim á ria , a d e fin iç ã o fu n d a ­
m e n ta l e n g lo b a c o m o s u a a n tftc s e a v id a m u n d a n a , c m que o
in d iv id u a lis m o -f o ra -d o -m u n d o s u b o rd in a o h o lis m o n o rm a l d a
v id a s o c ia l, é c a p a z d e c o n te r e c o n o m ic a m e n te to d a s a i p rin ­
c ip a is m u d a n ç a s s u b s e q ü e n te s , ta l c o m o f o r a m fo rm u la d a s p o r
T ro e lts c h . O que a c o n te c e rá n a h is tó ria é q u e o v a lo r su p re ­
m o e x e rc e rá p re s s ã o s o b re o e le m e n to m u n d a n o a n tité tic o q u e
e le e n c e r r a . P o r e ta p a s , a v id a m u n d a n a s e r á a s s im c o n ta m i­
n a d a p e lo e le m e n to e x tra m u n d a n o a lé q u e , fin a lm e n te , a he-
te ro g e n e id a d e do m undo d is s ip a * s c por c o m p le to . Todo o
c a m p o e s ta rá e n tã o u n ific a d o , o h o lis m o Ic rá d e s a p a re c id o d a
re p re s e n ta ç ã o , a v id a n o m undo s e rá c o n c e b id a c o m o s u s c e tí­
vel d e h a r m o n iz a r s e to ta lm e n te c o m o v a lo r s u p r e m o , o in d i-
v íd u o -fo ra -d o -m u n d o se c o n v e rte rá no m o d e rn o in d iv íd u o -
n o -m u n d o . E s tá a i a p ro v a h is tó ric a d o e x tra o rd in á rio poder
da d is p o s iç ã o in ic ia l.
G o s ta ria d e a c re s c e n ta r, p e lo m e n o s , u m a o b s e r v a ç ã o s o ­
b re o a sp e c to m ile n a r d o c ris tia n is m o e m s e u s p rim ó rd io s . Os
p rim e iro s c r is tã o s v iv ia m n a e x p e c ta tiv a do re g re sso im in e n te
do M e s sia s q u e v iria e s ta b e le c e r o re in o de D eu s. A c re n ça
fo i p r o v a v e lm e n te f u n c io n a l, n o s e n tid o d e q u e a ju d o u a s p e s ­
so as a a c e ita re m , p e lo m enos p ro v is o ria m e n te , o d e s c o n fo rto
d e u m a c re n ç a q u e n ã o e r a p e rtin e n te , d e im e d ia to , q u a n to è
s itu a ç ã o d e la s d e f a to . O ra . a c o n te c e q u e o m u n d o c o n h e c e u
em n o sso s d ia s u m a e x tra o rd in á ria p ro life ra ç ã o d e m o v im e n to s
m ile n a ris ta s , fre q u e n te m e n te d e n o m in a d o s cargo cults, cm
c o n d iç õ e s m u ito s e m e lh a n te s à s q u e p re v a le c ia m na P a le s tin a
sob a d o m in a ç ã o ro m a n a . S o c io lo g ic a m e n te , a p r in c ip a l d ife ­
re n ç a c o n s is te , p r e c is a m e n te , n o c lim a e x tr a m u n d a n o do p e rio ­
d o e. cm e s p e c ia l, n a o r ie n ta ç ã o e x tr a m u n d a n a d a c o m u n id a d e
c ris tã , q u e p re p o n d e ro u d u ra d o u ra m e n te so b re as te n d ê n c ia s
e x tre m is ta s , fo s s e m e la s a s d o s ju d e u s re b e ld e s o u a s d o s a u to ­
re s a p o c a líp ti c o s , d o s g n ó s t i c o s o u dos m a n iq u e ís ta s S o b e s te
á n g u lo , o p r im e ir o c r is tia n is m o p a re c e c a r a c te r iz a d o p e la c o m
b in a ç io d e um e le m e n to m ilc n a ris ta c de um e le m e n to e x tra -
m undano. com p re d o m ín io d e s te ú l t i m o . '*

■ Sir Fdfiumd leach chamou • atenção r»ra • aspari» mflrw art^


ma» riu-o. um lauto raudamente, cotno um mndeto de mwvwsáo
ftrach. "Mekhisedech and the Impero» Icons of subversion and on
P o r e s q u e m á tic o e in s u f ic ie n te q u e s e ja e s te resu m o , es­
p e ro q u e te n h a t o m a d o v e ro s s ím il a id é ia d e q u e o s prim eóos
c ris tã o s c s ta v a m , d e fa to , m a is p r ó x im o s d o re n u n c ia n te india­
n o d o q u e d e n ó s m e s m o s , i n s ta la d o s q u e e s ta m o s n u m mundo
q u e a c re d ita m o s t e r a d a p t a d o à s n o s s a s n e c e s s id a d e s . N a ver­
d a d e — s e r á n e c e s s á r io d i z e r " t a m b é m ” ? — . a d a p t a m o s » ,
p e lo c o n tr á r io , a c ie . E ste s e r á o s e g u n d o p o n to d e s te estudo,
o n d e c o n s id e r a r e m o s , u m a p o r u m a . a s v á r ia s e ta p a s dessa
a d a p ta ção .
C o m o a m e n s a g e m e x tr a m u n d a n a d o S e rm ã o d a M onta­
n h a p ô d e e x e r c e r u m a a ç ã o s o b re a v id a n o m u n d o ? N o plano
d a s in s titu iç õ e s , a re la ç ã o fo i e s ta b e le c id a p e la Ig re ja , q u e po­
d e m o s v e r c o m o u m a e s p é c ie d c p o n t o d e a p o io o u d e cabeça-
d e -p o n te d o d i v in o e q u e s ó se a m p lia , se u n ific a e se consoli­
d a le n ta m e n te e p o r e ta p a s . M a s p re c is a v a -s e ta m b é m d e um
in s tr u m e n to in te le c tu a l q u e p e rm itis s e p e n s a r a s instituições
te r r e n a s a p a r ti r d a v e rd a d e e x tr a m u n d a n a . E rn s t T roeltsch
in s is tiu m u ito n o f a to d e o* p rim e iro s P a d re s te re m id o bu sc a r
a id é ia d a L ei d a N a tu re z a a o s e s tó ic o s . O q u e e ra . ñ a t a ­
m e n te , e s s a " L e i d a N a tu r e z a é t i c a " d o s p a g ã o s ? C ito : "A
id é ia d ir e to r a é a id é ia d e D e u s c o m o L ei d a N a tu re z a u n iv er­
s a l, e s p iritu a l-e -fís ic a . q u e re in a u n ifo rm e m e n te s o b re to d a s as
c o is a s e c o m o le i u n iv e rs a l d o m u n d o o r d e n a a n a tu re z a , p ro ­
d u z a s d ife re n te s p o siç õ e s d o in d iv íd u o n a n a tu r e z a e n a so­
c ie d a d e . c to m a -s e n o h o m e m a lei d a r a z i o , a q u a l reco n h ece
D e u s e , a ssim , é u n a c o m e l e . . . A Lei d a N a tu re z a c o m a n d a,
p o is. d e u m a p a r te , a s u b m is s ã o a o c u r s o h a rm o n io s o d a n a tu ­
re z a e a o p a p e ! a tr i b u í d o a c a d a u m n o siste m a so c ia l: e . de
o u t r a , a e le v a ç ã o in te r i o r a c im a d c tu d o isso . a lib e rd a d e ético-
re lig io sa e a d ig n id a d e d a ra z ã o , a q u a l. s e n d o u n a c o m D eus.
n ã o p o d e ria s e r p e r tu r b a d a p o r n e n h u m e v e n to e x te r io r o u
t e m í v e l " ( p . 5 2 ).
P o d e ría m o s o b j e t a r è re la ç ã o e s p e c ia l c o m o estoicism o
a firm a d a p o r T ro e lts c h . u m a v e z q u e e s s a s c o n c e p ç õ e s c sta ­
v a m a m p la m e n te d if u n d id a s n a é p o c a c q u e F iló n c . d o is sé­
culo* m ais t a r d e , o s A p o lo g is ta s s e in s p ir a r a m t a n to o u ta h e z

t h o A r t j r ” . tro e e e d in p t o f lh e fttryoi A n th r o p o lo g ist! I n u i l u u to e ¡97!.


I-oodrc*. 1*71. pp 5-14; t f também adianta, a nota I I Trad Ir tm
L-UnitJ de rhom m r ei A uirei Caaafc, Parta. G alhm ard. "B ibltotb***
«ca acMacea hum aine.-. \9CO. pp 22V26I).
O Individualttmo 47

mais cm o u tra s escolas de pensam ento. A isso Troeltsch res­


pondeu antecipadam ente: o conceito de um a Lei da Natureza
ética, d a qual se derivam todas as regras jurídicas e institui­
ções sociais, foi um a criação da S to a ." e é ao nível da ética
que a Igreja construirá sua d outrina social medieval, "um a
doutrina im perfeita c confusa, sem dúvida, d o ponto de vista
científico, m as q u e a dquiriria na prática o mais alto signifi­
cado cultural c social, e tom ar-se-ia algo como o dogma da
civilização da Ig reja" (p. 175). Essa derivação parece
m uito n atu ral, desde que se adm ita que o estoicismo
e a Igreja estavam am bos vinculados á concepção extramun-
dana e à concom itante relativizaçáo da vida no mundo. Em
últim a análise, a mensagem do Buda ao homem-no-mundo co­
mo tal e ra de natureza idêntica: a m oralidade subjetiva e a
ética constituem a articulação entre a vida no m undo e os man­
damentos sociais, por um lado, a verdade e os valores abso­
lutos, por outro.
Encontra-se n o fundador da Stoa três séculos antes de
Cristo o princípio de todo o desenvolvimento posterior. Para
Zcnão de Cício — mais um profeta do que um filósofo, se­
gundo Edwyn Bcvan1* — , o Bem é o que tom a o homem inde­
pendente de todas as circunstâncias exteriores. O único Bem
é interior ao homem. A vontade do indivíduo é a fonte de
sua dignidade e de sua integridade. Desde que ajuste sua von­
tade a tudo o que o destino possa reservar-lhe. ele será salvo
c estará protegido de todos os ataques do mundo exterior.
Como no m undo reina Deus, ou a Lei da Natureza, ou a ra­
zão — a natureza converte-se em razão no homem — é a esse
mandamento que Troeltsch chama a Lei da Natureza absoluta.
Além disso, enquanto que o sábio permanece indiferente ás
coisas e ações exteriores, ele pode, entretanto, distinguir entre
elas segundo sua m aior ou menor identidade com a natureza,
ou com a razão: algumas ações são relativamente recomen­
dáveis era relação a outras. O mundo é relativizodo. como
deve ser; c , no entanto, valores — valores relativos — podem
ser-lhe ligados. A í está, cm em brião, a Lei da Natureza rela- A
tiva, a qual será tão amplamcnte utilizada pela Igreja. A

" Troclttch. "Dot ttoM<h<hrlti!>ch« Natvrtrcht and d*» aoórrne pro-


lin t N.iur»céhl”. C nam v SehH/ten. itxno IV <pp. 166-191). pp I7V174.
“ Cf no». 5 acima
«* O /nese. I

c u « d o ts n ív e is d a L e i. o a b s o l u to c o r e la ti v o , c o rre s p o n d e m
d u a s im a g e n s d a h u m a n i d a d e , c m e s t a d o id e a l e c in e s t a d o re a l,
A p r i m e i r a im a g e m é o e s t a d o d e n a t u r e z a — c o m o n a ctnrrvf-
p o iis id e a l d e Z c n i o o u , m a ts t a r d e , n a u t o p i a d e | a trib u io s ”
— q u e o s c r is tã o s i d e n t i f ic a r a m c o m o e s t a d o d o h o m c m a n te s
da Q ueda.
O u a n t o a o e s t a d o r e a l d a h u m a n i d a d e , é m u it o c o n h e c id o
o p a r a l e l i s m o e n t r e a j u s t if i c a ç ã o p o r S é n e c a d a s i n s t i t u i ç ã o
c o m o r e s u l ta n t e s d a p e r v e r s i d a d e d o s h o m e n s e . a o m e s m o
t e m p o , c o m o f o r m a d e a s p r e v e n i r c r e m e d ia r , e a s c o n c e p ­
ç õ e s s e m e lh a n te s d o a c r is tã o s . O q u e T r o e l t s c h c o n s id e r a e s ­
s e n c ia l é o a s p e c t o r a c i o n a l , a s a b e r , q u e a r a z ã o p o s s a se r
a p li c a d a à s in s t it u i ç õ e s r e a i s . s e ja p a r a j u s tif ic â - la s . le v a n d o
c m c o o t a o e s t a d o p r e s e n t e d a m o r a l i d a d e , s e ja p a r a c o n d e -
n i - l a s c o m o c o n t r á r i a s à n a t u r e z a , s e ja a i n d a p a r a a s te m p e ra r
o u c o rrig ir c o m a a ju d a d a ra zã o .
A s s im . O r í g e n e s c o n t r a p ô s a C e ls o s q u e a s le i s p o s itiv a s
q u e c o o tr a d íz e m a le i n a t u r a l n ã o m e r e c e m o n o m e d c l e i s
( C a s p a r y . O p. c i t . . p . 1 3 0 ) . o q u e ju s t if i c a v a o s c r i s t ã o s e m
su a re c u sa d c p r e s ta r c u lto a o im p e ra d o r o u d c m a ta r a se r­
v iç o d e le .
H i u m p o n to s o b re o q u a l o liv ro d c T ro e lts c h p e d e um o
a d e n d a . E le n ã o r e c o n h e c e u a i m p o r t â n c i a d a r e a l e z a s a c ro s ­
s a n t a n a é p o c a h e le n í s t ic a c s u b s e q u e n t e m e n t e . A le i n a tu r a l
e s t í . e n q u a n t o “ n ã o e s c rita '* e e n q u a n t o " a n i m a d a ” ( e m p t y
c h t n y . e n c a r n a d a n o r e i. I s s o e s t i c l a r o c m F f lo n . q u e f a la
d e " le is e n c a r n a d a s e r a c io n a is ” , c n o s P a d r e s d a Ig re ja . Se­
g u n d o F f lo n , “ o s l i b i o s d a h i s t ó r i a a n t i g a , o s p a t r i a r c a s c o s
p a is d a r a ç a a p r e s e n t a m c m s u a s v i d a s le i s n ã o e s c r i t a s , q u e
M o is é s p a s s o u m a is t a r d e a e s c r i t o . . . N e l e s , a le i c o n s u m a - s e
e t o m a - s e p e s s o a l ” ( H i r z e l in T r o e l t s c h , n o t a 6 9 ) . E C le m e n te
d e A le x a n d ria e s c re v e u s o b r e M o isé s q u e e le fo i “ in s p ira d o
p e la le i e . a s s i m , u m h o m e m régio**.** E s s e t r a ç o é i m p o r t a n t e
p o rq u e e s ta m o s a f c m c o n ta to c o m o tip o p r im itiv o , sa c ro s
s a n to , d a s o b e r a n ia , o d o re i d iv in o o u d o r e i- s a c e r d o te , u m a

•• I ».«Je* "L a « s é d u m o n d e e t Ia c i t i d u so led che* Ws «loicten»'


K . Kan* d e r A t a U m i* 4 4 B r ito u * , l e m e s , sé rie V . vol l i l i , p
e ss
“ A rnold A T F h rh a rd t. B o la .te h * M a c r i . i i t v a n S a la n A»
gusíM T yfcm« r n . m » }<**. J vol* . to m o I I . p l t 9
O Ind ivid u a lism o 4*

r e p r e s e n t a ç ã o m u i t o d i v u lg a d a , a q u a l e s ta v a p re s e n te n o m u n ­
d o h e le n ís tic o e , m a i s t a r d e , n o im p é r io b i z a n t i n o " c q u e ire­
m os re e n c o n tra r.
A s c o n c e p ç õ e s e a ti t u d e s d o s p r im e ir o s P a d re s c m m até ­
ria s o c ia l — s o b r e o E s t a d o e o p r í n c i p e , a e s c ra v a tu ra , a
p r o p r ie d a d e p r i v a d a — s ã o . o m a is f r e q u e n te m e n te , e s tu d a d a s
p e lo s m o d e r n o s c m s e p a r a d o c d e u m p o n to d e v is ta in te r ¡or
a o m u n d o . P o d e m o s c o m p r e e n d e - lo s m e lh o r, d e u m p o n to d e
v is ta e x tr a m u n d a n o , s e n o s le m b r a r m o s q u e t u d o e ra p e rce ­
b id o á lu z d a r e la ç ã o e n t r e o i n d iv íd u o e D e u s e d e su a c o n ­
c o m ita n te . a f r a t e r n id a d e d a Ig re ja . D ir-se-ia q u e o fim ú lti- j
m o e s ta v a n u m a r e la ç ã o a m b iv a le n te c o m a v id a n o m u n d o ,
p o is o m u n d o e r a q u e o c r is tã o p e re g rin a n e s ta v id a é , a o
J
m e s m o t e m p o , u m o b s tá c u lo c u m a c o n d iç ã o p a ra a sa lv aç ão .
O m e lh o r é a c e ita r t u d o isso h ie ra rq u ic a m e n te , p o is a v id a

n o m u n d o n ã o 6 r e c u s a d a o u n e g a d a d e u m m o d o d ire to , e la
é a p e n a s re la tiv iz a d a c m re la ç ã o à u n iã o c o m D e u s e à b e a ­ JLm
titu d e n o a lé m a q u e o h o m e m e stá d e s tin a d o . A o rie n ta ç ã o
id ea l p a r a o fim tra n s c e n d e n te , c o m o p a ra u m ím ã , p ro d u z
u m c a m p o h ie r á r q u ic o n o q u a l d e v e m o s e s p e ra r e n c o n tra r si- f
tu a d a c a d a c o is a m u n d a n a .
A p r im e ir a c o n s e q ü ê n c ia ta n g ív e l dessa rc la tiv iz a ç ã o h ie ­
rá rq u ic a c o n s is te n u m g ra u n o tá v e l d e la titu d e n a m a io ria dos
a s su n to s m u n d a n o s . C o m o e ste s n ã o sã o im p o rta n te s c m si
m esm os m a s s o m e n te c m re la ç ã o a o fim . p o d e m o c o rre r v a ­
riaçõ es d e g r a n d e a m p litu d e , se g u n d o o te m p e ra m e n to d e cada
p a sto r o u a u to r c . s o b re tu d o , d e a c o rd o c o m as c irc u n stân c ias.
Em v e z d e p r o c u r a r re g ra s fix a s , c o n v irá m ais lo c a liz a r em
cad a c a s o o s lim ite s e x a to s d a v a ria ç ã o p e rm itid a . E les são
c la ro s c m p rin c ip io : d e u m la d o , o m u n d o n ã o d e v e se r pura
e sim p le sm e n te c o n d e n a d o , c o m o foi p e lo s h e rétic o s gnósticos:
d o o u tro , n ã o d e v e u s u r p a r a d ig n id a d e q u e p e rte n ce som ente
a D e u s. E p o d e m o s s u p o r q u e a v a ria ç ã o se rá m ínim a nas
m até ria s re la tiv a m e n te m a is im p o rta n te s q u e c m outras.
U m a u to r re c e n te s u b lin h o u a e sp é cie d e flex ib ilid ad e cm
cau sa. A o e s tu d a r a e x eg ese d e O ríg e n e s. C a sp a ry m ostrou
a d m ira v e lm e n te c o m o (o q u e roe p a re c e se r) a o posição fu n ­
d a m e n tal age e m d iv e rs o s n ív e is e c m d iv e rsa s fo rm as, e co m -

” F IH om ik. E a r l y C h r i s t i a n a n d B y r a n t i n r r o l ó t e * / r h U o a o p h y O r t -
«Im a n d B a d g r o u n d . W sihington. 1966, 2 vets.____________________
90 G in n t. i

titu i urn * r e d e d c s ig n if ic a ç ã o e s p i r i t u a l , u m a h ie ra rq u ia de
c o r re s p o n d ê n c ia .1* O q u e é v e r d a d e i r o p a r a a h e rm e n é u tic a bí­
b lic a p o d e a p lic a r-s e ta m b é m à i n t e r p r e t a ç ã o d o s d a d o s brutos
d a e x p e r iê n c ia . D iz ia c u h á p o u c o q u e s e p o d e to m a r as coi­
sa s d e s te m u n d o c o m o h i c r a r q u iz a d a s d e a c o r d o c o m su a reís-
tiv a p e r tin e n c ia p a r a a s a lv a ç ã o . S e m d ú v id a , is s o n i o é tit-
te m á tic a m e n te e x p o s to c m n o s s a s f o n te s m a s h á u m aspecto,
p e lo m e n o s , c m q u e a d if e r e n ç a d e v a l o r r e la tiv o deve ser
le v a d a e m c o n ta . M o s tre i e m o u t r a p a r t e q u e o m u n d o m oderno
s u b v e rte ra o p r i m a d o tr a d ic io n a l d a s re la ç õ e s e n tr e homens,
s u b s titu in d o -o p e la s re la ç õ e s e n tr e o s h o m e n s c a s coisas. So­
b re e ste p o n to , a a titu d e d o s p r im e ir o s c r is tã o s n i o sofre dú­
v id a s , p o r q u a n to a s c o is a s a p e n a s c o n s titu e m m e io s o u estor­
v o s n a b u s c a d o r e in o d e D e u s , a o p a s s o q u e a s re la çõ e s entre
h o m e n s b a se ia m -se c m in d iv íd u o s f e ito s á im a g e m d e D eus e
d e s tin a d o s à u n iã o c o m e le . T a lv e z se ja n e sse p o n to que o
c o n tra s te c o m o s m o d e rn o s e s tá m a is m a rc a d o .
A ssim , p o d e m o s s u p o r ( c c o n s ta ta m o s ) q u e a subordina­
ç ã o d o h o m em c m so c ie d a d e , se ja n o E s ta d o o u n a escravatura,
a p re se n ta q u e stõ e s m a is v ita is p a r a o s p rim e iro s cristão s tio
q u e a a trib u iç ã o p e rm a n e n te d e p o ss e s sõ e s c p e sso a s, o u seja.
a p ro p rie d a d e p riv a d a d a s c o is a s . O s e n s in a m e n to s d e Jesus
so b re a riq u e z a c o m o im p e d im e n to e s o b re a p o b re z a como
a d ju tó rio d a s a lv a ç ã o , d irig e m -se à p e sso a individualm ente.
S o n ív e l so c ial, a re g ra s e c u la r d a Ig re ja é b e m conhecida;
trata-se d e u m a re g ra d c u s o e n i o u m a re g ra d c propriedade.
P o u c o im p o rta a q u e m a p r o p rie d a d e p e rte n c e , d e sd e q u e cia
•eja u tiliz a d a p a ra o b e m d e to d o s , s o b r e tu d o d a q u e le s q u e são
n e ce ssitad o s, p o is c o m o d iz L a c tâ n c io ( O iv . In s til., III. 21,
c o n tra o c o m u n ism o d e P la tã o ), a ju s tiç a é q u e s tã o d c alma
c n ã o d e c irc u n s tâ n c ia s e x te rio re s . T r o c lts c h d isse , cm pala­
vra* felizes, c o m o o a m o r n o se io d a c o m u n id a d e acarretava
o d e sp re n d im e n to e m fa c e d o s b e n s (n o ta 5 7 e p . 1 15 e s$-.
151 e ts .) . P o r tu d o o q u e s a b e m o s , p o d e m o s s u p o r que na
a u sê n cia d e to d a a in sistê n c ia d o g m á tic a n a m a té ria , as jovens

• Ceai efeito. C«*o*ry distingue quatro dimentOc* de contraste ou ~f+


riaaetroa". esure os q u a is s a rn e n ta rcitfsn um com o hicrfequtco iop •
PS 11V 1:4) m .« é ( k l v e r que a h ie r a r q u ia cM.-ndc-se a todo»
O Individualism o 51

Igrejas, p e q u e n a s c c m g r a n d e m e d id a a u tô n o m a s , te r ã o po-
d id o v a ria r c m se u tr a ta m e n to d a p ro p rie d a d e , a lg u m a s , ta l­
vez. c o lo c a n d o tu d o c m c o m u m n u m d a d o m o m e n to , e n q u a n to
que só e ra u n ifo rm e a in ju n ç ã o d e a ju d a r o s irm ã o s c a re n te s .
O s e stó ic o s e o u tro s tin h a m d e c la ra d o o s h o m e n s ig u ais -y
e n q u a n to se res ra c io n a is . A ig u a ld a d e c r is tã e s ta v a , ta lv e z ,
m ais p ro fu n d a m e n te e n ra iz a d a , n o p ró p rio c o ra ç ã o d a p e sso a ,
m as e ra . m esm o assim , u m a q u a lid a d e e x tra m u n d a n a : “ N ã o
pode e x is tir n em ju d e u n e m g r e g o . . . nem e s c ra v o n e m h o ­
m em l i v r e . . . nem m a c h o n e m fê m e a , p o is n a v e rd a d e sois
todos u m h o m e m e m f e tu s C risto ” , d iz P a u lo , e L a c tin c io :
“ N inguém , aos o lh o s d e D e u s, é e sc ra v o o u s e n h o r . . . T o d o s
nós so m o s. . . seus filh o s.” A e sc ra v a tu ra e r a c o isa d e ste m u n ­
do. m as é um a in d ic a çã o d o a b ism o q u e n o s se p a ra d a q u e la s
pessoas p ara quem a q u ilo q u e , p a ra n ó s, c o n stitu i u m a v io la ­
ção d o p ró p rio p rin cíp io d a d ig n id a d e h u m a n a , e ra a p e n a s
um a co n trad ição in ere n te ã v ida n o m u n d o , a ssu m id a p elo
próprio C risto p a ra re d im ir a h u m a n id a d e c c o n v e rte r assim a
hum ildade num a v irtu d e c ard e al p a ra nós. T o d o o e sfo rç o n o
sentido d a p erfeição e stav a v o lta d o p a ra o in te rio r, c o m o co n ­
vém a o indivíduo-fora-do-m undo. T u d o isso é m u ito b e m vis­
to. p o r exem plo, a o nível ''tro p o ló g lc o " d a exegese d e O ríge­
nes. onde todos os ev en to s b íblicos são in te rp re ta d o s com o
tendo p o r te a tro a v ida in te rio r d o c ris tã o (C asp ary . o p . c it.).
N o que se refere à su b o rd in a çã o p o lítica , o seu tra ta m e n ­
to por T roeltsch pode. sem d ú v id a, se r m elh o rad o . E le segue
Carlyle: a a titu d e cm face d as leis é go v ern ad a pelas concep­
ções d a Lei d a N a tu rez a, m as o p o d e r q u e p rom ulga ns leis
é visto de um m odo diferen te c co n sid erad o d iv in o .1’ De fato,
a lei n atural c a realeza sacro ssan ta n ã o e ra m tâ o e stra n h a s
uma ã outra. Eis m ais um caso cm q u e u m a p erspectiva hie­
rárquica é m ais conveniente. O p o n to essencial e s ti cm Paulo:
todo o poder vem de D eus. M as n o q u a d ro desse princípio
global h á lugar p a ra a restrição o u a co n trad ição . Isso 6 evi-

” N um » obra ciánico. A I Cortylo trotou, cm doi» capitulo* tepara-


dce. do "igualdade n a tu ra l e do governo" c da "autoridade torrada do
principe-. R W . c A . I. CartyW, A History o f Medioeval Political
Jhm ry in th t West. tomo I . por A . I Carlyle, T h e Second Ceotury
to (he N inth". Edimburgo e Loodree. (9 0 S .
52 C f Itfit. I

d c n c ia d o n u m c o m e n tá rio s o b re P a u lo d o g ra n d e O ríg e n e s e m
seu Contra Cdsum:
E le d iz : " N à o h á o u tro p o d e r se n ã o o de D e u s ."
E n tã o a lg u é m p o d e ria d iz e r : O quê? T am bém es­
se p o d e r q u e p e rse g u e o s se rv o s d e D e u s ... p ro v é m
de D eu s? R e sp o n d e m o s b re v e m e n te a is s o . A dá­
d iv a d e D e u s , a s le is . s ã o p a r a u s o . n ã o p a ra abu­
so. H a v erá, n a v e rd a d e , um ju lg a m e n to de D eus
c o n tra a q u e le s q u e a d m in is tra m o poder que re c e ­
b e ra m dc aco rd o com suas im p ie d a d e s e não de
aco rd o co m a le i d i v i n a . . . E le fP a u lo ] não fa la
d e sse s p o d e re s q u e p e rse g u e m a fé . p o is n e s s e c a s o
s e r ia n e c e s s á rio d iz e r: "C u m p re obedecer a D eus
e n ão aos h o m en s": c ie fa la s o m e n te d o p o d e r c m
g e ra l (T ro c lts c h , n o ta 7 3 ).

V ê -se q u e . n e s te caso. um a in s titu iç ã o re la tiv a u ltra p a s ­

s o u s e u s lim ite s e e n tr o u em c o n flito c o m o v a lo r a b s o lu to .

E m b o ra c o n trá ria a o v a lo r ú ltim o d o s c r is tã o s , a s u b o rd i­

n a ç ã o p o lític a m u l t a v a da Q ueda e e n c o n tra v a su a ju s tific a ­

ção na L ei da N a tu re z a re la tiv a . A s s im d is s e Irin c u : "O s


h o m e n s c a íra m (lo n g e j d c D e u s . . . D e u s im p ò s -lh e s o fe io d o
tn e d o d c o u tro s h o m e n s . . . p a r a im p e d i-lo s d c se e n tre d e v o ra -
re m c o m o p eix es.* * . O m e sm o p o n to d e v is ta fo i a p lic a d o por
A m b rú s io à e sc ra v a tu ra , u m pouco m a is ta r d e , ta lv e z p o rq u e
s e a p re s e n ta v a c o m o u m a q u e s tã o in d iv id u a l, e n q u a n to que o

E s ta d o e ra u m a a m e a ç a p a ra a Ig r e ja c o m o um to d o . ( E n o tá ­

vel q u e um a e x p lic a ç ã o s e m e lh a n te não te n h n s id o dada da


p ro p rie d a d e p riv a d a , e x c e to p o r lo ã o C ris ó s to m o , q u e e r a u m

p e rso n a g e m e x c e p c io n a l.) T am bém n e s te caso há lu g a r p a ra


c e r ta v a ria ç ã o . Por um a p a rte , o E s ta d o e o im p e ra d o r s ã o

a p ro v a d o s p o r D e u s c o m o tu d o o q u e e x is te so b re a t e m . P o r

o u tro , o E s ta d o e s tá p a ra a Ig r e ja com o a te rra p a ra o céu.

e um m au p rin c ip e pode ser. m u ito s im p le s m e n te , u m a p u n i­

ção e n v ia d a p o r D eu s. N ão se pode esq u ecer q u e. cm g e ra l,

n a p e rs p e c tiv a e x e g é tic a , a v id a s o b re a te r r a d e p o is d o C ris to


4 u m a m is tu ra : c ie In a u g u ro u u m a e ta p a de tra n s iç ã o e n tre o
e s ta d o d o s h o m e n s a in d a n ã o r e c a t a d o » d o A n tig o T e s ta m e n to

e o c u m p rim e n to p le n o da p ro m e ssa e sp e ra d a com o re to m o


do M e s a ia s (C a sp a ry . op. at., pp 1 7 6 -1 7 7 ). N o in te rv a lo , o»

hom ens tò tê m o r e in o de D eus cm li m esm o s.


O Individualismo n

Neste ponto, devo apresentar desculpas ao leitor. A con­


tragosto. deixarei de lado Santo Agostinho, em bora seu pensa­
mento seja central para o nosso problem a e seu genio tenha
pressentido infalivelmente c como que cm esboço todo o de­
senvolvimento vindouro. A sua própria grandeza desaconse­
lha um tratam ento sum ário. Nos limites presentes, tenho ne­
cessidade de um objetivo m ais restrito. Será a evolução das
relações entre a Igreja e o Estado, esse resumo do mundo,
até & coroação de Carlos Magno cm 800. Mais precisamente,
bolarei uma notável fórmula dessas relações c mostrarei como
estas foram modificadas subsequentemente.
Em primeiro lugar, a conversão ao cristianismo do impe-
tador Constantino, no início do século IV, além de obrigar a
Igreja a unificar-se mais. abriu um problema temível: o que
seria um Estado cristão? Voluntariamente ou não. a Igreia
estava colocada frente a frente com o mundo. Estava feliz
por ver que se punha fim ás perseguições c tomava-se uma
instituição oficial prodigamente subvencionada. Não podia
continuar a depreciar o Estado tão livremente quanto o fizera
até então.
O Estado tinha, em suma. dado um passo fora do mundo,
na direção da Igreja mas. ao mesmo tempo, a Igreia tomou-se
mais mundana do que fora até aí. Entretanto, a inferioridade
estrutural do Estado foi mantida, embora matizada. A latitu­
de para a qual chamei a atenção aumentou no sentido de que
se tomou possível julgar o Estado mais ou menos favoravel­
mente. segundo as circunstâncias e os temperamentos. O s con­
flitos não estavam excluídos mas seriam doravante internos.
Unto para a igreja quanto para o império. A herança da
realeza sacrossanu helenística devia inevitavelmente colidir
com a pretensão da Igreja de continuar sendo a instituição su­
perior. Os atritos que se produziram cm seguida entre o im­
perador e a Igreja e . em especial, com o primeiro dos bispos,
o de Roma. envolveram principalmente pontos de doutrina.
Enquanto que os imperadores, cioaos de unidade política, in­
sistiam para que fossem proclamadas concessões mútuas, por
aeu lado a Igreja, seus concilios ecuménicos c especialmente
0 Papa queriam definir a doutrina como fundamento da uni­
dade ortodoxa e não viam com bons olhos a intrusão de um
príncipe aos domínio* da autoridade eclesiástica. Uma suces-
54 C in tit. I

do dc d iv e rg ê n c ia s d o u tr in á r ia s o b rig o u a Ig re ja a e la b o ra r
u m a d o u tr in a u n ific a d a . E sses d e b a te s c u lm in a ra m n a conde­
n a ç ã o d c h e re s ia s , e n tr e a s q u a is o a r ia n is m o . o m o n o íis is m o ,
o m o n o te lis m o , a tiv a s s o b r e tu d o n o L e s te , c m t o r n o d a s a n tig a s
Ig re ja s d e A le x a n d ria e A n tio q u ia . ê n o tá v e l que a m a io ria
d esses d e b a te s te n h a g ra v ita d o em to m o da d ific u ld a d e em
c o n c e b e r e fo r m u la r c o rre ta m e n te a u n iã o d e D e u s e do ho­
m em em Jesu s C ris to . O ra , é ju s ta m e n te a í q u e se s itu a o
q u e , c m re tro s p e c to , s e n o s a p r e s e n ta c o m o o fim a g o , o seg re­
d o d o c ris tia n is m o c o n s id e ra d o c m to d o o s e u d e s e n v o lv im e n to
h i s t ó r i c o , o u s e ja , e m te rm o s a b s tr a to s , a a firm a ç io de um a
tra n s iç ã o e fe tiv a e n tr e o a lé m c e s te m u n d o , e n tre o e x tra -
m u n d a n o e o in tra m u n d a n o . a Encarnação do Valor, A m es­
m a d i f i c u l d a d e r e f lc tc - s e m a i s t a r d e n o m o v i m e n t o i c o n o c l a s t a ,
o n d e e la foi, ta lv e z , c a ta lis a d a por um a in flu ê n c ia p u rita n a
m u ç u lm a n a (o sag rad o n ã o po d e s e r fig u ra d o ). Ao m esm o
te m p o , h a v i a c l a r a m e n t e n o a ria n is m o e no ic o n o c la s m a um
in te re s se p o lític o im p e ria l. M a s P e te rs o n m o s tr o u q u e a a d o ­
ção d o dogm a da S a n tís s im a T r in d a d e (c o n c ilio de C o n s ta n ­
tin o p le , 3 8 1 ) tin h a , d e fa to , d e c r e ta d o a m o r t e d o m o n o te ís m o
p o l í t i c o .’ 1

P o r v o lta d e 5 0 0 , q u a n d o a I g r e ja já e x is t ia o fic ia lm e n te
n o im p é rio h á c e r c a d e d o i s s é c u lo ® , o P a p a G e lá s io I a p re ­
s e n to u um a e x tra o rd in á ria te o ria da re la ç ã o e n tr e a Ig re ja e
o im p e ra d o r, a qual fo i e m s e g u id a a c o lh id a na tra d iç ã o e
a b u n d a n te m e n te u tiliz a d a . E n tre ta n to , o s in té rp r e te s m o d e rn o s
n ã o p a re c e m te r f e ito ju s tiç a p le n a a G e lá s io . N a m a io ria d o s

c a s o s , c o n s id e ra m • su a d e c la ra ç ã o n o b re e c la ra c o m o e x p o n ­

d o s im p le s m e n te a ju s ta p o s iç ã o e a c o o p eração dos d o is po­

d e re s o u , c o m o p re firo d iz e r, d a s d u a s e n tid a d e s ou fu n ç õ e s.

A d m ite -s e , d e c e r to m odo, que e la c o n té m um e le m e n to de

h ie ra rq u ia m a s. c o m o o s m o d e rn o s s e n te m a lg u m d e s c o n fo rto

a o tr a ta r d e ssa d im e n s ã o , a p re s e n ta m -n a m a l o u n ã o s a b e m v e r

to d o o se u a lc a n c e . P e lo c o n tr á r io , a p e r s p e c tiv a c o m p a r a tiv a

que é a nossa deve p e rm itir re s ta u ra r a e s tru tu ra ló g ic a e a

d ig n id a d e da te o ria d e G e lá s io .

“ Erik Peterson. -Der Monotheismui alt poHdachea PtobUtn Thtcio


ll x i* Traklat*. Munique. 1*51. pp. 25-147. U ach Ufou «HanUaao •
■Üaaarivno («f. acima, nota 10).
O Individualumo 55

A sua declaração está com ida em dots textos que se com­


pletam. Numa carta ao imperador ele diz (Epístola 12):’**
Há principalmente duas coisas, augusto imperador,
pelas quais este m undo 6 governado: a autoridade
sagrada dos pontífices e o poder real. Dcstas duas
coisas, os sacerdotes sao poitadorcs de uma respon­
sabilidade tanto m aior porquanto devem prestar
contas ao Scnhor até dos atos dos rcis, submeten-
d o o s ao julgamento d iv in o .. . IE mais adiante]
Deveis curvar uma cabeça submissa perante os mi­
nistros das coisas divinas e . . . é deles que deveis
receber os meios de vossa salvação.
A referência à salvação indica claramente que se trata
aqui do nível supremo ou final de consideração. Note-se a
distinção hierárquica entre a auctoritas do sacerdote e a potes­
tad do rei. Após um breve comentário. Gelásio prossegue:
Nas coisas respeitantes à disciplina pública, os che­
fes religiosos entendem que o poder imperial vos
foi conferido do alto e eles próprios obedecem às
vossas leis, temendo parecer que são contrários à
vossa vontade nos negócios do mundo.
Portanto, o sacerdote está subordinado ao rei nos assun­
tos mundanos que dizem respeito à ordem pública. O que os
comentaristas modernos não discerniram plenamente é que o
nível de consideração deslocou-se das alturas da salvação para
a baixeza das coisas deste mundo. O s sacerdotes são superio­
res. pois somente em um nível inferior é que eles são inferio­
res. Não se trata de uma simples "correlação" (Morrison) ou
de uma simples submissão dos reis aos sacerdotes (Ullmann),
mas de uma complementaridade hierárquicaV
Ocorre que encontrei a mesma configuração na índia an­
tiga. védica. Af, oa sacerdotes consideravam-se religiosa ou

" O t texto» de GeU»io foram extraído» de CaHyte. o? cit . pp 190-


191 (ma» et. a nota 22). A tradução preferida, entretanto, foi a de
Dvonuk. op rir . II. pp 804-W».
* Kert F Mormon. Tradition mnd Authority üt the W n trm Church
tCOUtO. Princeton University Prca». 1969. pp. 101-105; Walter Ullmann.
Th* Growth of rapai Government in the Middle A pn. loodrm. 1955.
pp. » e a .
56 G fn e tt, I

a b s o lu ta m e n te s u p e r io re s a o re í m a s , n o p ia n o m a te ria l, a u d ­
io s a c lc .” S c o s te rm o s s ã o d if e r e n te s , a d is p o s iç ã o é e x a ta *
m e n te a m esm a que cm G e lá s io . O fa to su rp re e n d e, dadas
a s d ife re n ç a s im p o r ta n te s e n tr e o s r e s p e c tiv o s p a n o s d e fu n d o ,
D o la d o in d ia n o , o s fié is n i o fo rm a v a m um c o rp o u n id o , o
s a c e rd ó c io n ã o e s ta v a o rg a n iz a d o de m odo u n itirio c , so b re ­
tu d o . n ã o e s ta v a c m q u e s tã o o in d iv íd u o . (O re n u n c ia n te , d e
q u e fa le i a n te s , a in d a n ã o t i n h a a p a r e c i d o .) C h e g o u - s e a s u p o r ,
sem v a c ila r, q u e a fo rm a c o m u m , a c o n f ig u r a ç ã o c m q u e s tã o
é , m u ito s im p le s m e n te , a f ó r m u la ló g ic a d a re la ç ã o das duas
fu n çõ es.
O o u tr o te x to p rin c ip a l d e G e lá s io e n c o n tra -se num tra ­
ta d o , De Anathematis Vinculo. Seu p rin c ip a l in te re s s e p a ra
n ó s e s tá n a e x p lic a ç ã o d a d if e r e n c ia ç ã o d a s d u a s f u n ç õ e s , e n ­
q u a n to q u e in s titu íd a p e lo C ris to . A n te s d e le . " e x i s t i r a m , de
fa to — se b e m q u e n u m s e n tid o p ré -f ig u ra tiv o — hom ens que
fo ra m s im u lta n e a m e n te re is c s a c e rd o te s " , c o m o M e tq u is e d e *
que. E n tã o , " v e io a q u e le q u e e r a v e rd a d e ira m e n te re i e sa­
c e r d o te ” , c é e le , o C ris to , q u e " te n d o e m v is ta a fra g ilid a d e
h u m a n a ... sep a ro u os o fíc io s dos d o is p o d e re s” m e d ia n te
fu n çõ es c d ig n id a d e s d is tin ta s ... na in te n ç ã o de que suas
p r ó p r i o s [ g e n te s ] s e j a m s a l v a s p o r u m a h u m i l d a d e s a l u t a r . .
F o i s o m e n te o d e m ô n io q u e m im ito u a m is tu ra p ró -c ris tã d a s
duas fu n çõ es, d e m odo que, d iz G e lá s io , "os im p e ra d o re s
p a g ã o s f iz e r a m - t e c h a m a r p o n t í f i c e s s a g r a d o s " . E p o s s ív e l q u e
h a ja a q u i u m a a lu s ã o ao que re s ta v a d a re a le z a s a c ro s s a n ta
em B iz ã n c io . Q u a n to ao r e s to , p o d e -s e v e r n esse te x to um a
h ip ó te s e in te ira m e n te p la u s ív e l s o b re a e v o lu ç ã o das in s titu i­
ções. N ã o é d e s a rra z ã u lo su p o rm o s que a s o b e r a n ia sa c ro s­
s a n ta o rig in a l, p o r e x e m p lo , a do fa ra ó ou do im p e ra d o r da
C h in a , te n h a se d ife re n ç a d o , e m c e rta s c u ltu r a s , e m duas fu n ­
ç õ e s, c o m o fo i o c a s o n a In d ia .

S e ria in te re s s a n te d is c u t ir a s d if i c u ld a d e s d o s c o m e n ta ris ­

ta s desses te x to s . T e n h o que e s c o lh e r. Um a u to r re c e n te , o

» O . * U conception de U rujauié dan» H ad e aacieane" («pactal-


meóte 9 | 5). HH. apêndice C
0 Sobre t%tt poeto, o» texto» dado» pelo» domo» «wtoee» pacacem
(divtmmcntc) coercenpido» temo» em SchwarU: o//icw pvtnutu
utriosfua |E St hwar ti, Pubhirttkh* Sammlunjen", AbHundf. áf* Beyer.
A b d rm u . Fhilot Hater A b u ü u n t N. P tO. Munique. 19)4. p H )
O InJmJualnmo 57

pi.) re Congar," c o n s id e ra a fó r m u la h ie rá rq u ic a a u to rid a d e /


pooler p u r a m e n te o c a s i o n a l ; e , d e f a t o , v im o s G c l& sio , a p ro ­
p ó s ito d a d i f e r e n c ia ç ã o , f a l a r s o m e n t e d e “ d o i s p o d e r e s " . M a s
a d i s t i n t i ó n ã o é a m e l h o r e x p r e s s ã o d e t o d a a te s e d e G e l á s i o ?
F o r o u t r o la d o , C o n g a r tc m c e r t a m c n t c r a z á o c m d i r e r ( p . 2 5 6 )
q u e , o e s te caso, • Ig re ja não te n d e p a ra “ um a r e a liz a ç ã o
te m p o ra l d e C i d a d e d e D e u s ” . T a l c o m o n o c a s o in d ia n o , a
h ie r a r q u ia o p ó e - s c lo g ic a m e n t e ao p o d e r: e la não p re te n d e ,
c o m o o f a r á m a is t a r d e , t r a s l a d a r s e p a r a o p l a n o do p o d e r.
M as C o n g a r s u s t e n t a (p p . 2 5 5 -2 5 6 ) que G e lá s io não s u b o r­
d in a o p o d e r im p e r ia l a o “ p o d e r " s a c e r d o t a l m a s so m e n te o
im p e ra d o r a o s b is p o s n o q u e t a n g e a o s res divinae, e c o n c lu i
que. k o im p e r a d o r , c o m o c r e n t e , e s t a v a n a I g r e j a , a p ró p r ia
Ig reja e s ta v a e m o i m p é r i o ( s u b l i n h a e l e ) . M a n t e n h o que não
cabe in t r o d u z i r aqui um a d is tin ç ã o e n tre a fu n ç ã o c seu
a g e n te , o q u e . a liá s , a rru in a ria a a rg u m e n ta ç ã o de G e lá s io ,
e q u e C a r ly le r e c o n h e c e , à sua m a n e iro , s e r fr e q u e n te m e n te
n e g lig e n c ia d a c m n o s s a s f o n t e s ( p . 1 6 9 ). C o m e f e i t o , o im p é rio
c u lm in a n o i m p e r a d o r c c u m p r e e n t e n d e r G e l á s i o c o m o te n d o
d ito q u e , s e a I g r e ja e s t á m o im p é rio p a ra o s n e g ó c io s d o
m u n d o , o im p é r io e s t á em a I g r e j a p a r a a s c o i s a s d i v i n a s . F.m
g e ra l, o s c o m e n ta r is ta s p a r e c e m a p lic a r a u m a p ro p o s iç ã o d o
a n o 5 0 0 u m m o d o d e p e n s a m e n to m a is ta r d io c m u ito d ife ­
r e n te . F ie s r e d u z e m o u s o e s t r u t u r a l , r i c o . f l e x í v e l , d a o p o s i ç ã o
f u n d a m e n ta l p a r a a q u a l C a s p a r y c h a m o u a n o ssa a te n ç ã o a
u m a q u e s tã o u n id im e n s io n a l d e o u is to /o u a q u ilo , c m b ra n c o
c n e g ro . O r a , e s s a s f o r m a s s ó a p a re c e ra m , seg u n d o C asp a ry ,
quando, “ com a f ix a ç ã o d a s p o s iç õ e s p o l í t i c a s r e s u l t a n t e s d a
c o n tro v é rs ia ( d a s in v e s tid u ra s ] c . m a is a in d a , c m v irtu d e do
le n to c r e a c im c n to d o s m o d o s d e p e n s a m e n t o e s c o l á s t i c o c j u r í ­
d ic o . a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X I l p e r d e u e s s a e s p é c i e de
f l e x i b i l i d a d e . . . e in s i s t i u m a is s o b re a c la re z a e a s d is tin ç õ e s
d o q u e s o b re a s in tc r- rc la ç õ c s " ( p . 1 9 0 ).
N ós e stu d a m o s um a im p o r ta n te fó r m u la id e o ló g ic a .
£ o c io s o i m a g i n a r q u e o s p r o n u n c i a m e n t o s d e G e l á s i o t e n h a m
s o lu c io n a d o t o d o s o s c o n f l i t o s e n tre o s d o is p r in c ip a is p ro ta ­
g o n is ta s , o u q u e e le t e n h a o b t i d o o a c o r d o d e t o d o s , d u r a d e ­
ra m e n te o u n ã o . O p r ó p r io G e lá s io tin h a s id o le v a d o k sua

S r » ã - s 0 ' •v ta u * * « 4 * '«*•p*
w
Ctntu, I

d e c la r a ç ã o p o r c a u s a d c u m a c r i s e a g u d a n a s c i d a d a p ro m u l-
gafio p e lo im p e r a d o r d e u m a f ó r m u l a , o Henoitkon. d e s tin a d a
a a p a z ig u a r s e u s s ú d ito * m o n o f i s is ia s . De um m odo g e ra i,
o a p a tr ia r c a s d a I g r e ja o r i e n t a l n i o s e g u ia m c e g a m e n t e o v ig á ­
rio d c S i o P e d ro c , c m p rim e ir o lu g a r, o i m p e r a d o r tin h a o
seu p r ó p r i o p o n t o d e v is ta n a m a t é r i a . C e r t o s t r a ç o s m o s tra m
que a in d a s u b s is tia a lg o c m B iz J n c io d a re a le z a s a c ro s s a n ta
h e le n ís tic a ( c f . a c i m a , n o ta 1 5 ), p e l o m e n o s p a r a u s o p ró p r io
d o im p e r a d o r e n o p a l i c i o im p e r ia l. E c e r t o s i m p e r a d o r e s p re ­
te n d e ra m c o n c e n t r a r c m s u a s m i o s , s i m u l t a n e a m e n t e , a s u p r e ­
m a c ia e s p ir itu a l e a te m p o r a l, e c o n s e g u i r a m - n o a lg u m a s v ezes.
N io só, a n te s de G e lis io , J u s tin ia n o , m a s d e p o is d e le , n o
o c id e n te , C a r lo s M agno e O tà o I, c ad a um à sua m a n e ir a ,
a s s u m ir a m as fu n ç ó e s re lig io s a s su p re m a s com o p a rte in te ­
g r a n te d o r e in o d e le s .

S e r ia d if íc il im a g in a r c o n t r a d i ç i o m a is g rita n te d a dou­
tr i n a d e G e lis io d o que a p o lític a a d o ta d a p e lo papado a
p a r t i r d e m e a d o s d o s é c u lo V I I I . E ra 7 5 5 -7 5 4 . o P a p a E sté -
v i o I I , n u m a in ic ia tiv a s e m p r e c e d e n t e s , s a i u d e R o m a , c ru z o u
o » A lp e s e fo i v is ita r o re i d o s fr a n c o s . P e p in o , o B rev e.
C o n f ir m o u - o c m su a r e a le z a c c o n fe riu -lh e o títu lo de "p a ­
tr í c i o d o s ro m a n o s " e o p a p e l d e p r o t e t o r e a l i a d o d a Ig r e ja
ro m a n a . C in q ü e n ta anos d e p o is , le io III c o ro a v a C a rlo s
M ag n o im p e ra d o r cm S io P e d ro d e R o m a , n o d ia d e N a ta l
d c 800.

P o d e -s e co m p re e n d er, d e aco rd o c o ra a s itu a ç io gem i


d e le s , c o m o o s P a p a s t in h a m s id o le v a d o s a a d o t a r u m a lin h a
d c a ç â o t i o r a d ic a l. N a o e s t a r í a m o s lo n g e d e d i z e r c o m o C a r
ly lc q u e e la lh e s fo i im p o s ta p e la s c i r c u n s t â n c i a s . N o p la n o
I m e d ia to , p ó d e s e r e s u m ir o q u e se p asso u cm d o i s p o n to s
Os Papas p u seram fir a a um a s itu a ç io dc h u m ilh a ç ã o , de
o p r e a O o e d e p e r ig o , v o l t a n d o a s c o s ta s a B iz in c io e su b sti-
lu ln d o u m p r o t e t o r lo n g í n q u o , c i v i l i z a d o m a s in c ó m o d o , p o r
o u t r o m a is p r ó x im o , m a is e f i c a z , m e n o s c iv iliz a d o c q u e . por
e s t a r a z i o , p o d e r ia e s p e r a r - s e q u e f o s s e m a i s d ó c i l . A o r o e m »
te m p o , a p ro v e ita v a m se d a m u d a n ç a p a r a r e i v i n d i c a r a a u to r i­
d a d e p o lític a s o b e r a n a s o b r e u m a p a r t e d a I t á l i a . O s im p e r a ­
d o re s o c id e n ta is p o d e r io , m a is U r d e , m o s tr a r s e m u ito m enos
d ó c e i s d o q u e s e e s p e r a v a e , p a r a c o m e ç a r . C a r l o s M a g n o v ia
p ro v a v e lm e n te o s d ire ito s p o lí t i c o s que a sse ru n v * ao Papa
M

como constituindo somente uma espécie de autonomia outor­


gada sob a sua própria soberania. Ele afirmou o seu dever
de não só proteger mas também dirigir a Igreja.
Para nós. o que é essencial é o fato de os Papas se arro-
garetn uma função política, como ficou claro desde o começo.
Segundo o professor Southern, ao comentar o pacto com Pepi­
no. "pela primeira vez na história, o Papa tinha agido como
uma autoridade política suprema, ao autorizar a transferência de
poder no reino franco, e sublinhara o seu papel político como
sucessor dos imperadores ao dispor de terras imperiais na Itá­
lia”. A apropriação de territórios imperiais na Itália não é
inteiramente explícita no começo: o Papa obtém de Pepino e
mais tarde de Carlos Magno o reconhecimento dos "direitos”
c territórios da "república dos romanos", sem que se distinga
nitidamente entre direitos c poderes privados e públicos, mas
o exarcado dc Ravena está incluído. Não podemos falar ainda
dc um Estado papal, se bem que exista uma entidade política
romana. Um documento falso, talvez um pouco posterior, a
chamada doação de Constantino, exprime claramente a preten­
são papal. Nesse texto, o primeiro imperador cristão teria, cm
315. transmitido ao bispo dc Roma não só o "palácio” dc
Latráo. extensas terras patrimoniais c o “ principado” religioso
sobre todos os outros bispos como "papa universal", mas tam­
bém o poder imperial sobre a Itália romana c as insígnias
e privilégios imperiais.5*
Do nosso ponto de vista, o que importa aqui, cm pri­
meiro lugar, é a mudança ideológica que assim se vê começar
c que será plenamente desenvolvida mais tarde, dc um modo
totalmente independente do futuro reservado, de fato, à pre­
tensão papal. Com a reivindicação dc um direito inerente ao
poder político, introduz-se uma mudança na relação entre o
divino e o terreno: o divino pretende agora reinar sobre o
mundo por intermédio da Igreja, e a Igreja toma-se mundana
num sentido em que não o era até então. Os Papas, por um a'
cpçio histórica, anularam a formulação lógica por Gclásio da

* * W Southern. Western Society and the Church in lhe Middle


* tn . leodrer. Pcnjuin Book». 1970. p 60; cf Peter Partner. The Lands
o/ Si Peter. Loodrtt. 1972. pp 21-2J.
60 G tn tu . I

re la ç ã o e n tr e a fu n ç ã o re lig io s a c a fu n ç ã o p o l í t i c a e e s c o lh e *
ra m u m a o u tra . A d ia r q u ia h ie rá rq u ic a d e G e lá s io ¿ s u b s titu í­
da por um a m o n a rq u ia de um tip o sem p re c e d e n te » , um a
m o n a rq u ia e s p ir itu a l. O s d o is d o m ín io s ou fu n ç õ e s são re u ­
n id o s c su a d is tin ç ã o é re le g a d a do n ív e l fu n d a m e n ta l p a ra
um n ív e l s e c u n d á rio , com o se d iv e rg is s e m não cm n a tu re z a
m as tã o -s o m e n te cm g ra u . £ a d is tin ç ã o e n tre e s p iritu a l e
te m p o ra l, ta l c o m o a conhecem os d esd e e n tã o , c o cam po é
u n ific a d o , d e m odo que p o d e m o s fa la r d o s “ p o d e re s " e s p iri­
tu a l e te m p o ra l. £ c a ra c te rís tic o que o e s p ir itu a l s e ja conce­
b id o com o s u p e rio r a o te m p o ra l, mesmo em nível temporal,
com o se fo sse u m g ra u s u p e rio r do te m p o ra l ou. por a s s im
d iz e r, o te m p o ra l e le v a d o a u m a p o te n c ia s u p e r io r . £ segundo
e s s e e ix o q u e , m a is ta r d e , o P ap a p o d e rá s e r c o n c e b id o com o
•a a u to rid a d e que “ d e l e g a '' o poder te m p o ra l ao im p e r a d o r
c o m o s e u re p re s e n ta n te .

Em c o n tra s te c o m a te o ria d e G e lá s io , a s u p e r io rid a d e i


a c e n tu a d a a q u i à s c u s ta s d a d if e r e n ç a , e a c e ita re i o ris c o de
cham ar a essa m udança um a p erv e rsão da h ie ra rq u ia . Ao
m e s m o te m p o , e n tr e ta n to , a tín g e -s e u m a c o c r ín c ia d e u m novo
tip o . A n o v a u n ific a ç ã o re p re s e n ta u m a tr a n s f o r m a ç ã o d e um a
a n tig a u n id a d e . S e n o s le m b ra rm o s d o m o d e lo a rq u c típ ic o da
re a le z a s a c ro s s a n ta , v e m o -la a g o ra s u b s titu íd a p e lo que se
p o d e ria c h a m a r u m s a c e r d ó c io re a l.

E s s a n o v a c o n fig u ra ç ã o é ric a d e s e n tid o c d e d e s e n v o lv i­


m e n to s h is tó ric o s s u b s e q ü e n te s . D eve s e r e v id e n te que. num
s e n tid o g e ra l, o in d iv íd u o c ris tã o e s ta rá d o ra v a n te m a is in ­
te n s a m e n te im p lic a d o no m undo. A fim de se m a n te r ao
n ív e l d a s in s titu iç õ e s , o m o v im e n to te m , c o m o o s m o v im e n to s

s e m e lh a n te s que o p re c e d e ra m , d o is e fe ito s o p o s to s : se a

Ig r e ja s e to r n a m a is m u n d a n a , in v e r s a m e n te o d o m ín io p o lític o
passa a g o ra a p a rtic ip a r m a is d ire ta m e n te dos v a lo re s ab so ­

lu to s . u n iv e r s a lis ta s . P o r a s s im d iz e r , e le é c o n sa g ra d o d e um

m odo in te ira m e n te novo. E podem os a s s im a p c rc c b c r-n o s de

u m a v lrtu a lid a d c que será re a liz a d a m a is ta r d e , a sab e r, q u e

um a u n id a d e p o lític a p a rtic u la r p o ssa, por su a vez, e m e rg ir


c o ro o p o rta d o ra de v a lo re s a b s o lu to s . E ta l i o E s ta d o m o­

d e rn o , p o rq u a n to e le não e s tá em c o n tin u id a d e com o u tra s

fo rm a s p o lític a s ; é um a Ig re ja tra n s fo rm a d a , com o se vé no

fa to de náo s e r c o n s titu íd o de d ife re n te s o rd e n s ou fu n ç õ e s


O Individualismo 61

mas de individuos — um ponto que o próprio Hegel náo


admitiu.”
C impossível dar aqui o que náo seria mais do que um
esboço desse desenvolvimento futuro. Digamos apenas que
esse deslocamento que acabamos de assinalar será seguido de
outros na mesma direção, c que essa longa cadeia de desloca­
mentos contínuos culminará, finalmente, na completa legiti­
mação deste mundo, ao mesmo tempo que na transferência
completa do individuo em este mundo. Essa cadeia de transi­
ções pode ser vista à imagem da Encarnação do Senhor como
a encarnação progressiva no mundo desse» mesmos valores
que o cristianismo reservara inicialmentc para o indivfduo-
fora-do-mundo e para a sua Igreja.

Concluamos: Propus que nos abstivéssemos de projetar a


nossa idéia familiar do indivíduo nos primeiros cristãos c seu
meio cultural, c que, pelo contrário, reconhecêssemos uma
diferença notável entre as respectivas concepções. O indivíduo
como valor era então concebido como alguém situado no ex­
terior da organização social c política dada. estava fora c
acima dela, um indivíduo-fora-do-mundo cm contraste com
o nosso individuo-no-mundo. Com a ajuda do exemplo india­
no. sustentei que o individualismo não teria podido desenvol­
ver-se de outro modo. surgir sob uma outra forma, a partir do
holismo tradicional, e que os primeiros séculos da história
da Igreja mostravam os priroórdios da adaptação ao mundo
desse estranho ser. No começo, sublinhamos a adoção da Lei
da Natureza dos estóicos como um instrumento racional para
a adaptação à ética mundana dos valores extramundanos.
Voltamo-nos cm seguida para uma única dimensão que é muito
significativa, a dimensão política. Inicialmente, o Estado está
para a Igreja como o mundo para Deus. £ por isso que a his-

3 Cf Principes de la philosophic du droit, J* parte. tcçio III, e ui»


impaciência em l « l em lace d* kW.ii de que a RevolutAo poderia ter
rtalada (et. "The Englith Reform Bill", cm IlegeT, Political WritInti,
Oííord, 1964. in line, < » corretponiWnciâ: cf o potfáclo de Habermat
em liege!. Polilisch* Sch/i/ten. Frankfurt. Suhrkamp. 1966. pp 1M-J6S,
«. em cipccial. a referência no 5 2S8 — de falo — da FilosoIia do Pi-
resto "Se o Estado é confundido com a sociedade c iv il...”).
62 G h m t.l

tó r í â d i c o n c e p ç ã o p e la Ig r e ja d e s u a r e l a ç ã o c o m o E stado
é c e n t r a l n a e v o lu ç ã o d a r e la ç ã o e n t r e o p o r t a d o r d e valores,
o in d iv íd u o - fo ra -d o - m u n d o , e o m u n d o . D e p o is q u e a c o n v er­
são d o im p e ra d o r e , cm s e g u id a , d o im p é r io im p u s e ra m i
Ig r e ja u m a r e la ç ã o m a is e s tr e i ta c o m o E s t a d o , G c lá s io I de­
s e n v o lv e u um a fó r m u la ló g ic a da re la ç ã o a que podem os I c
c h a m a r u m a d ia r q u ia h ie r á r q u ic a . E n t r e t a n t o , a v e r d a d e dessa I v
fó r m u la n i o nos deve e sco n d er o fa to d e q u e e la n ã o tem . I <
c m a b s o lu to , q u a lq u e r r e la ç ã o c o m o i n d iv id u a lis m o , c o m o o | d
p a r a le lo in d ia n o n o s m o s tra . D e p o is , n o s é c u lo V I I I , p ro d u z -se I j
u m a m u d a n ç a d ra m á tic a . P o r u m a d e c i s ã o h i s t ó r i c a , o s P apas I ¿
ro m p e m s e u v ín c u lo c o m B iz in c io e a r r o g a m - s e o p o d e r tem - I c
p o ra l s u p re m o n o o c id e n te . A s i t u a ç ã o m u i t o d if í c il e m que I c
se e n c o n tra v a m c o n v id a ra -o s a e s s e a t o p r e n h e d c c o n se q ú é n - I c«
c ia s m a s n ã o p o d e ria e x p lic á - lo . H o u v e um a s u til tra n s iç ã o I u
id e o ló g ic a m a s fu n d a m e n ta l. A I g r e ja p r e t e n d e a g o ra re in a r, I di
d ir e ta o u in d ir e ta ro e n te . s o b r e o m u n d o , o q u e s ig n ific a q u e I r

o In d iv íd u o c ris tã o e s tá a g o ra c o m p r o m e tid o n o m u n d o n u m I tt
g ra u K m p re c ed e n te * . S c g u ir-se -S o o u t r a s e ta p a s n a m esm a
d ire ç ã o m a s e s s a fo i d e c is iv a c m g e ra l c . c m p a r t i c u l a r , q u a n to I qv
ao* d e se n v o lv im e n to s p o lític o s s u b s e q ü e n te s . P a s s a m o s assim e|<
e m re v is ta a lg u n s d o s e s tá g io s d a tr a n s f o r m a ç ã o d o indivf* I
d u o fo r a - d o -m u n d o e m in d ív íd u o - n o -m u n d o . cr.
A p rin c ip a l liç ã o a m e d ita r ta lv e z s e ja q u e a m a is efe tiv a
h u m a n lrá ç ã o d o m u n d o s a iu . a lo n g o p ra z o , d e u m a relig ião
q u e o s u b o rd in a v a d o m o d o m a is rig o r o s o a u m v a lo r tra n s ­
c e n d e n te .

Calvino
t u m a fra q u e z a d o p re s e n te e s t u d o d e tc r - s c n o s é c u lo V I I I .
A le se s e r ia re fo r ç a d a se s e p u d e s s e a p r e s e n t a r o d e s e n v o lv i­
m e n to u lte r io r a té è R e fo rm a . N ã o e s to u cm c o n d iç õ e s de
o f a z e r , d e m o m e n to , m a s p a r a r e m e d ia r e s s a f a lh a , e m c erta
m e d id a , p ro p o n h o - m e c o n s id e r a r b r e v e m e n te o e s tá g io te rm i­
n a ! d o p ro c e s s o , ta l c o m o é r e p r e s e n ta d o p o r C a l v i n o ." A do-
ta re m o s c o m o b a s e a in te r p r e ta ç ã o q u e lh e d á T r o c l ts c h . pro- *

** Espero fonwcct «uhteoo f t posição cooipUu


O Individualismo 63

cu ran d o m o stra r q u e h á v a n ta g e m c m re fo rm u lá -la n a lin g u a ­


gem a q u i u tiliz a d a .* '
E m q u e se n tid o C a lv in o p o d e s e r c o n sid e ra d o o m arc o
que assinala o fim d e u m p ro c e sso ? O d e se n v o lv im en to g eral
prossegue d e p o is d ele. O ¡n d iv íd u o -n o -m u n d o p ro g re d irá com
as seitas, cora o Ilu m in ism o e d a f c m d ia n te . M as d o p o n to
de vista q u e esco lh em o s, o d a re la ç ã o c o n c e p tu a l e n tr e o in d i­
viduo. a Ig reja e o m u n d o . C a lv in o m a rc a u m a c o n clu sã o : a
*ua Igreja é a ú ltim a fo rm a q u e a Ig reja p o d ia a d o ta r sem
desaparecer. A lém disso. q u a n d o d ig o C a lv in o te n h o cm v ista
a Reform a n a m edida em q u e e la cu lm in a — d o n o sso p o n to
de vista — e m C alvino. C om e fe ito . C a lv in o c o n stru iu so b re
os alicerces im p lan tad o s p o r L u tero . E le tin h a so m en te co n s­
ciência de e x p lic itar, d e a rtic u la r a posição d e L u te ro e déla
extrair as conclusões lógicas. Podem os, p o rta n to , p a ra serm os
sucintos, e v ita r u m a c o n sid era çã o d o lu te ran ism o em si. reten -
do apenas os pontos d e v ista d e L u tero q u e c o n stitu e m p res­
supostos cm C alvino c d e ix a n d o de lad o aqueles q u e fo ram
suplantados ou sub stitu id o s em C alvino.
A tese é sim ple*. C om C alvino. a d icotom ía h ierá rq u ic a
que caracterizava o nosso cam p o de e stu d o chega a o fim : o I j t y V .
elemento m undano antagônico, ao q u a l o in d iv id u alism o devia KO
até então reservar um lugar, d esaparece in teiram en te n a teo­
cracia calvinista. O cam po e stá co m pletam ente u nificado. / U w p o
O indivíduo está agora n o m un d o , e o valor in d iv id u a lista reina
sem restrições n em lim itações. T em os d ian te d e nós o i n d i J
vfduo-no-mundo.
Na verdade, o reconhecim ento desse fato n ã o é novo.
pois está presente cm cada página d o c ap ítu lo de T rocltsch
sobre Calvino. m esm o que af se expresse n u ma linguagem algo

° Assim. este cpflojo nada n u il i do que um timples exercício sobre


0 irxto de Troettseh. Sc um a desculpa te impõe por n io ter conside­
rado u m j literatura mais vasta, direi que. após algumas incursões, como
no» livros de Choisy a que Troettseh nos remete ou no* próprio* Institu­
ir* óc Calvino. verifica-se que as questões form uladas recebem facil­
mente uma resposta unívoca: n io existe penum bra, uma xona que exi-
risse um outro in su lo de vlsio ou uma outra ilum lnsçio; os contornos
furam traçado» com m io (irme e n io d i o maigern para equívocos. H i
*4 sigo um pouco Inquietante na segurança decidida de Calvino. Nesse.
eJe é inteirameote moderno: O m undo rico.
da estrutura foi banido.
’ * C # i» í* # . f

d if e r e n t e . D e s d e o c o m e ç o d e s e u liv r o , n o f i n a l d o c a p itu lo
s o b r e P a u lo , T r o c lU c h já la n ç a v a s u a » v i s t a s p a r a e s s a u n ift-
( p p . 8 1 - 8 2 ) : “ E s s e p r i n c í p i o e la s i m p l e s j u s t a p o s iç ã o d a i
c o n d iç õ e s d a d a s e d a s p r e te n s õ e s id e a is , o u s e j a . a m is tu r a d e
c o n s e r v a n t is m o e d e r a d ic a lis m o , s ó s e r á q u e b r a d o p e l o c a l­
v in is m o ." *
O c o n t e s t o s u g e r e a p o s s ib ilid a d e d e u m a a lte r n a tiv a :
a p ó s a u n if ic a ç ã o , o u o e s p ír ito a n im a to d a a v id a . c o m o no
c a s o d e C a lv i n o . o u c o t io , in v e r s a m e n te , o v id a m a te r ia l c o ­
m a n d a a v id a e s p ir itu a l. O d u a lis m o h i c r á r q u ic o ó s u b s titu id o
p o r u m c o n tin táturrt d e s p r o v i d o d e r e le v o c g o v e r n a d o p o r um a
a lt e r n a tiv a .
C a l v in o a c r e d ita s e g u ir 1.u le r o c . e n tr e ta n to , p r o d u z um a
d o u tr in a d if e r e n t e . I s s o c o n v id a - n o s a p a r tir d e s e u c a r á te r ou
te m p e r a m e n t o p a r tic u la r . C o m o d iz T r o e lts c h , C a lv in o te m
u m a c o n c e p ç ã o m u ito s in g u la r d e l) e u s . E ssa c o n c e p ç ã o cor­
r e s p o n d e p r e c is a m e n te a u m a in c lin a ç ã o d e C a lv in o c . cm
g e r a l, d e p r o je ta p o r to d a a p a r te a s u a p r o fu n d a in s p ir a ç ã o
p e s s o a l. C a lv in o n ã o p o s s u i u m te m p e r a m e n to c o n te m p la tiv o ,
é u m p e n s a d o r r ig o r o s o c u jo p e n s a m e n to e s tá v o lta d o p a ra a
a ç ã o . D e f a t o . r e in o u e m G e n e b r a c o m o e x p e r ie n te h o m e m d e
E s ta d o e e x is t e n e le u m a p r o p e n s ã o le g a lis ta . G o s ta d e pro­
m u lg a r r e g r a s e s u b m e te r à d is c ip lin a p o r e l a s e s t a b e le c id a e le
p r ó p r io e o » o u t r o s . E p o s s u íd o p e la v o n t a d e d e a g ir n o m u n d o
e r e c h a z a p o r r a c io c in io s c o e r e n te s a s id ó ia s r e c e b id a s q u e o
im p e d ir ia m d is s o .
E s s a d is p o s iç ã o p e s s o a l e lu c id a o s t r ê s e le m e n t o s e s tr e i-
ta m e n te v in c u la d o s q u e s ã o fu n d a m e n ta is n a d o u tr in a c a lv i­
n is t a : a s c o n c e p ç õ e s d e D e u » c o n s o m w t f lJ r . d a p r e d e s tin a ç ã o
e d a c id a d e c r is tã c o m o o o b je tiv o p r e c ip u o d a v o n ta d e d o
in d iv id u o .
f* a ra C a lv in o . D e u » é e s s e n c ia l m e n te v o n ta d e e m a je s­
t a d e . I s s o im p lic a u m a d is tâ n c ia : D e u * e s t á . n e s t e c a s o . m a is
lo n g e d o q u e p r e c e d e n te m e n te . E u te r o e x p u ls a r a D e u s d o m u n ­
d o a o r e je ita r a mc<l'tmçAo i n s t i t u c i o n a l i z a d a n a Ig r eja c a tó li­
c a .3 * o n d e D e u s e s ta v a p r e m e n te p o r d e le g a ç ã o c m h o m e n s d is ­
t in g u id o s c o m o in te r m e d iá r io s C os d ig n itá r io s d a Ig r e ja , saccr-

M a ó ria das k M >m


r u s
O Individual» 69

doces in v e s tid o s d e p o d e r e s s a c r a m e n ta is , m o n g e s d e v o ta d o s a
um tip o s u p e r io r d e v i d a ) . M a s . p a r a L u te r o , D e u s a in d a é
acessível à c o n s c iê n c ia in d iv id u a l p e la f é . o a m o r e . m im a
c e rta m e d id a , p e la r a z i o . E m C a lv in o . o a m o r c a í p a r a s e g u n ­
d o p la n o , e a r a z i o s o m e n te se a p lic a n e s te m u n d o . A o m e s m o
tem p o , o D e u s d e C a lv in o é o a r q u é t i p o d o v o n t a d e , n o q u a l
p o d e v e r-se a a f ir m a d l o i n d ir e t a d o p r ó p r i o h o m e m c o m o v o n ­
ta d e e . p a r a a lê m . a a f ir m a ç ã o m a is f o r t e d o i n d iv i d u o , o p o s ta ,
se n e c e s s á rio , o u s u p e r i o r k r a z i o . S e m d ú v i d a , a ê n f a s e s o ­
b re a v o n ta d e é c e n t r a l n a h i s t ó r ia d e to d a a c iv iliz a ç ã o C r is ti,
d e sd e S a n to A g o s tin h o i f ilo s o fía a l e m i m o d e r n a , p a r a n a o
c ita r a lib e r d a d e e m g e ra l e o v ín c u lo c o m o n o m in a lis m o
(O c c a m ).
A s u p re m a c ia d a v o n ta d e e x p re s s a -s c d r a m a ti c a m e n te n o
d ogm a d a p r e d c s t i n a ç i o . A q u i. o p o n t o d e p a r ti d a e n c o n t r a s e
n a r e je iç io p o r L u te r o d a s a t v a ç io p e la s o b r a s , q u e v is a v a
so b re tu d o a d e s tr u iç ã o d o e d if íc io c a tó lic o , d o r i tu a l is m o d a
Ig reja e d o d o m ín io q u e e la e x e r c ia s o b r e o i n d iv í d u o . L u te r o
su b s titu íra a ju s tif ic a ç ã o p e la s o b r a s p e la j u s tif ic a ç ã o p e la fé
e . n o e sse n c ia l, a i s c d e tiv e r a . d e ix a n d o u m a m a rg e m d e l i b e r ­
d a d e a o in d iv íd u o . C a lv in o fo i m a is lo n g e , a f i r m a n d o c o m
um a c o e rê n c ia im p la c á v e l a c o m p le ta im p o tê n c ia d o h o m e m
cm face d a o n ip o tê n c ia d e D e u s . A p r i m e i r a v i s t a , h a v e r i a a í
m ais u m a lim ita ç ã o d o in d iv i d u a li s m o d o q u e s e u p r o g r e s s o .
E T ro cltsch v ê n o c a lv in is m o u m a f o r m a p a r t i c u l a r d e i n d i v i ­
du alism o . m u ito m a is d o q u e u m i n d iv i d u a li s m o in te n s i f i c a d o
(n o ta 3 2 0 ). E u g o s ta r ia d e m o s t r a r q u e e x is te , d e f a to . u m a
in te n sifica çã o n o q u e s e r e fe r e è r e la ç ã o d o i n d i v í d u o c o m o
m undo.
A ín e s c ru tá v e l v o n t a d e d iv in a i n v e s te c e r t o s h o m e n s d a
grsç a d a e le iç ã o e c o n d e n a o s o u t r o s ã r e p r o v a ç ã o . A t a r e f a O '
d o e le ito c o n s is te e m t r a b a l h a r p e la g l o r if i c a ç ã o d e D e u s n o
m undo e a fid e lid a d e a e s s a t a r e f a s e r á a m a r c a e a ú n i c a
prova d a e le iç ã o . A s s im , o e le i to e x e r c e in c a n s a v e l m e n t e s u a
vontade n a a ç ã o . O r a , a s s im p r o c e d e n d o , n a a b s o l u t a s u b m i s ­
são a D e u s. e le p a r t i c i p a r á e f e t iv a m e n t e d e D e u s n a m e d i d a

Kart Bsrrti. segundo o q ual não existe n e nhum p o n to d e c o n te to entre


Deis e o hoosem. coos a presença próxim a d e D eus em S ão B ernardo
• o esforço cisserciense d e "deaoobrlr D eus n o botnem e a tra v és d o
» o e m * CTh* Discovery o / th , Individual. I0S0-I200. L ondres. 1972.
9. M3)
66 Gtntu. i

cm que c o n trib u i p a ra a re a liz a ç ã o de seus d e s í g n i o s . P ro ­


c u ro , m u ito im p e rf e ita m e n te , sem d ú v id a , a p re en d e r o co m ­
p le x o d e s u je iç ã o e d e e x a lta ç ã o d o e u que c s ti p r e s e n t e iu
c o n fig u ra ç ã o d e id é ia s e v a lo re s de C a lv in o . N e s s e n í v e l , ou
s e j a , n a c o n s c i ê n c i a d o e l e i t o , r e e n c o n t r a m o s a d i c o t o m í a h ie ­
r á rq u ic a q u e n o s é f a m ilia r. T r o c lts c h a d v c r t e - n o s c o n t r a um a
in te r p r e ta ç ã o q u e v e ria e m C a l v in o u m i n d i v i d u a l i s m o a tô m ic o
sem fr e io , E v e rd a d e q u e a g r a ç a d i v i n a , a g r a ç a d a e le iç ã o ,
é c e n tra l na d o u trin a , c que C a lv in o n ã o te m o que fa z er
da lib e rd a d e d o h o m e m . S u s te n ta e le q u e “ a h o n ra dc D eu s
e s t á s a lv a q u a n d o o h o m e m s e i n c l i n a s o b a s u a le i, q u e r su i
s u b m i s s ã o s e j a li v r e o u f o r ç a d a ” ( C h o i s y . c i t a d o p o r T r o c l ts c h .
n o ta 3 5 0 ). E n tre ta n to , se v e m o s aqui o s u r g i m e n t o d o in d iv i-
d u a lis m o - n o - m u n d o . c sc co n h ecem o s a d ific u ld a d e in tr ín s e c a
d e ss a a titu d e , e sta re m o s in e v ita v e lm e n te reco n h ecen d o n a su ­
je i ç ã o d o e l e i t o á g r a ç a d e D e u s a condição necessária à leg i­
tim a ç ã o d e s s a t r a n s i ç ã o d e c i s i v a .
A té ê n t ã o , c o m e f e i t o , o in d iv íd u o e r a o b r ig a d o a re c o ­
nhecer no m u n d o um fa to r a n ta g ó n ic o . um outro i r r e d u t ív e l
q u e e le n ã o p o d ia s u p r i m i r m a s tã o - s o m e n t e s u b o rd in a r, en­
g l o b a r . E s s a li m i t a ç ã o d e s a p a r e c e c o m C a l v i n o e v e m o - la s u b *
t i t u í d a , d e c e r t o m o d o , p e l a s u j e i ç ã o m u i t o e s p e c i a l á v o n ta d e
d iv i n a . S c é e s s a r e a l m e n t e a g ê n e s e d o q u e T r o c l t s c h c W c b e r
c h am aram " a sc e tis m o -n o -m u n d o ” , s e r ia p re fe rív e l in v e rte r os
te r m o s e f a l a r d c u m a in tr a m u n d a n id a d e a s c é t i c a , o u c o n d i-
c io n a d a .* *
P o d e -s e t a m b é m c o n tra s ta r a p a rtic ip a ç ã o a tiv a d c C a l­
v in o e m D e u s com a p a r tic ip a ç ã o tr a d ic io n a l, c o n te m p la tiv a .

* Mas Wíbcr disse aproximadamente a morna coisa em 1910.


discussão que «« seguiu I conferência de Trocltsch sobre o direito n>
tura! etc opunha as “formas dc sentimento religioso que rejeitam o
awodo' ao “sentimento raligioao calvinista qua encontra a certera da
ser filho dc Deus na prova de si (Jtwdhrung) ao obter êxito . no
mundo dado c ordenado*, e também opunha a "comunidade* de amor
aeftanico característico da Igreja oriental e da Rússia i “sociedade* c*s
“formação da estrutura social numa base egocêntrica* (“Ma* Wrbet
oo Church. Sect and Mssttcis*“. rd coord por Nelson. Sociologies/
A m h e k 34-2. 1971. p msi
Benjamin Nelson d u . em outro trecho que o misticismo normanda
reuurr srr mais expliolimeote reconhecido do q
T ro e ltsc h |Scv tcbpcd A+*rut
J fc l. U * V p J
1s t wm tci confirmar a ênfase que foi aqui atui
do qua ao ascetismo
O InJmJiuUm o O

q u e é o i n d a a d e L u t e r o . D ir - s e - ia q u e , c m v e z d e e n c o n tra r 7
n u m o u tro m u n d o o re f u g io q u e n o s p e r m ite d c sv c n c ilh a r-n o s
p a u a v e l m e n te d a s im p e rf e iç õ e s d e s te . d e c id im o s e n c a r n a r e sse
o u tro m undo a tra v é s d e n o ssa ação d e c id id a so b re e s te em
q u e v iv e m o s . E , o q u e é d e u rn a im p o r ta n c ia im e n s a , a i e s t l
o m o d e lo do a rtific ia lis m o m o d e rn o cm g e ra l, a a p lic a ç ã o
s is te m á tic a i>s c o is a s d e s te m undo de um v a lo r e x trín s e c o ,
im p o s to . N a o u m v a l o r e x t r a í d o d e n o s s a p e r t e n ç a a o m u n d o ,
de sua h a rm o n ia o u de no ssa h a rm o n ia c o m de. m as um
v a lo r e n r a i z a d o c m n o s s a h e te ro g c n c id a d c cm re la ç ã o a e le :
a i d e n tif ic a ç ã o d e n o s s a v o n t a d e c o m a v o n ta d e d e D e u s (D e s ­
c a r te s : o hom em se to m a rá "am o c sen h o r da n a tu re z a " ) .
A v o n ta d e a s s im a p l i c a d a a o m u n d o , o f i m p r o c u r a d o , o m o - 1
tiv o o u a m o la p r o f u n d a d a v o n t a d e , s ã o f a t o r e s e s tr a n h o s .)
P o r o u tra s p a la v ra s , são e x tra m u n d a n o s . A e x tra m u n d a n i-f
d a d e e s ti a g o ra c o n c e n tr a d a n a v o n ta d e in d iv id u a l. Isso c o r­
re s p o n d e p e r f e ita m e n te ã d is tin ç ã o d e T ó n n ic s e n tr e v o n ta d e
e s p o n tâ n e a e v o n ta d e a r b itr á r ia , Naiurwille c Kuru'ille, e ve­
m os o nde o a rb itr á r io , Willkür, te m su a fo n te . Em m in h a
o p in iã o , e ssa d is p o s iç ã o e s tá ig u a l m e n t e s u b ja c e n te no que
W e b e r c h a m o u a r a c io n a lid a d e m o d e rn a .
A lé m d is s o , e s s a c o n c e p ç ã o d e C a lv in o p e rm ite -n o s c o r­
r ig i r e a p r o f u n d a r o p a r a d i g m a u t i l i z a d o a té a q u i. S e a e x tr a -
m u n d a n id a d e e s tá a g o ra c o n c e n tr a d a n a v o n ta d e d o in d iv id u o ,
p o d e -s e p e n s a r q u e o a rtific ia lis m o m o d e rn o , e n q u a n to fen ô ­
m e n o e x c e p c io n a l n a h is tó r ia d a h u m a n id a d e , s ó p o d e s e r c o m ­
p r e e n d id o c o m o u m a c o n s e q ü ê n c i a h U t ó r i c a l o n g í n q u a d o in d i -
v id u a liu n o -f o ra -d o m u n d o dos c ris tã o s , e que a q u ilo a que
cham am os o m o d e rn o " in d iv íd u o - n o -m u n d o ” p ossui cm si
m esm o , e s c o n d id o sob a sua c o n s titu iç ã o in te rio r, um e le ­
m e n to não p e rc e b id o m as e s s e n c ia l de e x tra m u n d a n id a d e .
E x is te , p o r t a n t o , u m a c o n t i n u i d a d e e n t r e o s d o i s t i p o s d e i n d i ­
v id u a lis m o b e ra m a io r do que su p u sem o s no in íc io , o que
te m p o r c o n s e q ü ê n c i a q u e u m a h ip o té tic a tra n s iç ã o d ire ta d o
h o l í t m o t r a d i c i o n a l p a r a o i n d i v i d u a l i s m o m o d e r n o d e ix a a g o r a
de se n o s a p re s e n ta r s o m e n t e c o m o i m p r o v á v e l m a s ta m b é m
c o m o im p o s s ív e l.* *

* Ai duta p ífia do noeeo p a ra d ip e tafc »l tiniu» ildo P™»™*


" o u t apretcniedat de um modo maU ou menea Independente a
Pireier que »e contradiziam Ou mía. em pooeaa pelavrai. »
(4 G in n t, I

A t r a n s iç ã o p a r a o in d iv id u o -n o -x n u n d o , o u , sc assim
p o s s o d iz e r , a c o n v e r s ã o à in tr a m u n d a n i d a d e . te m notáveis
c o n c o m ita n te s c m C a lv in o . A s s in a lo u -s c a r e c e s s ã o d e a sp e cto s
m ís tic o s e a fe tiv o s . E le s n ã o e s t ã o a u s e n te s , c m a b s o lu to , dos
e s c rito s d e C a lv in o m a s . d e u m m o d o m u ito e s p e ta c u la r , de
s u a d o u t r in a . A p r ó p r ia R e d e n ç ã o é i n te r p r e t a d a , d e u m p o n to
d e v is ta s e c a m e n te le g a lis ta , c o m o a r e p a r a ç ã o d e u m a o fen sa
à h o n r a d e D e u s . O C r is to é o c h e fe d a I g r e ja ( n o lu g a r do
P a p a ) , o p a ra d ig m a d a v id a c r is tã e o s e lo q u e a u te n tic a o
A n tig o T e s ta m e n to . O s e n s in a m e n to s p e s s o a is d o C r is to não
e r a m a d e q u a d o s p a r a r e g u la m e n ta ç ã o d e u m a c id a d e te rre s tre
c r is tã , c o S e rm ã o d a M o n ta n h a d e s a p a r e c e , c m s u m a , a trá s
d o D e c á lo g o . O p a c to e n tr e D e u s e a I g r e ja r e p r o d u z o a n tig o
p a c t o e n tr e D e u s e Is ra e l. C h o is y in s is tiu n a tr a n s iç ã o da
* * c risto c ra c ia " d e L u tc r o p a r a a " n o m o c r a c ia ” o u "logocracia**
d e C a lv in o .
D o m e s m o m o d o . a m a io ria d o s tr a ç o s c o rre s p o n d e n te s
à e s t r a m u n d a n i d a d e p e rd e m s u a f u n ç ã o e d e s a p a r e c e m . A v olta
d o M e ssia s já p e r d e r a h á m u ito te m p o b o a p a r te d e s u a u r ­
g e n c ia . P o d e -se d iz e r q u e o r e in o d e D e u s te m a g o r a q u e ser
c o n s tr u íd o n a t e r r a , p o u c o a p o u c o , g ra ç a s a o e s f o r ç o dos
e le ito s . P a ra q u e m se b a te in c a n s a v e lm e n te c o m o s h o m e n s
e a s in s titu iç õ e s t a l c o m o s i o . o e s t a d o n a tu r a l o u d e in o c ê n ­
c ia . a d is tin ç ã o e n tr e L eis d a N a tu r e z a a b s o lu ta c re la tiv a ,
c o n s titu e m e s p e c u la ç õ e s e s té re is .
U m a p e r g u n ta se im p õ e : P o d e re m o s v e r d a d e ir a m e n te a f ir ­
m a r q u e o v a lo r in d iv id u a lis ta r e in a a g o r a se m c o n tra d iç ã o
n e m lim ita ç ã o ? À p r im e ir a v is ta , a s s im n ã o p a r e c e s e r. C a l­
v i n o c o n s e r v a a id é ia m e d ie v a l s e g u n d o a q u a l a I g r e ja deve
d o m i n a r o E s ta d o (o u o g o v e rn o p o lític o d a c id a d e ) c . so b re ­
t u d o . e le c o n c e b e s e m p re a I g r e ja c o m o i d e n t i f ic a d a c o m a

holism o/hidivsdoaU sm o tu e õ e um individualism ono-m undo. ao pano


qu« n a distinção Intraim indano/extram undano o pók> extram undano não
M op»V a o S o lí tin o (pelo nteooa. d a mesma form a que o pólo intratnu»
dano» D e (•«*. o individualism o ex tram undano opóe-se hUntrquic+
m t e a o Soltsm o superior ft sociedade, deixa-a no lugar, enquanto qwr
In d is ¿dualism o intram undano nega ou destrói a sociedade holla t a e
f u i a <ou pretende facé-to) A continuidade que acabam os de via
mi entre os dois tipoa. especialm ente no exem plo d a Calvino. ra
a u n i d a d e deles a a t e n u a a s u a d if e r e n ç a . O p a r a d ig m a inicial *
C onfirm ado.______________________________________________________
O Individualismo W

sociedade global. Troeltsch sublinhou cuidadosamente esse


ponto: se bem que m uitos traços do calvinismo se inclinassem
para a seita, e qualquer que fosse o destino dos desenvolvi­
mentos vindouros nessa direção ou na das “ Igrejas livres",
Calvino sempre aderiu estritam ente ao controle pela Igreja de
todas as atividades no seio da com unidade social inteira e,
na verdade, exerceu rigorosamente esse controle em Genebra.
Poder se-ia supor, portanto, que não desapareceram todos os
traços de holismo e que. para Calvino. como ocorria antes,
o individualismo viu-se, cm certo grau, contrabalançado pelas
necessidades da vida social. Troeltsch explica que não foi nada
disso: “ A idéia de comunidade não se desenvolveu a partir
da concepção da Igreja e da graça, como na Igreja luterana;
pelo contrário, ela deriva do mesmo princípio donde surgiu
a independência do indivíduo — a saber, o dever ético de
preservar a eleição e de tomá-la efetiva — e de um biblicismo
abstrato" <pp. 62S-Ó26).
Troeltsch cita Schncckcnburger (nota 320): “ NSo 6 a
Igreja que faz dos crentes o que eles são. mas os crentes que
fazem da Igreja o que ela é". e acrescenta: “ A concepção da
Igreja situa-se no quadro da predestinação.” Em suma. através
da predestinação, o indivíduo suplanta a Igreja. Eis uma mu­
dança fundamental, que se compreende melhor se nos lem­
brarmos de que Lulero, ao manter inalterada, acreditava clc.
a idéia da Igreja, esvaziou-a, dc fato, de seu núcleo vital.
E!a subsistiu então como uma instituição dc graça e salvação
(Heilumstalt), mas a predestinação calvinista despojá-la-ia até
dessa dignidade, de fato quando não no princípio. Restou da
Igreja um instrumento de disciplina agindo sobre os indivíduos
(tanto os eleitos quanto os réprobos, pois 6 impossível dis­
tinguidos na prática) e sobre o governo político. Mais precisa­
mente, era uma instituição dc santificação (Hriligunusanstah),
eficaz na cristianização da vida da cidade. Toda a vida, na
Igreja, na família e no Estado, na sociedade e na economia,
em todas as relações privadas e públicas, deve ser modelada
pelo Espírito divino e pela Palavra divina, comunicados pelos
ministros da Igreja (e. evcntualmcnlc. confirmados pelo Con-
sistério. no qual os leigos catavam representados). No plano
fatua), a Igreja era agora o órgão pelo qual oa eleitos deviam
reinar sobre os réprobos e cumprir sua tarefa para maior
glória dc Deus. Conservava alguns traços da antiga Igreja e
70 G tn ^ ,

d istinguía-te assim d a se ita m as. a o m e s m o tem p o , tornar*-*


n a p rá tic a u m a associação c o m p o sta d c in d iv íd u o s (cf. nota 29).
E m sum a. C al vi no n ã o re c o n h e c ia n e m n a Ig reja nem na
sociedade o u c o m u n id ad e, a re p ú b lic a o u c id a d e de Gene­
b ra — co in c id in d o as d u a s q u a n to a se u s m em b ro s — um
p rin cíp io d e n a tu re za h o lista q u e te ria lim ita d o a aplicação
d o vaJor individualista. E le só c o n h e c ia im p e rfeiç õ es, resistên­
cias o u obstáculos a tra ta r d a m a n e ira a p ro p ria d a , c um campo
unificad o pelo exercício d a a tiv id a d e d o e le ito , o u seja. pela
glorificação de D eus.
Sem esquecer o vasto h ia to c ro n o ló g ico ex isten te neste
estudo, arriscarei um a conclusão p ro v isó ria . C om C al vi no. a
Igreja, englobando o E stado, d e sa p are ce u co m o instituição
holista.
E . no e n tan to , a reform a, so u te n ta d o a d iz e r a revolução,
operada por Cal vi no — a un ificação d o c a m p o ideológico e a
conversão d o indivíduo a o m u n d o — só foi possível graças
i ação secular d a Igreja. £ c la ro q u e . a té à R eform a, a Igreja
tinha sido o grande agente d a tran sfo rm a çã o q u e estudamos,
um a espécie de m ediador a tiv o e n tre o indivíduo-fora-do-m un-
do e o m undo, isto é . a sociedade e . em especial, o império
ou o Estado.
Podem os. p ortanto, su b stitu ir, em p rin cíp io , o nosso mo­
delo inicial p o r um o u tro m ais preciso, m as dev o contentar-me
com um esboço. E ntre o v alo r a b ran g en te — o ind iv íd u o fo rs-
do-m undo — e as necessidades e ob ed iên cias terre n as, cum­
pre-nos colocar a Igreja. V em o-la a tra v és d o s séculos ativa em
duas frentes, afirm ando-se co n tra a in stitu içã o p o lítica e tam­
bém , gro&fo m odo. co n tra o indivíduo. C om e feito , ela cresceu
doa dois lados: subordinando, pelo m enos cm princípio, o
im pério e tam bém , pela reform a gregoriana e . em particular,
a dou trin a doa sacram entos (en tre os q u a is a penitência), atri­
buindo-se certas funções e capacidades que perm item aplanar,
p a ra o com um dos m ortais, o cam in h o d a salvação m as que.
com a R eform a, o indivíduo q u is cm seguida recuperar.
L ulero e Cal v in o atacam a Igreja c ató lica, so b retu d o , com o ins­
titu ição d e salvação. Era nom e d a auto-suficiência do indi-
vídoo-em -relação-a-D cus. cies põem fim à div isão d o trabalho
Instituída no plan o religioso p ela Igreja. A o m esm o tem po, ek»
aceitam o u . pelo m enos. Cal vino aceita dc m an eira m uito ní­
tid a . a u nificação o b tid a pela Igreja d o lad o político.
O Ir.JiwJuiiliimo 71

Por essa dupla atitude, o individualismo-no-mundo de


Calvino apropria-se. de ura s6 golpe, do cam po unificado —
já cm grande medida unificado pela Igreja. A Reforma colhe
o fruto que amadureceu no seio da Igreja.
Na continuidade do processo de conjunto, a Reforma
constitui uma crise marcada por um retom o a um nivel p re­
ciso: a instituição que fora a cabcça-dc-pontc do elem ento
extramundano c conquistara o mundo, condena-sc agora a si
mesma na medida cm que se tomou m undana no intervalo.
II

G Ê N E S E , II

A C a te g o ria P o lític a e o E s ta d o
a P a rtir d o S é c u lo X I I I *

Introdução
Na medida em que visa a concepção moderna do indivíduo,
o estudo que se segue 6 m uito limitado em comparação com o
que Max W eber recomendava no início do século.' Trata-se
de um estudo comparativo em sua origem e em sua finalidade.
Expressões como “ individualismo", "atom ism o” e "secularis-
mo" servem freqüentemente para caracterizar a sociedade mo­
derna cm relaçio às sociedades de tipo tradicional. Em parti­
cular. é um lugar-comum opor a sociedade de castas e a
sociedade ocidental moderna. De um lado. liberdade e igual­
dade. do outro interdependência e hierarquia estão cm pri­
meiro plano. Podemos alinhar pares de contrários: a perma­
nência face à mobilidade, a atribuição face à capacidade de*1

* Lite ensaio, publicado em 1965, marca o início da pesquisa. Dai O


»eu titulo original muito genérico: “The Modera Conception of lha
Individual. Notes on its genesis and that ot concomitant institutions*.
Contribution» to Indian Sociology. VIII, outubro de 1965. Em francés,
em Eiprii, fevereiro de 1978: "La conception modeme de Piodlvidu.
Notes sor sa geni se, en relation avec les conceptions de la politique et
de l'Éiai. k partir du XIII» siéde".
1 “O termo individualismo' abrange as noçdes mais heterogéneas que
•e possa imaginar | . ..) uma análise radical detsea cooceiloa seria atual­
mente. uma vex mais (segundo Burckhardtl muito valioaa para a ciência
O-'ítblqu, pnxeuantt t t rEjpril du capiuütm*. Paria. Ptoo. 1964. p.
172. nota 25).
74 Cíntst, II

re a liz a ç ã o , c íe . P óde te ta m b é m p e rg u n ta r se h av erá ta n ta


d ife re n ç a e n tr e a s p r á tic a s s o c ia is e i e lá q u a n to a que se
vá n u re s p e c tiv a s te o r ia s s o c ia is , e x p l i c i t a s o u im p lic it» , e
a ss in a la re i o p o rtu n a m e n te q u e a s o c ie d a d e o c i d e n t a l n ã o ig n o ­
ra , e m a b s o lu to , a s a titu d e s e a té m e sm o a s id é ia s q u e a so ­
c ie d a d e d e c a s ta s a lim e n ta . E n t r e t a n t o , s ã o a s c o n c e p ç õ e s — e
so m en te a s c o n c e p ç õ e s p r e d o m in a n te s — as que re tc rà o a q u i
a n o s u a te n ç ã o . T e m -s e e m v is ta e x p r i m i r m a i s p r e c i s a m e n t e o
q u a d ro id e o ló g ic o o c id e n ta l, e m co m p a ra çã o co m o caso da
ín d ia tra d ic io n a l.
O b s e rv a -s e um c o n tr a s t e s e m e lh a n te em n o ssa p ró p r ia
te o ria p o lític a , e n tr e a s te o r ia s a n t i g a s ( e a l g u m a s m o d e r n a s )
c m q u e o to d o (s o c ia l e ) p o lític o e s t á e m p r i m e i r o l u g a r , e as
le o n a s m o d e r o u e m q u e o s d i r e i t o s d o h o m e m i n d i v i d u a l s ã o
o t p rim e iro » e d e te r m in a m a n a tu re z a d u bou in s titu iç õ e s
p o lític a s. C o m W e l d o n , p o d e -s e o p o r a s t e o r i a s " o r g â n i c a s ” ,
re p re s e n ta d » p e la República de P la tã o — a qual re c o rd a
s u b s ta n c ia lm e n te a te o r ia i n d i a n a d o s v a r o a s o u . m e l h o r , a tri-
p a rtiç ã o i n d o e u r o p é ia d u f u n ç õ e s s o c ia is — o u a in d a o E s­
ta d o d e H e g e l, e , d e o u t r a p a rte , as te o riu " m e c â n ic a s " ,'
con» a d o u tr i n a d o c o n tra to s o c ia l e do trust* p o lític o cm

* T. D Wtldoo. Surer and biota(i, Londres. t*46 Kari Popper opò».


do mesmo modo. sociedade 'aberta'* e sociedade "(echada' (The Open
Soótty and iu iãamtm, Loodm. 1*45. 2 vota ; trad ír.: La SoóM
ow n u ti Ml mtmu. Pans. £d du Send. U N ). Numa dirtçáo um
pouco diferente. percorremos aqui um terreno clástico da sociologia
("comunidade* s 'sociedade" de T taaks s. em Durkbeim, divisões ase­
dases e orjènscs do irshsiho) O uso doa mesmos termos em Wcldoc *
Dwibtim alo < cootndttdeio se os tproximarmoe. porquanto oe termos
retrrtmse s níveis diferentes e a aparente invecsio tím etenos a uma
rslaçio de oampiemeotendade: a mesma sociedade moderna que desen­
volveu num psu sem procedentes a divisão orgM c» do trtbalho e s
tmerdcpeisdíacíâ de (ato entre homens, também afirmou, no plano moni
e potinco, o ser humano particular como independente e bastando*
idealmente « ri oetmo, s adotou de modo predominante teorias HsrcM-
em (mdiTsduaUstas) do Eatado A afirmação ideológica do Individuo l u ­
te acompanhar empíricamente de um grau mutuado d* interdependência
(cf HAE I. p m c m u 10). Podo* supor que um tal quiasma entre
nlvti» diferentes t sempre acompanhado de uma d (ertnciacko ideoiõ-
pc* Cabe. portanto, inaenr D u rh h c ta em Toemies (e Weldon) e não
0 io n n o ,
1 Trmf: confiança dispensada • um a pessoa de q u em se ( u o pcoprt»
láno legal de um a propriedade ou de um p o d er, a Um d e q u e d a se)«
usada cm beneficio de o u tre m ,
o hObUadkm 73

Locke. Pira distinguí-las, indagar-sc-á qual é o conceito pri­


mordial ou principal em que se baseia a v a lo riza d o funda­
mental, se i o lodo, social ou político, o u o individuo hum ano
elementar. Falar-se-í assim, segundo o caso, de "holism o" e -
de "Individualismo". Isso leva a distinguir dois sentidos da -»
palavra “ individuo": ¿r
(1 ) o sujeito empírico da palavra, do pensamento, da
vontade, amostra indivisível da espécie hum ana, tal como o
observador encontra em todas as sociedades;
(2) o ser moral, independente, autônomo e. assim (essen-
dalmente), náo social, tal como se encontra, sobretudo, em
nossa ideologia moderna do homem e da sociedade.
O nosso problema consiste agora em tentar definir as eta­
pas da constituiç&o ou do desenvolvimento do individuo no
segundo sentido do termo, a partir da sociedade medieval, a
qua] parece, ú primeira vista, mais próxima da sociedade
bolista do tipo tradicional do que da sociedade individualista
de tipo moderno.
Será exeqüível uma investigação dessa amplitude? Aquele
que se lhe dedica n&o correrá o risco de ser tachado de incom­
petência c de presunçio? Apurei que autoridades reconhecidas,
como Figgis. Gierke e Êlic Halévy, tinham respondido, de
íato, a algumas de nossas questões cm referência a períodos
e aspectos diferentes do desenvolvimento histórico. Assim, era
potsivel, ligando entre ti os temas centrais c as conclusões
principais desses especialistas e completando-os ocasionalmente,
apresentar um esboço, sem dúvida incompleto mas geral e, no
estado atual. útil.

T om ás d e A q u in o e G u ilh e r m e d e O c ca m
Ê cômodo partir da combinação de revelação cristfi e de
filosofia aristotélica em Tomás dc Aquino. Apesar de sua es­
treita aliança, podemos distinguir os dois elementos dizendo
que. enquanto que ao nível da rcligiáo. da fé c da graça,
cada homem é um todo vivo, um indivíduo privado em rela-
çto direta com o seu criador e modelo, ele 6. pelo contrário,
ao nível das instituições terrenas, um membro da comunidade,
uma porte integrante do corpo social. Se. por um lado. a
pessoa basta-se a si mesma, o fato baseia-oe no* valores últi­
mos revelados, tem raízes na intimidade da pessoa com Deu»,
ao invés de sua» relações terrenas. Do outro lado. a comuni-
G ê n t u . II

d a d c t e r r e n a é le g itim a d a , c o m a a j u d a d c A r i s t ó t e l e s , co m o
u m v a lo r s e c u n d á r io , e n q u a n t o i n s t i t u i ç ã o r a c i o n a l , c m con­
t r a d i ç ã o c o m a d o u t r in a a n t e r i o r , a q u a l s ó a a d m i t i a co m o
u m r e m é d io q u e s e t o m o u n e c e s s á r i o p o r f o r ç a d o p e ca d o
o rig in a l/
A c o o c e p ç á o d e u n i i e r s i t a s , i s t o é . d o c o r p o s o c ia l com o
u m t o d o c m q u e o s h o m e n s v iv o s n a d a m a is s ã o d o q u e as
p a rte s , p e r te n c e e v id e n te m e n te à s c o n c e p ç õ e s t r a d i c i o n a is da
so c ie d a d e . (M a s a q u i é e n g lo b a d a n o i n d iv i d u a l i s m o c ris tã o ,
c f . H A E / , p . 2 4 .) A p a r ti r d e s s e e s tá g io , a e v o lu ç ã o c o n sistirá
n u m e n fra q u e c im e n to p r o g r e s s iv o d e s s a c o n c e p ç ã o , a f a v o r de
a d e a o c ie tu s. o u a s s o c ia ç ã o p u r a e s im p le s . N esse
n tcn ta r-n o s-e m o s c m i s o l a r a lg u n s e s tá g io s p a rc ia is

w u iiiK im e d c O c c a m , o g r a n d e e s c o lá s t i c o f ra n c is c a n o
d a p rim e ira m e ta d e d o s é c u lo X I V . te m s e u l u g a r a q u i com o
o a r a u t o d o e s ta d o d e e s p ír ito m o d e r n o . A p r i m e i r a v is ta , d c
p a r e c e r ia , c o n tu d o , v o lta r a o p a s s a d o , p o r q u a n t o re p re s e n ta ,
p o r u m a p a r te , u m a re v o lta c o n tr a a le g itim a ç ã o d a o rd e m
m u n d a n a , u m r e to m o a o s P a d re s f u n d a d o r e s c à s u a ê n fa se
e x c lu s iv a s o b re a re v e la ç ã o . ( D o is s é c u lo s m a is t a r d e . L u te ro
re c o r r e r á ig u a lm e n te a S a n to A g o s tin h o c o n t r a A ristó te le s.)
M a s O c c a m é ta m b é m a q u e le q u e e x p õ e s is te m a tic a m e n te o
n o m in a lis m o e m fa c e d o re a lis m o d c S a n t o T o m á s e o fu n ­
d a d o r d o p o s itiv is m o e d o s u b je tiv is m o c m d i r e i t o , c t u d o isso
re p re s e n ta u m a i n v a s io e s p e ta c u l a r d o in d iv id u a lis m o , com o
ire m o s v e r /
P a é a T o m á s d e A q u in o , o s s e re s p a r ti c u l a r e s , c o m o P edro
e P a u lo , e r a m “ s u b s tâ n c ia s p r i m e i r a s " , i s t o é , e n ti d a d e s auto-
su fic ie n te s d a p rim e ira e s p é c ie , m a s o s " u n i v e r s a i s ” , c o m o o
g ê n e ro o u a e sp é c ie , a s c a te g o r ia s o u c la s s e s d c s e re s , tam ­
b é m e r a m c o n s id e ra d o s c o m o e x is te n te s r e a lm e n te e m si mes-

• E«n sermos stra it. isso 4 um h j|ir< o m u m . Esse ponto foi claramente
«apresso m Erast Cassirer. Th* M yth o f th* State. N . Haven. 1946.
cap IX (T rad brasilrira: o Mito do F.Uodo. Z ah a r Editores. R io de l a
aedro. 1*76. trado<*o dc Alvaro C abral). C f. tam bdm Michel Vülcy.
Lm Formation de le penMe luridiqu* modem* Le Froncisranlsme el le
D fok (Corso de história e de filosofia d o direito). Paris. Lea Count de
Droit. 1961 (mSmeografie).
• O oto* se argüe t «im píam ente resum ido dc Villey. op eit.. pp
147-275.
O /adWdwfimiO 77

nos e cham ados, p o r is s o . " s u b s tâ n c ia s s e g u n d a s " .* O ccam ,


m a is p r e c i s a m e n t e d o q u e D u n s E s c o t o a n t e s d e l e , a t a c a essa
id é ia P a ra e le , c o n s u m a d o ló g ic o q u e a c r e d i t a s e g u ir A r is tó te ­
le s , u m a d i s t i n ç ã o n í t i d a d e v e s e r f e i t a e n t r e a s c o i s a s (res), d e
um la d o , e , do o u tro , o s s in a is , a s p a la v ra s , o s u n iv e rs a is ;
“ A s c o is a s s ó p o d e m s e r . p o r d e fin iç ã o , 's i m p l e s ’, ’i s o l a d a s ’,
's e p a r a d a s '; s e r , é s e r ú n i c o e d i s t i n t o . . . n a p esso a d e P e d ro
n a d a m a is e x i s t e s e n ã o P e d ro , c a in d a nenhum a o u t r a c o is a
q u e se d is tin g a 'r e a l m e n t e ' o u 'f o r m a l m e n t e ' d e l e . O a n im a l
ou o hom em — nem ji a a n im a lid a d e , a h u m a n id a d e — nao
s ã o c o i s a s , n ã o s ã o s e r e s .” ( V i l l e y , op. c íf ., p . 2 0 6 .) N ã o e x is ­
te m “ s u b s tâ n c ia s s e g u n d a s " , c o m o p a r a S a n to T o m á s . C om o
d ir í a m o s h o je , a s n o s s a s c la s s e s c id é ia s n ã o d e v e m s e r c o is i-
f ic a d a s . O c c a m , e m sua p o lé m ic a c o n tra o P apa, chega ao
p o n t o d e n e g a r q u e e x i s t a r e a l m e n t e a l g o c o m o *‘a o r d e m f r a n ­
c is c a n a ” : h á s o m e n t e m o n g e s fra n c is c a n o s d is p e r s o s p o r to d a
a E u r o p a .’ O s te rm o s g e ra is té m fu n d a m e n to n a re a lid a d e e m ­
p íric a m a s n a d a s ig n ific a m e m s i m e sm o s, s a lv o um c o n h e c i­
m e n to im p e r f e ito e in c o m p le to d a s e n tid a d e s re a is a que po­
dem o s a q u i c h a m a r lic ita m e n te e n tid a d e s in d iv id u a is .

• Ibid. p. 30*: " O m u n d o e x te rio r n a d a m a lí é d o q u e u a a p o e ir a d «


átc m o i em d e so rd em . u m a p o e ira d e In d iv íd u o * ; ri* p r ó p r io c o m p o r ta
um * ord em , c la u e a c m q u e m o rd e n a m lo d o * e c a d a u a do* t e m u n -
» u l* rti ( a i " c a u ta * fo rm a l* ") e d a i n a t u r r r a i ( a i " c a u ta * f i n a n " ) ; a
to d o um ilite m a d e re la ç õ e s e n tre In d iv id ú e n , a c im a do* in d iv id u o *
T u d o t i t o e x ilie o b je tiv a m e n te , in d e p e n d e n tc tn c n te d o in te le c to q u e o
revel* r a í c o b a s "
’ Como tilo reconhecer aquí, cm O ccam , a « tu to m u ito p articu lar, o
p ti espiritual d o t in g l o u x te * m oderno*? U rna divergência típica iu rf*
mwn certo p o n to e n tre G icrk e e m u d istin to tra d u to r. S ir E rnest b a rk e r
fef mal* adianta, n o ta 16) — G ierke; " O o lh a r d irig id o p a ra o 'reaT
re c u a reconhecer, n a u n id ad e d e ex istên cia viva e p erm an en te d e um
Povo. m a n d o q u e um a a p arên cia Mtn lu b ttin c ia , e rejeita co m o fic ç ã o
jurídica' o fa lo de e le v a r e s ta u n id a d e ft cate g o ria de u m a pesio*."
b irk er m om a n o ta); " O le ito r p o d e m u ito b em tim p a r.ia r com ‘o olhar
dirigido p ara o ‘re a T " e p o d e se r aaatm co o d u std o a d u v td a r d o q u a
G trrke cham a a D a fu u einh e ii e w n V d k tt te ja v rrd a d c tra m c n te urna
s a b itif tíá n o se n tid o de u m se r o u d e u m a pessoa P o d a s* sustentar
que a unidad* d e ex istên cia q u e w e n c o o tra n u m p o v o é * an id a d * d o
conteúdo com um d e num eroso* esp irito * , o u d e urna finalidad* común»,
n a i r í o a unidad* de um S er d e G ru p o o u d e u m a pessoa coletiva
lop r i r . p p ♦?. IXXX1 e s* A tra d u ç ã o d * b ark e r foi p u b licada em
1ÍW. ou s e * u m a n o . pó* O a p a recim en to d e H itler. . p o d e a e pensar
qu# iua* reserva* fo ra m reforçada* pelo* m o t o * c o n te m p o rln c o s'
71 Gin*». II

A c o n se q ü ê n c ia m a is im p o r ta n te que d a f d e co rre 6 que


n i o p o d e m o s a d u z ir c o n c lu sõ e s n o rm a tiv a s d o a te rm o s g e rm
q u e u tilir a m o s . E m p a r t i c u l a r , n i o e x i s t e l e i n a t u r a l d e d u z id a
d e u m a o r d e m id e a l d a s c o is a s ; n a d a e x i s t e a lé m d a le i real
e s ta b e le c id a , s e ja p o r D e u s , s e j a p e l o h o m e m c o m a p e r m is s i o
d e D eu s, a lei positiva. E m p r i m e i r o l u g a r , s e r i a c o n t r á r i o ao
“ p o d e r a b s o lu to " d e D e u s (plenitudo potestatis) ser lim ita d o
p o r o u t r a c o is a a rv io s e r e le p r ó p r i o . V e r e m o s e s s a re fe rê n c ia
ao poder de D eus r e f le tir - s e n a s i n s t i t u i ç õ e s h u m a n a s . A lei,
q u e c m s e u a s p e c to m a is f u n d a m e n t a l e r a u m a c x p r t s s i o de
o r d e m d e s c o b e r ta n a n a t u r e z a p e lo e s p í r i t o h u m a n o , to m a -s e
cm s u a to ta lid a d e a e x p r e s s ã o do "p o d e r" ou d a “ v o n ta d e "
d o le g is la d o r. A lê m d is s o , e n q u a n t o q u e o d ir e ito e ra conce­
b id o c o m o u m a r e l a ç ã o ju s ta e n t r e s e r e s s o c i a i s , to m a - s c a g o ra
o r e c o n h e c im e n to s o c ia l d o poder Ipotestat) do in d iv íd u o
O c c a m ê , a s s im , o f u n d a d o r d a " t e o r i a s u b j e t i v a " d o d ir e ito ,
q u e é . d e f a to , a te o r ia m o d e r n a d o d i r e i t o . 1

' Ino concorda naturslmrnte com o nominalismo e o positivismo M -


d«o de Ocean*, ma* ek chega a eisas conclusões de maneira indireta,
a oual t muito curiosa e imlnitiv» F k não era um jurist*, him um
Vkico Fot a poUmka ratrt o Pana • o» franciscano* que o levou a tra­
tar »i*'nnaticamcnte do direito A ordem que seu fundador. Sko Fran­
cisco de Assis, consagrara k pobrera tomare muito rica e. finalmente,
os Papa* decidirán» obrigar a ordem • aceitar a propriedade dos bem
dt otw ela uwilniia de fato F contra es«a polílka. c para impedi» os
franciscano* de serem, contrariamente ao voto do fundador, envolvido»
no* negócios deite mundo, que Occam desenvolve sua* novas dcfimçóe»
d* lei o do direito.
“Fk transporta para a teoria luridica da propriedade o seu amor
k vida criui • franciscana comunltirla: o que o leva a dar do direito
de propriedade unu imagem voluntariamente empobrecida e prtorativa
descrita desde o ponto de vliti do monge e somente para justificar o>
mona»* de se aburren dela” tVillgy. op. d l . p. 2)7)
Sua iptrncéo era restringir a olera luridka. mas tornou a a»*ím
xndmte g. em virtude de seu individualismo e de «eu positivismo,
absoluta c matt impoiitiva do que jamais fora Por opoti(ko »
faculdade de usar uma coka. um direito tobre c**a coisa t ca­
po» tua sançio. ou seja. pela pOMlbilidade de a farer reco
por om tribunal de tusiva “Um direito 4 um podre reconhecido
ki poritiva*. assim fala o advogado da pobrrn. anunciando, d»
a era da propriedade privada Objetar se 4 qua • idda modem»
drm a do direito romano Ê mais provável, na realdad»,
lido o» inkrpfrte» moderaos do direito romano que a *uge
como tustrnta o nosso autor num desenvolvimento que. ac nko
concordância dos romatustas. é. em lodo o caio. destras *<*«*
> pata • sociólogo (JWd. pp J » • ss).
o ImiirUuilitmo 79

Nào se pode supor que Occam tenha diretamente influen­


ciado o desenvolvimento moderno do direito, pois os seus es­
critos jurídicos não parecem ter sido largamente conhecido*.
Entretanto, toda a sua obra í altamente significativa. Falar
de nominalismo, por urna parte, de positivismo c subjetivismo
jurídicos, por outra, é muito simplesmente assinalar o nasci­
mento do Individuo na filosofia e no direito. Q uando nada
mais existe de ontologicamente real alem do ser particular,
quando a noção de "direito" se prende, não a uma ordem
natural e social mas ao ser humano particular, esse ser hu­
mano particular toma-se um indivíduo no sentido moderno do
termo. Um corolário imediato da transformação 6 a ênfase
dada à noção de "poder" (polestos), que se apresenta assim
como um equivalente funcional moderno da idéia tradicional
de ordem c hierarquia. £ notável que essa noção dc poder, a
qual desempenha um papel tão considerável e tão obscuro na
teoria política do nosso tempo, surja assim desde os primor­
dios da era individualista. Se Occam nlo trata propriamente
de política, ele deixa entrever, porém, as noçdcs de soberania
do povo e de contrato político*
De um modo geral, e no plano social propriamente dito,
já não há lugar para a idéia de comunidade. Ela é suplantada
pela liberdade do indivíduo, que Occam estende do plano da
vida mística ao da vida em sociedade. Implicitamente, pelo
menos, trocamos a comunidade por uma sociedade, e as raízes
religiosas dessa primeira transição, tio decidida quanto deci­
siva, são evidentes.

Da Suprem acia da Igreja à


Soberania Política (séculos X I V - X V l )
Acerca do nascimento do Estado moderno, uma série dc
conferências proferidas cm 1900 por J. N. Figgu. cujo tema

Espera-se. oeste período. referência t Lex Z íiu *t) qua if r u


ao principe leia torça dc lei vtato que. peta L n Rrgm . . o povo con
cedro-D* todo o seu contando e poder" tM d . p » T c t lo b . NevUJa
» * |i . Studin in Polihtal Thought from C e n e n to G rotkn. H I+ I6Í1.
Cnabrídsc. ISO?. O to da fd M o Harper Torchbooka. Sova tor*»». ISW.
pp ÍV » ) Analo*«meote. o poder ter.U r.vo 4 ri.»o como tuna data-
I M d dc poder**, -de modo ««O* todo o d ln it
U ivideakT (Viller. op r it.. p tt « t
ao Ciñese. li

p r in c ip a l n ã o p a re c e t e r s id o s e r ia m e n te q u e s tio n a d o desde
e n tã o , fo rn e c e - dos u m a o b r a d e b a s e i n s u b s titu iv e l. ta n to mais
p re c io sa p a r a n ó s p o r q u a n to p e r m ite q u e se d e se n v o lv a se a
o b s tá c u lo a c o m p a ra ç ã o c o m a í n d ia . F ig g is a p o n ta ra oa dos
P a p a s a o rig e m d a te o ria d o d i r e i t o d iv in o d o s re is . E m seus
“ E stu d o s s o b re o p e n s a m e n to p o litic o d e G e r s o n a G rotius".
e le d e sc re v e a o rig e m d a s id é ia s p o lític a s n o p e n sa m e n to me­
d ie v a l e a re v o lu ç ã o p e la q u a l e la s se e m a n c ip a ra m , em su su .
o n a s c im e n to d a te o ria m o d e rn a d o E s ta d o .’*
E m p rin c ip io , o liv r o c o m e ç a c o m o C o n c ilio d e Com-
ta n ç a , e m 1 4 1 4 . M as p o d e -se s itu a r o p o n to d e p a rtid a no
in ic io d o sé c u lo X IV . p o is a in tr o d u ç ã o d o a u to r traça, etn
su a s U nhas g e ra is, a situ a ç ã o m e d ie v a l e fa z re fe rê n c ia a auto­
re s d o sé c u lo X IV . F iggis s u b lin h a o tr ip lo a sp e cto de seu
e stu d o : a su p re m a c ia d a Ig re ja n a Id a d e M é d ia , a revolução
q u e le v a à su p re m a c ia d o E sta d o e a c o n tin u id a d e subjacente
n a tra n s fo rm a ç ã o . L im itar-m e-ci c sse n c ia lm c n te ao s dois pri­
m e iro s aspecto*.
Se te n ta rm o s v e r e m p a ra le lo a situ a ç ã o c ristã medieval
e a situ a ç ã o h in d u tra d ic io n a l, a p rim e ira d ific u ld ad e « t i
em q u e . a o p a sso q u e n a In d ia o* b rà m a n c s co n tenta vam-x
c o m su a su p re m ac ia e s p iritu a l, a Ig re ja n o o c id e n te exerci*
tam b é m um p o d e r te m p o ra l, s o b re tu d o n a p esso a d e seu chefe,
o P ap a. V e n d o a s coisas g ro sso m o d o . a Id a d e M édia parece
te r c o n h e c id o u m a d u p la a u to rid a d e te m p o ra l. A lém disso,
u m a vez q u e a in stân c ia e sp iritu a l n ã o d e sd e n h av a revestir-K
d c p o d e r tem p o ral, podia-se p e rg u n ta r até se a tem poralidade
n ã o d e sfru ta v a , d e fa to . d e u m a c e n a p rim a z ia . Em contraste
com essas suposições, a a firm a ç ã o c e n tra l d e Figgis colóca­
no s m ais p e rto d o q u a d ro in d ia n o .
N a Id a d e Stêd ia . a Igreja n ã o e ra u m Estado, erê
o E stado ; o E sta d o o u . m e lh o r, a autoridade c M
(p o is não era re conhecida u m a sociedade civil se­
parada) era sim p le sm e n te o d e p a rta m e n to de Po­
lic ia d a Igreja. E sta ú ltim a re to m a ra a o império
ro m a n o a su a teo ria d a ju ris d iç ã o a b so lu ta e urn^

SuM InSe-se <n>e Figgis p e n sa v a , g ra ç as a o te u « entíntenlo religioso,


p e n e tra r n o e sp irito d o m u n d o m ed iev al a n * o re g istra r somanta o*
W »<**• ® método. Figgii. op. ri#., pp JVJ*>
_V L
«I
Oi

venal da autoridade »uprema, e desenvolveu-a na


da plenitude do poder (plenitudo potestatis) do
Papa. O Papa era o dispensador supremo da Ici.
a lome da honra, incluindo a honro real, e a única
íonte terrena legítima de poder, o fundador legal,
senko de lato, das ordens religiosas e dos graus
universitário*, o supremo "juiz e divisor” entre as
nações, o guardião do direito internacional, o vin­
gador do sangue cristão (Figgis, op. a t.. p. 5).
Ocupar-me-ci agora da primeira frase, aquela que grifei,
oa qual encontro dois significados: cm primeiro lugar, que a
Igreja, ou cristandadc universal, englobava todas as institui­
ções particulares e era a única sociedade, a sociedade global
na acepção moderna; cm segundo lugar, que essa comunidade
univenal dos cristãos assumia cm sua hierarquia espiritual os
poderes a que se daria, cm circunstâncias diversas, o nome
de politicos, mesmo que oa delegasse — ou os delegasse cm
parte — ãs instâncias temporais. O primeiro aspecto, pelo qual
os valorei últimos determinam as fronteiras da sociedade glo­
bal. encontrare também no caso indiano; o segundo aspecto
diferencia os dois casos, embora subsista uma certa semelhança
oa subordinação das instâncias temporais às espirituais.
Mas nio terá preciso apontar certas nuanças? A doutrina
da supremacia suprema da Igreja não foi permanente desde os
primeiros séculos nem sem oposição nenhuma. Figgis, na pas­
sagem citada, diz que essa supremacia foi "desenvolvida”, c
« ti mais explícita cm seu "direito divino dos reis” (cap. III).
A pUnitudo potestatis do Papa foi proclamada por Inocéncio
III (1198-1216) e a doutrina papal desenvolveu-se. certamcntc.
desde a luta de Gregório VII contra o imperador Henrique IV.
por volta de 1080. até ao absolutismo da Bula Unam Saneiam
de Bonifácio VIII, cm 1302. De acordo com alguns autores,
a relação entre os dois principios ou poderes, o eclesiástico ou
papal c o secular ou imperial, tó foi precisamente elaborada
ao último quartel do século XI.11
Por conseqüência, seria sedutor para o espirito moderno
considerar o recrudescimentó cm precisão e cm autoritarismo

" t i |«aa R ivttr*. L t t r o U t m t d e f f - tU tt t i i t t t i m m lem p , d t


rtuf.fpr U Btt. Louvai*. 1962. Introdução
G fr u it, I I
o

i m prtteusóe» p a p e s como a expressão da rivalidade cresccnie


cutre Papa e [a p era d o r ou até, talvez, com o um reflexo da
uspaciéacia doa imperadores diante das pretensões papais.
A l t e «baso, 1 doctrina papal n ã o faltou, n o periodo, oposição;
oa imperadores tém . de algum m odo, a deles. Cum pre reconhe­
cer, entretanto, que essa doutrina secular nada tem de impres­
io n a n te etn to d o à orientação geral dos espíritos, ã influência
dos teólogos — todoa do lado eclesiástico — e em face ã arti­
culação coerente da doutrina oposta. Só uma parte dos legista]
a sustenta T udo taso ressalta claram ente do tratado clássico de
Gscrke ' sobretudo ae reservarmos, à continuação, os campeies
-,pe-.*.s do século XIV, Occam e Marsflio de Pádua. Os p*r-
tidánr/s do im péno não negavam, no essencial, a superioridade
da lgit¡* nem sua independência e soberania em seu domínio,
mas pre.akxans-se da doutrina dos primeiros tempos da Igreja
c de Wu race nhedm cato de sacerdotium c imperium como duas
esfera» r dependentes instituídas pelo próprio Deus. dois per
deres a coordenar Eles rechaçavam as pretensões da Igreja
contra o poder temporal e o imperador: a Igreja devia cco-
faw r-te aos assuntos espirituais. Entretanto, a maneira como
«»»<« jtrriiu t tentavam unificar os dois poderes, realizar a
ordinatio ad unum, idéia universal da época, mostra a fra­
queza de sua causa. Contudo, eles propunham, por vezes, uma
r -a çã o que recorda a do hindu ísmo. o Estado devia estar su­
bordinado à Igreja em matérias espirituais, a Igreja ao Estad}
Ur.ti temporal» • Podemos concluir, portanto, que a
i papal, tal como Figgis a resume, foi. apesar de seu
Knrcl-imemo tardio, a doutrina predominante c a mais coe-
a Idade Media. Na verdade, ela parece ter resultado
ne-.«nanam ente da i jpcri-'ridade admitida, dc um modo geral,
da Igreja e da expressão da superioridade sob a forma de man
d a r e nto de fé. Sobre e»te ponto. Gicrkc está. no fundo, dc
•cor J> <-m Figgis. porquanto, se ele reconhece a presença de
doa a doutrinas diferentes, apressa-se a acrescentar que cUi
♦rara tãoaomer.te duas variantes do espirito medieval, e qoc

n O Poliutl Thtorirt of iht MUJ>t Aft. Cambridjr «90!.


I tí l 20 21 'trad In*! eo» F W Maitland)
" ••x i i t 19»I O nu» m d-au «o>-c Octano * » poMlka papal aabM-
■ • v . cap ! á*>r-ia permit - elucidar todo clic problema coalto
4a " p w tla daa ui«»i--durai ;
»)

• oposição real foi entre essas duas cooccpçóes, de um lado e,


do outro, o que ele designa por tendência "antico moderna",
coa o que se refere a um ponto de vista fundamentado na
Antiguidade mas de espírito moderno, cujas primeiras mani­
festações. segundo ele, encontram-se na tendencia para o abso­
lutismo papal e nos argumentos imperiais aduzidos do estudo
do direito romano (pp. 4-5).
Ouanto è revolução que instalaria o Estado no lugar da
Igreja como instituição soberana c sociedade global na Europa
ocidental, foi um processo longo e complexo. Conlcnlarme-el
on assinalar algumas etapas sucessivas, acompanhando e sim­
plificando Figgis.
No inicio do século XIV. enquanto o imperador era posto
em xeque, o rei da França resiste às pretensões do Papa e leva
a melhor. Pierre Dubois, um advogido de Coutantcs. provavel­
mente muito ligado à corte, num folheto toidisonl consagrado
à cooquists da Terra Santa (De Recupera tone Terrae Sondar).
vaticina, entre outras sugestões de um surpreendente moder­
nismo, o comfhco cm benefício do rei dc todas as propriedade»
eclesiásticas, inclusive as do Papa. a troco de pensões conce­
didas aos que a cias tivessem direito. Mais tarde, no conflito
entre Joio XXII e Luís da Baviera. Marsílio de Pddua afirma,
em Defensor Pads: "(1) a autoridade completa do poder civil
e a natureza puramente voluntária da organlraçáo religiosa;
(2) a m ultante iniqüidade da pcrseguiçio pela lgre|a; (5) n
loberania original do povo. subentendendo a necessidade de
um sistema de governo representativo.. Este último ponto
lembra a freqüente referência à Lex Regia nos autore» do final
da Idade Média (Gierke. nota 142). (O direito romano era
assiduamente estudado desde o século XI sob a égide da
teologia Cristi e da filosofia.) Pelo contrário, o primeiro ponto
de Marsílio impressiona por seu modernismo.
O século XV assistiu ao movimento concilior, ou scia. de
um certo modo. a aplicação à Igreja da doutrina da soberania

u R u fe . op r i / .. pt> SI-JJ le t. tam bím Dante. P r SlonorehU. • » . ) ;


wbrt ?. t>ahoíi cí 1 R ivür*. op rir Enquanto Fí**ú. con»»d«r«r»k*
o conteúdo v# M artfllo cceno m art moderno qua Occam, tro «omp*
« to ro junto de Luí. d a B av k rt. Vitley. peto contrario, considera M .r
Uto. do ponto de vista dot m riodot. m al. rscoU itko * Occam «•»'•
• o t o ñ o (op. ri/-. pp. 217 e a .) .
M Cénese. I/

d o p o v o . A Ig reja a trav essav a u m a crise g ra v e , e sta n d o o pa­


p a d o em p e rig o h á v á ria s d é ca d as, com très pessoas preten­
d e n d o a o m esm o tem p o a fu n ç ão . O c o n c ilio q u e se reuniu
c m C o n sta n ça e m 1414. e n o q u a l b rilh a ra m sáb io s d e tendên­
c ia o ccam tsta, visou em p rim e iro lu g a r e n c o n tra r um remédio
p a ra a d o en ça e conseguiu. O con cilio c o n sid ero u a Igreja um
sistem a p o litico d a espécie ch am ad a m o n arq u ia lim itada, ou
"mista**, n o q u a l. e n q u a n to rep resen tan te d a com u n id ad e cristi.
o g o v e rn o 6 com p artilh ad o com o P apa. P a ra rem ed iar o mal.
e ra im prescindível afirm ar a au to rid ad e d o con cilio acima da
d o P a p a . A auto rid ad e papal d erivava, assim se pensava, do
p o v o e só perm aneceria legitim a e n q u an to fosse fiel ao seu fim.
a edificação, ao passo que se destrufa a si m esm a desde que
fosse vista c o ntribuind o para a destruição.
O concilio devia a ju d a r e c o n tro lar perm anentem ente o
P apa, m as a autoridade m onárquica logo restaurada mostrou-tc
m ais absolutista q u e nun ca, e o concilio, m anipulado, só pôde
sobreviver estérilm ente po r pouco tem po. Ele a b rira o cami­
nh o . não só è reafirm ação fu tu ra d a soberania d o povo mas
tam bém a ura longo periodo de absolutism o, na Igreja e na
m aioria dos países da Europa.
G raças a Etienne G ilson,14 estam os em condições de ver
os dois fenôm enos gêmeos da Renascença e da Reforma como
ten d o exprim ido um a diferenciação en tre duas preocupações
q u e haviam , era seu conjunto, coabitado aprazivclm cnte no
esp irito m edieval: a preocupação religiosa, com Lulero, re­
volta-se co n tra o com prom isso com o m undo c a sabedoria
m undana dos antigos; a preocupação d a Antigüidade afir­
m a-se n o novo hum anism o, independente da tutela da religião.
O evento devia necessariam ente te r um im pacto revolucioná­
rio sobre a relação en tre as autoridades espiritual e temporal.
D o lado dos hum anistas. M aquiavc! descobre em Tito
Lívio o m odelo da cidade-E stado republicana e . com a ajuda
exem plos tom ados da Roma antiga, consegue em ancipar a
ç io politics não só da religião cristã e de todo o roo
'v o . m as tam bém da m oral privada. Assim liberada
os entraves exteriores, um a ciência prática da política
com o seu único princípio a razão d e Estado Se-

H4UAse r i A M a r d. 19U. pp 1X7 • m . JI7 -M 4


o tmjndudümo U

gundo Figgis. esse novo absolutismo, que tria influenciar tío


profundamente homens políticos e homens de Estado nos sé-
culos seguintes, só pôde ser concebido porque a Igreja, e certas
ordens eclesiásticas em especial, tinham desenvolvido uro abso
lutisroo semelhante, e porque, de fato, na Itália, o "poder'*
comertcra-sc no único fim verdadeiro da açáo. de modo que
sô restava a Maquiavcl observar fríamente a situação tal como
ela era. Talvez se possa dizer que a primeira ciência prática
a emanciparse da rede bolista dos fins humanos foi a política
de Maquiavcl.1*
A rejeição radical por Maquiavcl dos valores contemporâ­
neos predominantes afastaro-no, por algum tempo, da corrente
principal do pensamento, pois a ascensão do poder temporal
devia realizar-se a agentes principalmente religioso*. A Reforma
luterana desferiu um golpe decisivo no que restava da ordem
medieval c do Santo Império Romano germánico. A sociedade
global seria doravante o Estado individual, ao passo que o
essencial da religião teria teu santuário na consciência de cada
cristão individual. O poder laico toma-se supremo e foi ele­
vado a uma espécie de santidade, graças á teoria do direito
divino dos reis. Tudo isso repousava no pressuposto da homo­
geneidade religiosa do Estado, governante e governado* com­
partilhando da mesma fé: cvjus regio ejus reiigio (cf. na In­
glaterra os Arts of Uniformity). Até esse ponto. Lulero, quais­
quer que possam ter sido suas intenções, logrou traduzir na
prática uma parte da teoria de Marrillo de Pádua e mesmo
certas características do partido conciliar.
Mas, fora da Alemanha, os Estados não eram homogêneo*
e uma nova mudança iria resultar disso. Confissões diferentes
coexistiam no interior de um mesmo Estado, o que reduodou
nas guerras religiosas. Isso levaria os políticos, no interior do
Estado (Maquiavcl). a recomendarem a tolerância da "heresia",
quando a vantagem do Estado o aconselhava. As ooofissôes em
guerra eram propensas a uma supremacia sem compromisso:
mas, onde criavam ameaçadas porque minoritárias, recorreram
a outras vias. A partir do direito de resistir i perseguição de
um tirano, o qual se fundamentava na idéia de um contrato

O que t aproximação mire Maquiavcl * o •ladlaao Kautihr.


» primeira vúta, é um a relação necessária entra (tf
HH. p JTJ).
G/mtie. II

e n tr e g o v e rn a n te c g o v e rn a d o s , o d e s e n v o lv im e n to levaría i
a firm a ç ã o d o d ir e ito d o in d iv id u o à lib e r d a d e d e consciência.
A ssim . a lib e rd a d e d e c o n sc iê n c ia c o n s titu i o p rim e iro , crono*
lo gicam ente, d e to d o s o s a s p e c to s d a lib e r d a d e p o lítica e a
raix d e to d o s o s d e m a is. O s te ó ric o s je s u íta s d o d ire ito natural
desen v o lv eram a te o ria m o d e rn a q u e a lic e rç a o E sta d o num
c o n tra to s o d a l c p o lític o , c o n s id e r a n d o a Ig re ja c o Estado
d u a s sociedades d is tin ta s , in d e p e n d e n te s , e x te rio re s um a 4
o u tra . F in alm en te, " to d a s o u q u a s e to d a s e ssa s idéias, utili­
z ad a s p ra tica m en te n a re sistê n c ia c o n tr a o re i d a Espanhs.
p ro d u z ira m nos Países B aixos, e m se u s p e n s a d o re s , cm sua*
u n iv ersid a d es, u m c e n tro d e s a b e r e s c la re c id o d o n d e saiu. em
g ra n d e m ed id a , a e d u c a ç ã o p o lític a d o s é c u lo X V I I " (Figgis.
o p . e it., p. 58).

O D ir e ito N a tu r a l M o d e r n o
O D ire ito N atural e a T e o ria d a S o c ie d a d e fo i o títu lo dado
p o r S ir E rnest B a rte r k su a tra d u ç ã o d e u m a p a rte d o 4." vo­
lu m e d a o b ra m o n u m en tal d e O ito G ie rk e s o b re o d ireito á n
com u n id ad es (G e n o rsen sch a fttree h t).'* R e su m ir e sse livro, ain­
d a q u e sum ariam ente, é a m e lh o r m a n e ira d e c h a m a r a ate n ed
p a ra um asp ecto im p o rtan te d a gênese d a id éia m oderna do
hom em e d a sociedade. N o n o sso p e río d o , a te o ria do direito
n a tu ra l dom ina o cam po d a te o ria p o lític a e . podem os acres­
c e n ta r. d o pensam ento social. O pap e! d o s ju ris ta s é t5o cwcrv
cíal q u a n to o dos filósofos n o d e se n v o lv im e n to d a s idéias ave
levaram k R evolução fran cesa c k D e c la ra ç ã o do* Direitos
d o H om em .
A idéia d o d ire ito n a tu ra l é a fia d o ra , a justificação fd>
sófica d a investigação teó rica siste m á tic a e d e d u tiv a sobre o
d ireito , tã o florescente e tã o im p o rta n te n a época. Pode*-'
fazê-la re m o n tar è A n tig ü id a d e e a S a n to T o m ã s. nsas d»
so freu em tem pos m odernos u m a p ro fu n d a m u d an ç a, de n***'
q u e se opõe freq u e n tem e n te d u a s te o ria s d o d ire ito natural. »
te o ria antiga o u clãssica. e a te o ria m o d e rn a . A diferença rnf*

u Gierke. Natural Law and the Theory o f Society. 1100 to W .


a lecture by Erma Troetltch. Traducido com uim Introdução por
Barker. Cambrido*. I9J4. 2 sols (citado na edK*o Beacon
ton. >957. num volum e as citaçOc* da Gierke i o n * m W n *° "
sls—la ) .
O ImitfiduaUiru) V

as duas 6 da especie que aprenden»* a reconhecer quando se


opócm representações tradicionai* e modernas. Para o* amigos
— i exceção dos estóicos — o homem é um ser social, a
natureza é uma ordem, e o que se pode vislumbrar, para além
das convenções de cada polis, como constituindo a base ideal
ou natural do direito, é uma ordem social cm conformidade
com a ordem da natureza (e. por conseguinte, com as quali­
dades inerentes ao homem). Para os modernos, sob a influência
do individualismo cristão e estóico, aquilo a que se chama
direito natural (por oposição ao direito positivo) não trata de
seres sociais mas de indivíduos, ou seja. de homens que se
bastam a si mesmos enquanto feitos à imagem de Deus e en­
quanto depositários da razão. Daí resulta que, na coocepção
dos juristas, em primeiro lugar, os princípios fundamentais da
constituição do Estado (e da sociedade) devem ser extraídos, ou
deduzidos, das propriedades e qualidades inerentes no homem,
considerado como um ser autônomo, independentemente de to­
do e qualquer vínculo social ou político. O estado de natureza
é o estado, logicamente primeiro em relação à vida social e polí­
tica, cm que somente se considera o homem individual; além
disso, como a prioridade lógica confunde-se com a anleriori-
dade histórica, o estado de natureza 6 aquele em que se supóe
que os homens viviam antes da fundação da sociedade e do
Estado. Deduzir desse estado de natureza lógico ou hipotético
os princípios da vida social e política poderá parecer uma ta­
reia paradoxal e ingrata. Entretanto, foi isso o que empreen­
deram os teóricos do direito natural moderno e. ao fazó-lo,
lançaram as bases do Estado democrático moderno. Como
disse Gierke:
O Estado deixou dc derivar como um todo parcial
da harmonia decretada por Deus do todo universal.
Ele explica-se simplesmente por si mesmo. O ponto
de partida da especulação já não á mais o con­
junto da humanidade mas o Estado soberano indi­
vidual e auto-suficiente, e esse mesmo Estado in­
dividual alicerça-se na união, ordenada pelo di­
reito natural, de homens individuais, numa comu­
nidade revestida do poder supremo (§ 14, p. 40;
texto alemão, p. 285).
Em suma, a comunidade cristi hierárquica Uutáun*
cm dois níveis: foi substituída por numerosos Emdo»
duais, cada um dos quais era constituído de homem ¡aim-
duais. Duas concepções da sociedadc Eitado defrontam* «
vocabulário do período:
Cumpre-nos distinguir universitas, ou unidade or
gânica (corporate), e tóetelas, ou associação (pan-
nrnhip), na qual os membros permanece» ín­
timos apesar de sua relação c onde a unidade f,
assim, "coletiva" e não orgánica (corporateI («tí
de Barker, Gierke, Natural Imw, p. 45).
Socictas — c termos semelhantes: associação, cornea*
tio — tem aqui o sentido limitado de associação, e evoca w»
contrato pelo qual os indivíduos componentes se "assodaraa"
numa sociedade. Esse modo de pensar correspoodc k tende*
cia, tio divulgada nas ciências sociais modernas, que comidera
a sociedade como consistindo em indivíduo» — indivíduo* q*
estão etn primeiro lugar cm relação ao» grupos ou relaçúe*
que eles constituem ou "produzem" entre si mais ou meoo»
voluntariamente.” A palavra peJa qual o» escolástico» designa­
vam a sociedade, ou as pessoas morais cm geral. univtmtA
"o todo", conviria muito melhor do que "sociedade" ao pon»
de vista oposto, que é o meu, segundo o qual a sociedade,
com suas instituições, valores, conceito», língua, t sociologica­
mente primeira em relação a seus membro» particulares, qu*
só se tomam homens pela educação e a adaptação a uma
sociedade determinada. Pode-se lamentar que, cm vez de uni-
vmi/a». tenhamo» que falar de "sociedade" para designar •
totalidade social, mas o fato constitui uma hrraoça do duri»
natural moderno e de sem continuadores. Gierke descreve cm
grande detalhe a preponderância crescente da representação de
noáetat contra a de univmiuu. Ao mesmo tempo, ele mostra
que o ponto de vista oposto jamais desapareceu complete

4*. a r*tr«4M é t wm êm
o ;-..t,v,Jwtlámo 99

mente "A idéia de Estado como um todo orgânico, herdada


do pensamento antigo e medieval, jamais se extinguió por com­
pleto." Ê que fícava difícil dispensá-la quando se quería
considerar o corpo social ou politico em sua unidade.

Assim, é uma interpretação puramente coletiva da


personalidade do povo a que predomina, de fato,
na teoria do Estado segundo o direito natural.
O povo coincide com a soma dos membro* do
povo e. no entanto, ao mesmo tempo, quando se
faz sentir a necessidade de um portador (Tntger)
único dos direitos do povo, este é tratado como
sendo, cssencialmentc, uma unidade inclusiva (In-
begriff). Toda a diferença entre unidade c multi­
plicidade do conjunto repousa numa simples dife­
rença de ponto de vista, segundo se considera
onuses u t unhvrsi ou omnes ut singuli.. . (segue-se
a passagem citada mais acima, nota 7: "O olhar
dirigido para o r e a l / . . . ) (pp. 46-47; texto alemão,
pp. 298-299),
N io somente autores eclesiásticos como Luis de Molina
* Francisco Suarez mas os maiores autores do direito natural
sentiram a necessidade da concepção bolista. Althusius. cons­
truindo uma ordem federalista mediante uma série dc associa­
ções (consocio!iones) em nfveis sucessivos, chamou k sua
comodato complex et publica uma univem tas ou consociato
política (pp. 70 c ss.). Grotius é exaltado por ter. entre outras
coisa*, comparado o governo a um olho. enquanto "que órgio
corporativo". Hobbes, diz-nos Gierke, falou do Estado como
do corpo de um gigante mas “ acabou por transformar seu
•oposto organismo num m ecanism o.. , um autômato concebido
« construido com engenho" (p. 52). Pufendorf introduziu o
«ermo penona moralis simplex c composita a fim dc reunir sob
«ma mesma categoria jurídica os grupos ou entidades coletivas
(as nossas “ pessoas morais” ) e os individuo* físicos Enfim, o
■ o n o problema reaparece sob forma agudínima cm Rousseau,
qua contribuiu mais do que ninguém para levar as comíruçoet
do* juristas ao conhecimento do público instruído e — «em
S«a o quisesse — para eliminar o abismo entre a eípcculaçio
••Penalizada e a a çio revolucionária.
Todo* estes esforços para exprimir a unidade ój ^
social e político respondem ao problema principal da « c n /í
direito natural: estabelecer a sociedade ou o Estado ido' t
partir do isolamento do individuo "natural". O instruir-,
principal é a idéia de contrato. Depois de 1600, a iramiçfc
requer, pelo menos, dois contratos sucessivos. O primor?
ou contrato "social", introduzia a relação caracterizada pda
igualdade ou compatnonna?c (cm alemão. GemwmwMr
= sociedade cooperativa). O segundo, ou contrato político,
introduzia a sujeição a um governante ou governo (em alemáo
llernchalt - senhorio). Os filósofos reduziram essa multipli­
cidade de contratos a um só: Hobbes, fazendo do contra»
de sujeição o ponto de partida da própria vida social. Lockc
substituindo o segundo contrato nor um trust. Rousseau supri­
mindo todo e qualquer agente distinto de governo. Tudo is»
6 muito conhecido, rccordo*o apenas nara apresentar ww
observação aobre a relação entre "social" c "político", e o
sentido de um e outro termo aob essa relação. O contram
"social" i o contrato de associação: supõe-se que *
ingressa na sociedade como numa associação voluntiria
qualquer. Temos, pois, neste caso. as associações <
talvez a "sociedade", na acepção dos sociólogo» bchaviorists»
Ma» a sociedade lato sensu, a unhrrsitas no sentido dc um
lodo no interior do qual o homem nasce c ao qual pertence,
seja o quo for que powua, que lhe ensina a sua língua e. pelo
menos, semeia cm seu espírito o material de que suas idéias
serio feitas, a sociedade, nesse sentido, está ausente. Na mo
Dsor das hipótese», a "sociedade" pressuposta note caso t •
"sociedade civil" do eoonomlsta e do filósofo, não a sociedade
do sociólogo propriamente dito. Cumpre insistir nesse ponto,
a fim dc eviur uma confusão freqüente. Como, aliás, dü
Barker, um dasalcista que fala aqui — fato notável — como
sociólogo:
A sociedade não 4 constituída, nem nunca o foi
na base de um contraio A sociedade 4 uma aato
dação para todoa oa fins "em toda o ciência
em toda a arte... em toda a virtude e em toda .
perfeição" - que tmnscende a nuçfc» de diw,to f
cresceu e existe por »l mevna. No sentido estrito
o Iní . iucümt» *1

da palavra “ social", rú o h i ncm jamais houve


contrato social."
De fito, a noção aprofundada de sociedade sofreu um
eclipse parcial no período e na escola de pensamento em
questão, como o testemunha o destino da palavra untversilat.
Cem o predomínio do individualismo contra o holismo, o social
nesse sentido foi substituído pck> jurídico, o político e. mais
tarde, o econômico.

As Implicações do Individualismo:
Igualdade. Propriedade
Antes de acompanharmos algumas das primeiras manifes­
tações do aspecto igualitário do individualismo, convém recor­
dar e aprofundar um pouco uma distinção muito conhecida.
0 individualismo subentende, ao mesmo tempo, igualdade
t liberdade. Distingue-se. portanto, com razão, uma teoria igua­
litária “liberal”, a qual recomenda uma igualdade ideal, igual­
dade de direitos ou de oportunidades, compatível com a liber­
dade máxima de cada um, c uma teoria "socialista" que quer
realizar a igualdade nos fatos, por exemplo, abolindo a pro­
priedade privada." Logicamente, c mesmo historicamente, pode
parecer que te passa do direito ao fato por uma simples inten­
sificação da reivindicação: não basta a igualdade de princípio,
redama se uma igualdade “ real". Entretanto, na perspectiva em
que dos colocamos aqui, a transição esconde uma descontinui-
dade, uma profunda mudança de orientação. Por exemplo,
alegando que ncm todos os cidadãos desfrutam igualmente da
propriedade, priva-se o indivíduo desse atributo, a propriedade
privada — restringe-se, portanto, o campo de tua liberdade
— e atribui-te ao todo social novas funções correspondentes.
Sobre este ponto, para melhor se discernir a relação entre
liberalismo e socialismo, podemos recorrer à nossa perspectiva

* Baxter, p XXV d a aua introdução a Social Contract. Eaayi by


loch*. Hume and Rousseau. Londrea. T b e W orld Claatk». 311”. 1947.
Ai r a la rru citada» a to de Burke em n ías Reflexión* tur la Revolution
m France (trad. fr. do vol. 1 d e Works, p 4tTI Burke usa • palavra
P»rtnrrVup t ac rrsce n u que c m a .to c .a ç ío Incluí os moelo». os vivo»
c oí mtmbroc por am cct.
■ Sanford A Lakoíf. Equality in Political PMIotopRy. Harvard Unk
«

c o m p a ra tiv a . O s is te m a d e c a s ta s é u m siste m a h icrim


o r ie n ta d o p a r a a s n e c e s s id a d e s d e to d o s . A sociedade l l t ^ i
n e g a e sse s d o is tr a ç o s a o m e s m o te m p o : e la 6 igualitária e
re c o rre á s le is d a tr o c a m e r c a n til e ã " id e n tid a d e natural ò-
In tc re s s e s " . a fim d e a s s e g u ra r a o rd e m c a satisfação geral.
Q u a n to á s o c ie d a d e s o c ia lis ta , e la m a n té m a negação da hie­
ra rq u ia — p e lo m e n o s c m p rin c íp io c in ic ialm en te — nu*
re in tro d u z u m a p re o c u p a ç ã o c e r ta d o to d o social. Combia*.
assim , u m e le m e n to d o in d iv id u a lis m o e u m e le m en to do !»-
lism o ; i u m a n o v a fo rm a , h íb r id a . N o c o n ju n to dc doutrina*
e m o v im e n to s so c ia lista s e c o m u n is ta s , a ig u ald a d e tem. era
•u m a . u m lu g a r se c u n d á rio , d e ix a n d o d e se r u m atributo ^
in d iv íd u o p a ra p a s s a r a se r d a ju s tiç a so c ia l. Com preender-se-J.
p o rta n to , q u e . p re n d e n d o -n o s e x c lu siv a m e n te a q u i à ascenwjo
d o in d iv id u a lism o , d e ix a ría m o s d c la d o as fo rm a s «¿tresnas «*
ig u alita rism o q u e tra d u z e m o s u rg im e n to d e u m a tendencia
o p o sta (cf. n o ta 2 1 ).
lá alu d im o s à ig u ald a d e n o q u e p re c e d e com a d.itinçáo
e n tre G e n o ss n ts c h a jt. " c o m p a g n o n n a g c ” o u asso c iaç ao de indi­
v íd u o s iguais, e H errsch a ft. u m a a sso c iaç ão o u g ru p o q u e inclín
um elem en to d e lid e ra n ç a , d e " d o m in a ç ã o ” , supcrordenaçfco
o u au to rid ad e . C icrtcc c h a m a a n o ssa a te n ç ã o p a ra a s opouçoes
correspondentes e n tre " u n id a d e c o le tiv a " , q u e corresponde a
"com pagnonnagc” . e " u n id a d e re p re s e n ta tiv a ” (se n d o o repre­
sentante necessariam ente su p e rio r a o s m e m b ro s d o gru p o que
e k representa), c en tre to c in o s o e q u a lis c so c icta s inaequoli*
O u ando o* teóricos d o d ire ito n a tu ra l co lo c am n a origem do
E stado dois contrato* sucessivos, u m c o n tra to d c associação e
um c o n tra to dc sujeição, d e s traem a in c a p a c id a d e d o espírito
m odem o p ara conoeber sintéticam ente u m m o d elo hierárquico
d o grupo, a necessidade cm que d e sc e n c o n tra d e o analisar
cm d o is elemento*- ura elem ento d c a sso c iaç ão ig u alitá ria . «
um elem ento pelo qual essa associação se s u b o rd in a a um*
peasoa o u entidade. Por o u tras palav ras, a p a r tir d o m om ento
cm q u e n ã o m ais o grupo m as o in d iv íd u o é c o n c e b id o como
o se r real. a hierarq u ia desaparece e . com e la . a atribuição
im ediata d a autoridade a um agente d e g o v e m o . N a d a m a u
nos resta senão um a coleção d e individuos, c a c o n s t r u e d
um poder acim a dele* « pode ser . u n i f i e d , o
consentim ento com um doa m em bros da associação u s _
ganho em consciência, em intcrioridaòc. ma* h i Urn, ^
realidade, pois os grupos hum anos lêm chefes independente-
mente de um consenso form al, sendo a sua estruturação uma
condição da existencia desses grupos como todos.
À comparação entre as três grandes filosofias do contrato
nos séculos X V II-X V III confirm a que o contraste entre asso­
ciação e subordinação é. de fato, um a questão central. Vere­
mos mais adiante como Hobbes espicha até ao seu ponto dc
ruptura o ponto dc vista individualista e m ecanista, de modo
a reintnjduzir o modelo sintético dc subordinação: Lockc es­
capa à dificuldade em prestando ao direito privado a noção dc
trust; Rousseau recusa-se a ir além da associação e transfor­
ma-a numa espécie dc superordcnaçào m ediante a alquim ia da
“vontade geral". Esses três autores tem cm comum o reconhe­
cimento da dificuldade que existe em combinar individualis­
mo e autoridade, em conciliar a igualdade c a existência neces- A
siria dc diferenças permanentes dc poder, senão de condição. /,.
na sociedade ou no Estado. dc
Uma das grandes forças motrizes que estiveram ativas no
desenvolvimento moderno é uma espécie dc protesto indignado
contra as diferenças ou desigualdades sociais, na medida em
que são fixas, herdadas, prescritas — decorrentes, como dizem
os sociólogos, da "atribuição" e n io da "realização” individual
— quer essas diferenças sejam questão de autoridade, de pri­
vilégios e de incapacidades ou. em movimentos extremos e
desenvolvimentos tardios, dc riqueza. Ora. uma vez mais. o
movimento começa na Igreja, com Lutero. Destaquemos no
livro de l^akoff os traços pertinentes das doutrinas dc Lutero.
Nio existe diferença entre os homens "espirituais" e "tem po­
rais". todos os crentes possuem uma autoridade igual cm m a­
téria espiritual: uma dignidade semelhante está investida em
todo o homem, seja sacerdote ou camponês; a doutrina hierár­
quica da Igreja nada mais é do que um instrumento do poder
papal; a dualidade da alma e do corpo é um problema para
todo o cristão, mas não pode servir de modelo para a organi
a ç io da Igreja e da comunidade (clara indicação da recusa cm
peniar nas instituiçóes como estruturas); a igualdade apresen-
to-K — pela primeira vez — como sendo mais do que uma
qualidade interior: um imperativo existencial: toda a autori­
dade, toda a função especial só pode ser exercida por delegação
ou representação: os sacerdotes são "ministros escolhidos entre
que fazem tudo o que fazem em nosso nome". £ claro
94
Gfnn, i,

q u e t o d a s e s s a s c a r a c t e r í s t i c a s s e m a n té m : e sta m o s diame i
r e je iç ã o d a h i e r a r q u i a , d i a n t e d a tr a n s iç ã o s ú b ita do univer»
b o lis ta p a r a o u n i v e r s o i n d i v i d u a l i s t a . E d isp o siç õ es pskoióp.
c a s m u it o s e m e l h a n t e s e n c o n t r a m - s e n o o u t r o e x tre m o do de­
s e n v o lv im e n to q u e n o s in te r e s s a , e m R o u s s e a u . O n d e Nietccfcc
f a lo u d e • • r e s s e n tim e n to ’*, s e r í a m o s te n ta d o s a v e r a inveja
c o m o a c o m p a n h a m e n t o p s ic o ló g ic o d a re iv in d ic a ç ã o igualitária.
M a s o q u e se v e r if i c a , a n te s . 6 u m a p e r c e p ç ã o essencial: ma
q u a li d a d e d e c r is tã o s f a z d e to d o s o s h o m e n s ig u ais e coloca,
p o r a s s im d i z e r , a e s s ê n c ia d o h o m e m p o r in te iro em cada
u m d e le s . E p o r is s o q u e e le s e s t ã o ju s tif ic a d o s , q u e digo cu.
s ã o c h a m a d o s a o p o r-s e a to d a e q u a l q u e r a firm a ç ã o de hum>
n id a d e q u e n ã o d e r iv e d e s u a p r ó p r ia in te rio rid a d c .ía Pelo
m e n o s , a s s im é p a r a L u t e r o n o p l a n o d a re lig iã o e d a Igreja;
n o q u e se r e fe r e à s o c ie d a d e e a o E s ta d o , e le perm anece fiel
a o h o lis m o m e d ie v a l: “ A s u a im a g e m d a s o c ie d a d e e ra orgánica
e f u n c io n a l, n ã o a tó m ic a c a q u is it i v a ” , d iz L a k o fí.* '
A re iv in d ic a ç ã o ig u a litá r ia a m p lio u -s e d a re lig iã o à politic*
n o tr a n s c u r s o d o q u e p o d e m o s c h a m a r a re v o lu ç ã o ingleta
( 1 6 4 0 -1 6 6 0 ). M u ito e s p e c ia lm e n te p o r a q u e le s q u e s e intitula­
ra m o s L r v r i l t r s ( - n i v e l a d o r e s ” ). E le s f o ra m ra p id a m e n te der­
ro ta d o s m a s tiv e ra m te m p o d e e x t r a i r a s c o n s e q ü ê n c ia s polí­
tic a s p le n a s d a id é ia d e ig u a ld a d e d o s c r is tã o s . A p ró p ria revev
1u ç ã o c o n s titu i u m e x e m p lo d o m o v im e n to p e lo q u a l o verdade
s o b re n a tu ra l v irá a a p lic a r-s e à s in s titu iç ó e s te rre n a s . Para

* R f,t» co«ipf«i»dír. evidentemente, com o um sentim ento que se pode


a tribuó aos cristãos desds • ori*rm desenvolve e m im plicação no sé­
culo XVI [Cf cap. I |
” Thom ss M untrer. o chefe revolucionário da G uerra dos Campone-
d* I uiero. afirm ou a ipualdadc »ob sus
m a r r r ir tm t -M u n tre r resum e as numerosa*
. e n j á r r e ,« d o se c tá rio ... e. ao m esmo tem po, anuncia o
a p a re o m e n to f u tu ro ovi mentor reculare» socialistas m ilitantes que
p ro c u ra rlo t r m undo drrrubando pela violência as forças
dc A v n in stlo " iop cil p M4»l M * •untrer
- ------ poderia
- • ser estudado,- - sem
d ú v u l a . . c a rro t u m p l o m i o n o da invasão da ronscténcia religiosa nos
aarunror mu ndanos Disse eu mais rraU acima por qua o u t tais n w x im ..! »~ "IV
__
muniria» (como os Oiggrr« do sécalo XVII ,n*W. ou o da .u ,
Nama análtm m al. . m r l ., . 1, . «*>

fsM da e
O . - i o W

citar um historiador a quem n ã o se pode acusar d e exagerar


0 pape! da religião:
. . . a essência d o puritanism o com o fé rcvolucio- ¡
n íria consistia na crença cm que a m elhoria d a O’
vida do homem na te n a está na intenção de Deus,
e cm que os hom ens podem com preender os desíg­
nios de Deus c cooperar com ele para a realização
do» mesmos. Assim, os m ais íntim os desejos e aspi- —
rações dos hom ens, se fossem profundam ente sen­
tidos, podiam ser interpretados com o a vontade de
Deus. Por uma dialética que estava na natureza das
coisas, aqueles que estavam m ais convencidos de
combater do lado de Deus m ostraram -se os comba- r
tentes mais eficazes.”
Os Le\tHers apresentam trés traços significativos para esse
estudo. Em primeiro lugar, a m istura, na ideologia básica por
eles formulada, de elementos religiosos e elem entos provenien-
ts da teoria do direito natural — como se pode constatar pela
vida e as leituras de Lilbum e — m ostra-nos como a consciên­
cia religiosa substitui a formulação tradicional dos direitos dos
ingleses em termos de precedente e dc privilégio pela afirm a­
ção dos direitos universais do homem:
Da crença em que todos os cristãos nascem de novo
livres e iguais, os Levellers passaram á asserção dc
que, cm primeiro lugar, todos os ingleses e. cm
seguida, todos os hom ens nascem livres e iguais.”
Em terceiro lugar, e contrariam ente a toda a tradição
inglesa até aos nossos dias. extrai-se esta conseqüência: tem
que existir uma Constituição escrita que esteja fora do alcance
da lei ordinária. Ela foi proposta sob a form a dc um “ Acordo
do Povo", e a Inglaterra iria ter, de fato. durante um breve

0 Cíiritiopher Hill. The Century of Revolution. ¡60S-1714. Edimburgo.


1*1. P IW. sobre a definição de puritaniuno. cf. Lakoíf. op. cit..
P 2 * 9 . oot» I
D William Haller. “The Levellers”, em Lyman Brysoo c outro». Aipectt
of ffuftwn Lqualuy. Nova Iorque. IW6
p e río d o , ta l c o n s titu iç ã o n o " I n s tr u m e n to d e G o v e rn o " do
P ro te to ra d o d e Crom w ell.**
O s L e v e lle rs, a o p ro p o re m e s te n d e r a m p la m e n te o direito
d c v o to m e d ia n te a su p re ss ã o d o c e n so e le ito ra l, recusaram-no,
e n tre ta n to , a o s se rv id o re s p ú b lic o s, ao s a ssa lariad o s e aos men­
d ig o s, p e la ra z ã o d e q u e e ssa s p e sso a s n ã o tin h am , de fato,
lib e rd a d e p a ra e x e rc e r seu d ire ito m as d e p en d iam dc alguém
a q u e m n ã o p o d iam d e sa g ra d a r. E ssa lim ita ç ã o apresenta-se
d e sd e q u e o d ire ito d e v o to foi se ria m e n te d isc u tid o , nos de­
b a te s d o e x é rc ito e m P utney (1647).** M a cpherson sublinhou
a s sem elhanças e n tre as teses d o s L e v ellers e a doutrina, mais
sistem ática, d e L ocke, especialm ente n o S egundo T ratado de
G o v e rn o (1 6 9 0 ). M esm o q u e e sse a u to r exogere um pouco, a
n o tável sem elhança e n tre os p o b res a rte sã o s revolucionários
e . 4 0 a n o s depois, o ric o filósofo, n o seu regresso após alguns
anos passados n a H o la n d a, m arc a até q u e p o n to o individual»
k m o se ex p an d iu . Com a su a d o u trin a d o tru st. Locke escapa
| d c m an eira característica a o p ro b lem a d a sujeição política e
m antém a idéia de um a sociedade dc iguais governando-se per
consentim ento m útuo. N ele, a p ro p ried a d e privada a proe»
ta-se. n ã o com o u m a in stitu ição social m as com o impiicaçA-'
lógica d a noção de in d iv íd u o auto -su ficien te. Q ualquer que
ten h a sid o p a ra eles o significado preciso d a fórm ula, os Le­
vellers já tinham a firm ad o q u e os hom ens eram "iguais
n ascidos p a ra a m esm a p ro p ried ad e e lib erd ad e” (property,
lib e rty a n d freedom ). L ocke tran sp o rta a propriedade privada
o e stad o d e n a tu re za , cingindo-sc a rodcá-la rus origem Je
q u e tcm o c u id a d o d e re tira r, sem pre no estado de
l. c m relação com o desenvolvim ento subsequente, come
m ostrou M acpherson. **

continuidade de espírito entre I útero o» levo'/-'


influências calvinistas», e entre Calvino e Hobbes <op ot
*2 e a*.). A quest So da influí svcia indireta de Calvus- f
e controvertida A organização da igreia presbiteriana. r.*
doa bispos por conselhos mais ou menos rep re sen t >
constituem um a com binação típica de hierarquia e í ç ^
C . ■ Macpherson. T h e Political Theory o1 Possessive fodMdaaAm
'■.to Locke. Oxford. 1962; trad, fr.t T h io rie politique J r t e *
Jl. Paris. CaUlmard. 1971.
a propriedade cm Locke em H A E I. pp 70-Vi: ef
p. 247. nota u .
O lnJ“ iJualisnso 97

O " Leviatã" de Hobbes


Vè-sc facilmente, em relação ao que a precede e sc lhe segue,
•tí que ponto a obra dc Hobbcs i significativa na história
do pensamento político. Dc um lado. dá-se uma ruptura total
com a religião c a filosofia tradicional (o homem não é um
animal sócio-político) e. desse modo. a especulação sobre o
estado dc natureza e o direito natural elevou-se ao absoluto
e a uma intensidade sem precedentes, enquanto que a perspec­
tiva maquiaveliana é enriquecida e sistematizada. Do outro lado.
temos o profundo paradoxo dc uma concepção mccanista do
animal humano, conduzindo â maciça demonstração da neces­
sidade da soberania e da sujeição; por outras palavras, a ins­
tauração do modelo dc Herrschaft numa base puramente em­
pírica. atômica, igualitária, tendo como resultado a identifica­
ção do Indivíduo com o soberano, identificação que estará no
próprio âmago da teoria de Rousseau e de Hcgcl. Caracterizar
Hobbcs como conservador é. portanto, insuficiente e enganador.
Ê verdade que ele exaltou a Herrschaft, enquanto que a cor­
rente principal do desenvolvimento político ia na direção da
Cenossenschaft c, nesse sentido, ele foi realmente um conser­
vador. Mas essa afirmação não tem significado algum quando
comparada com a questão dc saber quem tinha razão. Espero
que o que sc segue mostre cm que sentido se pode sustentar
que Hobbcs tinha razão. Trata-se da própria natureza da filo­
sofia política. Podc-sc estudar a política como um nível par­
ticular da vida social, no qual tudo o mais t dado por adqui­
rido e, desse ponto dc vista, a tese essencial de Hobbcs pode
perfeitamente ser rejeitada. Sc. pelo contrário, a filosofia polí­
tica 6. na esteira da dos antigos, um modo dc consideração da
sociedade inteira, então é preciso dizer que ele tinha razão
contri os defensores do igualitarismo.”
Não pretendo demonstrar isso aqui. Espero que a tese
fique mais clara na seção dedicada a Rousseau, algumas pági­
nas adiante, porque Rousseau apreendeu mais completamente

n O tejando ponto de viu» teri» • vantagem de explicar o paradoxo


i* muito» escrito» tobre Hobbes aue o consideram íaHo e deteit4»e!
<”« nlo podem esconder so* grander» e »ua influência Credit*«-lhe
(anímente uma lógica impecável, ma» náo terá Uto um» escapatória
A referência aqui í sobretudo a 1-cviatS. Utillrci Raymond Polín. Po-
Uilqvt n Philosophic ches Thomas Hobbcs. Paria. 1955.
«a cV ii

d o que H obbes a n atu reza social d o hom cm . Nem por isso i


m enos verdadeiro q u e o reconhecim ento p o r H obbcs d i » . f
jc iç io na sociedade envolve a n a tu re za social d o homem. «
despeito de todos os protestos d o p ró p rio H obbes: ele conside­
rava realm ente a sociedade, m esm o q u a n d o falava apenas de
" o hom em " e do E stado (C om m onw ealth ). T enho que ser
breve e posso lào-som entc c onvidar o leito r a subm eter à pro­
va os com entarios q u e se seguem.
Para com eçar, h i ou não em L eviatá um estado de natu- i
reza e . no caso afirm ativo, qual é e le ? D ir-sc-ia que a quase
totalidade da prim eira parte, “ D o H om em ” , é o quadro desse :
estado de natureza. A justiça está ausente, pois ela pertence i I
esfera d a sociedade e não da natureza. E , no entanto, estão 1
presentes o poder, a honra e m esmo a língua e . fundamentad**
nesta, a razão. E evidente que se trata, nesse caso. do estado
social m enos alguma co isa ." H obbes, aliás, diz-nos explícita­
m ente que raciocinar consiste cm som ar e subtrair. Essa "algu­
ma coisa" que é subtraída do estado de sociedade na dev
c riç io do "hom em " como tal 6. sim plesm ente, a sujeição.
Com efeito, a partir do momento cm que o contrato (consvnõif)
introduz a sujeição, passamos d o "hom em " para a "comuni-
e" (Com m onwealth). ou seja, para o corpo político ou 0
lad o . ou, poderíamos tam W m dizer, para a sociedade global,
incluído o seu aspecto politico. Um ou tro aspecto do estado
dc natureza 6 que as relações entre homens aí estão cm cor-

* Macpherion arguments de modo anilogo top rir.) m u . para ele.


■ cena donde parte Hobbea em tua subtração não é a cena política,
incluindo a guerra civil, ma* ante* a cena econômica Etta tupos*!»
pouco m ostim il baseia-te, sobretudo, numa pastagem intitulada "IX»
poder, do valor, da dignidade, da honra e do mérito" (wOrtUmu) (le-
fiord. cap X). O poder é concebido muito genericamente por Hobbes
Inclui, entre outras coisa», as riquezas Como todo o resto, o valor <
definido por Hobbcs como algo tangível, relativo ao julgamento d»
• dele dependente: "O v»lor (value, worth) de um homem í.
para toda» as outra* coita*, o seu preço: ou teja, o que te dam
uso dc seu p o d e r,.." O contexto evidencia que não h i ai mais
metáfora econômica Ouando Hobbes trata d» economia,
um outro ponto de vista muito diferente (cap. XXIV. 'D a a»
procriação da Commonwealth") O rótulo do "individualiitno
não convém I filosofia de Hobbe*. que nada tem de real-
I p o n eu n a e. tomada em seu conjunto, tampouco é individualitu.
«vn no»»« acepção da palavra quanto na de Gierke (cf. a not*
O I**-- J-jlúvno 99

r a p o o d c n .i3s e x atas com o q u e sa b e m o s, n a re a lid a d e , das


relações entre E stados, so b re o s q u a is se d iz q u e e s tã o sem p re
do estado d e n a tu re za . N e ste p o n to . H o b b e s c o n tin u a M a q u ia-
vel num d iferen te n ivel: a g u e rra d o s in te re s se s e x c lu í to d a a
transcendencia d e n o rm as o u d e v a lo re s. U m te rc e iro e im p o r­
tante aspecto é q u e o e sta d o d e n a tu re z a c o n té m tu d o o q u e
se pode descrever d o hom em c m linguagem m e c a n ista : o a n i­
mal hum ano, o in d iv id u o h u m a n o c o m o siste m a d e m ovim en-
loa. de desejos c d e paixões, com to d as a s m o d ific a ç õ e s c c o m ­
plicações in troduzidas pela lín g u a e o p e n sa m e n to . E sses três
aspectos correspondem a o p rin c íp io se g u n d o o q u a l p a re c e u
possível a H obbes se p a ra r, n o h om em tal c o m o 6 o b se rv a d o , d e
fato. em sociedade, do is níveis d ifere n te s. P ara n ó s. e sse s do is
afveis seriam m ais piê-p o lítico e p o lítico d o q u e pré-social e
social. Rousseau irá m ais longe n a in v estig a çã o so b re o s a sp e c ­
tos propriam ente sociais e . p o r essa ra zã o , a d e sc o n tin u id a d e
entre os dois níveis se a c e n tu a rá a in d a m ais nele.
Se tentarm os c a p ta r o âm ago d a d o u trin a , re su m ir p a ra
o o u o uso a imagem d o " h o m e m ” d e se n h ad a p o r H o b b e s e
sê-la em relação com a c o n stitu içã o d a C o m m o n w e a lth . 6
difícil fugir i im pressão d e um d u a lism o e n tre as p a ix õ e s e a
razão, entre um a face anim al e u m a face ra cio n al. E . com
o l í l i c o <* 0 efeito, não é a c o n tra d iç ã o e n tre as d u a s q u e to rn a n e cessária
dade • passagem ao estad o p o lítico , a e n tra d a cm su je iç ã o ? D e
fato. o que diferencia n o L eviatã o hom em d o a n im a l 6 a lín g u a
c a ra zio fundam entada na língua. C om essa re serv a , o d u a lis­
mo sustenta-se: a racio n alid ad e é c o n ce d id a a o h o m e m so b
uma forma im pura, m istu rad a d e a n im a lid ad e , c só se e x p a n ­
dirá cm pura racio n alid ad e com a c o n stru ç ã o d e u m a C om -
m onuealth artificial. A d m itir, com A ristó teles, q u e o hom em
é naturalm ente social e (o u ) p o lítico , se ria pro ib i-lo d e a tin g ir a
racional idade pura.
Hobbes é in d iv id u alista o u b o lis ta ? N em u m a coisa nem
ootra D iante d ele. a nossa d istin ç ã o d e sm o ro n a m as o even to
é fatteresiantc c c a ra cte riz a H o b b es e strita m e n te . N ão h á d ú v i­
da sobre o seu p o n to d e p a rtid a : 6 o se r h u m a n o p a rtic u la r, o
isdítíi/uum hum ano. M as. no e s ta d o p iê-p o lítico . a v id a desse
•cr só pode se r ju lg a d a n e g ativ am en te : " s o litá rio , p o b re. sujo.
«hm alesco c c u rto ” (m as c o m o tra d u z ir o inim itável solitary.
POOr. nasty, b ru tish a n d sh o rt ”? ). Q u a n d o , o b e d ec en d o a o con-
•d h o da razão c d e seu p ró p rio d e se jo d e conservação, esse
100 C fntu. II

s e r e n tr a n o e s ta d o p o litic o , e le d e sfa z -sc d e u rn a p a rte de seu


p o d e re s. O h o m e m ¿ e n tã o c a p a z d e a lc a n ç a r a segurança, o
c o n f o rto c o d e s e n v o lv im e n to d e s u a s f a c u ld a d e s , m as a o preço
d a su je iç ã o . N ã o se to m o u u m in d iv íd u o a u to -su fic ie n te , assim
c o m o ta m p o u c o e x is tia d e m o d o s a tis fa tó rio c o m o tal n o estado
n a tu ra l. A ssim é q u e . p o r u m e n f o q u e q u e p a re c e ria extrema­
m e n te " in d iv id u a lis ta " , o in d iv id u a lis m o é fin a lm e n te posto cm
xeque.** A v id a b o a n á o 6 a d e u m in d iv íd u o , é a d o homem
e stre ita m e n te d e p e n d e n te d o E sta d o , d e u m m o d o tã o estreito
q u e se id e n tific a n e c e ssa ria m e n te , p o r u m a p a rte , com o sobe­
ra n o . S c H o b b e s nos in te rd ita d e c la r a r q u e o hom em é natu­
ra lm e n te p o lítico , p e rm íte n o s d iz e r, p o ré m , q u e o é artificial
m as n ecessariam en te; o In d iv íd u o n ã o e n tr a na vida política
" to ta lm e n te e q u ip a d o ” , c o m o d iz ia B cn th am . T al é o traço cri­
tic o q u e d istin g u e H o b b es d e ta n to s teó rico s p o lítico s modernos
e d ele a p ro x im a R ousseau.
Isso n ã o é o b a sta n te , p o ré m , p a ra se d iz e r q u e Hobbes
seja bolista. O o rd e n am en to h ie rá rq u ic o d o c o rp o social esti
ausente nele. p o rq u e o E stad o n ã o se o rie n to p a ra um fim que
o transcenderia m as está su b m e tid o som ente a si mesmo. Em
últim a análise, o m odelo d e U crrsch a ft e stá vazio da virtude
h ierá rq u ic a q u e lhe é in ere n te e só é a d o ta d o e n q u an to dispo-
k sitivo indispensável de p o d er. E m su m a . a concha sem seu
I h a b itan te: o valor. E n tre tan to , su b siste o fa to de que Hobbes
reconhece q u e a igualdade n á o pode re in a r com o tal c sem
obstáculo, c q u e o hom em é um se r social — e não um indi*
vfduo — n o q u e diz respeito a o p lan o político. N essa medida.
H obbes, em contraste com Lockc. p o d e ser considerado um
precursor da sociologia, em b o ra ele só tra te de política e n&>
do sociedade com o universitas. f. precisam ente essa caracterís­
tica q u e leva aqueles que só se interessam pelo aspecto político,
tom ado separadam ente, a considerá-lo conservador. Para
o sociólogo, os ensinam entos de H o b b es cm seu conjunto

m Dal O «logio «Jr Ifobhei p o r G ie rk e , vem p re era butea do recced*


omento da u n id a d e m o ra l d o c o rp o so c ia l: " P a r ti n d o d e prem issa» *'
b ltr á r ia i. m a* armado d e u m a ló g ica im p la c á v e l, ele forcou a filote*'*
Individualista do direito natural a fo rn e c e r uma p e rs o o a lid a d e ú n ica do
Ralado. Ela tom ara o in d iv id u o o n ip o te n te n o p ro p ó s ito d e f ca v ilo
• d e s tr u ir s e cm s e g u id a .” <op c ll . p 61) P o lín m o s tra o p rogrtw o
da kddia da “pessoa" cm llobbt» de IM 1 a I6SI (cap XVI do U.mJfJ'
i»p r i r . cap X)
O 1v u i u a l i*rt*0 ------

f f / / / ? s a lu ta re s . c m b o ra in c o m p le to s . E le p o s s u i a lg u m a id ó ia d o q u e
é u n ia s o c ie d a d e , ao p a s s o q u e o s te ó r ic o s in tr a n s ig e n te s d a
Ig u a ld a d e n ã o tê m n e n h u m a .
C o n tu d o , te r e m o s q u e a d m i t i r q u e . p a r a H o b b e s , o s o c ia l
re s trin g e -s e a o p o lític o . N o f im d e c o n ta s . 6 p o r q u e e le a d o t a
um a v is ã o p o lític a d a s o c ie d a d e q u e s e v c o b r i g a d o a in tr o d u -
i l I

rir a s u je iç ã o , o u s e ja . n e m h ie r a r q u ia n e m ig u a ld a d e p u r a e
s im p le s . T o c a m o s a q u i n u m p o n to q u e c r e io e s s e n c ia l p a r a
e n te n d e r a p r o f u n d a v a r ie d a d e d e te o r ia p o lític a , e s p e c ia lm e n t e
em su a re la ç ã o c o m a s o c io lo g ia . N e s s a te o r ia , o s o c ia l c s t i .
n

em s u m a . re d u z id o a o p o lític o . P o r q u ¿ ? A r a z ã o d is s o é m u ito
c la ra e m H o b b e s : s e s e p a r te d o in d iv íd u o , a v id a s o c ia l s e r á
n e c e s s a ria m e n te c o n s id e r a d a n a lin g u a g e m d a c o n s c iê n c ia c d a
fo rç a (o u d o “ p o d e r " ) . E m p r im e ir o lu g a r , s ó s e pode p a s s a r
í

d o in d iv íd u o a o g r u p o p o r u m " c o n t r a t o " , o u s e ja . u m a t r a n ­
sação c o n s c ie n te , u m d e s íg n io a r tif ic ia l. S e r á . e m s e g u id a ,
r tW 'f c ill'íf íT Í M if"

u m a q u e s tã o d e “ f o r ç a " , p o r q u e a f o r ç a é a tín ic a c o is a q u e o s
in d iv íd u o s p o d e m tr a z e r p a r a e s s a tr a n s a ç ã o : o o p o s to d a f o r ­
ça s e ria a h ie r a r q u ia , id é ia d e o r d e m s o c ia l, p r in c ip io d e a u ­
to rid a d e . e . is s o . o s in d iv íd u o s c o n tr a ta n te s te r ã o q u e p r o d u z ir
s in té tic a m e n te , d e u m m o d o m a is o u m e n o s in c o n s c ie n te , a
p a rtir d a c o n ju g a ç ã o d e s u a s f o r ç a s o u v o n ta d e s . A h i e r a r ­
q u ia i o a n v e rs o s o c ia l, a f o r ç a o r e v e r s o a tó m ic o d a m e s m a
m e d a lh a . A s s im , u m a c e n to s o b r e a c o n s c iê n c ia e o c o n s e n ti­
m e n to p ro d u z im e d ia ta m e n te u m a c e n to s o b r e a f o r ç a o u o
p o d e r. N o m e lh o r d o s c a s o s , c m s u a v a r ie d a d e m a is s ig n if i­
c a tiv a . a te o ria p o lític a 6 u m m o d o in d iv id u a lis ta d e t r a t a r d a
s o c ie d a d e . E la im p lic a u m a a d m is s ã o in d ir e ta d a n a tu r e z a s o ­
c ia l d o h o m e m . C o n v ir ia le m b r a r m o - n o s d is s o p a r a p e r c e b e r
c la ra m e n te o s p a r a d o x o s q u e a in d a n o s r e s e r v a m R o u s s e a u e
H e g e l.

O " C o n tr a to S o c ia l" d e R ousseau


D o p o n to d e v is ta f o r m a l, a p o lític a d e R o u s s e a u e s tá n o s a n t í ­
p o d as d a d e H o b b e s . A te o r ia d e H o b b e s é r e p r e se n ta tiv a ,
a b s o lu tis ta e in s is te n a s u je iç ã o . A d e R o u s s e a u é c o le tiv a , n o -
wr%v*

m o c rá tic a c in s is te n a lib e r d a d e . E s s a d if e r e n ç a e v id e n te n ã o
d ev e. e n tre ta n to , e s c o n d e r u m a s e m e lh a n ç a m a is p r o f u n d a , a
qu al s e 'o b s e r v a n a p r ó p r ia te s s itu r a d a s d u a s te o r ia s . A m b a s
P o itu la m u m a d c s c o n tin u id a d e e n tr e o h o m e m n a tu r a l e o
h o m em p o lític o , d e m o d o q u e p a r a a s d u a s o " c o n tr a to s o c i a l '*
assinala o nascimento re*» J a humanidade propriamente dita
(daí muitas das semelhanças de detalhe). Ambas partem de
premissas muito “ individualistas” na aparência — de acordo
com as concepções do meio seu contemporâneo — e levam,
mediante uma lógica estrita, a conclusões “ antiindividualistas".
Ambas estão superlativamente preocupadas cm assegurar a
transcendência do soberano — num caso o governante (ruler),
no outro "a vontade geral" — cm relação aos súditos, sem
deixar de sublinhar a identidade do soberano e do súdito.
Em suma: ambos querem fundir num corpo social ou político
pessoas que se pensam como indivíduos. Eis por que essai
teorias têm cm comum um ar extremo e paradoxal. Como se
pode dizer a mesma coisa, mutatis mutandis, da teoria do Es­
tado de Hcgel. eis-nos. no pensamento político, era face de
uma continuidade impressionante que merece atenção.
T e m sid o R o u sseau fre q u e n te m e n te re c rim in a d o pela Re­
v o lu çã o F rancesa e a in d a e m n o sso s d ia s 6. p o r vezes, respon­
sa b iliz a d o p elo jac o b in ism o e p e lo q u e fo i denom inado a
"d e m o c ra c ia to ta litá ria , e m g e ra l.4* E v e rd a d e q u e Rousseau e
a R evolução perten cem a u m m esm o d e se n v o lv im e n to extremo
d o in d iv id u a lism o , o q u a l, re tro s p e c tiv a m e n te , sc nos apresenta
u m p o u c o c o m o um fa to h istó ric o n e c e ssá rio m as alguns podem
p re fe rir co n d en a r. E n tre ta n to , a o n d a re v o lu c io n á ria varreu, na
re a lid a d e , v á rio s p o n to s fu n d a m e n ta is d o e n sin a m e n to de Rous­
se a u , p o r m aio r q u e possa te r s id o a su a in flu ê n c ia geral. CH
asp ecto s to ta litá rio s d o s m o v im e n to s d e m o c rático s resultam,
n ã o d a te o ria d e R o u sseau , m as d o p ro je to artificialista do
in d iv id u alism o c o lo c ad o cm face d a e x p e riê n c ia . E verdade
q u e esses asp ecto s e s t ío p re fig u ra d o s c m R ousseau mas é
ju stam e n te n a m ed id a em q u e ele e sta v a p ro fu n d am e n te cons­
c ie n te d a in su ficiên cia d o in d iv id u a lism o p u ro c simples. «

* Urna recente condenação d etic género: M - T atm on. Origins of T(►


•^•lorian Dtmocrocy. lo n d rc s. 1942 (cap . I I I ) . Ease autor W Ro< * «
com o um “ Mont»nhé»~ de 1795 p6de lé-lo. e condena a “pretunçio re­
volucionária" que pretende que “a fraqueza hum ana < capas ás pro
duz.r um estado de coisas de significação absoluta e final" (cap 1 .1 d
Mas donde peovém esse artificial.»mo extrem o? N ão aeré a conteqOén.-'*
inevitável de um individualism o que T atm on conserva em estado ate
desenvolved? para seu próprio uso. sabiam ente, sem dúvida, mas nK
lógicam ente? O uanto ao resto, ele caricatura o pensam ento de Rooneau
a quem considera um psicópata cujas preocupações morais levam •
um a política to talitária.
O In d iv id u a l u n o IOS

trabalhava n o « m i d o d e s a l v á - l o t r a n v e e n d e n d o - o . H á m u l t o
¿c v erd ad e n a te s e d e V a u g h a n , s e g u n d o a q u a ] o C o n t r a t o
S ix ia i é . n o f u n d o , " a n t i i n d i v i d u a l i s t a ” . m e s m o q u e e * s a « j a
apenas u rn a p a r t e d a v e r d a d e .31 O p r ó p r i o R o u s « a u n o s d i r .
no com eço d a p r i m e i r a v e r s ã o d a o b r o , n u m c a p i t u l o in ic ia l*
tacnte in titu la d o " D o D i r e i t o n a t u r a l e d a s o c i e d a d e g e r a l "
(do g e n ero h u m a n o ) :
E ssa p e r f e i t a i n d e p e n d ê n c i a e e s s a l i b e r d a d e « m
r e g ra , m e s m o q u e p e r m a n e c e s s e j u n t a k a n t i g a i n o ­
c ê n c ia . t e r i a m s e m p r e t i d o u m v í c i o e s s e n c i a l e
n o c iv o a o p r o g r e s s o d a s n o s s a s m a i s e x c e ls a s q u a l i ­
d a d e s . a s a b e r, a f a lt a d e s s a lig a ç ã o d a s p a r te s q u e
c o n s titu i o t o d o .*3
V em os a q u i q u e R o u s s e a u v a i m a i s l o n g e d o q u e H o b b e s
di “ s u b tra ç ã o " f ilo s ó f ic a , a q u a l . a p l i c a d a a o h o m e m t a l c o m o
( observado e m s o c i e d a d e , n o s f o r n e c e o h o m e m d a n a t u r e z a .
No D iscurso s o b r e a o r i g e m d a d e s i g u a ld a d e , e l e f i z e r a u m
retrato d o h o m e m s e g u n d o a n a t u r e z a , l i v r e c i g u a l n u m c e r t o
. sentido, e d o t a d o d e p i e d a d e , m a s d e f a c u l d a d e s a i n d a n ã o
I pcacnro lv id a s, n ã o d i f e r e n c i a d a s , u m h o m e m i n c u l t o e , p o r e s s a
i m ã o . n em v ir tu o s o n e m m a l d o s o . D e p l o r a r a o f a t o d e q u e .
p«ra além d e u m c e r t o e s t á g i o d e d e s e n v o l v i m e n t o , o p r o g r e s s o
da civilização fo ss e a c o m p a n h a d o d e u m r c c r u d c s c i m c n t o d a

I * C. E Vaughan. T h e P olitical W ritin g s o f fea n -fa eq u e s R ousseau.


I Cambridge. 1915. 2 vola. (O x fo rd . 1962). vol. 1. p p . I l l e m. £ reco n ­
fortante ver que. n o século a tu a l, vário* a u to re s anglo-saxõcs retiraran»
a Moría política de R ousseau d o lim b o d a to ra l in co m p re e n sã o de que
«r» vil.ma entre cíes. C itare! S ir E rn est B ark er, e tn sua in tro d u ç ã o a
Gkrke já mencionada e em S o c ial C o n tra c t, o p . cit-, p p . 47 c u G eorge
Sabine intitula o c ap itu lo so b re R o u ssea u d e su a H isto ry o f Political
Theory, op. cit . "A re d c sc o b c rta d a c o m u n id a d e " . A re fe rê n cia a R ous­
seau está na edição dais O euvres c o m p U te s . P a ris. G a l lim a r d . “ L a Piéta-
de*. 1964. O C ontrat Social se rá d e p o is re su m id o cm C S . C f. tarabén»
Hebert Deratbé. fean- Jacques R ousseau e l la S c ie n c e p olitique d e son
¡¡mm. París. 1950.
■ Rousseau, o p c it.. v o l. I I I . p . 2 * 3 . E ste c a p ítu lo é urna ré p lica a
pderot (Derathé. ib id ., p p . I.X X X V IIL X X X V 1 1 I): a Idéia d o género
«•nano como “sociedade g e ra l” 6 u m a a b stra ç ã o , “ é u n ic a m e n te da
social estabelecida e n tre n ó s q u e e x tra ím o s as id éia s d a q u ilo que
■‘•gmaaaos - e só com eçam os p ro p ria m e n te a to m a r nos hoanens depois
« «ermos sido cidadãos” (ib id ., p 2 8 7 ); c f . n a s C onsid/rations tu r le
áfruvwsnnem de P olo p ie . u bi p a tria , u b i bene (ib id , p p 963. 960 a
104 C tn n e . n

d e sig u a ld a d e e d a im o ra lid a d e : “ O d e s e n v o lv im e n to d a s Luzes


e d o s vício® d e c o rria se m p re d a m e s m a ra z ã o , n ã o n o s indivi­
d u o s m a s n o s p o v o s " (C a rta a C h . d e B e a u m o n t, 1763). No
se u C o n tra to S o c ia l. R o u ssea u te n ta le g itim a r a o rd e m social
e d e se m b a ra ç a r-se d e su a s ta ra s . O e m p re e n d im e n to é ousado e
R o u ss e a u lim ita -o e s trita m e n te : seu E s ta d o é p e q u e n o , uma
so c ie d a d e d o face-a-face. S e a ta re fa n ã o 6 in te ira m e n te im pos­
sív e l. é q u e . co m o e le d iw c n o p re fá c io d e N a r c is o (1752).
" to d o s esses vicio s p e rte n ce m m u ito m e n o s a o h o m em do que
a o h o m em m al g o v e rn a d o ".’**
O s lib e ra is a cu sam R ousseau d e te r e n x e rta d o u m rebento
to ta litá rio n u m a cepa d e m o c rática . E les p o d e m te r achado
u tó p ic a a posição d o p ro b lem a, e m su a a firm a ç ã o a b so lu ta da
lib e rd ad e :
" E n c o n tra r u m a form a d e a sso c ia ç ã o q u e defenda
e p ro teja d e to d a a fo rç a c o m u m a pessoa e o»
bens d c c a d a asso ciad o , e p ela q u a l c a d a um . ao
unir-se a to d o s, só o b e d e ç a , e n tre ta n to , a si mesmo
e perm aneça tã o liv re q u a n to a n te s ? ” Esse é o
problem a fu n d a m e n ta l— (C S . L iv ro 1. c ap . VI.
p. 360).
M as ele n à o pode d eix ar de e stre m e c e r d ia n te d a solução
» ■ . lhe é im ediatam ente p ro p o sta :
Essas cláusulas, b em e n te n d id o , rcduzcm -sc Iodas
a um a só. a sa b e r, a a lie n aç ão to ta l d e cad a asso­
ciado com todos os seus d ire ito s a to d a a comu­
nidade.
O p o v o i soberano e . um a vez re u n id o s o s seus membro*,
rein a um a e stran h a alquim ia. D a v o n tad e in d iv id u a l de todo*
surge um a vontade geral, que é algo q u a lita tiv a m e n te diferente
d a v o n tad e de to d o s c possui p ro p rie d a d e s extraordinárias.
N ão estam os m uito longe, sem d ú v id a , d a perso n a m oratis com­
p a ñ ía de P ufen d o rf. ela tam bém in te iram en te d istin ta das

m As dttas C*ta<6n iSo extraídas de DerstS* (Rousseau ihid . vol Itt.


r *O V > Sotas ■ rsperiincia 4a desiruatdade rsn Rousseau « soe
trap aceeis em face de toda • qualquer deoendéncia. ver a penetrante
e notar* ir-roduç*o de lean Starotalmki ao 2* Discurso (IbU.. pp XIII
• as ) T o d a a potência vetn de Deus. confesso, mas toda a doer»,*
***■ árfa lambeos- (CS. U vro I. cap. III).
OK
iCfi

Ff f *'n'* mornI n sim piicfs que a constituem. Mas. por outro


lado, a v o n ta d e geral i o soberano c. como tal, ela transcende
• vontade individual dos súditos tão rigorosamente quanto o
jovtmo de Hobbes estava colocado acima dos governados.
0 que começou como uma societas ou associação toma-se urna
m ixfn iijs. passou-se. na linguagem de Weldon, de um siste­
ma "mccinico" para um sistema "orgánico” ou, segundo
Popper, de uma sociedade “ aberta" para uma sociedade
■fechada”. Rousseau vai muito longe para desembaraçar a von­
tade geral dc suas vontades constituintes. Recordemos a pasta­
gem tão citada:
Quando se propõe uma lei na assembléia do Povo,
o que se lhes pergunta não é precisamente se apro­
vam ou rejeitam a proposta, mas se está ou não de
acordo com a vontade geral que é a deles; f . . . ]
Quando, pois. domina a opinião contrária ft minha,
tal coisa não prova senão que eu roe enganara e
que aquilo que julgava ser a vontade geral, não o
era. Se minha opinião pessoal tivesse predominado,
eu teria feito uma coisa diferente daquela que qui­
sera; então é que eu não seria livre.»*
£ fácil descortinar aqui uma prefiguração da ditadura
jacobina, dos processos dc Moscou ou mesmo da V M a re ie
Talma do povo") dos nazistas. A verdadeira questão, entre­
unto. consiste cm saber o que Rousseau quer dizer quando
postula que a vontade geral preexiste ft sua expressão num
voto majoritário.** Sustento que não podemos compreendé-lo
•e nos mantivermos confinados no plano puramente político.

CS. Urro IV. cap II. pp 440441 O paralelismo cora Hobbes i


Ouanto a Hegel, se ele rejeita explícitamente a necessidade
T* fundamentar a lei num voto do* cidadão* reunido*, não deixa, poeto,
••ioiialar uma relação muito semelhante entre a vontade privada do
f"**j*° e a lei do Estado como encarnando, por definição, a verdadeira
■T**'* « hberdade do cidadão, de modo que aquele que vai contra a
"V v»i contra a sua própria vontade (Fitoão/la ¿o Direito, cf abaixo.
*«l*
, ° principio do voto majoritário não ae aplica facilmente ãs queatfiea
num4 associação es írritamente solidiria. < Rousseau, talve*
• «Produa preocupações que se encontram no Corpm /uni
«> li to cuido*0, cí. Gierke. Da, deuUehe GmoumxcKi/trtdU.
PP 141 e 422 • ia.
10» Gtnru. I/

U m a c ritic a re c e n te id e n tific a a v o n t a d e g e r a l d e R o u s s e a u com


u m a o u t r a e n tid a d e m is te rio s a , a c o n s c iê n c ia c o le tiv a d e D urk-
b e im . c p re c ip ita a m b a s n o in f e r n o d a d e m o c ra c ia ." E is o
q u e e s c re v e D u rk h e im s o b re a q u e s tã o :

P o is q u e a v o n ta d e g e r a l d e f in e - s e p rin c ip a lm e n te
p o r seu o b je to , e la n i o c o n s i s t e u n ic a m e n te , nem
m e sm o e s s e n c ia l m e n t e . . . n o p r ó p r i o a t o d o q u e re r
c o le tiv o .. . O p r in c ip io d e R o u s s e a u d if e r e , por­
ta n to , d a q u e le p e lo q u a l s e q u i s . p o r v e z e s , ju s tific a r
o d e sp o tism o d o s m a io r ia s . S c a c o m u n id a d e q u er
s e r o b e d e c id a , n â o é p o r q u e c o m a n d a , m a s p o rq u e
e la d e c id e s o b re o b e m c o m u m . . . P o r o u t r a s p ala­
v ra s . a v o n ta d e g e r a l n ã o é c o n s t i t u í d a pek> e sta d o
e m q u e se e n c o n t r a a c o n s c iê n c ia c o le tiv a n o m o ­
m e n to c m q u e s e to m a a r e s o lu ç ã o ; e s s a í apenas
a p a r te m a is s u p e r f ic ia l d o f e n ó m e n o . P a r a b e m o
c o m p re e n d e r , c u m p r e i r m a is a f u n d o , d e s c e r às
e s f e r a s m e n o s c o n s c ie n te s , e a lc a n ç a r o s h ib ito a .
a s te n d ê n c ia s , o s c o s tu m e s . S ã o o s c o s tu m e » que
fa x e m a " v e r d a d e i r a c o n s t i t u i ç ã o d o a E s t a d o s " (CS,
L iv ro I I , c a p . X I I ) . A v o n t a d e g e r a l é . p o rta n to ,
u m a o r ie n ta ç ã o f ix a e c o n s t a n t e d o s e s p í r i t o s e das
a tiv id a d e s n u m s e n ti d o d e t e r m i n a d o , n o s e n ti d o do
in te re s s e g e ra l. E u m a d is p o s iç ã o c r ó n i c a d o s su jei­
to s in d iv id u a is .1'

P a ra D u rk h e im . p o r t a n t o , a v o n t a d e g e r a l d e R o u s s e a u en- ■&
N e c o m o o s u r g im e n to c m n ív e l p o l í t i c o e n a lin g u ag em
j j t s -j s

* H and Bíêtard, “La 'votai* *g í r a l e ' u ta s Simone Wed’. W Ctn


¡m Son j, Paro. VIU. 1962. pp JM-S62
f i a r i a Dorkhe.m, Montou itu ri Rouutju pricvnfun dr !j o w
___ * *

flfe M a . IMS, pp tt* 6? tab o ra publicado tómente apOe i mor»


dr (ferkhna (Revue i t HHophyuqut rl dr Horjlt. tomo XXV. | 9tfV
a Modo sobra o Contrato Social i um trabalho da juventude em quf
• >r ‘» rirt vtraáo do Controlo nio t utihrada r oode o “ioJividualumc*
- /

• •fcri / v-, - - < .gerado (por exemplo, p I6J) t peto»


” 1 ■■■a parir da CS. Livro II. cap XII q.ie recorda Mcoteaquiav
do» coatumn a. aobretudo. da opimio. parte daacoohaoda
w

PoUtuo» maa da mal depende o im o de toda» ai ourrai Ver


» necnaldêda da 'rth f.io «ml“ (CS. Livro IV. cap VIII)
y

* * * * * ooocmaa d t Rouaaea-J oobet • ( Onega r • PoUa* •


do patriot!tato, do rcligiio. doa jogo» e divmOe». etc
y
0 inMriàmmm 107

di democracia da unidade de um a sociedade dada, na medida


em que ela preexiste a seus membros e está presente nos pen*
urnentos c nas ações deles. Por outras palavras, a univen itn
en que a societas de Rousseau parece transformar-se de súbito
é-lbe preexistente c subjacente. Rousseau obscurece o fato ao
partir da abstração d o individuo natural c ao apresentar a
transição para o estado político como uma criação ex nihilo
da urúitrútas. Assim o manifesta na seguinte passagem:
Aquele que ousa empreender a instituição de um
povo deve sentir-se com capacidade para. por assim
dizer, mudar a natureza humana, transformar cada
indivíduo, que por si mesmo 6 um todo perfeito e
solitário, cm parte dc um todo maior, do qual de
certo modo esse indivíduo 1= esse homem) recebe
sua vida c seu ser: alterar a constituição do homem
para fortificá-la; substituir a existência física c in­
dependente, que todos nós recebemos da natureza,
por uma existência parcial e moral. Em uma pala­
vra. é preciso que destitua o homem de suas pró­
prias forças para lhe dar outras que lhe sejam
estranhas c das quais não possa fazer uso sem o
socorro alheio.**
Numa linguagem artificialista tão magnífica quanto enga­
nadora, e que é típica do Contraio Social, temos aqui a per­
cepção sociológica mais clara, quero dizer, o reconhecimento
do botacm como ser social em oposição ao homem abstrato.
faSridual, da natureza.** Na verdade, se nos transpusermos
ca pensamento para o clima intelectual em que vivia Rous­
seau, dificilmente sc poderá imaginar uma afirmação mais
Ofcfdrica.

CS. Livro If. cap VII, pp 5S1-J82. Esta pasta sere foi retomada
man eta HH. p 25. e em HAE I, pp. 151 e 250, nota 6 (a propò-
«o ái Incompreensão de Marx).
Wr*, pmtgent de Rousseau mostram ser esae. nele. um pensa-
waunent* e central Por exemplo. CS, I.* versão. Livro t. «ap.
I tOeuvra, tomo I. p. 249); "Cartas sobre a virtude e a
« Correspondence Inéditei. cd. Streicleiteo-
E " * - Uttre I, pp. 1)5-156. etc ); "Carta a d'Alembert- «girem .
^ ” *•*»*. *e*no 1. p. 257).
II» Gbmt. ti

Os critico» que acusam Rousseau de ter aberto as portas


às tendências autoritárias, recriminam-no, de fato, por ter re­
conhecido o fato fundamental da sociologia, uma verdade que.
quanto a eles. preferem ignorar. Essa verdade pode muito beta
parecer um mistério, até mesmo uma mistificação, numa socie­
dade onde predominam as representações individualistas — tal
como ocorreu a propósito de Hegel e de Durkheim; poderá
parecer perigosa ou nociva, ela pode até nüo ser adequada-
mente reconhecida, e o problema postulado desse modo nio
poderia ser resolvido pela reação do avestruz em face do
perigo.
Alguns prefeririam que Rousseau se tivesse desembala*
çado do indivíduo abstrato e da idéia arbitrária do contrato, e
que tivesse descrito o seu Estado sem circunlóquios. em ter­
mos “coktivistas". Mas isso é ignorar simplesmente a liberdade
como preocupação central de Rousseau: ele percebia em a
mesmo o indivíduo como ideal moral e reivindicação política
irreprimível, o homem como ser social. Sir Ernest Barker via
em Rousseau uma espécie de |ano voltado ao mesmo tempo
para o pasaado — o direito natural (moderno) — e para o
futuro — a escola histórica alemã e a idealização romântica do
Estado nacional, ou ainda, como começando com Locke e ter­
minando com a República de Platão. Rousseau esforçou-se a
fundo por reconciliar o direito natural moderno e o antigo.
- por reintegrar o indivíduo dos filósofos numa sociedade real.
A clara crftka de Barker explica o seu fracasso sem locar em
p grandeza:
. . . ele teria escapado à confusão, teria evitado o
milagre inexplicável de um surgimento súbito, pelo
contrato, fora de uma condição primitiva e estúpida
no fulgor civilizado das Luzes, se se tivesse dado
tempo para distinguir entre a sociedade c o Estado
A sociedade que é a nação é um dado da evolução
histórica, que não é criada por ura qualquer con­
de eociedade mas que está simplesmente pre-
O Estado fundado sobre essa sociedade pode
•cr, ou pode tomar-se num momento dado (como
• França tentou cm 1789) o resultado de ura ato
criador dos membros da sociedade.. . (Socio/ Con
troei, op. dtH pp. X U II XLIV.)
lean-l»cques Rousseau enfrentou a tarefa grandiosa e im-
F ™ « tra,ar n« linguagem da consciência e da liberdade
só da política mas da sociedade inteira, de combinar a
WckUi. ideal e abstrata, com o que pôde salvar da univeni-
las como a mãe nutriz de todos os seres pensantes. Sem dúvida,
a sua identificação abrupta do individualismo e do holismo
e n perigosa, uma vez tomada como receita política, mas cons*
CTjú. antes de tudo. um diagnóstico genial do que nio pode
deixar de se produzir todas as vezes que a sociedade como
a n todo é ignorada e submetida a urna política artificialhta.
team . Rousseau não foi somente o precursor da sociologia na
acepção plena do termo. Ele equacionou, ao mesmo tempo, o
problema do homem moderno, convertido cm indivíduo poli­
tico mas pennaneccndo. como sevs congéneres, um ser social.
Um problema que nfio nos abandonou.

A Declaração d os Direitos do Homem


A “ Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" ado­
tada pela Assembléia Constituinte no verão de 1789 marca,
amo sentido, o triunfo do Individuo. Ela tinha sido precedida
de proclamações semelhantes cm diversos dos Estados Unidos
da América, mas foi a primeira a ser adotada como funda-
• c o t o da Constituição de urna grande nação, imposta a um
monarca reticente pela manifestação popular c proposta como
tem plo à Europa e ao mundo. F.mbora judiebsamente criti­
cada desde o começo cm seu princípio, mormctito por Benibam.
da iria exercer uma ação poderosa, na verdade irresistível,
¡durante todo o século XIX c até aos nossos dias.
Após um preâmbulo, abre com os seguintes artigos:
Ari. /.* Os homens nascem c permanecem livres e iguais
«m direito». As distinções sociais somente podem fundar-se na
comum.
Art. 2.* A finalidade de toda a associação política é a
vaçio dos direitos naturais c imprescritíveis do homem,
direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
cia à opressão.
Vc-k imediatamente que o Art. 2.“ contradiz a cstipulação
»i do Contrato Social dc Rousseau que citamos: "a alie-
tota! de cada associado com todos os seus direitos a toda
*«nunidade."
N i o b a s ta ría v e r n a D e c la ra ç ã o o c o r o a m e n to d a s doutri-
ñ a s m o d e rn a s d o d ire ito n a tu ra l p o r q u e , c o m o o b se rv o u fdli-
n e k . o p o n to e ssen cial é o tra n s p o r te d o s p re c e ito s e ficção
d o d ire ito n a tu ra l p a ra o p la n o d a lei p o s itiv a : a Declaração
fo i c o n c e b id a c o m o a b a se so le n e d e u m a C o n s titu iç ã o escrita,
e la m esm a ju lg a d a e se n tid a c o m o n e c e ssá ria d o p o n to d e vista
d a ra c io n a lid a d e a rtific ia lista . T ra ta v a -se d e f u n d a r exclusiva­
m e n te n a b a se d o c o n sen so d o s c id a d ã o s u m n o v o E stad o e de
c o lo c i-lo fo ra d o alcan ce d a p ró p ria a u to rid a d e p o lítica . A De­
c la raç ã o p ro clam ava os p rin c íp io s solenes q u e a Constituição
d everia im plem entar. A o m esm o te m p o , ia -s e b u s c a r conscien­
tem ente ã A m érica a fonte d e in sp ira ç ã o . A ssim , um relatório
en d ereçad o à Assem bléia de 27 d e ju lh o d c 1789 a prova "esss
n o b re idéia, nascida num o u tro h e m isfé rio " , e o fa to está im ­
píam ente docum entado. M ais d o q u e á D e c la ra ç ã o d e Indepen-
d éocia de 1776. Icllinck rem ete-nos. c o m o fo n te particu lar, aoi
B S ls o f Rights adotados em alguns dos E stados am ericanos, so­
b re tu d o a o da V irgínia, d c 1776. c o n h ec id o n a França antes
de 1789.4*
O s puritanos que fu n d aram a s colônias n a América do
N orte tinham d a d o o exem plo d o estab elecim en to de um Es­
tado por contrato. Assim, os fam osos •'P e re g rin o s" do May-
f lo u t r concluíram um p acto dc estab elecim en to antes de íun-

Cl Grorye Ictlinek. Lã Declaration dot droitt d* Lhomme el du Ó


P»»». 1902. p. 14 • a ... 29 e •*.; La Declaration dot droas .
. - , ’ 00: f P 54 e «a.: Halêvy. op. c it. tomo | | . p. 50; Henry Miel»!
l i d e * de ftta l. Pari*. IW t p 51 (cit* Cournot e Ch Boryeaini «u<
rtmetem ao Agreement of lha People dot "Nivelador*»”). A iafMac»
da Routaeau nSo cita»» inicuamente *u»en«e. poli »c o Contrato Socid.
em centrarte coa» Emttio. era pouco lido ante», ele foi. durante • Ren>
hK«o. "meditado c aprendido de cor por todo» o* cidadSoa" (Sébutra
Merrier. l í t l l De fato. a 17 dc a«ouo. Mirabeau propõe, cm aomc i>
tona coranalo capéela], um profeto que era nitidamente rouaacaudta m
m Aftipo 2 - o qual foi r*(citado Um do* .ocre tirio* da Mirabeau
Crienn* Dumont. era dnclputo de BentHam e teria perauadldo »na ce
lepa» da que oa direito» natural» eram urna "fícelo oueriT (HaW'l
op cit.. t nota W Sobre a critica dc Rentham. ct. HaMry, loe cit
voi I. ap III. * *ol II. cap I aa declarator» francraaa «So w fi*~'
anarqoiita». o alaterna da tfualdad* * da independência abtolntaa i ño
tín ta te irapoarirel. "a *ujcK*o c nSo a independência i o ratado n*~
ral do homem” N*o *c pretendeu farra aoui ura levantamento de tod»*
a* influência* de que a Declaras «o de 17*9 c a* «gulnte». a W deba*»'
que precederam m e ados So. contêm «raso» V Marcagi raottrou
o IndnJuaUsmo III

«Uitrn N ov Plym outh cm 1620, c outro» fizeram o roeirao."


Vinxn os L e v e U tn irem m ais longc cm 1647 e acentuarem os
direitos do homem com o hom em e . sobretudo, o direito i liber­
dade religiosa. Esse direito fora introduzido desde cedo em
riñ a s colônias am ericanas: cm Rhode Island por ura alvará
de Carlos l (1643), na Carolina do Norte pela Constituido
redigida por Locke (1669). A liberdade de consciência foi o
direito essencial, o núcleo em redor do qual os direitos do
hornera iriam constituir*sc m ediante a integração de outra»
liberdades c de outros direito». A liberdade religiosa, nascida
da Reforma c das lutas subseqüentes, foi o agente da transfor­
mação das especulações de direito natural numa realidade po­
liticj . Os franceses só podiam retom ar, por sua conta, a afir­
mação abstrata do Indivíduo como superior ao Estado, mas
oi puritanos foram os primeiros a pronunciar essa afirmação.
A transição fot encam ada num homem, Thomas Paine,
um lojista inglês que, sendo quaere, emigrou para a América
do Norte c aí alcançou notoriedade antes de participar na
Resolução Francesa como deputado à Convenção e membro,
cora Condorcet. da comissão encarregada de preparar a Cons­
tituição republicana de 1793. Paine escreveu dois volumes
pan defender na Inglaterra os direitos do homem, c E. Ha-
kvy marca a diferença entre os dois. Na primeira parte. Paine
defende contra Burke a racionalidade e simplicidade da polí­
tica da Constituinte. O seu individualismo é espiritualista:
"Por seu intermédio, o cristianismo revolucionário do* protes­
tantes ingleses da América une-se ao ateísmo revolucionário
dos xms-culottes franceses." O segundo volume, que trata da

«ottmllncU cm numeroso» pontos («cima. a propriedade) entre a doo-


>mu luiocrSúca e as declarações e intenções do» constituintes Oes
Orifua de U DMaraikm des drolls de rhomme. Paris. 1904), mas ml-
atmirs a Influência americana c sua tese é unilateral: os fisiócrata»
lUm do todo < n te do elemento (cf. HAE I. pp, J2-1J). A Revo­
to adotou lucetuvámente quatro Declarações, a pntneira esteve em
’’1°' durante um ano. a de 179J alguns m*»e». a de Tennidoe ano UI.
* » Declaraçte de Direito» e Devertt to grifo t meu), cinco ano»
Tato ms ChronkUt of lhe Pilgrim Fathers. Nova Iorque. Dutton.
! * • ? 11 Observa se que a mcnçte do Set supremo, rímente tana
t» preámbulo da Declarante de 17*9, t mail central » pectneaW
r ” **'•* puritanos TocqucviUe citou o Pacto de 1670 a inriatlu
**> ‘“ ab-aaçòa de rcltgiio e teoria potftica {De la ddmoerarit en Amf-
f u .». 1961. sol I. p M e introd . • vol U. cap. V. cf «rima).
112 Gina». II

aplicação do principio, é utilitarista. A partir da identidade


natural de interesses, Paine "aplica as idéias de Adam Smith
à solução... ademais, dos problemas políticos".41 A transição
é típica da evolução das idéias que ¡riam fazer reinar o utili­
tarismo na Inglaterra, nas primeiras décadas do século XIX.
O segundo volume de Paine foi publicado cm 1792 e
Condorect trabalhou com ele em 1795. Pode-se supor, portanto,
que as idéias de Paine refletem-se no elemento da Constituição
americana que Condorect sublinhou para condená-lo. Matemá­
tico e filósofo, ele desempenhara um papel notável nas assem­
bléias e foi decreta a sua detenção sob o Terror. Na prisão
— ele morreria pouco depois, envenenando-se — , Condorcet
escreveu como um testamento seu breve e denso Esboço dos
P rogram do Espirito Humano, inspirado de ponta a ponta pe­
la idéia de pcrfectibilidade do espírito. Ele termina com uma
imagem do futuro, a "segunda época", c no último parágrafo
v o revolucionário ameaçado em sua própria vida proclama sua
íó inabalável no progresso.4*
A história confirmou numerosas prcdiçócs dc Condorcet.
mas o que nos interessa aqui é a distinção que ele fez entre as
Constituições americana e francesa. O seu igualitarismo e n
moderado. Ele previu o desaparecimento total da desigualdade
entre nações, incluindo os povos colonizados de outros conti­
nentes. mas somente um certo enfraquecimento da desigualdade
no interior dc um dado povo: os efeitos da diferença dc dons
naturais entre pcuoas seriam reduzidos, mas sem desaparecer
de todo, o que seria contrário ao interesse comum. Entretanto,
Condorect vé a marca distintiva da Constituição francesa c a
razão dc sua superioridade sobre a americana no reconheci­
mento da igualdade dc direitos como seu único c supremo
princípio, Ele afirma os direitos naturais do homem (elogian­
do Roomau). Censura nos americanos terem continuado a
o equilíbrio dos poderes no interior do Estado e,

¡¡ HaKvy.op « ir.p p 66.69.


' C o rre c t. E s fiim Sun tM m i hnioriçu, d a r ^ t ' f df f a r '
(P ? J), ed Prior, Pari*. I9JJ. Condorcet d ii de ií mermo m
“8 na conttmplaçio dane quadro que ele recebe o prímio
■ i ai que ele cuite verdaderamente com o» *eu•
li«u que lua ratio »ouhe criar * O projeto ar
___ J M U que irán*ende o den mo da peaaoa e
o InJtvUualitMO

lobrctudo. tcrtm insistido mais. cm principio, sobre , idem,-


f V * mtereWS*I ík) <*uc « * « « igualdade do, d i r £ «
uxidorcct pensa, evidentemente, na Constituição cm que traba-
Ihou e na dos "M ontanheses" de 1793 que a suplantou, mai,
do que na de 1789 que ainda era monarquista. A Declaração
òc 1789 ainda está próxima dos Bills of Rights americano,;
a igualdade ai é invocada (art. I.*) contra as "distinções so­
ciais" hereditárias, mas náo figura na lista dos direitos subs­
tantivos (an. 2.°, acima). Em todas as Declarações tutee-
quente,, a igualdade toma lugar ao lado da liberdade entre os
próprios direitos.** Vê-se no Esboço que Condorcet não está
preocupado somente com a igualdade formal mas também com
a igualdade de facto, na medida cm que ela parece exeqüível e
útil. Escicve ele que a Revolução fez "muito pela glória do
homem, algún» coisa pela sua liberdade, quase nada ainda pela
ma felicidade"; deplora a ausência de uma história da “ massa
de famílias", reclama um estudo não só de normas mas dc
fatos, do, "efeitos.. . para a parcela mais numero» dc cada
sociedade", mudanças e disposições legais (pp. 199 e ss.). sobre
que k possa fundar uma política voltada pura o progresso da
epécie.
Condorcct, entretanto, é um liberal, um girondino, que não
situa o ideal igualitário acima de todos os outros. Durante a
(rópria Revolução, outros o fizeram, como testemunha a cons­
piração dc Babeuf — movimento comunista que, como tal. cx-

“ t u j u à u ..., 9.* época, op. c it.. p . IM . O Bill of Rights da Vir*»-


ail. on k u art. J." refere ic ao "bent comum" c acrcKcnta: “O me­
to» joven» t aquele que é o mais adequado para produzir a maior
•mu dc felicidade e tegurança" {Ibid.). Quanto à igualdade, o art. I.*
i a tómeme que "lodos o» homcr.t l i o por natureza igualmente livre,
t iniepcndenie," Oellinek. op. cit.. p. 29).
* U-k ao projeto de Declaração preparado pela comioio e aproen
tafc k Convenção a 15 de fevereiro dc 179J: “Art. I.’ O» direito, na-
« n u civil e políticos doa homen* são a liberdade, a igualdade, a segu-
t*ní». a propriedade, a garantía tocial c a resistência i oprewio." Exce­
e d » * a adição da “garantía social", a formulação geral pareceria
: «Mear que o» "direitoi naturais" citavam na dcfemiva. o que i coníir-
®*d» por »eu de,aparecimento na* redações ulteriores (ura veatigio de
f «luíncu rcuueauitia?). Assim. a Declaração adotada em 29 de maio
' “odificada um méi depois, após a adoção da Constituição “mon-
[ **witu-) atum começa: “Art. 1* Os direito, do homem cm sociedade
7 ° * «ualdade. a liberdade..." (a continuação idéntica k precedente.
¡ Tva-íide panou a ocupar o primeiro lugar).
114 Ctneu. II

travasa o nosso propósito. Babeuf foi executado mas a demo­


cracia francesa permaneceu preocupada com a igualdade nun
grau desconhecido em qualquer outro país. Tocqueville peree-
beu-o. e percebeu também que a Revolução Francesa foi. no
fundo, um fenômeno religioso, enquanto movimento que se
considerava absoluto c pretendeu refundir toda a vida humana,
em contraste com a Revolução americana, em que a teoria po­
lítica democrática permaneceu confinada cm seu próprio domí­
nio. completada e sustentada por uma rígida fé cristã. Isso
toma ainda mais interessante ver que os adeptos franceses do
homem como Indivíduo foram ajudados na formulação dos
direitos abstratos do homem pelos puritanos do Novo Mundo.
Uma vez mais. a religião cristã tinha empurrado o Indivíduo
para a frente.

O Contragolpe da Revolução: Renascença


da "U niversitas"
O» primordios da sociologia na França são freqüentemen-
tc considerados como eivados de "rtacao" política. Auguste
Comte, se se apresentava sobretudo como o discípulo de Con­
d o * ^ . nio escondia sua dívida para com os teócratas de
Maistre c Bonatd. Um pensador contemporâneo. Marcuse, tacha
o positivismo comtiano de conservador etn nome da filosofia
essenetalmente crítica de Hegel c Marx.- Desejo mostrar que.
por numerosa* razões, tratase de urna visto superficial. Em
•-Ciro lugar, o nascimento da sociologia está intimamente
' ao do socialismo cm um dos mestres de Comtc. c talvez
próximo dele, o genial e exaludo Saint-Simon, e scus
- O mesmo critico oícrece a seguinte explicação para
vimento socialista:
Os primeiros socialistas franceses encontraram os
motivos decisivos de sua doutrina nos conflitos de
clasac que condicionaram a época seguinte á Revo­
lução Francesa. A industria avançava rapidamente,
os primeiros abalos socialistas faziam-sc sentir, o
proletariado começava a consolidar-sc. <Mareu*e.
op. eit., p. J28, cf. pp. 335 e as.)

“ Herbert Marañe, Xaoaon md Krvolutio*. Beacon Pro». IW . pp


MO a m
0 hdinhuUmo IIS

Opõe-sc íreqücnlcmcnlc. dc certo modo, o mundo artesa-


nal e de pequena industria do século XVIII c o mundo da
grande indústria do século XIX. A explicação é, para dizer o
mínimo, insuficiente. Mesmo que possa aplicar se i mudança
de humor dos economistas, do otimismo de Adam Smith ao
pessimismo dc Malthus e Ricardo, na Inglaterra, dc Sismondi
e depois Marx no continente, ela não poderia justificar a preo­
cupação sociológica e, de um modo mais geral, a orientação
geral dos pensadores do período, à qual se chamou correta-
mente uma "reação antiindividualista” .4T
£ evidente, baseando-nos nos pensadores franceses do pe­
riodo que se estende dc 1815 a 1850 c depois, que a Revolução
e o Império deixaram cm sua esteira um vazio que os melho­
res espírito» sc ocupam em tentar preencher. Sc a Revolução /
marcara o triunfo do individualismo, ela parecia, pelo contra- /
rio, cm retpspecto, não passar de um fracasso. Daí, não so­
mente uma decepção crônica mos também o ressurgimento dc
valore» e idéias que contrariavam os exaltados pela Revolução.
O» ideais revolucionários eram raramente condenados cm
bloco, como pelos teócratas — cuja reafirmação contundente
da tradição c do hoiismo encontrou grande audiência; mais
írtqúenteroente. ou eram rejeitados cm parte, ou então aceitos
ma» comiderados insuficientes, o que exigia uma investigação
a fia dc completá-los. A afirmação inaudita c absoluta da
todtias petos revolucionários tivera uma carreira plena e a
necessidade de unigénitas foi sentida mais fortemente do que
nunca pelo indivíduo romântico que herdara a Revolução. Tal
é a aplicação global do retomo geral que sc discerne, do
otimitmo para o pessimismo, do racionalismo para o positivis­
mo. da democracia abstrata para a investigação da "organiza­
ção", da acentuação política para • ínfase econômica e social,
da ttcítmo ou de um vago teísmo para a busca dc u n u religião

Mícãd. op. tü. O autor desse citudo sumamente meticuloso, escrc-


•tndo ao fmal do aéculo. procura defender "o Individualismo" (tomado
rim «mido um pouco diferente do nosso) contra os seus críticos do
•todo XIX francés Pensa ele que os erros incidiram sobre os meios c
»fe sobre os fins Utilizoosc aqui a visão Rcral fornecida por Máxime
law» rtn sua Hittoirt dti idéei so. ia.Vi m France. Pari». 1946-1962.
116 Ghme. II

real, da razão para o sentim ento, enfim , d a independencia para


• comunhão.-
Para Saint-Simon e os sainl-simonianos, a Revolução, os
direitos do homem e o liberalismo tinham lido um valor pura­
mente destrutivo; chegara o momento de organizar a sociedade,
de a regenerar. O Estado 6 uma associação industrial, deve ser
hierarquizado; abaixo dos homens de saber e dos dentistas
vem o« banqueiros, que são os responsáveis pelo principal meio
de regulação: o crédito. As recompensas devem ser desiguais,
como são todas as obras, mas a propriedade hereditária é uma
sobrevivência a suprimir. Além disso, sobretudo para os sjint-
slmonianos, uma nova religião, o novo cristianismo, deve ligar
todos os homens pelo "sentimento''. A época crítica, que insis­
tia tão-somente no individuo c na razão, deve dar lugar a uma
nova época orgânica. Assim serão restaurados no espírito dos
homens o equilíbrio e a unidade, visto que, segundo Saint-
Simon. "a idéia de Deus nada mais é senão a idéia da inteli­
gência humana generalizada”. Ao mesmo tempo, a exploração
ímpia do homem pelo homem terá desaparecido “
Os saint-simonianos apresentam, pois. um contraste quase
perfeito quanto os teócratas, mas bem mais moderno, com
os ideais da Revolução francesa. Ora, a mesma preocupação
fundamental é compartilhada por espíritos muito diferentes,
corno Lamennais o Tocqucville. Em seu Ensaio sobre a Indi/e-
..¿fu (1817). Lamennais procurava a verdade na própria sode-
dade. tomando o que chamava dc "senso comum”, ou seja. as
tradições de todas os sociedades conhecidas. como fonte e
marca da verdade. Escreveu ele: "O homem só 6 apenas um
fragmento do ser; o ser verdadeiro é o ser coletivo, a humani­
dade. que nunca mone."**
Quanto a Tocqucville. um liberal, um aristocrata mas
adepto sincero da democracia, ficou profundamente impressio-

*• Escreveu Proudhon: "O homem mais livre t aquele que tem n u u


rclac&es com k u i semelhantes” (Leroy, op ck-, vol. II. p SOI
«• Este resumo í e s tr.ld o dc Douite « HsMvy. t o lioctrin* d t Saint-
Sim on !*'• annér. 1829. nov» cd.. Paris, 1951; Michel. op. rir..- Leroy.

° P ,............
u í o y . o p . r ir ., tomo II. PP 957 e n . «51 Podeea ver um legado
Ar, ¡UHniñiinio no fato de que a referência, nesta passagem, como t o
f c J lr “ p ^ c h u m ;n .q o o d . Rcomc. u Jâ n o . rem eti. » « r i - .
O MniJujIismo 117

D id o pelo infeliz desenvolvimento da democracia na França e


foi i Amírica d o N o r t e para estudar comparativamente, cm
primeira mão, as condições que permitiam aos lutados Un idos
democráticos conhecer a paz c a felicidade, extraindo daf as
cooclusõcs quanto ao seu próprio país.
Nessa pcspcctivu. Hegel aparece próximo dos pensadores
franceses de seu tempo. Sejam quais forem as diferenças —
evidentes — e reconhecendo que a política de Hegel tem
outros aspectos, pode-se dizer que, historicamente, a tarefa que
Hegel se impós na Filosofia do Direito i a mesma que Comte
e Tocqucvílle tinham pela frente: a tarefa de redimir os ideais
da Revolução da condenação que a história pronunciara contra
eles em suas manifestações de fato, ou de construir uma teoria
política c social que os retomasse sob uma forma viável. Clas­
sificar juntos, simplesmente. Hegel e Marx sob o rótulo de filó­
sofos "críticos”. 6' não levar cm conta a significação histórica
fundamental da Filosofia do Direito, que é uma tentativa de
reconciliar todos os opostos numa vasta síntese c ao mesmo
tempo, mostrar que essa síntese está presente no Estado mo­
derno. mesmo que fosse prussiano. O Estado moderno, na
concepção do filósofo, apresenta-se como o apogeu de tudo o
que o precedeu, a sua culminação. Por isso existe nessa filo-
»fli política um aspecto positivista importante. A filosofia do
direito propriamente dita é positivista: a lei 6 mandamento,
"vontade", como vimos cm Occam (e. além disso, "liberdade”).
E verdade que Hegel critica o positivismo da cacóla alemã his­
tórica do direito (Savigny), mas critica paralelamente a idéia
Puramente negativa e destrutiva da liberdade nos revolucioná­
rio» franceses: a lei não é somente dada em oposição á liber­
dade do indivíduo: ela também é racional, como a mais pro­
funda expressão da liberdade do homem. Nessa síntese, a v e r
dade tanto do positivismo quanto do libertarismo t conservada.
•o passo que seus defeitos são suprimidos. Se bem que muitas
°Wr»j reconciliações tenham lugar nesse livro, essa não i a
““ no* importante de todas.’1 Isso ficou claro na própria obra.
T*abftn está claro depois que a posteridade imediata dc He*
Bd M dividiu numa “direita” e numa "esquerda" que tó acei-

* PMcwspM* da dtoil. op cit . H «. 5. 11. W e » (» «iiiwnmw.*:


1 «• rrnomrmdctia do EtptrUo. • ttç*o »obr« "liberdade a b w lu u #
*'***' CV1, Bc>.
118 Gtimt, II

ta r n , r e s p e c t i v a m e n t e , o a s p e c t o p o s i t i v i s t a e o a s p e c t o r a c io n a
lis ta (o u “ c r ític o " ) d a d o u trin a . O e v e n to ilu s tra o fracasso
d e H c g c l, m a s o f a l o é q u e e l e t e n t o u A s u a m a n e i r a a lg o a n á ­
lo g o a o e m p r e e n d i m e n t o d e T o c q u c v i l l c e d e C o m te . O s p a ra le ­
lo s c o m o s s a i n t - s i m o n i a n o s t a m b é m s á o e v i d e n t e s . "
O q u e , p e l o c o n t r á r i o , d is t i n g u e H c g c l n e s te p o n t o i que,
e m c o n tin u id a d e c o m R o u sseau c a t r a d i ç ã o c lá s s ic a d e filo ­
s o fia p o l í t i c a , e le p e r s is te em c o n s id e ra r a univertiiat pelo
p ris m a e x c l u s iv a m e n te p o lí t i c o . O seu " E s ta d o " c o rre s p o n d e
ao que c h a m a r í a m o s a s o c ie d a d e R lo b a l, incluindo o E s ta d o
p ro p r ia m e n te d ito (c f. HAE I. p p . 1 4 8 c a s .) . C o m o d e h á b ito ,
H cgcl c o n c e n tr a a a te n ç ã o nos fen ó m en o s comcienta. As
e x p r e s s õ e s d e d e s p r e z o n ã o f a lta m n e s s e l i v r o a p r o p ó s ito doa
a s p e c to s d a c o n s t i t u i ç ã o s o c ia l q u e n ã o a l c a n ç a r a m u m a e x p re s ­
s ã o c o n s c ie n te , i s t o é , n a p r á t i c a u m a e x p r e s s ã o e s c r i t a , com o
a c o n s u c tu d in á ria , c m g e ra l, o u a C o n s titu iç ã o in g le s a , era
p a rtic u la r. T a l c o m o c m H o b b e s e R o u sse a u , o in d iv íd u o c o w
c ie n te é s u b ita m e n te c h a m a d o a re c o n h ec e r no E s ta d o seu
s u p e r e g o e n o c o m a n d o d o E s ta d o a e x p r e s s ã o d e s u a p ró p ria
v o n t a d e e l ib e r d a d e . A a p r e s e n ta ç ã o i n d i r e t a d a s o c ie d a d e sob
fo rm a d o E s ta d o " conduz a u m a e s p é c ie de re lig iã o do
«do, onde M a r x v iu a p e n a s u m a m i s t i f i c a ç ã o p u r o e sim*
i* E s s a r e je iç á o d a univmilas p e lo jo v e m M a r x é u m acoo-
; n t o im p o r t a n t e . A p o s iç ã o d e M a r x c m r e l a ç ã o a o s so ­
n ta s fra n c e se s é d e v eras I n te r e s s a n te . E n q u a n t o q u e , por
p a r t e , d e v e - lh e s m u ito , c v a i a o p o n t o d c r e c l a m a r a a b o ­
d e p ro p rie d a d e p r i v a d a , p o r o u t r o , n ã o c o m p a r tilh a em
d a s r e s e r v a s d e le s n o to c a n te a o I n d i v í d u o e a o s e sfo rç o s
e le s d e s e n v o lv id o s n o s e n t i d o d c u m a id é ia m a is p ro f u n d a
hom em . Em M arx , ta l c o m o p a ra o s r e v o lu c io n á r io s de
, a c r i a t u r a d o d i r e i t o n a t u r a l , q u e o s g r a n d e s íild a o ío s
tid o o c u id a d o d e tra n s m u d a r quando da tra n s iç ã o
v id a s o c ia l, e n t r a n a s o c ie d a d e t o t a l m e n t e e q u ip a d a «
se b a s t a r a si m e s m a . O s o c ia lis ta M a r x e r é n o Ind i-

introduction i la fM o aap ftfr J t thluoUr i t H+


9 99. tít
clan na PropcJtutko ó t Nurtmtxry onde Hapsl nk>
do Estado « a i da -sociedade do Estado"
Iradusiu da Oandtllat. da "nxtodad* 40a rontotwi
PrtykJruiiqut f i S i f D a n d i Coaiklar «d
vn o !I9
i1»-

jjdoo dc uma maneira que não tem precedente cm Hobbes.


jtattjMu e Hegel, nem mesmo — diríam os — cm Locke.
t muiw possível que tal socialismo, tal reabilitação do indivi­
dualismo após a Revolução, não tivesse sido exeqüível antes
doiam» de 1840-1850. À primeira vista, a teoria é neste ponto
tootraditória. c sociologicamente m uito em pobrecida em reía­
nlo k% percepções e divagações dos saint-simonianos.M
Se Tocqueville contrasta com tudo isso é porque ele se
títua na tradição dc Montesquieu, que estudara a constituição
dos Estados em relação com os hábitos e costumes dos povos.
Tocqueville. por sua vez. estudou a política em relação com o
teu contexto social geral e. cm particular, com as idéias c va­
lores. No que se refere à relação entre religião e política, por
comparação com a sua identificação parcial mas abrupta, e
um tinto obscura, com Hegel, e com a supervalorização cm
Comte da Humanidade, em contraste com a sociedade global
«ocrcta, as conclusões da investigação relativamente modesta
4a Tocqueville na América do Norte parecem hoje, em última
inálire, mais profundas e mais próximas da verdade, talvez por
t« tido ele o único que se entregou a uma verdadeira com-
jaraçáo sociológica. Tocqueville conclui que um sistema polf-
tko democrático só é viável quando cumpridas certas condi­
ções sociais. O domínio político não pode absorver o da reli-
|ik> ou, «m geral, o dos valores fundamentais. Pelo contrário,
deve ser completado e sustentado por cie (HH. p. 29).
Em suma. o* pensadores franceses da primeiro metade do
»&u!o XjX foram levados a considerar o homem como ser
social, a insistir nos fatores sociais que constituem a matéria-
Pdmj da personalidade, e explicam, em última instância, que a
Kciedade não é rcdutívcl a uma construção artificial na base
á* individuos. O mais evidente desses fatores, a língua, foi
«blinhado por Bonald, que atribui sua origem a Deus. A reli-
liiocra altamente apreciada pelos sainl-simonianos como fonte ».
de coesão social: eles insistiam na religião c no sentimento com
i reconstrução do corpo social. O ridículo em que so-
çobraram — u semelhança do misticismo dc Comtc. que talvez
kã*e apenas prematuro — n ío deve esquecer a profundidade
d« percepção deles. O esforço dc todos esses pensadores tendia,

S<*re tt rclacâe* em M.r» entro individutlUmo. projeto tftiíkitlUu


no. cf. IIAE I. 2 * p»rte
pelo menos cm parte, a trazer para a luz. m algrado a descon-
tinuidade evidente das consciencias hum anas, as raízes sociais
do ser hum ano. Nessa perspectiva, o Estado m oderno corres­
ponde apenas a urna parte da vida social, e não existe descon-
tinuidade absoluta entre a política autoconsciente dos moder­
nos e outros tipos de sociedade que o filósofo político i pro­
penso a colocar abaixo do limiar da hum anidade adulta.
Temos, portanto, neste caso e. cm particular, no surgi­
m ento paralelo e parcialmente conjunto da sociologia e do
socialismo na França, muito mais do que um a comeqüêncii
da revolução industrial. Esta, aliás, está ainda por vir no es­
sencial e s i a partir de 1830 se pode falar seriamente dela.
No cavado profundo que se segue à ressaca revolucionária de
1789, vê-se surgir algo dessas representações bolistas que de­
tectamos, dominadas mas não inteiramente ausentes, em todo
o transcurso da escalada do individualism o.” Comparativa­
mente, o fato aproxima, em certa medida, das sociedades tra­
dicionais a sociedade moderna que se afasta delas por seus
valores específicos. O fato 6 importante, ao mesmo tempo, para
a compreensão da sociologia e do socialismo. A sociologia
apresenta, no plano de uma disciplina especializada, a cons­
ciência do todo social que se encontrava no plano da cons-
i, ciência comum nas sociedades não individualistas. O socialis-
1 mo. forma nova e original, rvdcscobre a preocupação do todo
social c conserva um legado da Revolução; ele combina aspec­
tos individualistas e aspectos bolistas. Não se pode falar de
retorno ao holismo porque a hierarquia 6 negada, e estí
que também o individualismo foi fragmentado, sendo
ado sob certos aspectos mas rejeitado em outros.”
Sem dúvida, temos aí apenas uma caracterização ideoló
aum íria, de um ponto dc vista histórico e comparativo,
fórmula já esclarece, segundo mc parece, o lugar do
que citei acima. Ela seria igualmente útil para 0
dos desenvolvimentos ideológicos dos séculos XIX e

o paralelismo entre o fato global — a Revolução c tua*


— e as doutrina» paradoxais dc Hobbe* e de Rousscau-
deu razão a esse* autores
91-2. A grande variação entre oa socialistas franceses de
atribuida è igualdade — muito grande era Prou-
a Saint-Simon e a Fourier - t u r n indício da atitude
Revolução de I7t9.
OIndividualismo 121

XX, row isso ultrapassa o nosso objetivo: nesta última teçio,


pisemos apenas completar o esboço do processo de ascensão
do individualismo no plano político e social, assinalando as
cooseqüíncias ideológicas da Revolução, registrando o que a
história nos diz ¡mediatamente, de algum modo. sobre a rela­
jo entre a ideologia de 1789 e a realidade social em seu todo.
Ill
UMA VARIANTE NACIONAL

O Povo e a Nação cm Herder c Fichte*

Quindo se fala. com o tenho feito, da ideologia moderna como


dc utn sistema de idéias e valore* característicos das sociedades
modernas e . em prim eiro lugar, daquelas onde a modernidade
apareceu e se desenvolveu, pode-se ser contestado com a obje*
çío de que semelhante ideologia não existe, pela simples razio
d e que aquilo que assim se designa varia de um país para
outro, ou entre as áreas das grandes línguas da civiiizaçio.
E é verdade que existem , por exemplo, no seio da cultura
européia moderna, as subculturas inglesa, francesa, alemã
Cumpre simplesmente aceitá-las. ou aceitar as ideologias cor
topondentes. como variantes, equivalentes óbvias da ideologia
moderns, e o conhecimento concreto da ideologia moderna re­
quer que se possa passar, digamos, por um sistema de tramfor-
aaçôes, de uma dessas variantes para uma outra.1 Ora, o fato
é que as subculturas nacionais comunicam entre elas menos
iatediatamente e com menos facilidade do que o senso comum,
cm todo o caso. o senso comum francés, é propenso a crer.

K fim p rn to de U bre. 6. ! W . pp 2 \V ttO Exporto inkulmrntt sob


• título "Communication entre cultures" no simpówo "Diaeoveriea" 4a
rundaçio Honda em Paris (outubro dc I97Í). e depois perante a lisiar-
Society foe the Comparative Study of Ctvilbetlooe (EUA) m
ptrthrxiite, Califórnia, marco de 1979.
O problem* prítico da passagem de urna cultura a urna mitra fot e»
« " 'r a d o a p ropósito da iniciacio k sociologia e a propósito 4a tSoria
-"'opoíójií, ¿o parentesco (////. pp XVI XVII « nota)
124

A verdade ¿ que, no fundo, nem m esmo reconhece a tua


existencia.
A ideologia modem a com porta, com efeito, um univtm
lismo profundo que obriga a rechaçar do próprio dominio cog­
nitivo as diversidades encontradas: fala-se de "caracteres na­
cionais" e cada país alimenta estereótipos acerca dos países vi­
?
zinhos. Em última análise, as subculturas nacionais são muito .
mais opacas em relação umas às outras d o que se é propenso
a crer. Entre a França e a Alemanha, o problema da comuni­
cação reveste-se historicamente dc um aspecto dramático. As
dificuldades e os mal-entendidos que esmaltam os séculos XIX
e XX não resultam somente do confronto de dois Estados ra­
cionais de idade desigual: são testemunhos a discussão entre
historiadores a propósito da Alsácia-Lorena, depois de 1870. a
;
»:
reconsideração dilacerante a que tiveram de se entregar vários 3
filósofos germanistas franceses por volta dc 1914 c, ainds.
entre os testemunhos mais eminentes, Heinrich Heine e Emit
Trocltxh, que perceberam, um como herdeiro do romantismo, 3
o outro como historiador-sociólogo instruido pela Primeira
Guerra Mundial, a distância entre as duas mentalidades e i
dificuldade em íazé-las comunicar. Sc. apesar dc tantas contri-
buições notáveis, o problema está semprc diante de nós. vê-se
muito claramente, a partir do lado francés, que ¡sao se deve à
dificuldade pora cada um de sair dc sua própria variante na-
ciorAl, de deixar dc idcntifici-la. implícita ou Inconscientemen­
te, com a única verdadeira ou com a própria ideologia modema
e passar a considcrá-la em equivalência com a variante estran­
geira. Por outras palavras, faltou um distanciamento, ou um
ponto de npoio no exterior do sistema duplo, ou ainda um«
"perepectivaçio" da ideologia modema. O ra. 6 precisamente
para isso que a antropologia social pode contribuir. No caso
presente, o ponto de apoio será fornecido pelos resultado» da
comparação efetuada precedentemente entre a India c o oci­
dente moderno. Espera se que ele permita uma comparação mail
radical e mais sistemática do que pelo passado. Esses resulta­
dos rtduzem-sc. esscncialmcntc, a dois instrumentos, que são a
distinção holismo/individualumo e a relação hierárquica. Ro-
encontrá-Ioí-emo» nos páginas subseqüente*. Limitar-me-ci a
duas aplicações precisas do método, as quais, conjuntamente,
elucidarão um mesmo tema: o da nação e do nacionaliimo
Primeiro, trataremos de um aspecto fundamental do pen*» I
Ç /BJ...J-JÍÍWHO 12»

nenio de Herder e, cm seguida, de Fichte. Recoloquemo-los


inicuhnente no movimento de conjunto.
A partir do século XV III c , muito especialmente, do
Slum und Drang, através, sobretudo, do período da Revolução
francesa e do império napoleónico, a cultura alemã conhece, no
plano erudito, um desenvolvimento sem precedente que com­
porta. em particular, sua emancipação cm face da cultura fran­
cos. até então dominante, c que constitui, no essencial, a ideo­
logia aiemi moderna. E desnecessário insistir sobre a importân­
cia desse movimento c de suas conquistas para a ideologia
■edema em geral. Apresentá-lo nesses termos deve, entretanto,
mscitar protestos: dir-sc-i que as grandes filosofias são uni-
n m is e nada tem a ver com as ideologias nacionais: e mesmo
idoitindo que o pensamento alemão se desenvolveu sob o
incentivo do lluminismo francês e inglês e da Revolução fran­
cesa. he»itar-sc-á em ver ai um fato dc interação entre cultu­
ra nacionais, uma vez que a Revolução Francesa faz parte do
patrimônio comum da cultura moderna.3 Mas essas objcçóes
devem ceder se a perspectiva proposta explicar melhor do
que habitualmente o que é conhecido.

Em 1774, à margem do Sturm und Drang ou pré-roman-


ñuno alemão, Herder, que está com 50 anos. publica Auch
tint Philosophic der Ceschichte (Uma Outra Filoso/¡a da His­
tória). 0 título indica uma réplica a Voltaire, c i c a filosofia
da história que ela contém 6 complexa, esta obra relativamente
bm c (110 páginas das Obras Completas) é. com efeito, acima
dc tudo, uma polêmica apaixonada contra o lluminismo. seu
nctcoalismo insípido, sua estreita concepção de progresso e,

1 A palma “interação". squi empregada, pode pmtar-se a coofuiSo.


alo «todo o «todo causai, nem dinâmico, mas somente uma comparação
m tóu de configuraçóes de idéias Só os resultados dessa comparação
■«eriza» filer aqui. por antecipação c psra sermos breves, de Iniciação
•* ét aculturação. A interação observase dirctimente no caao de
nmier mas não em geral.
Csu nota. inexplicavelmente suprimida na versão publieads em
J^ r. * aqui restituida Aproveitemo-la para acrtaccmar que não se
***. naturalmente, de reduzir o pensamento alemão ãa corvliçôes nn
»e originou Como ae diz em outra parte (introdução e cap VI».
J** consonância, altãs. com o próprio pensamento iletaio. a antropo-
procura o verdadeiro sentido e o valor universal da um traço
• • w . através da tradição particular em que ela sa eoralra.
126

preponderantcmentc. contra a hegemonia desse racionaku»


universalisu que despreza o que lhe for estranho c pretende
impor, por toda a parte, seu refinamento senil. Herder reabi­
lita tudo o que o século XVIII franco-inglés rejeita ou ¡pon,
a pretensa barbárie da Idade Média, o Egito sacrificado a
Grécia, a religião. Em lugar de fazer consistir a história no
advento de uma razão desencarnada e por toda a parte idén­
tica, Herder vé nela o jogo contrastado de individualidades
culturais, cada uma das quais constitui uma comunidade espe­
cífica. um povo. VoLfc. oode a humanidade exprime cada vez
de modo insubstituível um aspecto de si mesma e de que o
povo alemão, portador da cultura cristã ocidental, é o exem­
plo moderno. No fluxo da história, não há simplesmente pro­
gresso (Forischritt) mas, no interior dos grandes conjuntos de
civilização, o antigo e o moderno, o que se chamaria uma
sucessão de aberturas (Fortgant, Fortstrcben). todas "de igual
necessidade, de igual originalidade, de igual mérito, de igual
felicidade".'
Em suma, diante do universalismo reinante, Herder afu­
ma com veemência, em 1774, a diversidade dai culturas, que
exalta sucessivamente, sem ignorar, no entanto, o que umas
adotam de outras — o que sempre se faz acompanhar de uma
profunda transformação do elemento adotado — nem. embora
não se alongando muito nesse aspecto, que cada excelência é
Contrabalançada por uma insuficiência, que todas essas perfei-
çóes tio unilaterais e incompletas. Pode-se dizer que está ai
por antecipação, cm face dos futuros direitos do
, o direito das culturas ou dos povos. Isso supóc, obvia­
mente. uma transformação profunda da concepção do homem;
cm vez dc um indivíduo abstrato, representante da espécie
humana, portador de razio mas desprovido dc suas partícula-

' I. 0. Herder. Une aulre Motophk de rhittoire. Paris. Aubier. m


(cot bWsiftic), introd. de Mix Roue* Além do parentesco eridrt*
entre • Vcik de Herder e a mónada letbnixiana. taprsssèooa . «ever
Macia profunda entre a complexidade do movimento histórico, teredo
Herder (tf Roue*, ibid., pp 44-73). c a da ditcimlo da queatlo do
programo am Leibniz, tal como foi detenu no belo livro de Michel
Senta. Le Syttime de Leibnii el set modilet maiMnatiquet, Pari». PIT.
IM, val I. pp 26MW: a mesma lendéncia, a metma tptidio pars
deixar coriirir atpettot oo nfvde Abranles a fim de coovdmr a
teutidada do procaaao
o Individualismo 127

ridadcs, d e su a s id io s s in c r a s ia s , o h o m c m d e H e r d e r é a q u il o
que ó, cm to d o s o s s c u s m o d o s d e s e r . d e p e n s a r e d e a g ir , c m
virtude d e p e r te n c e r a u m a c o m u n i d a d e c u l t u r a l d e t e r m i n a d a .
N este p o n to , c o m o e m m u ito s o u t r o s . H e r d e r n ã o é u m in o v a ­
dor. em a b s o lu to . P e n s a -s e . c m p r i m e i r o l u g a r , e m R o u s s e a u ,
que se d ista n c io u d o s e n c i c l o p e d is ta s p r e c i s a m e n t e s o b r e c s s e
ponto, c o m o “ c id a d ã o d e G e n e b r a ” q u e r e c o n h e c e u p l e n a ­
m ente a n a tu re z a s o c ia l d o h o m e m , is to é . s u a p e r te n ç a a u m a
sociedade c o n c re ta c o m o c o n d iç ã o n e c e s s á r ia d e s u a e d u c a ç ã o
para a h u m a n id a d e .
E stam o s a q u i d ia n te d e u m a d if e r e n ç a e s s e n c ia l n a m a ­
neira d e p e n s a r d o h o m e m : c m ú ltim a a n á lis e , o u o v a l o r f u n ­
d am ental é a tr ib u íd o a o h o m e m e . n e s te s e n t id o , s e f a la r á d o
in d iv id u a lism o d e V o lta ire e d o s e n c ic lo p e d is ta s , o u e n t ã o é
a trib u íd o à s o c ie d a d e , o u á c u lt u r a , a o s e r c o le tiv o , e e s t a r e ­
mos fa la n d o d o h o lis m o q u e a f lo r a c m R o u s s e a u e c m H e rd e r.*
Se o a d v e n to d o in d iv id u a lis m o d is tin g u e a c u l t u r a m o d e r n a
de to d a s a s o u t r a s e . e m t o d o o c a s o . d a s o u t r a s g r a n d e s
civilizações, c o m o p e n s o , te m o s a q u i. c o m o re s s u r g im e n to d e
um a sp e cto b o lis ta n a c iv iliz a ç ã o m o d e r n a , u m i m p o r t a n te f a to
histórico. N o h o lis m o t r a d ic io n a l, a h u m a n id a d e c o n f u n d e - s e
com a so c ie d a d e d o s n ó s . o s e s tr a n g e ir o s s ã o d e s v a lo r iz a d o s
com o. n a m e lh o r d a s h ip ó te s e s , h o m e n s im p e r f e ito s — e.
aliás, to d o o p a trio tis m o , m e s m o m o d e r n o , e s t á m a is o u m e n o s
im pregnado d e sse s e n tim e n to . E m H e r d e r , p e lo c o n tr á r io ,
todas as c u ltu r a s s ã o p o s tu la d a s c o m o d c d i r e i t o ig u a l. E e v i­
dente q u e isso s ó é p o ss ív e l p o r q u e a s c u lt u r a s s ã o v is ta s c o m o

I
outros ta n to s in d iv íd u o s , ig u a is a p e s a r d e s u a s d i f e r e n ç a s : a s
culturas sã o i n d iv íd u o s c o la tiv o s . H e r d e r tr a n s f e r e o i n d iv i d u a ­
lism o. q u e e le a c a b a d e t r a n s c e n d e r d c m o d o h o lís tic o p a r a o
plano e le m e n ta r, p a r a o p la n o d e e n ti d a d e s c o le tiv a s a tó e n tã o
desconhecidas o u s u b o r d in a d a s . H e r d e r , p o r t a n t o , n a d a m a is
fez d o q u e r e je ita r a c u lt u r a u n iv e r s a lis ta — p r i n c ip a lm e n te
francesa — m a s . a o m e s m o te m p o , a c e ita u m a c a r a c te rís tic a

* A distinção holism o/lndividualism o n ío representa. em relação A


<( «ihiH t alcm i. uma introdução arbitrária de ponto* dc vista estrangeiros
II Ha não d<fcra da distinção de Tõnnie*. G cm cinschjft/G a—th cke ft. a
rio »e» pela ênfase tobre a hierarquia de valorea, e a pedpria distinção
dc Tòniúc* eatrai teu valor d o fato de refletir aoaltticam rate lodo o
I. r-cmamento alemão cm causa. Cf. adiante, cap V!.
12*

importante para afirmar, cm face déla, a cultura germánica, e


todas as outras culturas que floresceram na história. Em nível
global, a rcaçio de Herder situa-sc no interior do sistema mo­
derno de valores. O seu holismo está realmente situado no seio
do individualismo que ele ataca — e talvez seja isso o que
explica o que há de forcado, de dissonante quase de ofegante,
no estilo de A u d i cine Philosophic der Geschichte. Mais tarde,
no ambiente mais sereno de Weimar. Herder tentará cm Ideen
zur Philosophic der Geschichlc der Menschhcit lldéias para
uma Filosofia da llisíória da Humanidade) (1784-1791) recon­
ciliar universalidade e concretitude. graças à noção, que ele
se esforça desesperadamente por definir, de llumanitàl. E»ta-
mos. cm 1774. diante de um fato a que se d i. nos nossos dias.
o nome de aculturação. Pode-se afirmar rigorosamente que
Herder estabelece na cultura moderna uma subeultura alemi
distinta da francesa. F estamos assim na origem do que se de­
nomina a teoria étnica das nacionalidades, em oposição i cha­
mada teoria eletiva, de ascendência francesa, em que a nação
assenta num consenso, o "plebiscito de todos os dias” de
Renan. Ora. acabamos de ver que a teoria étnica não é. cm
teu fundamento ideológico, independente da outra, mas resul­
ta de uma transferência do mesmo principio do plano do
homem individual para o plano da coletividade. Este ponto
perde-se freqüentemente de vista cm nossos dias.
Chamei a atenção para a combinação em Herder de ele­
mentos individualistas c bolistas, mais precisamente, vl nele »
componente bolista subordinar-se à componente individualist*
de um modo. a bem direr, pouco acentuado c quase sub-reptí­
cio. Poder-»<-ia preferir ver essa combinação de um outro mo­
do. mas a disposição é. de fato. a que descrevo, como muitas
outras características o indicam: c. se refletirmos, tem que
ser essa para que o pensamento de Herder se situe na cultur*
moderna e não fora dela. Em nível global, a tendência holist*
está aqui limitada por. contida ou, como tenho o costume de
direr, englobada num individualismo que está esvaziado de
sua substância nos níveis que para Herder são secundários
Cada povo é tomado como um todo c não atomizado em in­
divíduos. Pode-se naturalmente questionar a solidez dess*
síntese no uso c é urn fato que os sucessores de Herder ni
Alemanha hicrarquiraram, na grande maioria dos casos, **
culturas ou naçócs que ele* não igualaram umas is outras.
O I m tU r tJ u a lu m o 129

T e m ió c m v i s t a o q u e s e s e g u i r á , c u m p r c - m e a g o r a p r e c i ­
sar a d e f in iç ã o d e h i e r a r q u i a a p a r t i r d o e x e m p l o c o m q u e
acabam os d e n o s d e p a r a r . F o i u m e x e m p l o d e m g l o b o m e n t o
d o c o n trá rio . T a l é . c m m i n h a o p i n i ã o , o p r i n c í p i o d a h i e r a r ­
q uia q u e s ó s e c o s t u m a c o n s i d e r a r m a i s o u m e n o s a m a l g a m a ­
do a o p o d e r , c q u e h á i n t e r e s s e , c o m o s e v e r á a q u i m e s m o ,
cm d is tin g u ir d e le d e u m a f o r m a a b s o l u t a . N ã o e x i s t e m e l h o r
exem plo d o q u e a c r i a ç ã o d e E v a a p a r t i r d e u m a c o s t e l a d e
A dão. n o p r i m e i r o l i v r o d o G ê n e s e . D e u s c r i o u p r i m e i r o A d ã o .
ou seja, o h o m e m i n d i f e r e n c i a d o , p r o t ó t i p o d a e s p é c i e h u m a n a .
D epois, n u m a s e g u n d a e t a p a , e x t r a i u d e a l g u m m o d o d e s s e
»er in d ife re n c ia d o u m s e r d e s e x o d i f e r e n t e . E i s . f a c e a f a c e .
Adão e E v a . a g o r a c o m o m a c h o c f ê m e a d a e s p é c i e h u m a n a .
l Nessa c u rio s a o p e r a ç ã o . A d ã o . c m s u m a . m u d o u d e i d e n t i d a d e ,
$ ao m esm o te m p o q u e a p a r e c i a u m s e r q u e é m e m b r o d a e s p é ­
i cie h u m a n a e d i f e r e n t e d o r e p r e s e n t a n t e p r i n c i p a l d e s s a e s p é ­
t cie. A d ã o o u . e m n o s s a l i n g u a g e m , o h o m e m , é d u a s c o i s a s a o
t mesmo te m p o : o r e p r e s e n t a n t e d a e s p é c i e h u m a n a c o p r o ­
tótipo m a s c u lin o d e s s a e s p é c i e . N u m p rim e iro n ív e l, ho­
mem e m u lh e r s ã o id ê n tic o s ; num seg u n d o n ív e l, a
m ulher 6 o o p o s t o o u o c o n t r á r i o d o h o m e m . E s s a s d u a s r e l a ­
&
ções. to m a d a s e m c o n j u n t o , c a r a c t e r i z a m a r e l a ç ã o h i e r á r q u i ­
ca. a q u a l n ã o p o d e s e r m e l h o r s i m b o l i z a d a d o q u e p e l o m g / o -
f
b a m fn io m a te ria l d a f u t u r a E v a n o c o r p o d o p r i m e i r o A d ã o .
Esta re la ç ã o h i e r á r q u i c a é , c m t e r m o s m u i t o g e r a i s , a q u e e x i s ­
te e n tre u m t o d o ( o u u m c o n j u n t o ) c u m e l e m e n t o d e s s e t o d o
lou c o n ju n to ): o e l e m e n t o f a z p a r t e d o c o n j u n t o , é - l h e . n e s s e
sentido, c o n s u b s ta n c ia l o u i d é n t i c o e . a o m e s m o t e m p o , d i s ­
tingue-se d e le o u o p ó e - s e - l h c . N ã o e x i s t e o u t r o m o d o d e o e x ­
prim ir. a n ã o s e r j u s t a p o n d o c m d o i s n í v e i s d i f e r e n t e s e s s a s
duas p ro p o siç õ e s q u e . t o m a d a s c m c o n j u n t o , s e c o n t r a d i z e m .
E o q u e d e s ig n o c o m o " e n g l o b a m e n t o d o c o n tr á r io '* .* E ssa
dificuldade ló g ic a c a i n s p i r a ç ã o i g u a l i t á r i a d e n o s s a c i v i l i z a ­
ção fazem c o m q u e a r e l a ç ã o h i e r á r q u i c a n ã o o c u p e u m l u g a r
da honra e n tr e n ó s . D i r í a m o s a t é q u e p a s s a m o s o n o s s o t e m p o
* «ritá-la c a p r o c u r a r c x p r c s s ó c s q u e a c o n t o r n e m . E n t r c t a n -

* Cf UH. 1979. poafácio. p p 590-401 <n i o p u d e concern»* e m repeo-


émAr 1 * o « í m p i o d e A d ã o e E r a , s o m o m o tem p o w p r m l v o e
.* • aplicação k o p o siç ã o d ire lta /e s q o e rd a . a d ia n te , cap
W . parta.
ISO

t o , é f á c il s u r p r e e n d ê - l a o n d e m e n o s s e e s p e r a . E desde que
a tr i b u a m o s i m p o r t â n c i a a u m a i d é i a , e s t a a d q u i r e a proprie­
d a d e d e s u b o rd in a r, d e e n g lo b a r a s u a c o n trá ria .
N ã o p r o c u r a r e i s i s t e m a t i c a m e n t e o s t r a ç o s d e hierarquia
n a p r i m e i r a f ilo s o f ia d a h i s t ó r ia d e H e r d e r . A s s in a la re i «pena
q u e . p e lo m e n o s i m p lic ita m e n te , e l a e s t á p r e s e n t e e m cad a épo­
c a d a h is tó r ia , n o m e d id a c m q u e u m d e te r m i n a d o p o v o rüdj
o c u p e o p ro s c ê n io c a í r e p r e s e n t e , p o r u m c e r t o te m p o , a hu­
m a n id a d e i n te i r a , e n q u a n t o q u e o u t r o s f ic a m e m se g u n d o pla­
n o . A s sim , n a A n tig u id a d e , s u c e s s iv a m e n te , o o r ie n ta l, o egíp­
c io c o m o f e n ic io , o g re g o , d e p o is o r o m a n o , p o ss u e m uni va­
lo r u n iv e rs a l n a m e d id a e m q u e r e p r e s e n ta m u m a idade da
h u m a n id a d e a n tig a , d a in f â n c ia à v e lh ic e . E ssa identificaçã»
d e u ra p o v o c o m a h u m a n id a d e in te i r a p a r a u m a id a d e deter­
m in a d a é c o m u m n o s p e n s a d o re s a le m ã e s . n a e s te ir a d e Her­
d e r . c a re e n c o n tra re m o s a p lic a d a á é p o c a m o d e r n a e m Fichte
N o m o m e n to d e a b a n d o n a r m o s H e r d e r , lem b re m o s que
só e x p lo ra m o s u m a c a r a c te rís tic a d e u m d e s e u s e sc rito s, umi
c a ra c te rís tic a n a v e rd a d e f u n d a m e n ta l n ã o s ó n o p ró p rio Her-
d e r m as q u a n to è s u a p o s te rid a d e . C o m e f e ito . H e r d e r influen­
c io u p ro fu n d a m e n te p o r is s o — c o m o e r a n a tu r a l — a acultu­
ra ç ã o e o n a c io n a lis m o n o s p o v o s e x p o s to s subseqO cniem enle.
p o r s u a vex. a o p le n o im p a c to d o s v a lo re s m o d e rn o s , em espe­
c ia l o s p o v o s d e lín g u a e s la v a d a E u r o p a c e n t r a l e o rien tal. Na
p ró p ria A le m a n h a , a n o ç ã o h e r d e r ia n a d o V o ik e s tá n a origem
d o u m a d a s p rin c ip a is c o r re n te s d o ro m a n tis m o , e n ã o es t i au­
se n te d o Id e alism o a le m ã o , d o q u a l v a m o s a g o ra apresentar
s u m a ria m e n te u m a s p e c to n a p e sso a d c F ic h te .

A filo so fia so cial e p o lític a d e F ic h te a in d a c o n stitu i hojt


p ro b le m a . F ic h te q u is s e r o filó s o fo d a R e v o lu ç ão fran-
e . n o e n ta n to , te m s id o f r e q ü e n te m e n te c o n sid erad o ¡u
m o rm e n te p e lo h is to r ia d o r M e in e c k e . u m precursor
p a n g e r (n a n ism o o u d a te o ria q u e v in c u la o E sta d o k ron­
d e p o tê n c ia c o le tiv a d o p o v o . O e x e g e to fra n c ê s dc sua
M a rtia l G u é ro u lt, c m p c n h o u -s c e m m o s tra r q u e Fkh-
p c rm a n c c c ra p e rfe ita m e n te fie l k R e v o lu ç ã o e q u e tudo o
se e n c o n tre c m s u a o b r a . n e sse p la n o , e ra te c u n d iro
p ro fu n d a m e n te a le m ã d e p e n s a r e d e agir. scj
g e rm â n ic o " , o s m a l-e n te n d id o s e falsi
o Miviiuolumo 131

que lhe foram cnxcrtados.' Gostaria de mostrar que a diferen­


ça das duas subcultures, a alemã e a francesa, explica me­
lhor, simultaneamente, a filosofia social de Fichte c o seu des­
tino subseqüente. Procurarei, sobretudo, assinalar a presença
no igualitário Fichte, de uma forma de pensamento propria­
mente hierárquico, do qual seria difícil encontrar o equiva­
lente nos revolucionários franceses.
Vamos diretamente ao âmago da dificuldade, aos Discur­
sos à Nação Alemã, essas conferências pronunciadas após a
derrota de lena, na Berlim ocupada pelas tropas de Napolcio.
Das interpretações divergentes e das apreciações contraditórias
de Guéroult (Fidelidade ao ideal revolucionário) e de Mcineckc
(somente um passo em direçáo da concepção alemã, mais ou
menos pangermanista. do Estado), destaca-se um acordo que
nos pode servir de ponto de partida: existe um componente
universalista em Fichte, e pode-se mesmo admitir, com Gué-
roult, que se trata do componente essencial ou englobante tan­
to dos Discursos quanto do conjunto da filosofia social de
Fichte. O problema consiste, entáo, em saber o que foi que
Fichte acrescentou ao universalismo ou com o que o combinou
para obter, em última análise, a exaltação da nação aleml
(nessa época, ainda inexistente como tal).
Tal como Kant, e como o próprio Hegel, Fichte pertence
â linhagem universalista em oposição á linhagem herderiana,
a que poderíamos chamar historicista ou monódica, a qual
exalta a especificidade de cada povo ou cultura. Mcineckc
pode censurar-lhe o fato de, no fim de contas, exaltar mais
a “nação de razio" do que a nação concreta como querer-vi-
ver particular. Recordemos, em primeiro lugar, que o univer­
salismo ou cosmopolitismo não exclui o patriotismo. Isso foi
perfeitamente visto nos franceses de 1793 c compreende-se fa­
cilmente: enquanto indivíduo representante da espécie huma­
na, eu vivo. de fato. numa sociedade ou nação particular, e
aceito espontaneamente esse círculo mais restrito como a for­
ma de que ac reveste empíricamente, para mim. a espécie hu*

• Minis! Goérouh. [luda w Fichtf. Paris. 1*74. pp 142 24*. con-


durto. Fnrdftch Meiaackc. Witiburprtum m i Nthomtltu*. Maaiqi*.
J‘ a«çlo. lit}. pp * 1 n
132 Urna variante nación

m a n a ; p o s s o , p o r c o n s e g u in te , e s t a r - l h e v in c u l a d o se m te r que
j u s tif ic a r , d e u m m o d o e x p lic ito , a m in h a v in c u la ç á o p o r aqui­
l o q u e d if e r e n c ia a m in h a n a ç ã o d a s o u t r a s . M a s h á m ais on
F ic h te ; h i . n o e s s e n c ia l, a p r o p o s i ç ã o d e q u e “ a universali­
d a d e c a ra c te riz a o e s p ir ito a le m ã o ” — o q u e é u m a proposição
p r o f u n d a m e n te a m b ig u a . X a v ie r I-éo n m o s tr o u q u e . n o s tex­
to s d e sse p e rio d o e n o s D is c u r s o s , c m p a r ti c u l a r . F ic h te for­
m u la su as te s e s c m re la ç ã o c o m a s d o s r o m â n tic o s , c o m A . W.
S c h lcg c l e S c h c llin g . e q u e , se m o s s e g u ir e m tu d o , d e le s toma
a lg u m a c o is a . N e ste p o n to , e m p a r ti c u l a r . F ic h te a d m ite, à
se m e lh a n ç a d c S c h lcg c l. q u e o p o v o a le m ã o e s tá d e stin a d o a
d o m in a r o m u n d o , m a s c u m p re a d v e r t ir d e s d e já q u e e le mo­
d ific a p ro fu n d a m e n te o s e n tid o d e ssa a f ir m a ç ã o , baseando-a
n a c o in c id ê n c ia d a u n iv e rs a lid a d e c o m a g e rm a n id a d e , j i pre­
s e n te . a liá s, e m se u s D iá lo g o s P a tr ió tic o s .T T ra ta -s e . e s e n ­
c ia lm e n te . d a h u m a n id a d e , d o d e s e n v o lv im e n to d a h um anida­
d e . A a m b ig ü id a d e re s id e e m q u e . q u a n d o F ic h te insiste na
fu n ç ã o re g e n e ra d o ra d o p o v o a le m ã o , n a p re c e d ê n c ia q u e ca­
b e , p o r e sse fa to . à A le m a n h a , n ã o sa b e m o s se s e tr a ta d e uma
a p lic a ç ã o u n ila te ra l d o u n iv e rs a lism o a u m a p o p u la ç ã o especi­
fica — o u se ja . u m a h ip e rtro fia d o p a tr io tis m o — o u d a afir­
m a ç ã o h eg em ô n ica d e u m q u e rc r-v iv e r. p a r a a q u a l o univer­
sa lism o serve so m e n te d c a rg u m e n to . P a ra re sta b e le c e r o pen­
sa m e n to d e F ic h te , c u m p re c o n c lu ir, c re io e u , q u e n ã o se tra­
ta d c u m a coisa nem d c o u tra , m as q u e , p a ra e le , e x iste coin­
c id ê n c ia . u m a c o in c id ê n c ia , n a v e rd a d e , q u a s e m ila g ro sa dos
d o is aspectos.
C o m o já dissem os, F ich te e s tá . c o m o u m to d o . distancia­
d o d a noção h e rd e ria n a . re to m a d a p e lo s ro m â n tic o s , d a diver
sid a d e d e c a ra c te re s do* pov o s c o m o re s p o n d e n d o b m anifes­
ta ç ã o d o u n iv ersal cm to d a a su a riq u e z a . N u m trec h o ik>
1 5 * D isc u rso, faz-lhe m en ç ão m as tra ta -s e . p re cisa m e n te, de
u m a rg u m e n to m u ito h á b il, d irig id o c o n tra o s o n h o rom ântico
d e u m n o v o im p é rio c ris tã o g e rm â n ic o .
D e u m m o d o g e ral, se é v e rd a d e q u e F ic h te re to m a, nessa
é p o c a , os e ste re ó tip o s c o rre n te s s o b re a e x c e lê n c ia d o caráter
a le m ã o , d a lín g u a a le m ã , e tc ., fá-lo s o b re tu d o p a ra afirm ar
u m a h ie ra rq u ia d o s pov o s cm n om e d o s p ró p rio s valores uni-

* X a v ie r L é o n . F i c h te e t t o n t e m p t . 1 to m o » 1 vola . Faria. 1*54-5*.


H t - — . 4 3 5 -4 M . ¡1-7. •■=_____________________
verbalistas. E. p r e c is a m e n te , p o d e -s e m o stra r q u e e x is te n o
p e d im e n t o d e F ic h te , ¡n d e p c n d e n tc m c n tc d e to d a a in flu e n ­
cia recebida d o s r o m á n tic o s , a o m e s m o te m p o q u e u m forte
acento u n iv e r sa lista c in d iv id u a lis t a ( o s d o is c o m id én tic a én-
ít s c ), um a s p e c to b o lis ta e , e m p a r tic u la r , u m c o m p o n e n te h ie­
rárquico. D e ix a r e i d e la d o o h o lis m o . p o r d e m a is e v id e n te n o
a o d a lh m o a u to r itá r io d e O Estado Comercial Fechado, c q u e
te en con trará ta m b é m e m p a ss a g e n s d e o u tr o s te x to s, e m coa-
b ita ç io d ifíc il c o m o in d iv id u a lis m o — m a s. n o fim d e co n ta s,
e iK i u m tr a ç o b a sta n te d iv u lg a d o n o p e n sa m e n to m o d ern o,
sociólogos in c lu íd o s .' M a is im p r e ssio n a n te é . sem d ú v id a , o
surgim en to d e urna fo r m a d e p e n sa m e n to h ier á r q u ic o , e m n í­
tido co n tra ste c o m o I lu m in is m o c o p e n sa m e n to r ev o lu cio n á ­
rio fra n cés, q u e e stá p r e se n te e m to d a a o b ra d e F ich te.
O fa lo 6 ta n to m a is n o tá v e l p o rq u a n to F ich te é o b stin a ­
dam ente ig u a litá r io n o p la n o p o lític o , e m co n tra ste c o m K ant
e a m a ior p a rje d o s a le m á e s m a s. c o m o H e rd er (e R ou sseau ),
em c o n so n â n c ia c o m a R e v o lu ç ã o fr a n ce sa cm seu d e se n v o lv i­
m en to ja c o b in o . O q u e im p r e ssio n a é e n c o n tr a r um ex e m p lo
perfectam ente fo r m a liz a d o d e h ier a r q u ia p recisa m en te na obra
que o jo v em F ic h te d e d ic a e m 1 7 9 3 i d e fe sa d a R c v o lu ç io
fran cesa, a s Contribuições para a Retificação dos luiros Je
P úblico sobre a Re\<oiução Francesa. C o m e fe ito , en con tra se
n este liv r o u m a ú n ic a fig u r a . F ia d e s tin a -s e a m ostrar o E s­
tado c o m o n e c e ssa r ia m e n te su b o r d in a d o a o in d iv íd u o . S ã o
ap resentad os q u a tr o c ír c u lo s c o n c é n tr ic o s, o m a io r d o s q u ait
engloba, " c o n té m " o s e g u n d o e a ssim p o r d ia n te : o in d iv id u a ­
lism o to b su a fo r m a m o r a l, o u o " d o m ín io d e co n sc iê n c ia " ,
contém o d o m ín io d o d ir e ito n a tu r a l, e s te , p o r sua v e r . o dos
contratos cm g e r a l, e e s t e , fin a lm e n te , o d o c o n tra to c iv il, por-
taoto, o d o m ín io d o E s ta d o .' A í te m o s. p o is. rep etid a três v e ­
r e i, p recisam en te a d is p o s iç ã o d e e n g lo b a m e n to p o r m e lo da
qual d efin i a n te s a h ie r a r q u ia , e is s o n u m a o b ra con sagrad a â
defesa d a le g itim id a d e d a R e v o lu ç ã o fr a n ce sa . S e m d ú vid a .
nJo e x iste c o lis ã o n e n h u m a e n tr e o p r o p ó sito d o liv ro e e sse

' cr pen M durkhclmlaao*. // / / . nota J.*; *. t*»lr ro k m t. o iip VI


* Ijn tn à -* i» frenccta: | M Fkhia |nc. t**ra: | O F kb»|. Conn
0W km i 4 r t n a t t i e r le t lu te m e n tt 4u pu blic tu r U lU tu lu h on
Irmfutie irred de luir. Bemit Perl.. t*V». p. 1M; <( Ale»»» P W
•mi*. T H o rie e l P r t• » . ferie. I«M, p 162.
154 Uma variant* nacianxi

esquema, dado que se trata de um a hierarquia pura, a qua]


nada tem a ver cora o poder. Não obstante, não haverá ai um
paradoxo, quando vemos o individualism o igualitário recor­
rer a urna forma de pensamento hierárquico? Pode-sc apostar
que haveria muita dificuldade cm descobrir na França de en-
tio o que quer que fosse de parecido, e que Fichte já af com­
bina o igualitarismo — o qual lhe permite comungar cora a
Revolução — e urna forma de espírito m uito diferente que,
por mais refinada que seja, e se a aproximamos do hoüsmo de
O Estado Comercial Fechado, evoca indirctamcnte a aceita­
ção mais geral na Alemanha das próprias hierarquias sociais.
Em O Estado Comercial Fechado (1800) deparanv>no$
com o surgimento dc uma ordem muito diferente, em que se
distingue cuidadosamente as necessidades alimentares e ou­
tras de diversas categorias sociais. O sábio, no próprio interes­
se do que chamaríamos o rendimento de seu trabalho, exige
refeições ricas e um ambiente refinado, ao passo que, na outra
extremidade do cscaía social, o camponês está em condições de
assimilar uma alimentação mais grosseira, a qual lhe basta
Desta vez, a característica está, o que náo deixa de ser inte­
ressante, cm contraste com o igualitarismo do princípio da
obra e, sobretudo, com os desenvolvimentos franceses no sen­
tido do dirigismo, com os quais a preocupcção fichtiana apa­
renta a obra.1*
Mas essas ainda são meras ocorrências locais, quase ano
dóricas, dc espirito hierárquico. Muito mais gritante é a pre-
icnça da oposição hierárquica no próprio âmago da filosofia
de Fichtc. nessa dialética do Eu e do Não-Eu que constitui o
fundamento de Sobre o Conceito de Teoria da Ciência (1974).
"dialética transcendental”, segundo Phi!oncnko.u a qual esta­
belece as condições dc todo o conhecimento. Com efeito, é o
Eu quem postula o Não-Eu. Como no caso de Adão e Eva.
existem dois níveis: num primeiro nível, o Eu é indiferenciado,
é 0 Eu absoluto; num segundo nível, o Eu postula cm si mes­
mo o Nío-Eu e, simultaneamente, situa-se cm face do Não-Eu.
em suma, temos agora o Eu face a face com o Não-Eu. Por­
tanto, o N5o-Eu está. de uma parte, no Eu e, dc outra, é o

* X Lton. op. rif ., pp 101-114; cila em paralelo Babeuí


11 PhIJonenko em Y Relava] e outros, tjt Revolution kamienru (]9 '5*.
P « r ;l C.r" -,1
m i I Q ’’ * >.___ ___________________________________________________________________________
135

Ku c re sto . E ssa d is p o s iç ã o e s t r i t a m e n t e h i e r á r q u i c a d a d i a l é -
£
*=*
oc» fichtiana é n o tá v e l s o b in ú m e r o s a s p e c t o s , n o t a d a m e n t e
ao que ela p e rm ite i n te g r a r n u m t o d o a r a z ã o t e ó r i c a c a r a ­
tio prática d e K a n t e . c m r e la ç ã o à d i a l é t i c a h e g e l i a n a . q u e
esta deixe d e se r h i e r á r q u ic a . E n o e n t a n t o , a f ó r m u l a i n ic ia l
ou. melhor d iz e n d o , a s f o r m u la ç õ e s d e b a s e d e H c g e l s ã o m u i-
to sem elhantes, e m s u a f o r m a , à s d c F i c h te : a v i d a c o m o " l i ­
gação d a lig ação e d a n à o -lig a ç ã o * ’ ( c m F r a n k f u r t ) . *‘a i d e n t i ­
dade da id e n tid a d e e d a n ã o * id c n tid a d e " ( c m le n a ).* * o i n f i n i t o
como onião d o in f in ito e d o F in ito ( n a L ó g ic a ) . M a s p e r c e b e - s e
ai. precisam ente, q u e o e s f o r ç o d e H e g c l. o u u m a b o a p a r t e
de»« esforço, te n d e p a r a a e li m in a ç ã o d o a s p e c t o h i e r á r q u i c o ,
e que a sua d ia lé tic a d e v e . t a l v e z , u m a p a r t e d c s u a c o m p l e x i ­
dade a esse tra ç o . A s sim , e le n ã o s o m e n te d i r á q u e o i n f i n i t o
contém o fin ito m a s ta m b é m q u e o f i n i t o c o n té m o i n f i n i t o , o
ooe. e v id en tem en te, e s t á lo n g e d c s e r v e r d a d e i r o n o m e rm o sen -
t~£e Hegcl q u e r a t o d o o c u s t o e l i m i n a r c o m ê x i t o a d i s s i m e t r í a
dessas fó rm u la s, c o lo c a r o s d o i s te r m o s e m p é d c i g u a l d a d e .
N eue sentido, p o d e -se d i z e r q u e a a c u l t u r a ç ã o é n e le p e r f e i t a ,
mais rigorosa d o q u e e m F i c h te , o v a l o r i g u a l i t á r i o r e v e l a s e
u o u ts a m b ic io so , m a is e n g lo b a n t e , t l e g c l v a i m a i s l o n g e , d e
certo m odo. n a F id e lid a d e à R e v o lu ç ã o f r a n c e s a . A c r e s c e n t e ­
mos. p a ra e n c e r r a r e s te b r e v e e x c u r s u s h c g e l i a n o . q u e a h i e ­
rarquia re a p a re c e , c o n t u d o , n o p r ó p r i o H e g c l . c d c d u a s m a ­
neiras: e m p r im e ir o l u g a r , e x p l í c i t a m e n t e , a o n í v e l s u p r e m o
do E spirito a b so lu to ;* * c . c m s e g u i d a , i m p l i c i t a m e n t e , e m n i ­
n a s m enos e x c e ls o s , c o m o . p o r e x e m p l o , n o p l a n o d a f i lo s o ­
fia social, p o is 6 e v id e n t e q u e o E s t a d o d e H e g c l ( b o l i s t a ) e n ­
globa e fe tiv a m e n te , e m n o s s a a c e p ç ã o d a p a l a v r a , a s u a s o ­
ciedade civ il ( i n d iv i d u a li s t a ) .
V oltem os a F ic h te V i m o s q u e d e s d e a s C o n tr ib u iç õ e s d c
1791 a té a o s D i V u r s o s d e 1 R 0 7 -1 8 O S . p a s s a n d o p e l o c e n t r o
transcendental d a T e o ria d a C iê n c ia , e n c o n t r a m o s e m F i t c h t e
a a c o m p o n e n te h i e r á r q u i c o . F.m ji c o n s t a t a ç ã o p e r m í t a n o s r e s ­
ponder à q u e s t i o f o r m u l a d a a r e s p e i t o d o s D i s c u r s o s O q u e .
in d c p c c d c n trm e n tc d e t o d a a a d o ç ã o m a i s o u m e n o s a n e d ó r i ­
ca de n o çõ es r o m â n t i c a s . F i c h t e a c r e s c e n t a a o u n i v e r s a l i s m o

* A» p itsa t i r a s f o r m u la s s i s a p e o » im a d a s a m l a o j u e s Ti
l a V m U i v ée Xa Orée* . H a ia . p JM
‘ TW n aiasaa. mp eú . p g i a » . 1 » ) • a —alas__________________
IK. Uma variou nacional

individualista da Revolução é. precisamente, esse sentido da


hierarquia: nada de surpreendente, para ele. que um deter­
minado povo oposto a outros como o Eu ao Não-Eu encarne,
numa dada época da humanidade, o Eu hum ano inteiro. As­
sim é que ele pode unir-se. nesse ponto, à corrente predomi­
nante do pensamento alemão — e dos lomânticos em parti­
cular.
Desse modo, Fichte ajuda-nos a apreender uma dimensão
do pangermanismo que ameaçava escaparnos. O povo alemão,
cm seu conjunto, era no século XIX — e ainda no atua! —
inclinado à obediência, ele admitia a necessidade da subordi­
nação em sociedade. (Também encontramos isso cm Kant: o
homem é um animal que — cm sociedade — precisa de um
dono.) Em presença de uma pluralidade de nações, era natu­
ral. para os alemães em geral, que umas dominassem as ou­
tras. Entre os igualitarístas — excepcionais mas obstinados —
como Herder c Fichte, que abominam a dominação do homem
pck) homem, subsiste unicamente a hierarquia, distinta do
poder ao qual ela, de costume, adere. Entre os historicistas.
^ era contraste com Fichte, cada época da história identifica-se
corn uma cultura concreta, e a humanidade só se revela com­
( pletamente no curso inteiro da história.
No Final desta breve análise, vê-se em que sentido é insu-
k flcicnte considerar Fichte seja como um fiel adepto da Rcs\>
loção francesa que apresentaria secundariamente certas carac­
terísticas alemãs — julgamento que esconde um francocentriv
mo inconsciente — seja conso um ancestral da teoria do que-
lW-vivcr e do querer-dominar da nuçfio alema. que teria co­
metido o erro de nào se desprender inteiramente do universa
liimo abstrato do» franceses. No plano das cultura», ele. os
realidade, traduziu para o alemão a Revolução francesa. Tal
como Herder, igualitarista decidido que não reconhecia co(t>->
axiomática a subordinação na sociedade, ele conservava, en­
tretanto, um sentido multo forte da hierarquia, na acepção es­
trita do termo, que a distingue do poder; além disso. Fichte
aplicou O individualismo moderno ao plano coletivo, fazendo
do povo ou da naç&o um indivíduo de ordem superior c. tam­
bém çctno Herder, viu a humanidade encam arse. n« época
contemporânea, essencialmentc no povo alemão ou. melhor, n»
nação alemã.
O Individualismo 137

Antes d e g e n e r a liz a r s o b r e c s s e p o n t o , g o s t a r ia d e r e v e r ­
ter por um in s ta n te à p r e s e n ç a , a té e n t ã o in s u s p e ita m a s g ri­
tante, da h ie ra rq u ia n o á m a g o d a f ilo s o f ía d e F ic h te . E le n ã o
menciona o q u e c h a m e i d e o p o s i ç ã o h i e r á r q u ic a m a s r e c o rre -
Ihc e sp o n tan e am e n te e . a s s im f a z e n d o , e s ta b e le c e a d is tin ç ã o
virtual e n tre h i e r a r q u ia c p o d e r q u e o e s t u d o d a s o c ie d a d e in ­
diana nos o b rig o u a r e c o n h e c e r . E m F ic h te , fa lta s o m e n te o
reconhecim ento d e f a to , a ''t e m a t i z a ç ã o " . E p e rc e b e -s e m u ito
bem por q u ê. O s e u ig u a lita r is m o , lim i ta d o ã r e c u s a d a s u b o r ­
dinação d a d a n a s o c ie d a d e , n ã o o i m p e d ia — a in d a n ã o ? —
de hierarquLzar a s id é ia s m a s , p e lo m e n o s , o s d o is d o m ín io s
deviam p e rm a n e c e r d is ta n te s u m d o o u t r o . E ra -lh e im p o s sív e l
reconhecer o p e n s a m e n to p o r e n g lo b a m e n to c o m o h i e r a r q u ia ,
essa h iera rq u ia q u e , s e é d i s t in t a e m se u p r in c íp io , n e m p o r
isso deixa d e e s ta r p ír c e n te — d e d i r e ito , s e n ã o d e f a to —
no estado d e c o m b in a ç ã o n a s u b o r d i n a ç ã o so c ia l. £ n o tá v e l
que Fichte te n h a is o la d o d e f a to , s e n ã o e x p líc ita m e n te , o p rin ­
cípio h ierá rq u ic o . P a ra q u e a lg u é m se c o n v e n ç a d is s o , b a s ta
compará-lo co m o jo v e m H e g e l d o s E scrito s T eológicos, q u e
confunde so b a c a te g o ria d e d o m in a ç ã o (h crrsckcn ) o p o d e r
tiránico, a tra n s c e n d ê n c ia d o D e u s d o a ju d e u s c a d o im p e ra ­
tivo kantiano.**
Neste p o n to , ta lv e z n ã o s e ja v e d a d o d iv a g a r p o r u m in s ­
u m e. E stá. sem d ú v id a , a c im a d a s f o r ç a s h u m a n a s , m e s m o
para Fichte, re c o n h e c e r c la r a m e n te o p rin c íp io h ie r á r q u ic o
numa época cm q u e u m p o d e r o s o im p u ls o ig u a litá r io a n im a v a
os espíritos. M a s s u p o n h a m o s q u e is s o te n h a s id o f e ito , c q u e
esta aqu isição te n h a p o d id o c s ta b c lc c c r-s c e p e n e t r a r p o u c o
a pouco n a c o n s c iê n c ia c o m u m . E n tã o , o p o v o a le m ã o , p r e ­
disposto • o b e d e c e r, te r ia a p r e n d i d o a d is tin g u ir e n tr e o f a to
do poder c s u a le g itim id a d e , e te r ia p o d id o e v ita r-s e a u ltr a ­
jante c a p o c a líp tic a m a s c a r a d a q u e c o n h e c e m o s e q u e a in d a
aos m arca, ta n to a n ó s q u a n t o a e le .
Falta a in d a e s c la r e c e r u m p o n t o im p o r ta n te . E n c o n tra m o s
o detonador d o q u e se t o m a r á m a is ta r d e o p a n g c rtn a n tM n o
Cumpre re d u z ir o q u e h á n e le d e o b s c u r o o u d e a b e r r a n te ,
com preender o f a to c o m p a r a tiv a m e n te . R e to m e m o s k idsok>-

* H r j t i t i k t o l o s t t c h e l ufm rfjcári/M **. o p . < * , r r 3*V J»S. d w t


!» . 0p . c U . y 9 31-32.
1M Urna variant n o ria l

gia da nação. Numa perspectiva comparativa que enfatúa a


ideologia, a nação — a da Europa ocidental no século XIX
— é o grupo sócio-político moderno correspondente i ideo­
logia do individuo.” Assim, cía é duas coisas em urna; por
uma parte, uma coleção de individuos, por outra, o individuo
no plano coletivo, em face de outros indivíduos-nações. Po­
de-se prever, e a comparação das duas subculturas francesa e
alemã confirma, que nada tem de fácil combinar esses dots
aspectos.
Sc considerarmos as duas ideologias nacionais predomi­
nantes, poderemos caractcrizi-las da seguinte maneira. Do la­
do francés, sou homem por natureza e francés por acidente.
Como na filosofía das Luzes em geral, a nação como tal nio
possui status ontológico; nesse plano, nada existe, além de
um grande vazio, entre o indivíduo c a espécie, e a nação é,
simplesmente, a mais vasta aproximação empírica da humani­
dade a que posso ter accsso no plano da vida real. Que nio
me venham dizer que está aí uma concepção espiritual! £
preferível considerar as grandes linhas da vida política france-
sa ou a evolução da opinião na França era tomo das duas
guerras m undiais... Isso quer dizer que a nação como indi­
víduo coletivo c. em particular, o reconhecimento das outras
naçíes como diferentes da francesa, é muito fraca no plano
da ideologia global. O mesmo ocorre com os antagonismos
entre nações: o liberalismo francés, como a Revolução fran­
cesa antes dele, parece ter pensado que a constituição dos p»
vos, europeus entre outros, em nações bastaria para resolver
todos os problemas e instauraría a paz; para ele, em última
instância, a nação limita-se a ser o quadro da emancipação do
indivíduo, que é o alfa e ôracga de todos os problemas poli
tic o s .
Do lado alemão, situaremos a ideologia ao nível dos gnn
des autores, mas não vejo razão alguma para pensar que. nes­
se ponto, eles estejam em desacordo com as pessoas comuns
Agora, s o u essencialmente um alemão c só sou homem gr**1
à minha qualidade de akmáo: o homem é reconhecido in*-

“ ‘Niilonaliime cl cocnmunilum*", UH. «p. D. O m i h *


i t Rtoct*di*tt of th * Royal Amkropotogical Inuuat for tf$-
in a t e n t o
l,aaám lfTI rr I V ____________________________________
'ijii/idualismo IJ9

dia'.am ente como s e r s o c ia l. A s u b o r d i n a ç ã o i fe ra lm e n te re ­


conhecida como n o r m a l , n e c e s s á r ia , e m s o c ie d a d e . A n e ce s­
sidade de e m a n c ip a ç ã o d o in d iv í d u o 6 m e n o s fo rte m e n te s e n ­
tida d o q u e a n e c e s s id a d e d e e n q u a d r a m e n t o c d e c o m u n h ã o .
0 primeiro a s p e c to d a n a ç ã o — c o le ç ã o d e in d iv íd u o s — é,
portanto, fraco. P e lo c o n tr á r io , o s e g u n d o — a n a ç ã o com o
indivíduo c o le tiv o — é m u ito f o r te c o n d e o s fra n c e se s se co n ­
tentavam c m ju s ta p o r a s n a ç õ e s c o m o fra g m e n to s d e h u m an i­
dade. os a le m ã e s, r e c o n h e c e n d o a in d iv id u a lid a d e d e c a d a u m ,
preocuparam -se c m o r d e n a r a s n a ç õ e s n a h u m a n id a d e em fu n ­
ção d o v a lo r d e la s — o u d e se u p o d e rio . O b se rv a r-se -á q u e
0 seibo e tn o c e n trism o o u so c io c c n tris m o q u e le v a a e x a lta r o s
nós e a d e sp re z a r o s o u tr o s s o b re v iv e no e ra m o d ern a , m as de
maneira d ife re n te : o s a le m ã e s p o s a v a m , c te n ta v a m im por-sc
como su p e rio res e m s u a q u a lid a d e d e a le m ãe s, a o passo q u e
os franceses só p o stu la v a m c o n sc ie n te m e n te a su p e rio rid a d e d*
cultura universalista m a s id en tific a v a m -se ingenuam ente com
ela a o ponto de se to m a re m p o r m estres-eseolas d o gênero
humano.*4
F inalm ente, p a ra a lé m d e s u a o p o siç ã o im ediata, o u n i­
versalismo de u n s e o p a n g e rm a n ism o d e o u tro s têm u m a fu n ­
ç ã o ou um lu g a r a n álo g o . A m b o s e x p rim em um a ap o ria da
n aç ã o q u e € . a o m esm o te m p o , c o le ç ã o d e ind iv íd u o s c in d iv í­
d u o coletivo, am b o s tra d u z e m nos fa to s a d ific u ld ad e q u e tem
• ideologia m o d e rn a e m d a r u m a im agem su fic ie n te d a vida
social (intra- e in te rso c la l). A d ife re n ç a é q u e a ideologia fra n ­
cesa consegue, a u m p re ç o m u ito a lto . m anter-se p o b re e pura
d e to d o e q u a lq u e r c o m p ro m isso c o m o re a l. a o passo q u e a
ideo lo g ia alem ã, e m v irtu d e d a a c u ltu ra ç ã o q u e a c o n stitu iu ,
«malgamou um m a io r n ú m e ro d e elem en to s trad icio n ais com
os elementos m o d ern o s, c c o rre u m grave risc o dc d e sc am l* -
Kxnto q uando esse a m á lg am a i to m a d o p o r u m a verdadeira
ifoicsc

*M.B» In cm t9V) o editor Bernard Grastet mima tarta oue Kum


a traduclo do livro de Friedrich S .r b u r * . G o ti im F ronA rrtrfc
¿ t ’*’ fra n ç a it? . Parta. G r a s a d , noeadameate aa FV S » . SJS. JtO.
J• Fot um bní tttUr na Apoca
IV
A D O EN ÇA T O T A L IT A R IA

Individualismo e R a c is m o cm A d o lf H itler

Propom o-nos r e a t a r a g o r a o e s s e n c i a l d e u m e s t u d o j ã a m i g o
sobre o h i tl e r is m o , a í i m d e m o s t r a r q u e a p e r s p e c t i v a p r o ­
posta n este v o l u m e é ú t i l p a r a s e e n t e n d e r o t o t a l i t a r i s m o . I s s o
a lo está i s e n to d e a l g u m a s c o m p l i c a ç õ e s e . p o r u r n a p a r t e , o
que se s e g u irá n ã o r e s p o n d e à s e x i g ê n c i a s d e c o n j u n t o a q u e
a presente i n v e s t i g a ç ã o s e s u b m e t e u . D e v o e x p lic a r-m e .
O e s tu d o d e q u e s e t r a t a r e m o n t a a u m a q u i n z e n a d e
anos e p e r m a n e c e u i n é d i t o . 1 T i n h a p o r b a s e a s p r i n c i p a i s
obras d is p o n ív e is p a r a d e t e r m i n a r e x a t a m e n t e o s c o n h e c i m e n ­
tos de e n tã o s o b r e o n a z i s m o , a n t e s d e a n a l i s a r o s p o n t o s d e
vista do p r ó p r i o H i t l e r , t a l c o m o o s a p r e s e n t o u c m s e u l i v r o
Mein K a m p f ( M t n f u i L u t a ) . O r a , p a r a a p r e s e n te o c a s iã o ,
não estou e m c o n d i ç õ e s d e r e n o v a r o q u a d r o d e c o n j u n t o , p o i s
a lite ratu ra a c u m u l o u - s e . n e s t e s ú l t i m o s 1 5 a n o s . n u m r i t m o
‘tniginox>. A o m e s m o t e m p o , a t é o n d e m e é d a d o d i s c e r n i r .
e**a lite ra tu ra n ã o p a r e c e a f e t a r n o t a v e l m e n t e a q u i l o d e q u e
daremos n o s o c u p a r c s s e n c i a l m c n t © n e s t e c a p í t u l o e . a s s i m s e n ­
to. a p a rte o r i g i n a l d o e s t u d o p o d e . p o r t a n t o , s e r r e t o m a d a .
d isso , n e s t e m e i o t e m p o , a m i n h a p r ó p r i a p e s q u i s a a v a n -
Ç^a, m u ito e s p e c i a l m e n t e n o q u e s e r e f e r e à p r o p o s t a i n i c i a l .
é. " a v a r i a n t e a l e m ã d a i d e o l o g i a m o d e r n a * * — s e m q u e

in é d ito , o u q u a s e : o r e l a t o d e u m a c o n f e r ê n c ia s o b re o
T-* racism e c o m m t m a l a d ie d e la s o c ié té m o d e r a * ', fo i pu-
•» « v a u N o r o it, 1 47. A r r a s , a b r i l d e 1 9 7 0 .
JO A iiotftft MdiUht

p o m ainda coosiderá-U. no entanto, em estado de publicação,


exceto o capitulo III do presente volume.' Ora, a compre»
t io da ideologia alemã não é. evidentemente, sem pertinéacii
para o estudo do hitlerismo, de modo que. te não a podemos
aqui demonstrar nem mesmo documentar suficientemente, i
muito difícil deixar de expor os esclarecimentos que acredita­
mos ter obtido desse lado. muito difícil não apresentar juízos
ou proposições que devem permanecer, de momento, hipotéti­
co». pelo menos até a conclusão da nossa pesquisa em cuno.
E aí está a fonte de uma segunda insuficiência cm relação ao«
nossos cânones habituais: a par de uma insuficiência de co­
bertura ou de precauções relativas ao pano de fundo documen­
tal. ocorre uma insuficiência até no estabelecimento de cenot
pontos de vista operacionais.
Em suma. antes de ter acesso a uma espécie de pequena
monografia sobre Mein Kampf. o leitor deverá atravessar um»
introdução de um género que a mim próprio me proibi ué
«gora, mais vago. mais especulativo ou hipotético, mais provi­
sório ou mais •'pessoal" do que deveria ser e que eu nlo que­
que fosse.
Tem-se abusado das explicações pela continuidade hhtó
- A continuidade do anti-semitismo desde a Idade Média
explica a sinistra invenção do exterminio, tal como ■ con­
tinuidade da ideologia alemã esti longe de explicar a catas­
trófica metamorfose nazista. Além dos exegetas francesa», que
têm o sentimento dessa continuidade ideológica — mas senti­
mento não é razão — existe ainda uma tendência para ligar «ti
dirctaracnte o romantismo alemão ao hitlerismo, ou cm rejei­
tar da cultura alemã como " irracional" tudo o que se afaste
da linha do Iluminiiroo c de seu pretenso prolongamento mar­
xista. e é tido como levando naturalmente ao naciooal-soci**- Vr
lisroo.* Al temos as opiniões facciosas e mutilantes que teste-
\ |

l a artigo (lustrando a trim k 6o do pletiroo part a «etftict n*o « a


aq u i um l a u r e a t e imediato: T o tality n hkrarchie dar.s H
K P Moritz", em L n T antaU in du voyagrur (R rvu* d r im aiõdct*.
n Omero especial André Schaeffner). 19*2. pp. 64-76
* C i por exemplo. A rthur D Lovejoy. T h * M íin m j ot Roesar;'-
rfsm tor the Historian of Ideas'*, lo tim a l o f th e H tilory o f Idaat. II J.
(unho de 1941. p p . 257-77*. e a eritk a da Spllrrr. (bid . V J. pp tí!
» J : Georges Lukic*. La D estruction da la R aitón, Paris. L'Are6r.
I9SA1959, trad. f r .. 2 volt I
i
i liJividualúmo 14)

munhâm, cm última análise, a impotência para compreender


rúo tómente o fenómeno nazista mas o lugar necessário da
ideologia alemã, como variante nacional, na ideologia mo­
derna.
O corretivo que se impõe, em primeiro lugar, consiste
em reconhecer no nacional-socialismo um fenómeno moderno,

. -A
uma doença, sem dúvida, mas uma doença do nosso mundo
—e nlo apenas uma aberração de alguns fanáticos, o resulta­
do de causas históricas diversas ou da perversio de uma naçio
inteira.4 Muito ¡mediatamente, como Noite lembrou, o nazis­
mo definiu-se e m função d o m o v i m e n t o s o c i a l - c o m u n i s t a a q u e
k opunha. Hitler explica com muita clareza no Mein Kompf
que construiu o seu movimento como uma e s p é c i e d e d e c a lq u e
antitético do movimento marxista c bolchevista, e m que. entre
outras coisas, a luta de classes seria substituida pela luta de
raças. Estamos aqui no plano internacional. O que impressio­
na como um traço moderno, lato tensu. i uma cadeia históri­
ca de promessas cada vez mais tentadoras e, diriamos, uma
espécie de hybrit da vontade. Marx, herdando já da "espe­
culação titanesca" doa filósofos alemães (HAE /, pp. 142-144).
atada a intensifica: em vez de interpretar o mundo, ele irá
mudá-lo mediante uma aliança da filosofia c do proletariado.
A partir dal. o revolucionário profissional Lénin daria um pas­
so a mais. O populismo russo linha proclamado a possibili­
dade, para o povo russo, de ultrapassar a civilização burguesa
ocidental, c Lénin viu nisso o ensejo para o pequeno grupo
de conjurados que tinha o nome de partido bolchevista quei­
mar a etapa capitalista do desenvolvimento económico e levar
• Rússia diretamente do czarismo ao socialismo. Aparece Hi­
to . que rejeita a ideologia doa bolchevistas, encampa o im
trjmcmo de poder que eles tinham forjado, e combina o m»

* Wmvlmlaf. dem poalo de visea, m etpmadn prw qua racor-


( nitUncia da aovunaaioa teatOumm m outras pmm. como
Jm m m o', muiio comum na própria ¿poca a «m urda, como cm
Nota*. Dtr fmchitmia in tttntr fyxk t. Die Aetbm frmsmte.
**l*L«nixk* Fmehãmu. dtr Muruqoc. hper.
«W.« 'iMiliiwiiroo'. qua icm • vanufem <lf wt mau ampb — ainda
H m ifr, mim dificcu Cf. cT». Fncdrtck. M Curti, a B R
■**». Toidittrivum m hmaUbm Thru Vieira. Nova Iorque. frm
C :1**. Henry a Tunar. Xor/pW* «Vfmcwn. Nota lorqua, Masr
107)
IM A doençti M¿UUn*

•klo do partido com uma ideologia m uito di vena. O que


aumenta af, de etapa cm etapa, i a pretensão da vontade de
ictiol humen» de fazerem a história c , para tanto, dispotem
do poder de manipular o» homens. Isso começa k sombra de
teoría» ambiciosa*, ao abrigo de designios em ccrto grao hu
manilirlos e. hbcrundo-sc aos poucos de todo e qualquer coos-
liangimcnto, culminará ao serviço da vontade de poder de un
grupo determinado, ou de um homem. Em termos nacionais,
distinguimos uma notável contribuição russa e, sobretudo, tan­
to no ponto de partida quanto no de chegada, urna contribuí-
çlo aleml.
Lit-no», pois, reconduzidos, volens nolens, á ideologia
alemã. Neste ponto, a cotia essencial a compreender é que.
na ideologia alemã, jamais se traía, no fundo, da Alemanha
cm ti mas sempre da A1emanha-em-relação-ao-re»io-do-mundo
Aliás, isto i verdade para o próprio Hitler, tal como foi ver-
dadcito para Herder, no ponto de partida da noção moderna
de Vott, como vimos mais acima. Ê deveras curioso que, sob
. lodo e qualquer outro ponto de vista, político ou económico,
i por exemplo, considcra-sc o Alemanha cm relação com o mun­
do que a cerca, ao pavso que do ponto de vista da cultura cía
á tipiada, como se a cultura alemã não estivesse também em
relação viva com o seu mcio circundante. Está ai a origem de
tuna curiosa incompreensão. Sábe te muito desde longa data.
S*be talvez tudo o que é preciso saber, c nJo sc compreende
o conjunto. Oro. bem vistas a» coisa». 6 precisamente a rela­
ção d a Alemanha com scu mcio que comanda a forma global
t o ilncnvolvimcnto histórico da cultura alemã: n própria
originalidade da Ideologia alemã é indissociável dessa relação
A força do sentimento holista na Alemanha t um lugar
comum Sublinhamo-lo no capitulo III e assinalamos, a par­
tir de uma aporia da idéia dc nação, a homología de função
entre o universalismo francés, dc um lado. c o pangermanismo.
do oulro. Completemos sumariamente esse quadro. Se existe
uma Ideologia individualista moderna, há uma forma alemã,
multo particular, desse individualismo. Na anilisc. ela apa­
rece. cm conclusão do labor doa grandes autores do período
d« 1770-18)0, como a pretensão de ter transcendido a contra­
dição entre o homem como ser social, noção tradicional, c o
homem como individuo da Reforma, do Uuminismo e da Re-
Indi. iJuaUxmo Mí

v w js jo fra n c e s a .' M » q u a l é o a lc a n c e re a l d e asa tín te s e ?


tm que p lan o d e v e re m o s in tc r p r c tá - I a ? N o p la n o d a h istó ria
•ocial c po lítica d a A le m a n h a n o s é c u lo X I X . é e v id e n te q u e
a contradição n ã o e s t á s u p e r a d a . A s sim , n ã o fo i a A sse m b lé ia
Nacional die F ra n k f u r t, e m 1 8 4 8 -1 8 4 9 , q u e u n ific o u a A lem a­
nha roas, m ais ta r d e , o re i d a P rú s s ia , " p e l o sa n g u e e p e lo
ferro". A c o n tr a d iç ã o s ó e s tá re s o lv id a n u m p la n o d e p r in ­
cipio. um p la n o id e o ló g ic o , n o s e n tid o d e q u e — n o p e n sa ­
mento de seus in te le c tu a is — a A le m a n h a e n c o n tro u c o m o in ­
tegrar-se a o m u n d o c o n te m p o rá n e o e d e fin iu -se . sim u lta n e a ­
m ente. co m o u n id a d e . P o r c o n s e g u in te , o in te le c tu a l rev este-se
de urna im p o rta n c ia n a c io n a l a se u s p ró p rio s o lh o s . D e u n
modo geral, o p e n s a d o r e o e s c rito r a le m ã e s re p re se n ta tiv o s
não estão so m en te e m re la ç ã o c o m a c u ltu r a c o m u m , m as ta m ­
bém com o m u n d o e x te r io r ; m u ito e sp e c ia lm e n te , e lc s repre-
itn ta m — tal c o m o o fa r ia u m s o b e ra n o o u u m p len ip o te n c iá -
n o — a A le m a n h a e m fa c e d o e x te r io r , ta l c o m o L u te ro o
tinha feito , a n te s d e n in g u é m , e m re la ç ã o a o s p ró p rio s ale-
máes. São os m e d ia d o re s.
P recisam ente, o in d iv id u a lis m o a le m ã o só e stá in s titu c io ­
nalizado n o p la n o d a re la ç ã o e n tr e o in te le c tu a l c a c o m u n i­
dade (ou n a çã o ) a le m ã . D e a c o rd o c o m a R e fo rm a — c n ã o
com a R evolução fra n c e s a — é u m in d iv id u a lis m o e s p iritu a l,
interior, o d a B ild u n g . a c u ltu r a p e sso a l n o se n tid o d e e d u c a ­
ção e até, lite ra lm e n te , d e c o n s tr u ç ã o d e si-m c im o . o q u e d e i­
xa intata a p e rte n ç a à c o m u n id a d e , q u e d ig o e u . q u e se a p ó ia
•obre d a . E . p o r ta n to , n a re a lid a d e , u m a c o m b in a ç ã o ¡u¡ g e ­
neris de in d iv id u a lis m o c d e h o lis m o . c m q u e . s e g u n d o a s si-
tuaçócs, um d o s d o is p rin c íp io s p re p o n d e r a s o b re o o u tro : o
hoíismo c o m a n d a n o p la n o d a c o m u n id a d e , a té d o E sta d o , e n ­
quanto que o in d iv id u a lis m o im p ó c -s e n o p la n o d a c u ltu ra e
da criação p e s s o a is *

1 Por « trap ío : Troeltsch. "D ie deu tic he Idee der Freiheit" (1916). em
rimtKfctr G n u und W m m ropa. T ubingen. I9 2 Í. reim presso etn Aaten.
* A rcla-lo t semelhante entre o "espirito objetivo" e o “« p i n to abso-
" r i " • filosofia de llre e l. que parece ter fornecido um a d n c r i( io
*"U oP*d« da Alemanha dc 1900 O s germanistas franceses não citavam
Mecamente errados uusndo. por volta de I9M . por exemplo, falavam
m du»i Ale manhas; de um m odo geral, só lhes faltava com preender a
J**dad« delas A com bine-l o s k m í de valores deveria continuar ira
«m uévcl para oa franceses
146 A doença lo u lu tn ,

Essa disposição original parece ter sido notavelmente es­


tável no sáculo XIX e comcços do atual. Em certos aspectos,
ela representava, entretanto, um equilíbrio precário que o di­
namismo próprio do individualismo podia e. talvez, devia
ameaçar. Por exemplo, a partir de 1810-1815, surge uma fi-
gura curiosa, a do "Pater" Jahn, patriota criador de socieda­
des dc ginástica e inventor de um trajo nacional "germánico",
que em 1 8 1 5 , em Paris, escalou o Arco do Triunfo, armado
de um martelo, para quebrar a tuba da Vitória. Ora, fiha,
que em numerosos traços prenuncia o personagem nazista, di­
fere dc seus contemporáneos mais eminentes, sobretudo, por
um igualitarismo profundo. O desenvolvimento técnico e eco­
nômico, muito rápido na Alemanha a partir de meados do sé­
culo, não deveria também reforçar o igualitarismo, e o indivi­
dualismo cm geral? O que sc observa mais facilmente é umi
rcaçào de defesa, uma corrente de descontentamento em face
do desenvolvimento da burguesia c do cconomismo, corrente
essa que se manifesta entre certos intelectuais a partir do úl­
timo quartel do século, um movimento dc idéias a que Fritz
Stem chamou "a política do desespero cultural”, espécie de
protesto holUta contra o que é percebido como uma ocidcnta-
lizaçáo, uma dcsnaturaçào da Alemanha. Enfim, a derrota de
1918, sentida como insuportável, deveria fazer vacilar um equi­
librio tio delicado. Dc fato. iria transformá-lo numa contra­
dição que Hitler, entre outros, herdaria.
Eis como se pode, talvez, sem responsabilizar os filósofo»
e os românticos pelo nacional-socialismo, e sem quebrar em
duas a cultura alemã, conceber uma continuidade ideológica
que sc impóc. Como escreveu Brachcr, é todo o patrimônio
cultural tBUdungsgut) da consciência nacional aleml que deve
ser questionado, se se quiser entender a marcho pora a catás­
trofe.'
Aliás, essa continuidade ideológica foi. cm grande me­
dida, percebida pelos próprios alemães. £ essa, pelo menos, a
impressão que boje dá a leitura dc artigo» cm que os Inte­
lectuais alemães exprimiram seus pontos de vista durante r
imediatamente apóa a I Guerra Mundial. O melhor exemplo
é fornecido, (alvez. por um ensaio dc Karl Pribram, sociólogo

' Kart Dirtridi tlrachef, I>U deutteht Dittotur. Cotóasla. Kirpínhcvm *


WiikK. 19T2, p. JJá
O I f u m I. 147

«fc lingua a le m ã c o r ig e m t c h e c a , q u e d a t a d e 1 9 2 2 . t ã o e m ­
polgante q u e n ã o r e s is tim o s a t r a n s c r e v e r s e u c o m e ç o :*
I. A tra n s fo rm a ç ã o do s e n t id o (re in te rp re ta ç ã o .
U m d e u tu n g > d o s o c i a l i s m o p e la id é ia n a c io n a l.
O b s e rv a -s e ho}c n a A le m a n h a u m fe n ô m e n o m u ito
p a r ti c u l a r , i n t r i g a n t e ã p r i m e i r a v is ta . D o a la r id o
a t u r d i d o r d o m e r c a d o l i t e r á r i o n a s c id o d a f e rm e n ­
ta ç ã o e s p i r it u a l d o t e m p o d e g u e r r a e d e to ta l r u í n a ,
e le v a m -se c a d a v e z m a is n i ti d a m e n t e a s v o z e s d o s
p e n s a d o re s s é r io s , a n u n c i a n d o c o m u m a f o r ç a d e
p e rs u a s ã o c r e s c e n te q u e a A le m a n h a , s e m o s a b e r
e se m o q u e r e r c o n s c ie n te m e n t e , te r ia in g re s s a d o
p r e c is a m e n te , d e s d e m u i t o a n te s d a g u e r r a , n o c a ­
m in h o d a r e a l iz a ç ã o p r á ti c a d o s o c ia lis m o (o u
a in d a ) q u e a A l e m a n h a e s t a r i a , p e lo m e n o s , c m v i r ­
tu d e d e s u a c o n s t i t u i ç ã o e s p i r i t u a l e d e s e u d e s e n ­
v o lv im e n to e c o n ô m i c o p a r t i c u l a r e s , c h a m a d a a e n ­
v e re d a r p o r c s s e c a m i n h o n u m f u t u r o m u i t o p r ó ­
x im o (o u ) f in a l m e n t e q u e . d c u m m o d o m u it o e s p e ­
c ia l. a c o n c e p ç ã o p o l í t i c a , e c o n ô m i c a e s o c ia l i n ­
c o rp o ra d a n a h e r a n ç a p r u s s i a n a (P r e u s s tr u u m i. e m
o p o siç ã o a o s id e a is d e m o c r á tic o * c à é t i c a e c o n ô m i ­
c a d a I n g l a t e r r a . l e v a r ia à s u a e x p r e s s ã o m a is p u r a
a id é ia d o v e r d a d e i r o s o c i a l i s m o .
U m a ta l t r a n s f o r m a ç ã o d a s r e p r e s e n t a ç õ e s t r a d i c i o n a i s
s ig n ific a , d e c e r t a f o r m a , a r r a n c a r a o s o c i a l i s m o s e u s
d e n te s r e v o lu c io n á r i o s ; c i a a p r e s e n t a - s e c o m o u m
m o v im e n to d c d e f e s a o r i u n d o d o m a i s p r o f u n d o p e n ­
sa r e d o q u e r e r d o p o v o a le m ã o in te ir o — c n ã o
a p e n a s d a c la s s e o p e r á r i a — e d i r i g i d o c o n t r a a
o rd e m e c o n ó m i c a c a p i t a l i s t a e r g u i d a s o b r e a b a s e
d o i n d iv i d u a li s m o , a o p a s s o q u e o p r ó p r i o i n d i v i ­
d u a lis m o e s u a s f o r m a s c o n c e p t u á i s e e c o n ô m i c a s
•e c a r a c t e r i z a m c o m o i m i g r a n t e s d u v i d o s o s d o o c i ­
d e n te , a o s q u a i s c a b e à A l e m a n h a a g r a n d e m is -

. K*’'- ^riãnua. “D cu rtch er N a tto n a ln m u t u n d d e u ts c h e r S o x ia H a a n u '.


« r Sotiatm dutuchafi u n d SotU íp o íiii* . 4<J. 1922. p p 2 9 * 3 7 *
\4ã A doença lo ta llliria

l i o de enfrentar e derrotar, prim eiro dentro de


luas próprias fronteiras e cm seguida no re»to do
mundo. Segundo eisa concepção, o combate contra
a ordem capitalina icria a continuação da guerra
contra a Entente Cordialc ío pacto de amizade
anglo-írancés de 1904) com as arm as do espirito e
a organização econômica, o ingresso no rumo que
leva ao socialismo prático, um retom o do povo
alemão às suas melhores e mais nobres tradições.
Evidentemente, é de certas representações ¿ticas
próprias do socialismo que esses pensadores deri­
vam as afirmações que apresentam de modos muito
diferentes mas sempre com o mesmo calor de per­
suasão. Ao mesmo tempo, recusam uniformemente
o socialismo sob a forma que ele recebeu do mar­
xismo, isto ¿, sobretudo a doutrina da lula de clas­
ses como agente do desenvolvimento social e eco­
nômico. Acontece, porém, que toda a exigência so­
cialista emite a pretensão de julgar os fenômenos
sociais e econômicos segundo normas muito dife­
rentes daquelas que têm curso no espírito da ordem
econômica capitalista c parece, portanto, reclamar
uma transformação dos conceitos formados por esse
espírito para a compreensão desses fenômenos (Es­
tado. economia, unidade econômica, valor. etc.).
A afirmação de que a introdução de uma consti­
tuição econômica socialista corresponde ao querer
mais profundo do povo alemão cm sua especif«i-
dade imutável equivale a dizer que as formas de
pensamento desse povo. seu modo de compreender
economia e sociedade estão cm contraste — mesmo
que seja Inconacicntemente — com o método de
pensamento característico dos adeptos da ordem
econômica capitalista.
O texto acima é acompanhado dc notas plenamente de­
monstrativas. constituídas por extensas citações dc Lensch.
Metzger e Schcler, Korsch. Spenglcr. aos quais se juntam em
seguida Kelscn, Kjcllen e Ptcnge, entre outros. Por exemplo.
U I ****** 149

um a c ita ç ã o d e P l e n g c t e r i a p e r f e c ta m e n t e s e u l u g a r a q u i *
C o n v e n h a m o s q u e u m “ n a c i o n a l - s o c i a l i s m o ” e s t a v a , s e m d ú v i­
da. na o rd e m d o d ia . e q u e o p a r ti d o q u e a d o to u e sse n o m e
tin h a , n e sse s e n t i d o , s e u l u g a r r e s e r v a d o d e s d e 1 9 2 0 .
O t r e c h o a c i m a t r a n s c r i t o é a p e n a s o c o m e ç o d e u m lo n g o
e n sa io . P r ib r a m n ã o s e l i m i t a a c o n s t a t a r , e l e p r o p õ e u m a e x ­
p lic a çã o . S e g u n d o e l e . o n a c i o n a l i s m o a l e m ã o , o u s e ja . e s s e n -
c ia lm e n tc p r u s s i a n o , c o s o c i a l i s m o a l e m ã o , n o s e n t i d o d o s o ­
cialism o m a r x i s t a , t ê m f ó r m u l a s i d e o l ó g i c a s s e m e l h a n t e s , d e
m odo q u e se p o d e c o m p r e e n d e r a tr a n s iç ã o d e u m p a r a o
o u tro , o u d o s o c i a l i s m o m a r x i s t a p a r a o “ s o c i a l i s m o ” n a c i o n a l .
N a c io n a lism o c m a r x i s m o s ã o a m b o s c o n s t r u i d o s s o b r e u m
fu n d a m e n to i n d i v i d u a l i s t a , “ n o m i n a l i s t a ” , c a m b o s p r e te n d e m
te r a c e s s o a u m a c o l e t i v i d a d e — a n a ç ã o , o u a c la s s e s o c ia l
— d o t a d a d e u m a r e a l i d a d e q u e é , d e f a t o , ¡ n c o n c c b iv c l p a r a
sim p les a g r e g a d o s h u m a n o s : e l a s t e r i a m u m d e s t i n o , a p r o ­
m essa d e u m d e s e n v o l v i m e n t o e m e s m o u m a v o n t a d e . ’* o u
seja. c a r a c t e r í s ti c a s q u e s ó p o d e m p r o c e d e r d e u m m o d o d e
p e n s a m e n to b o l i s t a , " u n i v e r s a l i s t a ” . E p o r i s s o q u e P r i b r a m
d e sig n a e s s a f o r m a d e p e n s a m e n t o c o m o p s e u d o - h o t is m o ( e le
u sa o te r m o " p s e u d o - u n i v e r s a l i s m o ” ’ * ). A e x p r e s s ã o t a l v e z s e ja
in c ô m o d a m a s a p e r c e p ç ã o é e s s e n c i a l e . c o m o s e v ê n o f i n a l
da n o ss a c i t a ç ã o , a f ó r m u l a c o b r e , n o e s p í r i t o d o a u t o r , a i d e o ­
logia a le m ã e m g e r a l .
C v e rd ad e q u e o s c o n c e ito s d e P r ib r a m s ã o d e fin id o s d e
um m o d o d i f e r e n t e d o s n o s s o s , m a s s ã o s u f i c i e n t e m e n t e v i z i ­
n hos p a r a q u e u m r e s u m o s u m ã r i o p o s s a c o n f u n d i r u n s c o m
o u tro s. T a m b é m 6 v e r d a d e q u e . n o s l i m i t e s d a n o s s a c i t a ç ã o ,
o “ p s e u d o -u n iv e rs a lis m o ” d c P r i b r a m p o d e p a r e c e r , a p e s a r d o

A necessidade d a g u e rra fe z p e n e t r a r a >dê»a s o c ia lis ta n a v id a e c o ­


nômica alem ã, su a o rg a n iz a ç ã o d e se n v o lv e u -se m i n n o v o e s p ir ito e .
assitn. a a firm aç ã o d e si d a n o s s a n a ç ã o fe z n a s c e r p a c a a h u m a n id a d e
a nova idéia d e 1914. • id é ia d a o r g a n iz a ç ã o a le m ã , a c o m u n id a d e p o ­
pular d o socialism o n a c io n a l" ( f o h a n n P le n g c . I 7 g 9 u n i 1 9 14. F *
P- c ita d o p o r P r ib r a m , o p e it . p 52 2 . n o ta V 4).
anille p o r o p o s iç ã o a C e rn eá isM-áX/e. re s p e c tiv a m e n te , a
(«fe «eral r a " v o n ta d e d e t o d o * ' d e R o u s s e a u .
” u n ,v e r'* 1* s m o '\ t o m a d o n o s e n tid o d o
d e v e se a O t h m a r S p a n n , q u e 6
to é ^ ®*r **>r »e»s c o m o te ó r ic o , m a s e m r e la ç ã o
o c u d s d o de g u a r d a r c e r t a d i s t â n c i a ( c f tu * n o t a 15) e
aqw. e v id e n te m e n te , u m c o m p le m e n to in d is p e n s á v e l
150 A doença loUdàM»

icu nome. uma espécie distinta dos dois tipos primitivos e não,
explicitamente em todo o caso, como resultante do fato histó­
rico de sua combinação. Mas outras passagens são claras a esse
respeito. Assim, em sua conclusão. Karl Pribram apresenta a
revolução moderna que. primeiro na Inglaterra, em seguida ni
França, fez triunfar o individualismo contra o hoiismo da
Igreja e do Estado absoluto, e acrescenta:
6 característico da Alemanha que os contrasto
nascidos da transformação do modo e pensamento
não tenham aí explodido sob uma forma abrupta,
como nos povos da Europa ocidental mas. pdo
contri rio. a síntese que culminou no modo de pen­
samento pseudo-holista tenha aí assumido o papel
de um mediador entre o hoiismo e o Individualis­
mo (Umvtnaliunus und Nominalismut) (p. J7I).
Foi a isso. diz Pribram, que Marx pôde chamar a revolução
nas cabeças Csob um crinks”) por oposição à revolução ns
rua. à maneira francesa. Esse pensamento é comum a Marx e s
muitos outrtst. Mas, diferentemente de Marx, os homens da
Bílduny. estavam satisfeitos com esse estado de coisas como
definidor da cultura alemi. O drama de depois de 1918 « ti
em que essa fórmula ideológica irá confrontar-se com a reali­
dade política. E o que Pribram nos dá a entender quando
acre ícenla:
Esu forma de pensamento (Dtnkformu ) próprii
do povo alemão, em sua esmagadora maioria, nfo
foi alterada cm profundidade pela guerra A re­
jeição dos príncipes causada pelo desfecho catas­
trófico e a adoção dc uma constituição democrática
não podem scr consideradas, cm absoluto, uma re­
volução no sentido estrito da palavra.
Não posso comenrar aqui como mereceria esse n o tist!
e n u i o de Karl Pribram. De fato, Pribram não somente apontou

“ Prtbram dia simplesmente t o o n * de pensamento". "mdtodo i t r*->


o q o t i t chamará um p ou co m ail tarde "concrpiSo do
M é o — uma «premio de que Hitter fea p a n d e uao Um pouco
mau adíame, o o teito (o? CÚ.. p JTJ). Pribram indica ter » d o U
loeofia idealista ite m ! qae construiu eaaa forma de moral" que auditor
• Individuo ao lodo, t cita Fkfac.
151

COO c la re z a . d e s d o 1 9 2 2 . o l u g a r q u e o n a c i o n a l s o c i a l i s m o ir ia
ceupar n a id e o lo g ia a l e m ã , e p r e c e d e u a m i n h a p r ó p r i a a n á l i s e
dessa id e o lo g ia a p a r t i r d a d i s t i n ç ã o e n t r e i n d i v i d u a l i s m o e
h d iK n o .’** m a s t a m b é m , i m p l i c i t a m e n t e p e l o m e n o s , j u s t i f i c o u
o e stu d o q u e s e v a i l e r , p o r q u a n t o c o n s i s t e p r e c i s a m e n t e c m
m ostrar q u e o n a z i s m o é u m p s e u d o - h o l i s m o .

W h e n I h e a r d e w o r d " g u n " , I re a c h f o r m y c u l­
ture.'*
A le x a n d e r G c r s c h c n k r o n . n u m s e m i n á r i o n o In s ti­
t u to d e P r i n c e t o n , m a r ç o d e 1 9 6 9 .

E screv i r e c e n te m e n t e q u e o t o t a l i t a r i s m o é u m a d o e n ç a d a
so ñ e d a d e m o d e r n a q u e “ r e s u l t a d a t e n t a t i v a , n u m a so c ie d a d e
onde o in d iv id u a lis m o e s tá p r o fu n d a m e n te e n r a iz a d o , e p r e d o ­
minante. d e o S u b o rd in a r a o p r im a d o d a so c ie d a d e c o m o to ta ­
lidade". A c re s c e n ta v a c u q u e a v io lê n c ia d o m o v im e n to m e r ­
gulha su a s r a iz e s n e s s a c o n t r a d i ç ã o e q u e e l a e s t á c o n ti d a “ n o s
próprios p ro m o to re s d o m o v im e n to , d i l a c e r a d o s q u e e s t ã o e n t r e
duas te n d ê n c ia s c o n tra d itó ria s * * t / M £ / . p p . 2 1 - 2 2 ) .
E e s s a a te s e q u e t e n t a r e m o s a q u i v e r i f i c a r o u i l u s t r a r
cotn base n o c a s o d a id e o l o g i a n a z i s t a o u . m e l h o r d i t o . d e
m odo m ais lim ita d o e m a is p r e c i s o , a p r o p ó s i t o d a s re p re s e n ta -
ç&es d o p r ó p r io A d o l f H i t l e r , o u s e j a . s e g u n d o a s u a p r ó p r i a
expressão, d a s u a “ c o n c e p ç ã o d o m u n d o ” , in c l u s i v e o ra c is m o
•m i-sem ita, o q u a l ê f o r t e m e n t e a c e n t u a d o n e s s a id e o lo g ia .
P ro c e d e re m o s c m d o i s t e m p o s : r e s u m ir e m o s p r i m e i r o o
que p ode s e r c o n s i d e r a d o c o n h e c i d o a t r a v é s d a l i t e r a t u r a : '*

Tendo d e sc o b e rto a* o b r a s d e P rib r a m d u r a n t e u m a e s ta d a c m G ó t


**°t**. em 1977, fiq u e i s u r p r e e n d id o a o v e r if ic a r q u e e le t i n h a atf. e m
Psnifc m edida. »e a n te c ip a d o d e s d e 1922 a o m e u e s tu d o d a id e o lo f ia
*w»»ómka n u m a o b ra a q u e e le r e m e te o le ito r n o a r tig o c ita d o | c f . su a
5). the Entuehung der indivtdujltMiuhen Souatphitoeophie (A o t v
<Js filosofia so c ial in d iv id u a lis ta ) .
f 'Q u a n d o o u ç o • p a la v r a f u s i l ', la n ç o m á o d e m in h a cultura**, inver-
J*® de um a b o tu o d e a tr ib u id a a H e r m a n n G o r r í n * .
Fci sobre esse p o m o q u e o e s tu d o p ô d e v ir a lu m e < cf. n o ta I ) .
a o p la n o d a i n te r p r e ta ç ã o e a n á lis e , a s sin a le i a n te a so-
* * « * duss o b ra s, a d e H a n n a h A r e n d í . The Origins o f TototUorionUm
» o ad rte. A lien ¿ U n w in . 1 9 5 » ). e a d e N o lle ( o p es# > C u m p re
agora, p e lo m e n o s , a e x c e le n te e x p o s * * » ****** J *mm
ToteU têre Herrarh o p VVrren u m t M e r iry t* <M u n iq u e . K dael.
s sa tp ls c v a lio sa p e s q u is a d e le a n - Pierre F aye.
S'
1)2 A dotnfa loishUria

em seguida, partindo de um inventário do» traços de inspiração


bolista e de inspiração individualista, procuraremos apurai
como ele* se articulam entro si e se combinam num conjunto.
Antes disso cumpre-nos enfrentar certas questões prelimi­
nares. Em primeiro lugar, como é possível a alguém interessar-
se por semelhante personagem? Nada tem de estimulante, por
certo, mas é útil por uma dupla razão. Porque ele era o chefe
supremo, o Führer, c, sob esse nome, sabe-se muito bem que im­
portância e que extraordinário poder — o que eu designaria por
papcl-pcnonagcm. pois é impossível distinguir a função e a
pessoa — estío investidos. Para uma investigação como a
nossa, preocupada cm levar o mais possível cm conta a ideo­
logia. temos aí algo que deve ser tomado muito a sério, e nío
se pode estudar o regime como estudaríamos um outro que
â fosse desprovido dessa característica. Em seguida, acontece que
I o Führer forneceu suas idéias com uma franqueza brutal'* num
livro escrito em 1924, durante sua prísio numa fortaleza após
o fracasso do putsch de Munique, e intitulado Mein Kanpf
(Minha Luta).,T F. daí a comodidade: uma monografia dc ex­
tensão limitada tem probabilidade de ser fecunda. Mas podere­
mos. de repente, tirar algum proveito da importância do
Fükrtf? Muito gcralmentc. a popularidade desse homem seria
ineocnprccntivel sc ele não tivesse sido. num certo plano, repre-
'.mtativo da Alemanha contemporânea c. mais amplamentc, *«<f
do homem moderno; e a análise deverá elucidar-nos sobre esse
ponto. Inversamente, sua particularidade pode, dado o seu
imenso poder, ser refletida nos fatos. A monstruosidade m»i>
espetacular do regime, aquilo a que sc deu o nome dc genocídio
ou holocausto, ou seja. o extermínio sistemático dc populações
inteiras c, em especial, de judeus, escarnece da capacidade de
compreensão « mobiliza a atenção dos historiadores, legitíma-

m rrt. Critique de la raboa/rtconexrue mirror..* Hermann. I9TÍ).


enllm, o estudo dc EbcrHard l i a d linter UAJotue iPirn. C.tminn
U n 1971; trad de linter, WtUansthuiung, I9W>.
'• t w hruutidade impõe, par» IlHScr. a rfícicia da poblxidade. fo»
uan dentro de limite» a determinar. i w t k i franco r » etrenca!
U » segundo vohiroe foi acrescentado cm 1976 Nrm jodreo. etla»
<««04 de qw Ulster ifa nr»se livro ludo o ou» pesia, nem ir pod»
rviiulr um amadurecimento aabicqUmle tef ticket, op or >
" Mein Kempt. Murilqo*. franj Eher NacM. 1955 (doravante MK>.
d irad Ir ; Uem C om *#. Púa. N o u v rlln fd .in m i t j ú n o . F So»lot.
• d. (doravante MK fr.).
m e n te , t e m d ú v id a , num a p rim e ira a p ro x im a ç ã o , um pouco
cano a c o is a a • 'e x p l i c a r * ’. " O ra , h á ra z o es p a ra p e n sa r q u e o
e itftm ln io ío i o b r a d a v o n t a d e d e H i l l e r e q u e n ã o te r ia o c o r-
rid o k . p o r u m a h ip ó te s e im p r o v á v e l, o c h efe d o m o v im e n to
tiv e s s e s i d o q u a l q u e r o u t r o . C o m e f e ito , e lim in a r o u e x te rm in a r
o s ju d e u s e r a um a id é ia fix a cm H itle r d esd e, p e lo m en o s,
1919. a o p a s s o q u e s e d e s c o r t i n a m no p r ó p r io H im m le r c e r to s
i n d k io s de r e tic ê n c ia s ." E x e m p lo s in is tro do papel de um a
p e r s o n a li d a d e n a h is tó ria .

Em seg u n d o lu g a r, p o d e r se-á fa la r da id e o lo g ia n a z is ta
com o te n d o s id o m a is do q u e u m a s é rie de te m a s d e p ro p a ­
ganda (n e c e s s a ria m e n te c o n tra d itó rio s c flu tu a n te s " )? P o d e r-
irá fa la r d e u m c o n ju n to de r e p r e s e n t a ç õ e s c o m o te n d o s id o
re a lm e n te a s d e A d o lf H itle r? P o d e ría m o s s u s te n ta r q u e não
h a v ia i d e o l o g i a n a z is ta n esse s e n tid o , q u e e n tre esses hom ens
0 p r im a d o n ã o c a b i a à id é ia m as á ação. sen d o a ação, na
g ra n d e m a io r ia d a s v e z e s m a i s d e s t r u t i v a d o q u e v o lta d a p a ra
a r e a liz a ç ã o d e u m id e a l. F m c o n tra s te com o s ta lin is m o . n ã o
h a v ia n a A le m a n h a n a z is ta u m a d o u trin a im p o s ta , n a lin g u a ­
g em d a q u a l o s c o n f l i t o s p a l a c i a n o s s e e x p r i m i r i a m : u m c h e f e
n a z is ta j a m a i s f o i c o n d e n a d o e m n o m e d o s p rin c ip io s d o par
lid o ." T a m b é m s e d i s s e q u e e x is tia m t a n ta s id e o lo g ia s q u a n to s
os c h e fe s , e ta m b é m q u e o s m a is p ro p e n s o s á id e o lo g ia , c o m o
R o s e n b e rg , e r a m d e s fa v o re c id o s c m r e l a ç ã o a o s c í n i c o s . *1

* Cf a esclarecimentos de Saul FricdUnder « Tim Mason etn U


ÍJéhit, 21 de setembro dc 1982. pp. 1 3 1 1 » e 151-166.
" 1919: carta a Cemlich. cf. Noite, op d l.. pp 3»390. 1922 (7):
dillon de M a r t, cf Noite, op d l . p 407 (e adiante); 1924; MK. p.
17? MK fr . pp 677678 (sugere o emprego de gis tóxico): cf também
S<tk, op. d l., p. 502. Sobre Himmler, cf Noite, op d l., p 614.
i>yj 113; Arendt. op d l . p. 375 nota O que se sabe a respeito de
Hmmlcr f u pensar que ele pôde cumprir com uma precisão maniaca
a vcaudc de seu chefe, apesar de uma acentuada relutância (cf. teus
Ducoon m rtU . Paris, Callimard. 1978. pp. 14, 167. 204-209) Foi um-
Km um princípio estabelecido por Himmler para toda a SS qoe ne-
atona tarefa fosse cumprida por ela própria (cf Artndt. op d l., p.
4W nota)
» Ver especialmente Fayt. op d l., pp. 555 e ts.
1 f nfrttaato. Fare assinala que a maior parte doa dootnnãrioi raditaa
pri hitlerianos foram atingidos prla interdição depoi» de 1933 (op cU
> Itf). o que pode ser. ta n dúvida, general.***» • todo* oa teórico».
4* um modo geral Parece ter havido uma vontade de presentar as
stn9Íif*açAci oficiala de toda a contaminação # de toda a reflexão.
IW A doença totolitfrú

Dc qualquer m odo. um pequeno núm ero de noções ligadas


entre si sào o objeto de um a crença m ais o u m enos unánime
que orienta a ação. £ o que se verifica, justam ente, no tocante
ao prim ado da ação ou, m elhor dito. d o com bate; à noção de
"chefe"; à fidelidade à pessoa do líder único e suprem o, que
constitui a referência final e substitui nssim o que seria, em
outras circunstâncias, a "verdade” ou a "ra z ã o " (Arendt, op.
cit.. p. 563; Buchhcim. op. cit., p. 37). O ra . a ideologia mo­
derna. em geral, faz-se acom panhar de um prim ado da relação
com o objeto (e da verdade “objetiva") sobre a relação entre
homens. Existe, pois. nos nazistas, já nesse ponto, um retomo
ao pré-moderno (mas veremos com que mudanças).
O Mein Kampf fornece uma indicação precisa sobre o
lugar da ideologia no movimento. H itler aí explica que a vio­
lência. por si só. 6 impotente para destruir uma "concepção
do mundo". 6 preciso para isso opor-lhe uma outra “concepção
do mundo” : para enfrentar e derrotar o marxismo c o bolche­
vismo, é necessária, portanto, uma ideologia a serviço de uma
organização de forç»- Assinala-se que H itler faz grande uso
dessa noção de "concepção do m undo" (Weltansehcuunfr*),
a qual lhe convém por causa do relativismo que ela implica.
Essa passagem mostra, sobretudo, a necessidade, e a dificul­
dade. dc distinguir entre o que Hitler acreditava ou pensava e
o que ele quis fazer crer ou pensar aos outros. Não se pode
ser ludibriado, é preciso, como se diria hoje. "decodificar" a
Ideologia oficial. Isso já precisa ser feito até com o próprio
nome de "nacional-socialismo". A gênese da coisa é indicadz
muito claramente no Mein Kampf: Hitler conta como aprendeu
cm Viena com o pangermanista anti-semita Schõnercr as fina­
lidades gerais do movimento, c com o social-cristão Dr. Lueger
o» meios eficazes para alcançá-las." O “ socialismo", que aqui

■ MK. pp 106-187; MK Ir . p 171 W eltamchaiunt o u “co ncepclo


do mundo" t at traduzido por “¡d íia (o u c o n c e p ç to ) filoaófica" 5Uo
■ M i m t i dificuldade» dessa o rd em q u e o b ripam a recorrer, em primeiro
brear, ao texro alemlo A p a g in a d o de MK parece »er a m eim a stí
I t t l ( N ó t e le que a destru içã o do a d v e r tir lo é m en cio n a d a netv» pa>
•agem como utna possibilidade )
“ MK. P IW : MK Ir . p m Segundo Werner Msser. o relato por
Hitler de IU» juventude em Viena t bastante Inexato mai sobre o
ponto que nos interessa. Importa pouco se Hitler refez utterioemeni»
•uai experiências desse periodo (H itU fi Mein Kamp). An Ana!’ to.
Londres. Faber & Faber. 1970. trad inglesa.)
O Individualismo 155

significa e s e n c i a l m e n t e a m a n i p u l a ç ã o d a s m a s s a s , e s t á a s e r ­
viço d o " n a c i o n a li s m o " , c n tc n d a - s e d o p a n g e r m a n i s m o r a c is ta
Para v o lta r à r e la ç ã o a p r e s e n t a d a p o r H i t l e r e n t r e a f o r ç a e a
justificação id e o ló g ic a d e q u e c i a te m n e c e s s i d a d e , d i r e m o s se m
risco de n o s e n g a n a r m o s q u e o c le e x is te u m p r i m a d o id e o ló ­
gico d a fo rç a s o b re a id é ia . P o d e - s e a c o m p a n h a r e s s e p r i m a d o
«o nível d a o r g a n iz a ç ã o e d o p r o g r a m a d o p a r t i d o . E p o s s ív e l,
portanto, is o la r n o p r ó p r i o H i t l e r u m c o n j u n t o d e id é ia s e d e
valores, a q u ilo a q u e c h a m a m o s n o p l a n o s o c ia l u m a id e o lo g ia .
N esse c o n ju n to , é e v id e n t e q u e o r a c is m o c m g e ra l e o
anti-sem itism o e m p a r t i c u l a r d e s e m p e n h a m u m p a p e l c e n tr a l.
O que a lite r a tu r a n o s in f o r m a a r e s p e i t o ? ] á in d ic a m o s q u e
a raça tem a f u m p a p e l h o m ó lo g o a o d a c la s s e n o m a rx is m o ,
devendo a l u ta d e r a ç a s s u b s t i t u i r a l u ta d e c la s s e s . N o ite
acrescenta q u e o s n a z is ta s c o m b in a ra m to d a s a s f o r m a s e x is ­
tentes de a n ti-s e m itis m o m a s o a n ti- s e m itis m o d e H i t le r é es-
sencialm entc ra c ia l ( N o lte . o p . c it .. p . 4 0 8 ) . E n íti d a a t r a n s i­
ção d e u m a n ti-s e m itis m o r e lig io s o p a r a u m ra c ia l e o p r ó p r io
H itter insiste e m d e ix a r isso b e m c la r o . A s s im , o d iá lo g o r e ­
constituido p o r E c k a r t e p u b lic a d o c m 1 9 2 3 . H i t le r o p õ e a u m
texto de L u le ro q u e q u e im a r a s s in a g o g a s e a s e s c o la s j u d ia s
de n ada se rv iria e n q u a n t o o s ju d e u s c o n tin u a s s e m e x is tin d o
fisicam ente (p . 4 0 7 ). N o M e in K a m p f . H i t le r s u b lin h a a i n s u ­
ficiência d e u m a n ti-s e m itis m o p u r a m e n te re lig io s o : é m e ra
tagarelice ( M K . p p . 3 9 7 -3 9 8 ). A lé m d is s o , o h o m e m p o lític o
deve e v ita r o te r r e n o d a re lig iã o : o e r r o d o p a n g e r m a n is m o
austríaco, d e s e n c a d e a n d o a g u e r r a c o n tr a o c a to lic is m o , é lo n ­
gamente c ritic a d o ( M K . p p . 1 2 4 e s s .: M K f r .. p p . 1 1 7 e ss .).
O ra c ism o e r a g e r a lm e n te u m a id e o lo g ia p e s s im is ta o u
negativa, c o m o e m G o b in e a u . H i t l e r f e z d o r a c is m o a n ti-s e m ita
uma d o u trin a p o s itiv a : s e g u n d o e le . a r a ç a j u d i a é a p e r s o n i­
ficação d o m a l. a c a u s a q u e d e s d e M o isé s in te r v é m s e m p re d e
novo p a ra p ro v o c a r o d e s v io d o c u r s o n o r m a l d a s c o is a s , o
fator a n tin a tu ra l n a h i s t ó r ia . P o r t a n to , b a s t a i n te r v i r — é o
aspecto " p o s itiv o " — p a r a q u e a s c o is a s re to m e m s e u c u r s o
natural. A lém d is s o , e n c o n tr a - s e a s s im u m a c a u s a ú n ic a p o r trá s
de todos os m a le s e to d o s o s in im ig o s c o n te m p o râ n e o s : m a r ­
tin s » , c a p ita lis m o , d e m o c r a c ia f o r m a l , o p r ó p r i o c r is tia n is m o .
L ue p o n to d e v is ta h a r m o n iz a - s e p e r fe c ta m e n te c o m o q u e
Noite cham a o c a r á te r i n f a n t i l e m o n o m a n ia c o d o p r ó p r i o H i ­
ller (N oite, o p . c it.. p p . 3 3 8 - 3 5 9 ) : a c a u s a d o s m a le s é s im p le s .
i Jé A doença MeLtin,

ú n ic a e . a d e m a is , (o d a a c a u s a h is tó r ic a e s t i e n c a rn a d a test
a g e n te h u m a n o : tu d o o q u e a c o n te c e re s u lta da v o n ta d e de
a l g u é m . n e s t e c a s o a v o n t a d e o c u l t a , p o r t a n t o r e a l, d o s ju d e n
( MK, pp. 54. 68: MK f r . . p p . 5 8 . 7 1 ) . E m q u e m e d id a Hitler
v e rd a d e ira m e n te p en sav a a s s im ? A p e rg u n ta te ria e sp in h o u
m a s n á o te m o s n e c e s s id a d e d e a f o r m u l a r . B a s ta -n o s constatar
q u e H itle r e ra . sem d ú v id a , p ro p e n s o a e ss e g é n e ro de a p li­
cação c . ta m b é m c o rta m e n te , a c r e d ita v a que ta is e x p b c a ç ó a
sáo as q u e m a i s c o n v ê m à s m a ss a s.* * d e m o d o q u e. ceno di
e fic á c ia d e la s , p o d ia d e ix a r a c o is a c o r r e r c o m to d a a tn a -
q O U id a d e .
T o d a s e s ta s o b s e rv a ç õ e s e x tr a íd a s d a l i t e r a t u r a sáo , tea
d ú v id a , c o rre ta s e e lu c id a m , e m c e rta m e d id a , o fenóm en o
A s s im , a re fe rê n c ia à “ n a tu r e z a " n a h is tó ria d e v e s e r retida:
e l a f a z e n t r e v e r a v e r o s s i m i l h a n ç a d e u m a a ç i o q u e se re d a ­
m a r á d e " c i e n t í f i c a " , o a r t i f i c i a l i s m o d a c a r n i f i c i n a m a c iç a , no
c a t o e m c â m a r a s d e g á s . E s s a m a t a n ç a r e p r e s e n t a ta m b é m , evi­
d e n ttee m e n t e , o m á x im o n a g e n e r a l i z a ç ã o d o s p r o c c d im e n u a «
^ métCK
m é t o d o s d c g u e r r a à s r e la ç õ e s p o l í t i c a s c s o c ia is c o m o u m todo.
[ conn. tem sido frequentemente assinalado no caso de H itler
O
0 que qu os nazistas chamaram de “ solução final" do “ problems
judeu" era equivalente, no espírito dc Hitler, à abertura dc ums
nova frente contra o inimigo único e eterno. A autobiografia
m ostra o jovem Hitler empenhado em explicar a social■dcr>»
cracia e o movimento operário, postulando que sáo instigado»
a manobrados pela vontade oculta dos judeus e tomando ■ re­
s o l u ç ã o de organizar um movimento semelhante e inimigo, do
qual a sua p r ó p r i a vontade será a alm a. Q uer Hitler tenha ou
n io antedatado, nessa passagem autobiográfica, uma decisão
qua, na realidade, é m uito posterior, chegara o momento de
travar um duelo de morte entre os judeus c ele própno.

A f im d e t e n t a r p e r c e b e r c o m o uma unidade a H W tw
chauvng de H i t l e r , c o m e ç a r e m o s por fazer o duplo inventário,
da uma p a r t e , d o » t r a ç o s b o l i s t a s — o u seja. nio-modemu» ou

» lamiis m d m apontar ài im u ii ma» de ura inimigo de cada »r


• "Cabe a o jtalo de um grande chefe íaeer pam er * * ror.rao «um.**
diatiasos pertencem sempre • uma única categoria" (UK. pp l» l? «
MK i r . pp. I2I-J22) ^
0 IwM indnmo 1J7

antifflodcmos — e, de oulra. os traços individualistas ou. em


primeira aproximação, "modernos" no Mein Kampf.n
Se se espera uma reafirmação do modo de pensamento
bolista, hã dois termos para os quais cumpre estar especial­
mente atento: o Volk, literal ou aproximadamente "povo". que
ji encontramos em Herder, c a "comunidade”, ou Gemeinschafi.
a que a teoría política do romantismo deu grande realce e o so­
ciólogo Tonnies opôs claramente à Geseilschaft, ou sociedade
constituida de individuos. E precisamente a Alemanha nacional-
socialista fez ressoar indefinidamente a pclavra VMsgemein-
schaft ou comunidade do povo. mas nio esqueçamos também
comunidade de cultura e, sobretudo, para os nazistas, de raça.
A palavra está presente no Mein Kampf. menos frequentemente
do que se esperaria, tendo em vista o que iría acontecer depois,
e, somos quase tentados a dizer, sem um acento especial. Ela
intervém, por exemplo, na discussão das relações de classe entre
patrões e trabalhadores, onde é por vezes traduzida inconeta*
mente, sem dúvida, mas sem lhe trair o sentido, por "coletivi­
dade nacional". De resto, o próprio autor, que di a recon­
quista dos trabalhadores, arrancados i luta de classes, como
objetivo essencial do partido, também fala de bom grado de os
“nacionalizar". E. um pouco mais adiante, a coletividade a que
o Ariano sabe sacrificar se tanto ¿ chamada Getamtheit (con­
junto, totalidade) ou Allgemrinheil (generalidade, universalida­
de) quanto Gemeinschaft (MK. pp. 327-328; cf. MK fr, pp.
298-299).
Dc fato, era muito difícil assimilar diretamente o Volk
è raça. Um capítulo do Mein Kampf ¿ intitulado: "O povo e a
nça-, mas, além de algumas generalidades racistas, ele con-
Km essencialmente um retrato contrastado do Ariano e do
ludeu, e conclui com a afirmação de que todos os infortunios
do Ariano provém do fudcu e do nio-rcconhecimento dessa

" Own i ipil umi facilidade, ou limpliíicacio, da lii^uafro Nóa


¿tfataoi individuallimo e Soturno no aealido da valorea (Jobaia a. por
ado poden aplicarte, a rijor, a incoa ieoladoa Mat podrir talar
7 trasoí qur foraoi reconhecido*, por outro lado, cono faxrodo parla
* «" ou de outro tipo de tateme, ou que o mvocam oo a ele er hftm
- «erando o naco de equivoco ae te (ai um nao denotado v«p daaaaa
É o que te tem aqui em víala
is* A doença loUUitfii

situação, da negligência com que se encara "o interesse racial


do povo".**
Assinale-se, de passagem, que o ariano é o criador de
toda a civilização (Kultur), em virtude de sua capacidade de
sacrificio, de seu idealismo. Seu próprio trabalho é altruísta,
e "essa disposição de espírito, que coloca cm segundo plano o
interesse do próprio eu em proveito da manutenção da comu­
nidade, é a primeira condição preliminar de toda a verdadeira
civilização (Kultur) humana" (MK, p. 326; MK ír., p. 297).
Assim, o holismo ou, melhor, uma moralidade fundada no ho
lismo é dada como o apanágio ou o monopólio da raça ariana.
Acontece, porém, que só existe raça ariana por oposição à
raça judia. O Volk alemão, com efeito, não 6 racialmente ho­
mogêneo. Assim, Hitler diz no capítulo sobre o Estado (livro
II, cap. II) que o "nosso Volkstum alemão não repousa, la­
mentavelmente, num núcleo (sic) racial unitário" (MK, pp
436-437; cf. MK fr., p. 394). Assinale-sc o emprego do abstrato
Volkstum, duplo germánico de "nacionalidade", muito fit-
i. quente no Mein KampfV A mesma passagem explica que há
I vários, de fato quatro "elementos raciais fundamentais" ira-
" lixhe Grundeíemenle) justapostos no interior do Reich, sendo
a chamada raça nórdica apenas um deles, o elemento superior
entre todos eles. £ dito, aliás, que a Weltanschauung racista
ivòtkische) reconhece a significação da humanidade em seus
elemento** raciais originais.’* Essa ausência de coincidência
entre o Volk e os "elementos raciais" significativos explica, tal­
vez. que O «cismo se abrigue sob uma palavra um pouco dife­
rente, a palavra vòlkisch que acabamos de encontrar, e que
aerviu muito na época.
A propósito dessa palavra, temos o benefício dc uma vasta
e precisa investigação de lean Pierre Faye, que empreendeu a
tartfa de substituir o nacional-socialismo na rápida multiplica­
ção contemporánea dos movimentos, grupos c gnipúsculot an-

* MX, p JéO, F ijt, Of. d i ., p. 552; a tradução francesa. p 5 íi


d c iij a desejar
* “A r*ctonalidade ou. melhor, a raça. a lo te racootrs tp rn u di b»
|u a bus sobretudo no unfue (MX. p 421; MX Ir., p 347) V«U»
tum destina tambán 'o conjunto das expressões vivas da ura por»
(V o ttr ü k t Srue Broekh.ua. 1951, i r ).
» UrtUmenie (elementos orifiaais. primitivos): MX. p. 420. MX ft .
9 310 — incasto
o ¡->JiY¡Ju0tismo 159

::dem ocráticos d a A l e m a n h a d e W e i m a r c q u e a t r i b u i u r n a i m ­
portância e s p e c ia l a o v o c a b u l á r i o . S i m p l i f i c a n d o u m p o u c o ,
¿¿am os q u e a p a l a v r a s e d i v u l g a a p a r t i r d o f i n a l d o s é c u l o
XIX co m o e q u i v a l e n t e g e r m á n i c o d e " n a c i o n a l ” , p e r m i t i n d o
pensar " n a c i o n a l " e m b o m a l e m ã o c n a o p o r i n t e r m é d i o d e
«sai p a la v ra d e o r i g e m r o m a n a . A d o t a d a p e l o s p a n g e r m a n i s t a s .
a palavra tin g e -sc d e u m r a c i s m o o u a n t i - s e m i t i s m o a c e n t u a d o
(a c o m u n id a d e c u l t u r a l d e H e r d e r é a q u í s u b s t i t u i d a p e l a r a ç a )
e possui a in d a u m a o u t r a f a c e t a o u a s s o c i a ç ã o , u m a v a g a tin -
tur» de s o c ia lis m o . V e r i f i c a - s e , a s s i m , q u e n a é p o c a d e W e i m a r
a io se p o d e d i z e r " n a c i o n a l ” e m b o m a l e m ã o s e m e v o c a r ,
«través d e " p o v o ” , a r a ç a e o s o c i a l i s m o s i m u l t a n e a m e n t e . E m
definitivo, o s e n t i d o d a p a l a v r a é . s e g u n d o P a y e , “ a u n i d a d e
do n a c io n a lism o c o n s e r v a d o r e d o p r e t e n s o s o c i a l i s m o a le m ã o
— no ‘s e n tid o r a c i a l ’ " ( o p . c i t . . p . 1 6 1 ) . E is q u e s e c o n f i r m a
com c la re z a a te s e d e P r i b r a m .
Faye d e d ic a t o d a u m a s e ç ã o d o s e u l i v r o à s t e n d ê n c i a s
vHkiach. o u s e ja . r a c i s t a s p r e s e n t e s c m t o m o d o n a c i o n a l -
socialismo ( p p . 1 5 1 - 1 9 9 ) . e r e v e r t e m a i s a d i a n t e è n o ç ã o a
propósito d e H i t l e r e e s p e c i a l m e n t e d o M e i n K a m p f ( p p .
531-536). V im o s q u e . e m s u m a . e x i s t e u m a e q u i v a l ê n c i a e n t r e
t'óüixrh e n a c i o n a l - s o c i a l i s t a , f i c a n d o e n t e n d i d o q u e o r a c i s m o
está im p líc ito n e s s a ú l t i m a e x p r e s s ã o . O ó r g ã o d o p a r t i d o c h a -
®** w c . a liá s . O O b stc r v a d o r ” v & lk is c h ‘*. Ê n o m í n i m o c u r i o s o .
POttanto. v e r H i t l e r a t a c a r t o n g a m e n t e o s a g i t a d o r e s v õ tk is c h
•ates d e e n c a m p a r e s s e t e r m o p a r a s e u p r ó p r i o u s o . c o m o s e
Podia e s p e ra r. D c q u e s e t r a t a v a ? O S f r i n K a m p f d i s c u t e a
questão p o r d u a s v e z e s : a p r i m e i r a n o f i n a l d o l . i v r o 1 c . d e p o is .
wo»o se e ssa p r i m e i r a d i s c u s s ã o t i v e s s e s i d o c o n s i d e r a d a i n s u ­
ficiente e e x ig is s e u m c o m p l e m e n t o , u m a s e g u n d a v e z n o c o -
o<ço d o L iv r o II.* *
N o p rim e iro l iv r o , e le a b o r d a a n a tu r e z a v a g a d o te r m o ,
“m uito p o u c o i n t e l i g í v e l ” , d i x o í n d i c e , a m u l t i p l i c i d a d e d c s e n ­
ado* d a p a la v r a e d o s s o n h a d o r e s q u e c o m e l e s e e n f e i t a m ,
« capazes d c a ç ã o . d e s l u m b r a d o s c o m a n t i g u a l h a s g e r m â n ic a s

L am en tav elm en te, a t r a d u ç ã o f r a n c e s a o b a e u r e c e


áe im e d ia to v ó tk ia c h p o r “ r a c i s t a " n o L iv r o I ( p p . JC O -to íl. ao
5? f.-*° « * a tr a d u ç ã o d o L iv r o I I te m O b o m s e n s o d e c o n s e rv a r a p a
■ m sdlâiscJi n a a c e p ç ã o r e j e i t a d a , e d e t r a d u z i - l o p o r " r a c is t» " sem en**
• Partir d o m o m e n to e m q u e H i t l e r f e a s e u e s s e t e r m o ( p p 376-5*0)
i '
160 A dotnfa totaSatr*

e com a m otuiquia. Conira ludo isso, cscolhcu-se para a lula


implacável a denominação de partido, e vohou-se as cosías aoa
visionários \óHisch que lendem para o "religioso" ou o *'cspt-
ritual", adolando precisamente: Partido Alemão Nacional*
Socialista dos Trabalhadores. Uma noção está aqui subjacente
que (k a rf explícita no Livro II: d que o anti-semitismo “ttli-
lioso” deve ceder o lugar ao anti-semitismo racista, o único que,
manobrado por um chcíc decidido, fornecerá uma base sólida
* luta do partido. O Livro II insiste sobre a necessidade de
transcrever a WeUantchauung para uma organização de luta e
no papel do chefe que, simplificando a doutrina, assegure a pas­
tagem dc uma para a outra.** Além disso, vôikisch na acepção
hitlensta coloca a raça no lugar do Estado: o Estado não é o
fator criador mas somente um meio a serviço da raça (MA.',
pp. 431-454; MK fr., pp. 389-392). Observa-se. neste ponto,
que Hitler faz para a raça o que Marx tinha feito para a
ciaste: subordinar-lhe o Estado (cf. Noite, op. cit.. p. 395)
| — o que na Alemanha n&o era um princípio axiomático, como
0 testemunha o desenvolvimento no índice da rubrica "Estado
racista (võtkixh)". Em suma. impòs-se a vôtkisch o sentido
univoco de ura anti semitismo de raça, que pretende subordr
nar-lhe o Estado.
Resumamos o que resulta dc tudo isso ao nível de nosta
Procurávamos uma afirmação M ista da comuni-
ou do povo e encontramos algo bastante diferente, ou
que essa comunidade está subordinada a (ou confiscad»
um antagonismo racista, só existindo, de fato. a unidade
"raça” no antagonismo em face de uma outra "roça", no
-semitismo. lá se percebe aí uma funçio estrutural do anti-
semitismo: suprimido o judeu, a Alemanha divide-se cm "qua­
tro elementos raciais primitivos". Mas. mais profundamente,
reita-oos ainda apurar se. no plano do quadro conceptual de
conjunto, etiatirá uma razão para a subordinação da comuni­
dade. ao mesmo tempo sob seu aspecto nacional e sob seu
aspecto social, á idéia de raça. Ocorro aí. de fato. uma disso
loção da comunidade bolista que parece ter escapado, em gran

4b NoiM <«r *#.. r VW). 4 o chcf* —


■ ¿ ri *>«• • SÇSo
o íitd tvtd u a ixtm o 161

«Se p a rte , a o s e x c g c t a s . P o d e m o s p r e s u m i r , e n t r e o u t r a s c o is a s
pela h o m o lo g ía f u n c i o n a l e n t r e a r a ç a h i t l c r i s t a e a c l a s s e m a r ­
xista. q u e o f e r m e n t o d e s s a d i s s o c i a ç ã o é o i n d i v i d u a l i s m o m o ­
derno. c o m o v e r i f i c a r e m o s n o m o m e n t o o p o r t u n o .
C o n tin u e m o s , p o r a g o r a , t e n t a n d o a p r e e n d e r o s t r a ç o s S o ­
listas. o u n ã o - m o d e r n o s , n o M e i n K a m p f . D e u m m o d o g e r a l
e *ob d iv e rs o s a s p e c t o s . H i t l e r r e c u s a o p r i m a d o m o d e r n o d a
relação e n tr e o h o m e m c a n a t u r e z a p a r a r e a f i r m a r o p r i m a d o
da re la çã o e n t r e h o m e n s . A s s i m , e l e r e c u s a - s e e n e r g i c a m e n t e
a a d m itir q u e o h o m e m , e m n o s s o s d i a s . t e n h a - s e t o m a d o s e ­
nhor d a n a t u r e z a : o h o m e m , d i z - n o s e l e . s o m e n t e e s t a b e l e c e u
*ua d o m in a ç ã o s o b r e o u t r o s s e r e s v i v o s , s u p r i m i n d o a l g u m a s
das leis e a lg u n s d o s s e g r e d o s d a n a t u r e z a i M K . p . 3 1 4 : M K
fr^ p . 2 8 6 ). A f ó r m u l a é a s s u s t a d o r a s e r e f l e t i r m o s n e l a . p o i s
a e x p ressão “ o u t r o s s e r e s " p o d e p e r f e i t a m e n t e d e s i g n a r t a m ­
bém seres h u m a n o s e . n e s s e c a s o . s e l e r i a a i n ã o u m a r e c u s a
do a rtific ia lis m o m o d e r n o m a s u m d e s e j o d e i n t e n s i f i c á - l o . d e
algum m o d o . a p l i c a n d o - o a o s p r ó p r i o s h o m e n s — e é i s s o o
que e fe tiv a m e n te s e v e r i f i c a c o m a e u g e n i a , p o r u m a p a r t e , e o s
campos d e e x t e r m í n i o , p o r o u t r a .
P e rc e b e -se a m e s m a r e j e i ç ã o d o p r i m a d o d a r e l a ç ã o d o
bomero c o m a s c o i s a s q u a n d o H i t l e r s e i n s u r g e c o n t r a o p r i ­
a d o g c r a lm e n te r e c o n h e c i d o d a e c o n o m i a . A í e s t á . d i z e l e . a
«P écic d e c r e n ç a q u e l e v o u á s u a p e r d a a A l e m a n h a g u t l h c r -
O a n a te m a é d i r i g i d o s i m u lt a n e a m e n t e c o n t r a o lib c r a -
Inrao e c o n tr a o m a r x i s m o . H i t l e r , c m s u m a . e n g l o b a o c c o n ã -
rmco n o p o l ít i c o ( r e l a ç ã o e n t r e h o m e n s ) { M K . p p . 1 6 4 - 1 6 7 ;
fr.. p p . 1 5 3 - 1 5 5 ) . E l e p e r c e b e u , d e a l g u m m o d o . a e x i s -
de u m c e r to t i p o d e o r g a n i z a ç ã o p o l ít i c a q u e n ã o s ó
t°r tu p o ssív e l o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o m a s t a m b é m p e r -
* e c o n o m ia d e s t a c a r - s e c o m o o q u e N o i t e c h a m a u m f e n ô -
5?® (N o ite . o p . c it.. p . 6 1 6 . n o ta 7 . c p . 5 2 0 ).
r * * * e « e p o n to , r e m e te m o s o l e i t o r a K a r t P o la n y i ( o p . n t . t
¿o 1 ¿ ® ü w l r o u q u e o n a z i s m o r e p r e s e n t a v a u m a e m e d e c i s i v a
‘^ « l i t m o m o d e r n o o u . m e l h o r . • e x p l o r a ç ã o s i s t e m á t i c a d a
^ m u n d o q u e a c r e d it a r a n o e c o n ô m ic o c o m o c a tc g o -
^ 4 lV /,a t< . I n d e p e n d e n t e d o p o l i t i c o . Q u a n t o a i s s o . a o i n « é *
,c m « d o f r e q u e n t e m e n t e d i t o . c r e i o q u e O s n a z i s t a s
^ **éi» a o p r o g r a m a d e l e s d e 1 9 2 0 . s e n ã o n a l e t r a p e l o
162 A doença totalitária

m ena» n o e sp írito : e le s e n g lo b a ra m a e c o n o m ia n a política,


m a n tid a e n tre as d u a s u m a re la ç ã o p ro p ria m e n te hierárquica.”
S ã o c o n h e c id o s o s a ta q u e s d c H itle r à d e m o c ra c ia formal,
a o p a rla m e n ta rism o , c o n d e n a d o c o m o im p o te n te e com o prepa­
ra n d o o c a m in h o à d o m in a ç ã o m a rx is ta . O ig u a lita rism o é uma
a rm a ju d ia p a ra a d e stru iç ã o d o siste m a p o lític o . Entretanto,
o q u e m e im pressiona n a le itu ra d o M e in K a m p f 6. sobretudo,
o c a rá te r d ev eras lim ita d o d essa c rític a d o igualitarism o. Me­
dite-se neste p onto: a R e v o lu ç ão fra n c e sa n ã o é a ta ca d a fron­
talm en te um a ú n ica vez. A fraseo lo g ia d o s d ire ito s d o homem
é até ocasionalm ente e m p re g ad a (oa d ire ito s d o hom em redu­
zem -se e n tã o aos direito s d a ra ç a s u p e rio r!) ( M K . p . 444:
M K ir., p. 4 0 0 ). assim c o m o a fraseo lo g ia m a rx ista o u a fra­
seologia tradicional (v e r a b a ix o ). V er-se-á m ais a d ia n te que.
na realidade, nas rep resen taçõ es d e H itle r n ã o e stá de todo
ausente o asp ecto igualitário.
E xistem traço s n itid a m e n te h o lista s. A prim eira vista,
estam os com A dolf H itle r n a tra d iç ã o a le m ã c m q u e o homem
é um ser social. U m a vez n a A le m a n h a . H itle r faz figura de
patriota pequeno-burgués q u e se e n g a ja n a m obilização c se
bate bravam ente d u ra n te toda n g u e rra , c vim os q u e . segundo
ele. o arian o está p ro n to p a ra se rv ir à c o m u n id a d e até ao sa­
crifício de si m esm o. O caso com plica-se u m p o u c o se consi­
derarm os os anos d e ju v en tu d e e m V iena m as. enfim . Hitler
é pangerm aniita c vim os q u e o p a n g e rm a n ism o pode ser con­
sid erad o um c orolário d o h o litm o alem ão. D igam os que a de­
voção de H itler dirige-se a um p o v o q u e possui a vocação da
E poiiiiuaçlo. Só q u e — lem b ra-n o s a p a la v ra •‘a ria n o ” e tivemos
cu id ad o de o a ssin alar de passagem — esse holism o está.
ele. lim itado a u m a ''r a ç a ” , su b m e tid o it raça. Eis
e stran h a novidade, a q u a l é im p o rta n te p a ra o nosso pro­
to : segundo H itler, cu e sto u d e d ic a d o á coletividade ou.
c o n trá rio , egoistam ente fe ch a d o cm m im m esm o c em
interesses pessoais, seg u n d o a ra ç a a q u e p ertenço. Os aria-

Partoe contradizer se aqui o jul*«m ento solidam ente documentado


Franz Neumann em seu Kvro Beüem ot T h e Structure ar-.J practice
i . t n v V H 4 (Nova Iorque. 1442) De fato. • tjues
----------m iad a não é a meama A noaaa questão consiste em aaSrr s<
com anda a economia ou o In serto O ponto de visia de Seu
destaca-se bem no « tu m o de P Ayçoberry em t e n tb a t. 21. *
dc 1961. pp 161-166
o Individualtuno 163

DOS e stã o a p io s a t o d o e q u a l q u e r s a c r i f í c i o , q u e r d i z e r , n o
fundo, “ i d e a l is ta s " , p a r a n ó s . h o l i s t a s . a o p a s s o q u e o s ju d e u s
estão n o p ó lo o p o s t o , o u s e j a , d i r e m o s n ó s . i n d i v i d u a l i s t a s . 1*
Sem d ú v id a , e s s e t e r m o n ã o é e m p r e g a d o ; s e m d ú v i d a , t a m ­
bém . os ju d e u s s ã o a c u s a d o s d e m u i t o s o u t r o s d e f e i to s o u
m alfeitorías, m a s c r e i o s e r l e g i t i m o d e s t a c a r e s s e ú n i c o t r a ç o
do o c ea n o d e t o r p e z a s q u e H i t l e r a t r i b u i a s e u p r i n c i p a l i n i ­
migo. Já n o d i á l o g o d e E c k a r t . o c r i s t i a n i s m o — a p r e g a ç ã o
igualitária d e P a u l o , q u e t r i u n f o u — é a p r e s e n t a d o c o m o u m
bolchevism o f a b r i c a d o p e l o s j u d e u s . N o M e in K a m p f. o s j u ­
deus sã o r e s p o n s á v e is , s e n ã o p e l o c a p i t a l i s m o c o m o u m t o d o
e pela s o c ie d a d e m o d e r n a , p e l o m e n o s d e t u d o o q u e a í é d e c i­
d id am en te p e r v e r s o , c o m o a t r a n s f o r m a ç ã o d a t e r r a c m m e r c a ­
doria, a s s o c ie d a d e s p o r a ç õ e s , a o r i e n t a ç ã o d e s t r u t i v a d o m o ­
vim ento o p e r á r i o ( M K , p p . 3 3 8 - 3 5 8 ; M K f r . , p p . 3 0 8 - 3 2 6 ) .
H á, s o b r e t u d o , d u a s p á g i n a s m u i t o c la ra s* * * c m q u e o s
judeus s ã o c a r a c t e r i z a d o s p e l o “ i n s t i n t o d e c o n s e r v a ç ã o d o
in d iv íd u o ", o " e g o í s m o d o i n d i v í d u o " . C o m o o s a n im a is , e le s
aglom eram -se n a h o r a d o p e r i g o , p a r a s e d i s p e r s a r e m d e n o v o
logo q u e o p e r ig o p a s s o u . E le s s ó c o n h e c e m , n o p l a n o c o le t iv o ,
o “ in stin to g r e g á r i o " , o q u a l . n o f u n d o , n a d a m a is é d o q u e
um a m a n if e s ta ç ã o c i r c u n s t a n c i a l d o i n s t i n t o d e c o n s e r v a ç ã o .
T erem os q u e n o s l e m b r a r d e s s e t r a ç o . M a s d i r e i d e i m e d i a t o
que H itle r p r o j e t o u n o s j u d e u s a t e n d ê n c i a i n d i v i d u a l i s t a q u e
senda c m si m e s m o c o m o u m a a m e a ç a â s u a d e v o ç ã o " a ria n a * *
à c o le tiv id a d e .
O b s e rv a se n o M e in K a m p f u m c e r t o r e s p e i t o p e l a r e l i ­
gião. e m e s p e c ia l p e l a I g r e j a c a t ó l i c a . P o r u m a p a r t e , é d e
ordem tá tic a ( p a r a t r i u n f a r , é n e c e s s á r i o c o n c e n t r a r o a t a q u e
e x clu siv am e n te c o n t r a o s j u d e u s — p e l o m e n o s , p a r a c o m e ­
çar**) e . p o r o u t r a , t r a t a - s e d o p o d e r i o c d a e s t a b i l i d a d e d a

* Hitler pode e m p re g ar a p a la v ra “ indiv id u alism o '* p a ra oa n So-judeus


Am1>b. fala d o “h ip e rin d iv id u a lis m o " d o a a le m ã e s, m as ¿« sig n a p o r eaae
Krmo o extrem o p a rtic u la ris m o re g io n a l d a A le m a n h a (.MK. o 437;
W C f r . p 394)
MK. pp 330-331. u m p o u c o o b s c u re c id a s n a tra d u ç ã o . M K f r . p p .
*01 10?.
* A 8 d s fevereiro d e 194?. (f itte r, fu rio s o c o n tr a oa m in istro s d a s con-
***** Cristis, p ro m ete l iq u id ó lo s n o s d e r a n o s seguinte*, p o rq u a 4 pro-
«no “exterm inar a m e n t i r a ' (H iller'» T a b le T W â. 1941-1944. L o n d res.
« t e á n f s M A N i c o tto n . 1 9 7 3 . p . 3 0 4 ) .
164 A doença lolalilárit

Igreja como organização — um m odelo longínquo para o


partido — c não da Igreja como com unidade de crentes.
Até que ponto »c encontra cm Adolf H itler a dimensão
hierárquica do holismo? Teoricam ente, cum priria distinguir
•q u i entre a hierarquia como expressão de valores e o poder,
e isso é justamente difícil. Entretanto, pode-se dizer que, a par
de alguns traços verdadeiramente hierárquicos, o que domina
é a utilização de uma fraseologia tradicional para exprimir ou
mascarar essas novas relações. Assim, na divisa dada i s SS
por Himmler: "M inha honra chama-se fidelidade" (Meine
Ehre heisst Treue). podemos ver uma evocação do ideal da
aristocracia feudal mas que, pelo contrário, deve fazer pensar,
na verdade, nos grandiosos desfiles nazistas em que cada átomo
humano marcha cm passo de ganso enquanto o Führer, objeto
exclusivo da fidelidade dc cada um. vocifera do alto de uma
tribuna e teatraliza um transe cm que a angústia dc cada um
se converte numa força indescritível. “ Atomizaçlo", eis umi
palavra que acode com freqüência nos melhores livros sobre o
nazismo, e ela traduz bem esse tèie-à-the entre a m asa e o
líder, tio longe da rede medieval da honra e das fidelidades.
O Mein Kampi contém várias menções ao "princípio aris­
tocrático da natureza" IMK. p. 69; MK ír., p. 71, etc.), mas
essa é a expressão do que se poderia cham ar o seu darwinismo
social: o forte triunfa do fraco, e aí se encontra a verdadeira
medida dos valores. Como disse bem lean-Picrrc Fayc. essa t
" a equivalência do bom e do forte, do mau c do f r a c o " u m a
relação de forças erigida em princípio moral. Ou aeja, uma in­
versão pura c simples do "princípio aristocrático". Para além
do disfarce da luta de todos contra todos numa linguagem
tradicional, detenharno-nos por um instante sobre o essencial;
a força erigida em valor. Rauschning foi profusamente criti­
cado na literatura subseqüente ao seu Râvoiuúon du nlhilim t
(trad, francesa dc 1939). por ter definido o nazismo como o
poder pelo poder, o poder que assentava apenas em si mesn».
Objctou*se que o poder estava a serviço dc certos fins. Se
nos perguntarmos quais eram os fins fundamentais. Hitler rcr *

** F*r*. °P ri/ . p 5M Serundo esw tutor <p M1 e not«í, Hitter


tmhi encontrado mim» puMica<io antisemita r tra w it (Oslara wtrm
tero de 1V06». * expressão 'o pensamento i<õUache, princípio ariitocri
tk o do oosao tempo".
o ImtirUuetãmo !6 5

yooJe-nos en» te rm o s m u it o p r e c is o s : o p o d e r , a d o m in a ç ã o
«pe produz ou m a n ife s ta a e x c e lê n c ia . S e a b s tr a ir m o s d o s fin s
de «¿anee in te rm é d io , c s e le v a r m o s u n i c a m e n t e c m c o n ta e ssa
ccoxpção d o p ró p rio H i t le r . R a u s c h n in g n ã o e s ta v a , p o r ta n to ,
errado. Assim, a d e r ro ta d o s n a z i s t a s ju lg o u -o s d e a c o r d o c o m
o próprio c rité rio p o r e le s a d o t a d o , c s e u s líd e r e s c o m p re e n d e ­
ram-no p erfeitam en te.
Em sum a. a n o s s a p e s q u is a d o s tr a ç o s b o lis ta s (o u " n ã o -
®oderoos”) n o S tein K trm p f m o s tr o u - n o s , s o b r e t u d o , a p a rê n ­
cia c devolveu-nos. a m a i o r i a d a s v e z e s , à in te r v e n ç ã o d e u m
elemento h e te ro g ên e o q u e n o s r e s t a a g o r a id e n tif ic a r .
Chegamos a o s tr a ç o s i n d iv i d u a li s t a s ( o u " m o d e rn o s ’') d a
concepção d o m u n d o d e H i t le r , f. s o b r e c ie s q u e s e d e v e in sis­
tir para c o m p re e n d e r o f e n ô m e n o , p o is s ã o e le s q u e g e ra lm e n te
panam d e sp e rc e b id o s.
C onsiderando-se q u e H i t le r d e s c o n f ia d o s id e a is c d a s
ideologias, lev a d o s è c o n ta d e v e íc u lo s d e in te re s s e s o c u lto s ,
e qoe ele confessa s e r n e c e s s á ria u m a d o u t r in a p a r a . s o b re tu d o ,
fsbmcter a m assa a f o r ç a , é Ifc ito i n d a g a r se e x is tia v e rd a d e i-
rw ente, p ara e le . a lg o a q u e e s tiv e s s e r e a lm e n te lig a d o , a lg o
caique acre d ita v a se m s o m b r a d e d ú v i d a . R e s p o n d e re m o s q u e
híria. pelo m e n o s , u m a c o is a : a lu ta d e to d o a c o n tra todos.
Luta pela v id a . p e lo p o d e r o u a d o m in a ç ã o , p e lo in te re s s e ,
cá onde e sta v a , p a r a H i t le r , a v e r d a d e ú l ti m a d a v id a h u m a n a .
Essa idéia e stá n o c e r n e d o M e in K a m p f . E is u m a f o r m u la ç ã o
completa:
A id é ia d o c o m b a t e é t ã o a n ti g a q u a n t o a p r ó p r ia
v id a . p o is a v i d a p e r p e t u a - s e g r a ç a s & m o r te e m
c o m b a te d e o u t r o s s e r e s v i v o s . . . N e s s e c o m b a te ,
o s m a is f o r t e s e o s m a is h á b e i s le v a m a m e l h o r s o ­
b re o s m a is f r a c o s e o s m a i s i n e p t o s . A l u t a < a
m ie d c t o d a s a s c o is a s . N ã o 6 c m v i r t u d e d o s p r i n ­
c íp io s d e h u m a n i d a d e q u e o h o m e m p o d e v i v e r o u
m a n tc r-s c a c im a d o m u n d o a n i m a l , m a s u n i c a m e n t e
p ela l u ta m a is b r u t a l . . . * *

! Encuno dc 1 At fevereiro d e I1»?* em K utm hach. segundo A U a


y Hitter, trail f r . . V crv.crs. G é ra rd * C ie . c o l. ‘ Marahoo*
” ** . tonto I. p 24 A «tíñale se a ú ltim a f r a tr . com « o b a tia a ç io em
oa principios ár h u m a n id a d e .
166 A doença toialitM t

E is u m l a t o d a m a i o r i m p o r t â n c i a . O b s e r v e m o s , em pri­
m e i r o l u g a r , q u e u m t a l e s t a d o d e e s p í r i t o , c é t i c o , desabusado,
a t é c í n i c o , e u m a ta l c r e n ç a b á s i c a e s t ã o c e r t a m c n t c m u ito pro­
p a g a d o s c m n o s s o s d i a s a o n ív e l d o s e n s o c o m u m , ta n to na
A l e m a n h a q u a n t o f o r a d e la . A í te m o s , p o r ta n to , u m p o n to fun­
d a m e n t a l p e lo q u a l H i t l e r p ô d e s e r r e p r e s e n t a t i v o d e se u tem po
e d e s e u p a ís . c r e f l e ti r , d e c e r t o m o d o , s o b u m a fo rm a intensi­
f i c a d a p o r s u a m o n o m a n ia , a s r e a ç õ e s e r e p r e s e n t a ç õ e s d e uma
m u l t i d ã o d e p e s s o a s d e m e io s s o c ia is v a r ia d o s . T a lv e z p o r isso
e le s e j a c t a n c ia v a d e s e r o ú n i c o q u e p o d i a , c o m u m sò dis­
c u r s o , e n tu s ia s m a r t a n t o o s i n te l e c tu a i s q u a n t o o s o p e rin e a
(K iK . p . 3 7 6 ; M K f r . . p . 3 4 1 ; F a y c . o p . c it.. p . 5 3 3 ). E le sen­
tia -s e p r o f u n d a m e n te r e p r e s e n t a t i v o , m e s m o q u e , n o Mein
K a m p f, a fim d e a p r o x im a r s u a c o n d iç ã o d a d o s tra b a lh a d o re s
q u e q u e r ia r e c o n q u i s t a r a o s m a r x i s t a s , s e r e t r a t e m a is pobre,
m a is • 'o p e r á r io ” , c m s e u s a n o s d e V i e n a , d o q u e n a verdade
tin h a s i d o (M a s e r , o p . c it.. c f . n o ta 2 3 ) .
A lé m d is s o . H i t l e r é c a r a c t e r i z a d o c o r r e t a m e n te , se m dúvi­
d a . e n t r e o s líd e r e s n a z is ta s , c o m o a q u e l e q u e p o s s u ía a capa­
c id a d e , o u a a u d á c ia , d e i r a t é a o l im i te e x tr e m o d e s u a s idéias,
d e a r c a r , c o m u m a ló g ic a i m p l a c á v e l , c o m a s c o n s e q ü ê n c ia s de
p r i n c í p i o s , u m a v e z f o r m u la d o s . E n t r e t a n t o , o s c o n te m p o râ ­
n e o s f o r a m d e r r o t a d o s p e la s c o n tr a d iç õ e s a p a r e n te s d e sua
a ç ã o . e a d i f ic u l d a d e s u b s is te , p a r a o h i s t o r i a d o r , e m elu cid ar
o s p r in c ip io s q u e d a r ia m r a z ã o a e s s a s c o n tr a d iç õ e s su p o sta­
m e n t e v o lu n tá r ia s . O r a . n õ s te m o s a q u i . p r e c i s a m e n t e , o prin­
c íp i o s u p r e m o , a b e r t a m e n te d e c l a r a d o , q u e d e v e r ia e sclarecer
tu d o . A c a b a m o s d e o l e r n o e x c e r t o a c i m a t r a n s c r i to : é sim ­
p le s m e n te o p r i n c í p i o d e " a l u t a m a i s b ru tal* * . B a sta apenas
e n t e n d ê - l o d e m o d o h i e r á r q u ic o , c o m o p r i m a d o d a lu ta d e m orte
s o b r e t u d o o q u e p a r e c e c o n t r a d i r c - l o : a p a z s e r á a c o n tin u a ­
ç ã o d a g u e r r a p o r o u t r o s m e io s , a l e g a l id a d e u m m e io d e lu d i­
b r i a r a le g a lid a d e . A te o r i a n i o f o i a r t i c u l a d a n o M e in K a mr f
e m b o r a t e j a p le n a m e n t e c o m p a t ív e l c o m o q u e a í fo i dito.
c o m o . p o r e x e m p lo , q u e o E s t a d o n ã o é u m f im c m si mas
u m m e i o d e s e r v i r o u t r o s f i n s . E o q u e a p r á t i c a d c H itler,
u m a v e z i n s t a l a d o n o p o d e r , n o s m o s t r a . N o p l a n o in terio r.
H i t l e r s a b i a q u e n ã o p o d e r i a d i s p e n s a r a s v i a s le g a is . P o rta n to ,
c o n ju g o u - a s c o r o o q u e , e m p r i n c í p i o , e l a s d e v e r i a m e x c lu ir,
o u s e ja . o s m o d o s d e a ç ã o e x t r a l c g a i s . q u e s ã o . d e co stu m e,
a p a n á g i o d o s c o n s p i r a d o r e s c q u e e s s a c a m u f la g e m pseudo-
0 /af t M » w 167

legal to m a v a a i n d a m a is a m e a ç a d o re s, a o m e sm o te m p o q u e
imunes à p u n iç à o . A s s i m , c m 1933, um m ís a p ó s a su a p o sse
joleoe n a C h a n c e la r ia , o i n c ê n d i o d o Reichstag p e r m i t e a H itle r
p j r fo ra d a le i o s c o m u n i s t a s e c ria r, a o m esm o te m p o , os
prim eiros c a m p o s d e c o n c e n t r a ç ã o . A n a lo g a m e n te , n u m p la n o
m uito d if e r e n te , e m 1 9 3 8 , m a l o b t i v e r a o " a p a z i g u a m e n t o ’' d e
C h am berlain e D a la d ic r , e m M u n iq u e , passa de im e d ia to à
ação a n ti-s e m ita c o m a " N o i t e d c C r i s t a l " . * ' E i s c o m o , q u a n d o
o io se p o d e d i s p e n s a r a l e g a l i d a d e e a p a z . t e m - s e o c u i d a d o
de en g lo b á-las e m " a l u t a m a i s b ru ta l” (c f. MK. p. 105: MK
fr., p . 1 0 1 ). E s s a t r a n s g r e s s ã o d o c o n t r a t o s o c i a l , d a s d i s t i n ç õ e s
fu n d am en tais e m q u e a s s e n t a a v i d a s o c i a l m o d e r n a e à s q u a is
todo o m u n d o s e s u b m e t e c o n f i a n t e m e n t e , a p r e s e n t a - s e . e m s u a
reco rrên cia, c o m o u m m é to d o e n c o b e rto , um p rin c íp io e s tra ­
tégico c la n d e s tin o q u e e s c r a v i z a a s i n s t i t u i ç õ e s a o d o m í n i o d a
rioléncia e q u e . l u d i b r i a n d o o u d e s o r i e n t a n d o t a n t o a s m a s s a s
Ç w n to o in im ig o , c o n trib u iu im e n s o , in d u b ita v e lm e n te , p a r a
os rep etid o s ê x ito s d e H i t l e r .

P ara a p r o f u n d a r a a n á lis e , c u m p re -n o s ta m b é m re fle tir


V *; " lu ta de to d o s c o n tr a to d o s " , n e sse d a rv in is m o
« d a l t i o g e n e r a l iz a d o e n t r e o s n o s s o s c o n t e m p o r â n e o s , o s s u ­
jeitos re a is ( o u , c m to d o o c a s o . p rin c ip a is ) s â o o s in d iv í d u o s
M d f i c o s , e é c l a r o q u e e s s a l u t a s e t r a v a v a n o s e io d e to d a
• c o le tiv id a d e . P o r t a n t o , a í e s t á p re s e n te o in d iv id u a lis m o a o
nível d a s r e p r e s e n ta ç õ e s m a is f u n d a m e n t a i s , u m i n d i v i d u a l i s m o
C i m e n t a i in s u la d o n o âm ago da c o n ce p ç ã o d o m u n d o dc
Aá° lf H itle r, s o b r e v i v e n d o a t o d o s o s a t a q u e s e a t o d o o c c ti-
Clí=w. v is a n d o o i g u a l i U r i s m o , a d e m o c r a c i a e a i d e o l o g i a e ra
*er*í- E sse in d i v i d u a l i s m o j á f o i p o r n ó s e n c o n t r a d o o u . p e lo
* o o s . os s e u s e fe ito s , p o is é e le q u e e s tá e m ação to d a a
$ k , em H itle r, a te n d ê n c ia b o lis ta é d e tid a , d e s v ia d a o u
f o r m a d a . Ê c ie q u e m . s o b re tu d o , d e s tr ó i a c o m u n id a d e d a d a

* * '«rdade que o» historiadores «ioda discutem para apurar w •


dfUnmi o Kfichtíag por ordem dos rumtaa ou doa comualiUi
ftfto lado Emit voa Salomon coots cai I f Qunt¡o**a¡tt (Mad
¿V 1* r i i . Gattlmard. I W . p J7fl como «m b cok*a escritor comxtrra
, fiirr luicdrr um potrom à rltdria paclfka Je Muflió«re Em
« 7 f«'os multo difereotts qua mostram a eilckU da camuflaiem
Aínda o amito da Salomo», asteito ram o evento, aperra-
cotí nivftr Am vnJaitc a ttc !»ma ’Q uem raber. fu cr»*> q«r ría
16* A doença louitUn •

n a v id * so c ia l c a re d u z , f in a lm e n te , à ra ç a . E sforçar-m e-ei por


m o strá Io m ais a d ia n te .
E x iste m o u tro s tra ç o s in d iv id u a lis ta s , p o r exem plo, a
tra ç o s ig u a litá rio s : h o stilid a d e à re a le z a , à n o b re z a tradicional
e a to d a n n o ç ã o d e lin h a g e m h e r e d itá r ia . D e re sto , a própria
p re te n s ã o à fu n ç ã o d e ••c h e fe " p o r p a rte d e um horneo
c o m u m re q u e r, p e lo m e n o s , a ig u a ld a d e d e oportunidades.
(E v e rd a d e q u e H itle r, n o c o m e ç o , se c o n sid e ra v a apenas o
" t a m b o r ” o u p ro p a g a n d ista d o m o v im e n to .) P a ra a ascensão i
" e li t e ” , p a ra a p ro m o ç ã o n o p a rtid o , o ê x ito e ra o único critério,
c a c o n c o rrê n c ia e n tre lid e re s fo i a té fa v o re c id a pek> Führer*
c h a n c e le r, a q u e m v em o s, c o m fre q ü ê n c ia , c o n fia r tarefas idén­
tic a s o u se m elh an te s a d iv e rs o s lu g a re s-tc n c n te s . m u ito além da
d u a lid a d e d o E stad o e d o p a rtid o . O r a , ta is riv alid ad es podem
c o m p ro m e te r o R esultado m a te ria l e , q u a n d o se tra ta de algo tio
c ru c ia l q u a n to a e c o n o m ia d e g u e r ra , e ssa a titu d e m arca pc-
re m p to ria m e n te a s u b o rd in a ç ã o d a re a lid a d e o b jetiv a às rclaçSci
n tre h o m en s, a o c o n trá rio d a te n d ê n c ia m o d e rn a A valoriza-
in d iv id u a lista o u su a s c o n c o m ita n te s p e n e tra m também por
os v ias. A ssim , o a rtific ia lis m o m a rx ista (" m u d a r o mun­
do o so c ialism o — h e rd e iro p o r u m a p a rte d o individualismo
b u rg u ê s — e o b o lch e v ism o n â o e s tã o ise n to s desses traeos
m o d e rn o s, e n ã o sc p o d e " im itá -lo s e su p e rá -lo s” (Noite, op
c ít.. p . 3 9 5 ) sem a v o c a r a si. p o r im p lic a ç ã o , inconscientemente,
cvsa c a rg a in d iv id u a lista q u e . a b e m d iz e r, é u b íq u a no tnuTxfc
c o n te m p o rá n e o . Exogcna-sc o m a rx ism o im ita n d o o : assim
m o e le d e sm istific o u a id eo lo g ia b u rg u e sa , o nazism o det-
t ú a id eo lo g ia m a rx is ta . E is c o m o : M ais reais do que
re la çõ e s d c p ro d u ç ã o , assim fo i d ito . são os próprio» ho­
q u e e n tra m n e ssa s re la ç õ e s, o u se ja. o hom em cemc
b io ló g ico , e x e m p la r d c u m a ra ç a . E ssa transposição
p a ra H itle r c m v irtu d e d o q u e é . p a ro ele. a cvidto-
d a ra ç a . m as c ia p a re c e , d e n o v o . c o n te r um a mutura
c a ra c te rís tic a : d e u m la d o , as re la ç õ e s e n tr e h o m em são mau
re ais d o q u e as re la ç õ e s c o m c o is a s , im p líc ita s na p r o d u c i ­
d o o u tro , e i se m d ú v id a o m a is im p o rta n te , an tes d st rela
ç õ e t e n tr e h o m e n s v e m . lo g ic a m e n te , o s h o m e n s que entra-r:
nessas re la çõ e s — so fism a m o d e rn o m u ito c o n h ec id o que e r
v**l* a re la ç ã o e m b e n e fíc io d a s u b s tâ n c ia e c o n stitu i o indivi­
d u o m eta físic o P a ra H itle r, a re a lid a d e q u e se e ic o n Je atri»
d a c o n s tru ç ã o m a rx ista é a v o n ta d e d e in d iv íd u o s, os judeus.
169
O b****~»

o in v e n tá rio a c i m a d o » t r a ç o s h o l i s t a s e d o s t r a ç o s i n d i -
,,dual»ta» n o M e in K a m p f 6 c c r t a m c n t c m u i t o i m p e r f e i t o ;
¡¿«a efeito, tra ta -s c a p e n a s d e u m a e s p é c i e d e d e te c ç ã o o u
localização. O e s s e n c i a l é v e r c o m o t u d o i s s o s e c o m b i n a c s e
jrticula. c q u a l d e s s e s d o t s g r a n d e s p r i n c i p i o s s u b o r d i n a o
outro, se tal f o r o c a s o . £ o q u e v a m o s a g o r a t e n t a r s u c i n t a -

R etom em os o s t r a ç o s e n c o n t r a d o s . A n o ç ã o c e n t r a l 6
dupla: lu ta d e t o d o s c o n t r a t o d o s c o m o v e r d a d e f u n d a m e n t a l
da vida h u m a n a , c d o m i n a ç ã o d e u m s o b r e o o u t r o c o m o
característica d a o r d e m n a t u r a l d a s c o i s a s o u . m e l h o r , d a s s o ­
ciedades . S e n d o a p r e s e n t a d o o i g u a l i t a r i s m o q u e c o n t r a r i a e s s a
*ordcnT s u p o s ta m e n te n a t u r a l c o m o u r n a a r m a j u d i a d e d c s -
trwçio. p o d er-se-i a c r c r — e . a o q u e p a r e c e , a c r e d i t o u - s c a
suior p arte d o t e m p o — q u e j á n ã o e s t a m o s n o u n i v e r s o i n d i ­
v i d u a l s m o d e rn o . O r a . i s s o é p u r a a p a r ê n c i a . N ã o s ó c n c o n -
traano* traç o s i n d i v i d u a l i s t a s e t r a ç o s i g u a l i t á r i o s i n e o n t e s t á -
veu ns c o n c e p ç ã o d o m u n d o d e A d o l f H i t l e r m a s s o b r e t u d o a
da d o m in a ç ã o q u e a s s e n t a s o b r e s i m e s m a , s e m o u t r o a l t ­
a r t e id eo ló g ico a lé m d a a f i r m a ç ã o d e q u e a s s i m o q u e r a
'a a tu rw a " , n a d a m a i s 6 s e n ã o o r e s u l t a d o d a d e s t r u i ç ã o d a
« » « q u i a d e v a lo r e s , d a d e s t r u i ç ã o d o s T in s h u m a n o s p e l o
individualism o i g u a l i t á r i o . N ã o h á q u a l q u e r o u t r a j u s t i f i c a ç ã o
2 * 4 « u b o rd in a ç ã o . t a l c o m o a c o b s e r v a n e c e s s a r i a m e n t e e m
f ° * * « o c ie d ad e — c t a l c o m o a m a i o r i a d o s a l e m ã e s n u n c a
d e a d m i t ir — s e n ã o o f a t o b r u t o d a d o m i n a ç ã o d e u n s
* J fe o u tro s. A ê n f a s e m u i t o a c e n t u a d a q u e s e i m p r i m e à l u t a
vi<*» <e p e la d o m i n a ç ã o ) t r a d u z p r e c i s a m e n t e a v a l o r i z a ç ã o
c a n e g a ç ã o i n d iv i d u a li s t a d a s c r e n ç a s c o le tiv a s .
P«ra m e lh o r e n t e n d e r o q u e a c o n t e c e , n e s t e c a s o . k i d e o -
'í ‘t m o d e rn a . p o d e - s e r e m o n t a r a o p a s s a d o . A s u b o r d i n a ç ã o
**J>pre c a u s o u p r o b l e m a s n e s s e q u a d t o c e i s q u e s e a p r e s e n t a .
° °n * rá río . s u b i t a m e n t e a f i r m a d a d e u m m o d o a b s o l u t o e
****** E sse r e t o m o o b s c u r e c e a c o n t i n u i d a d e h i s t ó r i c a . B a s ta
c o m o , n o d i r e i t o n a t u r a l d o * s é c u l o s X Y ’ 11 • X V H l .
'* * * « « ír io . n a m a io ria d o s c a s o s , a lé m d o c o n tr a to d e asso -
um se g u n d o c o n tr a to , u m c o n tr a to p o lític o o u d e s u b o e
p a ra fa z e r p a s s a r o s h o m e n s d o e s ta d o d e n a tu r e z a a o
so cial c p o l i t i c o . V e m o s a f m u i t o b e m q u e a s u b o r d i n a ­
r á « m s th u l u m a d i f i c u l d a d e e s p e c i a l . P e l o m e n o s , r e c e b i a s u a
**■« d s u m c o n t r a t o e s p e c i a l m e n t e c o n c e b i d o p a r a e s s e f o n
170 A doença tctaluint

Medc-se o cam inho percorrido na intensificação d o individua­


lismo quando H itler, preocupado sobretudo em construir uma
máquina de guerra, c dirigindo-se a um povo para quem «
subordinação é mais ou menos axiom ática, não encontra outra
coisa cm que alicerçá-la senão a natureza — não a natureza
social mas física, um pouco á m aneira, diga-se de passagem,
dos nossos ctólogos.
Objetar-sc-á que a dominação, o poder hitlerísta, só na
aparência 6 o seu próprio fim e está, na realidade, a serviço de
um valor, a saber, de uma raça. Mas, precisamente, cumpre
durmo-nos conta do surgimento da raça como valor. Ora, é a
luta dc todos contra todos — c. portanto, o individualismo
— que está na raiz da raça, e não o inverso. Com efeito, a
luta de todos contra todos está evidentemente se desenrolando
por toda a parte; ela deve, cm especial, tender para o enfra­
quecimento. ató a destruição, da representação da sociedade
global ou coletividade nacional c, para avançar m ais nas repre­
sentações dc Adolf Hitler, pode-se perguntar qual a concepção
da comunidade alemã que estará em condições de resistir à
sua ofensiva de desagregação. A moderna forma normal da
kdade moderna ó a nação, e as condições exteriores do
to são favorãvcis à afirmação da nação alemã c de sua
Entretanto, mesmo que o epíteto “ nacional", só ou em
O. seja abundantemente utilizado na denominação de
partidos c movimentos (ver o inventário de Faje).
" subsiste como algo bastante exterior ou su p e rfic ia l
dente mais profundo ó o VoUc. Para o p r ó p r i o H itle r,
razões suplementares para não se apoiar na idóia de
época, a nação ó vigorosamente atacada pelos inter-
e Hitler se vangloriará dc ter quebrado o in ter
socialista tradicional no proletariado. Contudo, a
não consiste, dc um modo geral, cm atacar de frente
posição defendida pelos socialistas mas, antes, cm con-
cnticai por eles desfechadas. Assim, não te di* que
existe luta de classes mas diz-se que a verdadeira luta t
a dc raças. Aliás, como o livro de Faye relembra a todo o «ar­
lante, a tçndóncia não só do nacional-socialismo mas de todo
o movimento em cujo seio ele se desenvolveu, era para absor­
ver c reunir os dois pólos — nacional e socialista — coa»
Pribram previu. Tudo indica que isso devia fazer-se em torno
da noção de VofJfc. Mas. perguntamos, qual poderia ser, ao
o I n it r id u t t liv n o *71

fundo, o s e n tim e n to d e H i t l e r c m f a c e d e s s a n o ç ã o . e d a d e
••comunidade d o p o v o ” , d a q u a l o n a z i s m o f a r i a t ã o g r a n d e
uso em se g u id a ?
V ejam os u m p a r a l e l o . O s o c i ó lo g o f r a n c ê s D u r k h c i m , a
Ton de e x p rim ir a c o m u n i d a d e d e p e n s a m e n to n o i n t e r i o r d e
uma sociedade, fa la v a d e " r e p r e s e n t a ç õ e s c o le t iv a s ” c a té d e
•‘consciência c o le tiv a ” ; a r e a ç ã o fo i v iv a p o r p a r t e d o s e m p ir is -
u> anglo-saxõcs. q u e p e r g u n t a v a m m a i s o u m e n o s : " Q u e m já
encontrou u m a r e p r e s e n t a ç ã o c o le t iv a n a e s q u i n a d e u m a r u a ?
Só existem h o m e n s d e d a m e e o s s o . ” Ê e v id e n t e q u e H i t le r ,
crente n a lu ta d e to d o s c o n t r a t o d o s , d e v e t e r r e a g i d o d e u m
tnodo se m e lh a n te e m f a c e d a n o ç ã o d e u m a e n t i d a d e so c ia l
coletiva, d e u m a c o m u n i d a d e c u l t u r a l d o " p o v o ” .
Isso p a re c e s e r c o n f i r m a d o p e l o u s o r e l a ti v a m e n t e lim ita ­
do. no M ein K a m p f. d o v o c a b u l á r i o n a b a s e d e V o tk ( V o lk s -
ffm einschaft. V o lk ss e e ie ). c o m e x c e ç ã o d e V o lk s tu m . n a c i o n a l i ­
dade, e d a “ p e q u e n a p a l a v r a ” s o b r e a q u a l F a y e i n s i s t iu , a p a ­
lavra vótkisch. V im o s , p r e c i s a m e n t e , q u e e s s e v o c á b u lo d e r iv a ­
do perm itiu a H i t le r , a p ó s a r e je iç ã o d a s " d i v a g a ç õ e s " c u ltu -
t*á. religiosas o u e s p i r i t u a i s q u e s e l h e v i n c u l a v a m , e f e t u a r a
tradição p a ra a r a ç a . d ie R a sse . O ú n i c o r e s i d u o q u e s e u v io ­
lento in d iv id u a lis m o — e n c o b e r t o — p o d i a t o l e r a r c m m a t é r i a
de c o m u n id a d e e r a a " r a ç a ” ; a s p e s s o a s p e n s a m d a m e s m a
“ •oeira e — i d e a l m e n te , p e k » m e n o s — v iv e m j u n ta s p o r q u e
**o física e m a t e r i a lm e n te i d ê n t i c a s . S e m d ú v i d a , a li á s , a t r a n -
“ Çáo d o " p o v o ” p a r a a " r a ç a ” e x t r a v a s a la r g a m e n t e d o n a c io -
niJ'* o d a lu in o m a s l im ite m o - n o s a H i t l e r . ” A f i n a l i d a d e d o E s-
¡**0 é a m a n u te n ç ã o e o d e s e n v o lv i m e n t o d e u m a c o m u n i d a d e
de seres v iv o s q u e s ã o f í s i c a c m o r a l m e n t e g le ic h a r lig " . o u s e ja .
«aaelhântes p o r q u e d a m e s m a e s p é c i e <A r t ) I M K . p . 4 5 3 ; c f .
W ? ír ., p. 3 9 1 ) . A l i á s . H i t l e r e x u l t a c o m t i d é i a d e q u e . a o
■tro de a lg u n s a n o s . t o d o s o * s e u s h o m e n s t e r i a m ac t o m a d o
" « c ia e n te id ê n tic o s ( A r c n d t . o p . c it .. p . 4 1 8 . c i t a n d o H c i d e n ) .
^ * rj c o n c lu ir s o b r e e s t e p o n t o : u m a r e p r e s e n t a ç ã o m u i t o
-'V-olgada d o s e n s o c o m u m i n d i v i d u a l i s t a m o d e r n o , a " l u t a d e
c o n tra t o d o s ” , f o r ç o u H i t l e r a v e r n a r a ç a o ú n i c o f i m -
, •* n'-o v á lid o d a c o m u n i d a d e g l o b a l e . e m g e r a l , a ú n i c a
da h is tó r ia . O r a c i s m o r e s u l t a , n e s s e c a s o . d a d e s a g re g a -
140 ^ r e p re s e n ta ç ã o b o l i s t a p e l o i n d iv i d u a l i s m o .
a ^ o te m o s q u e . e m s e u p a p e l f u n c i o n a l c o m o s u b s t i t u t o
'* « * u e m a r x is ta , a r a ç a h i l l e r i s t a é r e la t i v a m e n t e d é b i l : e tn
172 A doença M elu M i

última análise, cia apenas justapõe individuos que, como tais,


nem mesmo possuem na vida corrente a solidariedade que
pode ser experimentada pelos membros de uma mesma classe
— por exemplo, os trabalhadores cm luta por suas reivindica­
ções. Mas a concepção racista ativa é o anti-semitismo, o único
que pode alicerçar a representação abstrata cm nível popular.
Só ele d capaz de unir "racialmcntc" a população alcmi, a
qual, de outro modo. permaneceria dividida, ao que nos é diso.
cm quatro “elementos raciais", entenda-se. quatro “raças"
diferentes. Rauschning pôde dizer, nesse sentido, que os judeus
eram indispensáveis a Hitler. Entretanto, se Hitler foi obceca­
do pela idéia de os eliminar e se decidiu, finalmente, extermi­
né los. nào foi somente porque constituíam, segundo ele. a anti-
natureza desviando a história do seu curso normal — pode-se
ver ai uma simples racionalização espcculotiva — nem mesmo
porque precisava de intensificar a guerra cm todas as frentes.
Mais profundamente, observamos um paralelismo entre
dois opostos. A luta. como dissemos, era para Hitler entre ot
judeus, de um lado, o ele. só ele. do outro. Quis erguer siste­
máticamente sua vontade contra a suposta vontade deles. Via
nos judeus os agentes da destruição, individualistas portadores
de tudo o que ele odiava na modernidade, o dinheiro anônimo
e usurário. o igualitarismo democrático, a revolução marxista e
bolchevista. Mas vimos que o próprio Hitler estava contami­
nado por esse veneno que pretendia combater. O individualis­
mo da luta de todos contra todos minava em seu espirito
aquilo em que desejava poder crer e em que ot alemães dniam
crer: a “comunidade do povo". Portanto. é verossímil que. a
favor da simetria quc os opunha. Hitler tenha projetado nos
judeus o individualismo que o dilacerava. O extermínio dos ju­
deus aparece, no mais profundo, como um esforço desesperado
de Hitler para desembaraçar-se de sua própria contradição fun­
damental: nesse sentido, foi também uma pane de si meuno
que Hiller tentou aniquilar.
Gostaria de acrescentar uma observação. Assinalei mito
outro trabalho o paralelismo entre a concepção hitleritta < i
obsetsáo do "poder" na politologia contemporânea </M£ /.
p. 19). Tendo explorado até ao fim a lógica da aberração, per
ccbe-sc quc. nesse plano. Hitler apenas empurrou até ãs últimas
conseqüências representações multo comuns cm nona ¿pees
quer seja a “luta dc todo» contra todos", espécie de lugar
o» in
c o w » d a i n c u l t u r a , q u e r s e j a t e u e q u i v a l e n t e m a is r e f i n a d o ,
a red u ção d o p o l ít i c o à n o ç ã o d e - p o d e r " . O r a . u m a v e r a d m i ­
tida» t a b p re m is s a » . n ã o »e e n x e r g a , c o m a a j u d a d c H itle r ,
e que p o ssa im p e d ir a q u e l e q u e d i s p õ e d o s m e io s p a r a t a n t o ,
dc e x te rm in a r q u e m m u i t o b e m l h e p a r e ç a , e o h o r r o r d a c o n -
d m ã o d e m o n s tra a f a ls id a d e d e s s a s p r e m is s a s . A re p ro v a ç ã o
■Bocrsal roo»tra a e x is tê n c i a d e u m a c o r d o s o b r e v a lo re s , e q u e
0 poder p o lític o d e v e e s t a r s u b o r d i n a d o a v a lo re s . A e s s ê n c ia
da vida h u m a n a n ã o t a l u t a d e to d o » c o n tr a to d o s , e a te o ria
política n ã o p o d e s e r u m a te o r i a d o p o d e r m a» u m a te o ría d a
M o n d d c le g ítim a . A lé m d is s o , d e v e e s t a r c la r o , a o té r m in o
d e su a n álise, q u e a g e n e r a liz a ç ã o d a n o ç ã o d c " v io lê n c ia " ,
com d esprezo p e la s d is tin ç õ e s f u n d a m e n ta is n o m o n d o m o d e r­
no (entre p ú b lic o c p r i v a d o , e t c .) , é d c e s p í r it o to ta litá rio e
1 ameaça-nos d e b a r b á r i e (c f. H A E I. p p . 2 2 - 2 3 ) .

Poderem os, p a r a u m a c o n c lu s ã o g e ra l, te n ta r d e s ta c a r
n u perspectiva d c c o n ju n t o ? E ta s e rá n ã o s o m e n te e s q u e m á ­
tica mas e sp e c u la tiv a ; te re m o s d c c o m b in a r, c m te rm o s ire-
qáta tr m tn te a p ro x im a tiv o s . o s ju lg a m e n to s h ip o té tic o s e as
I
«Dodmõcs m ais b e m e sta b e le c id a » o u m a is v e ro ssím eis. P o r
b c c n o q u e seja o re s u lta d o , ta lv e z e le n ã o se ja d e sp re z ív e l n o
— ado a tu a l d o s e s tu d o s .
No p lan o id e o ló g ic o m u n d ia l, o n a z is m o fa z p a rte de um
pmccMo dc in te n s ific a ç ã o e d e s o b re v a lo rtra ç ã o v in c u la d o á
« r a ç ã o d a id eo lo g ia in d iv id u a lis ta d om í n a m e c d a s ctd-
»w*s p articulares d o m in a d a * . D e sse p o n to d e v ista , e tc faz
pvne da in te ra ç ã o d a A le m a n h a e d o m u n d o , o q u e é e v id e n te .
mm dúvida, m as n ã o p o d e s e r e sq u e c id o .
No p lano a le m ã o , a s s in a le -s e q u e a c o n stitu iç ã o p d l iK J
• t e r m i n a n ã o rc su lta v a d a a p lic a ç ã o siste m á tic a d e um a
**dcgta m as d a m o d e rn iz a ç ã o o u a d a p ta ç ã o e m p íric a à* coo-
m odernas (d a í. c m p a r te , a fu s ã o d e a rc a ís m o e d e mo-
r “*iósde em q u e o* h is to ria d o re s in siste m p o rfia d a m e n te ).
**** sistema, u m a vez v a r rid o p e la d e r ro ta , tev e c o m o m u í
’ W a c o n stitu iç ã o d e m o c rá tic a e p a rla m e n ta r d e W e im a r
Z 7 * .««Mida, pelos d e fe n so re s d a id eo lo g ia tra d ic io n a l, c o m o
•sã» « « ra o g e ira — m c o n v e rsã o d e T h o m a s M an n é,
m i d » , um fa to e x c e p c io n a l. N esse p o n to , tu d o se passa
i i f í í* * A lem anha tiv esse sid o in tim a d a p o r su a situ ação .
d d e o d e r fU i C ü!lur* m ^ t a s a i cvstrsa m m m x Aa M iran.
m A doença loUtil4ha

feira, • criar um modelo de constituição política que estivesse


cm conformidade com a sua ideologia. Ora, Príbram ensinou-
ooa que »e trataria necessariamente de urn “ nacional-socialismo"
(sendo "loctaUimo" entendido na acepção de organização glo­
bal). Temo» a( urna dupla determinação: uma determinação
camal (ai condiçóes causais) e uma determinação ideológica
(«introdução de um aspecto bolista) mas as duas reunidas so­
mente no» dão ainda um aspecto do real e não o nacional-
socialismo tal como existiu de fato. Cumpre assinalar, de resto,
que o problema não foi resolvido: o nazismo não construiu
tana constituição política e afirmou-se até que. falando rigoro­
samente, nem mesmo houve um Estado nazista. Isso nio i
um mero acaso: o racismo permitiu ignorar o problema e Hitler
preveniu no Mein Kampj que o Estado seria apenas um meio
a serviço da raça.**
P ercebe se o género de questáo a que chegamos c que se
pode, no máximo, formular cm abstrato, especulativamente: o
papel principal desempenhado aqui pelo racismo será contin­
gente oa. pelo contrário, o problema político será iroo! úve!
e o racismo impôs-se necessariamente? No plano individua!,
ver. no próprio Hitler, o racismo abstrato ou leó-
r da desintegração individualista da representação
da “comunidade". A proposição poderia muito bem ser
lirivel, nio somente aos círculos alemães \<õlkisch mas.
modo muito mais amplo, até alguém que se coloca fre­
quentemente na origem do racismo europeu, o conde de Bou-
vdlters, em quem teria nascido de uma crise da representa-
bcéuta e hierárquica das “ordens" ou “estados” sociais
, clero, terceiro estado).
piano coletivo, uma vez que traduzida em cultura
a nação loma-te Voüc. a transição seria inevitável, nas
i dada», do Voik. povo ou cultura, para a “raça"?
bem claro que nio se trata de supor que o povo
moo-»e racista, em maioria ou dc qualquer outro
0/rfriiurtmo 175

sed), sob Hitler; tratase somente do fato de que o poder


an ñas máos de um grupo racista. Admitimos que a ideolo­
gia do Vo/Jt náo era racista, cm todo o caso de um modo
predominante, antes de 1918. Observamos que ela só respondia
ratio a exigencias sociais relativamente limitadas. Depois de
1918, ela viu-se, de certa forma, intimada pela história a res­
ponder a uma exigência nova, propriamente política, a saber;
j "renovaçáo da concepto do Estado". Essa exigência, sem
dúvida desmedida, terá — finalmente — levado Hitler à Chan­
celaria c. desse modo. empurrado a Alemanha para o racismo?
A pergunta è um tanto retórica no estado atual. Ela tem, pelo
neoos. o mérito de recordar que a consciência nacional tem
teus problemas, na Alemanha c alhures.
2. O PRINCÍPIO
COMPARATIVO:
O UNIVERSAL
ANTROPOLÓGICO
V
M ARCEL MAUSS:
UMA C I Ê N C I A E M D E V E N I R *

Claude Lévi-Strauss esc re v e u u m a " I n tr o d u c tio n à l'o e u v re


de Marcel Mauss” q u e é im p o rta n te e . c re io , in d isp e n sá v e l se
te quiser com preender o im p a c to d a s id é ia s d e M au ss so b re as
questões da antropologia c o n te m p o râ n e a . N ã o a c o m p a n h a rei a
crítica de certos sociólogos, se g u n d o o s q u a is o p e n sa m e n to d e
Mauss teria sido d esviado, nesse e s tu d o , p a ra u m a d ire ç ã o e s ­
trutural. pois acredito q u e o se u a u to r fo i fiel à in sp ira ç ã o
profunda de M auss. O u tro s d isse ra m q u e L év i-S trau ss ap re-
tentara Mauss com o m ais filo só fico d o q u e ele n a re a lid a d e e ra .
Vindo depois dele, c com o o a sp ecto m a ts e v id e n te d e M au ss é.
tem dúvida, a sua ten d ên cia c o n c re ta , n ão p o d e ria e u a d o ta r
uma perspectiva m ais m o d esta e c o n te n ta r me cm vo s m o stra r o
interesse de Mauss pelo c o n c re to ? S o b re isso c o n su ltei alguns
amigos, antigos alunos d e M auss, p o rq u a n to era m in h a in te n ­
ção oferecer mais d o q u e u m a o p in iã o p u ra m e n te p essoal. E les
•miíram e ajudaram -m e a c o n c lu ir c o m m a io r p recisão : M auss
cri um filósofo, um teó rico q u e se v o lta ra p a ra o c o n creto ,
que aprendera ser som ente em c o n ta to e stre ito com os dad o s
que a sociologia pode p ro g red ir. £ desse asp ecto fundam enta]
que vou falar. G ostaria d e m o stra r com o. com M auss. a s o ­
ciologia francesa o u , m elh o r, a sociologia n a F rança, atinge o

* Reproduzido de L 'A rc. 4«. P e r i l. 1972. p p - »-21. C o n feren cia p ro f*-


«di em ingle* em O x fo r d , em 1952. c o m o c o n trib u iç ã o p o r » um * wérim
fedK*d« à h iitória d * lo c io lo g l* n* F ra o ç *
180 Mareei Mauss: uma átncia em devenir

seu estágio experimental. A fórmula pode parecer excessiva;


esforçar-mc-ei por justificá-la.
A tendência concreta de Mauss é inteiramente caracterís­
tica. se o comparamos com Durkheim. Embora estivesse, sem
dúvida, voltado para os fatos, Durkheim pode, entretanto, ser
considerado o último de uma estirpe de pensadores abstratos.
E inegável que ele fixou as regras para o estudo dos fatos, de­
sejou dar e deu o exemplo de tais estudos; mas não 6 menos
verdade ter sido com Mauss que a percepção concreta reagiu
verdadeiramente sobre o quadro teórico. Direi que Durkheim
ainda era um filósofo. Mas. para o próprio Mauss. Durkheim
era, sobretudo, o fundador da sociologia e reserva a qualidade
de filósofo para Lévy-Brahl, enquanto que. por outro lado, es­
creveu a propótito do método de trabalho de Hertz: "O pla­
no roodificava-se com os fatos, e os fatos não existiam para
ilustração, pois Hertz era um homem de ciência c não apenas
um filósofo" {Revue de l'histoire des religions, tomo 86. 1922,
p. 58 ).
Essa d ife re n ç a , q u a s e u m a c o n tra d iç ã o , e n t r e a necessida-
d e p ro fu n d a de M auss d o s d a d o s c o n c re to s e a in c lin a ç ã o abs­
tra ta d e D u rk h eim , im p re s sio n a v a v iv a m e n te o s a lu n o s de
- M au ss. e s u rp reen d ia m -se p o r n ã o a e n c o n tr a r e x p re s s a sob a
i fo rm a de divergências te ó ric a s, ê q u e M a u s s p o s s u ía o sentido
da so lid a ried ad e n o tra b a lh o c o le tiv o e e r a d e v o ta d o & m em ó­
ria d e D u rk h e im : fie l a D u rk h e im c o m o seu d is c íp u lo e h e r­
deiro, e le q u e ria m ais m a n te r v iv a a in s p ira ç ã o co m u m a am ­
bos do q u e in s is tir n a s d iv e rg ê n c ia s d c d e ta lh e . D urkheim
fornecera ura q u a d ro te ó rico c u jo v a lo r, p a ra f in s d e pesquisa,
era sublinhado p o r M au ss. s e m p re q u e a o c a s iã o se lh e deps-
raVa Garantido esse la d o , a p re o c u p a ç ã o p rim e ira d e M a u » ,
sobretudo em sua» c o n fe rê n c ia s d c o rd e m d e m e n ta r , d iz ia res­
peito x x dados. É p e rfe ita m e n te e v id e n te q u e o q u e e le espe-
rava do* dados era a reação s o b re a te o ria . S e lh e acontecí»
lamentar-te era a propósito das c irc u n s tâ n c ia s q u e n ã o perm i­
tiam aos estudos desenvolvercm-sc tão ra p id a m e n te q u a n to o
grupo de L’Année Sociotogique tinha s o n h a d o , preencherem
lacunas, colocarem carne sobre os ossos do esqueleto teórico
Ele estava tão imbuído da idéia dc que os co n h e cim e n to s dc
fato deveriam mudar as teorias anteriores que não pôde evitar
exprimir sua decepção quando teve notícia da terceira edição
da obra de Frazer, The Golden Bough (O Ramo d e Ouro): os
O Individualismo 181

falos acum ularam -se m as n ã o m o d ific a ra m as id é ia s, o tonel


cresceu em proporções m o n u m e n ta is , m a s c o n té m a m esm a
quantidade de v in h o .
Se se diz q u e M au ss n ã o c o n s tru iu u m s iste m a , o q u e
significa, então, essa c r ític a ? E v e rd a d e q u e e le n ã o a co n s­
truiu. não era a su a in te n ç ã o c se ria u m e r r o ju lg á -lo co m o se
ek tivesse qu erid o co n stru f-la.
Mauss era um a p esso a fa s c in a n te . E im p o ssív el fa la r d o
slbio sem evocar, m esm o d e p a ssa g e m , o h o m e m . P ro v a v e l­
mente o segredo d c su a p o p u la rid a d e e n tr e n ó s e s ta v a cm q u e .
ao invés de tan to s m estres a c a d é m ic o s , p a ra e le o co n h ecim en ­
to não era um d o m ín io s e p a ra d o d a a tiv id a d e : su a v id a to r­
nara-se conhecim ento c seu c o n h e c im e n to v id a . c e r a p o r isso
que podia exercer, so b re a lg u n s d c n ó s, c m to d o o caso . um a
influência tão g ran d e q u a n to a d c u m m e stre em re lig ião o u
um filósofo. E isso en v o lv e m a is d e u m p a ra d o x o .
Por exem plo, seu e n s in o c lc m e n to r d e stin a v a -se sim ples­
mente a tom ar seus a lu n o s c a p a z e s d e o b s e rv a r c re g istra r as
«iias corretam ente. T al c o m o se v e rific a n o S f a n u e t d ' E t h n o -
pdphit, o qual foi re d ig id o c o m b a s e nos a p o n ta m e n to s d e
*eus ouvintes, esse e n s in o p o d e p a re c e r q u e c o n siste n u m ca-
t% ) dc fatos, acrescid o s d e in s tru ç õ e s q u e . c o m fre q ü ê n c ia .
d e u m ca rá te r t ã o g e ra l q u e t ê m o a r d e t a u t o l o g í a o u d c
mfar-comum. Em t i l t i m a a n á l i s e , c ie d i z i a - n o s q u e h a v i a m u i -
'o d c itto e dc a q u ilo a o b s e r v a r , e q u e m u i t a s i d é i a s e m a n e i -
^ de f a z e r h u m a n a s d o r a d a s d c v a l o r a p e n a s a g u a r d a v a m .
I’0 ' t o d a a p a r t e , s e r e m r e g i s t r a d a s . . . n a d a m a i s t í n h a m o s a
***** senão i r a t é l á p a r a v e r . 6 c l a r o , d e v í a m o s s a b e r o q u e
£ * « rá v a m o s c , a o m e s m o te m p o , s a b e r q u e tu d o e s tá e tn
r ® - •. T u d o so m a d o , m u ito fá c il e m u ito d ifíc il. E e r a tu -
t A b solu tam en te n ã o : u m e s t u d a n te q u e c u r s a v a e tn o lo g ia
d is c ip lin a f a c u lt a t iv a d i s s e - m e u m d i a q u e . v i a j a n d o n a
r e f o r m s d e u m ô n ib u s , d e s c o b r ir a q u e a r e la ç ã o q u e s e n tia
e le * * e u » v i z i n h o s s c t r a n s f o r m a r a e m v i r t u d e d a s l i ç õ e s
T a lv e z s c d ig a q u e n a d a d e c ie n t íf ic o e x is t e n is s o .
Io ‘ *C r- E m t o d o o c a s o . g r a ç a s a M a u s s . t u d o . m e s m o o g e s -
I n s ig n ific a n te , a d q u ir ia u m s e n t i d o p a r a n ó s . F i e v a n -
d e r e c o n h e c e r u m i n g l é s n a r u a p o r seu m o d o d e
( v « r s e u l i v r o Techniques du Corps). C o m M a u s s . a
1(4 c u l t u r a c l á s s i c a e m q u e h a v i a m o s s i d o c r i a d o s e x p lo d i*
num humanismo mais amplo, mais real, abrangendo todos ot
povos, todas as classes, todas as atividades.
Íamos procurá-lo no final de uma aula c ele deixavn**
duas horas depois na outra ponta de Paris. Falara o tempo
todo enquanto caminhava e era como se os segredos de raças
longínquas, um fragmento dos arquivos da humanidade, nos
tivessem sido revelados por um especialista sob a forma de
uma simples conversa, pois ele tinha feito a volta ao mundo
sem sair de sua poltrona, identificando-se com os homens atra­
vés dos livros. Daí o tipo de frase tão comum nele: eu como...
cu maldigo... eu sin to.. . significando, segundo o caso, o me-
lanésio de tal ilha come, ou o chefe Maori amaldiçoa, ou o
índio Pueblo sente. Se Mauss sabia tudo. como tínhamos o
costume de dizer, isso náo o levava a explicações complica­
das. Muito pelo contrário, era — e isso continua sendo uma
dificuldade de monta com ele — que o seu conhecimento se
revestia de uma forma tão real, tio pessoal, tio imediata, que
assumia freqüentemente o aspecto enganador de declarações
ditadas pelo senso comum. Eis um exemplo. Fui certa vez
pedir-lhe conselhos a propósito da "couvade".* Era de ma­
nhã. Mauss terminou sua ginástica na varanda e tomou o café
da manhã, falando dos belgas, dc suas torradas com manteiga
c dc muitas outras coisas. E perguntou: "Vocé sabe como ca
ingleses reconheceram que loana d’Arc prisioneira, toda vestida
dc guerreiro, era uma mulher? Pois bem. ela estava sentada
c alguém jogou algumas nozes sobre os joelhos dela e. para
impedir que caíascm, em vez de aproximar os joelhos, afastou-
os, como para estender a saia que habitualmentc vestia.*4 (Vtm
a saber mais tarde que essa história está em Mark Twain)
Consegui finalmente pronunciar algumas palavras sobre o obje­
tivo de minha visita, ou seja. a "couvade", o patriarcado e o
matriarcado, etc. "£ muito mais simples do que tudo isso, o
nascimento náo i um acontecimento insignificante, é perfeita
mente natural que os dois pais para cie contribuam." Dope-
di me pouco satisfeito com essa resposta enigmática e carrr
gando um grosso livro. Pensei, como outros cm circunitiooit

Couvmí* ; coatumc de vária* trib o * pfioutivaa. na. q u it o pa á>


uma otaos* «to* acaba d* m k o raaiiu determinado* rilo*, « a »
d* rama durante várto* dia*, como w tim a* i.Jo ele qorm deu I W
0 rtcíro natodo (N do T .)
o I máMdtttUsmo IU

semelhantes: e le é m a r a v il h o s o , m a s n ã o se rá tu d o isso u m
pouco sim p le s d e m a i s ? Q u e q u e r e le d i z e r ? A lg u n s d ia s dc-
poU. c o m p re en d i e a v a lie i a d i f e r e n ç a e n t r e u rn a c e r ta esp é cie
de p edantism o c o c o n h e c im e n to d e M a u s s . E is p o r q u e s u s te n ­
to que M au ss r e c e b e r a d o c é u a g r a ç a e s p e c ia l d e s e r u m h o ­
mem de c a m p o se m s a i r d e s u a p o l tr o n a .

A c a rre ira a tiv a d e M a u s s . d e s d e o in íc io d e s u a d o c ê n c ia


na facu ld ad e d e f ilo s o f ia , a o s 2 3 a n o s , a té s u a ju b ila ç ã o cm
1940, aos 6 8 a n o s , p o d e s e r d i v id i d a e m tr ê s p e río d o s . O p r i­
meiro vai a té 1 9 1 4 ; M a u s s é e n t ã o u m e s p e c ia lis ta c m reli-
p&cs, p rin c ip a lm e n te a s p r i m i t iv a s e a i n d ia n a , q u e te m u rn a
participação im p o r ta n te n o m o v im e n to d e L 'A n n é e Socioiogi-
que, sob a d ir e ç ã o d e s e u t i o D u r k h c i m . E u m p e río d o d e
entusiástico t r a b a lh o d e e q u i p e , d e n u m e r o s a s e b r ilh a n te s p u ­
blicações. A té 1 9 0 0 . M a u s s t i n h a e s t u d a d o a filo lo g ia sá n s c ri­
ta e c o m p a ra d a , a h i s t ó r ia d a s r e lig iõ e s c a a n tr o p o lo g ia , c o m
mestres e m P a ris c o m o M e illc t. F o u c h e r . S y lv a in L év i q u e . se­
gundo p a re c e , c o n s id e r a v a m s e u a l u n o u m g ê n io c la m e n ta ­
vam. até c e rto p o n to , a e x c e s s iv a in f lu ê n c ia q u e se u t io e x e r ­
cia sobre e le ; n a H o l a n d a , C a l a n d ; e m O x f o r d . T y lo r c W in -
teraitz.
Em 1 9 0 1 , M a u s s é n o m e a d o p a r a a E s c o la d e A lto s E s­
tudos, n a c á te d r a d e " H i s t ó r i a d a s R e lig iõ e s d o s P o v o s N A o -
O v ilira d o s". A o m e s m o t e m p o , c d e s d e o c o m e ç o , tin h a s o b
w a re sp o n sa b ilid a d e a s e g u n d a s e ç ã o d e L ’A n n A e S o c io lo g i­
s t* . d e d ic a d a k s o c io lo g ia d a r e lig iã o , e p u b lic a v a to d o a o s
•aos. com a a ju d a d c H u b e r t , s i n o p s e s m u i t o d e t a l h a d a s c Lns-
trtt,rv>* d e to d a s a s p u b l i c a ç õ e s d e a lg u m a im p o r t â n c i a n a s
* * * • a b ra n g id a s p e lo a n u á r i o . E ssas c o n d en saç õ es são . em
P*n« c o n sid e rá v e l, o b r a d o p r ó p r i o p u n h o d e M a u s s ; a c a b o
** r* l « e d u v i d o m u i t o q u e e x i s t a c m q u a l q u e r o u t r a p a r
** 9 U« *c lh e s o o m p a r e ; c a d a o b r a e r a r e s u m id a c o m cx-
c u id a d o , a n te s d c s e r e lo g i a d a o u c r i t i c a d a , c o r r ig id a
^ c o n t p l e i n d s . c t u d o is s o d o p o n t o d e v is ta e x c lu s iv o d o
•-'fthctim cnto. E m n e n h u m m o m e n t o a s t e o r i a s s o c io ló g ic a s sã o
y t H U J a s c o m o o u t r a c o is a s e n ã o f e r r a m e n t a s — m a s f e r r s -
• n d n p e n iá v c is k p e s q u i s a . T o d a a h u t õ r i a . o s re s u l-
* « p ro b le m a s d a e s p e c i a l i d a d e n a é p o c a s ã o re s u m id o s
•"•«•«rslm ento n e s s a s p á g i n a s .
114 Mareei Mauu uma cU nné em de**»

Mm já que nos referimos às publicações de Maui*, cuts


pre lembrar que ele jamais produziu um livro m as apenas ar
ttgoa, por vezes muito extensos, é certo, gcralm ente intitulada
"ensaio" ou ainda "esboço". Além disso, quase todos des í»
ram escritos em colaboração com algum ou tro cientista, tein t­
uido o historiador das religiões, arqueólogo e tecnólogo Horn
Hubert, mas também com Durkhcim, Fauconnct ou tícuchu.
Isso tem sido interpretado de muitas m aneiras, ora como de-
monstraçáo de que esses cientistas haviam alcançado o ido!
do trabalho coletivo, ora como prova de que Mauss era inca
paz de publicar por si mesmo; e ocorre, de fato, que o vota-
me de suas publicações declinaria de m aneira acentuada de­
pot» que a morte o pnvou de seus amigos e colaboradores.
A guerra de 1914 atingiu duramente o grupo dos toad-
logos, despojando-o de muitas de sum melhores esperança»,
como H cnz. o autor dc La P rom inence d e la Main Droat
j k ( O Predomínio da Mào P ira ta ] c d a d e s c o b e r t a d o costume
I d a s d u p la » c x c q u ia » . C o m a m o rte dc D u r k h c im , c m 1917.
c o m e ç o u o s e g u n d o p e r io d o d c a t i v i d a d e c i e n tí f ic a dc Maus»,
p e r io d o m a r c a d o , p o r u m la d o , p e l o lu t o c a d e v o ta d a prepa
ração, p a r a p u b lic a ç ã o , da» o b r a s d o s d e s a p a re c id o » (AUlan-
g ea , d c H e r tz , c . dc Durkhcim, Education M orale c .Voeia'u-
responsabilidade»
m c ), p o r o u t r o la d o , p e la a m p lia ç ã o d c su a »
S u c e d e n d o a D u r k h c im n a d ir e ç ã o d e L 'A n n é c , M au»» d e ita ­
ria d e s e d e d ic a r a p e n a » á r e lig iã o p a r a a b r a n g e r a to c io lo g u
cm geral. Seu c a m p o d c a tiv id u d c a u m e n to u c o m a c ria ç ã o do
Instituto d e E tn o lo g ia , o n d e M a u s s d e u s u a s " I n s tr u ç ô e » " aao
após ano.* E le a t r ib u ía g r a n d e im p o r tâ n c ia a esse» c u n o » c<
mentares, porque v ia n e le s , e v i d e n te m e n te , o v e ic u lo d o de»cn
voivimento futuro. A s s in a le -s c q u e , s e M a u s s fo rm a v a tea
aluno», antes dc tudo, p a r a a t a r e i a m o n o g r á f ic a n o cam po,
jaman negligenciou, p o r é m , o» p ro b le m a » ü c d if u s ã o cultural
e da» influencias reciproca» e n t r e c u ltu r u » . n e m a civilixaçM
material. Por exemplo, M o b r a » d o p r o f e s s o r L ero i-G o u rh » = .
M quais podem ser consideradas f u n d a d o r a » da tecnoJogis
etnográfica como disciplina distinta, assentam in te ira m c n te so-

• Parara (UII "Imlruç6«* qu« virrsra a servir d» para a


plUçto d o »c»i, hoje titu ico . M anual 4* Elnotraiu. (N. do T.)
o ¡•b iid u a lism o IS )

bcc o d e se n v o lv im e n to d a c la s s if i c a ç ã o s i s t e m á t ic a d a s té c n i­
cas fornecidas p o r M a u s s c m s u a s a u l a s . M a s d e ix o d e la d o ,
neste ponto, a q u e s tã o d a i n f l u e n c i a e d a p o s t e r id a d e d e M a u s s .
¡i que posso re m e te r-v o s a o c a p í t u l o q u e l h e é d e d ic a d o p o r
LrívStrauss e m L a S o c io lo g ic a u X X * s íte le .
Nesse p e río d o , a p a r d e n u m e r o s a s c o n tr i b u i ç õ e s m a is
breves. M auss d i - n o s u m ú n i c o e s t u d o d e g r a n d e s d im e n s õ e s
mu que talvez se ja a s u a o b r a - p r i m a : o E s s a i s u r le d o n f E n -
uto sobre a d á d iv a ] d e 1 9 2 5 . G o s t a r i a d e s u b l i n h a r q u e . se
M am am pliou sc u c a m p o d e a t i v i d a d e , j á t á o v a s to , a té a b ra n -
per o cam po in d e f in id o d a s o c io lo g ia c d a e tn o lo g ia , e m g e ­
n i. a so não o c o rre u p o r e s c o lh a p r ó p r i a . E le s e n tiu - s e o b r i ­
gado a tal p o r f id e lid a d e à m e m ó r i a d e D u r k h e i m e a o d e s e n ­
volvimento d o s e s tu d o s q u e t in h a m i n a u g u r a d o ju n to s .
Pode-se c o n s id e r a r q u e u m t e r c e i r o p e r ío d o s e a b r e p o r
vtha de 1950. H u b e r t d e ix a , p o r s u a v e z . s c u c o m p a n h e ir o
de trabalho e M a u ss p u b l ic a - l h e p o s t u m a m e n te o s d o is v o lu ­
mes sobre os c e lta s . E le i to a g o r a p a r a o C o U èg e d e France.
M nm lecionará d u r a n t e d e z a n o s u m a s o i t o h o r a s p o r s e m a n a
e a três in stitu iç õ e s d i f e r e n te s . N e s s a é p o c a , tin h a -s e a im ­
pressão d e q u e o d e s t in o r e c la m a v a d e le s u s te n t a r b r a v a m e n te
•d o lugar d e to d a a e q u ip e d e c i e n t i s t a s c o m q u e m e le in ic ia ­
ra o trabalho. F a z ia -o c o m d e s e n v o lt u r a , m a n t e n d o o p a p e l
de sábio e n c ic lo p é d ic o c o m o s e a b a s e m a te r ia l d o c o n h e c i­
mento não ac tiv e s s e a m p l i a d o d e f o r m a t i o c o n s id e r á v e l e m
W anos. c o n s e rv a n d o o c o n t a t o c o m a h i s t ó r i a , a p s ic o lo g ia ,
i filosofia, a g e o g ra fia . E o q u e . c o m o r e s p e i t o q u e e le tin h a
pelos fatos, e x p lic a s u f i c ie n t e m e n t e , s e m d ú v i d a , p o r q u e p u -
Miaw re la tiv a m e n te p o u c o n e s s e p e r ío d o . N o e n t a n t o , a s
•drías que ele s e m e a v a g e n e r o s a m e n t e n a s p á g in a s d e T e c h n i­
ques d u C orps o u d e L a N o tio n d e P e rso n n e n ã o b a s t a r i a m p a
ra estabelecer a r e p u t a ç ã o d c q u a l q u e r o u t r o c i e n t is ta ? M a u s s
ciaba idéias d e m a is p a r a e x p r i m i r c o m p l e ta m e n t e u m a d e n tr e

Veio e n tã o a I I G u e r r a M u n d i a l , q u e i r ia re p e ti
»*ç5es da p r im e ir a c o m u m a c e n t u p l i c a d a
* « . a razão d e M a u s s n ã o s o b r e v i v e u a o t e r r í v e l I
eúria fa lh a v a-lh e d e t e m p o s e m te m p o » e se u
tbaodooara-o. ta lv e z e m v i r t u d e d o e s tr e s s e a í
116 VarcW Votai um a eiin eie em itren ir

quanto do intelectual, quando faleceu a 10 de fevereiro de


1950.

Acompanhemos agora cronologicamente os trabalhos de


Marcel Mauss a fim dc sublinhar o aspecto concreto de seu
pensamento. A preo cu p ad o será de ver o papel desempenha-
do na pesquisa, dc uma parte, pelas idéias do antropólogo, de
outra pelos dados que ele estuda. Em 1896, Mauss publicou
um extenso estudo na Revue d e l'H isioire des Religions sobre
a obra de Steinmetz acerca das origens da sanção penal, sob
o titulo dc "L a religion et les origines du droit pénal" (cf.
(F.uvres, tomo II, pp. 651 e as.). Steinmetz esforçara-se por
m ostrar que a pena era oriunda da vingança privada. Sem
deixar de elogiar o método. Mauss fazia uma objeção funda­
mental e foi levado a esboçar a questão, tal como ele a via.
O autor, diz Mauss, "não define, ele classifica de acordo com
as noções comuns”. Só recentemente é que a palavra “sanção*
adquiriu o sentido racional, utilitário, que nos é familiar. Af
está uma noção muito particular e, para existir, a sociologia
exige algo de mais geral. Mauss pensa existir mais cm comum
entre as sociedades primitivas e a nossa, e quer uma definição
que lhes seja comum. Diz ele que Steinmetz. ao não definir
seu objeto sociologicamente. Ignorou o elemento comum que se
encontra na base de todo o direito penal. A sanção é toda a
punição que atinge aquele que violou o direito e o costume
Nas aoáedadcs arcaicas, a transgressão provoca frequentemen­
te uma reação religiosa e é a partir dai que se desenvolverá o
direito penal: não somente existem em nosso direito moderno
da vingança privada primitiva mas também nos tipos
da reação jurídica há algo como o germe do nosso
penal.
O que nos Importa aqui 6 que uma definição sociológica
deve exprimir o que é comum entre nós e as sociedades primi­
tivas. Dia Mauss: "Se nos restringirmos, como far Steinmetr.
ao estudo dos povos não-civilizados, perde-se de vista a fun­
ção • até o funcionamento da pena.” Isso implica, claramen­
te. segundo me parece, ser através da nossa própria cultura que
podemos compreender uma outra, c reciprocamente.
Mas a possibilidade de tal definição geral assenta no pos­
tulado da unidade da humanidade e pode-se perguntar donde
case postulado, por sua vez. deriva. Steinmetz escrevera que
OH ***-**» 187

i ctaotogu deve e s ta b e le c e r sc s o b r e d o is p r in c ip io s : o p r in c i­
p é d i o o iu ç ã o e o p r in c ip io d a c o n s c ie n c ia s o c ia l (Vdker&c-
¿ o to ). M atas p e n s a q u e o s e g u n d o é s u f ic ie n te , p o is o a lc a n ­
ce ds principio d e e v o lu ç ã o é p u r a m e n t e n e g a tiv o , s ig n ific a
a n ec ie q ue a re je ita to d a e q u a l q u e r d i f e r e n ç a d e n a tu r e z a
catre raças, b em c o m o a e x p l i c a ç ã o p o r d if u s ã o :

N egar a ir r e d u t i b i l i d a d e d a s r a ç a s é p o s t u l a r a u n i­
dade d o g ê n e ro h u m a n o . A f a s t a r o m é to d o h is tó ­
ric o (a d ifu s ã o ] ¿ r e d u z ir - s e , n o p r e s e n te c a s o , a o
m éto d o a n tr o p o ló g ic o ( CEuvres, to m o I I , p . 6 5 3 ) .

A unidade d o g é n e r o h u m a n o , e is u m a id é ia q u e te re i*
in in te m ip ta m e n te a o lo n g o d e s t a s é r ie d e c o n fe rê n c ia s
K b c a sociologia fr a n c e s a . O p a p e l h is tó r ic o d a p rim e ir a e s ­
cola antropológica in g le s a fo i p le n a m e n te re c o n h e c id o por
k acortoso M w s no p rim eiro v o lu m e d e L’Ánnée.
Jim I** O s fa to s e s tu d a d o s n a h is tó r ia c lá s s ic a , o u n a fil o s o ­
¿ (b éH fia c o m p a ra d a , o u n o f o lc lo r e , re c e b e m , c o ra e fe ito ,
u m a n o v a lu z , g ra ç a s à s u a c o n s ta n te a p ro x im a ç ã o
c o ra o s f a to s d a s r e lig iõ e s p r im itiv a s . M a n if e s ta se
e n tã o a i d e n tid a d e f u n d a m e n ta l d e s s a s tr é s o r d e n s
d e fa to s : re lig iõ e s p r im itiv a s , re lig iõ e s d o s a n tig o s
povos c iv iliz a d o s , s o b r c v iv é n c ia i d e r it o s e c re n ç a s
nos u s o s lo c a is e tr a d iç õ e s d a E u r o p a e d a A sia
(C Euvres, to m o 1, p . 1 1 0 ),

Mas os p ró p r io s a n tr o p ó lo g o s p a r tir a m d e p re m is s a s e v o -
b o c eista s. Podem os r e j e i t a r h o je o e v o lu c io n is m o m a s n ã o
é ra m o s e s q u e c e r t e r s id o e le q u e f u n d iu o s " n ó s " e o s " o u -
tros", os c iv iliz a d o s e o s b á r b a r o s , n u m a s ó e s p é c ie . A id é ia
da ev o tu çlo s e rv iu c o m o u m a a rm a ç ã o p r o v is ó r ia p a r a u n ir
conjuntos d is tin to s , a n te s q u e p u d e s s e m s e r in c o r p o r a d o s n u m
bobo lo d o . A g o ra a c h a m o s e s s e t o d o b a s ta n te in f o r m e e re ­
damamos u m e s tu d o d a s d if e r e n ç a s , c o m o M a u s » n ã o se c a n ­
sava de fa z er. M a s n l o t e r i a s id o p o s s ív e l e s t u d a r a s d ife re o -
I » aafcs q u e a u n id a d e f u n d a m e n t a l fo s s e e s ta b e le c id a .

N a s u a c o n f e r ê n c ia in a u g u r a l d c h is tó r ia d a s re lig iõ e s , c m
1101. M au si in d ic o u s e u s p r i n c i p i o s m e to d o ló g ic o s . Fm p ri-
Beiro lu g a r, e s tr ita m e n t e f a l a n d o , n ã o e x is t e m p o v o s n io - c iv i-
•w do». h á a p e n a s p o v o s d e c l v illz a ç õ e i d if e r e n te s . U m a so-
‘« la d e a u s tr a lia n a n ã o é s im p le s nem p r im itiv a , e l a p o s s u i
1» M areei M a u a : u m a c ifn e ia em dertnlr

uma longa história como a nossa. Mas assim como entre u


animais encontram os espécies vivas que. em bora sejam tio aa>
tigas quanto os mamíferos, são m ais sim ples e aparentadas
m ais dc perto com espécies hoje extintas das primeiras idades
geológicas, também a sociedade A runta está mais próxima das
formas primitivas dc sociedade. Assim, em bora o totemismo
dos Arunta se encontre num estado avançado de decomposição,
o nascimento entre eles não é somente um fato fisiológico mas
também um evento mágico-religioso: um A runta pertence ao
c li do espírito totcmico que considera ter penetrado no seio dc
sua mâc e isso reconduz-nos a idéias verdadeira mente pri­
mitivas:
Uma de nossas principais e mais delicadas tarefai
será examinar constantemente cm que medida oi
fatos que estudaremos nos permitem remontar ver
dadeiramente is formas elementares dos fcnôrnenn
(CEuVfW, tomo I. pp. 490-491).
Vemos que a idéia evolucionista não es t i intetramente au­
sente. Mas náo 6 e » a a única razio que tom a necessária uma
análise cuidadosa dos dados. Pois sc os fatos etnográficos, por
uma parte auténticos, sào abundantes, se. graças ás técnicas e
à formação moderna, estamos melhor informados sobre o ri­
tual Hopi do que sobre o sacrifício levítico. para não falar do
ritual sacrificial grego, entretanto, nem todos os documentos
são de igual valor c "teremos cm seguida que exercer cm co­
mum as nossas faculdades criticas" para um exame acurado
doa documentos c "investigarem os... todos os aspectos criti­
co» necessários a fim dc reencontrar o verdadeiro foto dc qur
cie falou" ((Etfvm , tomo U I. pp. 565-371).
Há dificuldades que sào comuns a todas a» obserraçóc»
de fenómenos sociais. Em primeiro lugar, toda a informação
provém dos nativos c nada é mais difícil, até para nó», do que
dizer cm que as nossas Instituições realmente consistem Como
disse um missionário na Coréia: "O s costumes são. como »
língua, uma propriedade dc que o proprietário está Inconscien
te." f. por isso que o etnólogo deve escavar sob a melhor in
formação nativa alé aoa "fatos profundo*, quase inconsciente»
pois que eles só existem na tradição coletiva São c*sc« o*
fato* reais, são ewa* as coisas que trataremos de atingir atra
vés do documento".
1*9

"S c i v e rd a d e q u e n o t c u m p re , a n te s d e tu d o , o b ­
servar o» (a to s re lig io so s c o m o fe n ô m e n o s so ciais,
ainda é m ais v e rd a d e iro q u e é c o m o ta is q u e d e v e ­
rem os e x p lic á-lo s. O b te re m o s a ssim sistem as coe­
ren tes de fa to s , q u e p o d e re m o s e x p rim ir em h ip ó ­
teses. p ro v isó rias, p o r c e rto , m as em to d o o c a to
racionais c o b je tiv a s ."
O m étodo in te lec tu a l isla o u psicológico e stá superado,
"por exemplo, o fa to co m o q u a l o s rito s d o lu to e s tio em
rtiaçáo direta, é a o rg an ização fa m ilia r: é d e la q u e d e s de­
pendem e n lo d e sen tim en to s vago* e Indecisos". C um pre
permanecer lim itado a o te rre n o d o s fa to s r d if io to s e rociáis,
tpwrar somente a s cau sas im ed iatam en te determ inantes, renun-
íit» ks teorias gerais q u e apenas explicam a possibilidade de
ÍMDf".
Eis o que M anas en sin av a em 1901. O m étodo d firm e.
°*o existe teoria p er a r. Insistc-sc m u ito na a n ilo c intelectual
qoc é necessária para tran sfo rm a r o s dad o s em fatos bem esta-
beUcidos. E o que M auss continuará fazendo d urante quase
40 «nos cm seu sem inário, o nde. em fins da década de 1930.
fsi testemunha d o estudo dos textos de MaW nounál M aust
paha alcançar af. graças a o seu conhecim ento da Melanesia
* da Potinésta. um a visão dos nativos das T robriand nitida-
acatc diferente da d o observador deles. T al façanha cientifi­
ca, em que • com paração proporciona um a visão m ais profun­
da. como O próprio M alinow ski o reconheceu num a ocasião.
«6 era possível graças ã publicação por M alinow tki de um vas-
K <v*7x o de dados, um procedim ento q u e está ficando cada
set tsait raro cm notaos dias.
S o tocante ã explicação. Maxim tam pouco variou.
relatório. escreveu ele qu e "u m a filologia rigorosa, um a -------
t u escrupulosa, com preendem , não interpretam ": e. em astas
ultimas expasiçóes sobre o Pecado e a Expiação. repetia ainda:
"A explicação sociológica term ina q u ando se compreendeu o
fue t que as pessoas crêem e pensam , e quem são as pessoas )
<?«* criem e pensam isso." E is um a recom endação que ta-Scg |
alo esteia ainda ultrapassada.
O Earns tur U tocrijtce foi publicado em 1*9* ou se
deu anos antes da segunda edição de The G oU n, ttaufk.
Sir lames Frame. N ão h á dóvida o ahí sino que separa
190 Marcel Maus*: uma ctfncia em devemr

d u a * o b r a s , u m a d a s q u a is p a re c e h o je tã o viçosa quanto «
o u t r a e n v e lh e c id a , re s u lta d a a d o ç ã o p e la p rim e ira do méto­
d o so c io ló g ic o . O E s s td r e p re s e n ta v a o p rim e iro passo dc Hu­
b e r t c d c M a u ss n u m e s tu d o s is te m á tic o d a re lig ião , c elei ex­
p u s e ra m seu m é to d o n o p r e fá c io d c M é la n g e s d c 1908. Esie
m é to d o c o n s is tia e m p a r ti r d o f a to típ ic o , c ru c ia l, e foi por
isso q u e e sc o lh e ra m o s a c rifíc io . N e sse c a m p o , as idéias de
R o b e rts o n S m ith s o b re o s a g ra d o c o p r o f a n o fo ram subme­
tid a s á p ro v a c d e s e n v o lv id a s . S c o te m p o o perm itisse, gos­
ta r ia d e lo u v a r, p e lo m e n o s , o a s p e c to in d ia n o desse Estai
T u d o n e le é s u rp re e n d e n te , a q u a lid a d e d o tra b a lh o , sua situa­
ç ã o in s ó lita n a p e sq u isa in d o ló g ic a . e a in d a m a is o fa to de que
o s a u to re s n a d a m a is fiz e ra m d o q u e o r d e n a r os dados, pob
o s fru to s d o p e n sa m e n to in d ia n o a í e s ta v a m . m a d u ro s c pron­
to s p a ra se rem c o lh id o s. S ó q u e n ã o p a re c ia m convincentes
a o s filó so fo s c fo i n e c e ssá rio u m so c ió lo g o q u e lia sánscrito
p a ra re a liz a r a c o lh e ita .
O a n o d e 1901 é o d o a r tig o d a G ra n d e E n cyclo p ed ic ta­
b re “ Sociologia'*, e s c rito c m c o la b o ra ç ã o c o m F au co n n et. Em­
b o ra a o b rig a ç ã o se ja a í d is c u tid a c o m o u m a característica dos
fa to s so c iais. é n o tá v e l q u e e la n á o se ja . c m ú ltim a instância,
re tid a c o m o tal c q u e o a c e n to r e c a ia s o b re tu d o so b re as ''tns-
litu iç ó c s " . d e fin id a s m u ito a m p lu m c n tc . D c u m m odo ainda
m ais c la ro , a n o s d e p o is , s o b r e tu d o c m 1 9 0 8 . M nuss distancia­
se d a d e fin iç ã o d e D u rk h c im . e s p e c ia lm e n te n o q u e se refere
á re lig iã o : “ A o b rig a ç ã o n ã o é . p a r a n ó s. u m a característica
d o s fa lc a so c ia is.”
E m 1 9 0 3 . c m c o la b o ra ç ã o c o m D u rk h c im . o a rtig o "De
q u a lq u e s fo rm e s p rim itiv e s d e classification**, o q u a l ostenta
c o m o s u b títu lo " C o n tr ib u tio n á l ’é tu d c d e s re p re se n ta tio n s col*
lectives'*, a b r e u m c a m in h o q u e s e rá s e g u id o c q u e representa
c e rta m e n te u m d o s p rin c ip a is in te re s s e s d e M au ss. Hubert
d e v e ria m a is ta r d e e s t u d a r o te m p o , M a u s s n p e sso a c Czamow-
sk i o e s p a ç o . P o r m u ito im p o r ta n te q u e se ja , cvse artigo sur­
p re e n d e p o r t u a re la ç ã o r e la tiv a m e n te flu id a c o m a idéia ik
sa g ra d o . £ p o ss ív e l q u e a re la ç ã o só fo ss e estab e le c id a per
T h e O r ig in s o f T c n e m itm . d e F r a / e t . u m a c o n trib u iç ã o inlrt
ra m e n te in e s p e ra d a . A lé m d is s o , lo c a liz o a í u m a nuança dc
d e sd é m n a a titu d e e m fa c e d a s id é ia s p rim itiv a s , o que cr»
a b s o lu ta m e n te e s tr a n h o à v is ã o o b je tiv a c sim p á tic a d c M auu
« h a v ia a p ro p e n s ã o p a r a a t r i b u i r a D u r k h c im .
o M M M im »»1

Em 1904. n a lin h a d o S a c r ific e , a p a r e c e o E s q u is s e d ’u n e


thtorie genérale d e ¡a m a g ic , c o m p l e t a d a c o m u m a p a r t e d e
u i base c rític a . " L 'o r i g i n e d e » p o u v o i r » m ag iq u e s* * . E x c e p -
cxnalmentc. o o b je tiv o n ã o é c o n c r e t o , c o m o n o S a c r ific e , roa»
leünvamente a b s tr a to , e t a m p o u c o ¿ g e o g r a f i c a m e n t e c ir c u n s ­
crito. Em bora is s o »e)a j u s t i f i c a d o n a i n t r o d u ç ã o , ta l v e z s e ja
essa a razão p e la q u a l n ã o t e n h a s i d o u m d o s s e u s e s c rito s
aiaá bem -sucedidos. A í s e f o r m u l a a q u e s t ã o d o m a n a . s o b re
a qcal vos re m e to d e n o v o p a r a a I n t r o d u ç ã o d e L é v i-S tra u s s .
O ano d e 1 9 0 6 v i a p u b l i c a ç ã o , e m c o la b o r a ç ã o c o m
Bcochat. do E ssa i s u r le s m ig r a tio n s d e s s o c ié té s e s k itn o . A
ocoBu procede, u rn a v e z m a i s , d a p e s q u i s a d e u m c a s o típ ic o
referente, n este c a s o , i r e l a ç ã o e n t r e a m o r f o lo g í a c a fis io lo g ía
de ama so c ied a d e. P a s s o s o b r e o i n i c i o d e u m t e x t o s o b r e a
oração, im presso p a r ti c u l a r m e n t e c m 1 9 0 9 . e s o b r e o s t r a b a lh o s
señores q u e iría m s e r a i n d a m a i s n u m e r o s o s n o s e g u n d o p e ­
riodo. após a g u e rra .
Em 1925, M a u s s p u b l i c a o E s s a i s u r le d o n . fo r m e e l rm -
Ktt de ¡'¿change d a n s le s s o c ié té s a r c h d iq u e s [E n sa io so b r e a
¿¿¿¡ve. fo rm a e r a z io d a tr o c a d e p r e s e n te s n o s so c ie d a d e s
m i c o ] . N este c a s o , o o b j e t o a i n d a é . c m g r a n d e m e d id a ,
concreto e g e o g ra fic a m e n te l i m i t a d o , p e l o m e n o s c m s u a b a s e
(indio» da c o sta n o r o e s te . M e l a n é s i a ) . M a u s s p r o c u r o u c . c o ro
debo, e n c o n tro u o f a t o t í p i c o , o ‘T a t o p riv ile g ia d o * * , a q u e
chamou nesse e s tu d o u m **fato s o c i a l total**. E r a u m d e s e u s
tesas favoritos q u e a f i n a l i d a d e d a p e s q u i s a c o n s i s t ia e m e s t u ­
dar não as p e ça s e o s f r a g m e n to s m a s u m c o n j u n t o , u m to d o .
algo de c u ja c o e s ã o i n t e r n a s e p u d e s s e e s t a r s e g u r o . C o m o
caccatrar e ssa c o is a 7 N u m s e n t i d o , a s o c i e d a d e é o ú n i c o “ t o ­
do". mas é tã o c o m p le x a q u e . m e s m o rc c o m titu lis d o - a o m at«
escrupulosam ente p o s s ív e l, h a v e r á u m a d ú v i d a p a i r a n d o s o b re
o resoltado fin a l. F e l iz m e n t e , e x i s t e m c a s o s e m q u e a c o e r ê n ­
cia se e n c o n tra e m c o m p l e x o s m e n o s e x t e n s o s , o n d e o * *todo"
j o k ter m ais f a c ilm e n te a b r a n g i d o c o m u m o l h a r , e a “ d ã d i
*i“ < « n desses c a s o s . A s o c i e d a d e i n t e i r a e s t á p r e s e n t e , c o m o
q st c o n d en sad a , n o p o tla tc h . * A í te m o # o f a t o t í p t e o c u y o

d a c o ita M f o n a 'd o T * Facades

doa bem d o a n fitriã o <N do T .)


192 M arcrl M a n s: uma c ito ria tm d r,rm t

e s tu d o c ie n tif ic o b a s ta r í a p a r a e s t a b e l e c e r u m a le i o u , antes,
c o m o c u g o s ta r ia d e d i z e r m a is e x a t a m e n t e . u m f a t o q u e o b ri­
ga o o b serv ad o r, se o o b s e r v a d o r é M a u s s , a tra n s c e n d e r as
c a te g o r ia s a tra v é s d a s q u a i s s e a p r o x i m a d a q u e l e . T r a ta - s e , n o
p re s e n te c a s o , d e id é ia s d o s e n s o c o m u m , o u e c o n ô m ic a s , da
d á d iv a e d a tro c a . E la s t i o c o te ja d a s c o m u m corpus d e d a ­
d o s e , d e ss e c o n f r o n to , r e s u lta a c a t e g o r i a d o potlatch com o
" p r e s ta ç ã o to ta l d e c a r á t e r a g o n ís tic o ” . E is . to m a d o d o p ró ­
p r io M au ss. u m e x e m p lo d e um p r o c e s s o a o q u a l re v e rte re ­
m o s m a is a d ia n te .
Q u a n to à id é ia d o " t o d o " , s e d u t o r a e e n ig m á tic a , talvez
p o r s e r d e m a s ia d o c o n c r e ta . M a u s s ja m a is re s p o n d e categ o rica ­
m e n te è p e rg u n ta : O q u e é q u e c a r a c te r iz a u m " t o d o " ? E n ­
tr e ta n to . e le in s iste c o m f r e q ü ê n c ia n a im p o r tâ n c ia d a s d ife­
re n ç a s , d a s s e p a ra ç õ e s : d iz q u e o s t a b u s d e c o n ta to , a s regras
q u e « p a r a m u m a e sp é c ie d e c o is a d e u m a o u t r a , s ã o t i o im ­
p o rta n te s q u a n to a s id e n tific a ç õ e s o u c o n tá g io s a que U vy
B ra h l c h am av a p a rtic ip a ç ã o . P o d e -s e a f i r m a r q u e M a u s s a p r o
se o m a is p o s sív e l d a d e f in iç ã o d e u m " t o d o " com o
■a e s tr u tu ra , o u s e ja , c m m in h a o p in iã o , u m a c o m b in a ç ã o
d e " p a rtic ip a ç õ e s " c m to r n o d e u m a o u v á r ia s oposites: e.
n e ste p o n to , re m e to -v o s u m a v e z m a is . in e v ita v e lm e n te , acs
d e se n v o lv im e n to s e s tr u tu r a is d c L é v i- S tra u s s .

A ssin a la m o s c o m o M a u s s te v e que tra ta r dos problemas


g e ra is . l) m e x te n so e s tu d o s o b re a c la s s ific a ç ã o , in titu l a d o P i-
W stom et Proportions dei divisions de la sociofogie (19271 é
c a ra c te rís tic o d e s u a a titu d e e m fa c e d a h e r a n ç a d e Durkhcim
e d e su as te n d ê n c ia s p ró p r ia s , a s s im como d e s e u re s p e ito pe­
los c o n h e c im e n to s p ro p o r c io n a d o s por o u t r a s e s p e c ia lid a d e s e
d e s u a p re o c u p a ç ã o c o m a s n e c e s s id a d e s d a p e s q u is a . E le es
p lic a que c o rre ç õ e s ou a ju s ta m e n to s o v e lh o q u a d ro de
L'Ann/e e x ig iria . P a re c e -lh e e s s e n c ia l r e c o n h e c e r q u e todas
e ss a s c a te g o ria s — re lig iã o , d ir e ito e m o ra l, e c o n o m ia , e tc . —
l i o . em ú ltim a in s tâ n c ia , fix a d a s " p e l o e s ta d o h is tó ric o d»
c iv iliz a çõ e s d e q u e a n o s sa c ie n c ia é . e la p r ó p r i a , o p r o d u to " ,
" p o r e x e m p lo , n ã o h á a c e r te z a a b s o lu t a d e q u e . s e a s nossas
civ iliz a çõ e s n ã o tiv e sse m já d is tin g u id o a r e lig iã o d a m o ral,
n ó s tiv é sse m o s p o d id o s e p a r á - la s " « Euvrts. to m o I I I , p . 2 2 0 )
E m ú ltim a a n á lis e , to d a s e s t a s c a te g o r ia s q u e p a re c e m e n tra r
n a c iê n c ia o rg u lh o s a m e n te e d e p le n o d i r e i t o , s ã o n a d a m enos
191

do que objetivas, p e r te n c e m e x c l u s i v a m e n t e « o n o s s o p r ó p r i o
x a » centum, n ã o s ã o c a t e g o r í a s s o c i o ló g i c a s c i e n t í f i c a s ro a s
procedim entos p r á ti c o s o u m a l e s n e c e s s á r i o s . (E sq u c -
t exagero e s s e t r a ç o , m a s v e ja - s e C E u v m . t o m o I I I .
;ç 17S-179 e 2 0 2 - 2 0 4 . e n t r e o u t r a s .)
Entretanto. M a u ss p e n s a q u e é p r e c i s o c o n s e r v a r o a n ti g o
qsadro. Mas com q u e s a t is f a ç ã o e le i n t r o d u z , p a r a o c o m p le ­
tar e corrigir, u m a o u t r a c la s s if i c a ç ã o , a d i v i s ã o e m m o r í o lo ­
ps e fisiología, fo rm a c f u n c io n a m e n t o , e s t e ú l ti m o s u b d iv i-
ãdo. por sua vez. e m r e p r e s e n t a ç õ e s c p r á t i c a s , i s t o é . id é ia s
t sções. Ele c e le b ra a s v a n ta g e n s d e s s a d i v is ã o : e l a n ã o im-'
p6ca nenhuma id é ia p r e c o n c e b i d a , a c e it a o s f a to s c o m o s ã o
*rqoe é concreta ( concreta ! ) . D e p o is d e t e r m o s t r a d o q u e a s
doas divisões p o d e m u tilm e n te c n tr e c r u z a r - s e . M a u s s in s is te ,
woo de costum e, s o b re a n e c e s s id a d e d e r e c o n s t r u i r d e p o ó
de «er analisado. C o m o e le d i z i a : “ d e p o is q u e se re c o rto u
■ ■ s cm m enos a r b itr a r ia m e n te , é p r e c i s o s o l t a r a c o s tu ra r.* '
ObtervMe que e ssa s p a la v r a s s im p le s n o s o fe re c e m a m e s m a
«im a que alguns c h a m a m h o je . p r e te n s io s a m e n te , a fu n ç ã o
vx-al de tal e le m en to . M a u s s é a té m a is r ig o ro s o , p o r q u a n to
* recorre, a b so lu ta m e n te , ã s c a te g o r ia s u tiliz a d a s p a r a a su b -

Ainda um a o b s e rv a ç ã o . M a u s s d iz ia d e se u tr a b a lh o c o ra
ttcbtrt; havia d o is b o is n a c h a r r ú a , a m ito lo g ia e a rito lo g ia .
• n o r a que só re sta u m . o t r a b a lh o « m a is d ifíc il. E is. tem
«coda. o que leva M a u ss a a f ir m a r c o m o u m f a to d e « x p e riê n -
l* 9 « a divisão e m re p re s e n t a ç õ e s e e m p r á tic a s é ú til e p rá
cie justifica-se ta m b é m c o m u m a o b s e r v a ç ã o d<* r r ■ d<
«<Jncc: "A s re p re se n ta ç õ e s c o le tiv a s tê m m a is a fin id a d e . m ais
? r ! , u o eiaturais e n tr e c ia s c o m m u ita f re q ü ê n c ia , m esm o
• que com as d iv e rs a s fo r m a s d a a tiv id a d e so c ia l q u e lh es
* * • a um a e sp e c ia lm e n te c o rre s p o n d e n te s .* ’
P ° ',e r t o r d a m e s n ra s é rie . “ F ra g m e n t d ’u n p la n
KexAogie céndrale d e s c rip tiv e ” , m o s tr a ta m b é m a la rg u e z a
de M auss. N ã o e ó a c o e s ã o s o c ia l, a a u to rid a d e , a
* W adição. « e d u c a ç ã o , n ã o c o n s titu e m a e ssê n cia
c o m o n o fu n c io n a lis m o , c o m o s ã o a p e n a s o s n i
í a in d a , s ã o s o m e n te u m a p a r ia , a p a rte
d os " fe n ô m e n o s so c ia is g e r a is " , o a q u a is c o m p re en -
S f e T 6 * * * os fsto s ín fe m o c ta is (a p a a c a g u e rra , a civtH-
’■ A “ c iv iliz aç ã o " é d e f in id a n u m a c o m u n ic a ç ã o d a 1 9 »
IW Mured M o a s: u r n cifncia tm i n t v

c m q u e M a u s s f o r m u la u m ju lg a m e n to d e f in itiv o sobre as coo-


tr ib u iç ó e s e o s lim it e s e m e tn o lo g ia d a s e s c o la s d a morfofegii
c u ltu r a l e d o s c ír c u lo s c u l t u r a i s . D e f a to . M a u s s n l o separo»
o e s tu d o d a s s o c ie d a d e s e x ó t i c a s , n e m o e s tu d o d a nossa, a ta
o e s tu d o d a c u ltu r a .
C o m o n o ú ltim o p e río d o é q u e f u i — te m p o d e sa s ad o
b r e v e — a lu n o d e M a u s s . g o s t a r i a d c d a r d o is exem plos desta
é p o c a p a r a m o s t r a r a té q u e p o n t o e le le v a v a o respeito sos
fa to s . E m 1 9 5 7 , M a u s s d e u c o m o t í t u l o a u m a d c suas séries
d e c o n fe rê n c ia s n o Collège de France: " S u r te m l t de c o ca p t.
le je u d e b a ile e q u e lq u e s a u t r e s je u x d u p o u r to u r Pacifique"
(S o b re o m a s tro d c c o c a n h a , o jo g o d e b o la e a lguns octroi
jo g o s d a p e r if e r i a d o P a c if ic o ] , C o m e ç o u p e la N o v a Z cU » £ i
e m e rg u lh o u n a c o s m o g o n ia M a o r i q u e lh e e r a fa m iliar Cer
t o d ia . c h e g o u I a u la m u l t o e x c i t a d o . **6 p re c is o sem pre rtk r*
d is se e le , “ h i u m a c o is a q u e e u n i o tin h a p e rc e b id o no q«*
d r o d e W h ite ( n o fin a l d o p r i m e i r o v o lu m e ). Ê ainda mau
lim p ie s e m a is e x t r a o r d i n á r i o d o q u e e u tin h a p e n s a d o T ew *
d e re c o m e ç a r." N e s s e a n o . e le n l o fo i a lé m d a N o v a Z e lta
d ia .
U m o u t r o e x e m p lo . E le f a lo u d u r a n t e a n o s s o b re o pecada
e a e x p i a ç i o n a P o lin é s ia . P a r a c o m e ç a r , e r a p re c ito comple­
t a r e p u b lic a r a p e s q u is a d e H e m s o b r e a q u e s t i o mas, de
f a to . M a u s s d e s e n v o lv e u -a e m e lh o r o u - a d e a n o p a ra a n o F»
ta v a q u a s e p r o n ta q u a n d o r e c e b e u d o H a v a í u m m a o u sc n v
q u e c o n f ir m a r ia e a m p lia r ia o e s t u d o . O ddo d e conferi*
c ia s fo i a m p lia d o d c n o v o e o e s t u d o n u n c a fo t p u b lic a d o Fo
um a pena. T a lv e z a lg u é m s e d e d i q u e u m d ia è p u b l i c a d ' de
t u a s c o n fe rê n c ia s m a s n l o s e r á u m a t a r e f a fá c il, p o is as suai
U çflei e s c la re c e d o ra s e s t í o n o li m i t e d a e s te n o g r a f ia e do o>
n h e c im e n to e s o té r i c o . P a r a c o m p r e e n d e r M a u s s . é la tp t t s d o
d fv e l r e c o n s ti tu ir t o d o o m o v i m e n t o d o s e u p e n sa m e n to
T a lv e z s e p o s s a d i z e r q u e s e p r o d u z i a n o e s p ír ito d r *
g r a n d e s á b io u m a e s p é c ie d e c o r t o c i r c u i t o . H a b itu a d o i p r
s a r d e u m p o v o a o u t r o n o s e u p r ó p r i o id io m a , o u d e um le­
vel d e a b s tr a ç lo • u m o u t r o . M a u s s c u id a v a c a d a v e r ir*»'
d e c o m u n ic a r s u a e x p e r i ê n c i a , t r a d u r i n d o a com to d o o df
• e n v o lv im e n to n e c e s s á r io e m lin g u a g e m c ie n tíf ic a O que f
nha com eçado com o u m a c iê n c ia r e d u n d a v a um pouco
lite r a tu r a , o e q u i l í b r i o n io fo i m a n t i d o e n t e e a Id e n tif ic a d
p e sa o a l e a e i p e r n i o ra c io n a l Em c o n s i d e r é v t l m e d id a , ek
1*5
O ;«fc

m a u o i c n p eU e x p e rie n c ia c o n c r e t a a s c a te g o r ía * c o n q u e
Tr-.v» wcióiogos a in d a h o je se c o n t e n t a m . E m s u a m a i o r par*
Kt d h as linha tra n s c e n d id o c i e n t íf i c a m e n t e . E n tr e a s ra z õ e s
áese (ato. pensa-se c m p r i m e i r o lu g a r n a e x t r a o r d i n a r i a m a ­
leabilidade de su a im a g in a ç ã o , q u e f e z a g r a n d e z a d e M a u »
ais também, a o m u ltip lic a r o s p r o b l e m a s , o s e u f r a c a s s o . E le
m açara longe d e m a is p a r a q u e s u a v o z p u d e s s e s e r f a c ü -
aeate ouvida.
Depois do q u e se d isse s o b r e a e s c o lh a d e te m a s n o s e s ­
critos de M auss. so b re a s u a n o ç ã o d o " f a t o t í p i c o " , d o " f a t o
•ocial to u l”. d a te o ria c o m o u m a c o n d iç ã o p r e li m in a r — p e r-
aitindo a classificação e d e f in iç ã o u m a a d e q u a d a t r a n s f o rm a ç ã o
do» dados bru to s c m f a to s so c io ló g ic o s — j i p o d e r ía m o s , tal*
«w. falar de um e s p ír ito e x p e r im e n ta l. M a s a r e la ç ã o e n tr e
t««i« e dados, e n tre o b s e r v a d o r e o b s e r v a d o , e n tr e s u je ito e
obje»o. pede para s e r d is c u tid a u m p o u c o m a is a d ia n te . P o d e -
nos fué-lo co m o d a m en te p e r g u n ta n d o - n o s se e x is te n a a n tr o ­
pofagia. de acordo c o m M a u ss . a lg o s e m e lh a n te a o q u e se c h a ­
na txptriència n a s c iê n c ia s d a n a tu r e z a , e n o q u e is s o c o n s is te .
Kio formular essa p e rg u n ta s e ria , e m m in h a o p in iã o , ig n o ra r
0 ponto essencial n o q u e sc r e fe r e n ã o s ó a o lu g a r d e M a u ss
ao desenvolvimento d o p e n s a m e n to so c io ló g ic o m a s ta m b é m a
«étude geral doa a n tro p ó lo g o s h o d ie r n o s e a re la ç ã o e n tr e a
«^tropología e a so cio lo g ia g e ra l.
Se à a ntropologia c a b e f o r n e c e r u m a c la s s ific a ç ã o d e fin id *
T» das sociedades o u e n u n c ia r le is s e m e lh a n te s à s d a s c iê n c ia s
natureza, s e r i n e c e ssá rio q u e . e m p rim e iro lu g a r , e la te n h a
1 sua disposição c o n c e ito s c p r in c íp io s d e fin itiv o s . M u ito p e lo
«otririo. M auss p o ss u ía o s e n tim e n to v iv o d o c a r á te r t e m p o ­
r r ó e im perfeito d o s in s tr u m e n to s c o n c e p tu á is . T e n d o e sb o ­
çado um plano d e so c io lo g ia g e ra l c o m f in s c o n c re to s , e le te r ­
mina a discussão c o m a s se g u in te s p a la v ra s :
T em e sc a ssa u tilid a d e filo s o fa r s o b re so c io lo g ia g e ­
ral q u a n d o , e m p r im e ir o lu g a r, h á ta n ta c o i n a
c o n h e c e r e a s a b e r. e . e m s e g u id a , ta n to a fa z e r
p a ra c o m p re e n d ê -la s ( f f u i r w . to m o I I I . p . 3 5 4 ).
Vimes o q u e s ig n ific a , n e a te c a s o . " s a b e r " — m a s o q u e
■ M e a rá " c o m p re e n d e r” ? S e r á « ó rn e m e v e r a s in tc r-rrla ç ó e s
*•. melhor, re c o n stru ir o f a to re a l. o f a to " t o r a l " q u e fo i n e -
■cMaríaacntt. m w d e u m m o d o a sa is o u m e n o s a r b itr á r io . -
\% Marcel Afjusj uma citnda m drvnj

composto cm elem entos para a análise? Existe, provavelmente


no "com preender", algo m ais. algo que jé encontramos e csti
sempre implícito cm Mauss: a com preensáo do interior, esu
faculdade extraordinária que prom ana da unidade da humani­
dade c pela qual podemos identificar-nos. em certas condições,
com pessoas que vivem cm outras sociedades, c pensar de
acordo com as categorias delas, essa faculdade pela qual, co­
mo diz Lévi-Strauss. o observador torna-se parte do observado.
Atentemos para uma outra das conclusões de Mauss cuja im­
portância poderia escapar-nos por causa da forma em que eU
foi expressa: "A s categorias aristotélicas não são as únicas que
existem. Temos, em primeiro lugar, de organizar o maior ca­
tálogo possível das categorias."
Para os que conhecem Mauss. não há dúvida nenhuma de
que "organizar um catálogo" significa nada menos do que fa­
zer a experiência das categorias, entrar nelas, elaborá-las cm
fatos sociais. Sem dúvida, estamos aqui muito perto do traba­
lho dc campo, tal como é praticado pelos ingleses, e da teoria
que lhe foi dada pelo professor Evans-Pritchard. Pari vermos
que "compreender" e "organizar um catálogo das categorias*'
são essencialmentc a mesma coisa, vejamos mais um pequeno
exemplo, depois daqueles relativos à sançio e ao potlatch.
Aplicando a nossa categoria dc "pai**. Morgan não conseguiu
compreender o sistema dc vocabulário de parentesco a que
chamou malaio. Ele interpretou, isto é. desembaraçou-se dessa
dificuldade mediante uma teoria elaborada do casamento i t
grupo que teria existido no passado, etc. Mas quando mais
tarde se viu que a categoria indígena podia ser compreendida.
| a teoria explicativa, agora inútil, foi rejeitada e uma nova
apareceu, a do "pai classiíicatõrio**. a qual é cientí-
na medida, c somente na medida, cm que engloba a ca­
ia do nosso senso comum e a dos nativos.
Se n io me engano, as categorias propriamente científicas
antropologia só se originam desse modo. quer dizer, de uma
entre as nossas categorias e as categorias dos ou-
de um conflito entre a teoria e os dados. Creio ser por
rn * o que Mauss n io queria uma filosofia, ou seja. umi
em cima de conceito* insuficiente*, mas um Inven-
de categorias equivalente à construção de conceitos tím-
OkéhM m o ir

Acho que isso nos autoriza a falar da aspe npmnmd


di sociologia. Dessa forma, os dois processos da aperim o-
^ i|
c di conceituado nao sao separados. Se existe urna é-
y («toçi entre a experiencia científica em geral e esta, é que.
* cm antropologia, a experiencia nâo decide somente e n face
* de uma hipótese mas rcage sobre os próprios conceitos e coo-
to.
’toil tribuí, de íito, para a construção de conceitos científicos. Re­
sulta da identificado do observador com o observad) que a
13! experiência se apossa do próprio observador.
if> 0 que acaba de ser dito contém, por certo, um elemento
& de interpretado pessoal. Mas creio ter somente dado urna
i* forma precisa a algo de que o pensamento de Miuss estavi
impregnado c que ele nio exprimiu precisamente porque Ihe
en por demais evidente, como o costume pan o nativo. De
filo, tendo partido de um ponto muito diferente, juntamo-oo»
iqui i Lévi-Stnusj. Penso ser impossível fazer de outro modo
k quisermos exprimir que Mauss foi rauito mai< looge do que
D s r k h c im , Que a experimentado combina aqui o sujeito e o

objeto é evidente no trabalho de inúmeros antropólogo», e a


objetividade científica exige que o fato seja reconhecido. Dir-
que, entre os sociólogos franceses, os nioantropólogos nio
MÜinm a importância desse fato que confere i antropologia
08 valor particular entre as outras disciplinas sociológicas,
Poder sc-ia pretender que, ao reintroduzir o sujeito, liquí-
«aw a ciência c rompemos com toda a tndiçio do lluminis»
*° * sociólogos especulativos franceses, cujos esforços
^ Jrn jwa estender a ciência i sociedade. Mas csia con*-
í^ c ii nio se segue necessariamente. Ocorre que acabaño»
reamente de descobrir certas condições de uma ciência da
“fcedade. Nio temos de continuar automaticamente como se
* tivesse passado, < muito menos de vottar a um nx.\Jo
* Pasamento muito diferente, mas somente de proaiefulr re-
^becendo as nova» condições que comandam urna nova etapa
dcienvolvimento.
h n concluir, passemo» em revista, numa perspectiva que
to leja miustiana, as principais atitude» •ntropókfv’i
boje Sobre a queitio controvertida de saber »e a
* atingirá um dia verdades universal», talstf se D **
^ b t e : é muito duvidoso que cli poss.
b m conhecimento univerul da n * m t espíe < ‘ i
m esm a fo rm a que as c iê n c ia s da n a tu re z a e , e n tr e ta n to , u a
v a l o r u n i v e r s a l j á s e i n s i n u o u e e s t á c o m i d o e t n t o d o s o s coo>
e tilo s c o m a a ju d a d o s q u a is o a n t r o p ó l o g o p a s s a d e u m a so­
c ie d a d e p a ra um a o u tra . S c n io u rn a c ié n c i a - e r a - s i , e la j i í ,
n esse s e n tid o , u rn a c ié n c ia -e m -d e v c n ir. S c esse v a l o r univer­
s a l . q u e s e p r o c u r a f r e q ü e n t c m e n t c c m v i o e r a " l e i s " o u propo­
s iç õ e s g e r a is , e s tá p re s e n te , d e fa to . d e m odo im á n e n te , nos
i n s t r u m e n t o s d a a n t r o p o l o g i a , e n t ã o c u m p r e r e c o n h e c e r q u e til
v a lo r a i e s tá re p a rtid o d e fo rm a m u ito d e s i g u a l e , c o ra fre­
q u ê n c ia , a in d a e m b rio n á ria . Ê n e c e s s á r i o d c s e n v o lv é - U , o que
n o s le v a a u m s e g u n d o p o n to .

E sse d e se n v o lv im e n to in te le c tu a l, esse p ro c e sso d e pro­


g r e s s o n a f o r m u l a ç ã o é , t a l v e z , m a i s d o q u e a s im p le s a cum u ­
la ç ã o d e d a d o s , a q u ilo q u e n o s p e rm ite a v a n ç a rm o s . £ o que
n o s m o s tra ra a s m o n o g ra fia s m a is p e r f e ita s , a q u e la s e m q u e «
f a to * s ã o a c o m p a n h a d o s , p o d e ría m o s d iz e r, d e su a a d eq u a d a
e la b o ra ç ã o c o n c e p tu a l, c u jo tip o é a m o n o g ra fia de Evans-
P r itc h a r d s o b re o s Nuer. P e l o c o n t r á r i o , q u a n d o e s s a necessi­
dade n io é re c o n h e c id a , q u a n d o , c o m o d ir ia M au ss, se p e n u
n ã o h á n e c e s s id a d e , u m a v e z q u e se sabem a s c o isa s, de
oque le n to c p e n o s o p a r a se c h e g a r a cvmpnenJttj}.
essa c o m p re e n sã o não é c o n c e b i d a c o m o te n d o l u p r
p o m a s c o m o in s ta n tâ n e a ou i m p o s s í v e l , e n t ã o surgem
c e r ta s te n d ê n c ia s q u e c r e io n io serem c ie n t í f i c a s .

U m a d e la s c o n s is te num a e s p é c ie de d e c e p ç ã o crónica
U m a v e z q u e a q u ilo a q u e c h a m o a s n o ç õ e s d o s e n s o com um
s ã o a c e ita s ta l qual com o c o n c e i t o s c i e n t í f i c o s , c o m o ad m itir
o e s ta d o im p e rf e ito d a d is c ip lin a n o p re s e n te ? E s q u c c c -te e s ­
tã o a p ro d ig io s a p ro g ressã o do p assad o re c e n te e . p i n n io
d e s e s p e r a r , p rc tc n d e -s c c o n s t r u i r um o c iê n c ia d o h o rn e ra tio
ra p id a m e n te q u a n to um a rra n h a -c éu . p ro c u ra -se fe b rilm e n te
te m a s novos ou re c o rrc -se a c o m p lic a d o s m o d o s d e cálculo.
O u a in d a : o d u p lo e s f o r ç o in te le c tu a l d e i d e n t i f i c a ç ã o e abs­
tra ç ã o é m e n o s p r e z a d o . ío z -s e d o a tu a l e s t a d o d e c o is a i um
Id e a l e d lz - s e - n o s que devem os c o n te n ta r-n o * cm e s t u d a r os
d a d o s sem s u p o r , s e m te n ta r d e s c o b r ir s u a c o e rê n c ia , com o «
o n o s s o e s p í r i t o n ã o f o s s e u m a p a r t e d a s o c i e d a d e n u m s en tid »
a in d a m a is e s t r i t o d o q u e é p a r te d a n a tu r e z a . N a r ta lr J a d e .
essas a titu d e s im p lic a m u m a b a ix a o p in iã o do h o m e m , tanto
c o m o o b je to q u a n to c o m o s u je ito . C o m o o b je to , p o rq u e t iv J
d e s c o b e rta é c c r ta m c n te d ig n a d e m a is e s f o rç o s e tra b a lh o *
1*W

coto sujeito, porque a antropologia é certam ente capaz de


pux com muito maior exatidão do que o faz hoje.
Sc perguntarem agora o que advirá da antropologia q uan­
g o progresso econômico tiver transform ado todos os povos
m cidadãos modernos do mundo, podcr-$c*ia responder que,
octx momento, a antropologia terá progredido suficientem ente
pm que possamos construir a antropologia de nós mesmos,
o que provavelmente não teria sido possível se a existência de
«¿edades diferentes não nos tivesse forçado a sair de nós
próprios a fim de olhar de maneira científica o homem en ­
quanto ter social.
Neste empreendimento, não penso que o papel de Mauss
tenha sido desdcnhável. Graças ao seu gênio pessoal e ao seu
lugar histórico, ele pôde conceber m elhor do que m uitos outros
a «adições a satisfizer. Dir sc-á que ele foi incapaz de ele­
var a arte da compreensão ao nível de um a ciência pelos seus
fróprios esforços? Mas cortamente Mauss jamais pensou que
m pudesse ser o empreendimento de um único homem e sim
o trabalho de gerações de pesquisadores de múltiplas vocações.
V I

A C O M U N I D A D E A N T R O P O L O C I C A
E A I D E O L O G I A *

A p re s e n ta m o s a q u í p o n to s d e v is ta g e ra is q u e tim a señ e de
a tc u iu tiD C iis le v o u a p re c is a r e a s is te m a tiz a r pouco.
Q u a is q u e r q u e s e ja m o s ê x ito s , o s p ro g re sso s, o d e s e m o lv i-
ta c o to re c e n te d a a n tro p o lo g ía , a s u a s itu a ç ã o a tu a l e o te n
fo ta ro — s o b re tu d o m a s n ã o e x c lu s iv a m e n te n a F ran ç a — n ão
d e ix a m d e p re o c u p a r, s e m d ú v id a p o r r u õ e s d iv e rs a s , m u ito s
d e n tre nó*. C o s ta ría m o s q u e a s re fle x õ e s s e g u in te s , em p H n d -
p io p u ra m e n te te ó ric a s , c o n trib u ís s e m p a ra e s c la re c e r essa s i­
tu a ç ã o e . d e sse m o d o . s e p o s s ív e l, c o n s o lid a r a u n id a d e da
d is c ip lin a .1

R e p r o d u z i d o d a r e v i s t a L 'H o m m e . ju lh o - d e r e m b r © d e 197». X V tl l
pp « V I I O . O s r a r o s a d i t a m e n t o s e s t ã o e n t r a p a rê n te s e s
. O q u e se s e g u pe ff no ti bp nr immpeív i raam
m aei M
n t ea pe «s prwo ef o ee m
t ta m lm J Ptl
B R •' ***
tc o U d e * H a u te * E tu d e * S o c M o g i q u e * . d e p o i s n o d e p a tta a a e n to d e « n
lr'p 3 t o f M d a u n i v e r s i d a d e d c C h i c a g o . A g r a d e ç o a o s o u v in te s F0 *- ■w**
o ^ m t ç ô n . m u i t a s v e z e s d e g r a n d e u t i l i d a d e . D e s d e e n tã o . • r ~
ph srte
r t * f o i d e s e n v o l v i d a , e m b o r a p e r m a n e cç ea , e m c e rto r to »s *****
aspecto»
* " tã ria O u i s - t c a p r e s e n t a r à r e f l e x ã o o o s a n t r o p ó l o g o s «wn » ^.v***-
* ¿ t o e n 'e m e n t e e x p l i c i t a d o e a l g u m a s in d ic a ç õ e s k » w * • — ^ |»
♦ d n c ia » F o r a d o e s s e n c ia l, p a r e c e u n o s sem ée
u s o * er Je
• p r o K .m a i.v a A s sim , d e s ig n a se t o d o ® oa.
____ r .u m a a w e p ç ã o m a i s e s t r i t a o u m a i s a
• m a n e .r a n o r t e a m e r i c a n a , com o cultura, ou _____
se f a z d » » * in ç ã o e n t r e a n t r o p o l o * * 1£ ,» é m lc a . s u p o a U * • ,
W i <u a m i n h a i n t e n ç ã o c o n s t r u t i v a • w* ° . g f . ^ a s n d o s . e a ã a
M n « a s r e f e r ê n c i a s s o b r e o a a s p e c to *
303

A Disciplina cm Sua Relação com as Idcoloyat


D iin tc ¿c til p ro b le m * , t n itu ril re c o rre r le a o panado i
d e b r u s ir - je so b re a e v o lu ç io re c e n te d o t o o ta o a « lu d e n . a
p a rtic u la r. S e p e n s o n a p e rs p e c tiv a q u e c r e i o t e r p o d id o ei
t r a i r d e M a u n h i 2 0 m o * , p o s s o p e r f e i t i m e n t e m a n te r i fa»
p ira ç á o d e c o n ju n to m is d ev erei m o d e ra r um pouco o a ta
o t i m i s m o j u v e n i l d e e n t i o e c o r r i g i r a a í i r m i ç i o d e tu n a con­
t i n u i d a d e s e m p r o b l e m a s , e m r e l a ç i o a o id e a l d o I lu m in iu » .1
E x is te r e a lm e n te u ra p ro b le m a — um p ro b le m a c e n tra l p a n
n ó s n o p l a n o t e ó r i c o — , o q u a l c o r r e s p o n d e , a liá s , a u a Ia»
p o rta n te p ro b le m a d a c iv iliz a ç io m o d e rn a . B a s ta rá a p rc fa »
d a r M auss p a r a n o s a p e r c e b e r m o s d e le .
C o n s id e ra n d o a a n tr o p o l o g i a d o s ú ltim o » 3 0 mm. pod»
m oa « ju b ila m o s , em primeira aproximaçào. com o lugar cm -
c c n t c a t r i b u í d o , n o c o n j u n t o , a o s s is te m a s d e idéia» e de refe­
r e s o u id e o lo g ia s . O f a t o s u g e r e im e d ia ta m e n te , a títu lo cca»
p l e m e n t a r . u m a r e f l e x i o s o b r e a id e o lo g ia p r ó p r ia d a antropo­
lo g ia n o d u p l o s e n t i d o d a d e s u a e s p e c ia lid a d e e d a ao ck d ad t
a m b i e n t e — e n t e n d o a s o c ie d a d e m o d e r n a d e q u e fazem os parir
c o m o a n t r o p ó l o g o s , q u a l q u e r q u e p o i s a s e r , p o r o u tro lado. a
n o s s a n a c i o n a l i d a d e , o n o s s o l u g a r o u c u l t u r a d e o rig e m , etc
E sse será o m e u p r i m e i r o te m a .
D ia a e h á p o u c o " c m p r i m e i r a a p r o x im a ç à o - , C om d o » ,
o d e s e n v o l v i m e n t o d a a n tr o p o l o g i a p a r e c e s o f r r r d e um a d »
c o n t i n u i d a d e c r ó n i c a q u e le v a a p e r g u n t a r s e c a d a passo a
fre n te o á o s e rá acom panhado dc um p a s s o a tr á s . D arci um
e x e m p l o n a s e g u n d a p a r t e d e s te e n s a i o , p re c is a m e n te a propó­
s i t o d o e s t u d o d a s id e o lo g ia s . P a r e c e q u e u m a im p aciên cia ft
b r i l n o s I m p e le a q u e i m a r e t a p a s , a e s q u e c e r o u a com próm e
t e r a b r e v e p r a z o a s n o s s a s a q u i s i ç ó e t m a is v a lio s a » Essa ca­
r a c t e r í s t i c a p o d e v i r d o s E s ta d o s U n id o s , o n d e m o d a s passage»*
r a s s e s u c e d e m r a p i d a m e n t e n u m d i m a id e o ló g ic o e Im tituoc»
n a l d e c o n c o r r ê n c i a p r o p í c i o a o s e x a g e ro » d c c o rre n te » rim »
(c í. u p . V. in /ine), m a s o fa to i f r e q ü e n t e n o p e n s a m e n to n o
d e m o . s ó q u e , ta lv e z , c o m m e n o r in t e n s i d a d e . í v e rd a d e q *

bibliografia formal O l«lo rtmrir p sn “On the CosparMi* lW*f»


umlina of Non-Modern CMBmIou* Í W » V primavera * l«*
(citado infra: M ) - Para oa lenoo» 'tadfcidnliM »*. nr . nr •
ir. ■
¿te I K v i a s p r e d o m i n a n t e s ,
e è " a n á l i s e s im b ó lic a " .
C T >vh~i m e n t o s q u e s e r ia m
i« K V « ^ 4 t< w . S w p e i t o H a v e r n i s s o u r n a c e r t a
e c o r r e n d o o c is c o d e e x a p e r a r . p e e m i n h a v e * .
<«* i » n n a . p e to n a 3 p a c « s » c ia . n u m a r c v o lu ç f to
ju u n tr l> s a h m i l n c i s d e f a s e s q u e T h o m a s K u h n e o -
- a " r e v o l u ç ã o e s tru tu ra l* * ,
q u e so b ra p o o o o esp aço
a tase a m a m N o o u e m a ts c a l m a d e v o t a d a à s d u ç i o
C p a x d r s o fv ie * ' bu» q u a d r o so b re o

« » T h a r a f r a q u e * * d a c o m u n id a d e c ie n tific a n a s
nas v e vacs c o m o p r o \ m i e n te d o p r ó p r i o c a r á t e r d e l a s f.

m ÍN k v k T s sm h . m re O r a . e s s a i d c o l c ^ i a é n á o *6 ftm -
m ts l—c a st * * » •* * — « m m i n h a o p m ifc o . p o r q u e i n d is x
— a o p t o d p i o d a a n c r o p o i o f U e d e t o d a a a e c io to -
e s e á d i v i d i d a e m te n d é rte la s
Cvx» « , « ia a» p o d e e n fra q u e c e r o co n sen so
______ ie n h f W a c m p e r io d o d e
i R v c n a a x o t c . é c la r o q u e . q u a n so m a is f ra c o fo r
a o c s B u a k l s d c ^CTti c m . v n b ^ n d e s e d e -

<^ A< * w í h í a d 0 2 3 S S a f * C^ * * ÍO a* 1
204 A comunidade aniropoiópca e t ¡ieokpt

sob • a p a r ê n c ia d e u m a a n tr o p o lo g ia p a r t i c u l a r , p ro p õ e m , oa
re a lid a d e , s u je ita r a a n t r o p o l o g i a a p r e o c u p a ç õ e s n ã o a n tro p o
ló g ic a s . C u m p re e s ta r a te n to à tra n s iç ã o de (1 ) e (2 ) p a n
(J), o q u e l e v a a s u b s t i t u i r o s c â n o n e s d a p e s q u i s a a n tro p o ló ­
g ic a p o r u m d o g m a tis m o im p o r ta d o . D e u m m o d o g e ra l, i no
c a s o ( 2 ) q u e a p r e s s ã o d a id e o l o g i a d o m e i o s e f a z s e n tir ra tij
d ire ta m e n te , s o b a fo r m a d e d iv e rs o s “ a tiv is m o s ” .

A c o m u n id a d e d o s a n tro p ó lo g o s i, p e l o m e n o s n o plano
in s titu c io n a l, m a is fr a c a na F ran ç a do que e m o u tr o s países.
Um c o l ó q u i o r e c e n t e , d e s t i n a d o n o e s p í r i t o d e s e u s org an iza­
d o re s a re m e d ia r u m a c a rê n c ia n o t ó r i a m e d i a n t e a prep aração
d o p ro je to d e u m a a s s o c i a ç ã o d o s a n tr o p ó l o g o s fra n c e s e s , dei­
xou cm quem , í v e r d a d e , s ó p ô d e a c o m p a n h a r u m a p a rte dos
tra b a lh o s a im p re s sã o d e u m a e x tre m a c o n f u s ã o d e v id a , etn
c e r ta m e d id a , a o d e se n v o lv im e n to d a t e n d ê n c ia ( 3 ) n a gera­
ç ã o a sc e n d e n te , ê c l a r o p a r a o a u t o r d e s t a s lin h a s q u e seria
im p o s s ív e l u n i r o s a n tr o p ó l o g o s n u m a a s s o c ia ç ã o q u e s e pro­
p u sesse a v a l i z a r e s s a s p s e u d o - a n t r o p o lo g ia s q u e s ã o . d e fato.
o u t r a s t a n t a s a n t i a n tr o p o lo g ia s . D i t o is t o . c r e i o v e r a í u m fe­
n ó m en o p ro fu n d o , o qual n ã o e s tá is e n to de r e la ç ã o — nu»
te n u m a f a ls a r e l a ç ã o — com a v e r d a d e i r a n a tu re z a da
S o b fo rm as d i v e r s a s e . p o r v e z e s , c aric atu rais,
f ic a - s e a o e n g a j a m e n to p e s s o a l a a n tr o p o lo g ia co m o d'*
c i p i i n a c i e n tíf ic a , o u s e ja , e n q u a n t o a tiv i d a d e e s p e c ia liz a d » —
ftn d o o e n g a j a m e n to , p e l o c o n t r á r i o , to ta l p o r d e fin iç ã o —
s u b m e t id a à s s u a s p r ó p r i a s r e g r a s e v in c u la d a a u m a cotm m i
dade in te r n a c io n a l d e e s p e c ia lis ta s . O q u e *e p re s ta à c o n fu ­
s ã o d o la d o d a a n tr o p o lo g ia , i a e x t e n s ã o d e s u a a m b iç ã o . •
prom esa de q u e b u s c a tr a n s c e n d e r , de a lg u m m o d o , as esp e­
c ia lid a d e s . o f e r e c e r u m a c e s s o à t o t a lid a d e , p ro m e s s a q u e ex er­
ce u m a t r a t i v o le g ítim o s o b r e a ju v e n tu d e e q u e c u s e n a o
ú ltim o a r e p u d i a r , m a s q u e s o u o b r i g a d o a c ir c u n s c r e v e r Fm
p re g u e i a p a la v ra v a g a " to ta lid a d e " . O s n o s s o s c o n te m p e r i ­
n e o s c o n f u n d e m f a c ilm e n te to ta lid a d e c to ta lita r is m o , r o tota­
lita r is m o d e c o r r e p r e c is a m e n te d e u m a c o n f u s ã o q u a n to à lot*
lid a d a . P o r c o n s e g u in te , é a b s o lu t a m e n te n e c e s a r io p re v iu '
d c q u e to ta lid a d e se t r a t a , m o s t r a r n ã o s ó q u e e la t ©oenpati
v e l c o m a e s p e c ia liz a ç ã o m a s , in c lu s iv e , q u e a p ro m e s s a an tro ­
pológica e x ig e q u e o s u je i to c o n s in t a c m d is tin g u ir e n tre suas
c o n v ic ç õ e s a b s o lu t a s c s u a a tiv id a d e e s p e c ia liz a d a d c an tro fsS
logo. N ão sei m c o n s e g u ire i is s o m a s e r e to q u e o q u e se segur
„ 205
O k* * * 1*

t «júnente sobre esse aspecto. T enho o sentim ento de que


rcaasoa aquí na zona onde ganharam raízes m uitos m al-cnten-
&Jc» contemporáneos: mal-entendidos sobre a relaçio d a an­
tropologia com o mundo m oderno, sobre a espécie de totali*
¿*jc - restrita — que ela visa legítim am ente, sobre o lugar
qoe eU pode — ou não pode — conceder às totalidades sociais
concretas que sio seus objetos m aiores. Em resum o, m al-en­
tendidos sobre o lugar necessário e lim itado a acordar aos cer­
ceamentos tinto modernos quanto náo m odernos. A nossa pro-
fm áonioé nem um misticismo nem urna arte da concordân­
cia ou da conversação.
Asiim se justifica uma definição da antropologia que colo­
que em plena luz, cm seu princípio, suas vinculações ideoló*
peas.

Marcel Mauss definiu, de fato, a antropologia social ainda


« « de 1100. Em prim eiro lugar, dizer “ antropologia*1 é
^postular a unidade do género hum ano". Em seguida, “ para
•omcccr um quadro científico, cum pre considerar as diferenças
e*P«i isso, é necessário um m étodo sociológico" ( « / / . p. 324.
*** I e 2). Temos aí tudo, e basta agora aduzir as implica-
dessas duas proposições lapidares. Faremos isso gradual-
* **• Com a afirmação da unidade do género hum ano, esta-
do sistema m oderno de idéias c de valores, ei-
V*0* do mundo com os nossos contem porâneos c. cm parti-
^ com os nossos colegas das outras " d é n d a s hum anas"
f* * d é n d â i exatas: essendalm cntc. existem apenas hom em
®®v¡duais num extremo c. no outro, a espécie hum ana fre-
v lmcn* nic denominada " so d ed id e do género hum ano". Mas
* * * • consideriçlo das "diferenças" nos leva. bastando pa-
’«o que lhe atribuamos todo o seu peso. para um outro
•" ■ " o mental muito diverso: com Rou«*eau. postulamos
homem só sâo hom ens em virtude de pertencerem a
J J wdedade global determ inada, concreta, e. drssc ponto da
. 1,C|- • "w ciedide do género hum ano" de há pouco •presen­
i l «>mo uma abstração ideal, como diria Rousaeau dirigi»-
de fato. a Diderot.1
• to s terá preciso levar lio longe o rrcoohrcinvnio da d*-
Objetar-se á que esse ponto de vista nâo * r rihn#n‘

,N^ Í S l » vm io do Contraio Sorid. cf ««■»- » ,#M>


206 A comunidade anlropdótka t a Ideolopi

le a d m itid o , q u e t e p o d e o b t e r o s m e s m o s r e s u l t a d o s c o m m ui­
to m e n o s tra b a lh o , p o is q u e m u ito s o co n seg u em n a prática,
s e é q u e n ó s p r ó p r i o s n á o o f a r e m o s a m a i o r p a r t e d o tem po;
a lé m d o f a t o d e q u e a c o n s i d e r a ç l o g l o b a l n á o s e im p õ e a to ­
d o s. b a s ta q u e e x is ta m a lg u m a s c a te g o r ia s a p lic á v e is a todas
a s s o c ie d a d e s , a lg u n s u n iv e rs a is s o c ia is , p a r a que s e p o ssi
t r a n s c e n d e r a s d i f e r e n ç a s e f a l a r d e la s .

O ra . o d e s e n v o lv im e n to i que faço a lu s lo no com eço


r e a b ilito u , e m s u m a , a s id e o lo g ia s i n d í g e n a s e m f a c e d a nossa
e . c o r r e la tiv a m e n te , p ô s e m e v id ê n c ia o c a r á t e r c tn o c ê n trico
o u . c o m o p r e f i r o d i z e r , s o c i o c ê n t r i c o d e u m g r a n d e n ú m e r o dos
n o sso s u n iv e rs a is in g ê n u o s o u s u p o s to s . A te s e ra d ic a l que
a p r e s e n to p o s s u i a v irtu d e h e u rís tic a d e um a p a s s a g e m , em
ú ltim a a n á lis e . T a m b é m te m o u t r o a m é r i t o s . P o r e x e m p lo , ela
c o r r e s p o n d e a d iv e rs a s f ó r m u l a s p e la s q u a i s s e e x p r i m i u a sirua-
ç i o o u f u n ç i o d a a n tr o p o lo g ia : o s f a t o s s o c ia is s i o o u náo
s i o c o is a s ; o 'a n t r o p ó l o g o d e v e " tr a d u z ir * * u m a m e n ta lid a d e
p a r a u m a o u t r a ; e le i d e n t i f i c a r e c o m o o b s e r v a d o s e m d e ix a r
[d e ser o b serv ad o r: d e v e v e r a s c o i s a s s im u l t a n e a m e n t e desde
d e n tr o e d e s d e f o r a , e t c . N o f u n d o d e t o d a s e s s a s fó rm u la s
e s c o n d e -s e a n o s s a o p o s i ç i o e e l a c o n f e r e - lh e s s e u s e n ti d o p le ­
no: de um la d o , o I n d iv i d u a lis m o - u n i v e r s a lis m o m o d e r n o que
a lic e r ç a , p o r si s ó . a a m b i ç í o a n tr o p o l ó g i c a — s o lic ito q u e se
p o n d e r e b e m o f a t o — e . d o o u t r o l a d o , a s o c ie d a d e o u cul­
tu r a fe c h a d a s o b re si m e s m a , i d e n t i f i c a n d o a h u m a n id a d e com
s u a fo r m a c o n c r e ta p a r t i c u l a r (c s u b o r d i n a n d o o h o m e m à to ­
ta lid a d e s o c ia l, a r a z i o p e la q u a l í n l o d e " h o l i s m o " ) . A a n tr o ­
p o lo g ia c o m e ç a a í. D e ss e e n c o n t r o , e l a f a z u m a c o m b in a ç io
e m q u e o i d o is te rm o s s i o m o d if ic a d o s , e é in d is p e n s á v e l tu-
M ln h á l o .
N o d is c u r s o q u e n o s f o r n e c e a s o c ie d a d e o b t e n i d a , su­
p o s ta m e n te n á o sn o d e rn a .* e f e tu a m o s u m a t r i a g e m . A ceitam o s
a p re te m io d e su as p e ta c a s a serem hom ens e r e je ita m o s »
p r ttc m io a serem o s únicat homent. a in g ê n u a d e s v a lo riz a ç ã o
d o a e s tr a n h o s . R e je ita m o s , p o r o u tr a » p a la v r a » , o e x c lu s iv e
m o o u s o c io c e n triim o a b s o l u t o q u e a c o m p a n h a to d a a id e o lo ­
gia b o lis ta

* Num* nxedide moderai. O iocW*fMf<imo alo c id rti lamatt **


ifm>M madui .«ido Ejko&I i ***!*> tSpici
207
O !•
N o p ó lo o p o s t o , o n o sso p ró p rio
u n iv e r s a lis m o ta m b é m
k r i m o d ific a d o , p e l o m e n o s s o b d o i s a s p e c t o s : g ro sso m o d o .
de p a r a i r d o i n d i v í d u o à e s p é c i e , p a s s a r p e l a s o c ic -
¿ej Ci o u s e ja , q u e o i n d i v i d u a l i s m o s u b s i s t e c o m o v a l o r ú l t i -
a c . soas n ã o c o m o m o d o i n g ê n u o d e d e s c r i ç ã o d o s o c i a l . N este
poõ:o. a r e s i s t ê n c ia o b s t i n a d a o p o s t a , n a s p r ó p r i a s c i ê n c i a s s o -
a i a . a e sse p o n t o d e v i s t a , a i n d a q u e i n c o n t e s t á v e l , a d v e r t e -
aos. se n e c e s s á r io f o s s e , s o b r e a f o r ç a d a s r e p r e s e n t a ç ó c s c o le ­
tivas e in d ic a -n o s a n e c e s s i d a d e a b s o l u t a d e n ã o a g re d ir a
consciência c o m u m , p r e t e n d e n d o m o s t r a r - l h e o q u e m e s m o o s
especialistas c o n s i d e r a m o f e n s i v o . P c r c e b e - s c a q u i q u e a e s p e ­
cialização a n tr o p o l ó g i c a c o r r e s p o n d e a u m a e s p é c i e d e v a n g u a r ­
da n ecessária n o m o v i m e n t o d a s i d é i a s . D e s s e p r i m e i r o a s p e c ­
to K gue-se u m s e g u n d o : n ó s m e s m o s s o m o s r e m e t i d o s à n o s s a
própria c u ltu r a e s o c i e d a d e m o d e r n a c o m o a u m a f o r m a p a r t i ­
cular d e h u m a n i d a d e , a q u a l é e x c e p c i o n a l n a m e d i d a c m que
•c nega c o m o t a l n o u n i v e r s a l i s m o q u e p r o f e s s a .
Este universalism o m o d ific a d o e s tá . p o r c e rto , a b e rto a
l°óo* e. em p a rtic u la r, à s o u tr a s c iê n c ia s h u m a n a s, m as cara c ­
teriza-nos no sen tid o d e q u e p ro m a n a d o c e rn e d e nossa p rá-
tàsa. Vbto desde fo ra . re p re s e n ta u m a m is tu ra , em sum a, dc-
*c u *»*>! de m o d e rn id a d e c d e tra d iç ã o , d e u n iv ersalism o e
c: particularismo.’ N in g u é m p o d e rá re c u s a r, em p rin cip io , u m
os outro dos dois p ó lo s, u n iv e rs a lis ta e ••d iferen cial". Ma»
wcuse-te a co m b in ação a q u i p r o p o s ta ; m o d ifiq u e-se. n u m sen-
fcd° ou no o u tro , a d o sa g e m d o s in g re d ie n te s, e se o b te rá tal
Cu tal dos erros, ta l o u ta l do* m a l-e m e n d ido» contetnporà*
*«*- Q uando, p o r e x e m p lo , a p a r tir d a c o n sta ta ç ã o d e q u e
“ata locicdade m o d e rn a p o d e s e r a n tro p o ló g ic a m e n te estu d ad a
Pt* slguém q u e n a sc e u c re s id e piarte d o te m p o n u m a o u tra
2r t?aíáf*lr*Í'SC a c o n s e q ü ê n c ia d e q u e p o d e h a v e r u m a m ulti-
P**c-i*de de a n tro p o lo g ía s — e n te n d a -s e : n a m e d id a em que
~*j***® culturas d is tin ta s — e sq u e c e -se m u ito sim p lesm en te a
u n iv ersal. N a re a lid a d e , n ã o h á sim e tria e n tre o
VOio tac“JcnDO cm q u e a a n tr o p o lo g ia se s itu a e o p ó lo nào-m o-

■ títu d e
P * o p s « a d » s . «aVglr
— O In v tr
(C f n o ta a «
20* A com unidade antropUdgtea 9 * Uedofu

« k m o . E s p e r o e lu c i d a r m e lh o r e s te p o n to n as páginas se­
g u in te s .
Is s o n o to c a n te a o p l a n o n o rm a tiv o . A g o ra, quanto ao
p l a n o d o f a to . o p o n t o d e v is ta p ro p o s to te m v a to r. creio eu.
d e p r i n c í p i o d e in te g r a ç ã o . A a n tr o p o lo g ia , tal com o »e pratica
n a a tu a l id a d e , p o d e — c m s u a s d ife re n te s v ariedades — ter
s itu a d a e m r e la ç ã o a e s s e p r in c íp io . N à o se tra ta d e um ponto
d e v is ta q u e e x c lu i to d o s o s o u tr o s m a s . p e lo c o n trá rio , de u sa
p e r s p e c tiv a s u f ic ie n te m e n te v a s ta e p re c is a p a ra congregar os
m e m b r o s e s p a r s o s n u m e s f o r ç o c o m u m . P o r exem plo, a «im­
p le s d e s c riç ã o , a m o n o g ra fia e tn o g r á f ic a com pleta, t i o exage­
r a d a m e n te d e p r e c ia d a e m n o s s o s d ia s . re e n c o n tra a í direitcs
d e c id a d e . Q u a n t o a o re s to , a d if ic u ld a d e d e realização í do
g r a n d e q u e . n a m a io ria d o s c a s o s , é n a tu ra l re c o rre r a c t »
p a r tim e n ta ç ó e s o u s im p lific a ç õ e s q u e , te n d o su rg id o no trans­
c u r s o d o d e s e n v o lv im e n to , c o m b in a m d e m o d o v a riiv tl. in­
c o m p le to . o u n iv e rs a l e o e s p e c ífic o . P o d e m o s vê-los como
p a ta m a r e s p ro v is o rio s c u jo s m é rito s s e r i o a p re c ia d o s, num ns>
m e n tó d a d o . e m re la ç ã o a o o b je tiv o g lo b a l. Som o# uma cu*tv
c ia -e m -d c v e n ir. q u e p r o g r id e c m g r a n d e m ed id a p o r aproxi­
m a ç õ e s s u c e s s iv a s . . . c s im u ltâ n e a s (c f. c a p . V ).
E n fim , c r e io q u e o lu g a r d a a n tro p o lo g ia assim caracteri­
z a d a n o m u n d o d c o n te m , d e b o je e d e a m a n h ã destaca-se core
c la re z a , c o n tr a r ia n d o , ta lv e z , p re c o n c e ito s m ais o u m enos pro­
p a g a d o s * T o d a a d is tâ n c ia m a n tid a e n tr e a s d u a s . percebe-*
u rn a c o n s o n â n c ia g e ra l e n tr e a d e f in iç ã o e o fu tu ro de n ooJ
d is c ip lin a e a e v o lu ç ã o p re v is ív e l o u d e se já v e l d o m undo. A»
c u lt u r a s n â o m o d e r n a s te r ã o u m p e s o s e m p re m ais acentuado
n o d e v ir d a c iv iliz a ç ã o c o m u m iD o e d .. p . 159) — sem ptejuí-

hum anítâria entrou rrcentem ents em *vrrr*


" rrn certa» sociedades r m ~m.IV.Vi
d e adolescentes" ? / e Monde. 2* de a b r il de 1*77) “
ligadas ã tn ic ia ç á a d a s Jov en » P. r f a lls dc
lad o os detalhes, as localisacAe* a te z a d a s , o s e rro s d s
c fo rm u lo somente o problem a g e r a l. A<
é p eala
em b lo c o o s v alores
O¡ ^ y d ir n o 209

w di originalidade que se deseja ver ada urna conservar.


On. esse processo supóc uma ação red proa entre o universal
e o especifico, semelhante à que vimos no principio da nossa
potasio, lsso suscita, é verdade, uma questão temível, uma
questão que em nossos dias domina a tal ponto a cena mun­
dial — e, de fato. todas as cenas políticas mais restritas —
que não podemos deixá-la passar em silêncio, ainda que ex*
trava* do nosso domínio e mesmo sò se saiba, por enquanto,
fonnuli-la de um modo muito imperfeito. Abramos pois um
parente* para nele encerrar esta constatação algo tosa. O
grande desafio contemporâneo aos valores modernos ê consti­
tuído pela exigência, ou o problema, da solidariedade huma*
m em escala mundial —- nas relações entre povos e Estados.
Coodorcet já previa cm 1793 que a desigualdade desaparece­
ria totalmente entre os povos e só isso. Sem dúvida, em rela­
ção ao estado presente das coisas, a reflexão "mundtalrsta” es­
tá. atê onde se sabe, pouco avançada e percebe-* muito bem
por quê. Mas talvez esbarre na própria contradição que * co­
locou no centro destas reflexões. E possível, nesse caso. que
a antropologia tenha uma contribuição a fornecer.
Ainda não fiz mais do que enunciar um princípio. Será
rraluável? E como? Neste ponto, o pensamento alemão ser*
rir-oos-á de guia, positiva c negativamente. Pode-* ver o uoe-
•o ancestral direto em lohann Gottfried Herder, que chamou
Veil, “povo", à comunidade cultural (mais do que prupeia-
«we social). Em Uma Outra F¡¡cofia da Hutória. de 1774,
Herder reivindica o valor original, especifico, de toda a eo-
U nidade cultural. Trata-* de um protesto apaixonado con*
*> o universalismo das Luzes, principalmente o francês, que
Herder acusa de ser superficial e vão. redutor da complex!-
^ e da ria diversidade das culturas, e cono tal opresor —
•fbciumentc. pelo menos — em face da unidade viva de
cultura concreta, como • cultura alemã (d. acuna, cap
HI). Sublinho que Herder percebia muito bem. ao pomo de
P**da. a oposição entre ai duas concepções — chamem»
universalismo individualista e hotisao culture! - embo-
r* ttaus* subsequentemente, muitos outros depots dele
' grande efeito, superar • controvérsia Acmcenso uma
•£*rv*ção é verossímil q u e uma reação do (Añero da de
Mwí«r deva produzir-* iodas aa v e i e i que u m e cnlmra par-
A com u n id a d e am ropoiópca t a U tohft

tic u la r sc s e n te a m e a ç a d a p e la c u ltu ra universalista modtna.


H e r d e r in flu e n c io u p r o f u n d a m e n te o surgim ento do
lu m o n o s p o v o s d e lin g u a e s la v a (c o m o os tchecos) e, j*»
o u tr o la d o , o im p a c to d a c u ltu ra m o d e rn a n a india, code »
n h u m a in flu ê n c ia h e rd e ria n a (d ire ta ) 6 detectada, prodas
u m a re a ç ã o se m e lh a n te . P o d e -se hipo teticam en te fcncnJoir
e m re la ç ã o a o p re s e n te c a o fu tu ro .
U m o u tr o p e n s a d o r a le m ã o , d e q u e m H erder, aliis. nio
e ra in d e p e n d e n te s o b e sse a sp e c to , oferece-nos um modelo qtt
c o n v é m às n o ssa s n e c e ssid a d e s; re firo -m e a o sistema raooi-
d ic o d e L e ib n iz . C a d a c u ltu ra (o u sociedade) exprime i tua
m a n e ira o u n iv e rsa ), c o m o c a d a u m a d as infriadas de Lcibcáz.
E n ã o 6 im p o ssív el c o n c e b e r u m p ro c ed im e n to — compbcaáo
e la b o rio so , é v e rd a d e — q u e p e rm ita p a ssa r de uma mteada
o u c u ltu ra p a ra u m a o u tra p o r in te rm é d io d o universal tceudi
c o m o a in te g ra l d e to d a s a» c u ltu ra s conhecidas, a mtaaía-
das-m ô n o d as p re sen te n o h o riz o n te d e c ad a um a (comparado
b ip o la r, H H , $ 2 1 8 ; sim p lifica çõ e s possíveis. Daed.).
S audcm os. d e p assag em , o g ê n io : é d e meados do séeub
X V II q u e nos ch eg a o q u e é , sem d ú v id a , a única tentativa
sé ria d e c o n cilia çã o e n tre in d iv id u a lism o e bolismo. A n ã
n a d a d e L eibniz é , sim u lta n e a m e n te , um to d o cm l i c um »
d iv íd u o n u m sistem a u n id o c m su a s p ró p ria s diferenças. &£*
a o » , o T o d o u n iv e rs a l. O fe ch a m e n to d a m ónada cm face d»
e x te rio r — ta n ta s vezes m al c o m p re e n d id o — exprime a o
d u p la exigência. E is n ã o só u m m o d elo q u e respoode so oca­
so p ro b lem a fu n d a m e n ta i m as o c o rre q u e ele exerceu unu
g ra n d e in flu ê n cia s o b re o p e n sa m e n to a le m ão no que ele mo
d e m ais e sp e cífic o . Iss o p o d e se r d e g ra n d e proveito para ofr
e . d e fa to . fo i o e s tu d o d esse p e n sa m e n to q u e me levou s íce
m u la r cla ram e n te a tese q u e p ro p o n h o . M as também exist*
u m m o tiv o d e p ru d ê n c ia , p o rq u a n to se ap erc eb e logo «l1* °*
d e Le ib niz sã o . c o m fre q ü ê n c ia , m enos preciso»

(«conhecida p o r cães. M e lh o r d iz e n d o , d e s postulam o eontr*-


*io. A l e stá u m a sp e c to d a e x ag e raç ão . d a h y b rit desse pensa-
m ea to , d a p re te n sã o d e c o n s tru ir a to d o o c u sto sober a co»
tr a d iç ã o .'q u e ae e n c o n tra m u ito p a rtic u la rm e n te n o Graafr
O ln in ta d w * 211

Conciliador e que deve manter-nos em alerta.’ Tiramos par­


ado das profundas percepções dos alemáes e escapamos ao pe-
hjo tomando o modelo de Uibniz nao como ¡ustiíiativa de
uma identificação imaginária mas como ida! para orientar o
aouo trabalho, uma “idéia reguladora” no sentido kantiano.
No concerto das subculturas nacionais que a cultura mo­
t a constitui, o que suscita cm nós o interesse pela olemà é
a força relativa da componente bolista. A ciéncia social de
tndiçio francesa talvez lhe deva mais do que comuroente pa­
rece. A esse respeito, dois dos fundadores da sociologia estío
m curioso contraste. Durkheim, na medida em que coloca
» primeiro plano as representações coletivas, parte do todo
social, ao paso que Max Weber parte do individuo. Em reía-
#> b tradições nacionais predominantes, dá-se al urna inver
O caso de Webcr explica se pela evoluçk das idéias na
Alemanha da segunda metade do século XIX (eclipse do ro-
wmtiwno e do hegelianismo, predominio do neokantitmo, in­
fancia crtsccnte do positivismo). Ouanto a Durkheim, a in­
fluência alema foi decisiva na íormaçio do scu prometo. Sua­
vizada em seguida, ou exagerada por alguns, ela é precisa­
mente medida por Steven Lukes.1 Uma terceira figura vem.
» momento oportuno, completar o oundro: a de Ferdinand
Tôonies. Diferentemente de Webcr, Tünnies está sintonirado
com todo o pensamento alcmlo: a sua Cmd/itcha/l, ou co­
munidade, corrtiponde ao holismo de Adim Müller e dos ro-
■áticos, Seu mérito consistiu em teanalliar, em distinguir as
duat componentes que Hcgel, depois de ter conseguido sena­
rias, tínha brutalmente combinado, e Marx confundido. Fm
®'rhi opinüo. está af i « rio da fecvndldide da imite* de
Tdw»¡ei. Conhecei i curiosa Inverslo aparente de sentido
o ponto de vista de Tõnnies e o de Durkheim em fj Pi-
* * * áu Trend' Durkheim diz Miolldariedide mecánica"
Tónaies diz "comunidade", e onde este diz Vledade"

* L Dvmoar. Umm « W u . II («« ***** «


dim la p m fc alWmindr " |Vrr. « «P*
• IV |
Mkfim, fw güín M l IW . ear lv * ^ ^
f* * r I Cahnmann com pito m
1• T to l* mi M h fér V’
ff IH M m \m frtflnM i f Tbnbt' A fbv M a n o n . U
m ,m p p m fiH m tr U
212 A comunidade antropológica t a iátdopt

D u r k h c im d iz “ s o lid a rie d a d e o rg â n ic a " . A in v e rs ã o protón


d e q u e T u n n ie s c o n s id e ra o n iv e l das re p re s e n ta ç õ e s e D url-
h e im , n e s te c a s o , o d o s f a t o s m a te ria is . A s d u a s concepções
c o m p le ta m - s e , n a c o n d i ç ã o d e i n s e r i r D u r k h c im em Tõnirie.
O q u e d e te v e T ò n n i c s n a e x p l o r a ç ã o d e s c u c o n tra s te , fot de
te r b asead o s u a re fle x ã o n a ju s ta p o s iç ã o d o s d o is elementos
e m to d a c q u a l q u e r s o c i e d a d e , s e m s e d e m o r a r e m sua hierar­
q u ia c m c a d a c a s o . Na c o n d i ç ã o ú n i c a d e s e lh e acresceour
a d im e n s ã o d e v a l o r r e l a t i v o , a d i s t i n ç ã o d e T õ n n ie s oferece
a f e r r a m e n ta f u n d a m e n t a l d a c o m p a r a ç ã o q u e c o m a n d a , cano
fo i d i t o , a p r ó p r i a s it u a ç ã o d o a n tr o p ó lo g o .
£ m a is fá c il m a n t e r d i s t i n t o s Cmeinschaft c GeseUschcft,
h o lis m o e in d iv id u a lis m o , d o q u e p r o c u r a r re u n i-lo s o u , de al­
g u m m o d o , s u b o r d i n a r u m c o n c e i t o a o o u t r o . A s d u a s concep­
ções d o hom em cm s o c ie d a d e , m esm o que n u m a sociedade
d a d a e la s e s te ja m e m p í r i c a m e n t e p r e s e n te s e m n ív eis diíem v
te s , s l o d ir c ta m c n tc in c o m p a tív e is .
N a v e r d a d e , e j á lh e f o i f e ita a lu s ã o , e s s a incom patibili­
d a d e é p e rc e b id a d e u m m o d o m u i t o d e s ig u a l. T a lv e z i l p w
c o le g a s a s in ta m f o r te m e n te c e n c o n t r e m n is s o u m a razão p a n
n ã o n os a co m p an h a re m n u m e x e r c í c io a r r is c a d o em qu e. de­
c id id a m e n te , o s d o is p é s s c a f a s t a m d e m a s ia d o u m d o outro.
I C o n tu d o , o m a is f r e q ü e n t e , p e lo c o n t r á r i o , é a incom patibili­
d a d e n ã o s e r p e r c e b i d a o u r e c o n h e c id a . T a lv e z u m a perspec­
tiv a a r is to té lic a c o n t r i b u a p a r a e n c o b r i- la , c o m o q u a n d o M an.
r e c o r d a n d o o zoort p o litik o n . a c r e s c e n t a q u e o h o m em é " u o
a n im a l q u e s ó p o d e i n d i v i d u a l i z a r l e e m s o c ie d a d e " , o u qutf-
do hoje C h a r le s T a y lo r , e m b u s c a d e u m a fó r m u la de jutfK*
i , m o d u la a i g u a ld a d e f u n d a m e n t a l d o e indivíduo»
su a c o n trib u iç ã o re la tiv a p a ra o b em co m u m . W1
a f i r m o q u e o p e n s a m e n t o m o d e r n o e s tá singular
___ e p e rd e u m a d e s u a i d im e n s õ e s eascnciai»
>o c o n s id e r a r m o s à lu z d e s s a in c o m p a tib ilid a d e , a t é ««**
cm q u e a I g n o r a , a c o n t o r n a o u a c en su ra ”
a s s im , c o m o p r o c e d e r p a r a r e la c io n a r d e u o Bode
o I n d iv i d u a lis m o d e q u e s o m o s f r e t o e o hoto®*'

I. PP m c m - ChacU. Taylor. "No»»**


IcMfdttj ((41
lu d e * - . aam m icoçJo Inédita 4 1 5MT 01**
P
ciai lo b rr C k ti t . Hokm. H cw **
0 Itinaum»™

q* predomina cm nosso objeto de estudo? Citei o modelo de


Uibniz. Melhor do que uma conciliação, ele representa uma
combinação hierárquica complexa dos dois , rincipios. que ca­
be caracterizar para nosso uso.
Num primeiro nível, no nível global, somos necessária-
ante universalistas. |á náo queremos ver a espécie humana
como uma entidade vazia de todas as particularidades sociais,
o» construi-la como a integral, que postulamos real e coeren*
te. de todas as especificidades sociais. Retomamos assim a am­
bição dos alcmücs. A nossa humanidade é como o jardim de
Herder onde cada planta — cada sociedade — contribui com
w« beleza própria, porque cada uma exprime o universal á
wa maneira. Ou ainda, como no caso de Schiller, "o todo está
k aovo diante de nós, nio mais confuso mas iluminado em
tolas ts suas partes”.11
Num segundo nível, onde se considera um dado tipo dc
Piedade ou de cultura, o primado inverte-se necessariamente
e 0 holismo passa a impor-se. O próprio modelo moderno con*
*”*** mim caio particular do modelo nio-modemo. Foi nes-
«emido que escrevi que uma sociologia comparativa, ou seja,
comparativa de uma sociedade qualquer, é neccssa-
J ^ t c bolista. Para caracterizar esse procedimento, diga*
V* * wa palavra de ordem é “a sociedade como univer-
^ c°ncreto”.
Êm sumi, é hicrarquizando simultaneamente os níveis dc
e, no interior deles c de modo oposto, os nossos
que superamos — idealmente — a incompa-
K r** reconhecemos c respeitamos. Pela reflexão, pen-
°°tm ? rccon*ieccrtl * r impossível, nessa tarefa, afetar um
eiij ilativo aos dois princípios, impossível, em espe-
it j y y o t f o universalismo sem destruir a antropologia, e
^ m r ° f * 1 0 *u*ar ^ ***• COfnPetf M divagaçón sobre
pjjç^ltiplicldade de antropologías correspondentes à multi-
*** da» culturas.
1*^*® Jo fit0 ^ ^ w tir dc pertinência
4 ordem do mundo (cí. acima), essa solução de um
2M A comunidade antropológica t « ideotope

problema antropológico presta se a um a analogia que poderia


confcrir-Jhe, a longo prazo, um interesse geral. Ê possível que
ela prefigure a solução do outro problema político de vulto
das sociedades modernas, o da ameaça totalitaria que pain
sobre a democracia. Se o totalitarismo representa uma colisão
entre individualismo e holismo (ver o cap. JV), se ele cons­
titui uma doença que vitima a democracia moderna, fazendo-a
despencar por um declive invencível, quando ela perde de
vista seus limites, quer realizar-se perfeilamente e. posta ea
xeque pelos fatos, divide-se contra si mesma, estamos — a
história deveria nos ensinar — num círculo. A reivindicação
dos direitos do homem impóc-se. por certo, em face do tota­
litarismo instalado mas. por si só. não nos faz sair do círculo,
como o testemunha o Terror. Pcrcebcr-se-í a longo prazo, sem
dúvida, que a solução consiste em dar a um e a outro dos
dois princípios opostos o seu campo legítimo dc supremacia do
ponto de vista moderno, reinando o individualismo mas con­
sentindo em subordinarse em domínios subordinados. Por­
tanto. seria necessário distinguir níveis, talvez em grande nú­
mero. mutatis mutandis como se fez acima, ou como era o caso
na cidade antiga. A complicação será grande, para a consciên­
cia individual, em primeiro lugar, e sem dúvida também nas
instituições — c quem poderia surpreender-se com isso? —
mas as colisões mais importantes serio superadas. Uma aná­
lise suficiente da sociedade atual mostraria, aliás, que tal in­
versão de valores está implícita na prática: como o via Tóo-
nies. Gemeinseha/t c Gessdschaft estão presentes, alternativs-
mente, no vivido. Por conseguinte, bastaria que essa inversão
se torne consciente, sob uma forma hierárquica, e *e penerrii-
ze. Progresso decisivo — e difícil — da consciência comum,
para o qual a antropologia terá contribuído á sua maneira.

Tendo articulado um princípio, mencionarei agora alnn*


do seus corolários ou aplicações. Comecemos por considerar
pbjeçócs verossímeis. O modelo proposto não será unilase-
oão desprezará toda a sorte de fenômenos e preocupaoV»
hoje retêm legítimamente a atenção dos nosso» colegas?
que se convertem os determinismo» animai*, técnico* e
e, de um modo mais geral, o estudo ds* causa*
a interação entre níveis sociais, tal como a sociedade
os distingue, e entre sociedades ou cultura* distinta»?
o lainüualisnto 21)

So que se tomim i história, a diacronia, as mudanças sociais,


o aspecto genético ou generativo? Uual o destino do indivi­
duo. da pessoa humana?
Nio responderei sobre todos esses pontos, os quais se re-
mían de uma importância bastante desigual, se pensarmos
oís aquisições reais que lhes correspondem. Esboçou-se ape­
áis um quadro ou uma orientação global, sem especificar ludo
o que ai pode ser inserido, quer sejam os patamares intermé­
dios a que me referí mais acima, úteis no confronto, cm si
mesoo abrupto, que nos ocupou, ou ainda as adjunçôci que
aso alteram o principio, como a interação entre uma sociedade
e teu meto humano. Com efeito, pode-se sem inconveniente
dar portas e janelas i mónada, urna v a que se lhe reconhe­
t\ ceu um principio de existencia própria como um todo, e póde­
te isolar as mónadas cm níveis diferentes, por cxcmplo, tanto
I
« u cultura regional quanto as sociedades (ou subcultural)
M que d i engloba.
f\ A questio da história reter-nos-á por um instante Aniña-
lema, cm primeiro lugar, que o modelo leibniiiano substitui,
como esquema unitário, o modelo vitoriano de uma suposta
continuidade (cí. HAE /, pp. 214 o si.). Aldm disso, em ne-
“toma parte foi pretendido que uma sociedade deva ser consi­
derada ou comparada únicamente sob o aspecto sincrónico, ci-
datado i sua continuidade ou o teu dinamismo dlacrónko
priprio. A questio está em saber ic, nesse modelo, o devenir
00 SUJ Id fio ot mesmos para todas as mónada» - o que
«a iproxímarii do modelo vitoriano ou das filosofias da hís-
liria eo geral — ou ae cada tipo aocial tem scu próprto de­
btor. Cabe delur a questio cm aberto; ela, altii, sobrepõe
*r em parle i questio da interaçio.
$¿re um ponto importante existe, de fato, exJusio. Ü
Individuo d, com efeito, excluido como coordenada de « f e
'totta universal. O Individuo, rcfiro-M no Individuo humano
valor, só aparece na ideologia das sociedades moderna»,
l**i a raiio de sua exelusio « da de seos numerosos cuneo
" h ita . Cuero aplicar me a tal m peito m u, M es, devo
^ l a r urna reserva, acentuando-a. em caso d i nncisidadi,
" ta do que lerii indispensável, para nada delur na sombra
A antropología nio d m , cielo eu, esquecer os llmliei que
multar de sua própria experiência. Na generaluaçlo,

k.
21»

p a rti d i í n d i a e , a t é a g o r a , t i n h a o p o s t o à s o c ie d a d e m oderna
a s s o c ie d a d e s tr a d ic io n a is , n o s e n t i d o d a q u e l a s g ra n d e s ux»
d a d e s m u ito a rtic u la d a s q u e fo ra m p o r t a d o r a j d a s civilizações
s u p e r io re s . N e s te p o n to , g e n e r a liz o d e n o v o , d a s " s o d e d a d n
tra d ic io n a is " p a n a s " s o c i e d a d e s n a o - m o d e r n a s " . M a s será li­
c i t o a f i r m a r q u e a s s o c i e d a d e s m a i s s im p le s , m e n o s n u m e ro u s ,
m e n o s e x t e n s a s , q u e f o r a m o p r i n c i p a l o b j e t o d a antropolo g ía,
se o p ta s as m o d e rn a s d o m e s m o m o d o q u e a s preced en tes?
b r a p o u c a s p a l a v r a s , e x i s t e u m a d ú v i d a e m r e la ç ã o a algumas
d e la s . Pensam os na M c la n é s i a , m a i s p r e c is a m e n te n a Nova
G u in é . P e lo q u e s e s a b e . o f r a c a s s o a t é h o je n e s s e dom inio,
t a n t o d a s t e o r i a s s u b s t a n c i a i i s t a s q u a n t o d a s e s tn itu r a lis ta s , pa­
re c e in d ic a r q u e n ã o fo r a m e n c o n tra d o s — o u q u e , cm con­
tra s te c o m o u tro s c a so s, n ã o se e n c o n tro u absolutamente nada
— o s e ix o s id e o ló g ic o s q u e f o r n e c e r i a m u m a fó r m u la relativa­
m e n te u m p le s e c o e re n te . F o r m u la r - s e - ia e n t ã o a h ip ó te s e de
q u e e s s a s s o c ie d a d e s c o n h e c e m outras d ife re n c ia ç õ e s além da­
q u e l a s a q u e e s ta m o s a c o s tu m a d o s , p o r o u t r o la d o . O u a n io ao
q u e n o s in te r e s s a , e l a s s e s i t u a r i a m a q u é m o u f o r a d a oposição
in d iv id u a lis m o , b o h s m o , d e m o d o q u e s e r ia r a d e s c rita s m uito
m a l ta n to d e u ra p o n to d e v is ta q u a n t o d o o u tr o . S u a cosa-
p a r a ç ã o c o m o s m o d e r n o s p o d e r i a s e r f e i t a d e a c o r d o cora um
o u t r o e ix o . D e m o m e n to , e s s e o u e s s e s e ix o s n i o aparecem
S u a d e s c o b e r ta te r ia c e r ta m e n ie c o n s e q ü ê n c i a s q u a n to a o que
to m a m o s p o r e s ta b e le c id o , p o r o u t r a p a r t e , e d e v em o s e s u r
p r e p a r a d o s p a r a u m a " r e v i s ã o d i l a c e r a n t e " c o m o to d a s a t s t ­
ie s q u a u m c o n ju n to n ã o i c o m p le ta m e n te c o n h e c id o .
D i t o isco — e p a r a v o l t a r a o q u e e s t i m e lh o r c s ta b e k o d .'
—, d u a s coostdcraçta, além da própria lógica do esquenu, jus­
tificara • exclusão do Individuo: (I) é quando o Individuo 1
concebido como um fato ideológico que começa verdaJciramcn
U. e m m in h a opinião, a descoberta sociológica — ou cornpu
r u i r t — d a i s o c ie d a d e s modernas; (2) o individualismo r
suas im p licaçta foram, na medida em que eram crédulamente
icr,p o rta d o » , o o b s t i c u l o principal no estudo e na compreensão
d a s aod a d a d e s n ã o - m o d e r n a s (o fato apareceré com clareia
ver m a i o r è p r o p o r ç ã o que essas implicaçta forem nse
destacadas, c f . U A L /, passim), fo r conseguirle, quando
" a c o n c e p ç ã o supcnocialiradn do homem'*
c o n te m p o r â n e a , o u q u a n d o s e proclama que. em
- a lé m de to d a a a b s tr a ç ã o , t de hom ens
tv »

m o» — e n te n d a - s e . d c i n d i v í d u o » v iv o » —
sente »ejo n t» so . d o p o n t o d c v i s t a q u e é
protesto d a id e o lo g ia m o d e r n a c o n t r a u m
evi sociológica. E s t a m o » e m p e n h a d o » n a d e s c o b e r t a d c
¿sntrtaio d o h o m e m q u e . d e f a t o . e s t i e n c o b e r t a ,
da. no» m o d e rn o s . T a re fa d e g ra n d e e n v e rg a d u ra p e r
a o tn a r a z i o , e q u e d e v e m b o c a n u m a t o ta l id a d e m a » , c o m o ac
date no in ic io , t a r e f a d e e s p e c ia lis ta » e t o ta l id a d e cs p e c i a l .
Nà> estam os d e d ic a d o s à " r e s s u r r e i ç à o integral** d s o u t r a eos-
u ico io soc ie d a d e » e c u l t u r a s . D o p o n t o d e v is ta d o I n d i v i d u o ,
essa e sp e cialid ad e p o s s u i o m e s m o sta tu * q u e a s o u t r a s
É so b re e s s e p o n t o , e v i d e n t e m e n t e , q u e se p o d e e s p e r a r
• ttnslk) m ais f o r t e e n t r e a i d e o lo g ia a m b i e n t e e a a n tr o p o ­
fagia o a a c o n s i d c r a ç l o p r o p r i a m e n t e s o c io ló g ic a e m g e ra l. E ssa
teasio m an ifesta-sc h o je p e la » t e n t a t i v a s d e i m p o r t a r u m a a n ­
ode ativ ista n a a n tr o p o l o g i a , p o r o u t r a s p a la v r a s , u m a rtífr-
diQimo n a b a s e d o e n v o lv i m e n t o p e s s o a l q u e i . ne»ae c a s o .
tio inverossím il e a b s u r d o q u a n t o r e a lm e n te in te m p e s tiv o
Com efeito, se h i u m a c o is a q u e a p r e n d e m o s , a p e s a r d o s ex-
cemos e lim ite s d o f u n c io n a li s m o . 6 q u e o s fa to » s o c ia is sá o
evito m ais i n te r d e p e n d e n te s d o q u e p a r e c e k p r im e ir a v is ta
É estranho, p o r ta n to , q u e n o m o m e n t o e m q u e o p ro s e s to c o n ­
tra a d e stru iç ã o d o s e q u il í b r io » n a t u r a i s p ó c e ra x e q u e n a
cpmiáo. p ela p r im e ir a v e z . o a r tíf ic ia lis m o m o d e rn o , q u e se ja
necessário le m b ra r à s p e s s o a s q u e se p re v a le c e m d a a n tr o p o ­
fagia que o s m e io s s o c ia is , e le # p ró p rio # p a r te d a n a tu r e z a a
n v respeito, s à o ig u a lm e n te d e li c a d o s Ê v e r d a d e q u e i« re s-
pett* e a té q u e se d e f e n d e a s s o c ie d a d e » n S o m o d e rn a » f p a r a
a nossa q u e se re s e rv a u m a I n te r v e n ç ã o m a is o u m e n o s a rb i-
tríha A lguns a c r e s c e n ta m q u e . p a r a a c o m p r e e n d e r , é im p re s -
o n dfrd ura e n v o lv im e n to c o m v is ta s k s u a tr a n s f o rr a a ç á o .
A c o ntradiçio e n tr e m a r x is m o c a n tr o p o l o g i a é a i p a te n te
Chegamos, p o is. a e s s e s p r e te n s o s d e te r m in is m o * t é c n k o e c o -
■Aañcos q u e s u s te n ta m u m a f o r m a d e a t i v i a m o . L x m b rc m o *
« k s fize ram p a r te d e s d e a o r ig e m d a s h ip ó te s e s q u e d e ­
feríaos p e rm itir " e x p l i c a r " a s id io s s in c ra s ia * d a s ao esed a d e* .
nSjrir a d iv e rs id a d e d e la s à u n i d a d e . O m e n o s q u e s e p o d e
é q u e ta is id é ia s n à o f o r a m c o n f ir m a d a * : « a b e m o s q s »
afc> tabenau*. e e sse c o n h e c im e n to n e g a tiv o e s tá lo n g e d e *er
resultado d e s p re z ív e l. U m l iv r o r e c e n te d e M a rs h a ll S a h lin t
e x tra ir a d m ir a v e lm e n te a s c o n c l u t ó c s d e s a a lo n g a e x
211

p a ita d a e c o n s titu ir a e x p lic a ç ã o d e c i s iv a c m fa c e d o a m a-


te r i a l h m o a d e t o d o s o s E n e r o s .* * A lg u n s d e s e ja m . a p e s a r de
t u d o . r e t o m a r , m o d if ic a n d o - a s . e s s a s id é ia s o b s o le t a s , a títu lo
d e h ip ó te s e s ? M u ito b e m . O p r o b l e m a 6 q u e o q u e s e d á aq u i
c o m o h ip ó te s e é a m e s m a c o is a q u e o dogm a q u e s e rv e ali
p a r a d e s t r u i r s o c ie d a d e s e m p r o v e i t o , n o f im de c o n ta s , ia
v o n ta d e de p o d e r io d e a lg u n s , a m esm a c o is a que perm ite
s a c r i f i c a r à id e o lo g ia a m b ie n te e . p rc v a lc c c m k v e e d a a n tro p o lo ­
g ia . n e g lig e n c ia r p o r c o m o d id a d e p e s s o a l a s p r i n c i p a n aq u iú -
ç ó e s , s e ja m e la s p e s it iv a s o u n e g a tiv a s .

V o lte m o s à a n tr o p o lo g ia p r o p r ia m e n te d i t a . S e a su a n a ­
t u r e z a e a s u a ta r e f a s ã o a q u e l a s q u e s e d is s e , a lg u n s d e seus
a s p e c to s c o m p re e n d e m - s e f a c ilm e n te . A s s im , la m e n to u -s e por
v e r e s q u e s ó tiv é s s e m o s a c e s s o , a m a i o r p a r t e d o te m p o , a um
" n í v e l in te r m e d iá r io d e a b s t r a ç ã o " . 6 o ô n u s d e n o s s a dedica­
ção á d if e r e n ç a , a o c o n c re to , p o rta n to , d e n o ssa d ig n id a d e .
O m e s m o p o d e s e r d i t o d a f a l t a d e e le g â n c ia e d a c o m p lica­
ç ã o d o s n o s s o s p r o c e d im e n to s m a is s e g u r o s . T a m p o u c o oferece
d ú v i d a q u e as n o s s a s f e r r a m e n ta s s ã o . n a s u a m a io r p a n e , im ­
p e r f e ita s e p e d e m p a ra s e r m e lh o r a d a s . M a s n ã o s e ria judi-
d o s o re je itá -la s . c o m o s e p u d e s s e m s e r s u b s titu íd a » n u m abrir
c f e c h a r d e o lh o s p o r f e r r a m e n ta s m a is p e r f e ita s , p o is a natu-
r e z a c o m p le x a da ta re fa e x c lu i ta l e s p e r a n ç a . V e ja -se , por
e x e m p lo , a c a te g o r ia d o " p a r e n t e s c o " . N o e s t a d o a tu a l, ela
c o m b in a , d e m odo im p e r f e ito , »cm d ú v id a , u n iv e rs a lis m o e
d if e r e n ç a c o n c r e t a , e c o m o t a l n ã o é i n te ir a m e n te d e sp ro v id a
de v a lo r ( c a p . V . p . 1 9 8 ).
A n a tu r e z a d a ta r e f a f a z c o m q u e u m a te n s ã o p ro fu n d a
ize o n o s » t r a b a l h o , te n s ã o q u e c o n c s p o n d c ta n to è
q u a n to n o rig o r d a n o s s a d is c i p lin a e c o n d ic io n a o
s o . R e f le tin d o -s e s o b r e is s o . p e rc e b e -s e q u e muita»
c o n te m p o râ n e a s , q u e não são n o v a s a in d a q u e

Culture and PraeiM Reato*. Chitâfo. IMnnin


f uma obra <or»|o»« pela amplitude de pror»v
conKieivioM precisão da dbcuulo e qor a**u«*
virtude da pcraoniM».!' do auioe e <U e r o * *
pelo »eu outro livro. Tfce V *
* Critique o/ Soòob^ioqi. FonJ-t» T*
dos livro* de JUkl.m acima e * *
e Aaxdo Préic*. Zakrn ÍJitvn. I« 11
-acootrem u m t e r r e n o f a v o r á v e l n a s g e r a ç õ e s a s c e n d e n t e s , ex -
r-.3x m u m a r e j e i ç ã o , a m i ú d e i n c o n s c i e n t e s e m d ú v i d a , d e s s a
:cssío. V e rific á -lo e x i g i r i a t o d o u m l i v r o , m a s 6 p o s s ív e l q u e a
wcte d a a n tr o p o l o g i a s e j o g u e a q u i : c o n s e g u i r á e l a m a n t e r s u a
rocação e s u a u n i d a d e , o u e s t a r á p r e s t e s a s u c u m b i r s o b a
pressão m u ltif o r m e d e s s a m e s m a i d e o l o g i a m o d e r n a q u e lh e d e u
onfoa?
A re je iç ã o d a t e n s ã o c o n s t a t a - s e i m e d i a t a m e n t e o n d e q u e r
qac o ju lg a m e n to d e c i d a a r b i t r a r i a m e n t e u m a s i t u a ç ã o a m b f-
fui ou in c e rta e m s u a e s s ê n c i a ( a t i t u d e m a i s f a c c io s a d o q u e
danifica, p o r e x e m p l o ) , o n d e q u e r q u e . d o s d o is p ó lo s c m
presença, u m d e le s é l i q u i d a d o , a r b i t r a r i a m e n t e s u b o r d i n a d o ,
prematura o u d e f i n i t i v a m e n t e a p a g a d o e m p r o v e it o d o o u t r o .
Amm, em v ir tu d e d o s n o s s o s h á b i t o s m e n t a i s r e s is tir e m à tra m *
f t ação q u e a c u l t u r a e s t u d a d a e x ig e d e le s , p o d e -s e i m a g in a r
* u s m aneiras o p o s t a s d e f u g i r ã d i f i c u l d a d e . U m a é c o n v e r-
*tr-*e à v id a e x ó tic a , r o t a s t o d a s a s a m a r r a s c o m a d is c ip lin a
“ tra d u ç ã o " ; n e s t e c a s o . h a v e r á e x p e r i ê n c i a p e s s o a l c o m ­
pleta mas n ã o h á c o n t r i b u i ç ã o p a r a a c o m u n i d a d e d e p e s q u is a .
A outra a lte rn a tiv a c o n s i s t e c m d i m i n u i r a d i s t â n c i a , c o m e ç a n ­
do por e s tu d a r, p a r a u m p r i m e i r o t e r r e n o , a s p e s s o a s p r ó x i-
de si — e m p r e e n d i m e n t o d i f í c i l q u e c o n v ir i a m a is a p e s ­
c a d o r e s a m a d u r e c id o s c m o u t r o s lu g a r e s : e v ita -s e o t r a u m a -
* • 0 da m u d a n ç a r a d ic a l d c m e i o a m b i e n te m a s c o r r e -sc
o p e rig o d e f i c a r s u p e r f i c i a l . E v e r d a d e q u e o " p r i v i l é g i o
^ M a n d a m e n to " q u e r e i v i n d i c a m o s n ã o é s o m e n te n e g a d o
d® interior m a s t a m b é m c o n t e s t a d o d o e x t e r i o r . S in a l d e q u e
* 0 Poder d a t é c n ic a d a p e s q u i s a é s u p e r e s t i m a d o , o u d c q u e
•®oeform ismo g a n h a t e r r e n o s o b r e n ó s . C o m e f e i t o , o a d e p t o
4e*| e cam inho a p l a n a d o s e r á . m u i t o p r o v a v e l m e n t e , l e v a d o
^ ma declive a a p r o x im a r - s e s e m s e a p e r c e b e r d a t e c n o c r a c i a .
“**«*> te m p o q u e s c a c u s a , p o r v e z e s , o s n o s s o s a n te c e s -
co*n u m a l e v i a n d a d e i n c r í v e l m a s re v e la d o ra , d c se
¡ 2 * P o * t o a s e r v iç o d o s p o d e r e s e s t a b e l e c i d o s o u d o " i m p e -

• « J Í Í Í ? .0<nx>* **o r a * * * fle x S o p r e c e d e n t e à r e l a ç ã o e n t r e


• n ^ / olol M « o s e u r o c i o s o c i a l , n e s t e c a s o , a s o c i e d a d e
4M.l «. emM p a r t i c u l a r ,1 ■
à queM
s t ãa ou du a iInn t r o d u ç ã o e v e n t u a l
I^ J ¿ WoP °ío» ia n o e n s i n o p r é - u n i v e r s i t á r i o C om ecem os por
0 « « re n o . O p r o b l e m a é t r i p l o : a ffirv in a lid a d e d o e n tin o .
MO A comunidade antropológica e a ideologia

•cu conteúdo e suas conseqüências previsíveis. N io se pode


divulgor senlo o que já está estabelecido e a fraqueza do
comcnso na profissáo tom ará difícil ficar por aí. Além disso,
o que é ensinado náo depende somente dos livros de que se
serve mas também das tendências predominantes dos que en-
sinntn. Pode-se esperar, portanto, o florescimento de um ma­
terialismo sumário. E há pior, pois o relativismo ameaça ser.
nn ausência de uma teoria gemi. a conclusão principal que
decorrerá de um ensino elementar. Ccrtamcnte se quererá com­
bater o racismo, e se ficará profundamente surpreendido se se
descobrir que o favoreceram. Esse gênero dc problema impôs-se
aos nossos colegas ingleses." Aos que imaginarem poder im­
punemente relativizar o» valores contemporâneos náo ao nível
dc uma atividade especializada mas ao da consciência comum,
lembrarei que a sociedade onde esse processo foi aplicado mais
a fundo foi, Km dúvida, a Alemanha dc Weimar, e sabemos
o que se seguiu — tem que se veja af necessariamente a causa
única. Por outras palavras, um ensino elementar de antropolo­
gia só i possível uma vez elucidada e claramente formulad*
nossa relação, eu direi, corporativa com os valores modernos
Caso contrário, cair-K-á na irresponsabilidade ou em qualquer
outra coisa que dc antropologia só terá o nome. (Diga-se. dc
passagem, náo te pode tocar no racismo, tratando-se do hexá­
gono, Km mencionar a situação e o tratamento dos "trabalha
d o m tmigrados"; está 8Í. para a antropologia, um temível
desafio que k gostaria de acreditar ser ela capaz de enfrentar
alroaamente.)
Ora. acontece q u e o nosso m o d e lo resp o n d e perfeitamenre
k necessidade que acabamos dc in d ic a r. R esponde, em minhj
o p in iã o , à mais elevada ambiçSo h u m a n ista e possui, portanto,
eng principio, o mais a lto valor pedagógico. S om ente em prir
clpio: além de que numerosos antropólogos o recusarão, pro­
vavelmente, aqueles que o aceitariam ou aceitam concord*
rito em que k trata dc um pesado fardo a carregar pelo pnV
prlo especialista e que nâo poderia ser imposto oos jovem
• • p in t o s cm formação. Concluamos: a proposta ( prem atura,
exige um estudo mais profundo do que parece acreditar se1

11 tR o rtl Anthropological Im n n m Nn*o>. l í . iw n w l w t ro


4 * !•?#. p 7 : rn trru n io . o projeto p»rrv» oefulr leu (OTO (tf *a««
221
OI

oecosário e . s o b r e t u d o , q u e a c o m u n i d a d e p o n h a c m o r d e m
isas idéias. N ã o s e t r a t a , c e r t a m e n t e , d e u m a c o n c l u s ã o e s t i ­
m as a e v i d ê n c i a i m p õ e - s e .

Um ú ltim o p o n t o . S e g u n d o u m a i d é i a v a g a m a s m u i t o
carreóte, a a n t r o p o l o g i a , s e n ã o é a t u a l m e n t e u m a c i ê n c i a
aricio aensu. d e v e . a o p r o g r e d i r , a p r o x i m a r - s e d e s s e i d e a l e .
em última i n s t â n c i a , r c a l i z á - l o . O r a . à l u x d o q u e f o i a q u i
fito. é-*e le v a d o , n ã o s e m h e s i t a ç ã o , a p ô r c m d ú v i d a e s s a
idéia. Com e f e ito , p a r e c e q u e a i m i t a ç ã o d a s c i ê n c i a s “ d u r a s "
é de n a tu re za a a s s e g u r a r - n o s u m c e r t o g r a u d e r i g o r e d e
« ctim iidade. M a s s e r á v e r d a d e i r a m e n t e a s s i m ? S e s e f i x e r
a c ta das c o n tr i b u i ç õ e s r e a i s c d o s o r n a m e n t o s a d o t a d o s , v e -
* que a in flu ê n c ia d a s c iê n c ia s e x a t a s é p o s itiv a , s u a
,ait*Çâo n e g a tiv a . S e r i a c e r t a m e n t e d e s e j á v e l q u e t o d o o a n t r o -
;ók*gc>-. tivesse u m a f o r m a ç ã o e l e m e n t a r n e s s a s c i ê n c i a s , m a s
~ ura fato q u e a f o r m a l i z a ç ã o m a t e m á t i c a f a z - s e a c o m p a n h a r
•req-uenteroente d c u m p e n s a m e n t o r u d i m e n t a r o u d i s s i m u l a
PnW cm as re a is e s o l ú v e i s .
R e to m e m o s, p o i s , o f i o d e n o s s o a r g u m e n t o . A p o n t a m o s
^ ^ v e rsa s v ezes a e x is tê n c ia d e u m a r e la ç ã o p e n o s a e n t r e a
‘" ^ o l o ^ i a e o u n i v e r s a l i s m o m o d e r n o . R e j e i t a n d o a s n e g at-
'j '« re fle tid a s c a s c l i s õ e s f á c e i s , c h e g a m o s , e m s u m a . à i d é i a
* a m p lia ç ã o d e s s e u n i v e r s a l i s m o , p r i m e i r o c o m o m é t o d o
« n se g u id a , c o m o r e s u l t a d o , c m ú l t i m a a n á l i s e , d c u m a c o m -
’inA *o a s s e n te c o m o s e u c o n t r á r i o n o p l a n o «Jos v a l o r e s s o -
” ***: f i n a lm e n te , a p r o x i m a m o s e s s e p r o c e s s o d o f u t u r o p o s -
. ~ 4* c iv i l iz a ç ã o m u n d i a l . C h e g a m o s a g o r a a u m o u t r o a s-
K cío d esse u n i v e r s a l i s m o m o d e r n o . N o r m a t i v a m e n t e , o u n i -
^ r u l é a ra c io n a lid a d e , e a s le is c ie n tíf ic a s s ã o c o m u m c n te
^ com o a s ú n ic a s p r o p o s iç õ e s n ã o ta u to ló g ic a s \c r d » d c ir a -
***** u n iv e r s a is . O n o s s o p r o b l e m a c o n s i s t e e m n o a s i t u a r m o s
03 r«f*Ç*o a e s s a r a c i o n a l i d a d e . Q u e s t ã o a b s u r d a , s e d i r á : a
f ap en a s u m a c n ã o se p o d e s u b t r a ir c o is a a lg u m a d e la
** a b a n d o n a r a v e r d a d e . N ã o s e t r a t a , c o m e f e i t o , d e k
ub,r* 'f à r a c i o n a l i d a d e c m s i e a q u e s t ã o é m e n o s a b s u r d a d o
J 1* P * m ce. E x i s t e m d u a s — p a r a n ã o d i z e r t r ê s — g r a n d e s
d e ra z ã o q u e im p õ e m r e s e r v a c m fa c e d a ra c io n a * 1*
c*wit<fica.
Pai p rim e iro lu g a r , o s h o m e n s n ã o c o m e ç a ra m a
In v e n ta ra m n a G r é c i a , d iz e m - n o s o s c la s s ic is t a s .
222 A comunidade antropolítica t i idtoiopa

m ádo " d is c u r s o c o e re n te " . A in v c n ç io deve l e r consistido


num e decomposição: s e p a r a r a m - s c a s d if e r e n te s d iro e w ó e s d i
e x i s t ê n c i a , c a d a u m a d e la s n u m a s e q ü ê n c ia d is tin ta d o discur­
so . O d i s c u n o r a c i o n a l d iz - n o s u rn a c o is a d e u rn a s ó v a , so
p a ss o q u e o m ito , o u o p o e m a , fa z a l u s i o a tu d o m im a frase.
Um 6 ra so , o o u tro é “ d e n s o " (c f. A thick description, d e Clif­
fo rd G e e rtz * ). O m ito é um p e n s a m e n t o c o e r e n te , m as mu
c o e rê n c ia e s tá e n r a iz a d a e m s u a m u ltid im e n s io n a lid a d e , ê de
um tip o d iv e rs o d a c o e r ê n c ia d is c u r s iv a o u “ ra c io n a lid ad e ",
l u o n ã o q u e r d i z e r q u e p o s s a m o s d e i x a r q u e re le g u e m o m ito
p a ra o " ir r a c io n a l" a ss im ila d o à in c o e rê n c ia .
I s s o n ã o é t u d o , p o is a d e c o m p o s i ç l o p ro s s e g u e . A racio­
n a lid a d e f il o s ó f i c a v is a a in d a a t o t a l i d a d e , m e s m o q u e teia
u m a to ta lid a d e " d e s e s p e s s a d a " . A r a c io n a lid a d e c ie n tífic a , que
p r e d o m i n a e n t r e o a m o d e r n o s , v is a d e c a d a v e z u m a p a r ó la
da to ta lid a d e . £ e s s c n c ia lm e n te in s tr u m e n ta l (re la ç ã o dos
m e io s c o m o s f in s ) e e s p e c ia liz a d a , n o s e n ti d o d e q u e se exer­
c e n o i i i t c r i o r d c c o m p a r tim e n to s q u e n ã o s ã o d e fin id o s racio­
n a l m a s e m p ír ic a m e n te (HAS I. p . 2 9 ). A ra c io n a lid a d e da
c iê n c ia te m p o r r e s u l t a d o , e n t r e o u t r o s , q u e a com plexidade
o u " m u l t i p l e x i d a d c " d a e x p e r iê n c ia h u m a n a q u e o m ito pres­
s u p u n h a c re c o lh ia e s tá a g o r a d is p e r s a . C a d a u m d e nós náo
te m p a rte n a c iê n c ia c o m o c a d a u m p a r tic ip a o u participava
no m ito . O b se rv e -se n e s te p o n t o u m a r e v e r t i ó n o táv el (cf.
T B n n ie a - D u r k h c im ) : o s u je i to n o rm a tiv o é o in d iv íd u o mas
o c o n h e c i m e n t o s ó e s t á p r e s e n te n a ín te g r a n o c o rp o social di­
v e r s if ic a d o . D e r e s t o , c r e i o q u e a a n tr o p o lo g ia p o d e a ju d a r a
r e e n c o n t r a r o u r e v e la r o p r i n c í p i o d e u n id a d e d a c u ltu ra oode
a c iê n c ia p re d o m in a (v e r c a p . V il) .
S e g u n d o m o tiv o d c re se rv a : e t s a d e c o m p o s iç ã o c k n t í í k j
d o u n iv e r s o d o h o m e m n ã o fo i i m p o s ta , s e m d ú v id a , sem gran­
de r e s is tê n c ia e , m e s m o em n o ssa p r ó p r ia c u ltu r a , s u s c ito
u m a n o v a c o rre n te d e p ro te s to s . P o r e x e m p lo , a d e s tru iç ã o do
c o s m o h i e r á r q u i c o , o c o r t e o b j e t o / t u j e i t o , a h ie ra rq u iz a ç ã o «ias
q u a l i d a d e s e m m e n s u r á v e is ( p r i m á r i a s ) c n ã o -m e n su rá v e is (se­
c u n d á r i a s ) . f o r a m r e s s e n tid o s c o m o a g r c s s ó c s c o n tr a o h o m rr.

* *Ums dexriçlo drnu". Ututo do I * capituto do l.vro i t CWfcid


Crntx. The Interpretation of Cultura. S o rt Iorque Hm« Books. IVJ
(Título da ediçlo br*ule. r» A Interpetiaçòo dat Cultura. Zahar
n t 1*7». oíd de Fanny Wrobell (S do T.)
2JJ

^ , ho.tmd.de de Goethe, era norae do sentido hit-


f totalidades
‘" j . . tA f» 1 iH id e s vivas, c o n t r a a ciencia meca-
v i v a s , contra

[ iiòmi.Mte de seu tempo.


mu f iWointitc — • Lévi-Stnmss sccundouo era
Z . m defesa d a s q u a l i d a d e s s e n s í v e i s c esse fato sublinha
A n u id a d e co m a s c u ltu ra s n a o -m o d e rn a s dessa c o rre n te
p W J ó ò i . su b m e rsa , s e m d ú v i d a , m a s m u ito lo n g e d c m e-

taprahd.
Pcde-se e x tra ir d o d e s e n v o l v i m e n t o d a p r ó p r i a c i ê n c i a u m
kredro irg u m en to . M c n c io n o o apenas com o c o n firm a ç ã o e
w fc» de c o n v e rg ê n c ia , p o is u m p ro fa n o c o rre af o ris c o de
c c o m e m » g ro s se iro s. F i q u e m o s , p o i s . d e l i b e r a d a m e n t e , n o
r ç o e digamos a p e n a s q u e e x i s t e u m a c r i s e d a c iê n c ia tip o . a
J * * -" 0 P^isscípio d e i n c e r t e z a d c H e i s e n b e r g t e r i a , s e m d ü -
^ »<egudo e c o n í i t m a d o G o e t h e , a o m e s m o t e m p o q u e r t -
1 V * * fa m ilia r e n tre o o b s e r v a d o r c o o b -
«vida.

a» f S 1, * ? *?* , r * s w P k ’, e j d e r e f l e x õ e s p o d e - s e c o n c l u i r
I ry r>Cia d ° tip o d c f f t i c a c l á s s i c a n i o é c o c x i s t c n t e c o m
u n i v c r w l - O ê x i t o d a c i ê n c i a é i n c o n te s tá v e l c
t r a t a r - t e d e r e j e i t á - l a m a s é e v id e n te

w L*1* * l i ° u n l ' # l c u ' c i n s u f i c i e n t e q u a n t o a «o-


tid o p j n S L a . ic tv # ^ ^ a s e . c M t,U M * * ° m a d a s c m c o n j u n t o .
7ieacnta' , ? n N , 0 í c 1 * * * 8 °* . p o r q u a n t o p e d e m u m c e r n ­
i a e . ° a j e i t a m , t u d o a o m e s m o t e m p o .”
ijf ty jj. ’ ’P u f ic a . s i m u l t a n e a m e n t e , o in te r e s s e que podem
A **, * * 01 n o*í ° s « f o r ç o * e a p r u d ê n c i a q u e n o a é d ita d a
cç^ w k ) «o n iv e l d o s v a l o r e s s o c ia ls a c r e d i ta m o s te r des*

lele P ° w f 't l d ila ta r o u n iv e rs a lis m o m o d e rn o p a ra


t*r ftc .,< v r i r 0 » « i c o n trá rio , ta m b é m a q u i s e p o d e te n -
b i l i a r o u n iv e rs a l " r a s o " e o u n iv e rs a l "d em o * ou.

**'“* k comunkaçta preparada* por D aaW W •


A tpcnlU ilím (arcemfcco d r 1*71)
orfM iltfclo pela A tacriaclo Im am adcaal
H iélalo m at m ta m a a » at r* « a ra , aaa* |
¿ V S S * • * « IF.atMe um um aa |»aad» m dn*
> * Wm . o que m diiaa acima ««* • 4» talar 4a
j » tu ., . ***** » • m atemática q«* d. • »
^ C / * “cauU4mta «m à. * •<*» *
40 ^ i m la iim necraatclai •. . t ç . 1
S ¡' 5*•» ,‘* da Inttnláeio SuWW* o Ia» dt qw •
Mm da m n
A cfmuniJjJf anlrofoUgka t a kinUfk

como dissemos a propósito das sociedades, o univcm l amen­


to. Mss Uso só é possível numa perspectiva inverts: Mtái
como as regularidades simples da física clássica se apresenta*
como casos particulares numa perspectiva mais ampla, lambón
o universal abstrato da ciencia pode apresentar-se como tna
caso particular do universal concreto. Vè-sc que paradoxo ha­
veria — te a nossa tarefa entrevista consiste realmente em
trabalhar para reintegrar a cultura científica entre as demais
culturas humanas — cm querer a todo o custo imitar servil­
mente as ciências exatas, elas próprias, aliás, cada vez menos
seguras de seu fundamento.
Veríamos, antes, a verdadeira vocaçio da antropologia, en­
quanto ciência social fundamental, numa abordagem e mans
postura inversas e complementares das da ciência (clássica) c
da ideologia moderna cm geral: rc-unir. com-(a)preender. re­
constituir o que se separou, distinguiu e decompôs. Sem filar
de paralelismos entre certos procedimentos da antropologia c
da física moderna, é permitido observar que um enfoque se­
melhante já está presente cm nossa atividade, tal con» ê, oo
melhor, u l como veio a ser. De fato. nio foi ao afastar-se das
ciências da natureza, da explicação causai, da prediçio. da
aplicação. etc., que ela já realizou seus mais notáveis avanço»
recentes?
Ê verdade que a tarefa assim sumariamente exposta é
imensa e parecerá até extravagante se a colocarmos em para­
lelo com o estado atual da profissão, desunida, dispersa cm
tendências muito divergentes. Somos sempre devolvido» k ne­
cessidade de melhorar a comunidade cientifica. Enquanto o
consenso náo for mais vivo, a unidade mais consciente, os oos-
sos mais altos destinos continuarão sendo sombras vis.
Detenho-mc c vão dizer-me que era aqui que eu devia ter
começado: A reforma será possível? Como proceder? Fixo
tne em três proposiçócs: (I) A comunidade antropológica de
vt-se definir cm sua natureza e cm sua função em relação I
ideologia moderna; (2) o princípio de unidade reside trona
comparação dos universais concretos numa perspectiva unim-
talista; (J) compreende-se. entáo. que grande número de prá­
ticas contemporâneas são destrutivas da comunidade. Cad*
um pode examinar a tua própria prática e metborí-la a
respeito.
225
m

Onde o Igualitarismo Está Deslocado


D c* jo m o s tr a r a p e rtin ê n c ia da d is c u s s ã o p re c e d e n te q u a n to
à p rática c o n t e m p o r â n e a com um e x e m p lo p r e c is o d e a lc a n c e

feral.
A c o m u n ic a ç ã o no in te rio r da c o m u n id a d e de p e s q u is a
requer c o n c e ito s u n iv e rs a is . O ra , o d e s e n v o lv im e n to re c e n te
que a c e n tu a a e s p e c i f i c i d a d e d e c a d a c u ltu ra d e s tr ó i c e n fra ­
quece. p o r v o e s i r r e f l c t i d a m e n t e , s e m d ú v id a , o s u n iv e rs a is a
que r e c o rría m o s a t é e n t ã o . P o r c o n s e g u in te , é ú til id e n tific a r
pelo m e n o s a l g u n s u n iv e r s a is , s ó lid o s c s u fic ie n te m e n te d u ra -
to u ro s , d o d is c u r s o a n tro p o ló g ic o . Foi esb o çad o a c im a um
m étodo c o m p a r a t i v o q u e in tr o d u z um p rin c ip io u n iv e rs a l c m
tu \c l g lo b a l. M as p o d e re m o s a firm a r a p re se n ç a cm to d a a
cu ltu ra d e c o m p o n e n te s u n iv e rs a is ? Na fa lta de e le m e n t o s
u h tfin c ia is , s e r ã o tip o s d e r e la ç õ e s . F a o p o s iç ã o d is tin tiv a .
T r a ta * , e v id e n te m e n te , d e u m a a q u is iç ã o fu n d a m e n ta l. M os­
tra re i c o m u m e x e m p l o q u e é n e c e s s á r i o a d i c i o n a r - l h e a o p o s i ­
ção h i e r á r q u i c a e m englobamento do contrário c o m o tip o de
rela ç ão e n t r e e l e m e n t o c c o n j u n t o . T e n d o a p re s e n ta d o c m o u -
t r i p a r te e s s a o p o s i ç ã o , d e i x a r i a d c b o m g r a d o a o u tro s o c u i­
dado de u m a a p lic a ç ã o b a s ta n te e v id e n te . E la n â o fo i e fe tu a d a .
D ev o c r t r q u e a i d e o l o g i a a m b i e n t e t o m a a h i e r a r q u i a d e c i d i ­
d a m e n te i m p o p u l a r ( c í . e n t r e t a n t o a n o t a d a p . 2 5 4 ) . P o rta *
to . p r o p o n h o a g o r a u m a d e f e s a c i l u s t r a ç ã o d a o p o s i ç ã o hi*
q u ic a n u m c a s o e m q u e a o p o s i ç ã o d i s t i n t i v a é in s u íic »

F ta m b é m a o p o r t u n i d a d e p a ra d a r u m e x e m p lo
c o n tin u id a d e t i o fre q ü e n te cm n o s so s e s tu d o s . P o d e -s e
s id e r a r a o b r a c l á s s i c a d c S i r E d w a r d E v a n s - P r i l c h a r d
A u tv íe * um a re s p o s ta a L é v y -B ru h l. O a u t o r in te
v iv a m e n te p o r U v y B r u h l e , n e s s e l i v r o , u l t r a p a s s a v a - o
m o n s tr a r q u e os ju lg a m e n to s que e s te ú ltim o q u a lific a
" p ré -ló g ic o s " e s tã o v in c u la d o s • s itu a ç õ e s d e te rm in a d a s e
podem s e r g e n e ra liz a d o s c o m o c a r a c te rís tic a s d c u m a " m e n ti-
lid a d c " , c o m o se a s m e s m a s p e s s o a s n ã o s o u b e s se m re c o rre r
ló g ic a e m o u t r a s s i t u a ç õ e s . A p re o c u p a ç ã o c m d is tin g u ir d ife ­
r e n te s e s p é c i e s d e s itu a ç õ e s , s e ja cm re la ç ã o com a s c rc n ç a i
r e la tiv a s è c a u s a l i d a d e ( A z a n d e ) o u com a concepção de um

* Titulo d a edit*) bt•••letra. B ruxm k. Ordrwto» t H« N entr* 01 Am»


d r, Z a h a r E d ito re s . 1971. t r a d , d a B H Vivttrw d e Caatro (N. d o T )
226 A comunidade antropológica t a idtoiofia

" s is te m a s e g m e n ta r" (N u c r), s u rg iu há 25 a n o s c o m o um a


a q u is iç ã o im p o r ta n te e d e f i n i t i v a . D ir - s c - á q u e a i n d a o é nos
d ia s d e h o je ? N ã o o b s t a n t e , e s s a p r e o c u p a ç ã o e s t á g ra v e m e n ­
te a u s e n te n u m c e rto tip o d c e s tu d o s e e s s a d c s c o n tin u id a d e
assu m e e x tra o rd in á rio re le v o se a d e te c ta m o s na entourage
im e d ia ta do p ró p rio E v a n s -P ritc h a rd . S a b e -se q u e fo i so b o
seu im p u ls o q u e fo i re a b ilita d a , e n t r e o u t r a s p e la s trad u çõ es
em lín g u a in g le s a , to d a essa p a rte da h e ra n ç a da escola
d u r k h c im ia n a que R a d d iífc -B ro w n náo h a v ia re to m a d o . Foi
a s s im q u e , d e p o is d e t e r t r a d u z i d o o s d o i s g r a n d e s e n sa io s de
H e rtz . R o d n e y N e e d h a m p re p a ro u , a p a rtir d e 1 9 6 2 , n o p ró ­
p r i o I n s t i t u t o d c O x f o r d a c u j o s d e s t i n o s E v a n s - P r itc h a r d pre­
s id iu a té s u a a p o s e n t a d o r i a , e c o m o s e u e n c o r a j a m e n to , a pu­
Right and Left.
b lic a ç ã o c m 1 9 7 3 d c u m a o b r a c o le tiv a in titu la d a
Essays on Dual Symbolic Classification'* (Direita e Esquerda.
Ensaios sobre a classificação simbólica dual). E u m a o b ra im ­
p o r t a n t e , q u e p a r t e d o Ensaio d c H e r t z d c 1 9 0 9 — a b re cora
u m a fo to g ra fia d e le — c n á o a g ru p a m enos de 18 c o n trib u i­
ç õ e s a n tig a s , re c e n te s e n o v a s, in c lu in d o d o is e n s a io s d o pró-
p r i o c o o r d e n a d o r , s e m c o n t a r u m a i n t r o d u ç ã o e m q u e N e ed h a m

É
a p r e s e n t a o p a n o r a m a p o r e l e m o n t a d o . D e v e f i c a r b e m claro
q u e n ã o e s c o lh i R o d n e y N e e d h a m p a r a d irig ir-lh e u m a c ritica
p e s s o a l: c o n s i d e r o e s s e l i v r o r e p r e s e n t a t i v o d c u m t i p o d c anã-
I lis c c , a c c s s o r ia m e n te . c o m o um tra b a lh o que a p r e s e n ta um
p ro b le m a d e c o n tin u id a d e . Em re la ç ã o á s o b r a s c lá s s ic a s de
E v a n s -P r itc h a r d , in te re s s e e s tá aqui d e s lo c a d o p a ra o sistem a

•* Coordenado e com uma introdução de Rodney Needham Preíko


de E. E. Evans-Pritchard, Chicago. University oí Chicago Presa. UM
Um pequeno ponto de historiografia pare completar um óescnvwhv
memo de Needham (pp XIII-XIV): Hertx estava «quecido en (Weed
em 1932 quando o mencionei na minha conferência sobre Maim (ver
•cima. cap. V). • qual atraiu a atcrv;to dc Evans Pritchard (cf tua i»
Irodotio Jt tradução do Eiusi tur le don. cm francês era LArc. 48, 1972.
p 29). Ek ignorava a presença de Milonga. dc Hertr. na biN-otcci

É do Instituto (Fundo Raddiífe Brown) e (mediatamente k apoucu de)»


(cí aua referência a Hertz em Right and Left ... op c it, p 9) r
DOU 10). Sua memória o traiu quando afirma (ibid., p. IX) ter falido
armpre de Herti em Oxford. Foi menos inexato em I960. quando t»
errveu "hi alguns anos" (/or a number of yean) na Introducto i na
duelo do livro da Hert* (DeuM and the Right llanJ. toodre*. Cebra
* Weu. I960, p. 9). Ease detalhe i pertinente quanto i de*ccntirr¿
dade em antropología e à utilidade dn intercâmbio de peasoas entra
227
O Imiiirtdt****'"0

V id¿ias e v a l o r e s , s i s t e m a “ s i m b ó l i c o " o u i d e o l o g i a , c o n s i d e ­
rado em si e m a i s o u m e n o s i n d e p c n d c n t c m c n t c d a m o r f o l o g í a
iocúl- R c d c s c o b r i u - s c H e r t z . O q u e é c u r i o s o , c m v i s t o d a s
circu n stân cias. é q u e s e j a m e n o s p r e z a d a a d is tin ç ã o e v a n s-
p n u h a r d ia n a d a s s i t u a ç õ e s , o q u e t e r i a p e r m i t i d o — s o b u r n a
fonas u m p o u c o d i f e r e n t e — p r o l o n g a r o u r e n o v a r H e r t z , a o
passo q u e se l i m i t a m , d e f a t o . a i l u s t r á - l o . a l i á s c o m g r a n d e
ñ q o e ra. £ i s s o o q u e v o u . p e l o m e n o s . c s f o r ç a r ~ m e p o r m o s ­
trar.
Ero s u m a , d c s c o b r i u - s e — o u r c d c s c o b r i u - s e . s e p r e f e r i ­
rem. o u fo í c o l o c a d o c m p r i m e i r o p l a n o — q u e o h o m e m p e n s a
por d is tin ç õ e s , c q u e a s o p o s i ç õ e s d a f r e s u l t a n t e s f o r m a m , d e
d fa m m o d o , u m s is te m a . A s s im , fo i-s e le v a d o a a p r e s e n ta r
u«as de o p o s iç õ e s m a is o u m e n o s h o m ó lo g a s e n t r e c í a s , “ c la s -
«ficaçõ es b i n á r i a s '* , c o m o u m a e s p é c i e d e m a t r i z d u a l i s t a c o n s ­
titu ind o o e s s e n c i a l d o “ s i s t e m a s i m b ó l i c o " i n d í g e n a o u . p e l o
aeno». u m a s p e c to i m p o r t a n t e d e s v e s i s t e m a . C o m o a m a té ­
ria é f a m i l i a r , c o l o c a r e i d e s d e j á a s c o i s a s e m p l a n o a b s t r a t o .
Sejs u m a s é r i e d e o p o s i ç õ e s : a / b . # / / . i / k . o / p . q u e s e a p r e -
****** e m d u a s c o l u n a s : a . e . í . o c m f a c e d e b . / . k . p . N o m í -
“* ° . e n c o n t r a - s e n u m c e r t o c o n t e x t o u r n a h o m o l o g í a e n t r e a s
” ** p r i m e i r a s o p o s i ç õ e s : a / b = e //.- d o m e s m o m o d o , n u m
>**n> c o n t e x t o , e / f = i / k . c a s s i m p o r d i a n t e . P. a f i r m a d a a
rf« o c u p a ç 4 o i O r o i t e e t G a u c h e , in tr o d u ç ã o . pp X X V II-
X X V III) d e c o n s i d e r a r c a d a u r n a d a s o p o s i ç õ e s n o s e u c o m e r -
**_ ° » . m e l h o r , d e c o n s i d e r a r c m s e u c o n t e x t o c a d a u r n a d a s
"O o x á o g ia s e n t r e d u a s d e s s a s o p o s i ç õ e s . M a s é c l a r o q u e n a
» » t n i ç i o d o q u a d r o c m d u a s c o lu n a s , to d o s o s c o n te x to s s ã o
in fu n d id o s o u e lid id o s . E m s u m a . a d is tin ç ã o d a s situ a ç õ e s
^*0* d e se r c o n s id e r a d a p e r tin e n te n o m o m e n to d a p a ssa g e m
'* * » o c o n j u n t o , c o m o s e c a d a s i t u a ç ã o c m s i f o s s e i n d e p e n -
d o c o n ju n t o d a “ m e n ta lid a d e * * , q u a n d o d e v e s e r e v id e n te
í » • p ró p ria d is tin ç ã o d a s s itu a ç õ e s d e p e n d e , d e fa to . d a m e n -
*-*fedade e m c a u s a . N ã o m e d e t e n h o n o a r g u m e n t o s e g u n d o o
t a i a d is tin ç ã o s e r ia c m E v a n s -P r itc h a r d p u r a m e n te e m p ír ic a
*> e x t e r i o r , e n ã o i d e o l ó g i c a ; < v e r d a d e q u e o a s p e c t o M c o W -
«*eo é a q u í a c e n t u a d o : a d i s t i n ç ã o t o m a - s e a d e n í v e i s n a

S em d ú v id a , ta is s im p lific a ç õ e s s ã o c o rre n te s q u a n d o u m a
• w * p e r s p e c tiv a é e m p r e g a d a . F o i e s t a m e l h o r a d a o u m o d ifi-
'- * la c m a l g u m a o u t r a p a r t e ? C o r r i j a r o - r o e s e f o r o c * w . m a s
m A comunidad* aniropolópc* t I idnk%4

não vejo cm nenhuma parle uma sistemática das situações do­


sificadas c, portanto, definidas segundo a idedogú csrudadi
Pelo contrário, supõe-se que o sistema ideológico é iodo it
uma tõ peça, monolítico. Assim, a minha interpretação do tis
lema de castas foi criticada como admitindo duas espécies de
situações definidos cm relação com o sistema ideológico, m
situações de valor e as situações de poder. Os meus entices
exigiam que todas as situações fossem consideradas ds raewa
espécie, o que corresponde a um acordo perfeito entre o idee*
lógico c o empírico (e eu mesmo, aliás, tinha dado a entender,
sen» dúvida, cm certas passagens, tal possibilidade). A propé-
sito do mesmo exemplo, se se objetar, inversamente, qoe c o ­
tem mais de duas espécies de situações, nio excluirei a prieri
a hipótese e prefiro lembrar o sofisma de Zenio de Bfia i
respeito de Aquiles e a tartaruga: a disposiçáo hierárquica tes
por conseqüência que as sucessivas distinções possíveis tie
de significação global rapidamente; de fato, como se sabe.
Aquiles alcança a tartaruga.
Precisamente, a aversão pela hierarquia desempenha, ui­
ve». um papel neste caso. Se a distinção das situações requer
a consideração dos valores, ou seja. a introdução da hieranpna.
e ac o pesquisador moderno se esquiva a esta. eie pode ta
propenso a rejeitar ou a neutralizar uma "situação*' episen»
lógica desse género. Cumpre-me apresentar aqui uma definição
Aproveitarei a oportunidade para ampliar um pouco a fetm»
lada cm trabalho precedente.1’ Chamo oposição hierárquica
à oposição entre um conjunto (e. mais particularmente, un
todo) e um elemento desse conjunto (ou desse todo); 0 de
mentó não é necessariamente simples, podendo u r um « ã
conjunto. Essa oposição anaiisa-sc logicamente em dois aspec­
to» parciais contraditórios: de uma parte, o dementó é Idffl-
tico ao conjunto na medida cm que faz parte deste (um vene
brado é um animal); de outra, existe uma diferença eu. rasa
coritamente, uma contrariedade (um venebrodo não í — se­
mente — um animal, um animal não é — necessariamente -
um vertebrado). Cada relação dupla, de identidade e de «*•
traríedade, é mais estrita no caso de um todo verdadeiro á?
que no de um conjunto mais ou menos arbitrário (ver adiae*)

" I Dumont. “On Pulitlr* Hiefírehy ", Confrí.W n» W /«*»•


Xortofogy. N 8 . V . I«WI. p p 7J-7J

i)

Fh um escándalo lógico, o que, por uma parte, ex-


^ 0 ku desfavor e. por outra, faz o seu interesse: toda a
JfVio de um elemento com o conjunto de que ele participa
introduz a hierarquia e é logicamente inaceitável Emendai
anx a hierarquia é milobanxnto do coníróno. Relaçto
Wrquica» estáo presentes em nossa própria ideologia, como
comecei a mostrar (HAE I, índice, t. v. "Hierarquia") e con*
tntsitti fazendo, mas elas náo se manifestam como tais. As*
lia ocorre, sem dúvida, todas às vezes que um valor ¿ coocre*
tomte afirmado: ele subordina o seu contrário mas abttéa*
r de o dizer. De um modo geral, uma ideologia hostil k hie*
nrquii deve comportar, evidentemente, toda urna rede de di»
pwitivos para neutralizar ou substituir a relaçáo em causa. Re*
•«i apenas dois. tendo em visu a presente discusaáo. Ea
Pñnsciro lugar, podc-se evitar o ponto de vista onde a rtlaçio
JJ^eria. Assim, nas taxonomías, temos o hábito de eco»*
* * separadamente cada nivel e evitamos aproximar um efe*
• '“o di primeira ordem, digamos. A. de um demento da se
J¡“¡? ordem. o. Em relaçáo com essa separação, oi critério*
J* ÍJjjSjo podem ser diferentes de ura nivt! » outro tam*
7 ” ^ ta is; vcrtebrados/invericbradoi: mamífero* 'ovíparos
*Produzimos ossim conjuntos, e rio todos (ver adiantei
Nitro dispositivo, muito importante, reside na distinção
J r 011 <iue fazemos entre fatos e valores.” A hierarquia é
J J w la d a do domínio dos falos, a assepsia em vigor na
p ro te g e -n o s d a i n í c c ç i o h ie r á r q u ic a . Tem en iL
j ^ ^ n t e , uma situação e x c e p c io n a l d o p o n to d e v n a
c o m o te v ê na p r ó p r i a id e o lo g ia m o d e rn a com
K,» ^ o c i a pin reunir de n o v o e c o n f u n d ir " s e r " e " d e v e r
°l 2 ¡ e ’ wmo m u lto bem s a b e m o s p o r e x p e n d na Eu*
0 caminho a o t o ta lita r is m o , ta l c o m o l e s r t k K o-
. , ^ te m e n te insistiu.”
agora 0 princípio h ie r á r q u ic o à s c la ss .) c a c t o
^ mais precisamente, à o p o s i ç i o q u e lh e s s e rv e de
« lie • direiu e 1 e s q u e r d a . O p ro b fc ra a ,
* ■presenta na literatura e r u o b r a c ita d a , é ew erv

11 * « m é m m *

Ummi *t*4. \r>


210 A comunidade antropológica t g ¡dtokp,

cialmentc epistem ológico. A oposição é tratada de modo ua»-


forme como um a oposição distintiva, simples "polaridade'* eg
"com plem entaridade". Mas, de fato, os dois termos ou píl.i
não têm um status igual: um 6 superior (geralmente o direito),
o outro inferior. Dai o problema tal como tem sido histórica­
mente suscitado: como se explica que os dois opostos que o» -
sideramos (gratuitam ente) iguais não o sejam na realidade?
Na linguagem de Hertz, por que o "predom inio" de om* das
máos?
O que falta aqui é o reconhecimento de que o par dirtha-
esquerda não é definível em si mesmo mas somente em relação
a um todo, um todo muito concreto, porquanto se trata do a r ­
po hum ano (c de outros corpos, por analogia). O fato é fan»-
liar ao físico, que colocará um observador imaginário a fita
de poder falar de direita c esquerda. Como pode a "análiK
simbólica" ignorá-Io?
Dizer que a oposição dircita/esqueTda remete a um toda.
6 dizer que ela possui um aspecto hierárquico, mesa» que t
primeira vista não se enquadre no tipo simples em que ua
termo engloba o outro e a que chamei acima "oposição ««te­
mática". Temos o hábito de analisar essa oposição em dob
componentes, como se ela comportasse na base urna simetría
de princípio, mais geral, e, alétn disso. uma assimetria de dire­
ção que se Ihe juntaría c h qual se associaria o valor. £ ma
modo, assinalc-se. de separar jato (a simetría presumida) e
valor (o aditivo simétrico). Concretamente, na realidade, it
rcita e esquerda não estão na mesma relação com o todo do
corpo. Assim, sáo diferenciadas em valor e, ao mesmo tempo,
em natureza. E logo que associações c funções diferentes Ibes
são vinculadas, essa diferença 6 hierárquica porque relaciona­
da ao todo. A função da direita será mais importante em rela­
ção ao todo que a função da esquerda: mais esaencial, mail
representativa, etc.
Sobre este ponto, allis, observa se urna grande variação
na sensibilidade dos autores a tal aspecto. Estudando o sim­
bolismo da arma dos Nuer. a lança (em inglés tpear). F.vans-
Pritchard apresenta-a como "uma extensão da mio d ire ita " e
considera que essa arma é "uma projeção do eu c represen :i< “
(stands for the self). "Enquanto extensão do braço direito, ela
representa a pessoa inteira” (Right a n d Left . . . p p . 94. 1001
e até. mais além. o próprio clã. Pelo contrário, neste bkisk
o im inU rntU tm o 231

scJume, B r e n d a B c c k , n u m a r t ig o — b a s t a n te t e n d e n c io s o , d i-
( ji ve d e p a s s a g e m — s o b r e a s c a s t a s r e c o n h e c i d a s o u p r e s u ­
midas d a m i o d i r e i t a c d a m ã o e s q u e r d a n u m a p e q u e n a r e g i ã o
da ín d ia m e r i d i o n a l , c o n s e g u e e l i m i n a r a r e f e r ê n c i a a o c o n j u n ­
to, a o p o n t o d e p r e t e n d e r , & r e v e l i a d e t o d a a e v i d ê n c i a , q u e
as c a s t a s d a m ã o e s q u e r d a s e r i a m a s e s t r a n h a s a o s i s t e m a a l ­
d e ã o d c d i v i s ã o d o t r a b a l h o . **4
P o rta n to , o p r e d o m ín io n ã o é a q u i c o n t in g e n te m a s n e ­
c e s s á r io , p o r q u a n t o r e s u l t a d a d i f e r e n c i a ç ã o d o s d o i s t e r m o s
e » r e la ç ã o a o t o d o . P o d c - s c c o n t e s t a r q u e . a o d i z e r m o s i s s o .
o ta m o s a p e n a s d e s l o c a n d o o p r o b le m a : Q u e v a n t a g e m h á e m
a d m itir q u e u m a d i f e r e n ç a d e status s e f a z a q u i n e c e s s á r i a ,
qoando sc fic a a in d a s e m s a b e r p o r q u e . n a m a io r ia d a s v e z e s ,
é fa v o r e c id o u m t e r m o e . c m r a r o s c a s o s , o o u t r o ? R e s p o n d e ­
rem os. e m p r im e ir o l u g a r , q u e a o s u b s t i t u i r u m a o p o s i ç ã o s i ­
m é tr ic a o u e q ü i s t a t u t á r i a i m a g i n á r i a p o r u m a o p o s i ç ã o a s s i m é ­
trica o u o r d e n a d a , a p r o x i m a m o - n o * d o p e n s a m e n t o q u e e s t a -
d a ro o * . A s s i m , é c l a r o q u e o u t r a s o p o s i ç õ e s v i z i n h a s d e s s a e m
B o tta s l i s t a s b i n á r i a s s e e n c o n t r a m t a m b é m e n t r e o s t e r m o »
b ie ra rq u iz a d o s ( h o m e m / m u i h e r . e t c . ) , e e s s e d e v e s e r o c a s o .
em p r i n c i p i o , n a " o r g a n i z a ç ã o d u a l i s t a ’ *, p o r q u a n t o h á t a m b é m
relação c o m o t o d o . * ' ( D e v o a s s i n a l a r , en passant, q u e n u m

ISrck T h e
tU fht a n d L e ft . .
te K onku (V an een
de fa to
<P X IV . n o ta
N n w n t l o local, e
immkdm o b ra ç o « o
a n frrfo c ta ao
* U m e x e m p lo re c e ñ ir
ta v a U c*o<a R r f i r o m
«m L ld m tit*
U r i l M u i i . profrt»*ur
%m. pp IS7 1*4 rxt
M a ratação
232 A c o m u n id a d e a n tr o p o ió g k * e « ideoiope

e s t u d o a n t i g o t a m b é m a b o r d e i a h i e r a r q u i a d c m o d o in d ire to ,
a p a r t i r s o m e n te d a o p o s i ç ã o d i s t i n t i v a . ’ *) O p e r a n d o c o m o í
s u g e r i d o a q u i , d e s e m b a r a ç a m o - n o s . c m r e s u m o , d c u m a d ific u l­
d a d e g r a t u i t a m e n t e a d i c i o n a d a p o r n ó s p r ó p r i o s , a q u a l faz
q u e s t ã o d e q u e s e p a r e m o s f a t o s ( o u i d é i a s ) e v a lo r e s . E ssa se­
p a r a ç ã o a p r e s e n t a - s e , p o i s . c o m o ile g í ti m a .
I s s o n ã o é t u d o . N ó s o b t e m o s d o n o s s o e s f o r ç o u m a van­
t a g e m p r á t i c a i m e d i a t a . P o r d e f i n i ç ã o , u m a o p o s i ç ã o sim étri­
c a é i n v c r t í v c l á v o n t a d e : a s u a i n v e r s ã o n a d a p r o d u z . Pelo
c o n t r á r i o , a i n v e r s ã o d c u m a o p o s i ç ã o a s s i m é t r i c a é sig n ific a ­
t i v a . a o p o s i ç ã o i n v e r t i d a n ã o ¿ a m e s m a q u e a o p o s iç ã o ini­
c i a l . S e a o p o s i ç ã o i n v e r t i d a s e e n c o n t r a n o m e s m o t o d o onde
a o p o s i ç ã o d i r e t a e s t a v a p r e s e n t e , e la i n d i c a d c fo r m a e v id e n te
u m a m u d a n ç a d e n í v e l . D c f a to . a s s i n a l a u m a ta l m u d an ç a
c o m a m á x im a e c o n o m ia , f a z e n d o s o m e n te u s o d e d o is e le m en ­
to s h i c r a r q u i / a d o s e d e s u a o r d e m . T e r e m o s a q u i a a n títe se
p e r f e i t a d e s s a s ta x o n o m ía s c m q u e u t il i z a m o s u m c r it é r i o novo
p a r a c a d a n í v e l ? T e m o s a q u i i n d ic a d a s a u n i d a d e e n tr e o s ní­
v e is e s u a d is t in ç ã o : e s t a m o s c m r e l a ç ã o c o m u m to d o c não
a p e n a s c o m u m c o n j u n t o , e é m u i t o p r o v á v e l q u e u m nível
e s t e j a c o n ti d o n o o u t r o ( e n g lo b a m e n t o d o c o n t r á r i o , h ie ra rq u ia
s t r ie lo se rtsu ).
N ã o s e p o d e r ia s o n h a r c o m m a is b e la i lu s tr a ç ã o d e ssa dis­
p o s iç ã o d o q u e a f o r n e c i d a p o r P i e r r e B o u r d ie u . e m su a des­
c r iç ã o d a c a s a c a b i l a .1* T r a n s p o s t o o l im i a r , o e s p a ç o a d o ta a
o r i e n t a ç ã o i n v e r s a . E c o m o s e o l i m i a r f o s s e o c e n t r o d c sim e­
t r i a o u . m e l h o r , d c h o m o te t ia . e n t r e o e s p a ç o e x te r io r e o <s-

p o r tu a v es. escapar ao q u e nos p e rtu rb a ? N áo te rá m etano começado •


fa rá Io? (O u tra anom alia nesse trecho: lé-*e “nom inalism o" em k p i Se
“realism o", no sentido de cacóla, crença na realid ad e d a idéia.l A e»m s-
t t o “m etonim ia" esconde a hom ología com a situação relativa das duas
m etades b o to to , q u e se d iz d ecorrer d a m etá fo ra . O autor f»U m ato
pouco d a s m etades e é Lévi S tra u u qvsem. n o debate q u e te tcfuiv. ese
parece ler-lhe pedido para ser m ais preciso a respeito dc »ua assím ttra
D epots de te r sublinhado a força d a identidade d a sociedad* botuto
tp 13*>. O au to r om itiu o p n n o p s o q u e lu d o o que á real se maa.lest»
sob a form a dc uro par h ic rá rq u x o U m a “ totalidade d iá d ic a ' (p itfl'
4 D ecretaría róem e hierárq u ica.
“ “D éfinition s tr u c tu r a l d u n dicu p opula:re tam oul. AlyanAr, k Msi
tra". lo o m ed osáatique. 1933. p p 255-270. r e p r o d u j o ero L e CivCoutun
Indem ne el nous. o p . c i t . . e d . 1973.
“ P B ourdieu. f.so visse d u n e thdorie d e la pnutque. precedido dc
Trola E tudes <dethnoiofie k a b jle . G enebra-París. D ro s. 1972. pp. 37 39
O In d iv id u a l is m o 233

p a ço in te r io r d a c a s a , in v e r t id o e m r c la ç io a o p r im e ir o . M as
p a ssem o s a d ia n te d e s s a im a g e m fís ic a , d iz e n d o a n te s q u e o e s ­
p a ço in te r io r é q u a lit a t iv a m e n t e d if e r e n t e d o e x t e r io r , é o u tr o
c s im u lta n e a m e n te o m e s m o . A o f r a n q u e a r o l » m i< r
a d v e r tid o s d e q u e p a s s a m o s d e u m n í v e l d a v id a a
D is tin ç ã o e s s a q u e s e r e e n c o n t r a r á , s e m d ú v id a a lg u m a , s o b
o u tr a s f o r m a s n a c u l t u r a e q u e é p o s s i v e l m e n t e m u it o
fo r te a í d o q u e n o s p o v o s o n d e t a l i n v e r s ã o n ã o e s t á
e o n d e o e s p a ç o e x te r io r te m c o n tin u id a d e n a
su m a. a c a s a n ã o s e e x p r im e c o m o u m to d o e s p a c ia l, s u b o r d i­
n a d o o u s u p e r o r d e n a d o a o e s p a ç o e x te r io r .
P o d e - s e v e r i f i c a r e m e x e m p l o s clássicos q u e a m c s m i c o i s a
< v e r d a d e ir a n o q u e s e r e f e r e ã s in v e r s õ e s e n t r e d ir e it a e e s ­
q u erd a . V e ja m o s u m a s o c ie d a d e o n d e a d ir e ita é
p r e d o m in a n te . S c . q u a n d o s e p a s s a p o r u m e le m e n t o
c a d o c o m o e s q u e r d a , o p r e d o m ín io e s t á In v e rt id o ,
q u e e ss e n ív e l s e d is t in g u e n itid a m e n t e n a id e o lo g ia n a tiv a , e
esse fa to . p o r s u a v e z . e x ig e q u e s e ja r e c o n h e c id o c o m o u n s
c a r á te r im p o r t a n t e d a i d e o l o g i a g l o b a l . S u r p re e n d e ,
ver R o d n e y N e e d h a m , c m seu estu d o sob re o M i
e x p r im ir t a l c a s o c o m o u m a i n v e r s ã o e . n i
tc p o r n ã o e x p l o r a r o t e m a da i n v e r s ã o c o m o
qu e é e x c e s s iv a m c n c c v a s to < Right and L r it.... p p 117-1 18.
126, n o ta 2 6 ) . S e r ia líc it o s u p o r , e n tr e ta n to , q«
v e r sõ e s, q u e r s e p r o d u z a m e n t r e a a ç ã o r im a i e a a ç ã o
r ia . n o i n t e r i o r d o p r ó p r i o r i t u a l , e n t r e o m u r a d
m u n d o d o s m o r to s, c t c .. tê m e s s a fu n ç ã o c m
a p r o x im á -la s p o d e r i a e s c l a r e c e r t o d a s e l a s . M a ts
se liv r o , a p r o p ó s i t o d o s i m b o l i s m o n y o r o . N 'e e d K a m t n c lm a * e .
so b r e tu d o a p r o p ó s it o d o s f e it ic e ir o s e d a s p r in c e s a s t p p V O o-
3 0 8 ). a tir a r p a r t id o d a in v e r s ã o , m a s n ã o a e x p lo r a n e m a
s is te m a t iz a .
V ê -s e q u e a c o n c e p ç ã o h i e r á r q u i c a dc u m a o p x s i o c \ « o
essa e n tr e d ir e it a e e s q u e r d a n o s r e m e te k d is t in ç ã o d e n ê v e ts
na id e o lo g ia g lo b a l. E n q u a n to q u e n a c la s s ific a ç ã o S * n á n a •
o p o s iç ã o d i s t in t iv a e m p r e g a d a e m e s t a d o p u r o a t o m iz a o d a d o .
•o m e sm o le m p o q u e o u n ifo r m iz a , a d is tin ç ã o h rrra rq w k ca
W in e -o . s o ld a n d o d u a s d i m e n s õ e s d e d n t i n ç ã o e n tre m v evs e
a o I n te r io r d e u m n í v e l . A s s im , n o e stu d o d a s c a sta s, a W -
n s r q u ia l o g o r e c o n h e c i d a l e v a v a a d i s t i n g u i r n l m s P r «m s
M o d o m a is g e r a l, s e s e c o n s e n t e e m p e s q u ii
2M A com unitlaJt antropolópc* t a idtokpt
$
tura a idcia-valor predominante que a anima ou, como dizia
Marx, o éter que confcie sua cor a todos os coisas, perceber- Í4
se-4 de imediato — numa perspectiva comparativa, era todo o
caso — as grandes linhas de organização do todo ideológico,
a configuração necessariamente hierárquica dos nfveis.
Essa hierarquia dc níveis resulta da própria natureza dl
ideologia: postular um valor e postular, ao mesmo tempo, na
não-valor, é organizar ou constituir um dado onde o insignifi­
cante subsistirá. Ora, esse insignificante só pode ser limitado,
como a ideologia o exige para justificar-sc a seus próprios
olhos, porque o valor sc estende gradualmente sobre cíe, de­
gradando-se de forma progressiva. A hierarquia dos níveis d,
pois, hipoteticamente, um desses traços universais que pesqui­
sávamos no começo. Mas não há dúvida de que cia varis mui­
to de uma ideologia para outra cm seu grau de complexidade.
E constitui uma grave insuficiência da classificação biaína
ttpraçáO
não lhe fazer qualquer referência c reduzir k mesma forma —
demasiado simples — tanto a mais rudimentar quanto a mó gol: é l 1
complexa dessas hierarquias.
Em resumo, a classificação binária 6 insuficiente de d ó ijçbmen
pontos de vista. Quanto ãs próprias oposições que cia consi­ ocoKW i«
dera, comete o erro de considerar eqUistatutárias oposita ■/tramen
que não o são, pretende apreender a anatomia das idéiai indo V ilém
pcndcntcmcntc dos valores que lhes estão indissoluvcImenK
. vinculados e, portanto, peca por um igualitarismo deslocai' =«lütte o
que esvazia a idéia dc seu valor. Em segundo lugar. confu.-Je
uniformemente os contextos ou situações que podem «er eu
não distinguidos na ideologia estudada * Esse aspecto esti
presente sob uma outra forma cm Right and L*)i Com efeito
a questão foí suscitada por Rodney Needham c outros e ccr
tiste cm saber se o quadro binário destacado pelo atuIii.M o
tard ou não presente no espírito das pessoas. T. O. Beiiklrun
por sua parte, forneceu, a par dc uma extensa list* gWul.
dois agrupamentos mais restritos (c/turen) a cujo respeito b o i
dix que estão realmente presentes no espirito do> Kagare

• \ S t » * d t /««t Eu •uinâtsv» n e n t poato. t n l*TT. <0 * S t i f f


Tcffflí/o" Unha. mims h m t memória de OEA. •|>r»ir*ii»A> A< rsoi.-
imulrmmente Ladtpemlrnte ume r r i i « s d n ctenltkaoiet K n s n u «•**>
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o ImdirüíuMUmo

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te h v ro . p r u c c d c u - s c u m p o u c o c o m o s e t o d o o m u n d o f o s s e
chinés. A C h i n o tra d ic io n a l c la s s if ic a e fe tiv a m e n te . c o m o
N eedham a s s i n a l a n a s u a i n t r o d u ç ã o ( p . X X X I I I ) , " d u a s c lo s -
m d e s í m b o lo s ” s o b o s " e m b l e m a s ” y i n e y a n g . M a s . p r e c i ­
tam ente. is s o n ã o 6 t u d o c n ã o s e d e v e p a r a r p o r a f . R e s s a l t a
•hu n d an te m e n te d o b e l o e s t u d o d e G r a n e l r e p r o d u z i d o n e s s a
obra q u e a e t i q u e t a c h i n e s a r e c o r r e c o m i n t e n s i d a d e â lnver% Âo
num c o n ju n t o c o m p l e x o d e o p o s i ç õ e s e h o m o l o g í a s , e l o g r a
a u im d i f e r e n ç a r , d i r i a m o s , c a d a s i t u a ç ã o d e t o d a s a s o u t r a s ,
e re d u z ir a z e r o o r e s í d u o d e i n s i g n i f i c â n c i a d a i d e o l o g i a . I>e
u a m odo m u ito d if e r e n te , 6 p o s s ív e l, d e r e s to , q u e o f u t u r o
da n ossa p r ó p r i a c u l t u r a c o n d u z a a u m a c o m p l e x i d a d e s e m e ­
lhante (c f. a c i m a , p . 2 1 4 ) .
G o s ta r ia d e c o n c l u i r c o m u m c o m e n t á r i o s o b r e a r e l a ç ã o
entre id é ia s c v a l o r e s . C o n s t a t a m o s n u m c a s o d a d o q u e a s u a
rep aração e r a f a l a c i o s a . H á p a r a is s o u m a r a z á o d e o rd e n s
peral; é q u e o g r a u d e d i f e r e n c i a ç ã o , d e a r t i c u l a ç ã o d a s i d é i a s ,
a lo é in d e p e n d e n t e d e s e u v a l o r r e l a t i v o . A c o r r e l a ç ã o n ã o é
sim plesm ente d i r e t a . S e m d ú v i d a , h á p o u c a s p r o b a b i l i d a d e s d e
en co n trar id é ia s e l a b o r a d a s e m m a t é r i a s d e e s c a s s o i n t e r e s s e e .
in v ersam en te , d i f e r e n c i a - s e a o m e s m o t e m p o q u e s e v a l o r i z a .
Mas. a lé m d e u m c e r t o g r a u . t u d o s e p a s s a c o m o s e o v a l o r
ocultasse o q u e d c o r d i n á r i o e l e r e v e l a : a i d é i a f u n d a m e n t a l .
• id é ia * m á te r p e r m a n e c e f r e q u e n t e m e n t e in e x p r e s s * m a s s u a
localização é i n d i c a d a p e l a p r o l i f e r a ç ã o d e i d é i a s - v a l o r c * n a
própria z o n a o n d e e l a s c e s c o n d e ( H A E / . p p . 2 ã - 2 9 ) .
N ão se s e p a r a n d o a p r io r i id é ia s c v a lo r e s , n u n i c n w m x
mais p e rto d a r e l a ç ã o r e a l , n a s s o c i e d a d e s n â o - m o d e r n a » , e n t r e o
pen sam en to e o a t o . a o p a s s o q u e u m a a n á l i s e i n i c k - c t u a l i s t a
ou p o s itiv is ta t e n d e a d e s t r u i r e s s a r e l a ç ã o . M a s n ã o é is s o
c o n trad izer o q u e f o i d i t o e m o u t r o l u g a r c o n t r a a t e n d ê n c i a
m oderna p a r a r e u n i r ” s e r ” e " d e v e r s e r " ( c f . a c i m a ; H A f . I.
pp. 2 4 8 2 4 9 ) 7 M u i t o p e l o c o n t r á r i o , a d i f e r e n ç a d o a d o t s p o n ­
tos d e v is ta d e v o l v e - n o s à p e r s p e c t i v a d c c o o j u n i o e s b o ç a d a
■a p rim e ira p a r t e d e s t e e s t u d o . D e u m p o n t o d e v i s t a c o m p e ­
titiv o . o p e n s a m e n t o m o d e r n o é e x c e p c i o n a l n a m e d u l a e m
que s e p a ra , a p a r t i r d c K a n t . s e r e d e v e r s e r . f a t o e v a l o r l i s o
Km d u a s c o n s e q ü ê n c i a s : p o r u m a p a r t e , a s s a p a r t i c u l a r i d a d e
« i | t ser re s p e ita d a e m s c u d o m i n io e n ã o sc p o d e . s e m c o n s e ­
qüências g r a v e s , p r e t e n d e r t r a r a c e o d ê - l a a o i a t r r i o r d a c u l t u r a
2J6 A comunidade antropológica t a Idtdopi

moderna; por outra parte, não cabe impor essa complicação


ou distinção a culturas que não a conhecem: no estudo com­
parativo, cumprirá considerar as idéias-valores. Isso se aplica­
rá inclusive à nossa própria cultura considerada comparati­
vamente. ou seja, poder-se-á averiguar que vínculo subjacente
subsiste cm nossa distinção familiar; nesse caso. será possível
reencontrar, por exemplo, a problemática weberiana (relação
entre wertfrei e Wertbeziehung, "isento de valor" e "relação
com os valores").
Se unir na diferença 6, ao mesmo tempo o objetivo da
antropologia e a característica da hierarquia, ambas estão fa­
dadas a uma inter-rclação assídua.
V I I
NOS OUTROS
VALOR NOS MODERNOS
o
2JI 0 Vidor not modrmot t run ou¡m

E u estav a e n tã o m u ito o cu p a d o cm instruir-m e na tua cv


co la e , d e um m o d o g eral, n a d a antropologia inglesa, a qua]
atin g iria, em p a rte so b a sua in flu ên cia, alturas sem preceden­
tes. E n tre ta n to , d ev o co n fessar q u e, para alguém cuja imagi
n aç ão fo ra in flam ad a pelo genial hum anism o d e M au», a es­
treita v ersão o ferecid a p o r R adcliffe-B row n da sociologia
d u rk h e im ían a n ã o e ra m u ito atraen te.
H o je, cu m p re in sistir, so b re um p o n to essencial dc con­
tin u id a d e, p a ra além d e to d a a divergencia. N a leitura de teu
liv ro A Saturai Science of Society, o q u e m ais impressiona
é o d ec id id o ho lism o d e R adclifíe-B row n.* Sejam quais fornn
i s im p erfeiçõ es d o seu co n ceito d e "sistem a", a coisa — d o r

fru to d essa " h e rn ia p a ris ie n s e " que. com o d is se S ir E d tm a n d l e x h


(S o ria / Anthropology ,,o p r i/.) , p e rm a n e c e u n u I t o u m e n o s ir * >
ra d a n a G ri-B rtta n h a d u ra n te u n s 10 a n o t o u m a it F n trtla n to , cuaa
p r e a t a i n a l a r o f a t o d e q u e a c o n d e n a ç ã o d e R a d c lif f e - B r o w n n l o m e d i
fk o u a a m i s t o s a p r o t e c l o e o d l t l a n t e e n c i w » |a m e n t o q u e e n c o n tr e i em
E r a n » P r i t c h a r d , d e l o d o s o » c o l e g a s d e e n t ã o a q u e l e q u e m o ttr o u m a k e
c o t n p r t e n t ã o p o r e i t e e n s a i o d e r e c o n s t i t u i ç ã o s i s te m á tic a d a a f i a k U l
* S i r E d m u n d l e a c h d is c u t iu le m p a m e n te ( S o r ia f d n / h n 'M o g v . op
r ir ) e s ia a p re s e n ta s -lo p ó s tu m a do* p o n to s d e v is ta m a i t am p le* d*
tn d r tW l Brown {A SaturJ Scienct of Society. G le n c o e . Ill . T h e F a t
c o n ’s W i n g P r e s s . 1 9 5 7 ) O t a s p e c to s p o s itiv o s d o e n tin o d e R a d c M fe
B r o w n a f » * o c l a r a m e n t e d e s t a c a d o s . a s t i m c o m o o q o c ho>* n o s parece
a errm m a s in s u fic iê n c ia s R e tro s p e c tiv a m e n te t í s e q u e e l e c am f-h .-u
k na b o a d ire ç ã o m a t n S o fo i s u fic ie n te m e n te Joogc E n t r e t a n t o , arts h o
I lla m o e x p líc ito (p p 72. 1 10. e tc ) c o m b in a d o com a ê n f s t e q u e d ai
f r e s u lta s o b r e a " a n á lis e r e l x i o n a r e a s lo c r o n la (p p 14, 6 1 ). e. o q«ir
; é b a s ta n te n o rív e l. a d e p re c ia ç ã o d a c a u s a l i d a d e <p 41 d a d is v r,
s o t a 6 1 ) . re v e la -se m u ito m e r itó r io e m r e l a ç ã o a o s e g u n d o p la n o « o m i
n a l i s t a d e s e u p r ó p r i o p e n s a m e n t o e d a I d e o lo g ia b r i t â n i c a p r e d c m ln in r e
N e s ta p e rs p e c tiv a , não í lu rp r re n d e n tr que o h o liim o At R ad c fc fle
• e o w n p e rm a n e ç a e s tr r ita m e n te fu n c io n a l, q u e a d is tin ç ã o e n tte \ n V r
« * (h ttro d u rid s um pouco a c o n tra g o s to . p ® ?) c " n t r u t u r a k v ís T
k i c o r r e ta e m p rin c íp io , r e d o r a a p rim e ira d e f a t o . a u m t i m ç V t im m
da aegvnda (p 721). A lé m d i s s o . R a d c l i f f e B r o u n n ã o s l u — g e o s ite 1
s te n ã o p o d i a v e r - q u e a a n i l i s e r e l a c i o n a i e x ig e q u e m frw w rir* s
" lis ie m a " a e-sm rlg o ro u m m te d e tc rm in a d a i r tv io a b a n d o n a ÍM *
aaco/ha a rb itr á r ia ou ã s im p le s c o n v e n tío c U (p K ». • q * t ‘:
é In c o n tp a th rl c o m o acento p rim l» lo a t r i b u í d o p o r r l e â ris *
o u ta x o n o m ía ( p p 16. 7 1 ); c f a r e je iç ã o p o r l e x h d * “o>
b o rb o le ta a a n i l s " (PfthinUnt Anthropology, |« Y v h r v |9 6 l l (TI
edição b r a s i l e i r a .- PepfntjnJo a AntropScjU, I J i t w s Em po
Debates, a * 0 . 1974. trad de M I uri doa I m M (N At T »l
s u b s e q u e n te m e n te . a a % * its »w itrus ih m m » |V r i
da (¡M e m a s", n o ta 60; « q u ita líik itt fita i m It* *
fitou» d ize r a i m p o r t a ç ã o ? — f o i p r o v a v e l m e n t e d e c i s i v a p a r a
o d esenvo lvim ento d a a n t r o p o l o g i a n a I n g l a t e r r a , e e l a t o r n o u
possível o d iá lo g o c o m a t r a d i ç ã o s o c i o l ó g i c a p r e d o m i n a n t e n a
França.
Os e s c rito s d e R a d c l i f f c - B r o w n f a l a m r e l a t i v a m e n t e p o u c o
de "v a lo re s” .* E n t r e t a n t o , a e x p r e s s ã o e r a d e u s o f r e q ü e n t e ,
estava, d e c e r to m o d o . n o a r e n t r e o s a n t r o p ó l o g o s in g le s e s n o s
últimos a n o s d e v i d a d c R a d c l i f f c - B r o w n . F i q u e i c o m a i m ­
pressão d e q u e se t r a t a v a , c m g r a n d e m e d i d a , d c u m s u b s t i t u t o
da palavra " i d é i a s ” , m e n o s d e s a g r a d á v e l a o t e m p e r a m e n t o e m ­
pírico. p o rq u e e v o c a v a a d i m e n s ã o d e a ç ã o . S e m d ú v i d a , a
situação é h o je m u i t o d i f e r e n t e . M a s d ig a - s e d e s d e j á q u a l fo i
a razão p a ra a e s c o l h a d e s t e t e m a c p a r a o e m p r e g o d o t e r m o
neste e s tu d o , p r e f e r i n d o - o a o s e u u s o n o s i n g u l a r : t e n t e i n e s ­
tes ú ltim o s a n o s f a z e r c o m q u e f o s s e a d m i t i d o p e l a p r o f i s s ã o
o conceito d c h i e r a r q u i a , s e m q u e t e n h a t i d o q u a l q u e r é x it o .
D » a id é ia d e r e a l i z a r u m a n o v a t e n t a t i v a , u t i l i z a n d o d e s t a
vez o v o c a b u lá r io r e c e b i d o , q u e a t é e n t ã o e v i t a r a i n s t i n t i v a ­
mente, se m d ú v i d a p o r c a u s a d a s t e r r í v e i s d i f i c u l d a d e s q u e o
termo p a re c ia e n v o l v e r . P o s s a e s t a n o v a t e n t a t i v a s e r v i s t a
como u m e s f o r ç o d e a p r o x i m a ç ã o , c m f a c e d a h e r a n ç a r a d c l if f c -
brow niana.
P a rte-se d e u m a o b s e r v a ç ã o s o b r e a r e l a ç ã o e n t r e id é i a s
e valores, a f im d e a c o m e n t a r e d c a d u z i r d e l a a lg u m a s c o n -
K q ú é n cia t. O t i p o m o d e r n o d c c u l t u r a , n o q u a l a a n t r o p o l o ­
gia tem s u a s r a íz e s , e o t i p o n ã o - m o d e r n o d i f e r e m d e m o d o
acentuado n o q u e t a n g e a e s s a r e l a ç ã o . O s p r o b l e m a s a n t r o ­
pológicos r e la ti v o s a o v a l o r e x i g e m q u e o s d o i s t i p o s s e ja m
c o n fro n ta d o s.
C o m e ç a re m o s p e l a c o n f i g u r a ç ã o m o d e r n a , o q u e r e p r e s e n t a
n a u in o v a ç ã o , p a r a i n t r o d u z i r e m s e g u i d a , e m c o n t r a s t e , a l ­
guns tra ç o s f u n d a m e n t a i s d a c o n f i g u r a ç ã o m a i s c o m u m , n ã o -
reoderna. e v o l t a r , n u m t e r c e i r o t e m p o , à s i t u a ç ã o m o d e r n a , a
Tm» d e a c o lo c a r " c m p e r s p e c t i v a ” e e a c l a r e c c r u m p o s te o , d e s ­
te m o d o . a p o s i ç ã o e a t a r e f a d a a n t r o p o l o g i a c o m o a g e n t e
« d ia d o r.

Rsdcltffc tW xrwm. A N a t u r a l S o W w o f So cã Cy. « p , r i l , p p IO 11.


«o O Vilior no» m ojem os t mu onto*

A cena moderna é familiar. Km primeiro lugar, a cor»


ciência moderna ligo o valor, de maneira predominante, oo
individuo, c a filosofía trata, cm todo o caso principalmente,
de valore» individuais, ao passo que a antropologia consider»
os valores cssencialmcntc sociai». Km seguida, no linguigem
corrente, a palavra que significava, cm latim, vigor saudável,
força eficaz, e designava na Idade Média a bravura do guer­
reiro, simboliza hoje, a maior parte das vezes, o poder do di­
nheiro pora medir todas as coisas. Ksse aspecto importante id
estará aqui presente por implicação (HAE /).
Quanto ao sentido absoluto do termo, a configuração mo­
derna é sui generis, e o valor tomou-sc uma preocupação de
vulto. Numa nota do Vocabulaire Philosophique de Lalande.
Maurice Blondel escreveu que o predomínio de uma íilowíii
do valor caracteriza o período a que chamou contemporâneo,
dando seguimento a uma filosofia moderna do conhecimento
c a uma filosofia antiga e medieval do ser.* Para Platão, o ser
supremo era o Bem. Não havia desacordo entre o Bem. o Ver­
dadeiro c o Belo, e. no entanto, o Bem era supremo, talvez
por ser impossível conceber a mais alta perfeição como inativa
e indiferente, porque o Hem acrescenta a dimensão da ação è
da contemplação. Pelo contrário, mis, modernos, separamos
ciência, estética e moral. E a natureza da nossa ciência é tal
que a sua prõpria existência explica ou, melhor, implica a se­
paração entre, de um lado, o verdadeiro, do outro, o belo e o
bem, c cm particular entre ser e valor moral, entre o que i c
o que de\* ser. Com efeito, a descoberta cientifica do mundo
teve como pressuposto a rejeição de todas as qualidades a que
não é aplicável a medida física. Assim é que um cosmo hie­
rárquico veio a ser substituido pelo nosso universo físico ho­
mogêneo.* A dimensão do valor, que até então se projetara
espontaneamente no mundo, foi restringida no que é . para néa,
o s e u único domínio verdadeiro, ou seja, o espirito, o senti
m rn to e a volição do homem.
Ao longo do» séculos, o Bem (social) também se viu *
. P a s s o u a haver tantos Bens quanto» povo» ou cul­
para n ã o falar de religiões, seita» ou classes sociais. "Ver-
Q irinduoUsmo 241

¿tic a q u é m dos Pireneus, erro além", como diz o aforismo:


nio se pode falar de Bem quando o que é considerado boa
(Jote lado da Mancha é mau do oulro lado, mas podemos filar
do valor ou dos valores que as pessoas reconhecem respecti­
vamente ci e lá.
Assim, “valor" designa algo diferente do ser. algo que.
distinto da verdade científica, que é universal, varia muito
com o meio social e até no seio de uma sociedade dada nao
só com as classes sociais mas também com os diferentes seto-
res de atividade e experiência.
Enumerei apenas alguns traços mais destacados mas que
tio suficientes para evocar o complexo de significações e
de preocupações a que a nossa palavra está vinculada, um dé­
dalo para que contribuíram todas as espécies de esforços e
pensamentos, desde a elegia romántica sobre um inundo em
migalhas e as diversas tentativas pora o reconstituir, até uma
filosofia do desespero, como a de Nietzsche, que contribuiu
memo para divulgar a exprésalo de “valor". Nlo creio que
i antropologia possa negligenciar essa situação. Entretanto, tu­
da tem de surpreendente se o vocábulo possui algo de desa-
pidivel. Essencialmente comparativo, ele parece condenado
à vacuidadc: uma questão de valores náo é uma questão de
(ato. A palavra parece fazer a propaganda do relativismo, as­
sinalar um conceito simultaneamente central e. como o testo
■unha uma literatura abundante, inatingível Exala eufemis­
mo e embaraço, como "subdesenvolvimento", "individualismo
metodológico" c tantos outros elemento» do vocabulário de
M t.
E, no entanto, existe uma contrapartida, modesta mas nio
totituída de sentido, para o antropólogo: temo» I nossa dis*
Powçio uma palavra que nos permite considerar todas as es­
pécies de culturas c as mais divenas avaliações do bem seta
'to sobrepor a nossa: podemos falar dos nossos valem e
t o valores dela», ao paaso que nlo o poderiam» ísrer do
tos deles t do nosso Bem, Asaim, essa pequena palavra, usa-
profusamente além dos limites da Mtvoyabgla. envolve
UfR* perspectiva antropológica e inroteno». em minha Oph ite.
* tosa responsabilidade. Mas deitemos isao de momento
Comecemoa por alguns comentário» intrvxlulúck» sobre
0 tu «do do» valores na antropologia social. O uso externo da
Z»Z O valor no, m a d m e n not ouro,

p auvra no plural fornece uma indicação náo tú a respeito dt


diwtnudade d u sociedades c da moderna cotnpurttineauçio
ie atividade*, a as também «obro urna tendencia para atct&oar
cada configuração geral cm nossa cultura. £ ccrtaaenic o pr>
metro ponto o que requer atenção. Num artigo publicado ca
I'M I. Franca Hsu criticava certos estudo* sobre o caráter aac-
ncano cono apresentando tio-somente um simples inventar»
de traço» ou dc valores, sem K preocupar com as rdaçôa
fftiu emes entre esacs elementos.* Ele via conflito» e desacor­
dos entre o» diversos valores enumerados, surpreendia-se com
a ausência de esforço para explicá-los c propunha remediar
essa sttuaçio identificando um valor fundamentai e mostrando
que ele implicava, precisamente, as contradições a explicar. 0
valor americano central (core value), sugeriu ele, era a con­
fiança cm st mesmo (teif-rritanc*). ou teja, uma modificação
ou intensificação do individualismo europeu ou inglês. Ora.
esse valor implicará, cm sua aplicação, uma coctradição, uaa
vez que. de fato. os homens são seres sociais que depended,
em alto grau. uns dos outros. Uma série de contradições te
desenvolverá, assim . entre o nível da concepção c o nível da
aplicação desse valor principal c dos valores secundários dele
derivados.
Como não aplaudir, ao mesmo tempo, a pesquisa de en
valor cardeal e a sua identificação no caio em questão coa
uma forma de individualismo? Assinale-se também que Hse
supõe, sem o afirmar expresaamente, uma hierarquia entre a »
ccpçio e aplicação. Entretanto, a sua distinção entre esses deis
oivess t . em última análise, insuficiente. Ele utiliza uma dm-
l aficação de Charles Morris' que distinguia tris usos do valer
ou três espécies de valores, e retém dots deles, o valor conce­
bido « o valor operatõrio. Mo», quando parecia propenso *
Moarquirar esses dois níveis. Hsu fala de "valores" para am­
bo» « finalmente amalgamaos, tal como fa/iam o» autores ato-
mirantes que ele começara por criticar. Com efeito, cumpriria
distinguir firmemente o* dois níveis, pois estamos diante de
n a fenómeno universal. Todo» temos encontrado, por cen>.

• 'Anwfca* Cok Vate and National Character*, tm f nacía L H»


foaord ), ttfchoioitv J Aftih/opoiogy. Hum ctrtod. ttl.. 1961. p? ^
9 y # ( f *09 9f H m r Vai**. Uaftvmity oi Ot***o frtm ftW
011 HI

I o a c o m p le m e n ta rid a d e o u i n v e r s ã o e n t r e n iv e i» d e e x p e r iê n c ia
«n que o q u e é v e r d a d e i r o a o n i v e l d a » c o o c e p y O e i ê In v e r­
tido ao n iv el e m p í r i c o , u m a i n v e n i o q t te t o m a in tp tv f ic w N
m esforços q u e p o s s a m o s f a z e r , n o s e n t i d o d a s im p lic id a d e ,
a fim de a d o ta r u m a v i d o a b r a n g e n t e e s i m u lt â n e a d o pensa*
meato o u r e p r e s e n t a ç ã o e d e a u a c o n t r a p a r t i d a n a a ç ã o . P o r
«special q u e p o s s a s e r o c a s o a m e r i c a n o , o f im n ã o p o d e K t
o teu p ró p rio m e io : o u o s p r e te n s o » “ v a lo re » o p e r a tó r io a ” n ã o
d o a b so lu ta m e n te v a l o r e s , o u e n t ã o t ã o v a lo r e s d e s e g u n d a
ordem, a d i s t in g u i r c l a r a m e n t e d o s d c p r i m e i r a o r d e m , o u v a ­
lores p ro p ria m e n te d ito » .
Ero g e ra l, a l i t e r a t u r a c o n te m p o r â n e a c m c iê n c ia » h u m a ­
EC nas talvez a b u s e d a s c o n t r a d i ç õ e s U m a u to r d e u m a é p o c a
m oa d e u m m e to d i f e r e n t e s e r á a c u s a d o , c o m fre q u ê n c ia d r
* contradição, s im p le s m e n te p o r q u e u m a d is tin ç ã o d e n ív e l e v i­
* dente p a ra c ie e . p o r e s s a r a z ã o . im p líc ita e m se u s e sc rito s ,
« a i não f a m i l ia r a o c r i t i c o , p a s s o u - lh e d c s p rrw M .!* • V e rv
* « o s m ais a d ia n te q u e o n d e o s n ã o - m o d e m o s d istin g u e m n ív eis
i* ao in te rio r d e u m a v i s ã o g l o b a l , o a m o d e rn o * s ó sa b e m sube-
dtm r a m p l a n o e s p e c i a l d e c o n s id e r a ç ã o p o r u m o u tro , e e n ­
contram e m t o d o s c u e s p l a n o s a s m e s m a s form a* d r n ltid s
*
dbju n çã o , c o n t r a d i ç ã o , e t c . T a l v e z h a ja a q u i c o n fu s ã o e n tr e s
experiência i n d i v i d u a l , a q u a l . a tra v e s s a n d o d ife re n te s nlvet».
Í p o ssiv e lm e n te v i v c n c i a d a c o m o c o n tr a d itó r ia , e a s n á l l t r so

• A rthur l o v e k r r t i en* certa* r u t u i r m d e fU*k>


244 O vítor not moJfrntn r tun oviroi

ciológica, onde o distinção do* níveis se impóc se se quiier


evitar o curto-circuito — tautología ou incompreensão. Con
Clyde Kluckhohn, o lamentado Gregory Bateson foi um dos
raros antropólogos que viram claramente a necessidade de re­
conhecer uma hierarquia de nivea.*
Houve na história da antropologia pelo menos urna ten­
tativa sistemática de fazer progredir o estudo dos valores. No
final dos anos 40, Clyde Kluckhohn decidiu colocá-los na
ordem do dia c concentrar esforços e recursos cm Harvard
para um vasto projeto cooperativo a longo prazo, consagrado
ao seu estudo, "o estudo comparativo dos valores em cirseo
culturas". Parece que os Estados Unidos conheceram, após a
Segunda Guerra Mundial, uma renovação de interesse pela filo­
sofia social c a compreensão das culturas esliingciras e seus
valores.'* Kluckhohn encontrou. sem dúvida, nas circunstân­
cias de cnlâo a ocasião de satisfazer o que nele era certamente
uma profunda preocupação pessoal. Póde lançar o seu projeto,
que reuniu numerosos especialistas c teve por resultado, na
década seguinte, um conjunto Imponente de publicaçóes. Ease
grande esforço parece estar hoje bastante esquecido. Ou me
engano muito ou ele passou sem deixar traços profundos na
antropologia cultural americana. Será mais um exemplo dessas
modas que se sucedem de forma tão surpreendente em nossa
disciplina, muito especialmente nos Estados Unidos? Ou exis­
tirão razóes internas para esse descrédito, como se os valores
constituíssem um mau centro dc interesse ou um fslso assunto,
O que muito me cusu crer? Não estou cm condições de res­
ponder a essa questão complexa; tudo o que posso fazer i tentar
extrair da lição de Kluckhohn uma lição para nosso uso. Hi
.uluai 3 4 i

DC.C -a ria m e n te c»»« liç ã o p a r a q u e rn q u e r q u e a c re d ite , c o m o


Ce. que m v a lo re a c o m l i t u c m u m p r o b le m a c e n tra l. K lu c k h o h n
a io e ra i n g ê n u o . e r a . p e l o c o n t r á r i o , u m h o m c m d e v a sta
cultura (c o m u m c o m p o n e n t e n lc m á o . s u p o n h o c u . c o m o é o
caso de m u ilo t a n tr o p ó lo g o * a m e r ic a n o s d a s p rim e ira s g e ra ç õ e s )
c verem o*. a liá s , q u e e le n o * a n te c e d e u c m b o a p a rte d o q u e
será d ito a q u i . E n t r e t a n t o , p o n d s d e la d o a s c o n trib u iç õ e s
fornecidas p e lo p r o j e t o a o c o n h e c im e n to d e c a d a u m d o s g ru ­
po* o u so c ie d a d e » e s tu d a d o * , o s re su lta d o * p a re c e m d e c e p c io ­
nantes n o q u e se r e f e r e e o o b je tiv o p rin c ip a l d e K lu c k h o h n .
(a* teja, o a v a n ç o d a te o r ia c o m p a r a tiv a . C o m o p o d e re m o s e x ­
plicar ta l falo?
K lu c k h o h n a u o c i o u - i c in tim a m e n te a P a rso n s e S h ils n o
' •npó*k> p u b lic a d o s o b o títu lo d e T o w a r d a G e n era l T h e o ry
o í A c tio n -, c o n tr ib u iu p a r a e le c o m u m im p o rta n te e n sa io teó
rteo*1 q u a p o d e s e r c o n s id e r a d o a c a rta d o P ro je to d e H a rv a rd .
*■ «kr.» q u e K lu c k h o h n mí d e s e n v o h e a su a p ró p ria p o s i ç ã o ^
*ca> de ix a r d e e s t a r d e a c o r d o c o m as lin h a s m estra s d o "es-
^'«aBa c o n c e p tu a l" d o s im p ó s io . S ó e x p rim e su a d isc o rd â n c ia
• TOpeito d a r í g id a s e p a r a ç ã o e n tr e os sistem as social e c u ltu -
y " P ara s e r b r e v e , m e n c io n a re i a p e n a s três p o n ten su b lin h a-
por K lu c k h o h n e s e u s c o la b o ra d o re s E m p rim e iro lu g a r.
y * o* valore» (s o c ia is ) s i o e s s e n c ia is p ar» a in te g raç ã o e a
d o c o r p o s o c i a l , e tam b é m d a p e rso n a lid a d e
<P 419) — II» ,* , M ol d iria p a r a a id e n tid a d e de u m a c o isa e
* o u t r a " — é . s e m cd ú v i d a , e v id e n te m a*, n a p rá tic a . íacil-
**•*« esq u e cid o se ja p c lo s a n tro p ó lo g o s q u e in sistem na»
de ftv*do u n i l a t e r a l , s e ja p e lo s filó so fo s q u e desta-
7 * «■* valore» in d iv id u a is d e a e u p a n o d e fu n d o so c ial. S a n to
* q u e u m p o v o é fe ito d e h o m e n s u n id o s n o
246 O valor not modemot t not outrot

Em segundo lugar, o vínculo estreito entre idéia» e vilo-


res — ou seja, neste caso, entre os aspectos “cognitivo»” e
“ normativos", ou "existenciais" e "normativos" — é clara­
mente reconhecido, como, de resto, por Parson» e Shfls,1* tob
o conceito central de orientação para valores (valua-oriento-
tion), tal como foi definido por Kluckhohn.1* (Um antropólogo
perspicaz assinalou que o conceito é criticável sob um outro
ángulo.14) Assim, o quadro do classificação de valores utilizado
por Florence Kluckhohn incluí, a par dos valores propriamente
ditos, um mínimo de idéias e de crenças. Podc-se preferir o
tratamento mais amplo dos Navajos por Ethel Albert, o qua!
inclui não só as "pressuposições de valores" (vaha premiiei),
normalmente nio expressas, mas também um quadro completo
da concepção do mundo, enquanto que “contexto filosófico”
do sistema de valores siricto m au}1
O terceiro ponto é o fato claramente reconhecido de que
os valores estáo “organizados hierarquicamente". O artigo-pro­
grama de Clyde Kluckhohn tinha uma página muito lúcida e
sensível sobre essa questio (p. 420) mas foi talvez Florence
Kluckhohn que mais desenvolveu esse aspecto. Ela propôs em
boa hora uma matriz para a comparaçio das "orientações de
valores". Ê um esquema de prioridades distinguindo, de eadi
vez sob três termos, acentos ou prioridades diferentes no que
t e refere às relações entre homens, o tempo e a açlo.“ A au­
tora sublinha a importância da hierarquia e das mianças na
hierarquia. C a d a sistema de valores é visto como uma combi-

m Op dt.,pp. IW -1 W .
M “V a h ío a n d V a l u e O r i c n t a t i o n . op. eit . pp. 410411,
“ “ N a e la b o ra ç lo d a te o ria p r e s t a * , d e l o n j e . a m a io r a te n ç f c Ia
oriantaçóo d e v a l o r (e n i o à» id é ia s e c re n ç a » ), p o r q u a a te o r ia t n m .
« n frande p a r t e , d a « d e ç l o d e o b je to » e la tra fa ç ó e » p e lo » a to re » , « e fu n d o
pre»criçóe« n o rm a tiv a » e m q u e a» a firm a ç õ e s r e f e r id a s a o 'd ev er* • I
'obeipçl©' — v a lo re a — d e s e m p e n h a m u m I m p o r ta n te p a p e r . e t c m r j
Richard Sheldon n o q u e e q u iv a le a u m a d e c l a r a ç ã o d e d c ta c o e d o ("S o m a
oéamrationt on Theory i a S o c ia l S c ie n c e " , c m P a r t o a a e S b ila. op c u .
p. 4 0 ) Sheldon a c m c c n t a q u e ene é n f a a e « o b re a p e rs o n a lid a d e e *>
brt o “abtrma i o d a ! " r e d u n d a v a e m c o r t a r > c a f a r a e tn d u a»
0 E t h e l M Albert. “The Claa*ifketlon oí V a lu e » : A M e th o d **i
llhaatrMkm", American Anthropolopit. M . 19 5 4 . p p 221-244
" A rtferéocia é a urna vertió poeterior de Florence Khickhoha T>*
minaot and Variant ValurOrientailoo»", em F. Kluckhohn c F. I
Sirodibcck (coordi ), Variation* in Vatu+Orieniatiom. Enastan. H .
IN I.
O Individualimo 247

nação su¡ g e n e r ó d e e l e m e n t o s , q u e s l o u n iv e r s a i s n o s e n ti d o
d e q u e o s e n c o n t r a m o s p o r to d a a p a r t e . E s ta v a a i u m a s o lu ç ã o
p a ra u m p r o b le m a q u e p r e o c u p a v a o p r ó p r i o C ly d e K lu c k h o h n .
R e a g in d o c o n t r a u m a ê n f a s e e x c e s s iv a s o b r e a re la tiv id a d e n a
lite r a tu r a a n t r o p o l ó g i c a , e le q u e r i a e v i t a r c a i r n o r e la tiv is m o
( a b s o lu to ) e t e n t a v a s a l v a r u m m ín im o d e v a lo r e s u n iv e r s a i s .”
F lo re n c e K l u c k h o h n e n c o n t r a v a e s s a b a s e u n iv e r s a l n o p ró p r io
m a te ria l q u e o s d iv e r s o s s is te m a s d e v a lo r e s e la b o r a v a m , c a d a
u m à s u a m a n e i r a , m e d i a n t e u m a c o m b in a ç ã o o r ig i n a l d e v a lo ­
riz a ç õ e s p a r t i c u l a r e s .
Q u e m c s e j a p e r m i t i d o e x p r i m i r s u c in t a m e n te u m a d u p la
c ritic a : o q u a d r o a in d a n ã o a p lic a com s u f ic ie n te a m p litu d e
o r e c o n h e c im e n to d a h i e r a r q u i a c , p o r e s s a ra z ã o , e n c o n tra -s e
a in d a , n u m a c e r t a m e d id a , to lh id a n o a to m is m o : n e n h u m a re ­
la ç ã o é p o s t u l a d a e n tre a s p ró p ria s c i n c o s u b d iv is õ e s . Q u e
d iz e r, p o r e x e m p l o , d o a c e n t o r e la t i v o s o b r e a s re la ç õ e s c o m
a n a tu r e z a e a s r e la ç õ e s e n t r e h o m e n s ( r u b r ic a s 1 e } ) ? P a re c e
que um a b a s e u n i v e r s a l e s t á a i p r e s s u p o s ta s e m ju s tific a ç ã o .
A ssim , o e s q u e m a p e r m a n e c e in e v ita v e l m e n t e s o c io c ê n tric o . D e
fa to , e le e s t á v e r d a d e i r a m e n t e c e n t r a d o n u m m o d e lo a m e ric a n o
b ro n c o c m esm o p u rita n o . A s o u tra s c u ltu ra s podem m u ito
b e m f a z e r e s c o l h a s d i f e r e n t e s m a s s ó n a lin g u a g e m d e r iv a d a d a s
e sc o lh a s a m e r ic a n a s .
U m e s tu d o p o s te rio r d e C ly d e K lu c k h o h n a c r e s c e n ta a
u m a a p r e s e n t a ç ã o d o s q u a d r o s d e c la s s if ic a ç ã o d e E th e l A lb e rt
e d e F lo r e n c e K lu c k h o h n um o u tro q u a d ro de sua p r ó p r ia
a u to r ia . E sse e s t u d o , 1** a p a re n te m e n te a ú ltim a p a la v r a de
K lu c k h o h n s o b r e a q u e s t ã o , e x ig ir ia s e r m a u to n g a m e n te a n a ­
lis a d o d o q u e p o s s o f a z e r a q u i , m e n o s p e lo e s q u e m a c m »i d o
q u e p e la s c o n s i d e r a ç õ e s q u e i e l e le v a m . O a u t o r In s is te s o b re

" Cf evpccfalm m te C . K htckhohn, " C a t r p r l n o f U niversal Culture",


« IflK O fr, W en n er-G reo Sym posium . ju n h o d * I W . T o m » L ib ra n
( m n o a 20 ). C u m p re acresc en tar q u e flo re n c e KiuckHohn n t i u par-
U u larm ente ate n ta i s n u a n ta t n a c o n íifu ra ç á o h k r i r q u k a q u t D* per-
fnitiam a p reen d er as v a r i e ç t o n i o aò e n tre cultura» ma» M b U n o r
de um sistem a de v a lo re i d e term in ad o . o b te n d o a tab a « m abertura
•obre a q u estão d a m o d a n c t nos valores
• C K luckhohn. T h e S cientific S iody o f V ahar", arparata ta r e «a
b d o a l o p ode are a n te rio r a I f W ; aparentem ente, f a r »
de c o n fe rfa c ia i tn a u p u ra b que n ã o p n d t id rn b f * a r Ipp 2 * W
■ to u il K luckhohn, T o n e r U h re ry . P eabody M » « u m H arvard U #
»»nity).
NI O w ior not m odtm ot t no* euiroi

o á m b ito f e ta l, u n iv e rs a l. d o p ro je to , e m b o ta reco n h ecen d o o


c a r í ’. e r p r w s ó o o d o e s q u e m a p r o p o s t o . 0 e s fo rç o te n d e a l o r
o a r o e s q u e m a p u r a m e n t e r a c i o n a l : e l e c o n s i s t e n u m a s é r ie de
oço sãçõ e* b in a ria s , q u a lita tiv a s . A lé m d is s o , r c g iitr a - s e um
e sfo rç o no s e n tid o de d e s ta c a r, n u m q u a d r o , a s asso c iaç ó e s
e n tre tra ç o s , e de r e c o n s t i t u i r a s s im , n u m c e r t o g r a u , o s sis­
te m a s a n a lis a d o s .

O q u e e x p l i c a , p o t s , q u e u m e s f o r ç o s is t e m á t i c o , c o n te n d o
t a n t a s p e r c e p ç õ e s c o r r e t a s , d e i x e o l e i t o r i n s a t i s f e i t o ? D o lad o
a b s tr a to , re s ta m -n o s a p e n a s m a trix e s e m c u jo s q u a d r a d o s de­
vem os p o d er d is tr ib u ir o s e le m e n to s d e q u a lq u e r s iste m a d e
v a lo re s A p esar d esse ú ltim o c p a té tic o e sfo rç o de C lyde
K lu c k h o h n p a ra a firm a r u m a p e r s p e c t i v a e s t r u t u r a l , o u estru-
t u r a l i s t a . e r e a v e r a u n i d a d e v i v a d a d a n o c o m e ç o , é c la r o q u e
o to d o d is s ip o u -s e e m s u a s p a r t e s . A a to e n tx a ç á o le v o u a m e­
l h o r . P o r q u é ? S e m d ú v i d a , p o r q u e a t e n t a t i v a c o n s is tiu , tem
o sa b e r, e m u n ir o fo g o e • á g u a . d e u m l a d o d a e s tr u tu r a , i
e s t r u t u r a h i e r á r q u i c a , d o o u t r o a c l a s s i f i c a ç ã o , c o m a a ju d a de
t r a ç o s i n d i v i d u a i s . A n e c e s s i d a d e d e c l a s s i f i c a ç ã o f o i c c r ta ro e n tí
re fo rç a d a p e lo fa to d e q u e se t r a t a v a d c c o m p a r a r c io c o c u l­
t u r a s a o m e s m o t e m p o , e o * p r o d u t o s m a i s v á lid o s d o p ro g ram a
tã o , p ro v a v e lm e n te , o a q u a d ro s m o n o g rá fic o s à m a n e ir a dc
A lb e rt q u e d e le re s u lta ra m . C h e g a -se à c o n c lu sã o , u m ta n to
d e sa g ra d á v e l, d c q u e u m a c o m p a r a ç ã o p r o f u n d a e s ó lid a d o s
v a lo re s a ó é p o s s ív e l e n tr e dois s i s t e m a s to m a d o s c o m o to d o s.
S e . m a is ta r d e , se q u is e r in tr o d u x ir a c l a s s if ic a ç ã o , e la d e v e rá
p a r t i r d o a t o d o s e n ã o d e e l e m e n t o s e n u m e r a d o s . D e m o m e n to ,
e s ta m o s m a is p e r to d a " h is to r io g r a f ia " d c E v a n s - P r itc h a r d d o
q u e d a “ c iê n c ia n a t u r a l d a s o c i e d a d e " d e R a d c lif íe - B r m v n .

K l u c k h o h n a s s i n a l o u q u e o t e r m o " v a l o r " , e m p r e g a d o p rin ­


c i p a l m e n t e n o p l u r a l , c h e g a r a r e c e n t e m e n t e à s c iê n c ia s so ciais,
v in d o d a f i l o s o f i a . V i a «sele u m a e s p é c i e d e c o n c e i t o in terd i* -
d p ü n a r , ‘ e , p r o v a v e l m e n t e p o r e s t a r t x i o . m i s t u r a v a o c asio n a l­
m e n te v a lo re * i n d iv id u a is e v a lo re * d c g ru p o . O p ró p r io te m »
de “ o rie n ta ç ã o p a ra v a lo re * ” in d ic a que o a t o r in d iv id u a l i
* p re o c u p a ç ã o d o m in a n te .
N a t u r a l m e n t e , t u d o i s t o s e h a r m o n i z a c o m u m a p e rs p e c tiv a
b e h a v io ris m m a* é, s o b re tu d o , a m a rc a d o boci$rvund f ik x ó

m .m k 2 . " V a t e s « s l V a lu c - O n n u iio a of d i.p M*


* O Ind ivid u a lism o
249

fic o do» n o s s o s p r o b le m a s a n tro p o ló g ic o » . O d e b a te filo só fic o


in tim id a p o r s u a d im e n s ã o e c o m p le x id a d e . E n tr e ta n to , u m e s ­
fo rç o p a r a e s c la r e c e r a q u e s tã o a n tro p o ló g ic a n ã o p o d e p a s­
sá -lo e ra s ilê n c io . F e liz m e n te , c r e io q u e . d e m o d o in v e rs o , u m a
p e rsp e c tiv a a n tr o p o ló g ic a p o d e e s c la re c e r u m p o u c o o d e b a te
filo só fico , t o m a n d o a s s im p o s s ív e l o b te r-s e u m a v is ã o s u m ir ia
m as s u fic ie n te .
E x is te m , n a m a té ria , d u a s e s p é c ie s d e filó s o fo s o u . m e lh o r
d ito , d o is m o d o s d e filo s o fa r. U m situ a -s e n o i n te r io r d a c u l­
tu ra m o d e rn a e te m o c u id a d o d e le v a r e m c o n ta s u a s lim ita -
çóe». s u a in s p ir a ç ã o f u n d a m e n ta l, s u a ló g ic a in te r n a c s u a s
in c o m p a tib ilid a d e s. D e u m ta l p o n to d e v is ta im p õ e -se a se­
g u in te c o n c lu s ã o : é im p o s sív e l d e d u z ir o q u e d e v e s e r d a q u ilo
que i . N ã o é p o ss ív e l a tr a n s iç ã o d o s fa to s p a r a o s v a lo re s,
lu izo s d e re a lid a d e e ju íz o s d e v a lo r s ã o d e n a tu r e z a d ife re n te .
Basta r e c o r d a r d o is o u trê s a s p e c to s d e s ta c a d o s d a c u ltu r a m o ­
d e rn a p a ra m o s tra r q u e n ã o se p o d e e s c a p a r a e s s a c o n c lu s ã o .
Em p rim e iro lu g a r, a c iê n c ia é s u p re m a n o n o ss o m u n d o e .
para t o m a r p o ssív e l o c o n h e c im e n to c ie n tíf ic o m o d ific o u -s e .
com o re c o rd á v a m o s n o in íc io , a d e fin iç ã o d e se r. e x c lu in d o
dela. p re c isa m e n te , a d im e n s ã o a x io ló g ic a . E m s e g u n d o lu g a r,
a ê n fase so b re o in d iv íd u o le v o u a in te rio riz a r a m o r a l, a
reservá-la p a ra a c o n s c iê n c ia in d iv id u a l, a o p a s s o q u e e r a se­
p arad a d o s o u tr o s f in s d a a ç ã o c d is tin g u id a d a re lig iã o . O i n ­
d iv id u a lism o e a s e p a ra ç ã o c o n c o m ita n te e n tr e o h o m e m c a
n a tu re za d e s a ju n ta ra m a ssim o h e m . o v e rd a d e iro e o b e lo . e
in tro d u z ira m u m p r o fu n d o a b is m o e n tre s e r e d e v e r te r . E ssa
situ aç ão 6 o q u in h ã o q u e n o s to c a n o se n tid o d e q u e e la e s tá
n o ám a g o d a c u ltu r a o u c iv iliz a ç ã o m o d e m s .
O u e se tra te d e u m a s itu a r ã o c o n fo rtá v e l o u ra z o á v e l é
um a o u tra q u e s tã o . A h is tó ria d o p e n s a m e n to p a re c e m o s tra r
q u e as c o is a s n ã o s ã o b e m a ssim , r®*» K a n t m a l p ro c la m a ra
essa d is ju n ç ã o fu n d a m e n ta l e j i se u s ta le n to s o s su c e sso re s, e os
in te lec tu a is a le m ã e s c m g e ra l, se la n ç a v a m e m esfo rço * v a r ia ­
dos p a ra re s ta b e le c e r a u n id a d e , f. v e rd a d e q u e o m e io h is tó ­
ric o e ra h is to ric a m e n te a tr a s a d o e q u e a in tr llife n tu a a le m ã,
em b o ra in s p ir á n d o s e n o in d iv id u a lis m o , a in d a e s ta v a Im b u íd a
de h o lism o n o fu n d o d e se u t e r . M a* o p ro te s to c o n tin u o u a té
aos n o ta o s d ia s .
D eve-se a d m itir q u e . q u a n d o n o s d esv iam o s d o m eie
ten tam o s ra c io c in a r a p a r tir d o s p rin c íp io s fu n d a m e n ta i

/
250 O valor not moderna t not ourot

i d é i a d e q u e o q u e o h o m e m d e v e f a z e r n a o t e m r e l i ç i o algu-
m a c o m a n a tu r e z a d a s c o is a s , c o m o u n i v e r s o e c o m o lugar
d e l e n o u n i v e r s o p a r e c e r á b i z a r r a , a b e r r a n t e e in c o m p re e n s ív e l.
O m e s m o o c o r r e q u a n d o a lg u é m le v a em c o n t a o q u e sab em o s
de o u tr a s c iv iliz a ç õ e s e c u ltu ra s . D is s e e u r e c e n t e m e n te : "A
m a io ria das s o c ie d a d e s a c re d ita v a a lic e rç a r-s e na o rd e m das
c o is a s ta n to n a tu r a is q u a n to s o c i a i s , p e n s a v a c o p i a r o u traçar
s u a s p r ó p r i a s c o n v e n ç õ e s d e a c o r d o c o m o s p r i n c i p i o s d a vida
e do m undo. A s o c i e d a d e m o d e r n a p r e t e n d e s e r 'r a c io n a l', ou
s e ja , e l a d e s lig a -s e da n a t u r e z a p a r a i n s t a u r a r u m a o rd e m hu*
m ana a u tô n o m a ." ® P o d c -se . p o rta n to , e s ta r p ro p e n so , num
p r i n c í p i o , a s i m p a t i z a r c o m o s f i l ó s o f o s q u e t e n t a r a m re s ta u ra r
a u n id a d e e n tr e fa to s e v a l o r e s . S u a s t e n t a t i v a s te s te m u n h a m o
fa to de que n à o e s ta m o s in te ira m e n te d e s li g a d o s d o m odelo
c o m u m d a h u m a n i d a d e , o q u a l a i n d a e s t i p r e s e n te e m nós de
a l g u m m o d o . s u b j a c e n t e n o q u a d r o i m p e r a t i v o d a m o d e rn id a d e
e m o d i f i c a n d o ^ u m p o u c o , t a l v e z . M a s e s t e j a m o s p r e v e n i d o s . ..

A te n ta tiv a pode a s s u m ir d i f e r e n t e s f o r m a s . l ’m a dela*


c o n s is te e m a n i q u i l a r c o m p l e t a m e n t e o a v a lo r e s . D e c la ra -s e que
o s ju íz o s d e v a lo r o u e s tío d e s p ro v id o s d e s e n t i d o o o iJ o a
e x p r e s s í o d e s i m p l e s h u m o r e s o u e s t a d o s a f e tiv o s . O u e n tíe
p a r a c e r t o s p r a g m a t i s t a s , o a f i n s s l o r e d u z i d o s a m e io s- c e n í
fru id a um a c a te g o r ia de " v a lo re s in s tru m e n ta is " , p a ita * a
n e g a r a e x is tê n c ia d e " v a lo re s i n t r í n s e c o s " . I s to é . d » valores
p r o p r i a m e n t e d i t o a .® T a i s t e n t a t i v a s r a r e c e m . d e f a lo , indicar
a i n c a p a c i d a d e d e c e r t a s t e n d ê n c i a s f il o s ó f i c a s p a r a e x p lic a r i
v i d a h u m a n a r e a l e m a r c a r u m i m p a s s e d o in d iv id u a lis m o . Um
o u tr o tip o p o d e s e r v is to c o m o u m e sfo rç o d e s e s p e r a d o p sr»
tra n s c e n d e r o in d iv id u a lis m o m e d ia n te o re c u rs o a um mm
m o d e r n o d a r e l i g i ã o . S o b a s u a f o r m a m a r x i s t a e . a p a r tir d ai.
de um m odo b a s ta n te s im ita r nas i d e o lo g ia s to ta litá ria s t"
g e r a l , e s s a d o u t r i n a r e v e l o u s e f u n e s t a : p o r v e m . ê co nsiderad »
s i n i s t r a , p e l o m e n o s n o c o n t i n e n t e e u r o p e u , e e v en r t i k * . N e* *
p o n to , te m o s d c n o s c o lo c a r f ir m e m e n te a o la d o d e K a h à c e n i1
em sua c o n d e n a ç ío a p a ix o n a d a d e ss a c o rre n te , em o p i t f o •

n HH, sp A. p r J I M 19.
B Fot M M O cen tro d a d ia c u tO o n o lirapO tto for lapW» t«
e u ) A H W a tita d o a p ta fin a ttiia t contrata a .l.it.iH k» e rirt '
ftw . • q u a l r i l l ap aren tad a roan a t qua a«< na! amc« a S Ifu aleane
dMaantal para a c u ltu ra m o d e rn a
o hJividujJúm o
»l I

¿er to » i n t e l e c t u a i s q u e a b u s a m d e fa ls o s a rg u m e n to s cm d t ! c u
déla.*4
A c o m p a n h a m o s K o la k o w s k i e s p e c ia lm e n te n u m ponto-, o
p e rig o n i o d e c o r r e a p e n a s d a te n t a t i v a d e im p o r ta is doutrina*
p e la v io lê n c ia m as e s tá c o m id o na p r ó p r ia d o u trin a sob a
f o r m a d e i n c o m p a t i b i l i d a d e d e v a lo r e s q u e se e x p rim a n pela
v io lê n c ia a o n í v e l d a a ç io . P a ra c o n f i r m a r e s te p o n to : num
a r tig o d e 1 9 2 2 , q u e r e t r o s p e c t i v a m e n t e p a re c e p ro fé tic o q u a n to
a o s d e s e n v o l v i m e n t o s a l e m i e s s u b s e q ü e n te s , K a rl P rib ra m assi­
n a lo u a s e m e l h a n ç a d e e s t r u t u r a e a in c o n g ru ê n c ia p a ra le la d o
n a c i o n a l i s m o p r u s s i a n o e d o s o c ia lis m o m a r x is ta . A m b o s , d izia
P r i b r a m , a p r e s e n t a r a u m s a lt o d e u m fu n d a m e n to in d iv id u a lis ta
p a r a u m a c o n s t r u ç ã o b o l i s t a (“ u n i v e r s a l i s t a " ) , n u m c a s o o E s­
ta d o . no o u tro a c la s s e t r a b a l h a d o r a , q u e s ã o d o ta d o s p ela
d o u t r i n a d e q u a l i d a d e s i n c o m p a tív e is c o m o s p re s s u p o s to s in i­
c ia is e . p o r t a n t o , ile g ítim a s .* * E m ta is c o n ju n tu r a s , o to ta lita ris ­
m o e s t á c o n t i d o e m g e r m e . O s p r ó p r io » filó s o fo s n e m sem p re
s ã o s e n s í v e i s a t a i s in c o m p a t i b i l i d a d e s , m a s é v e rd a d e q u e su as
c o n stru ç õ e s r a r a m e n te s ã o a p l i c a d a s à s o c ie d a d e .* 4
N e s t e p o n t o , u m a q u e s t ã o s e im p ó c : é c ó m o d o lig a r 0 to ­
t a l i t a r i s m o a t a i s in c o m p a t i b i l i d a d e s — e . n o e n ta n to , e x iste m
i n c o m p a t i b i l i d a d e s n a s s o c ie d a d e s s e m q u e c ia s ae d e se n v o lv a m
n e sse fla g e lo . I c o n i c s i n s i s t i u n is a o : “ c o m u n id a d e " e " s o c ie ­
d a d e -' e s t ã o p r e s e n t e s c o m o p r i n c í p i o s n a s o c ie d a d e m o d e rn a ,
to n a re s p o s ta p ro v is ó ria i q u e e la s se s itu a m e m n ív e is d iíe -
r e o t e i d a v i d a s o c i a l , a o p a s s o q u e é c a r a c te r ís tic o d o a rtific ia *
Hmo n e g l i g e n c i a r e s s e s n ív e is e t o r n a r a s s im p o s s ív e l a c o li­
são e n tre o q u e c i e i n t r o d u z c o n s c ie n te m e n t e e u m s u b s ir a io
que e k n io conhece v e rd a d e ira m e n te . £ m u ito p o s sív e l que
e x ista , n a v e r d a d e existe, u m a n e c e s s id a d e d e r e in tr o d u z ir u m
c e r to g ra u de b o lis m o c m n o ssas s o c ie d a d e s in d iv id u a lis ta s ,
n a s is s o tó pode s e r f e i t o a n ív e is s u b o r d in a d o s e d i r i m e n t e
a r t i c u l a d o s , de nodo » impedir todo e q u a i q u e r c o n f lito d e
o v a l o r p r e d o m i n a n t e o u p r i m á r i o I s s o p o d e ter

* Latã KcUkomtki. "The fm lnna et iht S d a S o f lra D iIo m m ",


Va» m J Worid. ¡977. m l »0. • * J
9 Ver ecm u . p p 1ST # »
* a u m » a p V I. f J t3 Vm a im p b tm to m ú . HgvnJo Io»
tüBtr. H*ft¡ serta amegud» teatrmr m t témti» trina**»
U Kt> a .W ie tr a te r a C H egrl m d é » frm u to n h » J t o d M t t " (ItJT),
» - ii«4+ m à tm i H U *. fta k ltn , SOtrimp ¡V7)
252 O v a lo r ru n n w d rm m t net

feito, p o ru n to , na condição de te introduxir uma arttculaçb


hierárquica m uito com plexa, algo de paralelo, m utotis mua »
d is. b etiqueta altam ente elaborada da China tradicional
A coisa será esclarecida m ais adiante. Fm todo o caro devemos,
antes de ludo, enquanto cidadãos d o m undo e de utn Estado
particular nesse m undo, perm anecer fiéis, com KoUkowskt. i
distinção kantiana como a urna parle integrante da configuração
m oderna.
Q uais são as conseqüências dessa distinção p a u a citada
social? Passaram os tempos cm que uma ciência behavioriiu
bania o estudo dos valores com o das representações cotuocn
tes em ge ral. Estudavam-sc as representações sociais como fste*
sociais de um a espécie particular. Duns observações se impõem
Em prim eiro lugar, é claro que essa atitude "livre de valor"
(value /ree) assenta na distinção kantiana, sem o que a nossa
visão ingenua dos "fa to s" suscitaria forçosamente futros de
valor, e ficaríamos encerrados no nosso próprio sistema, so-
docéntrico como todas as sociedades são — salvo, em princí­
pio. precisamente a nossa. Este ponto apenas confirma o * »
culo existente entre a ciência c a distinção ser/dever srr. Mas.
nesse caso, a nossa perspectiva e sti filosoficamente sujeita i
cautela. Pode-sc sustentar que devemos distinguir entre tirsmi
e poder legítimo. Leo Strauss afirmava, contra Ma» Wcbcr,
que a ciência social não pode deixar de avaliar,** e é verdade
que W cber foi levado por sua atitude "livre de valor" a
conseqüências indesejáveis, como a de admitir uma ética d*
convicção. Mais radicalmente, pode-se pretender que o t valo
res não podem realmente ser compreendidos k não se Dm
aderir (estamos aqui muito perto da tese marxista), e que teta
tivtxar os valores equivale a matá-los. A. K. Saran afirmou t*u
tese cm perfeita lógica numa discussão.1* Se assim é, as culture»
não podem comunicar entre si. existe solipsismo cultural, te
torno ao sociocentrismo. E, no entanto, há certa verdade muo

r Ver acima, pp Jl«. 21S Seria d o n e cessírio aercacenur eu» r»r*


•cr «ficai. casar preaetwa «a conaolacia
u l d u i i a ç ã o d « n iv e i» d e v e

Leo S t r s u u . Oroil S ttu rrl et Hivoirt. Paria. Ploo. ISM . cap It


P_«S (original- S a tu r a i Right o nj HttUry. Olka*o MM)
Dubmmm. "A fundamental problem in lhe SoooJo*r «I Cam*
i Indian Sochx'oct. IX. dcrrmbro de 11»a6 (pp IMJV
m
o
sentido de q u e a c o m p a r a d o im p lic a u m fu n d a m e n to u n í-
<<n*l é n c cc sa irio q u e . e tn ú ltim a a n á l ú c . as c u ltu r a s nAo
•ureçam táo in d e p e n d e n te s urna» d a s o u tr a s q u a n to p r e te n d e ­
riam c que su a c o esão in te rn a p a re c e a s s e g u ra r.
Em o u tro s te rm o s, o n o ss o p ro b le m a é o s e g u in te : c o m o
paiemos c o n stru ir u m a p assa g em e n tr e a n o s va id e o lo g ia m o ­
derna que se p a ra v a lo re s c ’’fatos*' e a s o u tr a s id e o lo g ia s o n d e
os valores e s t ío " im b ric a d o s ’’ n a c o n c e p tAo d o m u n d o ? -
A qoestAo n ad a tem d e fú til, u rn a v e z q u e , n ã o o e s q u e ja m o s ,
o problema e stá p re sen te n o m u n d o ta l c o m o e le 6 . f . u m fo to
qoe as culturas agem u m as so b re a s o u tra s e . p o rta n to , co m u -
m a n e ira , m ed io c re m e n te . C o m p e te A a n tro -
foiogia d a r urna fo rm a c o n sc ie n te a essa s e x p e riê n c ia » m ais
00 menos p recárias c re sp o n d e r assim a u m a n e c e ssid a d e c o n ­
temporánea. E stam os e m p e n h a d o s n a ta re fa d e re d u z ir a d is ­
tancia entre os nossos d o is caso s, d e re in te g ra r o c a s o m o ­
derno no c aso geral. D e m o m e n to , te n ta re m o s fo rm u la r com
maior prccisAo c solidez a re la çã o e n tre d e s .
t>e um m odo gcral. os v a lo re s cstAo in tim a m e n te c o m b in a ­
dos com o u tras re p resen taçõ es. U m "s is te m a d e v a lo re s” i .
m im . um a ab stração e x tra íd a d e u m m ais v a sto siste m a d e
j )** « valores.*1 I h o n ã o é v e rd a d e iro so m e n te d a s so c ie ­
dades nao m odernas m as tam b ém . com u m a só e x ceção , d a s
sociedades m odernas — exceção essa. q u e 6 c a rd e a l, e n v o l­
vendo os valores m orais (in d iv id u a is) em su a re la ç ã o com o
conhecimento ‘‘o b jetiv o ’’. científico. P ois tu d o o q u e dissem os
acima acerca d o d e v e r-srr relaciona-se exclu siv am en te com a
m oralidade in d iv id u al, "subjetiva**. Q u e essa m o ralid ad e seja.
ao mesmo tem po q u e a ciência, suprem a na nossa co n sciên cia
moderna não im pede q u e ela coabite com o u tras n o rm as. va-
lores da espécie o rd in á ria , o s d a ética social tra d ic io n a l —

• Como • referência k "Imbricaclo" ( r m M M w u . em tnstfs) raive» te-


aha lembrado «o leitor. seguimos aqui o» passo» «te Kort W « v l . »*»
«ente ampliando sua tese sobre o caráter excepcional da «isiUaacáo
moderna (cf. p . 14).
■ Vimos este mesmo ponto sublinhado tanto por Parson* e Sbila (op
orirr )I quinto
q u i n t o por Mocanonn
Ktoclboha tef
ter acima,
acima. P p casi tn r Olunto
J4M Tsar •nono
refació entre dado» * * m m g f n me A- r«»src«ciai.'
normativo* r ‘........ * rValtse». mm
amI Va
Orientation . o r ri*, pp VtM*4K rte rita <p 4?J» »«*n Itm k o rlti a
m reito do “foco de teltur*- (nrflurd fr o n l o**de »e b*~n a dlltflhlll
cio'dos Valore» e a contifurn¿4o das iddiat tef H f » Z*.
p JIM

f J
i
254 O valor nos modernos i nos cures

m a m o q u e s e p r o d u z a m s o b o s n o s s o s o lh o s c e rta s tríM rçõcj,


c e r t a s s u b s t i t u i ç õ e s d e u n s p o r o u t r o s . F o i a ss im q u e o valor
m o d e rn o d a i g u a l d a d e s e p r o p a g o u n a s ú ltim a s décad as, nos
p a í s e s e u r o p e u s , a d o m í n i o s o n d e a é tic a tra d ic io n a l a in d a pre­
v a l e c i a ; d e s d e a R e v o l u ç ã o f r a n c e s a , c u jo s v a lo re s a subenten­
d ia m , a té a o s n o sso s d ia s , a i g u a ld a d e d a s m u lh e re s n io se
im p u s e ra c o n tra a s u b o rd in a ç ã o re s u lta n te de to d o um com*
p le x o de in s titu iç õ e s e r e p r e s e n ta ç õ e s . A lu ta e n tre o s dois
" s i s t e m a s d e v a l o r e s " in te n s if ic o u - s e a g o ra e o d e sfec h o ainda
n ã o fo i consu m ad o : os n o s s o s v a lo r e s in d iv id u a lis ta s colidem
com a in é rc ia c o n sid e rá v e l de um s is te m a so cia l vivamente
a t a c a d o e q u e p e r d e g r a d u a lm e n te a s u a ju s tific a ç ã o na cons­
c iê n c ia .
A in s e p a ra b ilid a d e d a s id é ia s e d o s v a lo re s é perfeita-
m e n t e v is ív e l n u m e x e m p lo c o m o o d a d is tin ç ã o e n tre direita
c e sq u e rd a . E s s a d is tin ç ã o e s tá m u ito d iv u lg a d a , pode-se até
d i z e r q u e é « n i v c r s a l , e a in d a a e n c o n tr a m o s e n tre nós, de
a lg u m m o d o . e m b o ra a n o ssa a titu d e a e ss e re sp eito esteja
d e p l e n o a c o r d o c o m a id e o lo g ia m o d e r n a . T e m o s o h á b ito de
a n a l i s a r e s s a d i s t i n ç ã o e m d o is c o m p o n e n te s . V em os a í. c sk o -
c i a l m e n t c , u m a o p o s iç ã o s im é tr ic a , o u s e ja . e m q u e o s dois
p ó lo s tê m o m e s m o status. Q u e . n a re a lid a d e , o s d o is pólos
t e n h a m v a lo r e s d e s ig u a is , q u e a m ã o d ir e ita seja considerada
s u p e r i o r à m ã o e s q u e r d a , p a re c e -n o s u m tra ç o a rb itr á r io , sobre­
p o s to . q u e nos em penham os e m e x p lic a r . E r a e sse o estado
d e e s p í r i t o d e R o b e r t H e r t z q u a n d o e s c re v e u o s e u e n saio que
s e t o m o u c lá s s ic o e a i n d a h o je p o ssu i p le n a v a lid a d e. O re.
tra ta -s e d e u m e r r o c o m p le to . C o m o e u d is s e a lh u re s , a refe­
r ê n c ia a o c o r p o c o m o a u m todo a q u e p e rte n c e m m i o direita
e m ã o e s q u e r d a , e s s a r e f e r ê n c ia é c o n s titu tiv a d a d ire ita , da
e s q u e r d a e d a d i s t i n ç ã o e n t r e e la s.* 1 I s s o d e v e r ia s e r evidente
to m e -s e u m a o p o s iç ã o p o l a r q u a lq u e r , a d ic io n c m -lh c um a d i­
f e r e n ç a d e v a lo r , c n ã o s e o b t e r á a d ir e ita e a e s q u e rd a . Tendo
a d i r e i t a e a e s q u e r d a u m a r e la ç ã o d if e r e n te c o m o c o rp o (tm u
r e la ç ã o d i r e i t a e u m a r e la ç ã o e s q u e r d a , p o r a ss im d iz e r), d a s
t ã o d i f e r e n te s em si mesmas. (N ã o s ã o d u a s e n tid a d e s situa­
das em d if e r e n te s lu g a r e s , a n o s s a e x p e r iê n c ia te m ív e l o diz
c la r a m e n te .) C o m o p a r t e s d if e r e n te s d e u m to d o . d ire ita e es-

* Cf. um», ctp v i. 2:


o I n d iv id u a lis m o n i

- j c r d j d i f e r e m t a n t o c m v a l o r q u a n t o c m n a tu r e * * , p o t* ■ r e l a ­
ção e n tr e p a r t e e t o d o 6 h i e r á r q u i c a , e u m a r e la ç ã o d i f e r e n t e
lig n iíic a . n e s t e c a s o . u m l u g a r d i f e r e n t e n a h i e r a r q u i a . A s s im
é que a s m ão s e s u a s ta re fa s o u fu n ç õ e s sã o . a o m e s m o te m p o ,
d ifere n te s e r e s p e c t i v a m e n t e s u p e r i o r c in fe rio r.* *
H á a lg o d e e x e m p l a r n e s s a r e la ç ã o d i r e i t a e s q u e r d a . T r a -
u -se . ta lv e z , d o m e l h o r e x e m p l o d e u m a r e l a ç ã o c o n c r e t a i n d is -
so lu v e lm e n te v i n c u l a d a p e lo s s e n tid o s à v i d a h u m a n a , d a e s p i ­
d e q u e a s c i ê n c i a s f ís ic a s n e g lig e n c ia r a m c a a n t r o p o l o g i a
p o d e ria m u i t o b e m r e s t a u r a r o u r e a b i li t a r . C r e i o q u e e l a n o s
ensina, a n te s d e t u d o . q u e d i z e r “ c o n c r e t o " n ã o é d i z e r “ i m ­
p re g n a d o d e v a l o r " . Is s o n ã o é t u d o . p o is t a l d i f e r e n ç * d e
v alor é . a o m e s m o te m p o , q u e s t ã o d e s i t u a ç ã o c s e r á n e c e s s á ­
rio p r e s t a r - l h e a te n ç ã o . O f a to é q u e . u m a v e z a t r i b u í d a s
cenas fu n ç õ e s à m ã o e sq u e rd a , a m ã o d ire ita , e m b o ra m a n ­
tendo-se s u p e r i o r n o c o n ju n t o , s e r á s e c u n d á r i a q u a n t o a o e x e r ­
cício d e s s a s f u n ç õ e s .
O p a r d ir e i t a - e - e s q u e r d a é . a o m e s m o t e m p o , i n d i s s o l ú v e l -
m ente u m a i d é i a e u m v a lo r , é u r a v a lo r - i d é i a o u u m a i d é t a -
v alor. A s s im , c e r t o s v a lo r e s , p e lo m e n o s , d e u m a d a d a p o p u ­
lação e s t ã o t e c id o s c m s u a s p r ó p r i a s c o n c e p ç õ e s . P a r a d e s c o ­
bri-lo t. n ã o é n e c e s s á r i o a v e r ig u a r a s e s c o lh a s d c p e s s o a * . F s s e s
valo res n a d a tê m a v e r c o m o p r e f e r í v e l o u o d e s e j á v e l —
salvo q u e s u p õ e m n ã o t e r s id o o b l i t e r a d a a p e r c e p ç ã o i n g ê n u a
d a re la ç ã o e n t r e o t o d o e a s p a r t e s , p o r t a n t o , d a o r d e m t a l
com o é d a d a n a e x p e r i ê n c i a . O s m o d é r a o s t e n d e m a d e f i n i r
o v a lo r e m r e l a ç ã o c o m a v o n ta d e a r b i t r á r i a , o K u r u i l l r d e
T õ n n ic s. a o p a s s o q u e n ó s e s ta m o s a q u i n o d o m í n i o d e N a i u r -
w ille. a v o n t a d e n a t u r a l , e s p o n t â n e a F t i n t a m e n t e , o t o d o n ã o
é p re fe rív e l à s s u a s p a r te s , ê -lb e s s i m p le s m e n te s u p e r i o r . A d i ­
re ita é " p r e f e r í v e l " à e s q u e r d a ? E la 6 t ã o - s o m e n t e o p o r t u n a
era c e rta s c ir c u n s t â n c i a s S e s e i n s i s t e , o q u e é d e s e j á v e l é a g i r
d c a c o r d o c o m a o r d e m d a s c o is a s . Q u a n t o à t e n d ê n c i a m o ­
d e rn a p a r a c o n f u n d i r h i e r a r q u ia e p o d e r , q u e m p r e t e n d e r i a ,
p o rta n to , q u a a d i r e i t a t e n h a p o d e r s o b r e a e s q u e r d a ? M e s m o
VA O ivifor not modernot * not cxtfnn

o seu predomínio, ao nível da açào. lim itado ao cumprimento


das funções que lhe compelem.
A questio dá-no* também uma indicaçio quanto ao modo
como nós. modernos, conseguimos esvaziar a ordem cm que as
coisas sáo dadas. Com efeito, n io deixamos de ter uma mio
direita e uma esquerda, c de estar relacionados com o nosso
corpo, assim como com outros todos. Mas nos tomamos tole­
rantes em relaçio aos canhotos, de acordo com o nosso indivi­
dualismo e a desvalorização das m ios. E. sobretudo, tendemos
a decompor a relaçio original, separando os valores das idéias
e. cm geral, dos fatos, o que significa que separamos idéias c
fatos dos todo* cm que eles se encontram, na realidade. Em
vez de relacionar o nível considerado — direito e esquerdo —
com o nível superior, o do coTpo. limitamos a nossa atencio
a um só nível de cada vez. suprimimos a subordinaçio sepa­
rando os seus elementos. Esse afastamento da subordinaçio
ou, para designá-la por seu verdadeiro nome. da transcendên­
cia. substitui uma visio em profundidade por uma superficial,
sendo essa. ao mesmo tempo, a raiz daquela "atomiznçáo'* de
que se queixaram tão frequentemente os crítico* românticos
ou nostálgicos da modernidade. De um modo geral, a ideolo­
gia moderna, herdeira de um universo hierárquico, disper-
sou-o numa colcçio de pontos de vista superficiais. Mas estou
mc antecipando.’4

** Afirmar nut o modo moderno de peniamemo ( destruidor dos todo*


de que o homem te via até em*o cercado pode parecer excctth-o, «té
incompreensível. Entretanto, penjo que é verdade no sentido de que
cada todo deoou de ser fornecedor de valor no sentido acima. Se no»
rollarme» para aa nonas fifaaofiaa com cita limpies questio: qual é a
diferença entre um lodo e uma coteçio. a maior parte detas lio silen­
ciosa» a u l respe-<o e. quando fomecem uma resposta, o mais provável
é que teia •uperficisl ou mística. como era Luklcs (cf. Kolakowskl. op.
ríl > Comidero exemplar que a constituido do tiilcma de He*el rctuJte
de um d círio na localizado do Absoluto, ou do valor infinito, da Tota
l-dade do iM (noa «criaos da kiventude) para o Devir da entidade Indi-
v-dual — como penso sooatri-lo em detalhe em outra parte. Existe, de
fato uma peoums corrente de pensamento hotíMa mas também ria
ostenta a marca da <fific*tdsde que o espirito moderno experimenta na
raatfria: cf D C Phillips. Hofcsic Thought in Social Setenen. Stanford
I n-ierrilv Pros IP76 (discútalo por vere» tendenciosa). Um livro de
Arthur Ko n tier constitui unas e acedo (The Ohott in the Uachine. Lon-
lire».- Hutchinson. IW > (Titulo da ed*lo brasileira O Tantaema de
Máqu:nj. /.b a r I d.tore». J9ML Citemos O Ku resumo. “O» ortania
O In d iv id u a lism o *57

Na concepção não-mode ma que temei reconstituir aqui. o


valor da mão direita ou da esquerda está enraizado cm sua
relação com o corpo, ou seja, em um nível de ser superior:
o valor de uma entidade está. pois. numa estreita relação de
dependência em face de uma hierarquia de níveis de expe­
riência onde essa entidade se situa. Tal é. possivelmente, a
percepção importante que os modernos omitem, ignoram ou
suprimem sem saber.**

e a s s o c ie d a d e s s i o h ie r a r q u ia s e m n ív e is m ú ltip lo s d e lo d o s p a r
d a b o u s u b o r d in a d o s ( s u b i» h o tn ) sem i a u tô n o m o s , d i v id i n d o s e e ra t o ­
do» p a rc ia is d e o r d e m in f e r io r , e tc . In tro d u z lu -s e o te rm o "holoes" p a ra
d esig n ar e ssa s e n tid a d e » in te rm é d ia s q u e fu n c io n a m c o m o Io d o s fe c h a d o s
sobre si m e sm o s (iW /< o n ltrin n /) e m reiaçào a se u s s u b o rd in a d o s n a h ie ­
ra rq u ia . e q u e fu n c io n a m c o m o p a rte s d e p e n d e n te s m r d t p l o a seu»
su p erio res (% u p ero rd ,n a tri)~ Jo g rifo é m eu ]. V é-se q u e K o rs tlc r c o n s i­
dera a h ie r a r q u ia u m a c a d e ia d e n ív e is, a o p a sso q u e e u in sisti n a rela-
Cfc> e le m e n ta r e n tre d o is n ív e is su c e ssiv o s. A d e fin iç ã o d e h o lo n 4 e x ­
celente. C u m p re a p e n a s h ie ra rq u iz a r d e n o v o a s d u a s fa ce s desse |a n o i
a in te g raç ã o d e c a d a to d o p a rc ia l c o m o e le m e n to d a q u e le q u e lh e é ¡m e­
d iatam en te s u p e rio r t pelm Á rta. a su a in te g ra ç ã o p ró p ria o u a firm a ç ã o
p ró p ria tse /f-u sse rrk m ) é s e c u n d a ria { UH. p o sfã c io ).
Assirsaloo-se o re c o n h e c im e n to d a h ie ra rq u ia d o s tuvcss c m Cl repor»
ttateson tv e r a c im a , n o ta *»> U m b ió lo g o . F ra n c o is Jacob, in tro d u z iu O
—m iegron" n u m se n tid o se m elh an te a o h o lo n d e K o c stler ( / a / « p y u r d a
U ne h h to ire d* Thérdddé. P a ris. C a llim a rd . I*X». p 571»
Ser* possível q u e o q u e é v e rd a d e iro d e e n tid a d es o u d e Iodos p a r
(os t u ^ s - M n o u “tsotons” d e KoestW r) tam b é m seja v e rd a d e iro
do g ran d e T o d o . o u n iv e rs o o u o to d o dos to d o s? Se
T o d o . p o r seu tu rn o , necessite de um a entidade
derive seu p ró p rio v a lo r? O u e só se possa in te g ra r e m s! m esm o i u h e
dtnando-se a algo a cim a d e le ? f e v id e n te q u e as rrllglAes rfm a q u i u m
lugar, e se p o d e ria a té te n ta r d e d u z ir a o q u e 4 q u e o A lém d e v e assem e­
lhar-se. em c a d a c aso . p a ra q u e possa ser o «ermo final, ro d e ría m o t
direr cntfco n l o só . com D u rb h e tm . q u e os hom ens sentem a nevesaidadr
de um c o m p lem en to p a ra o d a d o "em p írico - m as q u e essa n ceesaid aãr
visa um a c u lm in aç ão d o valor. E ssa especulação è suscitad a p ela c o n
cepção to talm en te o p o sta de tovc>oy Fie com eça su a o b ra c Usate a so­
bre a G rande Cadeia d a Ser {T he Great Chau* o f ñeing. o p ese » defin in d o
• "u ltra m u n d sn ld a d e " ( « f c m i e r f d l s r u ) com o um a atitu d e geral pre­
sente sob diferentes fo rm as em algum as d a s grandes n tip O e s . e ««m ss
•indo cm escap ar à incoerência e k mi séria deste m u n d o através d a r *
fAgso n o si¿sei. Iovc>oy p o stu la um a separação absoluta entre rasa atina
de e o m undo: este n a d a m ala 4 d o q u e uan lugar donde tu p ir e sebee
O qua! • uH ram undanidede n a d a m • d .r r r ( A id . p p J * W ) laso é
f t ñ l u l d e Interrogação T om em os, com o Love tog ten d s a la te r, um a
fonssa e strem a de uUreenundansdedc. com o o > i M ann l e u dtWtde. b u
da não se entregou a Justificar o m undo Fnlresanti
uma espécie de eaptU eção. negativa. * verdade I>»
O valor no* moderno* e km oatm*

E ste p o n to i p e rtin e n te q u a n to a o p ro b le m a ó o m al. Cco-


tra s ta m -s c u s u a lm c n te d u a s c o n c e p ç õ e s d o m al: p a ra u m . o
m a l é tã o -s ó a a u sê n c ia o u in su fic iê n c ia d o b e m . o vicio o lim»
te o u o g ra u z e ro d a v ir tu d e ; p a r a o u tro s , o m al £ um prin­
c íp io in d e p e n d e n te q u e sc e rg u e c o n tr a o se u oposto, co n o
a v o n ta d e d c S a tã d e s a fia n d o a d e Deus.** E n tre ta n to , m com­
p a ra rm o s a T e o d ic é ia d e L eib n iz c o m a d isc u ssã o d e V o íu ú c
s o b re o te rre m o to d e L isb o a , p ercebe-se u m c o n tra ste de natu­
re z a ta lv e z d ife re n te . G ro sso m o d o . p a ra L eib n iz, o falo dc
q u e e x is te o m al lo c a lm e n te , a q u i e a li. n o m u n d o , não im­
p e d e q u e o m u n d o se ja, c o n sid e ra d o g lo b a lm e n te, o m elhor do.
m u n d o s p o ssív eis. V o ltaire fix a a su a a te n ç ã o num exemplo
m a c iç o d e m al c recu sa-se a o lh a r p a ra o u tro lado ou para
a lé m ; o u , m e lh o r d ito . n ã o p o d e . V o ltaire n ã o £ alguém que
se in d a g u e q u a is são a s c o n d içõ es p a ra q u e ex ista um m undo
re a l. E le p o d e ria m u ito b em d iz e r q u e essa é um a questão foca
d o a lc an c e d a ra z ã o h u m a n a . P a ra L e ib n iz /* cm p rim e iro lugar,
o b e m c o m al são in te rd e p e n d e n te s, se n d o um inconcebível
sem o o u tro . Isso n i o £ o b a sta n te , v isto q u e . tem dúvida
a lg u m a , b e m e m al n ã o sã o m ais iguais d o q u e a direita e a
e s q u e rd a . S e posso fa z e r u so d a d e fin içã o q u e p ro p u s d a opo­
siç ão h ie rá rq u ic a , dig am o s q u e o b em d eve c o n te r o m al. ao

além é mate do que um refúgio. * um lugar dutaote por a a a


diter, K otha para tráa r k W corn deapn demento a n i a l teacte
t e i l a tu»
|
mundo — cm última instância. 4 una transcendencia qua
postula e cm rctação k qua! o mundo e»ti tensado Earn oOiar tra
ccndcnte não fol historicamento ns cesa irlo pora a
do como uxn lodo? Em todo o caso, a história mostra da forma
dame, na India c também no ocidente, qua a ukramnademdad
poderosamente sobre a vida no mundo, um processo que sarta
preensível se te presaupuaeasa urna beterogeacidado absoluta
» Lovejoy. ©p. c if, cap. VI!.
» Cf. Serres, op. a t Seria dcsaecaaaãrio identificar
mundo de Leibniz com o mundo tradicional . Taires aa
quero u n questionamento individualista a um etforvo.
Udo. para reafirmar o ponto da vista bobático. Tor «otro lado.
O humor voltairiano tova qua aren miaras a cartas U(óca. spreader, por
into, que o pólo de um fmá não poda ser separado do «astro fMo.
O tm JM duettm m f 249

m o n v i te m p o q u e c o s e u c o n t r á r i o . P o r o u tr a » p a la v r a s , a
verdadeira p e t fe iç ã o n ã o e s t á is e n ta d e m a l m u s 6 a s u a p e r ­
feita s u b o rd in a ç ã o . U m m u n d o s e m m a l n ã o p o d e r ia s e r b o m .
Por c e rto , te m o s a lib e r d a d e d e c h a m a r a is s o u m u n i v e r s o
de fé . e m o p o s iç ã o a u m u n i v e r s o d e s e n s o c o m u m , d e s e n s o
com um m o d e rn o . M a s é ta m b é m r i q u e z a c o n c r e ta e m f a c e d e
principio d e s s e c a d o . M a is p r e c is a m e n te . é u m u n i v e r s o q u e te m
a e sp e ssu ra d a s d iv e r s a s d im e n s õ e s d a v id a c o n c r e ta , u m u n i ­
verso o n d e c ia s a in d a n ã o e s t ã o d e s a r tic u la d a s . N a t u r a l m e n t e ,
a» d iv e rsa s d im e n s õ e s d a v id a e x is te m p a r a V o l t a i r e , s õ q u e
*cu p e n s a m e n to a s s e le c io n a , n ã o p o d e a b r a n g ê - la s t o d a s . E .
»em d ú v id a a lg u m a , v iv e m o s n o m u n d o d e V o lta ir e c n ã o n o
J c L e ib n iz . T r a t a - s e . n e s te c a s o . d e m e l h o r a r a n o s s a p e r c e p ­
ção d a s re la ç õ e s e n tr e e la s .

S u p o n h a m o s a g o ra q u e . e s c la re c id o s p e lo e x e m p lo d a d i ­
reita c d a e s q u e r d a , e s te ja m o s d c a c o r d o p a r a n ã o s e p a r a r u m a
>déta e o se u v a lo r e . p o r t a n t o , p a r a a d o ta r c o m o o b j e t o d e
c*tu d o .a c o n f ig u r a ç ã o f o r m a d a p e la s id éia s-va io res o u o s
la lo re siJ é ia s. P o d c -sc o b j e t a r q u e e n tid a d e » t ã o c o m p le x a s
se rio d ifíc e is d e t r a t a r . S e r á r e a lm e n te p o ss ív e l d is p o r d e m e io s
p ara d o m in a r e s s e s o b je to s m u ltid im e n s io n a l* c m s u a s in te r-
re la çõ e s? A ta r e f a é c o rta m e n te d ifíc il e c o n tr a r ia o s n o ss o s
háb ito s m a is e n r a i z a d o s . E n tr e t a n t o , p a r a c o m e ç a r, n ã o e s t a ­
mos in te ir a m e n te d e s p r o v id o s d e ín d ic e s . P rin c ip ie m o s p o r
três o b s e rv a ç õ e s . E m p r im e ir o lu g a r , a c o n fig u ra ç ã o ê s u i
generis, id é ia e v a lo r e s s ã o h ic r a r q u iz a d o s d c u m m o d o p a r t i ­
cu lar. E m s e g u id a , e s s a h i e r a r q u ia in c lu i a in v e r s ã o c o m o u m a
dc su a s p r o p r i e d a d e s . E n f im , a c o n f ig u r a ç ã o é a s s im , n o c a s o
n o rm al, s e g m e n ta d a . C o m e n ta r e i s u c c s s iv a m c n te e ssa s trê s c a ­
ra c te rístic a s.
E m p r i m e i r o lu g a r , a h iera rq u ia . A s id é ia s ‘• s u p e rio re s "
c o n tra d iz e m e in c lu e m a s “ i n f e r i o r e s ’*. C h a m e i a e s s a re la ç ã o
m u ito e s p e c ia l " e n g k > b a m c n to “ . U m a id é ia q u e c re s c e e r a im ­
p o rtâ n c ia e e m s ta tu s , a d q u i r e a p r o p r ie d a d e d e e n g lo b a r o
seu c o n tr á r io . F o i a s s im q u e n a I n d i a d e s c o b ri q u e a p u re z a
engloba o p o d e r . O u . p a r a d a r u m e x e m p lo m a is p r ó x im o d c
nós e n tr e a q u e l e s q u e s e a p r e s e n ta r a m n o d e c o r r e r d e u m
escudo d a s i d é i a s e c o n ô m ic a s : o s e c o n o m is ta s fa la m d o s b e n t
t serviço s c o m o d e u m a c a te g o r ia q u e a g r u p a , d e u m a p a r te .
m m e r c a d o r ia s e . d e o u t r a , a lg o m u it o d if e r e n te q u e . n o e n -
«O O v a lo r n o t m o d e rn a t not ouim

u n to , se lhes assimila: os serviços." E, casualmente, um exem­


plo de subordinação das relações entre homens (os serviços) fe
relações entre homens e coisas (os bens), e se tivéssemos de
estudar, por exemplo, um sistema de trocas mclanésto, seria
indicado inverter a prioridade e falar de prestações e few na
medida em que as prestações (relações entre homens) incluem
coisas ou englobam seu contrário, as coisas.
|ã se fez alusão ã segunda característica, a inversão. A re­
lação lógica entre sacerdote e rei, tal como se encontrou na
India ou. mais perto de nós, dnco séculos depois de Cristo, tu
pena d o papa Cclásio I. é exemplar a esse respeito. Em ma­
téria de religião, portanto, de modo absoluto, o sacerdote c
superior ao rei ou ao imperador a quem a ordem pública esti
confiada. Mas, ao mesmo tempo, o sacerdote obedecerá ao rei
cm questões de ordem pública, ou seja. num domínio subordi­
nado (cf. acima. cap. I). Esse quiasma é característico da hie­
rarquia de tipo explicito. Só se obscurece quando o pólo supe­
rior de uma oposição hierárquica coincide com o todo c o póão
inferior somente é determinado cm relação com ele. como no
exemplo de Adão e Eva. em que Eva é criada de uma parte
do corpo de Adão. Neste caso, só no plano empírico, ou seja,
fora da ideologia propriamente dita, é que a inversão pode ser
detectada, como quando numa familia a mie é vista como
a figura dominante mas, em princípio, ela esti subordinada a
seu marido. A inversão está inscrita na estrutura: logo que a
segunda função é definida, ela implica a inversão para os si­
tuações que lhe pertencem. Por outras palavras, a hierarquia
é bidimensional, não envolve apenas as entidades consideradas
mas também ai situações correspondentes, e essa bidimensioaa
lidade Implica a Inversão. Por conseguinte, não é bastante falar
de diferentes “contextos" enquanto distinguidos por nós. pois
eles estão previstos, inscritos ou subentendidos na própria
Ideologia, E preciso falar de diferentes “ níveis” que aão dados,
hjerarquizados ao mesmo tempo que as entidades correspon­
dentes.
F.m terceiro lugar, os valores são íreqUcmemcnie segmen­
tados ou. melhor, digamos que o valor é normalmente segmen­
tado cm sua aplicação, salvo nas representações especiflca-

■ n H A t /. t e. M trrarquia.
M rduálitm o Kl

•cttií m o d e r n a s . D a r c i a l g u m e x e m p lo s de u r a c o n tra s te fia -


¡wtt e n tr e c u l t u r a s n à o -m o d e m a s c c u ltu ra m o d e r n a , re la ti-
,r e n te à m a n e ira c o m o a s d is tin ç õ e s n e la s e s tã o o rg a n iz a d a s
k c o n f ig u r a d a s . A qui c a li. a im p re s s ã o 6 in te ir a m e n te d ife ­
rente. P o r u m la d o . c o m o eu d iz ia a re s p e ito da Ín d ia , as
distinções s ã o n u m e ro sas, f lu id a s , fle x ív e is , " c o r r e m in d e p e n *
ta t é m e n t e u m a s d a s o u t r a s n u m a r e d e d e f r a c a d e n s id a d e " ;* *
du ta m b é m são a c e n tu a d a s de m odo d iv e rs o segundo as
situações, o r a s i t u a n d o - s e n o p r i m e i r o p l a n o , o r a e s f u m á n d o l e .
(X u n to a n ó s . p e n s a m o s a m a i o r p a rte d o te m p e e ra b ra n c o
« p re to , e s t e n d e n d o num v a s t o c a m p o c l a r a s d is j u n ç õ e s (o u
isto, o u a q u i l o ) e u t i l i z a n d o u m p e q u e n o n ú m e r o d e f r o n te i r a s
rip d a s , e s p e s s a s , q u e d e l i m i t a m e n t i d a d e s s ó l i d a s . C o is a n o té -
vcl. e n c o n t r o u - s e r e c e n t e m e n t e o m e s m o c o n t r a s t e c m te o lo g ia
p o ética e n t r e o c r i s t i a n i s m o p r i m i t i v o e o f i n a l d a I d a d e M é d ia
S egundo C a s p a r y , " o l e n t o c r e s c i m e n t o d o s m o d o s e s c o lá s tic o s
e ju r íd ic o s d e p e n s a m e n t o ” , a c e n t u a n d o “ a c la r e z a e a s d i s ­
tinções. m a is d o q u e a s i n t c r r c l a ç õ c s ” . is o lo u a d im e n s ã o p o ­
lítica. a o p a s s o q u e " o s s í m b o l o s t r a n s p a r e n t e s d e m ú ltip l a s
f a c e t a s . . . t o r n a r a m - s e e m b l e m a s u n id i m e n s i o n a l ! c o p a co s".* *
Um c o n tra s te s e m e lh a n te fo i a s s in a la d o na p s ic o lo g ia
m o d e rn a p o r E r i k E r i k s o n . E x a m i n a n d o a fo r m a ç ã o d a id e n ­
tid ad e n o a d o le s c e n te , e le e s t a b e le c e o c o n tr a s t e e n tr e d u a s
c o n clu sõ e s p o s s í v e i s d o p r o c e s s o a q u e c h a r a s , respectivamente
" in te g r id a d e " ( w h o l e n e s s ) e “ t o t a l i d a d e " Uctdity), com o duas
fo rm as o u e s t r u t u r a s d i f e r e n t e s d a “ in t e i r e z a " ( r t / i r m e n ) . "

C om o Gestalt dada. a in te g r id a d e e n f a tiz a u m a


m u t u a l i d a d e s i , o r g â n ic a , p ro g r e s s iv a , e n tr e fu n ç õ e s
e p a r t e s d iv e r s if ic a d a s d e u m In te ir o (mttrtty) c u ja s
fr o n te ira s l o p lu ra l 6
n o s s o l s l o a b e r ta s c ( t u n a n -
t e s . P e lo c o n t r á r i o , a to ta lid a d e e v o c a u m a G n td i
c u jo a c e n to re c a i s o b re um a f r o n te i r a a b s o lu ta .

» U CMUaaKoa M ia tw ar nau. ad * WS, ap. «* , F »


• Caopary. op rir, V9• » V tU , lfMSI Do» w M i i a l . i
« Nk> souba «neoatrar * » irrma
amor. O Wito» é arikliado a « I
aoa arWtririoa V * t* <W KrOaoa (Fau bou rtk t*
262 O valor nos modernos e nos otaros

dado u n ccrto conlom o arbitrário, nada do que Km


lugar no interior dere ser deixado no exterior, nada
do que deve estar no exterior pode ser tolerado no
interior. Uma totalidade é tão absolutamente in­
clusiva quanto puramente exclusiva, quer a catego-
ria a-tornarabsoluta seja ou não lógica, c as partes
tenham ou nJk>, por assim dizer, um pendor recí­
proco.**
Não podemos continuar acomponhando aqui a excelente
exposição de Erikson. Retemos apenas a percepção de duas
concepções ou definições de um todo, uma por uma fronteira
rígida, a outra pela interdependência e a coerência internar.
Do nosso ponto de vista, a primeira 6 moderna, arbitrária c. de
algum modo, mecânica, a segunda é tradicional e estrutural.*1
Deve ser claro que tais contrastes entre representações
segmentadas c não segmentadas mio nos afastaram da con­
sideração dos valores. Em primeira aproximação, o contraste
é entre valores bolistas no primeiro caso c valores individua­
listas no segundo.
Devo a Robert Bcllah uma soberba referência à hierar­
quia em Shakespeare. Na Cena III de Troilo e C rhsida. Ulisses
pronuncia um longo elogio da ordem como “ grau" (degree):
The heavens them selves, the planets, and this centre
O bserve degree, priority, and place.
Insisture, course, proportion, season, form .
O ffice and custom , in ail tine o f o rd e r.. .*'
Existe um exemplo ímpar da segmentação do valor. E a
representação do universo como uma hierarquia linear chamada
a Grande Cadeia do Ser, a quai exerceu uma grande tnfluên-

« Erik H Erikioa. Insight end Responsibility. Nova Iorque- Nortoo.


i w . p. n .
° ( nito n comidera at duaa forma* como norman, embora uma teia
evidentemente Inferior k outra Cauta primitiva"). Ao m eta» lempo, a
wa lucidez fas the atwnalar * irant^io pouivrl da forma mecánica par*
• luuhtariamo. Dea** ponto de vite*, a fraqueza e ate a lurinci* da
forma «tfrwural no diacuno filoaófico moderno i notável
O» próprio* cíua, o* planeta* a eat* globo central
Fatio aubmatldoa ao pau. prioridade * padu*t*c.
Rapa*, cuno, pioporváo, euaçáo forma.
Atnbuagio e hábito, que obaervam com invariável ordem
I o rw tM M fa m o 261

Cía a tra v é s d c I o d a a n o s s a h i s t ó r i a , d e s d e o n e o p l a t o n i s m o
j ic a o fó c u lo X I X . c o m o m o s t r o u A r t h u r L o v e j o y n o l i v r o q u e
lhe d e d ic o u e t e v e e n o r m e r e p e r c u s s ã o { o p . c i t . ) . O m u n d o
é a p re se n ta d o c o m o u m a s é r ie c o n tin u a d c s e r e s , d o m a io r a o
m enor. A G r a n d e C a d e i a d o S e r c o m b i n a , d i z - n o s L o v e j o y .
p le n itu d e , c o n t i n u i d a d e c g r a d a ç ã o . E u m a e s p é c i e d e e s c a d a
se c re ta : o s d e g r a u s d a e s c a d a s ã o m ú l t i p l o s a t a l p o n t o q u e a
d is tâ n c ia e n t r e d o i s d e g r a u s t o r n a - s e i n s i g n i f i c a n t e e n ã o d e i x a
nenhum e s p a ç o v a z io ; a d e s c o n tin u id a d c e n tr e e s p é c ie s d e
•ere s d i f e r e n t e s é v i s t a , a s s i m , c o m o u m a c o n t i n u i d a d e d o S e r
com o u m to d o . O a s p e c to h ie r á r q u ic o e s tá c m e v id ê n c ia e .
e n tr e ta n to , u m a r e f l e x ã o m o s t r a q u e L o v e jo y n ã o l h e f a z i n t e t ­
ra m e n te j u s . T a l c o m o a m a i o r i a d o s m o d e r n o s , e l e f o i i n c a p a z
dc v e r a f u n ç ã o d a h i e r a r q u i a n o c o n j u n t o . P r e s t o u p o u c a
a te n ç ã o a o ú n i c o t r a ç o q u e p o s s u í a m o s a r e s p e i t o d a h i e r a r q u i a ,
o d o P s c u d o -D c n is o A r c o p a g ita . n o v e r d a d e u m d u p lo tr a ç o
•o b re a h i e r a r q u i a c e l e s te e t e r r e s t r e . E is a d e f i n i ç ã o d c D e n i s :
I . A h ie r a r q u ia , c m m e u e n te n d e r, é u m a o rd e m
s a g r a d a , u m a c iê n c ia , u m a a tiv id a d e q u e se a ssim i­
l a . t a n t o q u a n t o p o s s ív e l , à d e i f o r m i d a d e e . s e ­
g u n d o a s ilu m in a ç õ e s d e q u e D e u * a te n h a d o ta d o ,
e le v a n d o -s e à m e d id a d e s u a s fo rç a s p a ra a im ita ­
ç ã o d c D e u s — c s e a B e le z a q u e c o n v é m a D e u s .
s e n d o s im p le s , b o a . p r in c íp io d c to d a a in ic ia ç ã o ,
é in te ir a m e n te p u r a d e to d a a d is s e m c lh a n ç a . F ia
fa z p a r ti c i p a r c a d a u m . s e g u n d o o t e u v a lo r, n a
l u z q u e e x i s t e n * E la . c E la a p e r f e i ç o a - o n u m a m u i
d iv in a In ic ia ç ã o , a f e iç o a n d o h a rm o n io s a m e n te o s
in ic ia d o s h im u tá v e l se m e lh a n ç a d c s u a p ró p ria
fo rm a .
2 . A fin a lid a d e d a h ie ra rq u ia é . p o r ta n to , n a
m e d id a d o p o s s ív e l, u m a a s s im ila ç ã o e u n i ã o a
D e u s ...* *
C u m p re s u b lin h a r q u e e m D e n is o a c e n to re c a i s e m p re s o ­
b re a c o m u n ic a ç ã o , q u a n d o n ã o n a m o b ilid a d e , p e lo m e n o s c m
n o ssa a c e p ç ã o d o te r m o . O s a n jo s e o u tr a s c r ia tu r a s s itu a d a s
e n tr e D e u s e o h o m e m e x i s t e m p a r a tra n s m itir e r e p ro d u z ir a

* IS rodo-tS enta. o A rro p a g rta . Lm ItU rurchie e é írsíe . F d d u C c r í. T»


m . i m i . p . trr.
:w O valor not m oderna t ma oulroi

p a la v ra d e O c u s , q u e o s h o m e n s n ã o p o d e r ia m o u v ir d e o u tro
m o d o , b e m c o m o p a r a f a c ilita r a a s c e n s ã o d a a lm a .M
N ã o b a s ta , p o rta n to , f a la r d e u m a tra n s fo rm a ç ã o d a dea-
c o n tin u id a d e cm c o n tin u id a d e . De um m odo m aú a m p lo e
m a is p ro fu n d o , a G ra n d e C a d e ia do Ser a p re s e n ta se com o
u rn a fo rm a n a q u a l a s d ife re n ç a s s ã o re c o n h e c id a s , sem d e ix a ­
r e m d e e s t a r s u b o r d i n a d a s à u n i d a d e e e n g l o b a d a s n e la .
N a d a p o d e r i a e s t a r m a i s d i s t a n t e d e s s e q u a d r o g r a n d io s o
do que a " b a rre ira da c o r” (color bar) d o s E s t a d o s U n id o » .
S e m d ú v id a , n ã o e x is te h o m o lo g ía , p o is e s s a ú ltim a re p re s e n ta ­
ç ã o e s t i lim ita d a a o s h o m e n s — d e a c o rd o co m a c e su ra m o ­
d e rn a e n tro o hom em e a n a tu re z a . M as é tã o c a r a c te rís tic a
do m odo de p e n s a m e n to m o d e rn o q u a n to a G ra n d e C a d e ia
o é d o m o d o t r a d i c i o n a l . T o d o s o s h o m e n s , e m v e z d e e s ta r e m
d iv id id o s com o p re c e d e n te m e n te num a m u ltid ã o de o rd e m ,
c o n d iç õ e s o u status cm h a rm o n ia c o m u m c o s m o h ie rá rq u ic o ,
s ã o a g o ra ig u a is , c o m u m a ú n ic a e x c e ç ã o . C o m o se a» n u m e ­
r o s a s d i s t i n ç õ e s s e t iv e s s e m c o a g u l a d o n u m a f r o n t e i r a a b s o l u t a ,
In tra n s p o n ív e l. A u n t a d a d a s n u a n ç a s q u e a in d a se e n c o n tra m
cm o u tro s lu g a re s, o u n o p a ss a d o , 6 c a r a c te rís tic a : n o p r e s e n te
c a s o . n a d a d e m is tu ra d e s a n g u e , m u la to s o u m e s tiç o s : o q u e
n ã o é b ra n c o p u ro é n e g ro , t e v id e n te q u e a tin g im o s a q u i o
o p o s to p e r f e ito d a s e g m e n ta ç ã o . O c o n tr a s te c tã o d e c is iv o q u e
s e p o d e r ia q u a s e f a la r d e a n ti-s e g m e n ta ç ã o , e a s e m e lh a n ç a co m
o s o u t r o » e x e m p lo » c i t a d o s t e n d e a m o s tra r q u e e ss a fo rm a é
c a r a c te rís tic a d a id e o lo g ia m o d e rn a .
C om a h ie ra rq u ia , a in v e rs ã o c a s e g m e n ta ç ã o , a p re n d e ­
m o s a lg o s o b r e a c o n f i g u r a ç ã o d e v a l o r e s d o t i p o c o m u m , ttã o -
m o d e m o . so u te n ta d o a d iz e r , n o rm a l. T a l c o n f ig u r a ç ã o é p a rte
in te g ra n te do s is te m a de re p re s e n ta ç õ e s í i d 6 'a » < - v a l o r c s ) a
q u e c h a m o , p a r a s e r b r e v e , id e o l o g i a . E s t e tip o 6 m u ito d ife ­
re n te d o tip o m o d e rn o o u . m a is p r e c is a m e n te , f ic a n d o e n te n d id o

• Muito seraetesnie i a função do Amor (tros). ral coa» a descreve


Dkxlme cm O Banquete de Platão: 6 um demônio (Jam o*), ou aria.
m i ser Intermediario entre cm deuics a m homem, ton por função la s e r
a transmitir am dames o qua atm doa Homans a nos Hommi
o <pc v ta dot deoaet #s orações a os tacrifkioi dot primeiros, si |n|in-
core a o s favores dos ie«uadot. era trots dos sacrificios; e. d» um nutro
U o sendo InimiedUrto entre un. e Otifro.. o .,ue * drmonlKO é cora
? Z X * * <0k* M 0 « “W ia coso», inrinau" (Plat*..
Ml

p uto esta completamenlc ausente da sociedade modetnt mu


cell sobrevive parcialmente, mim ccrtu grau, i um lito que
i propria ideologia moderna é de um tipo muito diferente, que
t tío excepcional quanto Polanyi nos disse em relação i um
Je icus aspectos, Ora, como ¡i vimos, a cüocii tem um lugar
t um papel predominantes na ideologia moderna. I)al resulta
que as idéias modernas, cientificas e, em grande medida, um
bem filosóficas, estando ligadas ao sistema moderno de vilo
its. adaptam-sc mal, com freqüência, ao estudo «itropotógiw
e i comparação sociológica. De fato, decom do vínculo emit
déiai e valores que, do mesmo modo que devemos estar
"livres de valores'' cm nosso "laboratório", também desrn»
W , em princípio, furtar-nos a aplicar ai noivas próprias
idéias, sobretudo as nossas idéias mais habituais c lundimen-
•w, to objeto de estudo. Isso é, sem ddvlda, difícil, pau
náo direr impossível, porque não podemos estar "lisies dc
idéias" no trabalho, Els-nos tolhidos entre a ctvr c a caldenl
oba da obscuridade c da Incotnunicabilidide. A» w f«
«•mentis Intelectuais tdo podem Kr todas substituídas ou «*>
dilicadas ao mesmo tempo. A esse respeito, cnpre-ws «peru
Puso a passo, fragmentariamente, e < isto 0 que a inttcqvl tfi
tem feito, como tua história nos mostra A teluuwa em nos
«docannos a nós mesmos em questão - < «bw redunda
o esforço - inclina-nos a larer demasiado pouco, ao passo que
• ambição pessoal nos Impele a larer demais, sem W cm
conta i comunidade clettllíki,
A propósito do t » posslwl de un dado conceito,
Ha ser dtil possuir uma visão malt clan do teu lugar m itt
os valores modernos. Dmm um exemplo, A distinção abso-
lula entre lujeilo e objeto < evidentemente fundamental pats
nós, e somos propensos a iflici-la sempre, mesmo „
darmos conla diuo. f c l n que ela extg ^
que RMKiotMMa e que tstl (ortemctsic s i|« tn i .s ' !
momo temps', d pertinente quanto i un . ., ^ Ao

• tita d a * * tm ,
'* » a Xm M M ustia,, ¡( * o p ,,^
sumiu ssu m * ai niaçón *«ks a
« « ú s a l a « • * •> « i ¿ ¡ f j l

oSttiswr-usvlimitoa, '‘«‘ión <Wtld


O vdor nos modernoi e n a outra

Tone* grande necessidade de um a tcoria das trocas,


perqoe d a s encerram um a boa parte da essência de certa»
sociedades, as m elanésias. por exemplo. O ra, a julgar pela lito-
n t n recen » , parecemos condenados, ou a subordinar as tro
cas á morfolcgU social, ou a fazer o inverso. Os dots dominio»
o a aspectos epeem-se e nao sabemos englobá-los numa cato
p s r â c o r a m , descrevê-los numa mesma linguagem. N io é esse
s o caso em que a nossa distinção absoluta entre sujeito e
c b x t j aos tolhe? Q uando LévyBruhl falava de "participação”
to ca» e objetos, não estaria tentando contornar essa
>? No E ssa sur U don, de Mauss, tão elogiado cm
tratava-se sobretudo dc reconhecer dois fotos: em
p r . que as trocas não podem ser cortadas em fa-
naa. respectivamente. ccooômica. jurídica, religiosa, etc., mas
são todo ano ao mesmo tempo — um fato que. sem dúvida, i
r. em seguida, que os homens não trocam,
propensos a pensar, coisas mas. inextri-
aisturado e de maneira variável a essa» "coisas",
d ek s próprios.
N io peço qoe se suprima toda a distinção entre sujeito
e objeto mas a p e a » que se atenue a acentuação em valor,
o seu caráter absoluto e permitindo que
f i a w de acordo com as necessidades c que outras
o c m em jego. de acordo com os valores indige

a coba « praticável? |á foi tentada Ura


, André Iteanu. escolheu esse caminho cm
i sociedade Orokaiva. na Papuásia. com base
de Williams e de Sdrwhntner. Segundo a minha
de a s tese.- ele encontrou um outro principio para
ardenar cs dado» numa suposição que também contradiz as
----- — :cnc«vç 6c i correntes — mesmo que. cm última análise.
são devej ae parecer tio surpreendente — a saber: a sociedade

ca filosofía airml. r o a a filosofia d» u to r n i


a duaUsJr lintuna rir rr
Sama a i a i j l i a aada mam * ) w a n pau ou um. cosopkaanusrt-
tmêr ao i-------------- áa matam tima Nto adrofo o p r o r r d t t n r M O da
- - I «a tn t paSariOro c ineficaz Quanto a nós. csda com
X n écKmtn r v U rírculatioa m
STSM — Car-wsdft Uahrrsity Press (ao perto)
O Im itv ittu e tU m v 2*7

J e v e s e r p e i n a d a c m te rm o » d e in c lu ir ta m b é m o» t c u i m o r ta l,
t e n d o a » r e l a ç õ e s c o m o s m o r to » c o n s t i t u t i v a » d a s o c ie d a d e c
o f e r e c e n d o o q u a d r o g l o b a l n o i n t e r i o r d o q u a l a d q u ir e m « c a ­
l i d o n A o s ó l o d o s o s d e t a l h e s d a s t r o c a s d o a r i t u a i s e d a s f e s ta s
m a» ta m b é m o q u e e x is te d e o rg a n iz a ç ã o s o c ia l. O » O ro k a iv a
nA o l í m m o e d a n a a c e p ç ã o m c l a n é s i a c l á s s i c a . M a s . c o m o a
m o e d a m e la n é s ia . e m g e r a l, e s tá e m r e la ç ã o c o m a v id a e o s
a n c e s tra is , o lu g a r p r e d o m in a n te q u e o s O ro k a iv a c o n fe re m ao s
m o r t o s r e c o r d a o s c a s o s e m q u e a s t r o c a s c e r i m o n i a i s fa z e m
u so d e m o e d a in s titu c io n a l.
N e s te p o n to , s o u te n ta d o a a p ro x im a r d o is p ro b le m a s
q u e n A o p o d e m , e m a b s o l u t o , e s t a r a u s e n t e s d e u m a d is e u s s A o
s o b re o v a lo r : q u e r e la ç ã o e x is te e n tr e e ss a s m o e d a s “ p r im i­
tivas** l i g a d a s a o v a l o r a b s o l u t o c a n o s s a m o e d a , n o s e n t i d o
m o d e r n o , r e s t r i t o , d o t e r m o ; c q u e r e l a ç ã o e x is te e n t r e o v a l o r
n o s e n t i d o g e r a l , m o r a l o u m e t a f í s ic o d o t e r m o , e o v a l o r n o
s e n tid o r e s tr ito , e c o n ô m ic o , d o te r m o ? N a b a se d o a d o is c a s o s
d e p a r a m o - n o s c o m o c o n t r a s t e e n t r e f o r m a s c u l t u r a i s q u e sAo
c s s e n c ia lm c n te g lo b a is c a q u e la s c m q u e o c a m p o e s t i s e p a ­
r a d o o u d e c o m p o s t o c m d o m ín i o s o u p la n o * p a r ti c u l a r e s , o u
s e j a , g ro s so m o d o . e n t r e a s f o r m a s n A o - m o d e m a s c n x x l e n u i
D u a s c a r a c t e r í s t i c a » d e s s e c o n t r a s t e *Ao. ta l v e z , s i g n i f ic a ­
t iv a s . N a s s o c i e d a d e s t r i b a i s , i v e r d a d e q u e o n d e te m o » s i s t e ­
m a s d e t r o c a e la b o r a d o » , f a z e n d o u s o d e u m a o u v á ria » m o e ­
d a s t r a d i c i o n a i s — p r i n c i p a l m e n t e c o o c h a s — a f im d e e x p r i ­
m i r c s e l a r u m a e x t e n s a g a m a d e t r a n s iç õ e s c e r i m o n i a i s e d e
r i t u a i s i m p o r t a n t e s . n A o te m o s c h e f i a p e r m a n e n t e , e l a b o r a d a ,
o u r e a le z a , e q u e . in v e rs a m e n te , o n d e e n c o n tr a m o s e s ta ú ltim a ,
o a p r i m e i r o s e s t ã o a u s e n t e » ? A M e la n e s ia e a P o l i n é s ia p a r e ­
c e m c m n ítid o c o n tr a s te a c s se re s p e ito . S e n d o a ss im , p o d e r ía ­
m o s s u p o r q u e u m a c o is a p o d e s u b s t i t u i r a o u t r a , q u e e x is te
e n tr e c ía s u rn a c e r ta e q u iv a le n c ia d e f u n ç ã o . N a E u r o p a m o ­
d e r n a . a g o r a , o p r e d o m i n i o d a s r e p r e s e n t a ç õ e s e c o n ô m i c a » re--
s u l l o u n a e m a n c i p a ç ã o d o e c o n ó m i c o c m r e l a ç ã o a o r*>*»tko
e e x ig iu , n u m c e r t o c s tã g io . u m a r e d u ç ã o d a s p r e r r o g a tis a s
p o l í t i c a s ( c f . H A E t . p . b> . I f a v c r i a q u i . a p e s a r d a a c e n t u a d a
d i f e r e n ç a e n t r e o * c o n t e x t o s , m a is d o q u e u m p a r a l e l i s m o f o r ­
t u i t o . a i n d i c a ç ã o d e u m a r e l a ç ã o m a i s g e r a l e n t r e d o i s a spec t o s
d o so c ia l?
U m o u tr o a s p e c to d a s tro c a s a tr a iu a a te n ç ã o d e Kar t
P o t a n y i. E le c o n t r a s t o u a s “ e q u i v a l e n c i a s ” f i x a s e n t r e o b je to *
?6* O valor not moJemot 0 m t

de troca ñas sociedades prim itivas o u arcaicas com o y tv /‘


flutuante das m ercadorias nas econom ias de mercado No prV
meiro caso, é possível que a esfera de equivalencias r de
possível esteja lim itada a um pequeño n(imero de tipos *
objetos, ao passo que, n o segundo caso, a m orda tende a trr
um equivalente universal. C a propósito do contra te '• * "
taxas de câmbio fixas c flutuantes que cu goifaria de forrm/ar
uma questão. Polanyi atribuiu a íixidez que encontrou 1*»
Daomó à regulamentação pelo rei,** mas o fenómeno «<i
provavelmente mais amplnmcntc expandido. Na» ilhas Sftt'vní'-
onde a regulamentação pela autoridade política esté lora
questão, a taxa de câmbio entre a moeda nativa e o dólar *■>+■
traliano manteve-se inalterada durante um longo período, n
too quando a desvalorização do dólar ocarretou com cqitínc m
muito desagradáveis." Na outra extremidade do espectro, no
caso de uma alta civilização c de uma sociedade com:I***.
Bi/áncio oferece um caso de fixidez espetacular. O poder de
compra da moeda de ouro aí permaneceu praticamente estitel
do sáculo V ao século X I." O falo parece incrível te pensar
mos ñas vicissitudes do Império durante csk período, quango
ele íoi ameaçado por diversas vezes cm sua própria existência,
cm cada um desses séculos. Dadas essa» circunstâncias, a ex­
celência da administração das finanças imperiais, que é reco­
nhecida. talvez não seja uma explicação suficiente para c*ac
notivel fenómeno. Proponho uma outra hipótese, que pode 00
não ser testada, mas que tenho outras razóes para apresentar
Quando a taxa de câmbio 6 percebida como vinculada ao valor
fundamental na sociedade, d a é estável, e só tc lhe permite
flutuar quando o vínculo com o valor de bate e a identidade
da sociedade se rompe ou deixa de ter sentido, quando a
moeda deixa de ser um “ fato social total" c se converte num
simples fato econômico.**

* K«f! Pótanyi e Abraham Rotstem. Pahomey and lha SUvt Trad* an


AndyyU o f an Archaic Economy. Seattle c Landre. V a ittn ttr at
Washington Press. 1966.
" Comnnkaçio oral dt Daniel dc Coppet a propaso dos 'Art'Art
dt Mslaita.
^p. u ° 7 w m uoin d* r f '“ p,ri*
" HadcMfoBrosrn ji chamara a alssscSo para as eqtriraUf* las ftsaa am
contrasts com a K k da oferta e da demanda (Natural ieiamta of Str
o l*div¡dudw*o VA

R e s ta - n o s r e c a p i t u l a r o q u e p r e c e d e e c o l o c a r e m p e r s p e c ­
tiv a o s i s t e m a i d e o l ó g i c o m o d e r n o e , c o m e l e , a s i t u a ç ã o d a a n ­
tr o p o lo g ia . O q u a d r o s e r á f o r ç o s a m e n t e i n c o m p l e t o e p ro v is ó rio ,
a lin g u a g e m m u i t o a p r o x i m a t i v a . O o b je tiv o c o n s is te e m re u n ir
n u m e ro so s tra ç o s q u e, em sua m a io ria , fo ram re c o n h e c id o s
i s o la d a m e n te a q u i e a li, d e m odo a p e rc e b e r c e rta s re la ç ó e s
e n tr e e l e s o u a t é m e s m o a t e r d e l e s a p e n a s u m a s i m p l e s i m p r e s ­
sã o . I n s is ti e m o u tro lu g a r no h o m em , e n q u a n to in d iv íd u o ,
com o sendo p ro v a v e lm e n te o v a lo r m o d e rn o c a r d e a l, e na
ê n fa se c o n c o m ita n te s o b r e a s r e la ç ó e s e n t r e h o m e n s e c o is a s ,
em c o n tra s te c o m a s r e l a ç õ e s e n t r e h o m e n s .* 4 E s s e s d o i s tr a ç o s
p o ssu e m im p o r ta n te s s in c r o n is m o s n o q u e ta n g e a o v a lo r.

E m p rim e ir o lu g a r, a c o n c e p ç ã o d o h o m e m c o m o in d iv í­
d u o im p l i c a o r e c o n h e c i m e n t o d e u m a a m p l a l i b e r d a d e d e e s c o ­
lh a . A lg u n s d o s v a lo re s , e m v c i d e e m a n arem da s o c ie d a d e ,
s e r io d e te rm in a d o s p e lo in d iv íd u o p a ra seu p ró p r io u s o . P o r
o u tra s p a la v ra s , o in d iv íd u o c o m o v a l o r ( s o c i a l ) e x ig e q u e a
s o c ie d a d e l h e d e l e g u e u m a p a r t e d e s u a c a p a c i d a d e d e f i x a r o s
v a lo r e s . A l i b e r d a d e d e c o n s c i ê n c i a é o e x e m p l o t í p i c o . " A a u -
• t o c i a d e p r e s c r i ç ã o q u e t o m a a e s c o l h a p o s s ív e l é . p o r t a n t o ,
i m p o s t a , d e f a t o , p o r u m a p r e s c r i ç ã o m a is a l t a . D ig a -s e d e p a s ­
s io n que i o c i o s o , p o r e s s a r a z ã o , s u p o r q u e o s h o m e n s tê m
d ia n te d e le s , e m to d a s a s s o c ie d a d e s , u m a e x te n s a g a m a se m e ­
lh a n t e d c e s c o l h a s . P e l o c o n t r á r i o , m u i t o f e r a l m e n t e , o v a lo r

ntiy, op (tf- 9? IW. 1M • **>• * M * * pode parecer Injuv


formulada drpoi* do cvM óooo *i tap ccM cl e»tudo d e M m h â tl
•uhlrt»*. S íw w A * U a a o m kt, CMcapo A id ia o A th m o e . 1972. <*P VI.
tmrvunto, Ut c«mo • ff" ? 1* * * "4o i contradi
tad. pda c o o e h n lo <U SaMini ?o d e ter Uda « mm «firmando **nente
que O cowato COMtuna ceonowia «k mercado « /o u mudamu evomVnr
c m rad ican té * . a t a f o p rsio . d ir a u ou iad*rt«a«e»ie, uma m io «obre
h cquiyatfaciM íiua lambia pode haver. catre o» d o u m iado* uua
a no*M h ip ó le * opóe. feees b te rm id ia e de im m Iç ío com tM ara^io
coenplria d a norm a e d o falo
» farttado datam duae r a k l n de rriaçóc», e «efundo eua aplicação
• mj* comMeiatóat. o »ouJU*o aWmlo Mieaa Dome dexavUnu uma
daatiftcatiw complete — hjcreMpki - e impecável dai retarde* numa
brodwra puMkada m 1910 Zar (MM Mf* drr /VrirAoni
J M a riu iu r W * ) . M M » I W < » o r K h « |t i M i i t * ,É r O r p a m n m *

» A capacidade d o M * v I d w 4. rvfckvm m eme. bm uada A tu l.u a m c a


•e. a o ate e w r u um a eacotha m i n « valores vtrtuaie n te m o ic i. ou i
idéia» i i m u n u t , o u t m e r t i m m n o t* fcdftovak* (o «voe d m ter taro
270

está imbricado na própria configuração dai idéias. Como vuncn


a respeito da d irciu e da esquerda, essa situação prevalecerá
por tanto tempo quanto a relação entre parle e todo estivtr
efetivamente presente, por tanto tempo quanto a experiência i
espontaneamente referida a graus de totalidade; e não há espaço
aqui para a liberdade de escolha. Estamos de novo diante de
duas configurações exclusivas: ou o valor u vincula ao lodo
em relação com as suas paries'4 e o valor está imbricado, é
prescrito, por assim dizer, pelo próprio sistema de representa­
ções, ou o valor u vincula ao individuo, o que Icm por resul­
tado, como vimos, separar idéia e valor. E m antítese expríme­
se bem na linguagem de Tunm et: vontade espontânea (tiaiur-
wilU) e vontade arbitrária (Kurwtlle), sendo o fulcro da ques­
tão que a liberdade de escolha, ou KunviUe. cxcrce-se num
mundo sem todos ou, melhor, num mundo onde os conjuntos ou
todos empíricos que se encontram estão privados dc sua função
de orientação, dc sua função de valor.
Vollcmo-nos agora para o vínculo complexo entre a too
figuração moderna dos valores e a relação entre o homem e a
natureza. £ necessário que as relações entre homens estejam
subordinadas para que o sujeito individual Kja autônomo c
"igual”; a relação do hornera com a natureza adquire a prk>
ridade, mas csia relação i de um caráter particular. Com
efeito, quer a independência do indivíduo o exija ou não. o
homem está. aa verdade, separado da natureza: o agente livre
opõe-se a natureza como determinada, wjeito c objeto u o
abndutamenie ditúntot. Reencontramos aqui a ciência c seu
predoorinSo sobre a cultura Era poucas palavras, digamos que o
dualismo de que se trata i essencial men íc artifíciaiisU: o ho­
mem distanciouae da natureza e do univcno dc que faz parte
e afirmou a tua capacidade para remodelar as coisas segundo a
sua vontade. De novo, poder-se-á muito bem dizer que a Na-
turwüle foi suplantada pela Kurwille. sendo ctia última inter­
pretada como vontade menos arbitrária que desprendida, "de-
i imbricada", independente.
Dado o estreito vínculo entre vontade c valor, vale u pena
indagar donde vem xaae Upo dc vontade sem precedente. So-

. . * “lo d o ' 4. ■ m u » parte <Jo ¡m v >


« a SuSa partial e * fcoícu. ria própria parla da um to ¿ , n . , c. o Ulj r
» O
O Individualismo 271

ponho que fot forjado no distanciamento cm face do mundo do


cristianismo antigo — os primeiros cristãos eram individuos-
íora-do-mundo — donde sai finalmente o personagem de C a l -
vino, protótipo do homem moderno, com sua vontade de ferro
enraizada na predestinação. Só essa criação cristã me parece
tornar inteligível aquilo a que se chama o "prometeísmo" único
e estranho do homem moderno (cf. 3cima. cap. I).
Em todo o caso. com KürwiUe. como vontade humana
desligada da natureza c aplicada à tarefa de subjugá-la, esta­
mos em condições de apreciar ate que ponto a dicotomía entre
ser c dever-ser está profundamente enraizada na ideologia e
na vida modernas.
Finalmente, as nos&a» duus configurações articulam duas
relações diferentes entre o conhecimento c a ação. No primeiro
caso, o acordo entre os dois 6 garantido ao nível da socie­
dade:1* as idéias estão cm conformidade com a natureza e a
ordem do mundo, c o sujeito nada de melhor tem a fazer do
que inserir-se conscientemente nessa ordem. No segundo caso.
não existe uma ordem do mundo humanamente significativa,
e cabe ao sujeito individual estabelecer a relação entre as
representações e a ação, ou seja, grosso modo. entre as represen­
tações sociais e sua própria ação. Neste último caso. esse
mundo desprovido de valores, ao qual os valores terão que ser
acrescentados pela escolha humana, é um mundo subumano.
um mundo de objetos, de coisas. Pode-se conhccc lo exatamente
c agir sobre ele, na condição de se abster de toda e qualquer
imputação de valor. Ê um mundo sem o bomem. um mundo
donde o homem se rctiiou deliberadamente c sobre o qual
pode, portanto, impor sua vontade.
Essa transformação só se tornou possível mediante a des­
valorização das relações entre homens, ss quais geralmcntc
controlavam as relações com as coisas Elas perderam, na ideo­
logia predominante, seu caráter concreto: são vistas especial­
mente do ângulo das relações com coisas (pense-te nas variá­
veis de Parsons), uivo no que k refere a ura residuo, a ação
moral. Daf a universalidade abstrata do imperativo kantiano.
Isto no que concerne o lado do sujeito. Apesar da nous
distinção entre sujeito e objeto, existe alguma homología era

• E r t r e t a a t o . a rtU v k o t httriaucM M O M pcoblnsAtks: u te g u r i .'j t


• fuo<Jo csMnclsl e dtotíiuira da rrlifíJó ( m H A S I. P JU . oola )).
m
noMO modo de con»»derá-loe. e gostaria de acrracaaem . / •
a » n o u t • respeito do lado do objeto a fim da c/anpVix s
quadro c chamar a atenção para alguma» caracierkr-as da 0 »
figuração moderna do conhccimcnlo. f urn IvgartowNM <•/»*
qoc o conhccimcnlo moderno e*U distribuido por mb grand»
numero de compartimento* reparado», falar da MB afta p n
de diMtão do trabalho e de especialização tkniH ka.
de caracterizar m ab precitamente o modelo moderno m v *
traaie com o tradicional, do qual recordante* arima d p *
MpCCtOf.'
Pode-te considerar a configuração moderna como rem fta»
ie da qocbra da relação de valor entre elemento a lodo O * d l
convcrtcu -te num amontoado. Um pouco como te am meo
comando bolas de pude te volatilizaste e m bola» rotmem asa
todaa ai direções. f. de novo um luparcomtrm O faro á qw •*
mando objetivo c*ti constituido de entidades te parid at rm da
mbttincia» à imagem do tu(eilo individual, e que aa rrlatdm
entre elat que a experiência fornece d o considerada! ailariofW
■«y ie ia».** M as a minha imagem ¿ pobre e, cm primtira logar,
w f t r t q u e a d is trib u id o final do» clcm cniot < aleat/eta «ruan­
d o n a realidade um m undo complexo, multidimensional. da re
laçfiea o rd en ad as e flu m an tct fo i analisado, deceanpoato palo
esforço d a ra z io if.toaófica e) ctentlftca em componerun matt
limpie*, cuja constituição interna c cujas rrlaçOt ti o muito
paattcnU res. Uma imagem um pouco melhor te ri» a de um
adBdo m ultidrm cm ioatal estilhaçando te numa multidão de «o
pgrftctcs distintas e retilíncm , dc plano» que tó podem acnBMr
figurai o u relaçõe» planas, lineares. Eases planos tfm . penso
c s . u ê s c a n c tc riitic a s : são absolutamente separados c ritde­
pendentes. s io homólogo* entre ai e cada um dek» i tvxno-
gtaeo em toda a sua extensio.
O cstilbaçamcnto, a fragmentação, como traço geral, t
relativamente familiar; a história da pintura moderna, a partir
do impress tonismo, oferece um hom exemplo, Oi matos qua
aseas am aid então subordinados i referírtela descritiva eman
dparmro-se c cada um deles póde. um de cada ve/, subir ao
primeiro plano. Tampouco existe a menor dúvida quarrio è
perfeita separação dos “ pUnos" do conhecimento: falamos <k

• K t i r n a da m odo pndew natu». A p rrp W o Um 'rrla -O . ittttr


mT . . r r Philüpa op. til <cf trtm t, )M«a U)
fuua A i química, psicologia ou fisiología, psicologia ou socio-
i 4? \L 0 que (ui, então. que determinou a identidade de
... '■» uma da» disciplina» entre as quais os constituintes do
:nu;uio foram dmribuldo»? A resposta parece ser que o ponto
de »i»ta instrumental foi decisivo.4' Correlativamente, tivemos
ocasião de assinalar a fraqueza, estrema c impressionante, da
ixjçio de "todo" no pensamento filosófico.
Em segundo lugar, oa “planos” ern que o conhecimento
c o progresso estão concentrado» permanecem "homogêneos"
un ioda a tua extensão. Todos os fenômenos considerados são
da mesma natureza, tem o mesmo slutut c são essencialmcntc
simples. Note caso, o paradigma seria o modelo galileano do
movimento rctilínco uniforme: um único ponto material mo*
tenderse num espaço vazio. Por conseguinte, cs planos (ém a
tendência para cindir-s< quando o desenvois imcnlo da ciência
revela hetcrogcocidadc (instrumental).
Entretanto, todos os planos são homólogos, pelo menos
c m principio, no sentido de que os método* aplicados à s d i ­
v e r s a s e s p e c i a d e f e n ó m e n o s s ã o id é n tic o s . H i u m s ó m o d e lo
das déndas da verdade que. com a ajuda do
n a tu re z a . É
te m p o e d a e x p e r ie n c ia , e s s e m o d e lo pode ser modificado, mas
s ó c o m d if i c u ld a d e ( c o m o o te s te m u n h a m a b io lo g ia e a p s ic o lo ­
g i a ) . O m o d e l o é m c c a n i í t a . q u a n t i t a t i v o , r e p o u s a na c a u s a
e e fe ito (u m a g e n te in d iv id u a l, um re s u lta d o in d iv id u a l)."
f. e s s e n c ia l a s s in a la r q u e a racionalidad* c ie n tific a e s ti p re ­
s e n te e o p e r a s o m e n te e m cada um d e ss e s p la n o s d is tin to s , e
que o seu e x e rc id o supõe que o c o n ju n to fo i fra g m e n ta d o .
E la n ã o p o d e ir a ttm d a r e la ç ã o d o s m e io s c o m o s fin s .

S e e la s lo g ra ra m a s s e g u ra r o c o n tro le d o hom em so b re o
m undo n a tu ra l, as c iê n c ia s tiv e ra m o u tro s r e s u lta d o s , e n tre

• Radddíe Brown falava de 'espécie* naivraii de «nem»»* iiu/u rJ


i.n ji o f tjtím i, cf. N otw tl Science of Soriery. o? rir., p. 25), admiti»
éo Mlira foftkfeamcett. qw • iepir»sk) entre dbdpíiiut cienttfk-ai
NiyJâ K tu naturrra. F siiu um» relação evidente to * o predomínio do
jKMUoalhfDo na rifaria A dtfkuldade cartesiana de conceber ai r»
Uçfes entre alma t corpo talvez K)a o a/iprilipo detaa espfae de divi­
rio D r i m otion uma proliferação de coatradKÕn t d e opowçfe* uto-
pies mal mboedinadat
ri" f n o tá v e l q u e f t a * tifie g r o w n te n h a v in o l '* -npadbllidadc e n tre
m m p m p e c n v a hoi.»ta o u sM em ática e a r cam al, e irn h a
reje ita d o a c a u ta lid a d t d a m u V * -<• social i , p 41).
774

ele*, o d e n o s c o lo c a r c m c o n f ro n to c o m o q u e A lexandre
K o y ré c h a m o u " o e n ig m a d o h o m e m " . S e a a n tro p o lo g ia trata,
a tu * m a n e ira . d e sse ••e n ig m a ", e n tã o e la é . a o m esm o tem po,
p a r te in te g ra n te d o m u n d o m o d e rn o e in c u m b id a d e o trans­
c e n d e r o u . m e lh o r, d e o re in te g r a r n o m u n d o rn a is h u m a n o que
a» so c ie d a d e s tin h a m e m c o m u m a té e n tã o . E sp e ro q u e as
n o ss a s c o n s id e ra ç õ e s s o b re o v a lo r se jam in s c rita s n essa d ire­
ç ã o . R e sta a b o r d a r a q u e s tã o d a n o s s a re la ç ã o c o m o valor:
a a n tro p o lo g ía s itu a se e n tr e u m a c iê n c ia " liv r e d e v a lo r" e a
n e c e ssid a d e d e r e s ta u r a r o v a lo r n o lu g a r u n iv e rs a l q u e lhe
c a b e . O c ritic o filo s ó fic o d a c ie n c ia so c ia l p c d c-lh c q u e m-o/ie.
ê p o ss ív e l q u e e le n o s c o n c e d a a c a p a c id a d e d e u ltra p a s s a r a
sim p le s n e u tra lid a d e n a m a té ria , m as s u s te n ta q u e n a o p o d e ­
m o s xx» d e s e m b a ra ç a r c o m p le ta m e n te p a ro a v a lia r o u pres­
c re v e r.
Iss o é v e rd a d e n a p rá tic a . N ã o o é . d e fo rm a a lg u m a , cm
p rin c ip io , c re io c u . e c sse p o n to m e re c e s e r a ssin a la d o . O que
se p ro d u z n a v isã o a n tro p o ló g ic a c q u e c a d a id eo lo g ia é rcla-
tiv ir a d a e m rela çã o a o u tra s. N ã o se tr a ta d e u m relativ ism o
a b s o lu to . A u n id a d e d a h u m a n id a d e , p o s tu la d a m as tam bém
v e rific a d a (le n ta e p e n o sa m e n te ) p e la a n tro p o lo g ia , fix a lim ites
p a r a a v a ria ç ã o . C a d a c o n fig u ra ç ã o p a rtic u la r d e id é ia s c de
v a lo re s e s tá c o m id a c o m to d a s a s o u tra s n u m a fig u ra u n iv e r­
s a l d e q u e e la 6 u m a e x p re s s ã o p a rc ia l (c f. c a p . V I). C o n tu d c .
c u * fig u ra u n iv e rs a l é tã o c o m p le x a q u e n ã o p o d e se r d e sc rita
m a s a p e n a s v a g a m e n te im a g in a d a , c o m o u m a e sp é cie d e in te ­
g ra l d e to d a s a s c o n fig u ra ç õ e s.
A s sim , é im p o ssív e l a p re e n d e rm o s d ir e ta m e n te a m atriz
u n iv e rs a l c«n q u e e s tá e n r a iz a d a a c o e rê n c ia d e c a d a sistem a
p a r tic u la r d e v a lo re s , m a s a q u a l s e rá p e rc e p tiv e ! d e u m a o u tra
m a n e ira : c o d a so c ie d a d e o u c u ltu ra p o ssu i o c u n h o d istin tiv o
d e s u a id e o lo g ia n o in te r io r d a c o n d iç ã o h u m a n a . C u m a
m a rc a n e g a tiv a e ta lh a d a c m p ro fu n d id a d e . A ssim c o m o um a
a ç ã o te m c o n s e q ü ê n c ia s im p re v ista s o u " e f e ito s p e rv e rso s " ,
a ssim c o m o e m n o ss a s so c ie d a d e s c a d a e sc o lh a in d iv id u a l está
im e rsa n u m m e to d e m a io r c o m p le x id a d e c p ro d u z a ssim efei­
to* in v o lu n tá rio » , ta m b é m c a d a c o n fig u ra ç ã o id e o n o rm a tiv a
te m te u s c o n c o m ita n te s esp ecífico s, o b s c u ro s c . n o e n ta n to ,
c o a tiv o s . q u e a a c o m p a n h a m c o m o su a s o m b ra c m a n ife s ta m ,
e m re la ç ã o a e la . a c o n d iç ã o h u m a n a E sses c o n c o m ita n te s são
o q u e c h a m e i. n u m o u tr o c o n te x to , o s " tr a ç o s n ã o -id e o ló g ic o s"
o In d n id u a lu n w 271

que a comparação revela e que vemos como aspectos não-


conscientes, insutpeitados, dos próprios sujeitos.*1
Assim, em toda a sociedade concreta existe o cunho desse
modelo universal, o qual se torna perceptive!, cm algum grau,
logo que a comparação começa. £ um cunho negativo que, por
assim dizer, autentica a sociedade como humana e cuja pre­
cisão aumenta à medida que profride a comparação. £ ver­
dade que não podemos derivar dessa marca uma prescrição,
mas ela representa o reverso da prescrição, ou o seu limite.
Em principio, a antropologia está imbuida de um progresso no
conhecimento do valor e, por conseguinte, da própria prescri­
ção, o que deveria conduzir, cm ultima instância, à reformula­
ção do problema do filósofo.
Mas quanto ao aqui c agora? Entendido que o sentido da
''prescrição'' torna-se mais complexo cm nossa perspectiva, de
modo que te preferiria falar mais dc conselho do que dc in-
junção, não teremos nada dessa espécie a oferecer, a partir das
nossas conclusões de (ato? Vimos que a configuração moderna,
embora te oponha ã configuração tradicional, ainda está. po­
rém, situada nela: o modelo moderno é uma variante excepcio­
nal do modelo gemi c permanece embutido, ou englobado, no
interior desse modelo. A hierarquia é universal e, ao mesmo
tempo, é aqui contraditada, parcial mas cfctivamenté. O que
há nela, pois, que é necessário? Urna primeira resposta aprpxi­
mativa é que a igualdade pode fazer certas coisas e não outras
Uma tendência atual da opinião pdblica. na França c alhures,
sugere um exemplo.
Fala-sc muito de “diferença’', da reabilitação daqueles
que são " diferentes'. dc uma manors ou dc outra dc rcc»
nhecimcnto do Outro. Isco pode significar duas coisas Na
medida em que < uma questão de "libertação", de direitos c
oportunidades iguais, da igualdade dc tratamento das m u i h c m .
ou dos homossexuais, etc — c m e pastee ser o akance p»u»
cipa! das reivindicações apresentadas em nome de tan catrgp
riais — não existe qualquer problema teórico Cumpre sonwnir
assinalar que. num tratamento igualitário dtsac gdnmv • dife­
rença 4 deixada de lado, Offtiffnciada ou subordinada • não
"reconhecida". Como a transição I fácil da igualdade pars •

« NN. | III

*
276
-------------------------- rnosowr»,

i d e n t i d a d e , o m u l t a d o a lo n g o p n u o %
eri p ro v av elm en te ubu
íu p rc iw o d a» c a ra c te rís tic a s d is t i n t i v a s na a c e p ç ã o d e u au
p e r d a d o s e n t i d o o u d o v a l o r a tr ib u id o s precedentem ente tt
d is ti n ç õ e s c o r r e s p o n d e n t e s .
M a s p o d e s e r q u e e x i s t a v a n ta g e m n essas exrfcociai
T e m - s e a im p r e s s ã o d c q u e e l a s a p r e s e n ta m ta m b é m um ootn
s e n t i d o m a is s u t i l , o r e c o n h e c im e n to d o o u tr o c o m o outro. Sus­
t e n t o a q u i q u e ta l r e c o n h e c im e n to n ã o p o d e d e ix a r d e ser hie­
r á r q u i c o — c o m o E d m u n d B u r k e o p e rc e b e u d e m o d o ti o pe­
n e t r a n t e e m s u a s Reflexions on lhe Revolution in France.
N e s te c a s o , r e c o n h e c e r é a m e sm a c o is a q u e a v a lia r o u integrar
( p e n s e - s e n a G r a n d e C a d e ia d o S e r ) . T a l e n u n c ia d o nao f «
j u s a o s n o s s o s e s te r e ó tip o s c p re c o n c e ito s , p o is n a d a está mais
d is t a n t e d o n o s s o s e n s o c o m u m q u e a fó rm u la d e Tom ás de
A q u in o : “ V é -s e q u e a o rd e m c o n s is te p rin c ip a lm e n te em desi­
g u a l d a d e (o u d if e r e n ç a : dhparilale)" (e í. a c im a , n o ta 35). En­
t r e t a n t o , s ó p o r u m a p e r v e r s ã o o u u m e m p o b recim en to d i
n o ç ã o d c o r d e m é q u e p o d e m o s c r e r . in v e rsa m e n te , que a
ig u a ld a d e é s u s c e tív e l p o r si m e sm a d c c o n s titu ir urna o n t o .
P a r a s e r e x p líc ito : o O u tr o s e rá e n tã o p e n s a d o com o superior
o u in f e r io r a o s u je ito , c o m a im p o rta n te re s e rv a q u e constitui
a in v e r s ã o (a q u a l n ã o c s t i p r e s e n te c o m o ta! n a G ra n d e Ca­
d e ia d o S e r ) . Is s o q u e r d i r e r q u e , s e o O u tr o fosse globalm ente
in f e r io r , rc v e la r-s c -ia s u p e rio r c m n ív e is secu n d ário s.* -
N c s tc p o n to , c u s u s te n to : se o s d e fe n s o re s d a diferença
re c la m a m p a r a e l a . a o m e sm o te m p o , ig u a ld a d e c reconheci­
m e n to . ele» e s tã o re c la m a n d o o im p o ssív e l. Pcnac-se no ilogan

** Q u in t o k apireadlo *» sociedade», v er *La com m unautí inthropoto-


f iq u e . . . ”, op. cit., p. 92: oeste livro. c ip . V I. I.* pirre. Se suputemw»
q u e o s ntvels « lo num eroso». e ■ in v e n lo m o ltip licida, lemo» unta re!»
ç l o d i id i c i flutuante q u e pode d ir e su tim esr o e n te i iro p ra sio de Iguaí-
d sd e. Num contento m uito diferente, i i n ü is e por S ih l.n s das trocís
n o f o lf o Itu on i r k a d e sentido (A*e de fierre. Age doborrdanc*. op. cit.
p p . J22 • teg i.). O u s e ji, em poucas p iliv r ts : ( I ) entre dois parceiros
com erciais, c i d i u m i d i» tro cís de urna «Crie i desequilibrada alternati­
vam ente. muna d tr cç lo e na o u tr i. a p r o iin u n d o se de um equilibrio
obtido no fin al, p a r í ■ s itie m i t i n . i igualdade é assim atingida alrsWi
d i urna s ó c e n lo d e trocas a lg o desiguais; (2) togo. cada troca particular
n l o « fechada mas permanece aberta • chama a seguinte: o acento t
m alí sobro «ona rotarlo continuada d o que sobro urna equivalencia ,«►
tan tin ta entro coisas T od os ce aspectos do h o m o problems e s tío .....
presentís n reduelo: ■ verdadeira diferença entre hierarquia f
d a d . n l o 1. rm abaohsto. a qua supomos h a b itú a s e m e .
0 tahm àtákm 277

• « p a r a d o * m a s i g u a is " q u e m a r c o u n o s E s ta d o s U n id o s a t r a n ­
s iç ã o d a e s c r a v a t u r a p a r a o ra c is m o .
P a ra s e r m a is e x a to , ou m a is c o m p le x o , a c re s c e n te m o s
q u e o q u e p re c e d e é v e rd a d e iro a o n iv e l d a p u r a representação
— ig u a ld a d e o u h i e r a r q u i a — c fa ç a m o s lu g a r p a ra u m a o u tr a
e s p é c ie d e a lte rn a tiv a . N o to c a n te à s fo rm a s práticas de in te ­
g ra ç ã o . a m a io r p a rte d a q u e la s que acodem ao e s p irito ou
re ú n e m a g e n te s ig u a is , id ê n tic o s c m p r in c ip io , c o m o a coope­
ra ç ã o , o u e n tã o re m e te m a um lo d o e s ã o im p lic ita m e n te h ie ­
rá rq u ic a s . com o a d iv is ã o d o tr a b a lh o . S o m e n te o c o n flito se
q u a lific a , a s s im n o s m o s tr o u M a x G lu c k m a n , c o m o in te g ra d o r.
£ n e c e s s á rio d iz e r , p o r u n t o , q u e e x is te m duas v ia s p a r a se
re c o n h e c e r, d e a lg u m m odo, o O u tro : a h ie ra rq u ia e o con­
flito . A g o ra , q u e o c o n flito s e ja i n e v i t á v e l c t a l v e z n e c e s s á r io
i um a c o is a , e p o s tu lá -lo c o m o id e a l, o u c o m o " v a lo r o p e ra ­
to rio " , i um a o u t r a ,* 4 m e s m o q u e s c e s t e j a d e a co rd o co m a
te n d ê n c ia m o d e rn a : o p ró p rio M ax W eber não a trib u ía m a is
c re d ib ilid a d e à g u e rra d o q u e à p a z ? O c o n f lito te m o m é rito
d a s im p lic id a d e , e n q u a n to q u e a h ie ra rq u ia a c a rre ta u m a c o m ­
p lic a ç ã o s e m e lh a n te à d a e tiq u e ta c h i n e s a . T a n t o m a i s a s s im
p o rq u a n to lh e s e ria n e c e s s á rio , n e s te c a s o . s c r e n g lo b a d a , p o r
s u a v e z . n o v a lo r s u p r e m o d o in d iv id u a lis m o ig u a litá rio . C o n ­
fe s s o . e n tr e ta n to r a in h a p r e fe rê n c ia iró n ic a p o r d a .

F.S. (1 9 8 5 ) — H á h o je lu g a r p a ra u m b re v e e sc la re c im e n to .
P o d e -s e c e n s u r a r a o q u e p r e c e d e s u g e r ir u m a im a g e m e x c e s i ­
v a m e n te e s t r e i t a d a c u l t u r a m o d e r n a . O q u a d r o s e r ia ta lv e z v á ­
lid o . em c e rta m e d id a , p a r a o p assad o m a s s ó s e a p lic a r ia
m u ito m a l a o p r e s e n te . A s s im , a c iê n c ia d e s c r ita já e s tá u ltr a ­
p assad a há m u ito te m p o , a se p a ra ç ã o e n tre ser e d e v er ser
e s tá lo n g e d e s e r a d m itid a u n á n im e m e n te n a filo s o fia re c e n te ,
e tc .
A r e s p o s ta é e m d u a s e ta p a s . E m p r im e ir o lu g a r, o q u e te
p re te n d e u is o la r f o i um a c o n fig u ra ç ã o Id e o ló g ic a g e r a l , sub­
ja c e n te ta n to n a m e n ta lid a d e c o m u m q u a n to n o c o n h e c im e n to
e s p e c ia liz a d o E quando d ig o m e n ta lid a d e c o m u m , n i o p en so

• O e e k i a mmkê <*nUo. Marwl OtmkH. m m ntvá» pene


t/a a tt wòra T ocqandk. T e c q e ñ flk 1'Anrfriaua « ■*" . Übrt. 7.
t« 0 . Pana. P a r* i ff « M » . PP
VI O t afar not moderno» 4 not m to t

apenas no hom cm da ru a m a s ta m b é m nas i n s t i t u i ç õ e s p u li


tic a s o u a in d a n o s p re s s u p o s to » d o m in a n te s n o e s tu d o d a so ­
c ie d a d e . N a o b a s ta que um a c a ra c te rís tic a a p areça num a es­
p e c ia lid a d e p a ra te r o m esm o p eso q u e u m a o u tra n a c o n f i­
g u ra ç ã o g lo b a l. A s s im , p o r e x e m p lo , q u e r p a re ce r-m e que a
te o r ia d a r e la tiv id a d e , e m b o r a j á a n tig a , n à o c o n q u is to u a té a o
d ia d e h o je u m lu g a r d a m e s m a o r d e m q u e a f ís ic a n e w to n ia n a
cm n o s sa s re p re s e n ta ç õ e s c o m u n s .
tm s e g u n d o lu g a r , e x is te u m p r o b le m a d e v o c a b u lá rio , o
q u al en co b re um p r o b le m a d e m é to d o . N o te x to a c im a , co m o
c m to d a a p e s q u i s a d e q u e e l e é o f r u t o , a f in a lid a d e c o n sis tiu
em is o la r c o m o característica da m o d e rn id a d e , c m c o n tra s te
com as s o c ie d a d e s n ã o -m o d e rn a s , um a c o n fig u ra ç ã o que se
c h a m o u m o d e r n a n e s s e s e n t i d o . P a r e c e q u e . c m ú ltim a a n á lis e ,
p o d e - s e lh e cham ar h o je individualista, ta n to o in d iv id u a ls
mo é n e la fu n d a m e n ta l. £ bem v e rd a d e q u e o m o d e rn id a d e
e n te n d id a n u m s e n tid o p u ra m e n te c ro n o ló g ic o — e n ào apenas
s u a fa s e m a is re c e n te , “ c o n te m p o r â n e a " — c o n t é m m u i t o m a is .
n o p la n o d a p r á tic a s o c ia l e m e s m o n o d a id e o lo g ia , d o q u e a
c o n fig u ra ç ã o in d iv id u a lis ta que o c a ra c te riz a c o m p a ra tiv a m e n ­
te . À lu z d o s re s u lta d o s o b tid o s , e ss a s itu a ç ã o p a r e c e im p re g ­
nada de s e n ti d o e s u s c e tív e l d e s e r a n a lis a d a n u m a p e rs p e c tiv a
re n o v a d a"

* Cf. a introdução dm * volume, fa fine


LÉXICO DE ALGUMAS PALAVRAS-CHAVE

HH - Homo k tm rc h ta u ; U S y s te m / d a c a n a t i m i im p lic a tio n ,


p a rte . G a lh m a r d . 1979, c o l. " T e l" (re e d iç á o a m p liad a).

H AE I = H o m o o e q ud u , I ; G 'r n /* / t i Epanouiuem eni de rid é o lo ttt


M n o tm q u t, P a n a . G a llim a r d , 1977.

O q u e k K f u c n i o t u m Ín d ic e m a s so m e n te u n Ic m b rtle d e a l |u n t
t e m o s d e b a s e n a a c c p f á o e m q u e sk> u sa d o s n o liv ro . R em etem os o
lessor, sem p r e q u e re p ú la n n o s n e c e ss á rio , a o in te rio r d o te x to p a ra e *
cia r t e t a c o to s e . e x c e p c io n a lm e n te , a o u tra s o b ra s p a r a d esen v o lv im en to s
m a n a m p io s . O a ste ris c o * re m e te a u m a o u tr a ru b ric a d e ste k l i c o .

H IE R A R Q U IA : A d is tin g u ir d o p o d e r o u c o m a n d o ; o rd e m resu ltan te


d o « n p r e g o d o v a lo r. A r t l a f i o h ie rá rq u ic a e le m e n ta r (o u oposi-
ç i o * h ie r á rq u ic a ) é a e x is te n te e n tr e u m to d o (o u u m c o n ju n to ) e um
c e m e n to d e s te to d o ; c ía a n a liia -sc cm d o ts a sp ecto s co n trad itó rio s
d e n iv e l d if e re n te , d i s t i n t i ó n o in te rio r d e u m a id e n tid a d e , enfio-
bamemo do contrúno <p. 2 2 1 ). A h ie ra rq u ia ó, p o u . b id u n c n w x id
t p . 2 t0 > . E m g e ra l, v e r H H . p o sfacio

H O L IS M O : D e sig n a -te c o m o h o liim o u m a ideologia* q u e v a l o r í a a


to ta lid a d e so c ia l e n e g lig en cia o u su b o rd in a o in d iv id u o h u m a n o ,
m o o p o s to . In d iv id u a lis m o . P o r e x ic n sá o . urna sociología i h o
: n a se fa x p a n e d a lo c tc d a d e g lo b a l e n á o d o su p o sto in dividuo
d a d o in d e p e n d e n te m e n te .

I D £ l A S -V A L O R E S : A im p o u ib ilid a d c d e se p a ra r id éias e valo res ñas


fo rm a s d e p e n s a m e o to s n á o m o d e m a s le v a a fa la r d e i t k a s v a l u e s
<p 2 5 3 e s c g i . ) .

ID E O L O G ÍA : C o n ju n to so c ia l d e ra p its e n ta ç ó e s ; c o n ju n to d as idéias
c v a l o r a c o m u n s n u m a so c ie d a d e 1= ideologia g lo b a l); p a n e e s­
p e c if ic a d a d a id e o lo g ia g lo b a l: a ideologia eco n ó m ica. V er H AE I.
PP I * . 2 * . esc.

ID E O L O G IA M O D E R N A : Conjunto d a s rcprfscntaçóc» co m u n s to n e
le rlu u m da civilíaetáo moderna (pp. 29. 271). Ver Indisdualismo

INDIVIDUALISMO: (I) Designase por individualista, por opoaiçáo ao


hottsmo*. uma ideologia que valoriza o individuo < • que Mm o
individuo no sentido (2) acima) e negligencia ou subordine a lota
lidade social. Sobra a relaçáo entre essa opotiçi©* a a rusiente cotre
indmduo-no-miMido e iadividwWoradomundo. m p. »7. nota 30.
(2) Comprovado qua o individualismo neale srabdo i um traço i»
penante na conflgurstáo da traços que eonitiiwtw a idaologu roo-
d c iiju M mm mesma n M /in w á i como individualista ou
(pp 29 a
2*0 U tko

INDIVIDUO: Do individuo ou do homem individual deve. de Uto, d&


tisfuiree:
1) o lujeilo empírico, amostra indivisível da espécie humana, tal
como * encontrado ere toda» u sociedades.
2) o ter morai, independente, autónomo e, aatim (eaaencialmeatr)
nio social. tal como é encontrado, lobrcludo. cm noosa ideologia
moderna do homem c da sociedade.
A distinção i ¡ndispcntivcl para a sociologia (p. 28)
IND1VIDUO-NOAILNDO/INDIVIDUO FORA-DO MUNDO: O Indi-
nduo na accpfio (2) acima, se ele ¿ "nio social'* ta principio, a*
pensamento, i social cm (ato: de vive ero sociedade, 'no mundo*.
Ere contrapartida, o renunciante indiano torna-M independente, au­
tónomo, um individuo, ao abandonar a sociedade propriamente dita:
i um ~individu»forado mundo" (lili, ap, B).
OPOSIÇÃO: O termo designa unicamente uma distintió intelectual «
nio urna relaçio de fato, conflito, etc. Distinguere a opouçlo li­
mitrica ou equistatutária ( cm que os dots termos tins o asesa»
status, teja a oposito distintiva tm fonología) e a opouçlo hie­
rárquica. assimétrica. cuja mvcrslo t ligmlicativa tpp 251-2). Ver
Hierarquia*.
RELAÇÕES: Na configuradlo ideológica individualiata, a rclaçlo do
huencm com as coitas (com a naturexa, com o objeto) é valoneada,
ao contrário da relaçio entre homens (MAE /). O contrário i sec
dadeíro para as ideologiai bolistas Ver pp 17-19. 160162. 269
nota H.
VALOR: £ com este termo, freqtienlcmcme no plural, que a literatura
antropológica fai referiría., rm certa medida. ao que nós preferi-
chamar hierarquia*. O valor i segrególo na ideología moder
na*, individualista, a. pelo contrário, far parte integrante da r»
preteislaçio nas ideologias bolillas (clp. Vil».

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