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Por certo, o presente trabalho não objetiva esgotar o tema das noções básicas da Seguridade
Social – e, sequer, objetiva aprofundar seus complexo conceitos. Em verdade, pretendeu-se
dar aqui parâmetros mínimos para que aquele que necessite lidar com esse ramo tão
encantador (e desconhecido da maioria) que é Direito da Seguridade Social possa tomar
contato, de uma forma mais refletida, sobre a importância da conceituação do que efetivamente
seja (e, por conseqüência, do que não seja) a Seguridade Social. A prática diária nos ensina
que a rotina sobrecarregada dos processos (judiciais ou administrativos) acaba por retirar a
essência e o contorno teórico dos institutos jurídicos com os quais lidamos, sendo necessário,
por vezes, que retornemos à um estudo mais conceitual – e abstrato, é verdade – destas
matérias, estudo este muito importante (e, porque não dizer, útil) para aquelas situações em
que nos vemos encurralados em interpretações “pré-fabricadas” que acabamos por repetir sem
grandes reflexões.
A Seguridade Social, nos termos do artigo 194 de nossa Constituição Federal, é um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar
os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Assim, falar em Seguridade
Social representa, pois, invocar o conjunto total dessas três áreas – e não qualquer delas
isoladamente. Costuma-se dizer que a Seguridade Social é o gênero, do qual são espécies a
saúde, a previdência social e a assistência social.
Há que se atentar, contudo, que não obstante os termos Seguridade e segurança social
possam ser utilizados de forma relativamente indistinta, ambos não podem ser confundidos
com a expressão “seguro social”, oriunda e estreitamente relacionada com o direito securitário
privado (contratual)2.
A partir da disposição constitucional, temos que a Seguridade Social pode ser entendida como
um mecanismo de proteção dado pelo Estado nos setores de Saúde, Previdência Social e
Assistência Social. Pertence, portanto, numa abordagem ampla, ao ramo dos direitos sociais.
Acerca do tema, os professores Marcus Orione e Érica Correia nos afirmam que é possível
destacar duas concepções de Seguridade Social. Pela primeira concepção, inspirada
principalmente no seguro privado, chamada de perspectiva comutativa, a seguridade resta
associada à uma atividade assalariada; “segundo a concepção comutativa, a seguridade social
funciona como um sistema de garantias de rendas obtidas pelo exercício de determinada
atividade profissional e destinadas à cobertura de riscos previamente catalogados”3. Só há que
se falar, nesta concepção, em Seguridade Social como um direito obtido em troca do trabalho.
Já na segunda concepção, mais recente, chamada distributiva, o trabalho, de per si, deixa de
ser a mola propulsora do direito à percepção da proteção social, surgindo a consideração da
existência de outras necessidades sociais. “O que se depreende é que, lentamente, vai-se
firmando a idéia de solidariedade, na qual a coletividade é que deve tomar para si as
prestações destinadas a garantir a todos os seus membros uma renda mínima, a título de
participação no nível geral de bem-estar”4. Por esta perspectiva, a seguridade social deixa de
ser atrelada exclusivamente ao trabalhador, passando a levar em consideração o cidadão de
forma geral (ótica da solidariedade).
Ainda sobre o conceito de Seguridade Social, é bastante clara a lição de Jediael Miranda ao
ensinar que “a seguridade social é um sistema de proteção social constituído por um feixe de
princípios e regras destinado a acudir o indivíduo diante de determinadas contingências
sociais, assegurando-lhe o mínimo indispensável a uma vida digna, mediante a concessão de
benefícios, prestações e serviços”5.
Em sentido semelhante, os já citados professores Marcus Orione e Érica Correia afirmam que
“arriscando apresentar uma definição de seguridade social, pode-se afirmar que se traduz em
um instrumento estatal, específico de proteção das necessidades sociais, individuais e
coletivas, sejam elas preventivas, reparadoras e recuperadoras, na medida e nas condições
dispostas pelas normas”6.
Vale citar, também, a clássica definição de Alonso Olea e Plaza, asseverando que a
seguridade social é um:
Dos citados conceitos, podemos observar que é uníssona a idéia de que a Seguridade Social
visa garantir, através de sua proteção, um mínimo para que a pessoa possa sobreviver (ao que
a doutrina chama de “mínimo existencial”). Nesse sentido, a contrario sensu, podemos afirmar
que a Seguridade Social, tal como atualmente esculpida, não se presta ao suprimento integral
dos proventos oriundos do trabalho (trabalho que, pela própria Constituição, é valor
fundamental da República Federativa do Brasil, na forma do art. 1° de nossa Carta Política)
mas, tão-somente, ao provimento de um mínimo que possibilite a existência – ou, em outras
palavras, não é função da Seguridade propiciar a substituição do trabalho mas, sim, prover
recursos mínimos à manutenção da vida do beneficiário e seus dependentes.
Isto não quer dizer, por certo, que não haja limite para se estipular o quantum desse mínimo;
deve-se sempre ter por norte a dignidade humana8, fundamento da república (também previsto
no art. 1° da Constituição da República), que representa verdadeiro obstáculo às políticas que
objetivem a minoração dos valores dos benefícios e o rareamento dos serviços da Seguridade
Social.
Este mínimo existencial, ainda que “mínimo” como a própria expressão sugere, deve atender
com proficiência a dignidade humana, não se admitindo, pois, restrições ou minorações que
objetivem banalizar as prestações da Seguridade Social.
Aqui revela-se uma primeira faceta da importância do estudo conceitual: somente de posse do
conceito do instituto jurídico da Seguridade Social é que poderemos interpretá-lo da forma mais
correta e coesa com o sistema vigente. Assim, diante de um caso concreto em que
determinada prestação (seja benefício, seja serviço) não assegure a existência digna, é de se
lutar para que o conteúdo abstratamente considerado pela Constituição seja implementado.
Há que se observar que esse “mínimo existencial” não tem relação somente com o aspecto
pecuniário de benefícios; neste sentido, valiosa é a contribuição da professora Marisa Santos,
ao elucidar que
No mesmo sentido, não obstante o tema seja bastante profundo, dizer que esse mínimo
existencial não tem relevância apenas no aspecto financeiro mas, também, em outros aspectos
existenciais equivale dizer que está sendo afetado o status de pessoalidade do indivíduo – ou
seja, o núcleo existencial de uma pessoa não pode ser considerado, exclusivamente, sob a
perspectiva econômico-financeira. Neste sentido:
O ser humano, destinatário da proteção social, é mais que um mero balanço patrimonial e, por
esta razão, a implementação das políticas da Seguridade Social deve objetivar a maximização
do indivíduo como um todo e não somente cuidar do aspecto econômico (aspecto que apesar
de importante, não é exclusivo).
Podemos, pois, afirmar sem receio que a sistemática da Seguridade Social, de tão específica,
deve ser interpretada com critérios próprios, adequados aos fins que se destina. Neste sentido,
é clara a sustentação de Sérgio Nascimento:
(...)
A nova posição dos juízes no processo somente foi possível com a evolução dos
direitos sociais, pois estes, como os relativos à saúde e ao trabalho, não são
assegurados da mesma forma que os direitos individuais. 11
1.1. Saúde
A Saúde, na forma do artigo 196 da Constituição Federal, é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão internacional ligado à Organização das Nações
Unidas (ONU), definiu, no preâmbulo de sua Constituição, que “saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou
enfermidade”12.
Devemos observar, a partir do texto constitucional, que a implementação da saúde será dada
por três “frentes”: promoção, proteção e recuperação. Neste particular, a professora Marisa
Santos afirma que:
Didática é ainda a explanação de Jediael Miranda, sustentando que “na prevenção o Estado
atua com o objetivo de evitar que a condição de bem-estar físico e mental do indivíduo seja
abalada. Na ação curativa, o atuar do Estado é de disponibilizar serviços que se destinem à
recuperação ou ao restabelecimento da saúde do indivíduo” 14.
Não se pode esquecer, por fim, que a saúde disciplinada na Constituição engloba não apenas
a saúde pública, prestada pelo Estado, mas também, a saúde privada, prestada pelos planos
de saúde. Toda a sistemática da Seguridade Social, desta forma, deve ser aplicada ao setor
privado de saúde, guardadas, por certo, as peculiaridades.
A Previdência Social, por seu turno, com base no artigo 201 da Constituição, será organizada
sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, observados os
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, atendendo a cobertura de doenças,
invalidez, morte, idade avançada, proteção à maternidade e ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário, além das prestações do salário-família e do auxílio-reclusão
concedido às pessoas de baixa renda. Na forma do artigo 1º da Lei n. 8.213/91, a Previdência
Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade
avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem
dependiam economicamente.
Extrai-se do dispositivo constitucional que a previdência social pode ser pública ou privada.
Neste passo, tomando de empréstimo os ensinamentos de Sérgio Nascimento17, podemos
afirmar que atualmente existe:
a. a previdência oficial geral (obrigatória, organizada sob a forma de regime geral,
contributiva, operada com exclusividade pelo Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS, com assento no art. 201 da Constituição);
Devemos observar que no caso particular da Previdência Social a doutrina é bastante vasta,
talvez o ramo mais profundamente abordado dos três pilares da Seguridade Social, motivo pelo
qual o presente texto, que visa tão-somente fornecer noções gerais, não descerá às minúcias.
Já a Assistência Social, com base nos artigos 203 e seguintes da Constituição, será prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, visando a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, a promoção da
integração ao mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de
deficiências, bem como sua integração à vida comunitária e, a garantia de um salário mínimo
de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A assistência social, de um modo geral, acaba por trazer à seara do Direito a caridade que há
muito é prestada por entidades de benemerência (e, mesmo, por particulares), quer por
motivação moral, quer religiosa.
A conduta do intérprete do direito social deve ser inspirada nos ideais de erradicação
da pobreza, de solidariedade e da redução das desigualdades sociais, determinando o
emprego de ações sociais não apenas no resgate daqueles que se encontram à
margem do círculo social de geração de riquezas, mas também, em operações
preventivas, de modo a impedir que o necessitado – desprovido de meios de
subsistência – se desvie para a miséria. 20
A assistência social talvez seja, hoje, o ramo menos estudado da Seguridade Social; e tal
constatação não é difícil de ser entendida (ainda que não possa ser aceita como conduta
razoável). Com efeito, a Assistência Social visa a proteção da camada mais desfavorecida (em
termos econômicos) da população e, neste particular, o desprendimento humano ainda não
atingiu o grau de elevação necessária ao estudo desinteressado de um assunto; salvo raras e
louváveis exceções, o direito assistencial resta legado a um plano bastante distante dos
holofotes doutrinários.
Isto ocorre, inclusive, com a Seguridade Social como um todo, historicamente menos abordada
pelos estudiosos do Direito que outras matérias, mais “prestigiosas”, tais como o Direito
Tributário, Penal, Civil, etc. Por certo, tal tendência vem desaparecendo, podendo-se quase
falar em um certo apogeu atual do estudo da Seguridade Social (e, mais especificamente, do
Direito Previdenciário) na atualidade – e, de fato, empiricamente podemos afirmar que hoje
existe um número maior de cátedras nas faculdade de Direito e de cursos diversos ligados à
Seguridade que há cerca de 5 ou 10 anos atrás.
Por certo, falar em noções de Seguridade Social seja tema para longos e profundos estudos.
Entretanto, como já dito, pretendeu-se aqui tão-somente a colocação dos elementos mínimos
ao começo de uma boa interpretação da sistemática da Seguridade. Em verdade, não
podemos bem interpretar um determinado ramo do Direito se não conhecermos sua sistemática
própria. Soluções “importadas” de outros ramos (e, principalmente do direito comum privado)
redundam em grandes prejuízos ao sistema da Seguridade Social e em particular ao
beneficiário da norma. Há, por este motivo, a necessidade do constante estudo na matéria, pois
devemos ter em mente que os destinatários destas normas são, na grande maioria dos casos,
pessoas que realmente dependem do bom funcionamento da Seguridade para sua
sobrevivência (que, reitere-se por derradeiro, deve ser digna).
1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 30 ed. São Paulo: LTr,
2004. p. 694.
2 Neste sentido, v.: 1. SANTOS, Marisa Ferreira dos. O princípio da Seletividade das
prestações de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2003. p. 141; 2. NASCIMENTO, Amauri (...),
op. cit., p. 690.
3 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de Direito Da
Seguridade Social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16.
7 OLEA E PLAZA, Alonso. Instituciones de seguridad social. Madrid: Civitas, 1995. p. 38 apud
CORREIA, op. cit., p. 17.
10 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. O que é Direito Social?
In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (org.). Curso de Direito do Trabalho – vol I. São Paulo:
LTr, 2007. p. 25.
12 Tradução livre do autor. “Health is a state of complete physical, mental and social well-being
and
not merely the absence of disease or infirmity.” Texto da Constituição da OMS disponível em
<http://www.who.int/governance/eb/constitution/en/index.html>. Acesso em 18.02.2008.