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DA CAMISETA AO MUSEU
O ENSINO DAS ARTES NA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA

YARA ROSAS PEREGRINO (coord.)

MAURA PENNA • SYLVIA RIBEIRO COUTINHO • VANILDO MARINHO

Grupo de Estudos do Dep. de Artes da UFPB

Editora Universitária / UFPB


DA CAMISETA AO MUSEU
O ENSINO DAS ARTES NA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA
DA CAMISETA AO MUSEU
O ENSINO DAS ARTES NA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA

YARA ROSAS PEREGRINO (coord.)

MAURA PENNA • SYLVIA RIBEIRO COUTINHO • VANILDO MARINHO

Grupo de Estudos do Dep. de Artes da UFPB

Editora Universitária / UFPB


1994
“Cada obra nova, no homem desejoso de se tornar

ele mesmo, nada mais é do que a retificação da

precedente, onde já despontava sua angústia por

não estar inteiramente de acordo com seu próprio

pensamento. Ela representa a necessidade de

realizar enfim essa harmonia de que se aproxima

sem cessar e jamais alcança, cujo desejo o

atormenta.”

Élie Faure
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO VI

PREFÁCIO VIII

Parte I • ARTE, EDUCAÇÃO E COMPROMISSO SOCIAL 11

1 - O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA 12


Maura Penna

2 - DA CAMISETA AO MUSEU: A CONQUISTA COTIDIANA


DA CIDADANIA PLENA 18
Yara Rosas R. Peregrino • Maura Penna • Sylvia Ribeiro Coutinho

Parte II • PERCURSOS HISTÓRICOS E DIRETRIZES PARA


O ENSINO DAS ARTES 23

3 - ESCOLA NOVA/EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: NOVOS RUMOS


PARA A EDUCAÇÃO ? 24
Yara Rosas R. Peregrino

4 - PERCURSOS DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: UM BALANÇO


DAS DIVERSAS ABORDAGENS 29
Sylvia Ribeiro Coutinho

5 - DIRETRIZES PARA UMA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA


DEMOCRATIZANTE: A ÊNFASE NA LINGUAGEM E NOS
CONTEÚDOS
Maura Penna
37

Parte III • AVALIAÇÃO CRÍTICA DE PROPOSTAS


PEDAGÓGICAS 43

6 - ARTE NA ESCOLA: ORIGENS E APLICAÇÕES DA


METODOLOGIA TRIANGULAR 44
Vanildo Mousinho Marinho
V

7 - DESVENDANDO OS UNIVERSOS DA ARTE: ANÁLISE


CRÍTICA DA EXPERIÊNCIA DE FAYGA OSTROWER 53
Maura Penna

8 - CAMINHOS PARA A ALFABETIZAÇÃO ESTÉTICA E A


PRODUÇÃO ARTÍSTICA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA 61
Sylvia Ribeiro Coutinho

9 - REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MULTICULTURAL: A


REALIDADE BRASILEIRA 72
Yara Rosas R. Peregrino

Parte IV • PENSANDO A PRÁTICA NAS ÁREAS


ESPECÍFICAS 78

10 - O ENSINO DAS ARTES PLÁSTICAS NA FORMAÇÃO DO


PROFESSOR: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA 79
Sylvia Ribeiro Coutinho

11 - MOVIMENTO, DANÇA E EDUCAÇÃO: UM DESAFIO DA


ESCOLA DE HOJE. 93
Yara Rosas R. Peregrino

12 - ENSINO DE MÚSICA: PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DO


CONSERVATÓRIO 101
Maura Penna

Parte V • A FORMAÇÃO DO PROFESSOR 112

13 - A QUESTÃO CURRICULAR: POR UM EIXO PEDAGÓGICO


PARA AS LICENCIATURAS EM ARTE 113
Maura Penna • Sylvia Ribeiro Coutinho •
Vanildo M. Marinho • Yara Rosas R. Peregrino

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 124


APRESENTAÇÃO

As práticas educacionais escolares em arte e, consequentemente, a formação

de professores que as desenvolvam com qualidade exigem continuadas análises

profissionais rumo a uma democratização cultural artística mais sustentável em nosso

país.
Assumindo corajosa e apaixonadamente esse compromisso, desde 1990 e

nesta alvorada do século XXI, um competente Grupo de Estudos do Departamento de

Artes da Universidade Federal da Paraíba vem analisando criticamente os pressupostos,

a contextualização histórico-cultural da Educacão Escolar em Arte existente no Brasil.

Os estudos de Maura Penna, Sylvia Coutinho, Vanildo Marinho e Yara Peregrino −

participantes desse grupo − entretanto, não se restringem às reflexões sobre a

problemática atual de nossas práticas educativas em arte. Simultaneamente, e a partir

das necessidades de mudanças encontradas, esses professores e pesquisadores

apresentam sugestões de novas ações e aperfeiçoamentos a serem discutidos e

concretizados pelos profissionais da área.

O leitor deste livro encontrará, então, textos individuais e coletivos nos

quais os educadores integrantes do referido Grupo de Estudos explicitam cuidadosas

avaliações sobre a história das diversas e atuais propostas de educação em arte. Ao

mesmo tempo, Maura, Sylvia, Vanildo e Yara encaminham sugestões para pensá-las e

praticá-las, sobretudo nos cursos de Licenciatura em Artes responsáveis pela formação

de professores nessa área de conhecimento. Reflexões desenvolvidas sobre a

multiculturalidade também contribuem para que o professor de artes compreenda

melhor a importância de uma atuação mais intercultural.


VII

O empenho desse Grupo de Estudos da UFPB em apresentar trabalhos nos

Encontros e Congressos de Educadores em Arte e em publicar esses seus textos neste

livro, frutos de seus estudos, mostra o saudável desejo de compartilhar suas reflexões e

propostas com outros grupos que, em nosso país estudam a Educação Escolar em Arte.

Eis o instigante convite que nos fazem esses educadores aguardando nossas

contribuições nessa partilha!

Mariazinha de Rezende e Fusari

Faculdade de Educação da USP, julho de 1994


PREFÁCIO

Fazer arte neste país é difícil. Escrever sobre arte é talvez ainda mais difícil.

Entretanto, este foi o desafio que o Grupo de Estudos em Educação e Arte da

Universidade Federal da Paraíba decidiu vencer.

Preocupados em abrir um espaço de discussão dos problemas da área, alguns


professores do departamento de artes começou a se reunir em março de l990. Seu

objetivo era discutir a Educação Artística e buscar alternativas metodológicas que

pudessem orientar a prática na escola. O fato de ser formado por professores das

diversas linguagens artísticas (artes cênicas, artes plásticas e música) possibilitou um

maior intercâmbio de experiências e permitiu pensar dialeticamernte um projeto global

para a educação artística, partindo da especificidade de cada área.

O Grupo de Estudos é composto pelos professores Sylvia Ribeiro Coutinho,

Yara Rosas R. Peregrino, Maura Penna e Vanildo Marinho, este último afastado para

pós-graduação desde o início de l993. Nesta mesma época, assumimos a coordenação,

anteriormente a cargo da professora Maura Penna, que passou a se dedicar

prioritariamente ao seu doutorado.

A primeira etapa do nosso trabalho voltava-se para o questionamento de

concepções e fundamentos: repensar a Educação Artística situando-a em relação aos

problemas gerais da educação brasileira, juntamente com a procura de diretrizes para a

atuação pedagógica. Os textos resultantes deste estágio da pesquisa foram divulgados

através de uma publicação interna da UFPb, de circulação bastante restrita: Cadernos

de Textos do CCHLA (Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes), no 32 (agosto


l99l). Originários deste Caderno e aqui devidamente revistos são os artigos 3, 4 e 5 que
IX

compõem a Parte II: “Percursos Históricos e Diretrizes para o Ensino das Artes”, desta

coletânea.

Os textos da Parte I: “Arte, Educação e Compromisso Social”, embora

produzidos em momentos posteriores, abrem a coletânea por tratarem de questões

básicas. Aqui publicados pela primeira vez, foram, no entanto, apresentados e discutidos

em encontros da área.

Numa outra etapa do trabalho fez-se necessário a pesquisa de alternativas

pedagógicas para a concretização das diretrizes traçadas. Passamos então a uma análise

crítica das diversas concepções e propostas existentes na área, questionando seus

pressupostos, implicações e avaliando a adequação delas ao nosso projeto de


democratização no acesso à cultura e à arte. Os artigos desta segunda fase de produção

compuseram o Caderno de Textos do CCHLA, no 34 (fevereiro l993), do qual são


oriundos os textos 6, 7 e 8 que integram a Parte III: “Avaliação crítica de propostas

pedagógicas”, desta coletânea.

Visando a atuação pedagógica e suas implicações, o grupo elaborou

especialmente para esta coletânea os textos da Parte IV: “Pensando a prática nas áreas

específicas”.
Finalmente, a última parte: “A formação do professor” revela nossa

preocupação com o ensino de arte nas universidades e condensa nossa proposta de


implantação de um eixo pedagógico para as licenciaturas em Educação Artística.

Apesar do estilo pessoal que diferencia os artigos deste livro, assinados

individualmente, os textos são fruto de uma reflexão conjunta e de um trabalho coletivo.

A diversidade dos discursos, portanto, enriquece e reafirma as idéias e concepções

compartilhadas. A recorrência com que alguns aspectos são, às vezes, retomados deve-

se ao fato dos textos terem sido estruturados para que pudessem ter autonomia e unidade

próprias.

Buscando despertar o interesse e partilhar nosso esforço de reflexão e busca,

acreditamos que os textos aqui agrupados possam trazer contribuições e estimular a


X

discussão, que julgamos indispensável para o desenvolvimento de qualquer área de

estudos.

Não pretendemos ditar regras mas, engajados na tarefa de rever, repensar e

questionar, esperamos construir caminhos que possam levar da camiseta ao museu, do

rap à sala de concerto, da novela da TV ao teatro. Afinal, todas estas são produções

culturais e artísticas que integram o patrimônio de uma sociedade, ou melhor, de toda a

humanidade.

Yara Rosas Ribeiro Peregrino

Coordenadora
Parte I

ARTE, EDUCAÇÃO
E COMPROMISSO SOCIAL
1
O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA*

Maura Penna

Desde o início do século, o papel da arte na educação vem sendo discutido e

reafirmado, sob diferentes enfoques. Paralelamente a estudos que apontavam as

particularidades do desenvolvimento da criança, no campo da psicologia e da educação, os


artistas das vanguardas do começo do século, principalmente do expressionismo, começaram

a dar atenção à produção plástica infantil.1 Na esteira deste movimento, as diretrizes que mais
se afirmaram entre nós para a arte-educação, difundidas a partir da Escolinha de Arte do

Brasil, enfatizavam as funções da arte no desenvolvimento psicológico, valorizando a

expressão e a criatividade.

Acreditamos não ser necessário reforçar este enfoque. É bastante conhecida e

compreendida a importância das atividades artísticas na educação básica, como meio de

desenvolver tanto a formação intelectual do aluno quanto a formação da personalidade (cf.

Porcher, 1982a: 15). Preferimos, então, insistir em um outro aspecto da questão.

A nosso ver, o objetivo central e último da educação escolar é dar acesso ao saber,

às diversas formas de conhecimento. Em termos mais amplos, é dar acesso à cultura −

entendendo-se cultura como a produção coletiva de uma sociedade, ou mais ainda, como

patrimônio de toda a humanidade, construído ao longo de sua história.

Acontece que um dos problemas centrais do sistema de ensino brasileiro continua

sendo o seu alto grau de exclusão. Isto também é de conhecimento público, sendo evidenciado

por diversos estudos e levantamentos estatísticos: os índices de evasão e repetência,

*
Trabalho apresentado no III Encontro das Universidades do Nordeste sobre Educação Básica. João
Pessoa, 4 de setembro de 1992.
1
A este respeito, ver Percursos da Educação Artística: um balanço das diversas abordagens, de Sylvia R.
Coutinho, nesta coletânea.
13

especialmente nas primeiras séries, é suficiente para comprová-lo (cf. MEC,1979: 13-17).

Trata-se, assim, de um sistema educacional altamente seletivo, e portanto elitista.

Neste quadro, cabe pensar o papel da arte na educação básica, dentro de um

projeto de democratização no acesso à cultura − e, é claro, especificamente no acesso à arte.

Mas o que é isso e como realizar este projeto? Para responder a estas questões, é necessário

discutir um outro aspecto da atividade artística.

Se a arte é uma forma de expressão − de expressar emoções, idéias, vivências,

etc. –, é também uma forma de comunicação. Expressão e comunicação, intimamente ligadas.

E comunicação presume a capacidade de atingir o outro, de ser compreendida pelo outro.

Essa compreensão só é possível se o outro entende o “código”, se ele domina – na maior parte
das vezes de modo inconsciente – os princípios de organização da mensagem. Mensagem que

se concretiza seja através do uso de formas e cores, nas artes plásticas, seja através de sons, na

música, e daí por diante.

Trata-se de mensagens de formas ou de sons que se estruturam segundo

princípios, e não aleatoriamente. Neste sentido, dizemos que a arte é uma linguagem, ou

melhor, as diversas formas de arte são linguagens. Se a arte, enquanto um fenômeno humano e

cultural, é universal, pois que presente em todos os tempos e em todos os grupos sociais, ela

se realiza diferentemente, conforme o momento da história de cada grupo, de cada povo.

Exemplifico: entre os sons possíveis de serem produzidos e captados pelo ouvido humano,

entre todos os sons da natureza, cada povo selecionou, numa determinada época, aqueles que

seriam o seu material musical e o modo de articular e organizar estes sons. Assim é que, para

a civilização européia e durante vários séculos, a música se estruturava (exclusivamente) a

partir das notas e dentro dos princípios da tonalidade.

Assim, se a arte é um fenômeno universal, enquanto linguagem é culturalmente

construída, diferenciando-se de cultura para cultura. Inclusive, dentro de uma mesma

sociedade – como a nossa, a brasileira –, de grupo para grupo, pois podemos pensar na cultura

e na arte eruditas e nas diversas formas de arte e cultura populares, com sua imensa variedade.

É claro que, quando falamos de compreender, entender ou apreender a linguagem

artística, não nos referimos a uma forma de apreensão e significação da mesma espécie que a
14

da linguagem verbal cotidiana – essa de que fazemos uso, no momento. A linguagem verbal é

conceitual, atingindo um alto grau de automatismo. A linguagem artística, por sua vez, tem

características próprias, entre elas a de permitir uma leitura muito mais aberta, uma

interpretação muito mais diversificada.

Mas o fato é que ninguém gosta, se interessa ou procura por algo que não

consegue compreender. Quantos de nós, por exemplo, escolheriam, como programa de fim-

de-semana, assistir a um filme japonês sem legendas (um drama psicológico), mesmo que de

entrada gratuita? Creio que não muitos.

Se o interesse depende da capacidade de compreensão, a distância que a maioria

do povo brasileiro mantém das formas de arte, principalmente daquelas ditas eruditas, é
gerada pela falta de referenciais adequados, que permitam apreender as linguagem artísticas

como significativas. A capacidade de compreender a arte não se deve a um dom inato ou a

algo assim; deve-se, sim, a certas formas de perceber, de pensar e mesmo de sentir que

dependem da vivência, da experiência de contato com as obras de arte. Em outros termos, a

capacidade de apreender as linguagens artísticas – o que podemos chamar de “competência

artística” – depende da posse de esquemas de percepção, pensamento e apreciação que são

gerados pela familiarização.2


Estas idéias de que a compreensão e a significação dependem dos esquemas de

percepção disponíveis, que por sua vez dependem da familiarização, podem parecer muito
difíceis ou confusas, mas na verdade dizem respeito a processos que atuam em tudo na vida.

Vou dar um exemplo bem terra-a-terra: o futebol. Como este esporte faz parte de nossa

cultura, e portanto de nossa vivência, aprendemos a compreender o seu “código”, sem que

ninguém nos dê uma aula a respeito. Assim, somos capazes de admirar um belo drible, ou de

xingar o juiz quando ele deixa de marcar um impedimento. A movimentação dos jogadores

faz sentido e pode ser apreciada em termos até mesmo de sua beleza, porque estamos

familiarizados com o jogo e, consequentemente, somos capazes de compreendê-lo. O mesmo

2
Para um aprofundamento desta questão, ver nosso artigo Diretrizes para uma Educação Artística
Democratizante: a ênfase na linguagem e nos conteúdos, nesta coletânea.
15

não é verdade, para a maioria dos brasileiros, com relação ao beisebol, que não faz parte de

nossa vivência cultural: este jogo, para nós, não consegue ter o mesmo grau de significação.

A competência artística depende, assim, do ambiente sócio-cultural em que se

vive, uma vez que depende das possibilidades de contato com as obras artísticas. Este contato

continuado – esta “frequentação” – vai construindo gradativamente a familiarização, vai

formando, lentamente e de modo imperceptível, os referenciais necessários para a apreensão e

compreensão das linguagens artísticas.

Creio não ser necessário insistir no fato de que essas oportunidades de

familiarização com as linguagens artísticas são distintas conforme o meio em que se vive. Não

há como comparar as oportunidades diferenciadas, em relação às diversas formas de arte, que


tem uma criança pobre de periferia ou da zona rural, para quem a própria sobrevivência ainda

é uma questão vital, e uma criança de camadas mais elevadas do meio urbano. Podemos dizer,

portanto, que o acesso à arte é socialmente diferenciado, socialmente desigual.

Diante deste quadro, a escola poderia, a princípio, atuar para a democratização no

acesso à arte. Mas a escola só pode de fato promover esta democratização se (e apenas se) ela

se voltar para o desenvolvimento da familiarização com as linguagens artísticas, se assumir

um trabalho que tanto permita o contato com diversificadas manifestações artísticas quanto

desenvolva a percepção e compreensão dos elementos básicos de cada linguagem. Em outros

termos, dentro de um projeto de democratização no acesso à cultura, é preciso que a escola

encare o difícil desafio de buscar formas alternativas para, no curto espaço da situação escolar,

desenvolver em todos a familiarização com a arte, que alguns devem a uma vida inteira em

determinado ambiente sócio-cultural. O objetivo central da arte na educação básica é,

portanto, ampliar o universo cultural do aluno.

É claro que a realização destas metas aqui expostas não é uma tarefa fácil,

envolvendo inclusive questões metodológicas que não cabe discutir agora. No entanto, vale

salientar que esse tipo de trabalho se diferencia radicalmente das propostas pedagógicas que se

baseiam exclusivamente na livre-expressão, e onde a atividade artística acaba por visar,

apenas, a liberação de emoções – como muitas vezes acontece no campo das artes cênicas. O

trabalho que propomos se diferencia, ainda, das tradicionais aulas de teoria da música ou da
16

mera transmissão de definições dos elementos visuais, pois não se trata apenas de ensinar a

nomenclatura correta ou as regras de organização formal. A familiarização com a arte só pode

se construir a partir do contato e da ação sobre as manifestações artísticas em sua

concreticidade: concreticidade sonora, no caso da música; visual, no caso das artes plásticas, e

assim por diante.

Deste modo, com o objetivo de desenvolver a familiarização com as linguagens

artísticas a fim de ampliar o universo cultural do aluno, defendemos o ensino da arte na

escola, insistindo na sua obrigatoriedade em todos os níveis da educação básica, seja com o

nome de Educação Artística ou com qualquer outro nome. Está claro que, em qualquer destes

casos, é necessário resgatar a especificidade de cada linguagem artística, com seus conteúdos
próprios, pois estes conteúdos de linguagem são fundamentais na concepção que

apresentamos.

O resgate das linguagens específicas opõe-se à polivalência – o trabalho, por um

mesmo professor, em todas as áreas artísticas –, que é proposta pelos diversos termos

normativos para a Educação Artística. Embora não seja possível discutir, nos limites deste

trabalho, todos os problemas da polivalência, é indiscutível que trouxe sérias consequências,

tanto para a formação do professor quanto para a prática pedagógica, contribuindo para o

esvaziamento da Educação Artística.

Se defendemos a arte na educação básica, não o fazemos por mero

corporativismo, como muitas vezes foi acusado o movimento dos arte-educadores, por insistir

na obrigatoriedade do ensino de arte na nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Aliás, os

caminhos para a votação da nova LDB estão tão tortuosos, são tantos os impasses e os

interesses em jogo que – ainda mais no atual momento político – torna-se difícil qualquer

previsão com relação a quando e com que conteúdos ela será finalmente aprovada.3
Defendemos a arte na educação básica, portanto, por acreditar ser ela, por

excelência, o espaço escolar para uma ação efetiva no sentido de ampliar o universo artístico-

cultural do aluno. É ela o espaço por excelência para a realização de um projeto de

3
Para uma visão de algumas das discussões e problemas que têm cercado o processo de elaboração da
nova LDB, ver Penna (1991) e Oliveira (1991).
17

democratização no acesso à arte e à cultura. Com este papel, defendemos a arte como

matéria na educação básica, com espaço próprio na grade curricular e na carga horária, e

professor devidamente habilitado em sua área específica.

Não negamos, de modo algum, que a prática da Educação Artística na escola

apresenta problemas e que, de modo geral, podemos dizer que está longe de realizar o papel

por nós aqui traçado. No entanto, estes problemas não são motivos suficientes para que se

desista das potencialidades que o ensino da arte apresenta para a inserção mais ampla, plena

e participativa do aluno em seu meio sócio-cultural. Problemas na educação existem em

qualquer área de conhecimento. Também estamos longe de alfabetizar todas as crianças deste

país, ou pelo menos apenas aquelas que se matriculam no 1o grau. E as dificuldades da


Educação Artística em parte estão relacionadas ao fato de que sua presença obrigatória na

escola é relativamente recente, somente a partir da Lei 5692, de 1971.

Faz-se necessário, portanto, enfrentar os problemas da prática da Educação

Artística e repensá-la, começando pelo questionamento da polivalência e o resgate das áreas

específicas. Faz-se necessário a discussão, a pesquisa e a experimentação de propostas

pedagógicas e metodológicas. Pois é preciso, antes de mais nada, não fugir do desafio de

construir, neste país, as condições e os meios para uma real democratização no acesso ao

saber, à cultura e à arte.


2
DA CAMISETA AO MUSEU:
A CONQUISTA COTIDIANA DA CIDADANIA PLENA*

Yara Rosas R. Peregrino • Maura Penna • Sylvia Ribeiro Coutinho

Em seu sentido etimológico, cidadania define a condição daqueles que residem na

cidade. A formação do Estado moderno estabeleceu um caráter mais amplo ao termo, que

torna-se sinônimo de homem livre membro de um Estado, portador de direitos e deveres

assegurados por lei. Nessa perspectiva, cidadania adquiriu um aspecto sociológico e um

aspecto político. O elemento social, incorporado mais recentemente ao conceito de cidadania,

engloba desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança até a plena

participação na herança social como ser civilizado, de acordo com os padrões da sociedade. E

na base deste aspecto social da cidadania está, entre outros, o sistema educacional.

Por outro lado, a conquista dos direitos e deveres relacionados ao conceito de

cidadania não se dá de imediato ou através de ato cartorial, mas somente por meio de um
processo contínuo e cotidiano, pois a “igualdade de oportunidades” requer uma contínua

eliminação das desigualdades socialmente estruturadas, rumo a relações menos


discriminatórias. Portanto, a noção de cidadania está estreitamente vinculada à questão de

poder. Sabemos que, em nossa sociedade, marcada pela distribuição desigual tanto de bens
materiais como simbólicos, dificultar o acesso ao saber e às diversas formas de conhecimento

funciona como instrumento de poder e dominação.

“O ideal democrático é a universalidade, o que significa criar condições para


que todos tenham acesso à língua [ao saber e a arte] culta, e não a
segregação, que exclui grandes parcelas da população do direito de usar um
código mais rico, que lhes permitiria estruturar cognitivamente sua própria
prática, com vistas a transformá-la.” ( Rouanet, l987: l37)

*
Trabalho apresentado no Seminário Internacional Interdisciplinar “As Transformações do Conhecimento
na Virada do Século”. Universidade Federal de Santa Maria - RS, julho de 1993.
19

Sendo assim, democratizar o acesso aos bens coletiva e socialmente produzidos é primordial

na construção da cidadania plena.

Se, na sociedade brasileira atual, a luta pela cidadania se dá primordialmente em

níveis básicos, pela garantia das condições mínimas de sobrevivência para a maioria da

população, nem por isto devemos negligenciar a questão do acesso aos bens culturais e

artísticos. Afinal, a arte, inclusive em suas formas mais elaboradas (ditas eruditas), é uma

produção coletiva, que no entanto tem sido historicamente restrita às elites, uma vez que,

distintamente das necessidades primárias, a “necessidade cultural” é produto da educação e da

vivência (cf. Bourdieu e Darbel, 1985). São essas elites que acabam tendo maior facilidade no

acesso à escola e consequentemente maiores oportunidades de contato e familiarização com as

obras de arte. Mais uma vez as desigualdades sociais geram posturas diferenciadas e

desigualdades diante das obras culturais.

Nesse sentido, cabe ressaltar que ...

“A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o


melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria
escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la
democrática.” (Libâneo, l990: 39)

Portanto, a escola deve trabalhar no sentido de ampliar o acesso à arte e à cultura,


considerando-se cultura como uma produção coletiva, construída ao longo da história das

sociedades. Afinal, é a escola que em grande parte cria a necessidade cultural, ao mesmo

tempo em que fornece os meios para satisfazê-la. É necessário, portanto, refletir sobre as

possíveis formas de atuação pedagógica, em busca da democratização no acesso à arte, como

forma de conquista da cidadania plena, pois “a condição para que a escola sirva aos interesses

populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares

básicos que tenham ressonância na vida dos alunos.”(Libâneo, l990: 39)

Essa apropriação, no entanto, só se efetiva de fato se houver um trabalho de

familiarização com as obras de arte, desenvolvendo no aluno a capacidade de percepção e

compreensão a partir de suas experiências.


20

Reconhecemos a arte como elemento formador do patrimônio artístico e cultural

da humanidade e sua importância como forma de expressão e comunicação. Mas, para que a

comunicação se efetive, é necessário que a mensagem seja apreendida, isto é, que o outro seja

capaz de compreender a linguagem utilizada.

Assim, podemos dizer que o gosto e o interesse pela arte dependem da capacidade

de compreensão, que por sua vez é fruto da vivência, familiarização e contato com as obras de

arte. Dessa forma, o acesso restrito às formas de arte mais elaboradas, fato comum em nossa

sociedade, se deve, em grande parte, a problemas na formação dos esquemas de percepção

apropriados à compreensão e apreciação da arte. A posse desses esquemas gera o que Porcher

(l982a) chama de “competência artística”, em cuja formação o ambiente sócio-cultural é


determinante, uma vez que dele surgem as possibilidades de contato com as obras de arte. É

precisamente o contato continuado que constrói lenta e imperceptivelmente os referenciais

necessários para a compreensão dos códigos da arte.

Sabemos que...

“O conhecimento integral depende cada vez mais da valorização sensorial.


Precisa da ação coordenada de todos os sentidos, os caminhos externos para
o conhecimento, que combinam o tato, o toque, a pele, o movimento, o
corpo, o olhar, o escutar.”(Moran, l993: 28)

A partir desse tipo de conhecimento a “imagem sensorial” é reelaborada pela

mente estabelecendo “uma relação com o mundo através da visualização analógica,


representacional, simbólica” (Moran, l993: 31). Desse modo são captadas, em nossa vivência

cotidiana, as linguagens artísticas, inclusive em suas formas mais elaboradas.


A incorporação da arte na produção capitalista e na paisagem urbana é cada vez

mais marcante. Percebe-se que a cultura de massa e a indústria voltam-se frequentemente para
a busca de padrões estéticos, antecipados pelas vanguardas artísticas, como forma de

renovação e criação de novos referenciais.

Nenhuma sociedade esteve tão saturada por imagens e signos visuais como a

nossa. As mensagens visuais constantemente presentes na vida das cidades tornaram-se uma

obsessão da civilização ocidental. Como resultado, passamos da sociedade de consumo para a


21

cultura do consumo, que pode ser considerada uma cultura da comunicação visual por

fundamentar-se na produção e reprodução de sinais (cf. Canevacci, 1990). Uma das fontes

alimentadoras desse processo de reprodução seriam os signos visuais criados pela arte.

Se por um lado estas ”presenças” da arte podem ser entendidas como uma diluição

ou mesmo banalização da arte, por outro, acreditamos que o processo histórico que as gera

não pode ser negado e é irreversível. A nosso ver, não cabe nem supervalorizar estas

manifestações, nem lamentar a perda da “aura” da obra única, sob o risco de reforçar uma

postura elitista no acesso à arte (cf. Benjamin, 1983). Consideramos que a incorporação desses

signos, não significa apenas uma simples absorção da arte pela indústria cultural, pois

funciona também como um alargamento da produção e do consumo de imagens às camadas


sociais tradicionalmente excluídas da fruição estética, bem como uma melhoria na qualidade

dos padrões estéticos da população em geral. Com isso, ampliam-se as opções e

consequentemente a necessidade de consumo estético, ao mesmo tempo em que se cria um

nível de exigência mais apurado. Além disso, pesquisas mostram que o apelo visual presente

em nosso cotidiano pode ser o responsável por grande parte de nosso aprendizado informal:

“Os meios de comunicação, principalmente os audio-vídeo-gráficos,


desenvolvem formas sofisticadas de comunicação sensorial
multidimensional, de superposição de linguagens e mensagens que facilitam
a aprendizagem e condicionam outras formas e espaços de
comunicação.”(Moran, 1993: 32)

Dentro dessa perspectiva, o grande número de eventos e situações que se oferece

às pessoas se constitui, de certa forma, em expressão de liberdade, o que traduz de algum

modo o clima do “flaneur” do século XIX de Benjamin. De fato, a absorção em larga escala

de padrões artísticos e estéticos opera uma transformação no sentido de que, agora, mesmo as

pessoas que não freqüentam os tradicionais espaços da arte (como museus, teatros e salas de

concerto) têm algum contato com ela, seja através de estamparias, posters, objetos1, seja

1
Neste sentido, apontamos a tendência atual de utilizar produções artísticas em embalagens de produtos,
como por exemplo algumas marcas de sabonetes, vinhos, colônias, etc. (Giudice, 1994).
22

através da indústria cultural. É necessário que se estabeleçam canais entre a escola, os meios

de comunicação e seus diversos modos de tratar o conhecimento e a informação.

Assim sendo, acreditamos que qualquer forma de atuação pedagógica não pode

deixar de considerar, em seus processos e métodos de trabalho, esse arsenal de informações

visuais com que as pessoas têm contato cotidianamente, sob o risco de exercer uma prática

desvinculada da realidade. Afinal, por que não tirar proveito desse poder de nos atingir por

inteiro, característico dos meios de comunicação ao transmitir-nos mensagens ?

Ao se buscar garantir o espaço da Educação Artística na escola, mais do que

nunca é importante definir como iremos atuar, pois a conquista desse espaço, não é, por si só,

condição suficiente para assegurar a realização do projeto de democratização no acesso à arte.


Portanto, voltamos a enfatizar a importância do trabalho pedagógico a partir da

vivência cotidiana, no sentido do desenvolvimento e aprimoramento dos esquemas de

percepção necessários à apreensão das linguagens artísticas, de modo a ampliar a capacidade

de apreciação e de crítica. É possível partir das diversas formas de manifestação “artística” do

cotidiano, pois, como mostram Bourdieu e Darbel (1985), todos os bens culturais podem ser

apreciados em diversos níveis, conforme as referências – históricas, estéticas e estilísticas –

disponíveis. Se a gratuidade não é garantia suficiente para um acesso democrático às formas

de arte mais elaboradas, uma vez que sua efetiva apreensão requer o domínio prévio dos

instrumentos de compreensão (esquemas de apropriação), não basta abrir o museu ou realizar

concertos gratuitos. O desafio é a construção de caminhos que levem da camiseta ao museu,

do rádio à sala de concerto e da novela de TV ao teatro.


Parte II

PERCURSOS HISTÓRICOS E
DIRETRIZES PARA O ENSINO DAS
ARTES
3
ESCOLA NOVA/EDUCAÇÃO ARTÍSTICA:
NOVOS RUMOS PARA A EDUCAÇÃO?*

Yara Rosas R. Peregrino

Com a criação dos sistemas nacionais de ensino, no início do século passado, a

escolarização era colocada como uma das condições para a consolidação da democracia.

Instalava-se o chamado ensino tradicional, cujas origens remontam ao período da Revolução

Francesa (cf. Saviani, l989a), assentado sobre ideais humanistas de igualdade, sobre os

direitos naturais do cidadão. Seu objetivo era a transmissão de conhecimentos acumulados

pelas gerações anteriores, sistematizados de forma lógica, difundidos pelo professor, agente

principal do processo. Os conteúdos, dissociados da experiência do aluno e da realidade

social, eram repassados num ambiente onde a autoridade do professor garantia a disciplina e a

atenção. Aos alunos cabia assimilar o acervo cultural que lhes era transmitido.

Esta escola, concebida como único instrumento capaz de elevar todos os homens à

categoria de “esclarecidos”, não conseguiu realizar sua função de democratização e

equalização social. A burguesia, que inicialmente levantara a bandeira na luta pelo princípio

da educação como direito de todos e dever do Estado, uma vez elevada ao status de classe

dominante, já tinha outras idéias em mente: não mais se interessava pelo acesso de todos à

educação.

“A burguesia, assim, apropria-se inteiramente da escola como instrumento


de reprodução social, encobrindo a função social e política advogada antes,
conferindo-lhe agora funções psico-pedagógicas. Ela não quer mais uma
educação genérica, coletiva, igual para todos, mas uma educação
diferenciada, voltada para a descoberta de aptidões individuais”... (Libâneo,
l990: 64)

*
Versão ampliada e revista do texto originalmente publicado no Caderno de Textos do CCHLA, no 32.
25

Assim, instaurou-se um novo sistema de relações sociais que contribuiu para a

formação de uma nova teoria da educação, cujos princípios viessem a consolidar o poder da

nova classe (cf. Saviani, l989a). Surgia a escola nova.

Calcada em estudos da psicologia sobre o desenvolvimento da criança e a

descoberta de que “os homens são essencialmente diferentes”, a nova pedagogia advogava um

tratamento diferenciado para cada indivíduo, valorizando-se o psicológico, o sentimento, a

espontaneidade.

Com essa nova visão de educação deslocou-se...

...“o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; dos


conteúdos cognitivos para os métodos e processos pedagógicos; do
professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a
espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a
qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da
lógica para uma pedagogia de inspiração experimental.” (Saviani, l989a: 20)

A escola nova, portanto, voltava-se para o aluno e tinha como objetivo não mais a

transmissão de conhecimentos, mas a obtenção deles através da pesquisa. Adota-se o não-

diretivismo, os trabalhos em grupo e o professor passa a ser um facilitador da aprendizagem.

Entretanto, a afetiva implantação da proposta escolanovista implicaria numa total

reformulação na organização dos sistemas escolares que, agora, deveriam ser concebidos com
bibliotecas, materiais sofisticados e salas para atendimento a pequenos grupos de alunos, onde

a relação interpessoal e a ênfase nos interesses individuais pudessem ser mantidas. Essas
condições só puderam ser atendidas em algumas escolas isoladas e destinadas a grupos

privilegiados. Apesar de terem amplamente absorvido as idéias da escola nova, os educadores

não puderam aplicar a nova proposta nas escolas da rede oficial, não só pela ausência de

condições físicas, mas também pelo excessivo número de alunos. Tudo isso, aliado à rejeição

das idéias tradicionalistas que enfatizavam a transmissão de conhecimentos, acarretou uma

despreocupação com a disciplina, um crescente descompromisso do professor com o domínio

de sua matéria e uma conseqüente queda na qualidade do ensino.

Dentro desse contexto, como situar a questão específica do ensino de arte? De que

modo o novo ideário se refletiria entre os arte-educadores?


26

No ensino de arte, a tendência tradicional se reflete em aulas onde predominam as

cópias e os modelos e na importância dada ao desenho como preparo do indivíduo para o

trabalho. Enfatiza-se o fazer técnico com preocupação no produto.

A escola nova, por sua vez, trouxe para o ensino de arte a ênfase na percepção,

expressão, no estado psicológico das pessoas e suas experiências individuais, na “revelação de

emoções, de insights, de desejos, de motivações experimentadas interiormente pelos

indivíduos.” (Fusari e Ferraz, l992: 28)

Portanto, duas idéias caminhavam lado a lado com os princípios da escola nova.

Primeiro, a idéia de que a finalidade da educação artística não é apenas criar o gosto pela arte

ou favorecer as aptidões artísticas do indivíduo. Depois, e mais importante ainda, a visão de


que o objetivo do ensino de arte é desenvolver globalmente a personalidade, criando uma

consciência crítica em relação à própria vivência “através de formas as mais diversificadas e

complementares possíveis de atividades expressivas, criativas e sensibilizadoras.” (Forquin,

1982: 25)

A ênfase nesse processo, nessas atividades ditas expressivas, sensibilizadoras e

criativas difundiu a falsa crença de que o importante era proporcionar ao indivíduo a

oportunidade de criar, de expressar, sem nenhum tipo de interferência por parte do professor,

como se a criatividade não pudesse, não devesse ser educada. Não se cuidava de orientar essa

criatividade, de reelaborá-la, tal como se trabalhava outras aptidões, no sentido de que dela

resultasse algo significativo.

Essa maneira de entender a educação artística acabaria por provocar um

esvaziamento de conteúdos no aprendizado de técnicas, na medida em que não havia um

trabalho pedagógico. O próprio conceito de arte dava margem a diversas interpretações que

têm a ver com lazer, processo intuitivo, dom, liberação de emoções, comunicação. A pretexto

de respeitar a imaginação e a expressão individual eram utilizados os mais diversos recursos.

A apologia ao espontaneísmo expressivo conduziu ao laisser-faire e, aos poucos, a

preocupação com a técnica, com a transmissão de conhecimentos gerais, com a formação

cultural enfim, foi sendo esquecida. Criava-se assim uma distância cada vez maior entre a

prática e o saber.
27

Esqueceram os arte-educadores que a ênfase na invenção e na iniciativa tem que

vir atrelada à preocupação de proporcionar ao aluno um domínio da linguagem artística, de

fazê-lo ver a necessidade da técnica enquanto recurso a serviço da expressão. Esqueceram que

a educação artística...

...“não se contenta apenas com as virtudes instauradoras do acaso, do


laisser-faire e da não intervenção, mas pressupõe, pelo contrário, a
utilização de métodos pedagógicos específicos, progressivos e
controlados”... (Porcher, l982a: 25)

Sabe-se que a expressão é fruto da percepção e, segundo Forquin (l982), toda

percepção efetua-se de acordo com os referenciais e esquemas disponíveis, adquiridos a partir

de um processo metódico e progressivo que reuna: iniciação técnica, consciência do meio

ambiente, desenvolvimento da criatividade e familiarização com as obras de arte. Sem esses

referenciais capazes de “situar” o indivíduo, tudo não passaria de confusão e nada teria

significado. Se não trabalharmos a questão da técnica, a formação de esquemas de percepção,

como então seguir adiante na experimentação, no fazer e na pesquisa? Como incursionar no

desconhecido, de forma produtiva, sem a posse de referenciais? Era preciso buscar o

embasamento e a formação técnica necessários para prosseguir.

Com a tentativa de retomar a idéia de método articulado a conteúdos, surgem,

então, questionamentos de que tal abordagem pode levar a posturas anti-democráticas,

autoritárias, o que poderia parecer uma volta aos moldes tradicionais.

“Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de direção, deixar
tudo à livre expressão, criar um clima amigável para alimentar boas
relações, ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos, análise de
modelos sociais que vão lhe fornecer instrumentos para lutar por seus
direitos?” (Libâneo, l990: 43)

Há que existir um trabalho pedagógico de familiarização com a obra, de formação

da sensibilidade estética, da construção de esquemas perceptivos para que a criação se torne

forma, expressão. A formação de esquemas de percepção deve se dar a partir das experiências

culturais trazidas pelos alunos e de sua vivência familiar, cabendo ao professor ampliá-las. O

essencial, portanto, não deve ser colocar professor e aluno em pólos opostos e conflitantes. O
28

confronto poderia ser transformado em apoio para que o aluno estabeleça relações entre sua

cultura, sua vivência e os conteúdos transmitidos, ajudando-o a construir uma visão crítica de

sua experiência.

Não trabalhar no sentido de fornecer ao aluno os referenciais necessários, os

instrumentos de expressão, é obstacular seu acesso à cultura, é cassar-lhe o direito de usar um

código mais rico e mais bem estruturado. A posse desse código é condição básica para que o

indivíduo possa agir e ter uma participação mais ampla na sociedade.


4
PERCURSOS DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA:
UM BALANÇO DAS DIVERSAS ABORDAGENS*

Sylvia Ribeiro Coutinho

Em seu esforço para libertar-se do idealismo clássico e das restrições da arte

acadêmica, os artistas do início deste século dirigiram seu olhar para a produção alternativa à

tradição artística européia. Já no Romantismo do começo do século XIX notava-se:

...“uma crescente consciência (...) sobre a liberdade desfrutada por artistas


extra-acadêmicos de séculos anteriores. Alguns deles puderam ser
considerados heróicos precursores, oferecendo tradições alternativas às das
academias.” (Dynton, l99l: 24)

Ao mesmo tempo, no início do século XX, o público poderia dispor:

...“de um volume crescente de literatura sobre arte popular, arte não-


européia, muitos exemplos de arte primitiva, arte infantil e arte de loucos,
tudo isso familiarizando os leitores com alternativas ao idealismo clássico.”
(Dynton, l99l: 25)

Começava-se a entender que a arte não é privilégio das culturas hegemônicas, nem

tampouco o artista teria que ser a imagem do humanista idealizado no Renascimento.

Foram as vanguardas do começo deste século, portanto, que pela primeira vez

voltaram sua atenção para a produção plástica infantil, percebendo-a não como arremedo da

arte adulta, mas como produto estético com valor próprio. E, dentro das vanguardas, é o

Expressionismo que “pretende impressionar-nos através de gestos visuais que transmitem, e

talvez, libertem emoções ou mensagens emocionalmente carregadas” (Dynton, l99l: 24), que

consegue chamar especial atenção para o valor e beleza plástica da arte da criança. Isso

*
Trabalho publicado na revista Porto Arte, no 4, ano II, Nov. l99l, do Instituto de Artes da UFRGS.
30

aconteceu por duas razões principais. Primeiro porque o Expressionismo é a afirmação radical

do individualismo, da auto-expressão, da arte como transmissão da experiência pessoal (o que

não elimina o seu caráter universal). Em segundo lugar:

“A descoberta de que composições abstratas podem ser tão efetivas, pelo


menos, quanto os quadros temáticos. Descobriu-se que o tema, tendo servido
como veículo para gestos expressivos, poderia ser inteiramente abandonado.
O poder expressivo de cores e formas, de pinceladas e texturas, de tamanho
e escala, era demonstração suficiente.”(Dynton, l99l: 24)

O desenvolvimento de uma nova sensibilidade que permitiu apreciar o significado

estético dos elementos referenciais que constituem a obra plástica, usados e justificados por si

mesmos, levou o artista à consciência de que todas as naturezas mortas, por exemplo,

representadas durante séculos a fio, podem ser vistas como pretexto para o exercício da

linguagem e tratam de questões que dizem respeito à própria dinâmica da arte. Portanto, o

tema pode ser dispensável – ou não.

Foi nesse momento, então, que surgiu um novo olhar sobre a arte da criança. Suas

primeiras linhas e composições passaram a ser consideradas arte: “É preciso olhar a vida

inteira com olhos de criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma

maneira de expressão original, isto é, pessoal” (Matisse, s/d). Essa frase, do pintor francês

Henri Matisse, mostra bem a súbita valorização do caráter espontâneo da criança e sua arte.

Nasce aí a idéia da livre-expressão, que se baseia na noção de que arte não é ensinada mas

expressada e que o ato de desenhar é natural em qualquer criança a partir dos dois anos de

vida: basta que lhes dêem as condições favoráveis de incentivo e liberdade para que ela exerça

o seu espontâneo poder criador.

Durante um bom tempo, porém, essa nova visão da produção plástica da criança

ficou restrita ao circuito artístico. Ela não atingiu, ou talvez não tenha empolgado, nesse

primeiro momento, profissionais da área de educação, nem chegou às escolas. Estas

mantinham um padrão rígido de ensino da arte, voltado ou para o seu aspecto puramente
31

técnico, a fim de atender a uma demanda social de desenvolvimento tecnológico e industrial1,

ou então permaneciam fiéis às normas acadêmicas, dirigindo-se àqueles que possuíssem um

“dom” especial.

Situação semelhante ocorreu quando, um pouco mais tarde, o movimento

Surrealista trouxe para a arte algumas das noções da psicanálise. Neste caso, foram os

estudiosos da personalidade que incorporaram e enalteceram tais idéias e as traduziram em

termos positivos no que se refere a uma nova visão da criança e sua arte. De fato, através das

idéias da psicanálise, a criança passou a ser vista como um ser sui generis, com características

próprias, e não mais como simples miniatura do adulto. Nota-se uma atitude de respeito em

relação ao grafismo infantil, que se tornou relevante como forma de liberação emocional,
afetiva e de expressão do inconsciente. Esses dados, no entanto, pouca importância deveriam

ter para a relação da arte com a educação, pois eles se destinam mais a fins terapêuticos e

valorizam apenas os aspectos emocionais do fazer artístico. A contribuição realmente

significativa dos estudos da psicanálise para a educação artística diz respeito ao fato de que a

arte infantil começou a ser encarada como índice de um processo lógico mental, que se

relaciona por sua vez com o desenvolvimento da percepção, e que reflete a organização

cognitiva da criança e a estruturação de seus diversos aspectos.

Portanto, ao valor estético, colocado em evidência pelo expressionismo, somaram-

se novos dados trazidos à luz pela psicanálise, junto com a compreensão de que o ato de

produzir símbolos gráficos é uma maneira da criança se relacionar com o mundo, de forma

rica, pessoal e até crítica, e que esse processo é importante para seu desenvolvimento global.

Com a segunda guerra mundial, e como consequência direta dela, surgiram outras

idéias a respeito do papel da arte na educação. Essas idéias, que foram explicitadas pelo

crítico de arte Herbert Read, expressavam uma reação à depressão do pós-guerra e se definiam

como uma visão idealista e romântica. Acreditou-se, então, que a arte, ao preocupar-se com

1
O ensino da arte articula-se com as práticas industriais quando, a partir da metade do século XIX, o
positivismo dimensionou a educação como um meio para o progresso da nação. Criaram-se assim
inúmeras escolas técnicas que tentavam popularizar e adaptar o ensino do desenho aos fins da indústria.
A nível primário e secundário, pretendia-se o desenvolvimento da racionalidade como preparação para a
formação científica.
32

qualidades como equilíbrio, harmonia e beleza, poderia funcionar como um elo de ligação

entre os diversos conteúdos pedagógicos. Tais conteúdos, vinculados às mencionadas

qualidades da arte, constituiriam uma unidade capaz de educar, no sentido de formar, um

homem com uma nova mentalidade, para um novo mundo, voltado para os ideais da paz

coletiva.

Foi a partir daí que adotou-se o termo “educação através da arte”, e o eixo de

discussão deixou de ser o da livre-expressão e passou a ser o da luta pela ampla integração da

arte nas escolas, a fim de modificá-las. A educação através da arte tornou-se militância, cheia

de fé e esperança num mundo melhor que a arte ajudaria a construir. Os habitantes desse novo

mundo seriam seres criativos por excelência, em oposição aos homens destrutivos forjados
pela guerra.

Nos anos seguintes, as questões teóricas e práticas de arte-educação giraram em

torno das três visões predominantes, acima colocadas, variando a ênfase em algumas delas e

acrescidas de outras influências. Foi o caso, por exemplo, da nova Bauhaus, cujas idéias foram

difundidas por Albers nos Estados Unidos e que propunham integrar “auto expressão e

gramática visual (...) para revelar uma preocupação não só com a produção da arte, mas

principalmente, com a reflexão acerca desta produção.” (Barbosa, s/d: 32)

A proposta de Albers, bastante apropriada, não foi no entanto muito influente num

momento de exaltada afirmação expressionista, que, junto com a implantação generalizada

dos métodos da nova escola no sistema escolar, desembocaria no experimentalismo dos anos

60.

A Educação Artística passou então a considerar, para efeitos metodológicos, os

conceitos da escola nova de pesquisa e experimentação, que, partindo do interesse do aluno,

levaria a um processo auto-motivador de investigação, que, por sua vez, seria a própria razão

do trabalho, pouco importando o produto resultante deste processo. O professor é o

orientador, “proibido” de interferir neste processo, sob o risco de “estragar” a espontaneidade


33

da criança. Essa seria a única maneira de desenvolver o potencial criativo e a linguagem

pessoal do aluno.2

A continuidade desse tipo de procedimento acabou colocando a educação artística

num espaço onde as práticas se davam de maneira pouco fundamentada. Em nome do

“desenvolvimento da criatividade” caiu-se num espontaneísmo sem precedentes, onde livre

expressão e pesquisa se confundiam com mais puro laisser-faire.

A crítica a esse tipo de situação começou a surgir em meados da década de 70,

generalizando-se nos anos 80, no bojo de uma crítica mais ampla à educação e aos métodos da

escola nova em particular, os quais acabaram por diluir o ensino na pesquisa. Foi nesse

momento que começaram a surgir novos estudos e reflexões de pessoas envolvidas com o
ensino da arte. Elliot Eisner estabelece as bases do pensamento contextualista que “enfatiza as

conseqüências instrumentais da arte na educação, baseando a dinâmica interativa entre

objetivos, métodos e conteúdos nas necessidades da criança.” (Barbosa, l984: 54)

Segundo Ana-Mae Barbosa, os contextualistas enfatizam principalmente as

necessidades de ordem psicológica ou social. No primeiro caso, objetiva-se “o

desenvolvimento dos processos mentais envolvidos na criatividade, na percepção, na catarse,

na auto-realização”... (Barbosa, l984: 54)

No segundo caso, procura-se relacionar a arte com a dinâmica e com modelos

alternativos de comportamento social, como colocou Lanier ainda em l969.

A visão contextualista foi alvo de muitas críticas por parte de alguns arte-

educadores que viam nela o uso da arte como instrumento ou meio para se alcançar objetivos

alheios ao campo da cultura. O próprio Lanier fez, alguns anos mais tarde, uma auto-crítica à

sua prática contextualista:

“Durante as quatro últimas décadas, a psicologia e posteriormente, embora


em menor grau, a sociologia e a antropologia dirigiram a atenção dos arte-
educadores para referenciais não artísticos (...) a arte (nestes casos) é
meramente um meio para algum fim mais meritório, importante não por si
mesma mas como veículo (...) Por alguns anos acreditei e investi na mesma

2
Com relação aos vínculos entre a escola nova e a arte-educação, ver mais detalhadamente o texto: Escola
Nova/Educação Artística: Novos Rumos para a Educação?, de Yara R. Peregrino, nesta coletânea.
34

posição (...) o entusiasta cedo ou tarde acaba desanimado, pois, essa


experiência, mais do que propriamente equivocada, é exaustiva.” (Lanier,
l984: 4)

Lanier critica, também, o fato da arte-educação centrar-se demais na produção,

isto é, nas práticas do tipo atelier, e defende um trabalho que se volte também para a reflexão

sobre a natureza e a função das reações estéticas próprias do indivíduo; o objetivo principal da

arte-educação, segundo ele, seria ampliar o âmbito e a qualidade da experiência estético-

visual, seja ela de natureza prática ou teórica.

Por outro lado, a corrente essencialista, que surge como reação ao contextualismo,

afirma:

...“a função da arte para a natureza humana em geral. A arte tem importância
na educação, porque ela é importante em si mesma para o homem, e não
porque seja instrumento para fins de outra natureza (...) por isso a arte não
necessita de argumentos que justifiquem sua presença na escola, nem de
métodos de ensino estranhos às suas qualidades intrínsecas (...) a própria
existência do universo artístico do homem torna necessária a integração da
arte na educação (...) que investigada e explicitada pela estética, teoria e
filosofia da arte, fornece os dados necessários para a operacionalização de
seu ensino (...) as maiores contribuições da arte são aquelas que a própria
arte pode oferecer, e qualquer programa de educação artística que use a arte
como instrumento para alcançar outros fins estará roubando da criança o que
a arte pode lhe oferecer”. (Barbosa, l984: 56, 57)

As idéias do essencialismo foram difundidas principalmente por Ernest Fisher,

Suzanne Langer e Gombrich. Outra contribuição importante foi dada pelas pesquisas de
Marjorie e Brent Wilson, que vêm desde l976 desenvolvendo pesquisas sobre epistemologia

do desenho. Essas pesquisas colocaram algumas novas idéias que questionam alguns dogmas

do método da livre-expressão, que com o tempo se tornaram tão rígidos quanto os da antiga

academia. Uma delas é de que a cópia e a interferência do professor são meios naturais e

necessários para que a criança, a partir dos oito anos de idade, desenvolva a linguagem

plástica.

É interessante notar que, em l936, Viola escreveu que “quando as crianças fazem

somente aquilo que desejam, há o perigo de que elas possam copiar ou imitar ou serem

influenciadas pela tradição.” (Viola, l936: l8)


35

Seguem Marjorie e Brent Wilson:

“Viola apenas notou e ficou espantado com o que sempre foi assim − todos
nós, inclusive as crianças, desenhamos principalmente através da imitação e
influência (...) de fato, o processo de perda da ingenuidade em arte envolve a
aquisição de convenções artísticas − processo imitativo este, que por muito
tempo permaneceu escondido (...) acreditamos que não haja nada
inerentemente errado com o fato de crianças serem influenciadas por
professores ou então com seus comportamentos copiativos. Estes são os
meios primários pelos quais as habilidades de construir símbolos visuais são
expandidas. Pensamos ser um mal, entretanto, que haja tão pouco para
influenciar os estudantes em suas aulas de arte, pois estas influências
derivam muito mais de assuntos fora do campo das artes (...) o conteúdo
desta instrução é fácil de concretizar, estando disponível já por várias
centenas de anos”. (Wilson, l982: l4, l6)

Esse tipo de colocação contradiz a antiga idéia que surgiu com o expressionismo

de que arte não é ensinada mas expressada. Admitir que a arte pode ser ensinada, no sentido

de dar os meios e transmitir conhecimentos já sistematizados, significa compreender que a

arte tem conteúdos, questões e códigos que se referem somente à ela. Com exceção do

contextualismo, as novas abordagens da educação artística têm em comum a afirmação da

especificidade do espaço da arte na educação. A diluição de seu papel dentro das escolas, seja

pelas práticas polivalentes e multidisciplinares ou por encaminhamentos metodológicos

inadequados, levaram a uma reação que se caracteriza pela tentativa de resgatar os referenciais
artísticos abandonados em nome de projetos utópicos ou superficiais. Talvez, o radical

espontaneísmo que se pregou por algum tempo tenha sido uma etapa necessária para que o
ensino da arte se libertasse dos “traumas” da academia. No entanto, a consciência da

necessidade de mudanças permitiu, por um lado, o avanço em direção a novos estudos e


propostas, e por outro, a retomada, inclusive, de algumas práticas do ensino tradicional que se

mostraram pertinentes.
Essa é a questão chave que tem desviado o ensino da arte do seu rumo

espontaneista para uma postura mais cuidadosa e reflexiva. Voltando-se para o estudo e
aprofundamento dos referenciais da linguagem, o professor de arte percebe que, por um lado,

os conteúdos específicos precisam ser retomados para se alcançar uma prática mais
consequente, e por outro, que a educação artística não pode limitar-se ao seu aspecto prático.
36

O desenvolvimento da capacidade de apreciar, conhecer e pensar a arte deve caminhar junto

com a produção, estimulando a reflexão e a educação do olhar. O aprender a ver e conhecer é

tão importante quanto o fazer num programa básico de ensino de arte. Essa é a maneira de,

desde cedo, familiarizar a criança com o universo da cultura, promovendo desta forma a

democratização de um saber que normalmente é muito restrito.

Acreditamos que, neste momento, a educação artística procura conjugar de forma

equilibrada diversas contribuições positivas até mesmo de outras áreas do saber sem, no

entanto, abrir mão do seu próprio instrumental, como por exemplo:

a) as lições de liberdade que o expressionismo lançou, compreendendo no entanto,

que o ato de se expressar e comunicar através da arte é um ato humano e

portanto de natureza racional;

b) as experiências didáticas de Paul Klee e Kandinsky na Bauhaus, e de Albers na

nova Bauhaus, que buscaram integrar rigor técnico, expressão pessoal e

reflexão;

c) as contribuições da psicologia cognitiva sobre o desenvolvimento da criança e

as teorias da percepção na arte;

d) a noção da função social e política do ensino da arte como forma de

democratizar a cultura. Por fim, conforme colocou Pierre Francastel (l982),

devemos considerar a visão da arte como um campo específico do saber

humano, irredutível a qualquer outro campo do saber, capaz de desenvolver

uma inteligência própria, ao mobilizar processos mentais específicos da

natureza de sua atividade. Desta forma, consideramos ser possível nos

reapropriarmos da educação artística, voltando sua prática para um projeto

pedagógico significativo e democratizante.


5
DIRETRIZES PARA UMA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
DEMOCRATIZANTE: A ÊNFASE NA LINGUAGEM E NOS
CONTEÚDOS

Maura Penna

Uma proposta educacional não pode ser avaliada apenas pelas suas intenções ou

sua fundamentação filosófica, mas pelas suas conseqüências sociais, como mostra Saviani

(1989a). E o autor expõe fartamente os limites da Escola Nova: enfatizando os aspectos

metodológicos, que só podiam ser eficazes nas escolas de elite (pela disponibilidade de

recursos, formação dos professores, número de alunos nas turmas, etc.), propagou-se,

enquanto ideário, gerando o esvaziamento dos conteúdos e a conseqüente queda do nível de

ensino. Assim, o “respeito às diferenças” (seu lema) acarretou a manutenção e reforço das

diferenças que cada um trazia de seu meio sócio-cultural − em outros termos, gerou a

legitimação das desigualdades socialmente produzidas.

Pelos vínculos entre a Escola Nova e uma prática da Educação Artística (E. A.)

que enfatiza o processo e a expressão espontânea1, torna-se evidente a necessidade de rever


esta prática, se não quisermos manter, pela repetição não-crítica dos procedimentos correntes,
os mecanismos educacionais elitistas. Se a reflexão acerca de concepções e fundamentos não

é, por si só, suficiente para a transformação da prática − e temos consciência disto −, é sem

dúvida imprescindível para nortear a nossa busca de respostas a nível concreto, e até mesmo a

escolha de metodologias.

Buscamos, pois, voltar a E. A. para um projeto de democratização no acesso à

cultura. Sendo nossa sociedade marcada pela distribuição desigual tanto de bens materiais
quanto simbólicos, a manutenção do estreito acesso à ciência e à arte (à “alta” cultura, em

1
A respeito, ver Escola Nova/Educação Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R. Peregrino,
nesta coletânea.
38

geral) funciona como instrumento de poder e de manutenção da dominação, uma vez que “o

domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das

massas” (Saviani, 1989a: 66). E democratizar significa dar a todos acesso − o mais amplo

possível − aos bens culturais socialmente (vale dizer, coletivamente) produzidos. Sem opor as

formas de arte ditas eruditas e as populares, cabe “abrir” o acesso a todas elas – pois todas

constituem o acervo cultural de nossa sociedade −, rompendo os mecanismos históricos que

reservam as primeiras para o usufruto das elites (cf. Porcher, 1982a).

E o que significa criar condições de acesso à arte, principalmente às formas de arte

mais complexas (por ex., a música erudita)? A gratuidade no acesso (por ex., concertos

gratuitos, exposições de entrada franca, etc.) não é por si só suficiente. Ninguém se interessa
por aquilo que não consegue compreender, de modo que, na ausência de instrumentos

(referenciais, esquemas de percepção) que permitam atribuir significação, a gratuidade não

basta para motivar o “consumo”.

Neste ponto, vale desenvolver um pouco a questão da apreensão das linguagens

artísticas. A cada momento da vida cotidiana, nossos sentidos recebem uma profusão de

estímulos, que são necessariamente selecionados e interpretados, conforme os esquemas de

apreensão de que dispomos:

“Toda percepção efetua-se segundo categorias, esquemas, modelos,


normas e estruturas, sem os quais tudo não passaria de confusão
impossível de ser decifrada, de massa difusa, de balbúrdia sem significado:
tudo seria parecido e nada seria parecido, não haveria nem semelhanças nem
diferenças suscetíveis de serem captadas, nem generalidades nem
particularidades, nem pontos fracos nem fortes, nada teria sentido para
ninguém, a vida seria implausível. Felizmente, na vida diária, aprendemos a
perceber o mundo de forma nítida, a separar o útil do inútil, o que está perto
daquilo que está longe, o que nos favorece daquilo que é perigoso, etc.”
(Forquin, 1982: 39)

Esses esquemas de percepção que nos permitem dar significação aos estímulos

sensoriais, se por um lado são adquiridos em nossa história individual, por outro são fruto do
ambiente cultural em que vivemos, sendo portanto social e historicamente marcados.

Também a apreensão (percepção, interpretação e atribuição de significado) das

obras de arte depende da disponibilidade de esquemas de percepção adequados. Claro está que
39

a “leitura” das manifestações artísticas tem características distintas daquela relativa à

linguagem verbal, conceitual, cuja apreensão atinge um alto grau de automatismo. A

percepção artística tem, pois, sua especificidade. As linguagens artísticas são socialmente

construídas2: cada povo, cada grupo, em um determinado momento histórico, escolheu entre

todos os sons, cores, formas ou gestos possíveis aqueles que seriam objeto do fazer artístico,

assim como a maneira peculiar de organizá-los significativamente. Culturalmente situada, a

obra de arte é codificada e a sua apreensão pressupõe o domínio do código.3 Assim, por

exemplo:

...“a escala de sete sons, a tonalidade, etc., representam códigos formais aos
quais a música ocidental obedeceu durante três séculos, e que a opõem
nitidamente à música de outros continentes [ou de outras épocas], que pode
nos parecer incompreensível ou monótona, simplesmente porque não se
baseia nas mesmas convenções e nas mesmas leis que a nossa, e porque nos
faz falta a posse do código que nos daria, junto com a possibilidade de
decodificação, o sentimento de familiaridade (resultado de expectativas
atendidas)”... (Forquin, 1982: 42)4

Da disponibilidade dos instrumentos de apreensão dependem, portanto, tanto o

“gostar” e a motivação para o consumo, quanto a capacidade de compreensão das diversas

manifestações artísticas. O gosto, o “deleite” e a compreensão variam conforme o grau de


refinamento dos esquemas de percepção/interpretação disponíveis. Assim é que, na ausência

de instrumentos adequados − propriamente estéticos, relativos ao domínio do código


específico −, são adotados, na percepção das obras de arte, os referenciais correntes na vida

2
Ver, por exemplo, “A Música Relativa” (Moraes, 1983: 12-20).
3
Vale ressaltar que não entendemos a dinâmica da comunicação e compreensão como esgotando-se num
processo automático de codificação e decodificação. Tanto na linguagem verbal quanto na artística, o
processo de comunicação é muito mais complexo, de modo que a “leitura” (a compreensão) não é
simplesmente o resgate de uma mensagem unívoca, originalmente pretendida pelo emissor (o autor), mas
um processo ativo de interpretação. Mas as possibilidades de significação estão ancoradas na estrutura e
funcionamento da linguagem, encontrando aí os seus limites, pois toda linguagem é objeto de
convenção, por sua própria natureza cultural. Desta forma, o primeiro passo para a compreensão, assim
como para as múltiplas interpretações de uma obra artística, é o domínio da linguagem. Tomemos neste
sentido a idéia de “domínio do código”, considerando “decodificação” numa perspectiva dinâmica e
ativa, aberta à multiplicidade de interpretações possíveis.
4
Este exemplo relativo à música pode, sem dúvida, ser estendido às demais linguagens artísticas.
Em outros termos: “‘gostar’ ou ‘não gostar’ não significa possuir uma ‘sensibilidade inata’ ou ser capaz
de uma ‘fruição espontânea’ – significa uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro
de nós diante do complexo cultural que está fora de nós, isto é, a obra de arte.” (Coli, 1984: 117)
40

cotidiana − os únicos disponíveis −, marcadamente de caráter realista-utilitário ou sensorial-

afetivo:

“Para cada indivíduo, portanto, a legibilidade de uma obra de arte se define


pelo grau de correspondência entre a riqueza intrínseca da mensagem (a
complexidade de seu código de construção) e a competência artística do
indivíduo, seu grau de conhecimento dos códigos e seu domínio das
classificações estilísticas, o que permite a atribuição, a interpretação e o
sentimento de familiaridade com a obra. Quando a mensagem excede as
possibilidades de apreensão do espectador, este não capta a sua intenção e
se desinteressa daquilo que lhe aparece como uma confusão de manchas
coloridas, sem objetivo nem necessidade.” (Forquin, 1982: 43)

Acontece que essa “competência artística” resulta muito mais de um imper-

ceptível, lento e gradativo processo de familiarização do que de uma educação formal. Esse

processo de familiarização depende das possibilidades de contato, de convivência − em suma,

de frequentação −; em última análise, depende do meio sócio-cultural em que se vive.

Correntemente, a escola antes reforça e legitima essas diferenças de cunho social do que de

alguma forma as “compensa”, uma vez que, pressupondo uma familiarização prévia, trabalha

a conscientização e formalização dos esquemas de percepção já disponíveis, fornecendo as

nomenclaturas, a “gramática” de construção formal, etc.

Consciente das condições sociais desiguais para a formação dos esquemas de


percepção necessários à apreensão das linguagens artísticas, uma E. A. voltada para a

democratização no acesso à cultura deve, necessariamente:

a) Promover a familiarização com as linguagens artísticas. Em lugar de pressupô-

la, buscar formas alternativas para, no curto espaço da situação escolar, desen-

volver em todos a familiarização que alguns devem a uma vida inteira em de-

terminado ambiente sócio-cultural.

b) Direcionar-se para a formação dos esquemas de percepção, trabalhando sobre

os elementos básicos de cada linguagem, sempre em sua função expressiva.

c) Recuperar a técnica enquanto veículo da expressão − que, por sua vez, articula

os elementos absorvidos, incorporados e conscientizados, ou seja, depende


41

tanto da vivência que promove a familiarização quanto dos esquemas de per-

cepção disponíveis.

Para tal, é preciso resgatar os conteúdos, reassumindo a função da escola na

transmissão de conhecimentos, o que foi esquecido pela Escola Nova. Por outro lado, é

preciso evitar cair nos vícios da prática do ensino tradicional, repetitiva e mecânica, com base

em conteúdos estáticos, desatualizados, esvaziados (cf. Saviani, 1989b: 74-77).

Faz-se necessário, portanto, buscar conteúdos vivos, atualizados, significativos;

aqueles que – compartilhando com as linhas gerais da proposta pedagógica de Saviani

(1989b) – são necessários para alterar a prática social. No campo da E. A., o que significa

tomar como objetivo do processo pedagógico uma mudança qualitativa na compreensão da

prática social? Significa tomar como meta ampliar o universo cultural do aluno e dar-lhe

condições de crítica frente a sua própria vivência cultural e artística.

Esta concepção assenta-se, portanto, sobre os elementos básicos de cada

linguagem − que devem ser tornados conteúdos vivos e significativos −, trabalhados no

sentido da “leitura”, da alfabetização estética. Porém, não há uma forma fixa ou um modelo

único para a realização desta proposta, quanto a metodologias (estratégias operacionais) ou

seleção e encadeamento de conteúdos − além, é claro, de sua sistematização e ordenação


lógica que a própria articulação dos elementos da linguagem determina.5

Esta formulação − temos consciência − ainda se encontra em termos abstratos, que

apenas delineiam a meta perseguida, sem contudo traçar o caminho prático para alcançá-la.

No entanto, sem que saibamos o que buscamos, apenas vagaremos a esmo, ao sabor do vento.

O primeiro passo é, portanto, traçar o rumo. E dispomos, no momento, de algumas indicações:

para que realmente seja possível colocar, no centro do processo pedagógico, conteúdos vivos

e significativos, faz-se necessário tomar como ponto de partida a vivência cultural do aluno −

ou seja, a sua própria “prática social”. Os elementos de sua vivência são, sem dúvida,

5
Tal proposta pedagógica, como aponta Saviani, deverá levar em conta “os interesses dos alunos, os
ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização
lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-
assimilação dos conteúdos cognitivos.” (1989b: 79 - grifos nossos)
42

carregados de significação, que nenhum compêndio teórico ou nenhuma sequência de

exercícios construídos por critérios exclusivamente técnicos pode substituir, sob o risco de

tornar a cair na repetição mecanizada do ensino tradicional, tão presente, ainda hoje, em

algumas escolas de arte de caráter mais técnico. Mas, se a formação dos esquemas de

percepção, o trabalho sobre os elementos básicos de cada linguagem, deve tomar como base

inicial a vivência do aluno, seu objetivo final é o de ampliá-la.

A grande tarefa que se coloca, então, é buscar os meios de concretizar, na prática,

esta proposta, inclusive através da procura de alternativas metodológicas. De modo mais

imediato, cabe indagar como cada um de nós, em seu espaço de atuação, pode começar a

contribuir para o resgate da E. A.


Parte III

AVALIAÇÃO CRÍTICA
DE PROPOSTAS PEDAGÓGICAS
6
ARTE NA ESCOLA: ORIGENS E APLICAÇÕES
DA METODOLOGIA TRIANGULAR

Vanildo Mousinho Marinho

INTRODUÇÃO

O ensino da arte no Brasil, na área de artes plásticas, tem sido predominantemente

baseado no modelo de oficina de criação. Esta prática pedagógica, voltada para o fazer

artístico e marcada por uma concepção espontaneísta, deixou de lado, em diversos momentos,

qualquer preocupação com conteúdos que viessem a dar fundamentação a uma prática artística

consciente e crítica.

Este modelo de oficina, o chamado atelier, incorporou as idéias da Escola Nova,

que tem como base um processo pedagógico centrado no aluno. Assim, a aprendizagem se dá

pelas descobertas por ele efetivadas, enquanto resultado das pesquisas empreendidas.1 O

ideário escolanovista influenciou de maneira bastante significativa o ensino de artes plásticas


no Brasil, nas últimas décadas.2

Tanto a preocupação exclusiva com a produção, esquecendo-se por vezes de


proporcionar conhecimentos históricos e estéticos ao aluno, quanto a ênfase dada à auto-

aprendizagem, que levou ao esvaziamento dos conteúdos, tiveram como resultado uma

prática baseada no espontaneísmo e no fazer por fazer, na maioria das escolas.

1
Para maiores esclarecimentos sobre os pressupostos metodológicos e teóricos da Escola Nova
(Tendência Liberal Renovada), ver Tendências Pedagógicas na Prática Escolar (Libâneo, 1990: 25-
28).
2
Ver, a esse respeito, Escola Nova/Educação Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R.
Peregrino, nesta coletânea.
56

Para fugir desse quadro, tem-se buscado resgatar os conteúdos específicos que

parecem esquecidos. No entanto, esses conteúdos são imprescindíveis para o aluno de arte,

seja ele um futuro produtor de obras ou fruidor consciente da produção existente.

A METODOLOGIA TRIANGULAR

Dentre as propostas que se encaminham nessa direção e com as quais vêm sendo

realizadas experiências aqui no Brasil, principalmente em São Paulo, destaca-se a chamada

Metodologia Triangular, que tem como idealizadora e principal divulgadora a professora Ana-

Mae Barbosa, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

A história da arte, a leitura de obras de arte e o fazer artístico, integrados, compõem o tripé

desta tendência pedagógica.

A nosso ver, a metodologia triangular é muito mais uma proposta para o ensino

de arte, do que realmente de uma metodologia, uma vez que define em grandes linhas o que

deve ser ensinado − as três áreas de conhecimento que se integram −, e dá algumas

orientações para a sua aplicação, deixando em aberto tanto a seleção e encadeamento de

conteúdos de linguagem, quanto o como isto pode ser realizado:

“A metodologia de análise é de escolha do professor, o importante é que


obras de arte sejam analisadas para que se aprenda a ler a imagem e avaliá-
la; esta leitura é enriquecida pela informação histórica e ambas partem ou
desembocam no fazer artístico” (Barbosa, 1991: 37 - grifos nossos).

Neste contexto a história da arte não tem um fim em si mesma, como afirma a
profa. Ana-Mae Barbosa (1991: 38). Sua função é contextualizar a obra estudada, situando-a

enquanto produto de uma época. Faz-se importante observar como épocas posteriores têm

com ela se relacionado, inclusive levando em consideração a interpretação que os próprios

alunos fazem dessa obra.

A leitura da obra de arte, por sua vez, é feita pela análise estética e crítica da

produção artística, situada historicamente, proporcionando ao aluno a sua apreciação e

compreensão − tanto do ponto de vista dos elementos da linguagem quanto do ponto de vista

temático/filosófico.
56

O fazer artístico, desta forma, é o resultado de uma ação consciente, que pode se

dar através de releituras das obras estudadas ou de outras formas de criação, a partir da

vivência e da leitura crítica da realidade. Este fazer, então, fundamenta-se tanto no

conhecimento técnico e estético, quanto no conhecimento histórico.

Estas três abordagens do processo de ensino de arte devem ser consideradas dentro

de uma mesma disciplina, garantindo, assim, a inter-relação entre elas. Isto contribui para que

− da obra estudada, analisada, apreciada, contextualizada, reelaborada − resulte uma produção

que se possa dizer consciente e consequente.

A CONTRIBUIÇÃO DO DBAE3

Partindo das críticas geradas pela falta de resultados satisfatórios ao final do

processo de ensino de arte nas escolas, muitos estudos foram e continuam sendo realizados,

em diversas partes do mundo, para se chegar a propostas metodológicas que venham a mudar

este quadro. Entre elas o DBAE − Discipline Based Art Education (Arte Educação Como

Disciplina) − projeto desenvolvido pela Getty Foundation, nos Estados Unidos, a partir do

qual estruturou-se no Brasil a Metodologia Triangular.

Nos Estados Unidos, grandes modificações têm ocorrido no ensino de arte a partir

das idéias do DBAE. Esta proposta pedagógica que enfoca quatro áreas − história da arte,

estética, crítica artística e produção artística − surgiu para resgatar conteúdos que vinham

desaparecendo ou sendo mal encaminhados dentro das escolas.

A história da arte proporciona a contextualização das obras estudadas, podendo

trabalhar com a produção de épocas as mais remotas até nossos dias.

A estética é o estudo filosófico das questões artísticas. É através dela que se

discutem os conceitos elaborados nos vários períodos da história, partindo-se de preferência

dos questionamentos levantados pelos alunos. É neste momento, também, que se introduzem

os princípios da linguagem artística, normalmente vistos durante a produção.

3
Para esta exposição baseamo-nos em Barbosa (1991), e Saunders (1990).
56

A crítica artística contribui para a apreciação das obras de arte. É nesse momento

que se analisam as questões técnicas e de uso dos elementos, levando em consideração a

contextualização histórica e conceitos estéticos.

A produção artística é o momento da criação. Trabalha as mais variadas técnicas

e aprofunda os conhecimentos quanto ao uso dos princípios da linguagem. Esta produção,

consciente e fundamentada, deve ser constante em todo o processo do aprendizado artístico.4

Todas estas etapas podem ser aplicadas em qualquer nível do ensino escolar,

desde que pensadas sequencialmente e adequadas às especificidades de cada situação.

Tendo suas raízes no final da década de 50, início dos anos 60, o DBAE teve

como fonte inspiradora dois importantes movimentos em prol do ensino da arte: as Escuelas
al Aire Libre, criadas no México após a revolução de 1910 − semente do Movimento

Muralista Mexicano −, e o Basic Design Movement, surgido na Inglaterra nos anos 50,

associando a utilização de processos lógicos e conscientes à criação artística.

Em 1965 o DBAE começou a suscitar maiores questionamentos, a partir do

parecer publicado pela Fundação Getty para Arte em Educação, sob o título: “Além da

Criação: um lugar para a arte nas escolas americanas”. Neste parecer os educadores Brent

Wilson, Marjorie Wilson, Elliot Eisner, Michel Day e Robert Stake, após analisarem sete

escolas distritais que vinham aplicando o DBAE, concluíram que, apesar de não serem

idênticos, os diversos programas desenvolvidos tinham pontos em comum que eram

essenciais para a qualidade do ensino.

Gerou-se, então, uma grande polêmica entre os diversos grupos de arte-educadores

americanos. Esta polêmica acirrou-se a partir de artigos publicados sobre o assunto, alguns

deles acusando o DBAE de conservador, por provocar uma “possível” volta ao academicismo.

Segundo Robert Saunders (1990: 135), professor ligado à Fundação Getty,

introduzir uma metodologia nesses moldes significa quebrar uma tradição no ensino de arte

nas escolas, onde as aulas desta disciplina são geralmente vistas como um momento de lazer

artístico propiciado às crianças. Tal mudança, no entanto, não significa que, por resgatar

4
A Metodologia Triangular mantém a história da arte e a produção (fazer artístico) do DBAE e junta a
estética com a crítica artística que dão origem à leitura da obra de arte.
56

conteúdos, se caia necessariamente nos moldes acadêmicos, inibindo a criação. Esta questão

depende do encaminhamento metodológico utilizado pelo professor e de sua postura frente ao

conteúdo trabalhado.

Para Saunders − e aí nós concordamos com ele − não existe um modelo único que

se adapte a todas as situações. Neste sentido, a própria Fundação Getty e outras entidades e

pesquisadores têm feito propostas e desenvolvido projetos onde o essencial do DBAE está

presente, mas que procuram atender às necessidades específicas para a formação do aluno nos

contextos onde os programas são desenvolvidos.

No sentido de divulgar, debater e viabilizar a proposta metodológica do DBAE,

vários eventos foram organizados pela Fundação, mais enfaticamente a partir de 1985. Entre
eles, várias atividades em escolas e museus, e, ainda, a promoção de encontros e seminários

em diversas entidades.

Ao longo desses anos, essas idéias cruzaram as fronteiras americanas e

difundiram-se em outros países, que também questionavam seus processos de ensino de artes

nas escolas. Algumas vezes a proposta era assumida na íntegra, outras vezes era absorvido o

essencial, estruturando-se de maneira própria uma proposta metodológica que privilegiasse o

conhecimento, em detrimento do fazer por fazer.

EXPERIÊNCIAS DE APLICAÇÃO DA METODOLOGIA TRIANGULAR

À procura de caminhos para o ensino da arte, a profa. Ana-Mae Barbosa, a partir


de 1987, coordenou vários projetos no MAC/USP, nos quais as idéias da metodologia

triangular puderam ser viabilizadas, como por exemplo:

− visitas de crianças e adolescentes durante a exposição “As Bienais no Acervo do

MAC” (1987-88), onde foram desenvolvidas atividades seguindo as linhas

deste encaminhamento pedagógico.


56

− o curso “Visitando Museus”, em que os alunos, após percorrerem cinco museus

da cidade de São Paulo, são orientados em trabalhos que têm como ponto de

partida as obras por eles observadas.

− exposições organizadas pelos arte-educadores do MAC, e levadas às escolas,

para que, a partir delas, fossem realizadas visitas ao museu de origem e

também oficinas de criação, que trabalhavam conjuntamente a apreciação e a

contextualização histórica destas obras.

− visitas ao MAC, solicitadas por escolas ou grupos de interessados, em que se

realizam atividades seguindo a mesma orientação.

− outros cursos normalmente oferecidos pelo MAC − escultura, aquarela, etc. −


seguem a mesma linha de abordagem5

Também a Fundação IOCHPE, em Porto Alegre, orientada pela profa. Ana-Mae,

vem desenvolvendo, desde 1988, o projeto “Arte na Escola”, que utiliza o vídeo como recurso

didático aliado à metodologia triangular.6

Em todas estas iniciativas, a observação de obras tem se mostrado imprescindível

como etapa instigadora do processo. Mesmo que a profa. Ana-Mae aponte a possibilidade de
iniciar o processo a partir do fazer artístico (cf. Barbosa, 1991: 37), a observação − momento

primeiro da leitura − seguida da contextualização histórica, tem sido, nessas experiências, o


ponto de partida para se chegar à produção.

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Em linhas gerais, nem a Metodologia Triangular, nem o DBAE, que lhe serviu de

inspiração, propõem uma abordagem inédita, na maneira de ensinar arte. O resgate de

5
Informações mais detalhadas destas experiências podem ser obtidas em: Barbosa (1991: 91-92 e 105-
107).
6
Este projeto é citado por Evelyn Berg, na apresentação do livro A Imagem no Ensino da Arte (Barbosa,
1991), e foi exposto em mesa redonda, por Analice Dutra Pillar, no “IV Congresso Nacional da FAEB”,
que se realizou em Porto Alegre-RS, em agosto de 1991.
56

conteúdos específicos e uma produção consciente têm sido procurados por educadores que

questionam os descaminhos do laisser-faire.

Esses problemas vêm sendo discutidos pelo Grupo de Estudos. Como temos

apontado, a Escola Nova nos legou um ensino despreocupado com a transmissão de

conhecimentos, onde as diferenças sociais e culturais são geralmente reafirmadas, ao invés de

oferecer a todos, democraticamente, as condições necessárias de acesso à cultura e à arte.7

“A democratização da escola pública, portanto, deve ser entendida aqui


como ampliação das oportunidades educacionais, difusão dos
conhecimentos e sua reelaboração crítica, aprimoramento da prática
educativa escolar visando à elevação cultural e científica das camadas
populares”... (Libâneo, 1990: 12)

Para que o professor de arte possa atuar neste sentido, consideramos necessário

rever a sua formação. A atualização dos cursos que proporcionam essa formação pode se

efetivar através da reformulação das posturas filosóficas, dos objetivos e dos currículos, no

sentido de prover os futuros professores do instrumental necessário para uma atuação eficiente

junto às escolas. Esta reformulação, no entanto, deve partir de uma ampla discussão, que é

imprescindível, entre todos os envolvidos no processo.8


Acreditamos que, de modo geral, as escolas brasileiras não dispõem das condições

necessárias para desenvolver, plenamente, atividades de Educação Artística nos moldes da

metodologia triangular. Os materiais didáticos – boas reproduções de obras, sistema de

videoteca, tintas, pincéis, etc. – são inacessíveis para boa parte delas. Aliado a isso, os

professores que atuam nesta área, nas escolas de 1o e 2o graus, não têm tido uma formação que

lhes permita um trabalho consistente a partir destas idéias.

7
Para melhor compreeder as propostas e consequências da Escola Nova, ver Escola Nova/Educação
Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R. Peregrino, nesta coletânea.
8
Para estimular uma discusssão em torno de uma possível reformulação dos cursos de licenciatura em
Educação Artística, publicamos o artigo: O que fazer, aqui e agora? (Marinho, 1991), que discute o
caso específico do nosso curso na UFPB, e também A Questão Curricular: por um eixo pedagógico
para as licenciaturas em arte, produção coletiva do Grupo de Estudos do Dep. de Artes da UFPB, nesta
coletânea.
56

Para que a metodologia triangular possa ser viabilizada de modo mais amplo – e

não apenas nas escolas de elite, providas de materiais e espaços adequados, além de pessoal

treinado – algumas medidas podem ser adotadas:

a) Aproveitamento do acervo e da produção local, organizando-se visitas a

museus, galerias e ateliers dos artístas da comunidade onde a escola está

inserida.

b) Organização de arquivos com reproduções de boa qualidade, que poderiam ser

mantidos pelas Secretarias de Educação do Estado e do Município, ou em

convênio com outras instituições. Estes arquivos emprestariam peças de seu

acervo para serem utilizadas nas escolas. Livros e textos para consulta

poderiam ser mantidos neste esquema.

c) Implantação de um sistema de videoteca, a exemplo do “Vídeo Escola”9,


tratando especificamente de obras de arte e seus criadores.10

d) Cursos de reciclagem, para possibilitar aos professores que atuam nessa área

aprofundar seus conhecimentos específicos e se inteirar de metodologias

apropriadas para o desenvolvimento desta proposta.

e) Reformulação curricular nos cursos de formação de professores de arte, no


sentido de redefini-los quanto à filosofia e objetivos, introduzindo disciplinas,

tanto da área específica, quanto da área pedagógica, que preparem para uma
atuação nos moldes da metodologia triangular, nas escolas de 1o e 2o graus.

Com estas medidas, seria possível inserir a metodologia triangular, efetivamente,

num projeto de democratização no acesso à cultura e à arte. Metodologia esta que poderia ser
aplicada, também, em outras áreas do saber artístico, como por exemplo: música ou artes

9
O projeto “Vídeo Escola”, da Fundação Roberto Marinho, dispõe de um acervo que abrange várias áreas
do saber – ciências, história, artes, etc. –, disponíveis para serem utilizados no processo pedagógico em
sala de aula.
10
A Fundação IOCHPE mantém um acervo de vídeos significativo na área de artes plásticas, e possibilita
a sua utilização, através de empréstimos, por instituições ou particulares interessados, inclusive de outros
estados.
56

cênicas – para as quais se pensaria como encaminhar as suas diretrizes básicas −. Nestes

casos, outras medidas precisam ser acrescentadas às sugeridas anteriormente, tratando

especificamente dos recursos pedagógicos necessários. Entretanto, qualquer que seja a área de

atuação, devemos ter em mente que o ponto de partida deve ser sempre a vivência do aluno.

Cabe ressaltar que a metodologia triangular é uma alternativa possível – não a

única – para a concretização desse projeto de democratização. A definição de

encaminhamentos pedagógicos depende de múltiplos fatores, de modo que a análise da

situação específica é que pode indicar a melhor escolha.


7
DESVENDANDO OS UNIVERSOS DA ARTE:
ANÁLISE CRÍTICA DA EXPERIÊNCIA DE FAYGA OSTROWER

Maura Penna

Na busca de alternativas metodológicas que concretizem o projeto de uma

Educação Artística (E.A.) voltada para a democratização no acesso à cultura e à arte, faz-se

necessário analisar diversas propostas. Especialmente interessante parece-nos o relato de

Fayga Ostrower (1983), a partir de um “curso sobre os princípios básicos da linguagem visual

e de análise crítica” (p. 17), ministrado por ela a um grupo de operários de uma fábrica (uma

encadernadora), no próprio local de trabalho, durante o período de sete meses (com um

encontro semanal de duas horas), no início da década de 70.

O importante, aqui, não é tomar o referido relato como modelo ou “receita” a

seguir, mas analisar essa rica experiência, principalmente quanto aos questionamentos que

apresenta acerca de metas e procedimentos pedagógicos, demarcando, assim, referenciais para

a prática da E. A. Apesar de ser um trabalho no campo das artes plásticas, os problemas que
levanta, em seus aspectos básicos, concernem também às demais linguagens artísticas.

Os objetivos do curso estão voltados para, nos termos de Fayga, “a iniciação na


linguagem visual e a apreciação da arte” (p. 21). Nesse aspecto, a experiência em questão

afasta-se da metodologia triangular, na medida em que não enfatiza a criação. No entanto,


quando o objetivo não é a formação de artistas – como na E. A. na escola de 1o e 2o graus –, o

trabalho sobre a linguagem deve ser priorizado.

Apesar da importância da produção/criação, inclusive em termos da auto-

expressão – ainda um importante, mas não exclusivo, objetivo da E. A. – é através do

desenvolvimento da capacidade de leitura, ou seja, de apreensão e compreensão das

linguagens artísticas, que estaremos atuando no sentido de democratizar o acesso à arte e à


56

cultura. Como exposto largamente em trabalho anterior1, a motivação para o consumo, o

gostar e o entender arte, em qualquer uma de suas áreas, dependem da disponibilidade de

esquemas de percepção específicos, que permitem apreender a linguagem artística como

significativa. Neste sentido, acreditamos que um trabalho pedagógico centrado sobre os

elementos e estruturas básicas de cada linguagem pode desenvolver de modo mais eficaz e

econômico os referidos esquemas de percepção. Sendo esta a prioridade, a depender das

circunstâncias específicas (disponibilidade de tempo, condições materiais como espaço físico

adequado, recursos disponíveis, etc.), a parte de produção/criação pode ter que ser sacrificada.

E acreditamos que foi este o caso na experiência que Fayga nos relata.

Por outro lado, apesar do curso não se propor a trabalhar a parte prática de
produção artística, isto não significa para o aluno uma postura meramente passiva:

...“pensei interligar as explicações teóricas a exercícios práticos feitos em


aula, imaginando experimentos que introduzissem de maneira muito natural
certos aspectos da percepção do espaço. Além disso, resolvi acompanhar
cada explicação teórica com análises de obras de arte e ainda com dados
sobre os artistas e as épocas abordadas, a fim da teoria não se resumir a
conceituações secas”... (Ostrower, 1983: 17)

Desta forma, o vínculo intenso entre a leitura e a contextualização histórica, a

presença constante de obras de diversos períodos para análise e apreciação tornam a


experiência de Universos da Arte compatível com os demais aspectos da metologia triangular

e do que se poderia chamar de um ensino de arte “pós-moderno”, nos termos de Ana-Mae


Barbosa (1991: 89).

A ênfase dada por Fayga à questão da leitura – e portanto aos princípios da

linguagem visual – fornece os subsídios necessários à compreensão de obras de épocas

distintas, ao mesmo tempo em que permite o trânsito por diversos períodos históricos:

“Assim, sobre um mesmo tema pudemos comparar soluções de épocas diferentes”. Em lugar

de uma abordagem em seqüência cronológica, o trabalho pedagógico parte “sempre de

1
Ver Diretrizes para uma Educação Artística Democratizante: a ênfase na linguagem e nos conteúdos,
nesta coletânea.
56

determinados problemas teóricos ou estilísticos que estavam sendo expostos” (Ostrower,

1983:18), cobrindo praticamente toda a história da arte.

Em síntese, a proposta pedagógica desenvolvida por Fayga Ostrower assenta-se

sobre uma compreensão ampla e profunda da arte, que é considerada enquanto expressão e

comunicação, enquanto história e cultura, e enquanto linguagem, sendo este último enfoque o

eixo condutor da ação educativa. Por outro lado, sua abordagem reafirma a importância – quer

na produção quer na fruição artística – do pensar e refletir sobre a arte, tão importantes quanto

o fazer, distanciando-se assim de posturas que supervalorizam a prática e a espontaneidade

criativa, sustentando mitos como o de que “artista sente, mas não pensa”.

OS CONTEÚDOS E SUA ABORDAGEM

O trabalho pedagógico centra-se sobre os princípios básicos da linguagem visual e

de análise crítica, organizados em quatro grandes blocos: espaço e expressão, elementos

visuais, composição, estilo. Os conteúdos de linguagem são, portanto, os conteúdos

pedagógicos.

Inicialmente, são tratadas as estruturas de espaço nas obras de arte em relação à

expressividade, vinculando-se inextrincavelmente forma e conteúdo, incluindo: a) as questões

do movimento visual, que dizem respeito ao modo de articulação dos elementos visuais na

dinâmica da composição; b) questões da ordenação da estrutura espacial, estabelecendo focos

perceptivos pelo uso dos diversos planos com diferentes funções expressivas.

Em seguida são abordados os elementos da linguagem visual – linha, superfície

(plano), volume, luz e cor – que, na composição, assumem o caráter ativo de figura, enquanto

o espaço, embora referência constante, funciona como fundo.

São apresentados, então, princípios de organização dos elementos visuais na

composição, com base em semelhanças (que criam ritmo) e contrastes (que geram tensão

espacial), e ainda o uso da proporção na ordenação do espaço, incluindo as regras que

marcaram todo um modo clássico de composição.


56

Para finalizar, Fayga aborda os estilos, dividindo-os em três correntes básicas:

naturalismo, idealismo e expressionismo.

Os diversos conteúdos do curso são, assim, selecionados, organizados e re-

lacionados de modo a evidenciar as estruturas básicas da linguagem, garantindo a sua

compreensão progressiva.

Sabe-se que, em qualquer área, a percepção, inicialmente global e difusa, torna-se

aos poucos mais nítida e coerente, à medida que os componentes da linguagem e suas

interrelações possam ser diferenciados2. É de fundamental importância, portanto, a seleção e

organização dos conteúdos, pois estes direcionam a formação dos esquemas de percepção

indispensáveis à apreensão das linguagens artísticas. Em oposição a uma visão reducionista (e


bastante corrente) de metodologia como restrita à indicação de estratégias operacionais – ou

seja, o “como fazer” –, entendemos que a metodologia envolve, também, a definição de

objetivos e a organização dos conteúdos, etapas básicas a partir das quais deverá ser feita a

escolha das estratégias a serem adotadas.

Outra característica da abordagem de Fayga, responsável pela riqueza do processo

desenvolvido, é o enfoque dos elementos e princípios de linguagem em sua função expressiva:

não apenas a gramática formal, mas esta enquanto veículo de comunicação e expressão. Neste

prisma, os elementos de linguagem, por exemplo, não valem por si mesmos, não são formados

isoladamente, em uma abordagem fragmentária, mas em função do seu uso no espaço – onde,

pelas relações que estabelecem, ganham um papel expressivo. Desta forma, o processo

pedagógico distancia-se de outros que, embora também preocupados com os conteúdos

específicos das linguagens artísticas, tomam os seus elementos isoladamente – como muitas

vezes acontece na tradicional “teoria musical”. Isto ocorre com certa freqüência quando o

domínio de caráter técnico se sobrepõe ao caráter expressivo das linguagens artísticas.

Por outro lado, os conteúdos de linguagem são vistos em sua evolução histórica –

como são empregados estilisticamente em diversos momentos e contextos sociais. Como

conseqüência deste enfoque, a avaliação crítica das obras é sempre baseada em critérios de

2
O mesmo aplica-se às demais linguagens artísticas. Ver Penna (1990: 47ss.), com relação à música.
56

linguagem. No entanto, quanto à arte contemporânea, à qual é dedicado o capítulo final,

acreditamos que este parâmetro de apreciação não consegue se ajustar às transformações

propostas pelas “vanguardas”. A partir das primeiras décadas de nosso século, a arte sofre pro-

fundas modificações: passa a tratar de novas problemáticas, inclusive questionando a si

própria e seu lugar na sociedade. “Nenhum ideal teórico, nenhum princípio formal poderiam

defini-la ou qualificá-la a priori”. (Brito, 1980: 5). Desta forma, os novos códigos colocados

pela arte contemporânea não podem mais ser avaliados pelos mesmos critérios, uma vez que

se faz necessário situá-los neste novo contexto cultural altamente dinâmico.

O ENCAMINHAMENTO DIDÁTICO

Uma das maiores contribuições desta experiência para a prática dos professores de

E. A. (nas diversas linguagens) é quanto ao encaminhamento didático. A estratégia básica

adotada parece-nos viável e eficiente para a concretização das metas propostas e para a

efetivação da concepção pedagógica apresentada. A escolha de estratégias operacionais deve-

se nortear, fundamentalmente, pelos objetivos buscados e, ainda, pelas condições de trabalho,

características, interesses e necessidades da turma, de modo que não há fórmula “mágica” ou

receita universal. Apesar desta ressalva, acreditamos que as linhas básicas de procedimento

pedagógico – muito mais do que uma preocupação com os exercícios específicos que Fayga

propõe ou com os detalhes de sua prática – têm uma larga faixa de aplicação, quer em relação

a diferentes condições pedagógicas, quer em relação a uma grande diversidade de conteúdos.

Em oposição a procedimentos consagrados do ensino tradicional, Fayga não parte

da apresentação de definições que muitas vezes são “decoradas” sem qualquer compreensão.

“Se substituísse a definição verbal por uma experiência direta, por uma
atuação do grupo? (...) Não haveria necessidade de se abstrair ou verbalizar
o sentido do fazer. O fator mais importante e convincente seria mesmo a
possibilidade de se vivenciar o fazer. Quando as pessoas participam
ativamente da feitura de formas, vendo-as nascer sob suas mãos – nem que
sejam poucos traços – não só se cria uma situação afetiva imediatamente
carregada de associações, como também o exemplo concreto é sempre
mais eloqüente do que explicações abstratas”. (Ostrower, 1983: 21-22 -
grifos nossos)
56

Assim, o primeiro passo é sempre OFERECER/PROPOR EXPERIÊNCIAS, simples e

direcionadas.

Por exemplo: Depois de ter trabalhado a noção de superfície (em contraposição à

linha), chamando a atenção para o fato de ela ser um elemento de caráter mais

estático do que dinâmico, pede que um aluno desenhe no quadro-negro uma série

de superfícies de tamanhos e tonalidades diferentes, de modo a evidenciar como,

através desses recursos, se reintroduz o movimento visual na composição (pp. 72-

73).

Essas experiências são, então, alvo de APRECIAÇÃO E DISCUSSÃO A PARTIR DA

BAGAGEM DO ALUNO. Desse modo, a sua vivência pessoal é respeitada e incorporada ao

processo de aula; sua atuação estruturante, capaz de apreender, compreender, apreciar e

atribuir significados, é solicitada como fator essencial, independentemente do fato de este

aluno não possuir conhecimentos de cunho acadêmico.

Por exemplo: Na aula sobre o elemento cor, Fayga deixa que os alunos discutam a

conveniência ou não de um colega usar azulejos bege ou azuis na reforma de sua


cozinha, como queria. São fornecidos diversos cartões coloridos para que os

alunos manipulem e avaliem, por si mesmos, a adequação do uso dessas cores.


Neste processo, descobrem como a cor depende do conjunto em que é vista (seu

contexto colorístico) e como sua utilização influi sobre a percepção do espaço (pp.

234-235).

Apenas após esta etapa em que o aluno é chamado a agir e participar, através de atividades
claramente direcionadas para o domínio de conteúdos específicos, é fornecida a

EXPLICAÇÃO, os conceitos são explicitados, como forma de CONSCIENTIZAÇÃO DO


USO DOS ELEMENTOS ENFOCADOS.
56

Por exemplo: Inicialmente, um aluno é solicitado a marcar o centro de um re-

tângulo desenhado no quadro-negro. Outros alunos interferem, sugerindo novas

marcas que julgam mais corretas. Depois, todas elas são confrontadas com o

centro “medido”, verificando-se que este está abaixo das demais. Fayga conceitua,

então, centro visual perceptivo (as marcas dos alunos) e o centro geométrico,

explicando que o primeiro procura compensar o peso visual da base no espaço

expressivo (pp. 44 ss.).

Nesta etapa, portanto, as informações são fornecidas e podem ser apreendidas com base numa

experiência vivenciada, dentro de um processo em que há uma elaboração conjunta

aluno/professor.

“Mais tarde, talvez, eu me permitisse estender a experiência ganha para


introduzir uma certa medida de conceituação.
Analisando os desenhos, não necessariamente artísticos mas sempre
significativos, as minhas explicações − formulando noções teóricas −
permitiriam aos operários acompanhar depois os mesmos princípios atuantes
nas obras de arte de várias épocas históricas. Eu mostrarei como a estrutura
formal afeta o conteúdo expressivo, definindo largamente os significados
que a obra possa ter.” (Ostrower: 1983: 22)

Finalmente, como última etapa do percurso, é apresentada a EXEMPLIFICAÇÃO, EM

OBRAS DE DIVERSAS ÉPOCAS, da aplicação dos princípios de organização da linguagem

visual.

Por exemplo: Para mostrar como a relação de cores primárias e secundárias


sustenta o caráter plano do espaço, são apresentados exemplos do século X (arte

medieval), século XIV (miniatura persa) e século XX (Mondrian). Todas as obras


são contextualizadas quanto ao momento histórico de sua produção (pp. 241-242;

cf. tb. p.71).

Claro está que tanto as experiências planejadas para desencadear o processo pedagógico

quanto as obras selecionadas para exemplificação devem permitir focalizar os padrões

básicos de organização da linguagem visual: “Evidentemente, seria preciso encontrar imagens,


56

em cuja configuração formal a presença dos princípios básicos fosse claramente

apreensível” (p. 22 − grifos nossos).

Analisando o encaminhamento pedagógico adotado em Universos da Arte,

descrevemo-no em etapas. Mas vale ressalvar que não se trata de momentos estanques e

sucessivos, mas sim interligados e interrelacionados num processo orgânico. Assim, muitas

vezes nas próprias aulas relatadas, combinam-se as duas primeiras etapas – a experiência

proposta envolvendo a apreciação do aluno, conforme a sua vivência – ou os dois últimos

momentos – a conscientização do uso dos elementos através da sua exemplificação.

Os procedimentos adotados, enfim, ultrapassam os limites tanto das práticas não

diretivas quanto do ensino tradicional autoritário ou do academicismo, garantindo ao mesmo

tempo o resgate dos conteúdos de linguagem e a participação ativa do aluno. Entendemos esta

atuação do aluno não apenas em termos de uma criação/produção artística, mas também

enquanto ação estruturante sobre os objetos de sua experiência, o que pode se dar através da

apreensão, atribuição de significados, etc.

Por estas suas características, consideramos que esta experiência que analisamos

nos oferece direções importantes para o ensino de arte, em todas as áreas. Cabe ao professor

compreender suas diretrizes, objetivos e procedimentos básicos como linhas mestras de

atuação, reapropriando-se delas de modo adequado às condições em que atua. Esperamos,

com esta análise, ter dado subsídios para tal.


8
CAMINHOS PARA A ALFABETIZAÇÃO ESTÉTICA E A PRODUÇÃO
ARTÍSTICA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Sylvia Ribeiro Coutinho

DISCUTINDO DIRETRIZES PARA O ENSINO DE ARTE

Ao tornar-se objeto de uma reflexão mais cuidadosa, o ensino de arte tem

apontado para duas questões básicas que vêm provocando um redimensionamento de seu

alcance pedagógico: o resgate dos conteúdos específicos das linguagens artísticas e a

ampliação do campo de conhecimentos envolvidos para além dos aspectos prático e

expressivo. Deste modo, o ensino de arte tende a superar tanto os métodos tradicionais

autoritários e acadêmicos, quanto as vertentes espontaneístas e puramente experimentais.

Por outro lado, a preocupação com os conteúdos das linguagens e sua transmissão

como base para o conhecimento e a criação implica, também, no resgate do papel do professor

como agente do processo ensino-aprendizagem. Este papel, que foi fundamental no projeto

original do ensino tradicional, quando este vinculava-se a uma proposta ampla de

democratização do saber através da implantação dos sistemas nacionais de ensino, acabou por

diluir-se, tanto pelo caráter autoritário que assumiu ao longo do tempo, quanto pelas

propostas experimentais da Escola Nova.

Neste momento, a antiga visão do professor como aquele que domina os

conhecimentos sistematizados – e por isso é capaz de conduzir um processo que faz com que

seus alunos ascendam “a um nível elevado de assimilação da cultura da humanidade”

(Saviani, 1989a: 60) – passa pela incorporação de experiências mais recentes. Experiências

estas que se voltam para o atendimento das necessidades e características do aluno, levando

em consideração sua bagagem sócio-cultural. Dessa forma, a ênfase nos conteúdos realiza-se
56

através de uma prática dinâmica, em que esses conteúdos são definidos e assimilados a partir

das demandas específicas do grupo de alunos. Cabe ao professor trabalhar no sentido de

ampliar estas demandas, de modo a tornar viável e eficaz tal dinâmica, onde conhecimentos

significativos serão transmitidos e assimilados.

Essas questões aqui colocadas são, sem dúvida, diretrizes gerais para o ensino de

arte e estão vinculadas a um projeto mais amplo, voltado para a democratização no acesso à

cultura e à arte. A ampliação de conhecimentos, a construção de linguagem, a compreensão e

domínio dos códigos artísticos são imprescindíveis para promover uma distribuição mais

igualitária dos bens culturais, ampliando o seu “consumo” e desenvolvendo as bases para

uma leitura crítica acerca da visualidade em geral no cotidiano. A escola é o espaço


privilegiado para realizar tal projeto que, no entanto, corre o risco de não se efetivar, caso não

seja acompanhado de estudos e propostas claras sobre procedimentos e métodos pedagógicos

adequados para sua implantação. Segundo José Carlos Libâneo, além do domínio dos

conteúdos das matérias, o conhecimento de metodologias de transmissão/assimilação constitui

requisito indispensável para um trabalho docente eficaz. Supõe-se assim, uma articulação

entre estes dois elementos da prática educativa, uma vez que é “a flexibilidade metodológica

do professor que lhe permitirá tomar decisões de cunho pedagógico-didático face a situações

pedagógicas concretas específicas da sala de aula.” (Libâneo, 1990: 143)

O esforço que se faz necessário neste momento, portanto, é o de estabelecer

métodos que dêem respaldo às novas diretrizes do ensino de arte, que deslocaram o eixo de

sua atuação pedagógica de uma concepção da arte apenas como meio de expressão pessoal

para a noção de arte como forma de conhecimento. Esta noção tem por base a idéia de que a

arte e seu ensino implicam na aquisição de informações, ao mesmo tempo amplas e

específicas, tanto de natureza prática quanto teórica, que dizem respeito: a) à história da arte e

sua inserção sócio-cultural; b) aos códigos da linguagem e seus elementos constitutivos; c) ao

instrumental técnico. Em conjunto, essas áreas de conhecimento configuram os conteúdos

básicos da linguagem artística.

Diante deste quadro, fica claro que a livre-expressão, método muito usado nos

últimos anos pelos professores de arte, não responde mais aos atuais direcionamentos, uma
56

vez que suas bases se voltam apenas para o fazer artístico, assentando-se na crença de que arte

não pode ser ensinada, mas sim expressada. Naturalmente, a dimensão da criação é um

processo individual de expressão e construção de novas imagens; porém, não é nunca

desvinculado da aquisição de conhecimentos técnicos, da sensibilização estética e da

formação de esquemas de percepção próprios de um envolvimento mais sistemático de

familiarização com o universo da arte. De acordo com Elliot Eisner1, o trabalho de arte,

inclusive o da criança, está inserido numa cultura que influi sobre ele e, portanto, não se

desenvolve a partir do nada. No entanto, esta era a tarefa árdua que os professores propunham

a seus alunos, isto é, que a experiência artística se desse sem qualquer tipo de referencial ou

de apoio instrumental. Colocações do tipo “o que importa é o processo e não o produto” eram
usadas para justificar os inevitáveis resultados medíocres.

Por outro lado, a noção de livre-expressão precisa ser devidamente contex-

tualizada, uma vez que está vinculada ao que Sérgio Paulo Rouanet chama de espírito

modernista:

“O espírito do modernismo dissolve constantemente todas as verdades


aceitas e combate sem tréguas todos os academicismos. Ele não hesita
sequer em combater o próprio academicismo modernista e algo de mais
perverso ainda, que é o que poderíamos chamar o modernismo vulgar. (...) a
atitude de desprezo pela tradição cultural se generalizou (...) a barbárie
filosófica do modernismo, que criticava a tradição a partir de um
conhecimento integral dos seus conteúdos, deu lugar a uma barbárie nada
filosófica, fundada no total desconhecimento dessa tradição. Os modernistas
eram bárbaros por convicção, e nós por ignorância.” (Rouanet, 1992: 12)

Não resta dúvida que, com o passar do tempo, a educação artística desligou-se do

original espírito modernista para aderir ao modernismo vulgar, baseado na falta de conteúdos

e no desprezo pela tradição cultural, vulgarizando, inclusive, o que era considerado então

como o meio mais eficaz de recusar os dogmas acadêmicos, ou seja, o método da livre

expressão.

1
Conforme palestra do Prof. Elliot Eisner Enfoques contemporâneos em Arte-Educação no IV Congresso
Nacional de FAEB (Federação dos Arte Educadores do Brasil). Rio Grande do Sul, 1991.
56

A METODOLOGIA TRIANGULAR E UNIVERSOS DA ARTE:


ANÁLISE COMPARATIVA

No Brasil, a metodologia triangular vem sendo bastante divulgada e, inclusive,

adotada como método adequado para concretizar as novas diretrizes do ensino de arte.

Estabelecendo bases conceituais que têm como idéia geral a simultaneidade da produção, da

leitura e da contextualização da arte, a chamada metodologia triangular pode ser aplicada, a

princípio, de diferentes formas, uma vez que não se aprofunda nas questões que se referem a

encaminhamentos didáticos ou procedimentos pedagógicos. Estes vêm sendo definidos e

conhecidos através de experiências relatadas em encontros, congressos, textos e livros, como

A Imagem no Ensino da Arte (1991), da professora Ana-Mae Barbosa, que formulou os

pressupostos teóricos da metodologia triangular inspirada no método americano do DBAE.2


Ainda assim, as indicações metodológicas para abordagem das três dimensões artísticas

envolvidas na metodologia triangular permanecem vagas, inclusive em A Imagem no Ensino

da Arte, onde Ana-Mae esclarece apenas que “a leitura da obra de arte é enriquecida pela

informação histórica e ambas partem ou desembocam no fazer artístico” (Barbosa, 1991: 37).
Entretanto, o procedimento mais usual – inclusive o adotado pela autora e sua equipe nas

experiências desenvolvidas no MAC e relatadas no livro – é aquele que parte da apresentação


de obras de arte que, depois de apreciadas e contextualizadas historicamente, são utilizadas

como suporte para a produção. A ênfase em algum desses três momentos é variável de acordo
com os objetivos de cada experiência.

A fim de aprofundar um pouco mais nossa reflexão, gostaríamos de fazer um


paralelo entre o procedimento pedagógico que tem por base a metodologia triangular e o

procedimento adotado por Fayga Ostrower em um curso para operários de uma fábrica de

2
Com relação aos vínculos da metodologia triangular e o DBAE, ver mais detalhadamente no texto Arte
na Escola: origens e aplicações da Metodologia Triangular, de Vanildo Marinho, nesta coletânea.
56

encadernação, no início da década de 70.3 Ambos têm em comum a valorização dos conteúdos

da arte; no entanto, a experiência de Fayga distancia-se da metodologia triangular, uma vez

que a ênfase na compreensão ampla dos conteúdos se dá em detrimento do fazer artístico,

estabelecendo então como principal objetivo “a iniciação à linguagem visual e à apreciação da

arte” (Ostrower, 1983: 21).

Depois de definir e ordenar os conteúdos a serem abordados – os princípios

fundamentais da linguagem plástica – procurando atender às características específicas dos

alunos, Fayga dá início ao curso, partindo das noções mais básicas até chegar às mais

complexas, de modo a propiciar a assimilação efetiva dos referidos princípios. Ao contrário da

estratégia mais comumente adotada na metodologia triangular, que começa pela apresentação
das obras de arte, Fayga parte da proposição de experiências ou exercícios direcionados para

facilitar a compreensão de um determinado conteúdo, cuja conceituação será explicitada mais

adiante. Desta forma, além de evitar um enfoque puramente teórico e abstrato, Fayga cria

condições para um envolvimento direto e ativo do grupo de alunos, propondo ainda

discussões acerca das experiências desenvolvidas e incorporando neste processo a vivência e a

bagagem sócio-cultural do aluno. Este é o meio através do qual a compreensão e a atribuição

de significados pode ser efetivada.

Portanto, no trabalho de Fayga, a apresentação das obras de arte pressupõe uma

preparação na qual os elementos da linguagem são abordados de forma a promover de fato

uma alfabetização estética, ou seja, promover a aquisição e o domínio dos códigos da

gramática visual para a formação dos esquemas de percepção. Sabemos que sem esses

esquemas, tanto a produção como a apreciação artística correm o risco de se tornarem uma

simples tarefa de reconhecimento formal e temático, desenvolvida segundo os esquemas de

cunho realista-utilitário ou sensorial-afetivo próprios das pessoas destituídas de cultura

estética, como já apontou Forquin:

3
Este trabalho é minunciosamente descrito por Fayga Ostrower em Universos da Arte (1983) e discutido
pelo grupo de estudos no texto Desvendando os Universos da Arte: análise crítica da experiência de
Fayga Ostrower, de Maura Penna, nesta coletânea.
56

“Sabe-se que a apreciação da obra de arte não é nunca imediata: ela


pressupõe uma informação, uma familiarização, uma frequentação, únicos
elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas
de referências, esse programa de percepção equipada, mais apto a criar no
indivíduo o amor pela arte do que as efêmeras ou ilusórias paixões à
primeira vista.” (Forquin, 1982: 44)

A formação deste programa de percepção equipada é justamente o dado

fundamental, a questão chave que direciona a apreciação da obra de arte para uma prática

assentada num real conhecimento dos códigos da linguagem artística. E é nesse rumo que

Fayga trabalha ao abordar, por etapas, os princípios básicos das artes visuais que, depois de

compreendidos e assimilados, com base em experiências vivenciadas pelo grupo de alunos,

formam o instrumental necessário para o empreendimento da leitura das obras enfocadas. Na

ausência desse instrumental é inevitável que se apele para uma leitura restrita aos aspectos

subjetivos ou temáticos como uma forma de apoio. Isso ocorre não apenas na área das artes

plásticas, mas também nas outras áreas artísticas. Em música, por exemplo, tanto na audição

quanto na criação, quando os alunos são solicitados a estruturar sons, o apelo ao uso de temas

é freqüente quando o referencial de percepção não é a própria linguagem musical.

A leitura da obra desenvolvida por Fayga, por sua vez, procura relacionar a

exploração do tema com o uso expressivo dos elementos da linguagem, afastando-se não só da

pura associação temática, mas também da compreensão dos elementos apenas em sua

estruturação formal. Este procedimento fica bastante claro no caso da apreciação de obras de

arte figurativas, onde o referencial temático é muito forte. No entanto, o elo que Fayga

estabelece, entre o modo de organização dos elementos e o conteúdo da imagem, torna claro o

quanto o tema está vinculado à expressividade dos elementos articulados numa determinada

obra. No capítulo III, por exemplo, onde trata de questões sobre o movimento visual, Fayga

usa dois desenhos com o mesmo tema – uma paisagem de Van Gogh (1888) e outra de

Leonardo da Vinci (1473) – para mostrar como formas e conteúdos expressivos diversos são

conseqüência do uso diferenciado do elemento linha:

“Comparei as linhas abruptas de Van Gogh com as linhas fluidas e longas de


Leonardo da Vinci (...) Chamei atenção para a qualidade expressiva das li-
nhas de Van Gogh, os traços curtos, pequenas vírgulas e curvas (...)
deparamo-nos com um clima de dramaticidade e alta tensão emotiva (...) Já
56

no desenho de Leonardo da Vinci, as linhas e seqüências rítmicas percorrem


a imagem de margem a margem sem serem interrompidas em seu fluir. O
espaço não se subdivide tão bruscamente como em Van Gogh. Embora o
movimento visual se condense em determinadas áreas do plano, as linhas
não se detêm nunca”... (Ostrower, 1983: 32)

Depois de analisar os dois desenhos, pensando os seus elementos constitutivos em

termos de sua função expressiva, são acrescentados dados biográficos dos artistas, vinculando

a personalidade deles ao contexto cultural em que viveram: “Queria mostrar que as obras de

arte revelam a experiência do artista, como indivíduo, diante de propostas e valores que

existem em sua sociedade” (Ostrower, 1983: 32).

Admitindo que a leitura temática pode ser usada como um estágio ou como uma

primeira aproximação com a obra de arte, principalmente com crianças, acreditamos, no

entanto, que a permanência neste nível de abordagem enfraquece o trabalho com os conteúdos

da linguagem. Conseqüentemente, não contribui de forma decisiva para formar os esquemas

de percepção que permitem apreciar a arte e ampliar as referências do aluno.

Em a Imagem no Ensino de Arte, Ana-Mae Barbosa indica alguns problemas

referentes à leitura, chamando atenção para o fato de que, nos Estados Unidos, alguns

professores de arte vinculados ao DBAE:

...“estão reduzindo a análise ou apreciação artística, a um jogo de questões e


respostas – um mero exercício escolar que leva a leitura a um nível
mediocrizante e simplifica a condensação de significados de uma obra de
arte, limitando a imaginação do apreciador.” (Barbosa, 1991: 19)

No entanto, neste mesmo livro, a autora não esclarece muito acerca do procedi-

mento mais adequado para se desenvolver a leitura das obras de arte, dando apenas algumas

indicações rápidas:

“A metodologia utilizada para leitura de uma obra de arte varia de acordo


com o conhecimento anterior do professor, podendo ser estética,
semiológica, iconológica, princípios da Gestalt, etc”... (Barbosa, 1991: 19)

Ana-Mae propõe que, para a leitura das obras, se construa uma metalinguagem da

imagem que “não é falar sobre uma pintura mas falar a pintura num outro discurso, às vezes
56

silencioso, algumas vezes gráfico, e verbal somente na sua visibilidade primária” (Barbosa,

1991: 19).

A idéia de construção de uma metalinguagem da imagem, de um outro discurso,

que não o verbal, para uma aproximação com as obras pode remeter às transposições ou ex-

pressões paralelas a que Forquin se refere quando propõe uma pedagogia da familiarização

cultural. Estes recursos, que podem representar um “instrumento de sensibilização” e “um

acelerador de familiarização” (1982: 46), não garantem por si só a alfabetização estética, nem

o acesso ao instrumental que permite compreender e analisar a obra de arte.

Nesse sentido, a leitura que Fayga desenvolve em seu trabalho, como foi visto,

segue por outros caminhos, uma vez que faz uso do verbal e desenvolve uma decodificação da
obra de arte solidamente baseada no conhecimento dos conteúdos da linguagem. Aqui, o uso

da imagem no processo tem a função de exemplificar e confirmar os conceitos anteriormente

abordados. Portanto – e este é um dado fundamental –, a escolha das obras enfocadas se dá

em função destes conceitos abordados e não a priori, de maneira aleatória ou desvinculada de

um programa específico. Integrada à informação histórica de diversas épocas e estilos – o que

corresponde à contextualização na metodologia triangular –, a leitura que tem por base a

assimilação dos fundamentos da linguagem constitui o pressuposto indispensável para se

analisar e apreciar a arte.

A RELEITURA E O FAZER ARTÍSTICO

Resta-nos pensar algumas questões a respeito do fazer artístico. Embora Fayga

não dê indicações para um possível desdobramento de seu trabalho nesta direção, acreditamos

que isto não seria difícil se tomássemos como base as etapas de seu programa e o

procedimento adotado. Consideramos que este processo que, no trabalho de Fayga, estabelece

as condições para se apreciar a arte, cria também as condições necessárias para o

encaminhamento de propostas voltadas para o fazer artístico. Adaptada às diferentes


56

características e faixas etárias do grupo de alunos, esta experiência é, sem dúvida, um

referencial bastante rico e passível de desdobramentos.4

Por sua vez, a releitura tem sido o meio mais frequentemente utilizado, na

metodologia triangular, para articular conhecimentos teóricos com a experiência prática.

Basicamente, a releitura consiste na escolha de uma obra de arte, na apreciação desta obra e na

sua recriação pelo aluno – o que tem sido feito, correntemente, com base no tema. A nosso

ver, esta apropriação ativa da imagem pressupõe, entretanto, um trabalho de decodificação da

obra enfocada, com base nos conteúdos da linguagem. A releitura que tiver como suporte a

leitura apenas temática da imagem, estará incentivando o aluno a uma prática, também

temática, de reprodução da obra. Não importa se esta reprodução vai revelar uma atitude
acadêmica, de representação fiel da imagem, ou uma atitude interpretativa mais moderna: em

ambos os casos não se chega a uma desconstrução da imagem para se alcançar uma nova

imagem.

Na experiência de R. Saunders – apresentada em livros de orientação para

professores e relatada em A Imagem no Ensino de Arte (Barbosa, 1991: 50-63) – en-

contramos um exemplo claro de como uma leitura temática leva a uma produção também

temática. Na análise de “O Banho” (1845), de Mary Cassat, quadro que representa uma

mulher dando banho em uma criança, Saunders propõe uma série de perguntas que o professor

pode fazer aos alunos, e que chama de “exercícios de ver”: “o que você vê na pintura; que

espécie de desenhos você vê no tapete, na cômoda e na parede?” etc. Em seguida, enumera

outra série de questões chamadas “exercício de aprendizagem”: “como difere este banho do

que tomamos usualmente; que outras atividades domésticas poderiam dar uma boa pintura?”

etc. Por último, na extensão da aula que pretende incentivar exercícios práticos, o autor

sugere que se faça um desenho: “minha mãe me ajudando a pentear os cabelos”. Analisando o

encaminhamento do trabalho, consideramos que o questionário elaborado, embora possa ser

uma forma de sensibilização visual, não alcança a decodificação da imagem em termos de

seus elementos constitutivos, direcionando a percepção para aspectos apenas descritivos e

4
Um exemplo deste desdobramento é apresentado no texto O ensino das artes plásticas na formação do
professor: uma proposta metodológica, nesta coletânea.
56

temáticos. Consequentemente, a proposta prática se configura como uma simples variação

temática, que provoca, normalmente, uma tosca e frustrante tentativa de imitação da arte

adulta pela criança. Portanto, mesmo quando a releitura é tomada como base da ação

pedagógica, é apenas através de um trabalho que realmente promova a alfabetização estética e

o domínio dos códigos da linguagem que se torna viável o empreendimento tanto da

apreciação como do fazer artístico.

Certamente o uso de imagens no ensino de arte é atualmente um consenso a que se

chegou graças ao reconhecimento da importância não apenas de se conhecer e apreciar arte,

como também da idéia de que não se cria a partir do nada. Segundo Otávio Paz:

“Para os antigos a imitação não só era um procedimento legítimo como um


dever; contudo, a imitação não impediu o surgimento de obras novas e
realmente originais. O artista vive na contradição: quer imitar e inventa,
quer inventar e copia. Se os artistas contemporâneos aspiram a ser originais,
únicos e novos, deveriam começar por colocar entre parênteses as idéias de
originalidade, personalidade e novidade: são os lugares-comuns de nosso
tempo.” (Paz, 1985)

É possível, ao longo de toda história da arte, encontrarmos inúmeros exemplos de

como artistas foram influenciados pelo trabalho de outros artistas. O contato com a obra de

arte é o meio através do qual se desenvolve a familiarização cultural, a capacidade de

compreender, gostar e produzir arte. O referencial artístico, portanto, é relevante para que,
através de exercícios específicos, as habilidades técnicas sejam expandidas, e também para

promover a inserção sócio-cultural mais ampla do aluno no universo da arte, o que em última
análise, lhe dará, de fato, os meios para que ele venha a exprimir-se artisticamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gostaríamos, por fim, de apontar algumas questões acerca do uso da imagem no


ensino de arte em geral e, mais especificamente, na metodologia triangular. Levando em

consideração a formação ainda precária de nossos professores de arte, deparamo-nos com a

possibilidade de a chamada metodologia triangular se difundir e se fixar apenas na leitura

temática, comprometendo a qualidade do trabalho e contradizendo seus próprios princípios.


56

Esta questão nos remete à importância da organização de programas de reciclagem como um

meio de evitar a sua cristalização como uma nova receita ou fórmula que, aplicada superficial

e mecanicamente, venha apenas preencher as ansiedades e dúvidas do professor de arte mal

(in)formado.

Por outro lado, existe também o perigo da metodologia triangular vir a ter as

mesmas consequências elitistas da Escola Nova. Isto é, só ter condições de funcionamento

adequado nas poucas escolas bem equipadas e com maiores recursos, nos grandes centros

econômicos do país. Somente aí, se pode ter acesso a vídeos, reproduções de boa qualidade,

como também acesso ao insubstituível contato direto com obras de arte em bons museus e

galerias de arte. Entretanto, esta não é a realidade da maioria de nossas escolas e, se por um
lado, existe a alternativa de se trabalhar com produções artísticas locais, por outro, sabemos

que insistir no uso destes referenciais locais acaba por reforçar os guetos culturais e as

desigualdades de acesso à informação.

Acreditamos que a superação dessas desigualdades envolve não apenas questões

sociais e políticas complexas, mas também uma atuação pedagógica consciente e competente.

Nesse sentido, as estratégias metodológicas a serem definidas e adotadas pelo professor de

arte precisam, necessariamente, constituir-se no meio através do qual o processo de

transmissão/assimilação de conteúdos torna-se real e concreto.


9
REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MULTICULTURAL:
A REALIDADE BRASILEIRA*

Yara Rosas R. Peregrino

Nesse trabalho vamos tentar abordar o tema da multiculturalidade dentro de uma

visão crítica que discuta, não apenas as várias correntes existentes no debate sobre o assunto,

como também as razões que motivaram o aparecimento da chamada educação multicultural.

Surgida inicialmente na Inglaterra, com o propósito de integrar crianças

emigrantes na sociedade, a educação multicultural desencadeou um movimento de

reformulação curricular voltado para a questão da segregação racial, dos direitos humanos e

da igualdade de oportunidad

es.

Trabalhou-se no sentido de criar nas escolas um ambiente que estimulasse o

reconhecimento e a aceitação da diversidade, valorizando-se a herança étnica e cultural.

Pretendia-se, com isso, desenvolver a compreensão, valorização e aceitação de outras etnias.

Na Europa, a educação multicultural, integrada às noções de antropologia e

etnologia, pretende, por um lado, reforçar a identidade cultural das minorias raciais que aí

vivem e, por outro, ampliar os referenciais culturais das crianças européias, através do contato

com a produção artística de outros países. Em termos práticos, o objetivo seria dar mais

espaço no currículo escolar aos grupos que reivindicam maior representação nos países onde

vivem.

Na sociedade inglesa, por exemplo, existe um pluralismo cultural que deveria

estar contemplado nos currículos. Porém, o que havia eram estruturas com fortes tendências

eurocentristas. Segundo pesquisa realizada por Rachel Mason (1991), os professores

*
Trabalho apresentado no Painel: Conteúdo – Status Epistemológico, a Multiculturalidade Brasileira, VI
Congresso Nacional da FAEB em Recife, novembro de 1993.
56

envolvidos com a proposta multicultural foram orientados a usarem, em seus currículos, os

seguintes procedimentos:

a) Estimular a produção artística dos alunos através de referências à produção

cultural de outros países, complementando esta prática com dados técnicos,

históricos, geográficos e antropológicos da região cuja arte é objeto de estudo.

b) Elaborar cursos específicos para estudar a cultura de determinado país,

convidando um artista daquela nacionalidade para ministrá-lo. A presença de

um escultor peruano, por exemplo, trazendo informações sobre sua arte, numa

escola em que as crianças de origem sul-americana estejam em minoria,

evidenciará a importância da arte produzida por outros povos.


c) Introduzir no currículo técnicas e práticas artesanais do terceiro mundo,

acrescentando informações sobre a vida do artesão, seu papel e a

comercialização de sua produção. Enfim, dados que levem a um

questionamento político social quanto à importância do que é produzido,

quanto ao tipo de aprendizado que daí surge, seu valor cultural no local em que

é produzido e no país onde é comercializado.

d) Enfocar conteúdos sobre o estudo da arte de resistência cultural produzida pelos

negros ou outras minorias raciais. Dentro de uma orientação que podemos

chamar de anti-racista pretende-se ampliar os currículos para não tratar apenas

da diversidade cultural, mas, preparar o aluno para se posicionar contra a

desigualdade social e a opressão sofrida pelas minorias raciais.

Os fundamentos da educação multicultural difundiram-se em outros países

adquirindo novos contornos em virtude de suas implicações políticas. Nos Estados Unidos,

por exemplo, reivindica-se não apenas a integração com outros povos mas a inclusão de novos

valores como a questão do feminismo e homossexualismo.

De uma forma geral, apesar desta preocupação com a melhoria das relações

humanas, os programas de educação multicultural mostraram-se falhos e ineficazes.

Na verdade, em muitos casos, o termo diversidade parece ter sido usado para

encobrir a ideologia da assimilação. Uma idéia de multiculturalidade que se resumia apenas


56

em “acrescentar-se”, “somar-se” à cultura dominante. Ora, esse “somar-se” pressupõe uma

visão consensual de cultura e o aprendizado e aceitação da cultura dominante.

Em outros casos, na certeza de estar construindo uma nação com unidade cultural,

produto da fusão de várias etnias, não se percebeu que esses diferentes grupos culturais não se

integraram de fato, mas apenas negociaram pactos de convivência. Um acordo meramente

burocrático, defendendo e preservando espaços que nunca se intercruzaram. Uma noção que

pressupõe harmonia e consenso, num espaço pacífico onde diferenças coexistem mas não se

interrelacionam. Com essa postura, de certo modo, essencializam-se as diferenças ignorando

completamente as condições históricas e culturais onde elas se formaram. E nessa perspectiva

não se percebeu que a diferença deve ser entendida como algo nascido das restrições sociais e
políticas.

Portanto, da forma como foi conduzida, a educação multicultural acabou, muitas

vezes por contribuir para o surgimento do que poderíamos chamar de um racismo “às

avessas”: reações anti-elitistas, anti-autoritárias extremamente radicais. (cf. Rouanet, l987)

Uma das formas assumidas por esse tipo de reação é a de conferir privilégios

especiais a indivíduos por sua condição de “minoria” ou “diferente”, ou assegurar e defender o

resgate das “raízes culturais” de um grupo, desprezando-se toda e qualquer influência que este

grupo tenha sofrido. Acontecem em algumas escolas, até mesmo, programas e classes

especiais para os “culturalmente diferentes”. Para provar a relevância de uma cultura não é

preciso desacreditar as demais. A pretexto de se defender uma posição anti-racista não é

necessário negar ou abolir os legados de outras etnias. Este tipo de atitude acaba por estimular

a confrontação, o desprezo pelo diferente, o racismo, favorecendo a formação de guetos

dentro e fora da escola, quando o correto é fornecer meios para que essas minorias possam

lutar por seus direitos.

No Brasil, não se tem notícias de práticas pedagógicas que reflitam essa tendência

multicultural, pelo menos no que diz respeito ao ensino formal. O currículo de nossas escolas

tem dado pouca ou nenhuma atenção ao passado étnico e cultural, aos diferentes modos de

aprendizagem e outras características de diferentes grupos sociais.


56

Se, em nosso país, as questões raciais podem ser consideradas de menor

importância, elas cedem lugar a outro tipo de segregação ainda pior: a discriminação por

fatores sociais e econômicos. É preciso lembrar que, apesar de não termos leis que

discriminem, um racismo velado permeia nossas relações. Aparente ou não, existe uma grande

diversidade de grupos culturais em nossa sociedade. Além disso, enormes diferenças culturais

entre classes sociais, diferenças essas forjadas pela nossa formação histórica.

Essas diferenças não estão contempladas em nossos currículos, impedindo um

contato ou aproximação com outros códigos culturais. As nossas escolas geralmente refletem

valores e costumes da classe média dominante. Esses padrões impostos aos alunos muitas

vezes não têm nenhuma relação com seu meio ambiente e incorporam valores que não lhes
dizem respeito. Isso contribui para a manutenção de grupos presos a determinados códigos

sem possibilidade de acesso a outras linguagens e outras culturas, ou nos termos de Rouanet

(1987: 137), manter num gueto cultural “o indivíduo marginalizado que já vive num gueto

sócio-econômico”.

Não podemos negar a importância do papel que a linguagem e a representação

desempenham na produção de experiências, na construção de significados, na formação da

identidade e da cidadania. Portanto, se as escolas não trabalharem no sentido de incorporar

esses aspectos, de abrir o acesso a outros códigos, de ampliar os horizontes culturais de modo

a abarcar a diversidade, estarão usurpando um instrumento de que poder-se-á lançar mão para

transformar as relações culturais, sociais e institucionais responsáveis pela manutenção dessa

situação. Pois, de acordo com Rouanet somente o domínio de outras formas de conhecimento

“assegura o acesso a um estágio do pensamento crítico que supõe a capacidade de

descontextualizar, de conceber outros modelos de sociedade”. (Rouanet, l987: 312)

Os programas de arte-educação, de um modo geral, parecem seguir duas

tendências. Na primeira, eles não incluem os esforços e as contribuições de grupos que, por

questões econômicas e sociais, estão à margem da produção cultural dominante. Na outra,

estimulam e exaltam a cultura popular, enfocada como “guardiã das tradições”, nos termos de

Chauí (l986: 20) e portanto de forma fixa e sem dinamismo. Desse modo, a pretexto de

reforçar nossa identidade cultural, acaba-se por desvalorizar, de certo modo, a alta cultura. Ao
56

invés de se trabalhar acirrando as diferenças e acentuando a falta de comunicação entre os dois

tipos de cultura, seria necessário criar mecanismos que, por um lado, preservassem e

estimulassem a cultura popular em seu dinamismo e, por outro, assegurassem o acesso de

todos à chamada cultura erudita, historicamente privilégio das elites.

Em alguns casos, tentando recuperar a herança artística dos alunos, com base em

seu ambiente sócio cultural, a escola tem contribuído para reforçar a criação de guetos

culturais ao invés de promover uma aproximação dos códigos culturais de diferentes grupos.

Contra a imposição de um padrão hegemônico, como o que é veiculado pelos

meios de comunicação de massas, as escolas deveriam criar mecanismos que, por um lado,

procurassem assegurar o acesso de todos a outros códigos culturais, e por outro, resgatassem e
preservassem a multiplicidade dos diversos grupos que compõem nossa sociedade.

Com relação a esse resgate, queremos deixar claro que não estamos nos referindo

ao resgate ou culto puro e simples das raízes culturais de um grupo. Essa visão de cultura

como algo tradicional, imutável, fixo e sem dinamismo, embaça a realidade. A essa visão

“fossilizada” de cultura contrapõe-se uma visão dinâmica que ao invés de rejeitar as

influências passa a incorporá-las na sua prática, não fechando os olhos, nem julgando

ilegítimo esse mosaico, esse hibridismo cultural.

Não se pode, portanto, falar de multiculturalidade sem considerar o emaranhado

de influências que, ao final, são responsáveis pela formação da identidade cultural.

O grande desafio da educação multicultural será resgatar as raízes culturais de

grupos historicamente dominados, sem cair na ingenuidade de fazer de conta que a cultura

dominante nunca existiu. É preciso não cair num nativismo purista ou essencialista que vê a

cultura através de uma perspectiva estática, como homogênea e não afetada por outras

influências.

A questão da multiculturalidade não pode ser tratada como um conceito, uma

essência, como algo que existe independentemente da história, da cultura e do poder.

Falar em multiculturalismo sem uma transformação política das relações sociais,

culturais e institucionais, é apenas mais uma forma de acomodação à ordem social vigente.
56

Há que se trabalhar levando-se em consideração que a diferença é sempre um

produto da história, da cultura, do poder e da ideologia.

Há que se trabalhar reconhecendo-se que o conhecimento é forjado numa história

feita de diferentes relações de poder e por isso a questão da educação multicultural deve

representar um compromisso no sentido de criar mecanismos que dêem a todos iguais

condições para uma atuação social mais crítica e efetiva.

Através do contato com outras culturas, e aí nos referimos também à cultura

erudita, estamos reafirmando nosso próprio percurso histórico e, ao mesmo tempo, tomando

consciência do que somos. Estamos, igualmente, desenvolvendo a capacidade de utilizar os

conhecimentos adquiridos para melhor compreender nossa vivência, analisá-la e criticá-la.


A nosso ver, a questão da educação multicultural no Brasil, portanto, deve estar

necessariamente vinculada não apenas a uma preocupação com a diversidade e liberdade

cultural, mas sobretudo a um compromisso de criar mecanismos que dêem a todos iguais

condições de atuação na sociedade. Deve-se fazer do processo educativo “...uma atividade que

supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível: uma desigualdade no ponto

de partida e uma igualdade no ponto de chegada”. (Saviani, l989b: 82)

Acreditamos portanto, diante da realidade brasileira, que melhor do que falar de

multiculturalidade é pensar uma interculturalidade capaz de abarcar democraticamente a

diversidade, numa constante interrelação dinâmica, construindo uma postura crítica, no

sentido de transformar as práticas vigentes através de uma participação mais ampla e ativa na

cultura socialmente produzida.


Parte IV

PENSANDO A PRÁTICA
NAS ÁREAS ESPECÍFICAS
10
O ENSINO DAS ARTES PLÁSTICAS NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

Sylvia Ribeiro Coutinho

INTRODUÇÃO

As questões metodológicas, e mais especificamente, as questões didáticas que


envolvem o ensino de arte, têm sido uma das preocupações mais presentes nas discussões

entre os profissionais da área de Educação Artística.

Com a intenção de contribuir para esta discussão, apresentamos aqui uma análise

do trabalho que temos desenvolvido, no campo das Artes Plásticas, com alunos da

Licenciatura em Educação Artística da Universidade Federal da Paraíba.

Esse trabalho é realizado em duas disciplinas que compõem o currículo mínimo:

Oficina Básica de Artes II e Análise e Exercícios de Técnicas e Materiais Expressivos I. A

primeira delas, atendendo o aluno de todas as habilitações (plástica, música e cênica), possui
um caráter introdutório de iniciação ao códigos1 e conteúdos básicos da linguagem visual.

Acreditamos que é o conhecimento, a compreensão e a familiarização com esses códigos e


conteúdos que vão formando os esquemas de percepção orientadores tanto da apreciação da

arte como da organização e manipulação ativa de seus elementos constitutivos.

A segunda disciplina, específica da habilitação de artes plásticas, segue um

programa de introdução às técnicas e materiais expressivos do Desenho. E, mesmo sendo uma

disciplina prática, não deixamos de lado, em momento algum, a referência aos conteúdos da

linguagem. Assim, o aprendizado técnico está sempre integrado ao conhecimento dos códigos

das artes visuais.

1
Compreendemos por códigos, os princípios de estruturação da linguagem, inclusive as diferentes formas
que assumiram ao longo da história da arte.
88

É importante esclarecer que o trabalho que desenvolvemos, apesar de ser cons-

tituído por duas disciplinas lecionadas em semestres diferentes, possui conteúdos com uma

continuidade, isto é, a segunda disciplina se refere e complementa a primeira nos aspectos

técnicos e expressivos. Por outro lado, os alunos que são das outras habilitações e não cursam

Análise I, terão adquirido um conhecimento prático-teórico significativo.

Embora já largamente exposto pelo Grupo de Estudos, inclusive em outros textos

que compõem esta coletânea, achamos conveniente ressaltar, mais uma vez, que nossas

propostas se dirigem fundamentalmente à organização de programas de ensino que procuram

atuar no sentido de democratizar o acesso à cultura e à arte. É por isso que colocamos em

primeiro plano o trabalho com os conteúdos da linguagem, pois acreditamos que é apenas
através do domínio deste saber que se tornam mais reais e concretas as possibilidades de se

socializar, de se distribuir de forma mais igualitária os bens culturais produzidos pelas

sociedades. Para Porcher (1982b) ensinar o desenho consiste em ensinar um poder, no sentido

de que a aquisição deste conhecimento é uma atividade transformadora. O exemplo do

desenho vale, naturalmente, para outras áreas artísticas.

A democratização da arte é, portanto, a principal finalidade do ensino de arte nas


o o
escolas de 1 e 2 graus e é nesta direção que encaminhamos o trabalho com nossos alunos e
futuros professores.

Isso não quer dizer que esquecemos ou que desprezamos o aspecto expressivo e os
processos cognitivos específicos que a arte é capaz de mobilizar no contexto pedagógico. Ao

contrário, estas duas dimensões do trabalho artístico estão indiretamente contempladas no

objetivo mais amplo de democratização da cultura, já que é, novamente, o trabalho com

conteúdos que subsidia a apreciação e também a atividade prática desenvolvida com a criança.

Pensamos, no entanto, que é desnecessário nos determos nestas questões, pois elas já são

bastante conhecidas e indiscutivelmente importantes.


88

ORIENTAÇÃO DIDÁTICA

O princípio fundamental que toma os elementos da linguagem visual como eixo

condutor e orientador da ação pedagógica é o que caracteriza e fundamenta o nosso

trabalho. Consideramos este eixo condutor indispensável, pois ele forma a base necessária

para a compreensão ampla e profunda da arte no que diz respeito tanto ao aspecto conceitual e

histórico como técnico e expressivo.

Compreendemos como elementos constitutivos da linguagem visual a linha, a

superfície, a luz, o volume e a cor. O estudo e a representação destes elementos envolvem

noções de espaço e composição. Estas noções, integradas aos referidos elementos visuais,
formam os princípios e a estrutura fundamental da obra de arte.

Além disso, o referencial histórico e o instrumental técnico, constituem, junto com

os elementos da linguagem visual e seus princípios, os conteúdos básicos do nosso curso.

No que se refere à ação pedagógica em si, iniciamos o trabalho tratando de

conceitos elementares, seguidos de exercícios práticos que explicam e reforçam tais conceitos.

Esta ordem pode ser invertida, isto é, de acordo com as necessidades didáticas podemos

começar com a prática e só depois então conceituá-la.

Os exercícios, portanto, respaldam a fundamentação teórica no que se refere aos

princípios de linguagem, ao mesmo tempo que começam a familiarizar o aluno – de uma


forma facilitada, já que bastante dirigida – com o ato de desenhar. Desenhar, aqui, significa

uma outra forma, nova para a maioria dos alunos, de pensar. Estamos nos referindo à
organização do pensamento que depende da acuidade e do refinamento da percepção visual. O

que propomos é que o aluno aprenda primeiro a ver para depois então, como coloca Porcher

(1982b: 104), aprenda a dominar o gesto do desenho: “gesto esse que não é, aliás, um puro

gesto da mão, mas a coordenação do olho, da inteligência e da mão”.

Segundo Haward Gardner2, o homem possui basicamente cinco tipos de inteli-


gência, entre elas, a inteligência espacial que tem a ver com a capacidade de pensar com

2
GARDNER, H. Frames of mind: The Theory of Multiple Inteligences. N. York: Basic Books, 1985,
apud MORAN, 1990: 30.
88

imagens e pensar as imagens. É esse tipo de pensamento que sustenta todas as artes visuais

e é com o objetivo de estimulá-lo que levamos nossos alunos, logo no começo do trabalho, a

desenvolver um esforço de raciocínio a fim de que sejam estabelecidas relações satisfatórias

das formas (combinações entre os elementos visuais) entre si e das formas com o espaço

(suporte).

Vale lembrar que todas as pessoas guardam pelo menos um mínimo e intuitivo

senso de equilíbrio e composição, que é bastante nítido, em geral, nas primeiras etapas do

grafismo infantil. Esta questão é muito bem colocada por Rhoda Kellogg, em Analysing

Children’s Art (1970), onde a autora faz um estudo sobre a evolução do grafismo infantil,

pensando também a relação das formas com o espaço. Tomando por base as teorias da gestalt,
ela afirma que toda criança é capaz de, a partir dos seus primeiros desenhos, por volta dos dois

anos de idade, construir imagens onde o espaço é não só experimentado e percebido, mas

entra na relação de busca de equilíbrio com a forma.

O esforço que propomos de início aos alunos trata, então, de resgatar e ampliar a

percepção para as estruturas visuais mais elementares. Principalmente porque a maior parte da

clientela do curso de Educação Artística não tem nenhuma experiência prática anterior, nem

tampouco um maior contato com as formas de arte mais elaboradas.

Na medida em que os alunos vão compreendendo que o desenho pode ser con-

siderado uma forma de grafia que vai construindo imagens – as quais seguem determinados

princípios e possuem elementos constitutivos próprios3 – introduzimos novos conceitos, que


ao longo do curso tornam-se mais complexos.

Para complementar a abordagem conceitual e prática, trabalhamos também com

obras de arte de diferentes épocas e estilos. Essa aproximação com a arte funciona como uma

exemplificação, reforçando a compreensão dos conteúdos estudados, e como forma de ampliar

o referencial cultural, facilitando assim o processo de apreciação da arte. Compreedemos

3
Embora saibamos que alguns movimentos artísticos do séc. XX se propõem a romper e extrapolar os
limites dos princípios e da estrutura tradicional da arte, trazendo novos elementos e modos de atuação,
consideramos que não seria conveniente levantar tais questões neste momento do processo pedagógico.
Algumas vezes, no entanto, o próprio aluno, mais adiante, traz algumas indagações sobre o significado
de tais movimentos.
88

como apreciação das obra de arte, um processo que engloba a descrição da imagem

configurada, referências ao contexto em que foi elaborada, análise de sua estrutura (elementos

e princípios) e, ainda, considerações críticas acerca de alguns de seus sentidos.

A fim de tornar mais clara a orientação didática que adotamos, apresentamos um

quadro resumido que permite entender melhor o encaminhamento do processo:

ORIENTAÇÃO DIDÁTICA

OBJETIVOS DO TRABALHO FAMILIARIZAZÃO FORMAÇÃO DOS ESQUEMAS DE PERCEPÇÃO

Apreciação Produção

NÚCLEO PROGRAMÁTICO CONTEÚDOS BÁSICOS DA LINGUAGEM VISUAL:

- Elementos e princípios constitutivos


Flexibilidade - Referencial histórico
- Suporte técnico

Vivência do aluno Conceitual


Abordagem
Prática

Ênfases Diferenciadas

EIXO CONDUTOR DA AÇÃO PEDAGÓGICA

Linha
Superfície
ELEMENTOS E PRINCÍPIOS DA LINGUAGEM Luz Noções de Espaço e Composição
Volume
Cor

AÇÃO PEDAGÓGICA

CONCEITUAÇÃO DOS CONTÉUDOS dos mais simples aos mais complexos


Compreensão dos conteúdos abordados
EXERCÍCIOS PRÁTICOS
Estímulo à percepção espaço-visual

Instrumental Técnico Expressão Pessoal

Fluência

REFERENCIAL ARTÍSTICO Obras de arte de diferentes épocas e estilos

Reforço para compreensão Ampliação do referencial cultural


dos conteúdos

CONSCIENTIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS BÁSICOS DA LINGUAGEM


88

ENCAMINHAMENTO DOS CONTEÚDOS

Iniciação à Linguagem Visual

A primeira noção que trabalhamos é a noção fundamental de espaço, que permeia

todas as artes visuais. Sobre esse assunto, tomamos como apoio didático as idéias de Pierre

Francastel (1982) sobre espaço genético e espaço plástico e de Fayga Ostrower sobre espaço
expressivo, que encontra-se em Universos da Arte (1983). Este livro fornece também um rico

e consistente material de apoio, no que se refere ao encaminhamento de outros conteúdos de

linguagem.

Francastel faz uma leitura da obra de arte como tradução da concepção que o

artista e seu tempo têm do espaço. Assim, ele analisa alguns tipos principais de construção do

espaço plástico: a) Espaço Projetivo, que seria o espaço da arte medieval e egípcia, por

exemplo. Aqui os elementos visuais são enumerados todos num mesmo plano; geralmente são

superfícies sem sombra ou profundidade. Colocados numa justaposição aparentemente

arbitrária, esses elementos, no entanto, seguem uma ordenação onde símbolos descritivos são

arrumados de forma a passar uma mensagem ou contar uma estória; b) Espaço Perspectivo,

que predomina no Renascimento e se baseia nas construções geométricas da perspectiva,


sistematizadas por Alberti em 1435.4 Como uma janela que se abre para o infinito, o espaço

transmite uma ilusão perceptiva de tridimensão no espaço bidimensional do suporte; c)


Espaço Qualitativo ou Plural, que se delineia a partir do questionamento do espaço

perspectivo monocular com base em um único ponto de fuga, e da aceitação da possibilidade


de coexistência de múltiplos pontos de vista num mesmo espaço (no Barroco). A constituição

desta nova concepção foi um processo que se tornou bastante nítido na pintura de Cèzanne e
tem predominado na arte do séc. XX: os conceitos topológicos de proximidade, distância,

envolvimento, separação, continuidade, vizinhança, etc. direcionam a construção deste tipo de


espaço.

4
Esta abordagem da perspectiva pode ser encontrada em Alberti (1990).
88

Já Fayga Ostrower nos fornece outro tipo de contribuição ao analisar a estrutura

interna e específica do espaço na arte. Dessa forma, verificamos, por exemplo, como um

mesmo elemento adquire peso visual e conteúdo diferenciados, de acordo com a sua

localização no espaço (suporte). Com isso, fica claro que esse espaço não é neutro, e sim um

espaço com qualidades próprias, daí ser chamado de espaço expressivo.

Essas noções nos levam a trabalhar, então, com a idéia de que a imagem é

constituída através da inscrição de formas – que são as diversas combinações possíveis entre

os cinco elementos visuais – no espaço expressivo. Este processo de construção da imagem

exige que se estabeleça uma relação dinâmica, um diálogo entre as formas e o espaço na busca

de um equilíbrio, de uma organização e estruturação dos elementos visuais no suporte


(espaço).

O curso segue abordando, de um em um, os elementos visuais, acompanhados

sempre das questões básicas de composição, de modo que cada elemento é conceituado,

experimentado através dos exercícios práticos, e ainda, exemplificado com obras de diversos

artistas. Em determinadas etapas, propomos exercícios em que dois ou três elementos visuais

são representados simultaneamente de modo a ir aos poucos enriquecendo as possibilidades

expressivas.

Começamos então pela linha, que é considerada como elemento primordial do

desenho: sem uma linha expressiva não há desenho. Indicativas de direção no espaço, as

linhas podem ser retas (estáticas), curvas e diagonais (dinâmicas), finas, espessas, quebradas,

contínuas, próximas ou distantes entre si (indicando claro e escuro), representar texturas etc.

O valor expressivo da linha é explorado, em vários exercícios práticos, e evidenciado através

de desenhos de alguns artistas como Da Vinci, Van Gogh, Calder, Picasso, entre outros.

Nesses exemplos a linha é, sozinha, o único elemento visual articulado no espaço, podendo,

de acordo com o modo como é usada, representar outros elementos como a luz e o volume

(fig. 1).

A superfície, o segundo elemento tratado, pode ser compreendida como a linha

que se fecha em torno de si mesma, criando assim um espaço bidimensional (largura e altura)

dentro de outro espaço bidimensional que é o suporte ou espaço expressivo. É possível


88

representar as superfícies usando as formas geométricas mais conhecidas (retângulos,

quadrados, triângulos...), como fizeram, de uma maneira rigorosa, por exemplo, Mondrian e

Malevith, ou então como Rothko, que usava uma geometria mais informal em sua pintura.

Mas as superfícies envolvem também infinitas possibilidades de criação de formas com

contornos irregulares ou orgânicos, como bem ilustra a fase conhecida como abstracionismo

biomórfico de Kandinsky (Paris, 1934-1944) e os cut-outs figurativos e abstratos da última

etapa do trabalho de Matisse (fig. 2).

Normalmente, a superfície é representada articulada com a cor ou com a luz, de

maneira chapada, sem indicações de volume. Por isso, as imagens por ela produzidas têm um

caráter sintético. Essa característica é bem percebida em trabalhos figurativos, como por
exemplo, nas pinturas de fachadas e paisagens de Volpi, anteriores à fase das bandeiras (fig.

3).

Outra qualidade das mais importantes da superfície é que ela pode ser represen-

tada superposta, isto é, podemos desenhar superfícies surgindo por trás umas das outras,

criando assim uma sensação de profundidade, de avanços e recuos no espaço. Esse é um dos

princípios básicos do cubismo, que faz exatamente uma síntese geometrizante dos objetos,

fragmentando-os através de superfícies superpostas.

Neste momento do trabalho, propomos aos alunos exercícios que integram o

desenho de superfícies com linhas, criando-se assim outras possibilidades expressivas.

Usamos, como referência para esses exercícios, obras de Miró, Calder e Kandinsky, por

exemplo (fig. 4).

A superfície é também trabalhada de forma integrada com o elemento luz, que

abordamos em seguida. Este elemento tem como característica principal a articulação de

contrastes de claros e escuros, o que cria ritmos de avanços e recuos no espaço, já que o claro,

em nossa percepção, avança, enquanto o escuro, recua. De início, essas qualidades da luz são

mais facilmente percebidas quando desenhadas junto com as superfícies superpostas,

ampliando assim a noção de profundidade espacial (fig. 5). Outros exercícios são também

desenvolvidos, pensando-se a luz em termos de focos dirigidos diretamente sobre o objeto.


88

Rembrandt e Goya, mestres na representação da luz, são usados como referência didática com

os alunos (fig. 6).

A configuração do volume implica, por sua vez, na aquisição de conceitos e meios

para a indicação da sensação de densidade do objeto (fig. 7) e da ilusão de tridimensionalidade

no espaço bidimensional. Isso é feito através de exercícios de representação da sombra

(nuances de claro/escuro) e do uso da perspectiva. Neste curso, trabalhamos apenas com a

perspectiva clássica, que usa um único ponto de fuga central (fig. 8), pois nossa intenção é

apenas promover uma ligeira aproximação com os sistemas da perspectiva.

Sabemos que, por suas características próprias, a representação do volume, muitas

vezes, induz a imagens do tipo naturalista mais acadêmico. No entanto, levamos ao aluno
outras visualidades também naturalistas, mas que são possibilidades alternativas ao

predomínio do modelo artístico que fez do realismo clássico um padrão de cultura. É o caso,

por exemplo, do Realismo Fantástico, da arte latino-hispânica, que estabelece uma

interessante ligação do realismo com o imaginário. Um outro exemplo é o surrealismo

europeu do início do século que...

...“reintroduz a sensibilidade no conhecimento [... e] busca liberar a


imaginação que está atrás da racionalidade catalogada do ser humano com
seu esquema simbólico hierarquizado e classificado, assim como a ordem
social (...) aparentemente estamos dentro do espaço Renascentista com suas
perspectivas e seu claro-escuro. Mas, ao nele penetrarmos, constatamos ter
sido surpreendidos numa articulação cuja lógica não se submete à razão (...)
pelo contrário, ela diz respeito a uma relação de conhecimento que só pode
ser desvendada quando se situa diante de suas referências à cultura.” (Zilio,
1982: 33-34)

A cor, quinto e último elemento visual que tratamos, envolve uma série de teorias

e relações colorísticas bastante extensas. Em nosso trabalho, nos restringimos a quatro destas

relações, que consideramos as mais utilizadas na experiência artística: relação de cores

primárias e secundárias, quentes e frias, complementares e escalas tonais. Essas relações são

abordadas levando-se em consideração as diferentes estruturas espaciais que por elas são

geradas.
88

A relação de cores quentes e frias, por exemplo, quando é associada a superfícies

superpostas, é capaz de provocar a sensação de profundidade no espaço. Isso ocorre porque

percebemos as cores quentes como indicadoras de massa e densidade que avançam no espaço,

enquanto as cores frias, indicadoras de leveza e transparência, recuam. Este é o princípio que

foi utilizado pelos impressionistas para indicar profundidade em suas paisagens,

abandonando-se, assim, o uso do ponto de fuga e dos sistemas da perspectiva:

“Deixando de utilizar-se do claro-escuro como maneira capaz de unir o


desenho à cor, o Impressionismo lança mão de um recurso ao qual dá uma
nova originalidade: a representação das distâncias e da quantidade de luz
passam a ser feitas através de cores frias e quentes. A consequência é a
eliminação do efeito de coincidência entre a linha e a cor (que assim começa
a ganhar autonomia) e a nitidez do contorno, o que dá uma atmosfera
própria ao Impressionismo.” (Zilio, 1982: 24)

A partir daí, a densidade dos objetos passa também a ser representada por esta

relação colorística (fig. 9), o que podemos perceber muito bem nas belíssimas naturezas

mortas de Cèzanne.

...

A utilização dos elementos visuais como base para o encaminhamento didático de


conteúdos tem sido associada, em nosso trabalho, à preocupação de fazer entender que as

diferentes qualidades de cada um dos cinco elementos têm consequências expressivas


diferentes, isto é, o modo como se articulam os elementos cria imagens com qualidades e

conteúdos expressivos específicos. Daí o dizer corrente de que, quando mudamos a forma,
mudamos também o conteúdo da imagem representada.

Chamamos a atenção também para o fato de que são os contrastes entre as qua-
lidades dos elementos que criam as tensões que dão expressão ao desenho.

Ao final desta primeira etapa do trabalho, conseguimos, em geral, atingir três dos
nossos principais objetivos, pois a maioria dos alunos é capaz de: a) articular conscientemente

os elementos visuais, pensando a sua relação com o espaço; b) observar uma obra de arte e
88

perceber sua estrutura e suas qualidades expressivas com base na leitura dos seus conteúdos

de linguagem; c) ter enriquecido o seu referencial cultural através do acesso a reproduções de

obras de arte que, usadas como exemplo dos conteúdos abordados, traçam um panorama da

história da arte.

Vale ressaltar que neste curso não utilizamos nenhum tipo de material sofisticado;

ao contrário, usamos apenas materiais bastante simples, como lápis de cera, de cor, grafite e

tinta anilina. Isto porque nossa preocupação, neste primeiro momento, não é tanto a expressão

pessoal ou o domínio de técnicas, mas sim uma consistente alfabetização estética.

Suporte Técnico

Os materiais expressivos gráficos do desenho são a base do trabalho técnico,

embora, ao final do curso, utilizemos também materiais como pastel oleoso, aquarela e guache

que, às vezes, dependendo do modo como são empregados, podem ser considerados pintura.

Como se sabe, o desenho envolve um certo número de técnicas específicas que

podem ser conhecidas seguindo-se uma metodologia organizada. Da mesma forma, aprender a

desenhar envolve princípios específicos, que também podem ser conhecidos, pois “o ensinar

a desenhar, equivale a dessacralizá-lo, a dar-lhe o seu verdadeiro sentido e sua mais elevada

função” (Porcher, 1982b: 106).

Assim, o aprendizado de técnicas, a nosso ver, implica: a) numa preparação do

aluno no sentido de estar ele minimamente familiarizado com os conteúdos da linguagem; b)

na compreensão de que a técnica é um meio para se alcançar a expressão pessoal e a fluência

do desenho; c) no estímulo da percepção visual, pois aqui estão novamente “em jogo as inter-

relações constitutivas do ver, do saber e do fazer”, uma vez que “o desenho é

fundamentalmente uma educação perceptiva”.Deste modo, o seu aprendizado “deve vencer os

hábitos de percepção, hábitos de origem social que tendem a fazer ver os objetos somente sob

seu aspecto utilitário” (Porcher, 1982b: 106-107).

De fato, ao desenhar, opera-se uma transformação do objeto, no sentido de que a

sua função utilitária se torna secundária em relação à função estética. Aliás, o que distingue a
88

arte dos demais objetos criados pelo homem é justamente o fato de que, na arte, a função

estética é predominante em relação às outras funções que possam com ela coexistir. Mesmo

na arte abstrata, onde o objeto da arte é o próprio signo ou elemento artístico, opera-se esta

nova e específica contextualização. Dessa forma, dá-se uma apropriação do objeto num

sentido transformador. Para Piaget, “conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo para

captar os mecanismos dessa transformação e o seu vínculo com as próprias atividades

transformadoras.”5

Essas questões acima colocadas são importantes para que não se reduza o

aprendizado técnico a um simples trabalho mecânico, um mero savoir-faire, destituído de

aspectos artísticos e expressivos. E, é justamente para evitar o trabalho técnico-mecânico que


não perdemos nunca de vista a referência aos conteúdos de linguagem. Seguem-se alguns

exemplos, com parte dos materiais que utilizamos ao longo do curso e que descrevemos aqui

para facilitar a compreensão do encaminhamento didático adotado.

Assim, ao abordar as técnicas do desenho com o carvão, integramos as infor-

mações sobre as suas qualidades expressivas peculiares com os elementos visuais. O carvão é

um material gráfico por excelência, já que com ele é possível traçar linhas de vários tipos,

articular tons que vão do cinza mais claro ao preto mais fechado e, ainda, obter nuances de

sombras que dão uma densidade extraordinária aos objetos (fig. 10). Com desenhos clássicos,

como de Dürer, modernos, como de Degas, até contemporâneos, como de Alan Cote,

mostramos aos alunos essas diversas possibilidades de representação do carvão,

experimentando, na prática, tais possibilidades.

Do mesmo modo, quando usamos o nanquim, o que importa é conseguir a pureza

expressiva da linha com o bico de pena (fig. 11), ou significativos contrastes de claro/escuro

nas aguadas (fig. 12). Aqui, a principal referência – na verdade uma grande lição – que

usamos é a da tradicional pintura oriental (japonesa e chinesa), que, além da fantástica técnica,

é exemplar da capacidade de síntese na arte e de uma relação própria das formas com o

espaço.

5
PIAGET, Jean. Psychologie et Pédagogie. Paris: Demoël - Gounthier, 1968, p. 48, apud PORCHER,
1982b: 106.
88

Com o lápis de cor e o pastel seco, o aluno desenvolve as técnicas do tracejado ou

do desenho chapado, tendo em vista a figuração de linhas, superfícies, luz ou volume, e,

ainda, a própria relação colorística adequada ao tipo de imagem e de espaço a ser construído

(fig. 13).

Com a aquarela, trabalhamos as suas características de suavidade e transparência,

explorando também a relação das manchas de cor com interferências de linhas (usando bico

de pena e lápis de cor) como fizeram Kandinsky e Paul Klee (fig. 14).

Em contraposição, com o guache procuramos representar a opacidade, a massa de

cor, texturas secas e superposição de camadas de tinta. Essas qualidades técnicas do guache

permitem buscar referências visuais na própria pintura – já que a atitude plástica é muito
próxima – como as de Tomie Otake, Iberê Camargo, J. Pollock, entre outros (fig. 15).

...

Nesta disciplina, seguimos uma dinâmica que procura alternar exercícios mais

abertos, que dão espaço para uma expressão mais pessoal, com propostas mais fechadas, que

visam exclusivamente o domínio técnico e a fluência do desenho. Como já foi dito,

acreditamos que não existem fórmulas mágicas para que o aluno sem maiores vivências
adquira este domínio. Ao mesmo tempo, temos a intenção de, através destas propostas,

desconstruir determinadas imagens padronizadas e muitas vezes estereotipadamente infantis


que o aluno faz, opondo a elas imagens com uma qualidade visual maior. Nesse caminho,

algumas vezes trabalhamos de forma mais tradicional. No entanto, a crítica ao espontaneísmo


radical permitiu o resgate de algumas práticas do ensino tradicional das quais nos

reapropriamos, já que se mostraram válidas como meio de promover habilidades de caráter


técnico.

Por outro lado, as propostas de trabalho procuram conduzir a resultados de estilos


variados, não se restringindo a uma visão unívoca da arte. Essa diversidade dá-se pelo uso dos

diferentes referenciais visuais utilizados como suporte, pela técnica ou pelo modo como é
88

utilizado o próprio material – cada material engloba o uso de diferentes técnicas – e ainda

pelas características do próprio elemento visual representado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise que aqui apresentamos é uma síntese do percurso básico que costu-

mamos seguir ao longo de oito meses de trabalho. É importante ressaltar que existe uma

flexibilidade neste percurso, que se dá através de ênfases diferenciadas de acordo com as

necessidades dos alunos em seu processo de aprendizado.

Para finalizar, destacamos três aspectos que consideramos importantes em nosso

trabalho:

a) Associar a prática à reflexão como meio de formar no aluno um conhecimento

mais sólido e consciente.

b) Uma vez que o nosso curso é uma licenciatura, ter em vista sempre a formação

do professor, daquele que precisa, junto ao domínio de conteúdos, deter os

meios de transmissão destes conteúdos. É por isso que destacamos constan-

temente a questão do encaminhamento didático.


c) Tomar os elementos de linguagem como eixo condutor da ação pedagógica e

somente a partir daí estabelecer propostas e programas específicos.

Desta forma, acreditamos que os resultados de nosso trabalho têm sido bastante

satisfatórios, cumprindo com sua meta principal que é a iniciação à linguagem, favorecendo a

apreciação e o fazer artístico. Com isto, procuramos formar profissionais capacitados para

atuarem nas escolas, contribuindo efetivamente para a democratização no acesso à cultura e à

arte.
88

_______________
Agradecemos a todos os alunos que passaram por nossas turmas, cuja experiência nos enriqueceu. A
seleção de trabalhos para as ilustrações restringiu-se à exemplificação de aspéctos básicos, sendo
portanto uma amostra reduzida das questões abordadas no texto.
11
MOVIMENTO, DANÇA E EDUCAÇÃO:
UM DESAFIO DA ESCOLA DE HOJE.

Yara Rosas R. Peregrino

Ao longo da história, a sociedade ocidental vem progressivamente absorvendo

uma visão dualista de mundo que separa corpo e mente, razão e emoção, matéria e espírito.

Refletindo essa visão, as nossas principais instituições educacionais primam por privilegiar o

conhecimento lógico-matemático, as habilidades ligadas à leitura e à escrita, em detrimento do

aspecto sensorial-afetivo.

Atualmente, apesar de todas as mudanças e avanços, a escola está de tal modo

condicionada a esse “racionalismo” que deixou de pensar a educação como um processo de

crescimento integral do ser.

Entretanto, não é de hoje que especialistas demonstram a interação entre o

desenvolvimento físico e intelectual e tentam alertar para a importância do sistema sensorial

no processo de ensino-aprendizagem. As mais recentes pesquisas apontam para o

conhecimento como fruto de um processo interligado, intersensorial. De acordo com os

estudos de Howard Gardner no livro Frames of Mind1, os caminhos para a aquisição de

conhecimentos partem necessariamente do concreto, do sensorial, na direção do abstrato, do


conceitual. E ainda, que cada indivíduo aprende...

...“através de um sistema de inteligências interconectadas e, em parte


independentes, localizadas em regiões diferentes do nosso cérebro, com
pesos diferentes para cada indivíduo e para cada cultura.”(Moran, l993: 30)

1
Gardner, Howard - Frames of Mind: the Theory of Multiple Inteligences. N.York: Basic Books, l985,
apud Moran, l990; 30.
88

Tanto é assim que podemos encontrar pessoas com uma habilidade especial para

ouvir e escrever, enquanto outras acompanham com mais facilidade o que podem ver. O

mesmo também acontece no que se refere ao aspecto motor e conceitual.

Portanto, precisamos buscar uma forma de resgatar todos esses tipos de

“inteligência” procurando...

...“educar pessoas inteiras, que integrem todas as dimensões: corpo, mente,


sentimento, espírito, psiquismo: o pessoal, o grupal e o social; que tentem
encontrar as pontes, as relações entre as partes e o todo, entre o sensorial e o
racional, entre o concreto e o abstrato.”(Moran, l993: 28)

E como educar para o desenvolvimento integral? Como fazer com que as escolas

trabalhem não apenas o aspecto informativo e racional, mas também tentem desenvolver

articuladamente as potencialidades cognitivas, afetivas, artísticas e morais? “Para aprender,

necessitamos tempo, atenção e discriminação: para discriminar, precisamos afinar nossa

capacidade de sentir.”(Feldenkrais, l977: 82)

É na arte que encontramos um instrumento capaz de trabalhar a mente no que diz

respeito à imaginação, refinando a sensibilidade, aguçando nossa percepção, desenvolvendo

um tipo de habilidade que nos permita ver, perceber e sentir melhor o mundo. Além disso,

para que as experiências vivenciadas gerem conhecimento, o indivíduo precisa armazená-las,

lembrá-las e poder externá-las através das diferentes formas de representação entre as quais as

linguagens artísticas - dança, pintura, música, desenho, teatro, etc.

É neste contexto de exploração e reeducação das “habilidades” individuais que o

movimento, a expressão corporal e a dança desempenham relevante papel. Quando se trata de

corpo e educação, duas correntes podem ser encontradas:

“- a primeira, inspirada na psicanálise, vê o corpo sobretudo em seus


aspectos simbólicos, sendo a atividade corporal a expressão das fantasias e
dos desejos profundos da criança.
- para a segunda, inspirada pelas técnicas existentes na educação pelo
movimento, o corpo é visto como um objeto ou instrumento, sendo ao
mesmo tempo a condição da aprendizagem e um meio para aprender ou para
exprimir-se.” (Vayer, l989: 9)
88

Acreditamos que não se trata, no momento, de optar por esta ou aquela tendência.

Devemos resgatar as diversas contribuições positivas lembrando que o essencial é que se abra

espaço para o corpo no processo educativo e que se reconheça a importância da atividade

corporal.

Sabemos que é por meio de seus movimentos que a criança entra em contato com

o mundo, busca informações, assimila experiências e capta impressões. Em seu livro The

Psychology of Early Childhood, Catherine Landreth, falando do comportamento motor diz:

“A criança prova a vida por meio de seus músculos. Estende progressivamente seu horizonte

mental graças a sua habilidade de enxergar melhor e manter a cabeça na posição ereta”.2

Ora, se a criança aprende a partir das relações que estabelece entre os sentidos e o
corpo, entre o corpo e o ambiente; se é através do movimento que ela se expressa e se

comunica, é necessário que aprenda a conhecer seu corpo para melhor utilizá-lo. Explorando

esse poderoso instrumento de que dispomos poderemos descobrir que...

“A extraordinária estrutura do corpo, bem como as surpreendentes ações que


é capaz de executar, são alguns dos maiores milagres da existência. Cada
fase do movimento, cada mínima transferência de peso, cada simples gesto
de qualquer parte do corpo revela um aspecto de nossa vida interior. Cada
um dos movimentos se origina de uma excitação interna dos nervos,
provocada tanto por uma impressão sensorial imediata, quanto por uma
complexa cadeia de impressões sensoriais previamente experimentadas e
arquivadas na memória.” (Laban, 1978: 48)

Existe portanto uma via de mão dupla nesse processo. Da mesma forma que nos
movimentamos para aprender, a qualidade dos nossos movimentos é fruto da nossa história de

vida. A maneira como nos movimentamos e como usamos nosso corpo varia segundo o

ambiente sócio-cultural onde vivemos. É a cultura que define, limita e algumas vezes, até

mesmo autoriza o espaço de movimento do corpo. Se, por um lado, temos o meio ambiente

influindo na nossa gestualidade e a família moldando a linguagem do corpo, por outro...

...“a escola responsabiliza-se por ele, proíbe-lhe a manifestação, ou


neutraliza-a. (...) Não somente a primazia do verbal, mas, muito mais grave

2
Citado por Stokoe (l975: l2) onde não encontramos maiores referências sobre o livro de Catherine
Landreth.
88

ainda pode ser, a clivagem estabelecida entre o verbal e o corporal,


reduzindo o corpo ao silêncio”... (Pujade-Renaud, 1990: 93)

Na tentativa de superar esse impasse é que a escola não pode ter apenas a função

de transmissora de conhecimentos. Hoje, ela deve possibilitar um outro tipo de aprendizado.

Deve assumir como tarefa oferecer programas que privilegiem o corpo enquanto veículo

expressivo capaz de despertar a consciência para as relações que existem entre o corporal e o

verbal, entre o concreto e o abstrato, entre o homem e o mundo. É precisamente este trabalho

que vai resgatar na pessoa sua expressão individual, aquilo que faz de cada um de nós um

indivíduo único na estrutura física, na aparência e nas ações.

Somente a partir do conhecimento do corpo é que o indivíduo pode descobrir suas

possibilidades. Esse conhecimento desenvolve os sentidos trazendo um senso de percepção

mais aguçado. De uma boa percepção se formam imagens claras; sobre imagens claras se

constrói uma linguagem (seja verbal, escrita ou corporal) mais precisa e ampla, através da

qual o indivíduo estabelece uma boa relação consigo mesmo e com o mundo (cf. Stokoe e

Harf, l980).

Objetivamente, essa programação deve ser orientada no sentido de reeducar

sensorialmente, não apenas o aluno, mas também o professor. Trabalhar novas formas de ver,

de ouvir e sentir estimulando a percepção; trabalhar a sensibilização e conscientização


corporal através de exercícios de relaxamento, expressão corporal e dança; trabalhar noções

de espaço e senso de localização. Exercícios de improvisação, criatividade, dramatização e


atividades musicais e rítmicas podem complementar o programa. Como exemplo, a utilização

do brinquedo de roda na pré-escola e alfabetização dá à criança as primeiras noções de


orientação, de movimento e de espaço: avançar, recuar, rodar, sentar, etc., ao mesmo tempo

em que coloca a criança em contato com as tradições locais. Do mesmo modo, estímulos à
criatividade através da imitação de animais, insetos e aves induzem a percepção das noções de

volume, velocidade, peso e intensidade. Nesse sentido, as relações entre conceitos espaciais e
o processo de alfabetização adquirem extrema importância. Como identificar as letras p, q, b

e d sem haver assimilado as noções de direita, esquerda, abaixo e acima? Igualmente, a


88

percepção da sequência das letras deve ser o resultado da compreensão dos conceitos de

primeiro, segundo e último.

Outro aspecto a ser considerado é a enorme defasagem motora com que a maioria

das crianças chega à escola. Com a complexidade da vida urbana e o crescimento das cidades,

as crianças não têm mais espaço para suas brincadeiras. Ficam mais tempo em casa,

acomodadas diante da televisão que lhes satura os olhos e os ouvidos com todo tipo de

informações, restringindo, em consequência, sua experiência motora. Como nossa sociedade,

nosso trabalho e nossa cultura exigem de nós relações que passam pela mente e não pelo

corpo, vamos ficando cada vez mais distantes da experiência corporal. Estamos acostumados

a cuidar do nosso corpo apenas como um instrumento de trabalho. Precisamos encontrar


tempo para escutar o que nosso corpo tem a dizer, senti-lo, falar com ele e por meio dele.

Nesse sentido é que propomos o trabalho com movimento e a introdução da

expressão corporal e da dança na escola. Essas atividades buscam restabelecer a harmonia e a

interação entre as diversas partes do corpo, fornecendo à criança os meios para melhor

“sentir-se, perceber-se, conhecer-se e manifestar-se. É uma aprendizagem de si mesmo; do

que sentimos, do que queremos dizer e de como queremos dizer” (Stokoe e Harf, l980: l5).

E não apenas isso. Além de estimular o uso do corpo como veículo expressivo, o

trabalho de expressão corporal e dança vem complementar outras disciplinas tradicionais que

se orientam principalmente ao desenvolvimento intelectual. No aspecto emocional, ajuda a

criança a participar de atividades de grupo, desenvolvendo a liderança e encorajando-a a

expressar-se em termos de forma e movimento.

As atividades ligadas ao corpo utilizam-se principalmente de exercícios práticos e

muitas vezes de caráter lúdico, envolvendo sensibilização, criatividade e expressão. Por isso,

no trabalho com movimento corre-se o risco de cair no comodismo do laisser-faire tal como

ocorre em outras áreas do ensino de artes. Tal atitude invalidaria todo o processo de

reeducação do corpo. Não se trata de deixar que os alunos se movimentem à vontade ao som

da música: mera expressividade desordenada. Não se trata apenas de uma liberação de

energias ou uma descarga emocional, mas de como transformar isto em ações significativas.
88

O trabalho com movimento, expressão corporal e dança requer uma metodologia,

um conjunto de técnicas que oriente a prática. Antes de propor qualquer atividade, o professor

deve ter muito claro o que quer e aonde quer chegar. É necessário uma cuidadosa organização

e um planejamento prévio. A nosso ver, Patrícia Stokoe e Ruth Harf (l980: 16-22) apontam

um caminho, quando mostram que o trabalho de expressão corporal deve ser desenvolvido

abordando-se quatro fases:

a) Investigação: explorar para conhecer e transformar, pesquisar o como, o por quê

e o para quê das partes que compõem nosso corpo e de suas ações.

b) Expressão: averiguar as diferentes formas de exteriorizar sensações, emoções e

pensamentos com o corpo.

c) Criação: estimular o uso do movimento na improvisação a partir de uma idéia,

tema, objeto ou estímulo sonoro.

d) Comunicação: trabalhar os diversos níveis e formas de comunicação através do

corpo: comunicação consigo mesmo, com o outro, com os outros e com o

ambiente.

Nessa abordagem é importante que se trabalhe levando-se em consideração os


seguintes aspectos:

1. Movimentos básicos de locomoção: engatinhar, sentar, caminhar, correr, saltar,

girar, arrastar-se.

2. Movimentos utilitários: trabalhando especificamente algumas partes do corpo,

como: mãos, pés, cabeça, etc., em ações do cotidiano.

3. Representação corporal: exploração do uso do corpo quando exposto a

estímulos exteriores como sons de instrumentos, canções, palavras, etc.

4. Relação espaço/movimento: trabalho com formas geométricas elementares

(círculos, quadrados), direções e também com experiências extra-classe.

5. Movimento/expressão: trabalhar a qualidade expressiva do movimento no que

se refere ao tempo, peso, sensações e motivações interiores.


88

Em todo esse processo é importante lembrar que a postura do professor em sala de

aula deve ser não apenas a de orientador, mas também de estimulador, investigador,

questionador e colaborador, no sentido de oferecer dados que permitam ao aluno encontrar

diferentes respostas.

Outro fator vem somar-se a todos os aspectos já levantados, reforçando a inclusão

do movimento, da expressão corporal e da dança como disciplinas do currículo das escolas. É

que essas atividades vão despertando a capacidade de perceber a beleza do movimento, vão

criando e construindo gradativamente um sentido estético, uma familiarização com o

movimento que não só oferece uma rica experiência física, psicológica e social, mas capacita

o indivíduo a participar como espectador em atividades artístico-corporais. Estaremos

formando, no mínimo, um público de freqüentadores e apreciadores, ou seja, pessoas que

desenvolveram o gosto pela arte do movimento. E aqui nos referimos ao movimento como

uma linguagem artística culturalmente estruturada, segundo princípios que variam de acordo

com a história e com as diferentes sociedades. Por isso estamos falando de familiarização, da

necessidade de fornecer referenciais que permitam a compreensão de certas manifestações

artísticas. Para uma criança brasileira, por exemplo, a dança de Shiva, tão rica em movimento,

pode não ter, a princípio, nenhuma significação, por não fazer parte de seu universo cultural, o

que já não acontece com o pagode ou a lambada. Há que se trabalhar, portanto, no sentido de

ampliar este universo, colocando o aluno em contato com a maior variedade possível de

manifestações artísticos corporais para que se estabeleçam pontes que levem do samba ao

flamengo, do forró ao balé clássico. Somente a capacidade de desvendar os princípios da

linguagem do movimento - através da construção de esquemas de percepção - garantirá a

presença de espectadores desta forma de arte.

Concordamos, então, com o fato de que os educadores não deveriam somente

ensinar a ler, escrever e contar, mas ajudar os alunos a amadurecerem integralmente como

seres humanos. Por isso, não nos importam as diversas denominações que se possa e queira

dar ao trabalho com movimento na escola. Que se trate de educação pelo movimento,

expressão corporal ou dança. Discutir sobre qual dessas atividades escolher parece inócuo. O
88

essencial é que aconteça uma inversão do eixo saber/sentir colocando o sistema sensorial

como responsável pela obtenção de informações. lembremos de que não há nada na cabeça

que não tenha antes passado pela mão.

Se, repetindo Spinoza, “ninguém determinou até hoje o que o corpo é capaz de

fazer”, urge, mais do que nunca, descobrir este corpo e seu potencial. Tomar posse desse novo

universo, aprendendo a conhecer a sua história, como ele se movimenta e o que o impele a

fazê-lo. Poder utilizá-lo como um instrumento a serviço da expressão, da comunicação, da

espontaneidade e da criatividade, instrumento que permite o homem situar-se e agir no mundo

em transformação.
12
ENSINO DE MÚSICA:
PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DO CONSERVATÓRIO

Maura Penna

Os textos desta coletânea, em seu conjunto, revelam os questionamentos que

cercam os diversos momentos do percurso da arte-educação, em sua complexidade

multifacetada. Entretanto, como um recurso para a discussão que se segue, tomamos a liberda-

de de caracterizar esquematicamente esse percurso em três etapas, com base principalmente

nas experiências desenvolvidas no campo das artes plásticas:

a) A busca de colocar a arte em função da educação global do indivíduo e da

formação da personalidade;

b) A difusão de práticas pedagógicas que enfatizavam o espontaneísmo

expressivo, tendo por consequência um esvaziamento dos conteúdos de

linguagem;

c) A tentativa de resgatar tais conteúdos de linguagem, com vistas à apreensão,

compreensão e apreciação das manifestações artísticas.

As duas primeiras etapas articulam-se à entrada da Educação Artística (E.A.) nas

escolas, enquanto componente curricular obrigatório, através da Lei 5692/71. A implantação

da E. A. é marcada pela proposta polivalente, que concebe uma abordagem integrada das

linguagens artísticas, e é prevista nos instrumentos normativos tanto para o 1o e 2o graus

quanto para a formação do professor. A polivalência – exacerbada no modelo da licenciatura

curta, que pretende formar, até mesmo em um ano e meio, um professor capaz de atuar no

primeiro grau em todas as áreas artísticas – contribuiu para a diluição dos conteúdos

específicos de cada linguagem.


88

Apesar dos problemas que cercam a prática da E. A., consideramos que essas duas

etapas refletem, em certa medida, o desafio de ampliar o alcance do ensino de arte –

historicamente restrito a grupos privilegiados e a poucas escolas especializadas – colocando-o

como parte da formação de toda a clientela escolar. Encontramo-nos, no momento atual, na

terceira etapa, em busca de caminhos para o resgate de conteúdos, necessários para que a E.A.

possa realmente ser colocada à serviço da democratização do acesso à cultura. E como a

música participou deste processo?

Considerando-se a educação brasileira de modo global1, temos de admitir que a


música não conseguiu conquistar um espaço definitivo – isto é, com abrangência,

continuidade e qualidade – nas escolas (regulares) de 1o e 2o graus. Por um lado, isto se deveu

ao predomínio das artes plásticas (e em menor medida das artes cênicas) no espaço da E. A..

Por outro, inserida no campo da E.A., a música também enfrentou o processo em que a

proposta polivalente e as deficiências dos cursos de formação do professor (não exclusivas das

licenciaturas curtas), assim como a difusão de certas práticas pedagógicas espontaneístas,


contribuíram para a diluição dos conteúdos de linguagem.

Neste quadro, muitas vezes o espaço reservado para a música está a cargo de
professores que encontram dificuldade em desenvolver objetivos propriamente musicais,

passando a optar por:

...“uma ação pedagógica mais centrada no falar sobre música do que com o
fazer musical propriamente dito ou com a convivência com os modos de
estruturação da linguagem musical em cada contexto cultural [... ou ainda]
por certas práticas devido tão somente ao prazer imediato que possam
proporcionar enquanto atividade lúdica, recreativa, promovendo a
descontração, o desenvolvimento psicomotor, a fixação de outros
conhecimentos (a música como veículo de transmissão da palavra), a
integração grupal, a liberação emocional”. (Santos, 1990: 31)

1
Excetuando-se tanto o período do canto orfeônico quanto algumas escolas de elite, de grandes centros
urbanos.
88

No entanto, o ensino de caráter técnico-profisionalizante das escolas

especializadas (conservatórios, departamentos de música nas universidades, etc.) conseguiu,

em certa medida, preservar os conteúdos de linguagem. Mas preservou conteúdos deixando,

em grande parte, de enfrentar o desafio de levar uma educação musical de qualidade para a

escola de 1o e 2o graus. Isto é evidente no desprestígio dos cursos voltados para a formação do

professor em diversos centros de ensino superior em música2, ainda que muitos bacharéis só

venham a encontrar colocação no mercado de trabalho como professores. E esse ensino

preservou seus conteúdos – assim como seus problemas – porque conservou-se sem

questionamentos. A tendência dominante é os professores adotarem os modelos de sua própria

formação, ensinando como foram ensinados:

“Por vezes constata-se que a prática de educadores consiste em ir fazendo


tudo como já se fez: trata-se de consagrar a prática de seus mestres,
reproduzindo-a sem reflexão; trata-se de consagrar os conteúdos
selecionados e organizados num livro didático, independente de
questionamento.” (Santos, 1990: 34)

Esse ensino “conservatorial” dificilmente questiona suas práticas e os

pressupostos destas, o que talvez seja consequência de seu relativo isolamento, que o protege

de grande parte dos problemas e dos processos de questionamento da educação brasileira. Por

um lado, as escolas especializadas3, em comparação com as de 1o e 2o graus, gozam de certa

autonomia interna – na estruturação dos cursos, por exemplo – , por não estarem sujeitas a um

controle tão intenso dos órgãos normativos. No caso dos cursos superiores, o mesmo acontece

com os bacharelados, em relação às licenciaturas. Por outro lado, os conservatórios são

escolas de acesso restrito, em sua grande maioria particulares, com função (social) básica

também bastante restrita: formar tecnicamente, pelo e para o padrão da música erudita4, os

2
Diversas universidades (como a UNICAMP, por exemplo) mantém apenas bacharelados, em detrimento
de licenciaturas − em música ou em E.A./ habilitação música.
3
Por “escolas especializadas” referimo-nos às instituições voltadas para o ensino de música. Tomamos o
“conservatório” como protótipo deste tipo de escola e do ensino de caráter técnico-profissionalizante. É
claro que essas escolas diferenciam-se entre si, mas o que pretendemos em nossa discussão é uma
caracterização em termos globais.
Quando “escola” não receber especificação, trata-se da “escola regular”, ou seja, voltada para o ensino
de 1o e 2o graus.
4
Quanto à música erudita como referência e modelo para o ensino, ver Penna (1992: 23ss.).
88

profissionais para um entretenimento de elite – em outras palavras, os músicos para as salas

de concerto. Ou, ainda, enriquecer, através da prática musical, a formação pessoal daqueles

que têm, socialmente, a possibilidade de acesso a essa forma artística. Isolamento que parece

corresponder, portanto, à sua própria elitização.

Se muitas das propostas da arte-educação significavam uma reação ao

academicismo das Escolas de Belas-Artes, na tentativa de superar os seus limites,

notadamente o seu autoritarismo e tecnicismo, aparentemente os conservatórios não passaram

por este processo. A própria prática pedagógica das escolas de música especializadas é,

portanto, altamente conservadora, apresentando os mesmos problemas que Saviani (1989b)

aponta em relação ao modo como o método tradicional costuma ser utilizado em sala de aula,
de forma repetitiva e mecânica.

“Resultante dessa mecanização é a adoção de conteúdos fragmentados,


fixos, desatualizados, abstratos e formais, facilmente encontrados nas
tradicionais aulas de ‘teoria musical’, onde por vezes os conteúdos são
abordados de modo tão isolado e fragmentado que, por exemplo, pode-se
aprender a ‘ler e escrever’ música numa pauta sem chegar a ter consciência
dos princípios básicos que regem a notação tradicional, ou, ainda, a
identificar o sinal que indica uma fermata sem compreendê-la enquanto uma
‘suspensão’ da pulsação, com função expressiva”. (Penna, 1992: 13-14)

Não são conteúdos desse tipo que buscamos preservar ou resgatar, pois não são

eles capazes de conduzir, no ensino de 1o e 2o graus, um trabalho que promova a apreensão,

compreensão e apreciação das manifestações musicais. Assim, com relação à música na

escola, encontramo-nos também em um momento de resgate: resgate de metodologias capazes

de selecionar, ordenar e articular conteúdos significativos, de modo a desvendar os princípios

da linguagem musical.5

5
Entendemos por metodologia bem mais do que estratégias de ensino, o “como fazer”. É o método que,
em função de uma finalidade educativa, dá a forma da ação pedagógica, selecionando e organizando
conteúdos, e planejando atividades para a sua aquisição. Ver, ainda, Gainza (1977).
88

II

Podemos destacar dois problemas centrais das práticas pedagógicas

correntemente adotadas nos conservatórios6:

a) O tratamento dos mecanismos de representação gráfica como um código

abstrato que se esgota em si mesmo, de modo que o referencial sonoro se

perde. A partir daí, os princípios de organização formal (como as regras do

tonalismo, o contraponto, harmonia, etc.) tornam-se um jogo de regras

“matemáticas” que movimentam as notas no papel, e não o manejo consciente

de relações sonoras.

“A notação musical é produto de uma abstração, permitindo registrar a


estruturação musical, sendo útil para pensar a organização dos sons na sua
ausência, mas não é música, uma vez que esta só se realiza em sua
concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música,
enquanto fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si
só; ela representa os sons – mas só representa efetivamente quando se liga
a um significado sonoro, correspondendo a uma imagem auditiva; quando ao
ser lida, pode ‘soar na cabeça’.” (Penna, 1992: 4)

b) O enfoque da técnica como finalidade em si mesma, tendo por meta o

virtuosismo. Em oposição à prática da música popular, onde a técnica

instrumental tem uma função utilitária, e são valorizadas a expressão, a

exploração e a improvisação − sempre no “fazer sonoro” −, o prazer de tocar

pode se perder diante dos inúmeros e áridos exercícios de preparação técnica,

assim como a preocupação virtuosística pode acabar por coibir a capacidade de

expressão.

O problema central é, portanto, metodológico. Sem um questionamento das

concepções e pressupostos que norteiam a prática pedagógica, são mantidas e reproduzidas

6
Ver a análise de Algumas cenas cotidianas de aprendizado musical, em Penna (1992). As cenas 2, 3 e 4
retratam práticas correntes nos conservatórios.
88

metodologias que mostram-se inadequadas para vincular o fato sonoro à sua representação

gráfica, a vivência musical à sua formalização abstrata. A questão básica é que tais

procedimentos – que pressupõem, mas não desenvolvem os esquemas de percepção necessá-

rios à apreensão da linguagem musical – só podem ser eficazes para quem já possui

referenciais sonoros formados, pela vivência em um ambiente sócio-cultural que propicie a

familiarização com a música e seus códigos, ou por outro tipo de experiência de contato com a

música.

Como já discutido em outros textos desta coletânea7, metodologias que

pressupõem uma familiarização prévia com as linguagens artísticas têm consequências

elitistas, pois desconsideram as condições sociais que possibilitam esta familiarização.


Procedimentos pedagógicos deste tipo, correntes em escolas especializadas, funcionam bem

apenas para poucos, e mesmo profissionais que tiveram esse tipo de formação carregam

deficiências daí decorrentes. Assim, se não são eficazes sequer para a própria clientela dos

conservatórios, por que tais modelos pedagógicos são preservados? Mais ainda: eles não

apenas são preservados, mas correntemente aceitos e reconhecidos como o modelo do ensino

“sério” de música, e desta forma orientam as ações educativas desenvolvidas em outros

espaços, até mesmo nas escolas públicas, cuja clientela é distinta e tem necessidades

específicas. Esse modelo de ensino é reproduzido inclusive na formação do professor nas

licenciaturas plenas em E.A./Música, uma vez que as disciplinas do currículo voltadas para o

domínio dos conteúdos de linguagem são, muito frequentemente, marcadas por esse mesmo

modelo, carregando os seus problemas. Além disso, o currículo deixa pouquíssimo espaço

para a discussão e (muito menos) para a vivência de metodologias alternativas.

Dado que os métodos não são neutros, determinados pressupostos filosóficos e

concepções do que seja a arte e a música orientam a seleção e adoção de alternativas

metodológicas. O mito do dom, do talento inato, ainda corrente, age como uma proteção

contra questionamentos. Se qualquer problema é atribuído à falta de talento, aptidão ou

7
Tanto a questão da formação dos esquemas de percepção necessários à apreensão das linguagens
artísticas através da familiarização, quanto a necessidade de se tomar como objetivo próprio da ação
pedagógica o seu desenvolvimento são discutidas mais detalhadamente em outros textos desta
coletânea. Ver, por exemplo, O Papel da Arte na Educação Básica.
88

musicalidade, não se discute a ineficácia de tais metodologias, nem a sua incapacidade de

atender às necessidades dos alunos, que passam a ser responsabilizados por seu próprio

fracasso.

Diante deste quadro, não basta apresentar alternativas metodológicas. Aliás, são

numerosas as indicações apresentadas por diversas propostas pedagógicas na área de música

desde o início do século8, sem que o ensino de música de fato se renove, uma vez que não

conseguem se difundir de modo amplo, quando muito sendo incorporadas em classes de

iniciação para crianças. É preciso, também, questionar os pressupostos e concepções que

sustentam as práticas conservatoriais, o que procuramos fazer até este ponto da nossa

discussão. Pois este é o primeiro passo, no desafio de encontrar caminhos para que o ensino
de música possa, nas salas de aula do 1o e 2o graus, realizar um projeto de democratização no
acesso à cultura.

III

Para que a ação pedagógica no campo da música possa concretizar tal projeto,

acreditamos ser produtivo encará-la como um processo – contínuo e em diversos níveis de

profundidade – de musicalização. E concebemos musicalização como um processo

educacional orientado que efetua o desenvolvimento dos instrumentos de percepção,

expressão e pensamento necessários à apreensão da linguagem musical como significativa

(Penna, 1990: 37). Pois o objetivo central da música na escola regular é distinto da formação

técnica pretendida pelo conservatório: na escola o ensino de música visa, prioritariamente,

tornar o indivíduo capaz de apreender criticamente as várias manifestações musicais de seu

universo cultural e ampliá-lo. Mesmo quando, com condições de continuidade e

8
Como, por exemplo, as propostas de Orff, Willems, Suzuki, entre outros, lembrando que interessa, mais
do que “adotar fielmente” um método, analisá-los e incorporar suas contribuições. Para uma visão geral
das abordagens que têm colaborado para a renovação da pedagogia no campo da música, ver Gainza
(1988).
88

aprofundamento, o processo de musicalização vem a exigir a abordagem de questões técnicas

(por exemplo, para a prática instrumental), esse objetivo central persiste.

Para dar à música esse papel, não há receitas prontas que garantam a ação

cotidiana em sala de aula. No entanto, podemos contar com algumas indicações. Em primeiro

lugar, é preciso aprender com a análise crítica tanto da prática conservatorial quanto do

percurso da arte-educação. A construção de novos caminhos não se dará pela opção por um ou

por outro, mas antes através da procura de incorporar suas contribuições e ultrapassar os seus

limites, sem descartá-los a priori. Assim, não há porque repudiar o movimento da arte-

educação...

...“como se as ênfases na expressão criadora, no sentimento e na formação –


desastrosamente confundidas com a permissividade, com a ausência do
pensamento, com o laissez-faire e o espontaneísmo – fossem as
responsáveis pelo esvaziamento dos conteúdos da linguagem musical, antes
oferecidos (talvez) em práticas musicais diversas. Daí, a impressão de que
ou se adere à concepção filosófica da arte-educação ou se permanece fiel a
uma prática coral e instrumental que a música requer.” (Santos, 1990: 31-
32)

Não rejeitamos, portanto, as metas visadas pelo movimento da arte-educação, que

buscavam ultrapassar o academicismo para colocar a arte a serviço da formação global do

indivíduo, embora critiquemos o modo como suas bandeiras se difundiram gerando práticas
que levaram ao esvaziamento dos conteúdos de linguagem.

Em segundo lugar, acreditamos que o diálogo com as propostas metodológicas


desenvolvidas em outras áreas artísticas só pode ser produtivo, assim como com os estudos

sobre a educação brasileira e seus problemas. Nesse sentido, é de especial interesse a

indicação que nos é dada pela experiência pedagógica de Fayga Ostrower9, nas artes plásticas:

trabalhando sempre sobre a concreticidade (visual, no caso) da linguagem, abordar os seus


elementos básicos e princípios de estruturação sempre vinculados à sua função expressiva.

Pois devemos lembrar que mesmo propostas de musicalização a princípio bem orientadas –
baseadas sobre o fato sonoro e buscando formar esquemas de percepção – por vezes

9
Para uma análise de seus princípios básicos, ver Desvendando os Universos da Arte..., nesta coletânea.
88

estruturam-se sobre “exercícios isolados sobre elementos da linguagem musical, destituídos

de dimensão estética e musical”.10

Podemos, finalmente, apontar algumas etapas concretas que, a nosso ver, integram

o percurso necessário para a concretização deste projeto para o ensino de música nas escolas:

a) A luta pelo espaço da música na escola, com reais condições de continuidade

ao longo da vida escolar do aluno.

O ensino de música nas escolas varia imensamente: em algumas escolas, no pré-

escolar ou no 1o grau, há professor e horário específico; em outras, uma banda ou coral, como

atividade extra-curricular, envolve apenas alguns alunos. Na maior parte das vezes, o espaço

em que a música pode se instalar é o da E.A., em meio a todo tipo de dificuldade, inclusive

quanto à possibilidade de continuidade do trabalho. Há casos em que somos os únicos

professores de música na vida de nossos alunos, e por um curto período.” (Penna, 1990: 72-

73)

Seja dentro de uma E. A. que preserve as áreas específicas – interrelacionadas,

mas nunca dissolvidas na polivalência –, seja sob qualquer outro nome, o que importa é a

presença da música no currículo escolar de modo a permitir um trabalho contínuo e a longo

prazo:

“Um processo de musicalização que, desde as séries iniciais, acompanhasse


o aluno durante toda a sua escolarização (ou pelo menos todo o 1o
grau), promovendo o contato constante com a música (...) e levando ao
domínio progressivo dos conceitos musicais e sua expressão seria o ideal a
que aspiramos.” (Penna, 1990: 73)

Esta luta ultrapassa o espaço das discussões acadêmicas, envolvendo a discussão

das políticas educacionais e a mobilização por uma ampla participação na sua elaboração.

b) A reestruturação dos cursos de formação do professor.

10
Nos termos de Santos (1990: 34), que analisa o problema e propõe alternativas, em artigo que traz
relevantes subsídios para o ensino de música nas escolas regulares.
88

É fundamental que a música na escola esteja a cargo de professores

especificamente formados para tal. Professores capacitados para uma ação pedagógica

comprometida com um projeto de democratização da cultura necessitam da articulação de um

domínio da linguagem musical com um enfoque educativo, que lhes forneça tanto

fundamentos quanto alternativas metodológicas para sua prática futura. É imprescindível,

portanto, repensar a formação deste educador, pois nem os bacharelados em música, nem as

licenciaturas plenas em E. A./Habilitação Música, do modo como atualmente estruturadas, são

capazes de garantir essa articulação.

As licenciaturas plenas em E.A. encontram-se sobrecarregadas de disciplinas de

cunho teórico-abstrato e/ou caráter polivalente, em decorrência dos termos normativos que

estabelecem o currículo mínimo. Desta forma, as disciplinas voltadas para o domínio da

linguagem musical são, no geral, insuficientes para uma formação consistente. Por sua vez,

estas disciplinas costumam ser ministradas segundo o modelo conservatorial, de modo que, na

grade curricular, há poucos espaços que permitam a vivência de alternativas metodológicas e

sua discussão.

Repensando a formação do professor, o Grupo de Estudos defende a adoção de

um eixo pedagógico para as licenciaturas em arte, de modo a abordar as questões próprias da

prática pedagógica na especificidade de cada linguagem.11 Com uma licenciatura

reestruturada nesse sentido, seria possível uma formação mais adequada.

c) A busca de propostas metodológicas capazes de atender às necessidades do


ensino regular.

Para responder às condições diferenciadas que são encontradas nas escolas, o

professor precisa dispor de alternativas metodológicas que possam adequar-se tanto aos

recursos disponíveis quanto às características de cada turma com que trabalha. Por vezes,

principalmente quando somos “os únicos professores de música na vida de nossos alunos”,

11
Um tratamento mais aprofundado dessa proposta pode ser encontrado no artigo sobre o tema: A questão
curricular: por um eixo pedagógico para as licenciaturas em arte, nesta coletânea.
88

temos que adotar verdadeiras “estratégias de emergência”12, que explorem ao máximo as

possibilidades restritas de uma situação desfavorável ao ensino. Assim, diante dos limites e

necessidades das situações concretas e específicas de sala de aula, é a flexibilidade meto-

dológica do professor que lhe permite decisões de cunho pedagógico-didático que atendam

aos objetivos propostos (Libâneo, 1990: 143).

É central, portanto, o desafio metodológico. Face a ele, cabe incentivar a

discussão, o intercâmbio de experiências, a pesquisa e a experimentação. No entanto, essa

busca não pode se dar a esmo, mas em função das diretrizes básicas para uma E.A.

democratizante e para a ação pedagógica de musicalização.13 O essencial é tomar sempre

como base do trabalho a concreticidade sonora do fenômeno musical, promovendo, no nível


da percepção e da expressão, o manejo consciente dos elementos de linguagem. No mais, é a

consciência de nossos pressupostos, princípios e metas que podem balizar as nossas buscas,

permitindo avaliar e reorientar nossas experiências cotidianas, de modo que possamos

aprender com elas.

Se o caminho não está pronto, ele se abre à nossa frente, no momento em que nos

dispomos a ultrapassar as fronteiras – seus limites concretos e simbólicos – do conservatório.

O conservatório que está tanto fora quanto dentro de nós, quer em nossa prática ou em nossa

formação, quer nos compêndios didáticos ou nos modelos que adotamos. Cabe, neste

momento, transformar – e não conservar.

12
Para a discussão de algumas propostas “de emergência”, ver Penna (1990: 72-80).
13
Apresentadas em Diretrizes para uma Educação Artística Democratizante..., nesta coletânea, e Penna
(1990 - parte II), respectivamente.
Parte V

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
13
A QUESTÃO CURRICULAR: POR UM EIXO PEDAGÓGICO
PARA AS LICENCIATURAS EM ARTE

Maura Penna • Sylvia R. Coutinho •


Yara R. Peregrino • Vanildo Marinho

O PERCURSO DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL1

Pensar a estrutura dos cursos de formação do professor de artes implica, num

primeiro momento, em tomar consciência do trajeto do ensino de arte em nosso país. Neste

sentido, optamos por enfocar as consequências sociais do ensino de arte – especificamente do

ensino de arte formal e instituído, quer dizer, o ensino oficial, em contraposição a formas de

educação informal, da cultura popular.

À primeira vista, podemos dizer que o ensino de arte oficial cumpriu um percurso

de des-elitização, ou pelo menos de ampliação de seu espaço. Pensemos em seus primórdios:

a Academia Imperial de Belas-Artes, criada em 1816 com a Missão Francesa (cf. Barbosa,
1978: 16-17), ou o Conservatório de Música do Rio de Janeiro, fundado em 1847 (cf. Kiefer,

1976: 71). Eram escolas de caráter técnico que visavam formar os profissionais de um
entretenimento da elite – esta, os consumidores de arte –; eram escolas localizadas no centro

cultural e político do país.


Em contraposição a este momento inicial, tomemos a Lei 5692, de

1971, que pretendeu, através da Educação Artística (E.A.) como componente curricular
obrigatório, colocar a arte em todas as escolas de 1o e 2o graus deste país – particulares e

públicas, urbanas e rurais, dos grandes centros culturais ou de qualquer rincão do interior.

1
Os dois primeiros itens deste texto foram originalmente desenvolvidos pela Profa. Maura Penna, para a
apresentação da proposta do eixo pedagógico no Painel Currículo - Em Busca da Sintonia Histórica, VI
Congresso Nacional da Federação de Arte- Educadores do Brasil, Recife, novembro de 1993.
128

O contraste entre estes dois momentos históricos revela um percurso de

democratização. Aliás, o trajeto de toda a educação brasileira – na qual o ensino de arte se

insere – configura uma ampliação no acesso à escola. Mas não por uma evolução natural, nem

por benevolência dos governantes, mas como resultado de uma luta popular pelo direito à

educação, ao saber e à cultura, que se reflete sobre a política educacional e seus

instrumentos legais. No Estado Novo, a política educacional diferenciava os cursos de nível

médio, de modo que os cursos técnicos não credenciavam ao vestibular, não davam acesso à

universidade, o que significava chances desiguais para as diferentes camadas sociais. Esta

situação é revertida com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961 (Lei 4024), que por sua

vez estabelecia o ensino básico em apenas 4 anos, sendo omissa quanto à questão de sua
gratuidade. Por sua vez, a Lei 5692/71 estende o ensino básico para 8 anos, comprometendo o

Estado com o seu caráter público e gratuito.

Assim, apesar de todos os seus problemas, é fato que a Lei 5692 resultou na

expansão do sistema público de ensino e colocou mais gente na escola, dando oportunidade

para que camadas sociais antes totalmente excluídas frequentassem as salas de aula.

Simplesmente com isso, portanto, ela configurou um avanço social e democrático. Sendo

assim, se realmente buscamos a sintonia com o processo histórico da educação brasileira e do

ensino de arte, se realmente assumimos e perseguimos os ideais democráticos que

proclamamos, essa ampliação no acesso à escola por si só deveria ser suficiente para nos levar

a rejeitar qualquer forma de saudosismo de uma antiga escola, onde “nos bons e velhos

tempos se aprendia”. Não cabe lamentar a antiga escola eficiente, nem o seu canto orfeônico

ou outras de suas práticas, pois essa escola era ainda mais elitizada, e boa parte de sua

eficiência assentava-se justamente na origem social de seus alunos. Alunos que podiam trazer

de casa uma série de habilidades prévias, que garantiam a eficácia das práticas pedagógicas

vigentes – inclusive podiam trazer de casa uma vivência de contato com as linguagens

artísticas mais elaboradas, pois o seu meio sócio-cultural o permitia.


128

OS PROBLEMAS DA LEI 5692: NOVAS FORMAS DE RESTRIÇÃO AO SABER

Precisamos, no entanto, ser críticos tanto com essa “antiga escola” quanto com os

efeitos concretos da Lei 5692. Pois também é fato que a Lei 5692 não trouxe a universalidade

pretendida, e o sistema de ensino ainda não atende a todos como deveria. Ou, pior, embora

haja uma maior presença do povo na escola, a elitização mantém-se por outras vias. Como diz

o educador Luiz Antônio Cunha (1985: 57-58), é um paradoxo perverso: “a expansão da rede

escolar, das oportunidades físicas de escolarização, não corresponde, na prática, a um

aumento das oportunidades pedagógicas de escolarização”, de modo que “o resultado da

escolarização tem sido absolutamente insuficiente e insatisfatório”. Sendo assim, a tão


propalada queda na qualidade de ensino – que é real – revela um rebaixamento geral, que

acaba por manter a restrição no acesso ao saber, protelando-se para estágios mais adiante e de

acesso mais difícil – como a pós-graduação – a formação que antes era disponível em outros

níveis.

E a queda na qualidade da educação – inclusive no ensino de arte – é produzida e

reproduzida também através das práticas pedagógicas e metodológicas adotadas. Mais gente

na escola significa alunos de origens sociais diferenciadas, de modo que práticas pedagógicas

anteriormente eficazes não mais “funcionam”, não podem mais atingir os mesmos resultados.

Isto porque estas práticas pressupõem habilidades prévias; no caso do ensino de arte, uma
vivência de contato e familiarização com as linguagens artísticas, o que só é possível através

de determinadas experiências culturais, que não são dadas a todos igualmente na sociedade, e
às quais a nova clientela da escola não tem acesso. A ação educativa, então, fornece a

nomenclatura correta, as regras de organização formal, etc., o que é infrutífero diante de

“alunos provenientes de distintos meios sócio-culturais, com valores, expectativas e

experiências decorrentes de suas condições de vida, e que não apresentam as pré-condições

requeridas” (Libâneo, 1990: 143).

Na busca da sintonia histórica, portanto, o grande desafio que se coloca, no

presente momento, é a construção de propostas pedagógicas que atendam à maior presença do


128

povo na escola; é o desenvolvimento de alternativas metodológicas que permitam interligar o

saber transmitido – os conteúdos – e a experiência social concreta de vida dos alunos.

A isto tudo se liga a discussão sobre currículo, de modo que se torna crucial

pensar a formação do professor – de um professor capaz de enfrentar este desafio – antes

mesmo de se pensar em currículo de 1o e 2o graus. Pois é o professor que realiza o currículo

enquanto ação educativa. E buscamos formar um professor capaz de concretizar, no ensino de

arte, um projeto de democratização no acesso à cultura.

OS MODELOS DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR E SUA CRÍTICA

O modelo de licenciatura nas diferentes áreas artísticas que vigorava com a LDB

de 61 – e que ainda hoje persiste em outras áreas – era o modelo do bacharelado +

complementação pedagógica. Se por um lado esse modelo enfatiza o domínio dos

conteúdos, a complementação pedagógica tem um caráter genérico, sendo realizada à parte,

completamente desvinculada das questões do ensino de arte. A pedagogia – didática,

metodologia, etc. – é abordada em abstrato, como se fosse possível aprender a ensinar não

importa o que, em detrimento da especificidade metodológica das diversas áreas artísticas.


A nosso ver, este modelo não tem a preocupação de formar professores preparados

para dar um encaminhamento pedagógico adequado aos aspectos técnicos do fazer artístico.
Isto porque, ao se enfatizar o conhecimento técnico desvinculado dos conteúdos das

linguagens e da realidade sócio-cultural do aluno, acentuam-se as diferenças que ele traz de


seu ambiente, uma vez que se trabalha pressupondo-se uma bagagem anterior. Diante disso é

inconcebível que, ainda hoje, quando todos os programas e propostas de reforma curricular se
encaminham no sentido de democratizar o acesso à educação, encontremos correntes

defendendo o resgate deste antigo modelo para as licenciaturas em arte. Não podemos
esquecer que este modelo de licenciatura só podia ser eficaz em um determinado momento

histórico, para um sistema de ensino ainda mais elitista.


128

Já a Lei 5692 e os instrumentos normativos que acompanham a sua

implementação – como as resoluções do Conselho Federal de Educação – ao instituir a E.A.,

também conceberam a licenciatura correspondente. Assim, tanto a E.A. no 1o e 2o graus

quanto a sua licenciatura são marcadas pela proposta polivalente, já bastante criticada, que se

mostra ainda mais nefasta nas licenciaturas curtas, que pretendem formar, no curto espaço de

2 anos, um professor capaz de atuar em todas as áreas artísticas. Mas os problemas da

licenciatura curta são bastante conhecidos, de modo que nos ateremos à discussão da

licenciatura plena, que, apesar de promover a habilitação em áreas específicas, também

apresenta deficiências. Até mesmo pelos dispositivos que estabelecem o currículo mínimo, as

Licenciaturas Plenas em E.A. são sobrecarregadas por um excesso de disciplinas de caráter


teórico-abstrato – como p. ex. Fundamentos da Expressão e Comunicação Humanas –, de

modo que as disciplinas voltadas para o domínio dos conteúdos específicos da linguagem

artística (objeto da habilitação) se revelam insuficientes. Essa insuficiência se agrava ainda

mais diante das necessidades da maioria de nossos alunos, que chegam à universidade tanto

sem a bagagem de um estudo de arte consistente a nível de 1o e 2o graus, quanto sem uma
vivência de contato e familiarização com as linguagens artísticas em suas formas mais

elaboradas, pois o seu meio sócio-cultural não o permite.


Os problemas da polivalência e da perda dos conteúdos de linguagem nas

licenciaturas em E.A. já têm sido bastante discutidos, sendo flagrante a necessidade de se


resgatar a formação em cada área específica. Mas é primordial que o resgate de conteúdos não

caia no tecnicismo ou no academicismo, nem tampouco signifique deixar de lado as questões

próprias da prática educativa.

O que tem acontecido, na maioria das vezes, é que não há integração entre os

conteúdos técnicos e pedagógicos. Isto é, nas disciplinas práticas, que tratam do fazer artístico

em cada linguagem, não se estabelece uma ligação com os aspectos pedagógicos envolvidos

neste fazer. Ao mesmo tempo, nos poucos espaços curriculares voltados para as questões

pedagógicas, muitas vezes os conteúdos são secundarizados, quando não totalmente ausentes,

como no caso de disciplinas de didática geral, que pretendem garantir a ação educativa do

futuro professor, independentemente dos conteúdos a serem ensinados.


128

Essa falta de integração entre os diversos elementos necessários a uma eficaz

formação do professor, assim como o enfoque abstrato e genérico que é dado às disciplinas

pedagógicas alimentam uma postura, bastante corrente inclusive entre os alunos, que relega as

disciplinas pedagógicas a um 2o plano, como menos importantes que as de caráter prático-

técnico. Assim seria num bacharelado, voltado para a formação do artísta. Na licenciatura,

porém, temos que assumir todas as implicações envolvidas na formação do professor.

Se queremos estar em sintonia com o percurso histórico da educação brasileira,

com a luta por uma real democratização no acesso ao saber, à cultura e à arte, o resgate de

conteúdos precisa estar incorporado em uma formação que tome como objetivo central e

constante habilitar para as dificuldades, a complexidade e os desafios da prática pedagógica


concreta, em cada linguagem artística.

POR UM EIXO PEDAGÓGICO PARA AS LICENCIATURAS EM ARTE

Para sustentar, nestes moldes, um curso de formação do professor de arte em sua

linguagem específica – quer isso seja feito em uma licenciatura específica ou em uma

licenciatura em E.A. redirecionada –, propomos a adoção de um eixo pedagógico, que sirva


de espinha dorsal do curso, dando-lhe unidade na medida em que sustenta a formação do

educador. Essa proposta2 não pretende ser um modelo fechado, mas um convite à discussão.
Por eixo pedagógico, referimo-nos a um elenco progressivo de disciplinas que,

partindo das questões mais gerais da educação, tem por objetivo: a) promover experiências
práticas, b) fornecer embasamento teórico, c) incentivar reflexões voltadas para as questões

pedagógicas - preparando assim a atuação do futuro professor na escola. Este modelo sugerido
é composto de disciplinas semestrais a serem distribuídas sequencialmente ao longo do curso,

tomando-se como referência a duração média de quatro anos (ver fig. 1).

2
A proposta do eixo pedagógico foi originalmente desenvolvida pelo Grupo de Estudos, coletivamente, no
texto O Ensino das Artes nas Universidades e a Formação dos Professores para a Educação Básica,
apresentado no I Congresso sobre o Ensino das Artes nas Universidades (ECA/USP, maio de 1992).
128

A defesa de um eixo pedagógico não é uma oposição a um possível eixo artístico.

Os dois eixos podem ser articulados, já que é reconhecida a necessidade de resgatar a prática

artística e os conteúdos de linguagem. Se por um lado não é possível formar o educador, no

campo da arte, apenas por meio de disciplinas de cunho pedagógico – já que metodologias

sem conteúdo são simplesmente vazias –, por outro, um currículo orientado exclusivamente

para o “artístico” dificilmente formará adequadamente um professor capaz de realizar um

projeto de democratização no acesso à arte. A idéia de um eixo pedagógico visa

especificamente evitar que a perspectiva educativa se reduza a um momento menor, a um

apêndice do curso. O eixo pedagógico estrutura-se sobre uma parte comum,

composta de duas disciplinas, reunindo os alunos das diversas áreas artísticas, para possibilitar
um intercâmbio. Isto visa evitar que a reação contra a polivalência leve a uma concepção

estanque da experiência artística, pois acreditamos que as particularidades de cada linguagem

não devem impedir a visão do seu caráter artístico comum.

PARTE COMUM

1. Problemas Atuais da Educação Brasileira

− Voltada para os problemas básicos e atuais da educação em nosso país, como por exemplo

os processos de exclusão e seletividade, em todos os seus aspectos. Este tipo de discussão é, a


nosso ver, imprescindível em qualquer licenciatura, pois, para a construção de novos

caminhos educacionais é necessária, como aponta Libâneo (1990: 143), a “compreensão dos

mecanismos geradores do insucesso escolar”, como condição para que evitemos reproduzi-los.

Fique claro que não se trata aqui de um estudo formal da legislação, como atualmente

proposto em Estrutura e Funcionamento de 1o e 2o graus.


128

2. Fundamentos Básicos da Arte na Educação

− Voltada para o estudo e discussão das diversas concepções das funções da arte na educação,

localizando-se historicamente as diversas tendências e analisando-se criticamente suas

contribuições e limites. Sem se restringir à experiência das artes plásticas, esta discussão deve

envolver os alunos de todas as áreas artísticas.

A partir deste ponto, as disciplinas se voltam para os conteúdos de cada

linguagem, diferenciando-se para cada área artística. O nome de cada área poderia completar,

portanto, a denominação aqui apresentada.

PARTE DIFERENCIADA CONFORME A ÁREA ARTÍSTICA

3 - Oficina Pedagógica I

4 - Oficina Pedagógica II

− Disciplinas práticas já voltadas para a realidade do ensino de 1o e 2o graus, preocupadas


portanto com questões como a adequação de conteúdos e atividades às diferentes faixas

etárias, a disponibilidade de recursos materiais, etc. O primeiro nível tem por objetivo a

compreensão e o domínio dos princípios e elementos básicos de cada linguagem, e o segundo,

a instrumentalização técnica com vistas à utilização expressiva daqueles conteúdos já

abordados.

5 - Metodologia do Ensino I

6 - Metodologia do Ensino II

− Visam o conhecimento e análise crítica dos vários métodos disponíveis na área específica,

recuperando de maneira sistematizada a experiência das Oficinas Pedagógicas, de modo a

promover a conscientização da prática anterior. As questões gerais de didática (como o

planejamento de aulas) devem ser abordadas na especificidade de cada linguagem, evitando-se


128

assim cair no tecnicismo que em diversos momentos imperou na área de educação. Vale

salientar que entendemos que a metodologia não se restringe ao “como fazer”, envolvendo,

também, a definição de objetivos e a seleção e organização de conteúdos, etapas básicas, para

a escolha das estratégias operacionais a serem adotadas.

7 - Estágio Supervisionado I (pré-escola e 1o grau)

8 - Estágio Supervisionado II (2o grau)

− Práticas de ensino com acompanhamento pedagógico, nos diversos níveis da educação

básica. Mas o ideal é que a experiência na escola não se restrinja a estes estágios, sendo

também promovida no espaço de outras disciplinas (particularmente nas do eixo pedagógico),

através da observação, participação e atuação.

Esperamos que tenha ficado evidente que as disciplinas do eixo pedagógico

deveriam estar a cargo de professores, da área artística, que tenham uma preocupação com a

prática educativa – ou, preferencialmente, experiência no ensino de arte em escolas de 1o e 2o


graus. Especialistas em educação, simplesmente, não dariam conta da proposta – talvez

apenas da primeira disciplina, Problemas Atuais da Educação Brasileira.


Vale salientar que esta proposta para o eixo pedagógico pressupõe uma

flexibilidade onde seria possível a simultaneidade de algumas disciplinas ou o seu


desdobramento, de modo a atender às necessidades de cada área artística ou às realidades

particulares de cada centro de formação. Apesar de não pretendermos que seja definitiva,
consideramos que a proposta aqui apresentada constitui o mínimo indispensável para a

configuração de um eixo pedagógico.


Pode ser considerada ainda, para a composição do eixo, a disciplina Psicologia da

Educação, que poderia ser paralela à primeira Oficina Pedagógica, como uma disciplina
voltada para o conhecimento dos diversos processos psicológicos envolvidos na

aprendizagem, com especial ênfase no desenvolvimento cognitivo.


128

Para compor o currículo pleno, seria necessário articular a este eixo as disciplinas,

de caráter teórico ou prático, voltadas para o domínio dos conteúdos específicos de cada

linguagem. A nosso ver, é indispensável que o objetivo destas disciplinas seja sempre a

formação dos esquemas de percepção necessários à compreensão da linguagem artística. Em

lugar de pressupor uma familiarização prévia, visar a própria formação dos esquemas de

percepção, evitando-se assim o ensino (em abstrato) de nomenclaturas, definições ou regras de

construção formal, sem os pré- requisitos para tal. Como etapas deste processo de formação

dos esquemas de percepção, vale lembrar que o primeiro passo deve ser sempre o manejo

prático dos elementos de linguagem, e em seguida a sua conscientização; apenas sobre esta

base de prática conscientizada é que devem ser abordadas as regras e as formulações ou


representações de caráter mais abstrato – como, no caso da música, a notação convencional.

Nestas disciplinas de conteúdos de linguagem, é fundamental tomar como ponto

de partida a realidade do aluno, para evitar trabalhar com conteúdos esvaziados, que para ele

não têm qualquer significação. Por outro lado, a oposição entre a expressão e a técnica pode

ser evitada, na medida em que a técnica seja concebida e abordada enquanto um instrumento a

serviço da expressão, e não como finalidade em si mesma. Tal abordagem dos conteúdos de

linguagem implica em posicionamentos metodológicos adequados, que não serão aqui

discutidos.3

Sabemos que a tarefa de construir uma educação de qualidade e com um projeto


democratizante é árdua. No entanto, muito já avançamos neste sentido, e hoje podemos contar

com reflexões mais amadurecidas e claras sobre os problemas da E.A., sobre a função do

ensino das artes na escola e a necessidade do professor especializado, especificamente

formado para tal. Sem dúvida, a tarefa de reestruturar os cursos de formação do professor de

arte, assim como a luta pela valorização social dos profissionais de educação, não passa

apenas por propostas curriculares ou discussões acadêmicas. Mas estas são, certamente,

imprescindíveis.

3
A este respeito, ver artigos da parte III e IV desta coletânea.
128

Figura 1

EIXO PEDAGÓGICO

• PARTE COMUM

1 - Problemas Atuais da Educação Brasileira

2 - Fundamentos Básicos da Arte na Educação

• PARTE DIFERENCIADA CONFORME A ÁREA ARTÍSTICA

3 - Oficina Pedagógica I

4 - Oficina Pedagógica II

5 - Metodologia do Ensino I

6 - Metodologia do Ensino II

7 - Estágio Supervisionado I (pré-escola e 1o grau)

8 - Estágio Supervisionado II (2o grau)


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