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11/07/2019 O mundo em realidade paralela

O mundo em realidade paralela


por José Goulão [*]

elite governante mundial, em aliança com o aparelho


comunicacional global que trata da sua propaganda,
querem forçar-nos a viver numa realidade paralela,
aquela em que a versão ficcional e oficial dos factos se
transforma em verdade única, indiscutível, sendo a
discordância anatemizada como fake news.

Para ter a noção da envergadura da burla basta-nos pegar


em alguns factos que fazem a actualidade, segundo a
agenda ditada pelo aparelho de propaganda, e aprofundá-los
um pouco. Não será necessário cavar muito fundo, porque a
mistificação fica exposta a partir das primeiras incisões: não
pode dizer-se que haja especial cuidado em preparar
algumas das farsas.

No topo da actualidade está a guerra contra o Irão: haverá


ou não haverá? Quando haverá? Como haverá? O problema
resume-se a estas dúvidas.

Presume-se, pois, que existam razões justas, mecanismos


legais para que a guerra se faça, talvez resoluções das
Nações Unidas ou coisas do género.
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11/07/2019 O mundo em realidade paralela

Não, resoluções não há; tão pouco o Congresso dos


Estados Unidos deu o consentimento constitucional ao
presidente para atacar o Irão. E, já agora, alguém sabe dizer
o que fez o Irão para que mereça ser alvejado? Parece que
uns petroleiros danificados no Golfo de Omã sem que haja
provas de quem cometeu o crime; e o derrube de um drone
norte-americano que invadiu o espaço aéreo iraniano, facto
de que existem sobejas provas embora sejam censuradas
pela comunicação global.

Digamos, porém, que estas circunstâncias poderão ser


pretextos circunstanciais, os casus belli, a ignição do conflito
armado.

Porque a pergunta que conta é esta: por que razão está o


Irão a ser vítima de uma guerra através de sanções
económicas arbitrárias que pode estender-se à componente
militar? Procurem a resposta no mainstream: encontrá-la é
tão difícil como acertar no euromilhões. Isto é, parte-se do
princípio de que o Irão tem de ser punido porque sim ou por
alguma coisa que já se manipulou e dissolveu algures entre
notícias empolgadas, comentários e análises de uma guerra,
afinal, imprescindível – é isso que interessa.

De vez em quando cita-se o presidente dos Estados Unidos


dizendo que, coitado, ele não quer a guerra, Teerão é que a
força; por ele, preferia negociar…

Negociar o quê? Ao que parece que o Irão se comprometa a


não ter armas nucleares. Mas isso já ficou estabelecido num
acordo aprovado em 2015 entre Teerão, os cinco membros
do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha. Um
acordo que está a funcionar, como comprova a Agência
Internacional de Energia Atómica (AIEA) nos relatórios das
suas inspecções trimestrais.

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Acontece que os Estados Unidos deram o dito por não dito e


retiraram-se há tempos do texto que assinaram. O que não
inviabiliza o acordo nem significa que o Irão o viola. Então a
guerra de que se fala é uma acção unilateral dos Estados
Unidos – em que quer arrastar o mundo inteiro – para
supostamente negociar o que está negociado. Sendo que,
por ironia da história, o único projecto nuclear militar que o
Irão alguma vez teve foi criado pelos Estados Unidos quando
sustentavam a ditadura criminosa do Xá Reza Pahlevi.

O mainstream, porém, não trata disto: dá muito trabalho às


pessoas, ocupa-lhes a cabeça, faz pensar. Coisa que
normalmente não é boa para as guerras.

E as guerras são para fazer.

Onde entra a NATO

E quando se fala em guerra surge a NATO; como se sabe,


sempre com a mais louvável e indiscutível postura "
;defensiva" ; – não é assim que assegura a
comunicação/propaganda?

A NATO é sempre notícia, e mais ainda quando, como


agora, se reuniram os ministros dos Estados membros.

Sempre no seu estilo contido, disseram os ministros, em


redor do seu secretário-geral renomeado de fresco, que ou a
Rússia suspende a produção de um determinado míssil de
médio alcance com capacidades nucleares ou a NATO
procederá em conformidade.

Ficou dado o recado, bem distribuído pela comunicação


social. E basta! O resto é dispensável, toda a gente sabe
muito bem quem são os russos.

Vamos então aprofundar um pouco a matéria.


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Os russos dizem que o míssil em questão não viola o tratado


de mísseis de médio alcance (INF), mas isso nada vale – é
dito pelos russos. Poder-se-iam confrontar as duas versões,
mas o que a NATO diz está dito, é um dogma.

Além disso, as várias formas de rearmamento visando a


Rússia que a NATO tem adoptado, em terra e no mar, viola
esse tratado porque transforma objectivos supostamente
defensivos em vantagens ofensivas e com capacidades
nucleares.

Bom, mas isto é dito igualmente pelos russos e também por


pessoas informadas mas cujas opiniões e factos
apresentados não cabem na versão oficial.

No entanto, seria importante sublinhar que o recado é


enviado pela NATO aos russos precisamente na mesma
altura em que a Junta de chefes do Estado-maior das forças
armadas norte-americanas – isto é, da NATO – aprovou uma
nova doutrina. E esse normativo prevê o recurso a armas
nucleares como meios " ;decisivos" ; para resolver situações
em que não haja " ;vitórias convincentes" ; das forças do
bem, as que asseguram " ;o nosso civilizado modo de vida"
;. Isto é, situações como as do Afeganistão, do Iraque, da
Líbia, da Síria, quiçá do Irão, da Crimeia e o mais que ao
bem aprouver. Trata-se, diz a Junta, de garantir a "
;estabilidade estratégica" ;, ao que parece uma situação que
apenas é alcançável com vitórias plenas e domínio absoluto
dos Estados Unidos e da NATO, nem que seja, a partir de
agora, com bombas nucleares.

O mainstream deveria ter dito alguma coisa sobre isto, pelo


menos para os cidadãos ficarem a saber que as bombas
nucleares poderão passar a decidir conflitos convencionais.
Dizer para quê? Isso só iria agitar consciências tão postas
em sossego com a informação fast food que lhes é servida.
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O humanitário Guaidó

Estando o Irão no topo da agenda parece ter amainado, por


ora, a sanha contra a Venezuela e as escolhas democráticas
dos venezuelanos; até a RTP reduziu a intensidade dos
esforços para transformar em grandes e legítimos
democratas os fascistas enviados por Trump, Bolton & Cia.

Isto não significa que a guerra travada em várias frentes,


designadamente as sanções contra o povo e o roubo de
bens do Estado não prossigam. O assunto é que transitou
das manchetes para páginas interiores e posições
intermédias dos alinhamentos.

Por isso o grande público não foi informado do episódio mais


actual da " ;operação liberdade" ;, aquela tentativa de golpe
em Fevereiro passado montada em torno do pretexto da
entrada de " ;ajuda humanitária" ; na Venezuela, com o
conquistador Juan Guaidó na frente.

Pois os bens angariadas por organizações tuteladas pela


CIA e os milhões alcançados no concerto Live Aid ficaram na
Colômbia e, segundo informações que são agora do
conhecimento público, filtradas por agentes dos próprios
serviços secretos colombianos, foram direitinhos para os
bolsos e as contas pessoais das hostes de Guaidó, o
presidente interino nomeado por Washington. Até o
secretário-geral da Organização dos Estados Americanos,
Luís Almagro, um dos mentores de toda a " ;operação
liberdade" ;, surge agora a pedir um inquérito às
circunstâncias, uma vez que, por outro lado, parte da "
;ajuda" ; alimentar ficou a apodrecer em armazéns em
Cúcuta, comunidade colombiana a que poderia ser útil pois
está muito carente de tudo o que não lhe chega de Bogotá.

Portanto, este desfecho da tão empolgante " ;operação


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liberdade" ; que iria " ;libertar" ; os venezuelanos do " ;jugo" ;


do democraticamente eleito Maduro ficou por contar pela
comunicação/propaganda. E trata-se, afinal, de um final feliz
– e rentável – para aqueles que, embora não " ;libertassem" ;
a Venezuela se viram livres de hipotéticas dificuldades
financeiras pessoais.

Epílogo ecológico

Viria a talhe de foice destas situações recordar palavras


recentes do secretário-geral da ONU, Eng. António Guterres,
que tiveram apropriadas tonalidades autocríticas embora,
mais uma vez, passassem ao lado do essencial – a mentira,
o desprezo e o desrespeito em que vive mergulhada a
esmagadora maioria dos seres humanos do planeta, perante
a complacência das Nações Unidas.

Disse o Eng. Guterres que a geração dos dirigentes actuais


não tem estado à altura das necessidades – mas fê-lo no
contexto da degradação ambiental e das alterações
climáticas.

Ora há muitas situações trágicas a montante e das quais a


contaminação ambiental e os problemas climáticos são
óbvias consequências. Há a guerra, as desigualdades cada
vez mais profundas entre Estados e povos, as armadilhas
financeiras, o desprezo ostensivo pelos direitos humanos, as
antigas e mais recentes formas de colonialismo militar e
económico, a desenfreada corrida às matérias-primas, o
destruidor expansionismo agrícola transnacional, a
impunidade da exploração de matérias-primas por métodos
destruidores da água e dos solos, o comércio injusto dito "
;livre" ;, o descarado desrespeito do capitalismo transacional
por normas que poderiam preservar o ambiente mas, no seu
entender, provocam restrições à ganância intrínseca.

O meio ambiente e a ecologia não existem por si, como


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bolhas que possam ser tratadas isoladamente sem mudar o


mundo.

Imagine-se que agora até o mainstream é ecológico, fala


contra as alterações climáticas, descobriu que o plástico é
nocivo para o ambiente. Falta-lhe apurar e explicar, porém,
como é que o desastre ambiental afecta drasticamente a
esmagadora maioria dos pobres e poupa os ricos, os que o
provocam, construindo-se assim mais um sistema de
apartheid.

A comunicação global e o Eng. Guterres estão, afinal, no


mesmo comprimento de onda, cumprindo-se a ordem natural
das coisas. Uma, porque a sua missão neste mundo é impor
a realidade paralela; o outro porque contribui para fabricá-la,
embora pudesse não o fazer, ao menos para respeitar os
direitos humanos.

26/Junho/2019

[*] Jornalista.

O original encontra-se em
https://www.oladooculto.com/noticias.php?id=424

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


05/Jul/19

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