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CHAVISMO: SOCIALISMO OU APROFUNDAMENTO DEMOCRÁTICO

REPUBLICANO NA VENEZUELA?

Marcos Wílian da Silva¹


e-mail: marcos_wilian@seed.pr.gov.br

RESUMO

Após quarenta anos de bipartidarismo como sistema político, iniciado em 1958, e instituições
liberalmente consolidadas, o Estado da Venezuela não resistiu aos efeitos impostos pelo
Consenso de Washington. Com promessas de transformação radical, chega ao poder o militar
Hugo Chávez Frias, eleito em 1998. Configurou-se, então, o denominado chavismo, promotor
de inúmeras mudanças institucionais, a começar pela Constituição, objetivando promover
uma sólida democracia, participativa e protagônica. Chama atenção o fato de que a adjetivada
Revolução Bolivariana foi considerada por Chávez como "Socialismo do Século XXI”,
adotando o termo criado por Heinz Dieterch. O presente artigo busca realizar a seguinte
análise: - A democracia implantada pelo chavismo na Venezuela pode ser considerada, de fato,
uma democracia socialista, devido suas características?

Palavras-chave: Estado; chavismo; democracia; Venezuela.

INTRODUÇÃO
Após quarenta anos de bipartidarismo como sistema político e instituições
liberalmente consolidadas (1958 – 1998), o Estado da Venezuela, a exemplo de praticamente
toda a América Latina, não resistiu aos efeitos globalizantes da economia e às medidas
implantadas pelo Consenso de Washington.
A elevação da pobreza extrema, que chegou a 49,9% em 1998, segundo dados do
CEPAL, e do caos social refletido, inclusive na queda da qualidade de vida da classe média,
além o total abandono da população carente pelo Estado, levou a população a promover
violentas manifestações, o que refletiu institucionalmente em seguidas de tentativas de golpe
de Estado. Desta forma, a incapacidade do Pacto de Punto Fijo – sistema político da época -
em lidar com os problemas e transformações sociais daquele período era evidente. Tal cenário
favoreceu o surgimento de uma nova proposta política que visava alterar radicalmente o

¹ Mestrando em Ciências Sociais - Linha 2 – Democracia e Políticas Públicas – UNIOESTE – Toledo/PR


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sistema instituído, buscando renovar as instituições e criar um vínculo mais direto entre povo
e governo. Em cena, protagoniza o militar Hugo Rafael Chávez Frías, então ex tenente-
coronel do exército venezuelano, candidato à eleição presidencial de 1998, que apresentou
como projeto de governo uma revolução pacífica, a qual chamaria de Revolução Bolivariana
Democrática, baseada no reverenciamento à conduta, valores e preceitos dos heróis nacionais,
principalmente de Simon Bolívar – o libertador da América Espanhola. Cultuando o
nacionalismo e o anti-imperialismo, tematizava a implantação de uma democracia
materialmente mais efetiva. Quando chegou ao poder executivo, por meio de eleições diretas,
no início de 1999, Chávez imediatamente convocou uma Assembleia Nacional Constituinte
(ANC) para a elaboração de uma nova Constituição que seria o instrumento político,
ideológico e jurídico garantidor de sua intenta Revolução. Seu legado entrou para história
denominado politicamente chavismo, cujo movimento levaria à implantação, via institucional,
do que Chávez denominou de Socialismo do Século XXI.
Pretende-se investigar quais mecanismos proporcionaram a transformação
institucional do Estado Venezuelano, bem como buscar identificar, teoricamente, se a forma
de democracia implantada pelo chavismo possui caracteres de socialismo, liberalismo ou
republicanismo. Para tanto, considerar-se-á superada a polêmica, de que Chávez foi sinônimo
de governo não democrático.

A ASCENÇÃO DE CHÁVEZ
Ao se findar os quarenta anos de bipartidarismo como sistema político e instituições
liberalmente consolidadas (1958 – 1998), o Estado da Venezuela, a exemplo de praticamente
toda a América Latina, não resistiu aos efeitos globalizantes da economia, bem como às
medidas implantadas pelo Consenso de Washington.
A elevação da pobreza e do caos social refletido, inclusive na queda da qualidade de
vida da população de classe média e o total abandono da população carente pelo Estado,
levaram estas a promoverem violentas manifestações, como por exemplo, o caracazo, uma
das mais sangrentas do período, onde foram mortas, formalmente, aproximadamente trezentas
pessoas em ataque efetuado pelo Exército. Existia, até então, um fosso social na Venezuela,
tanto que as populações carentes não constavam nos Mapas físicos e políticos do país. As
legendas indicavam áreas verdes, no espaço físico das favelas. Os grupos de alternância de
poder eram constituídos em sua maioria pelas elites oligárquicas, inexistindo representantes
das camadas populares.
Comprovou-se, com isso, a incapacidade do Pacto de Punto Fijo – sistema político
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bipartidário de revezamento do período - em lidar com os problemas e transformações que ora


se apresentavam. Tal cenário possibilitou o surgimento de uma nova proposta que visaria
alterar radicalmente o sistema político instituído, renovando as instituições e criando um
vínculo mais direto entre povo e governo.
Neste cenário, protagoniza o militar Hugo Rafael Chávez Frias, então ex tenente-
coronel do exército. Candidato à eleição presidencial de 1998, apresentou como projeto de
governo uma revolução pacífica, a qual chamaria de Revolução Bolivariana Democrática,
baseada no reverenciamento à conduta, valores e preceitos dos heróis nacionais,
principalmente de Simon Bolívar – o libertador da América Espanhola. Cultuando o
nacionalismo e o anti-imperialismo, tematizava a implantação de uma democracia
materialmente mais efetiva, com distribuição de renda e participação popular.
Ao conquistar a faixa presidencial, por meio de eleições diretas, e tomar posse no
início do ano seguinte (1999), Chávez convocou uma Assembleia Nacional Constituinte
(ANC) para a elaboração de uma nova Constituição - que seria o instrumento político e
jurídico garantidor e legitimador de sua intenta revolução. A nova carta constitucional foi
aprovada pelo povo da Venezuela, mediante referendo constituinte, aos quinze dias do mês de
dezembro de mil novecentos e noventa e nove e proclamada pela Assembleia Nacional
Constituinte, em Caracas, aos vinte dias do mês de dezembro do mesmo ano. Seu legado fora
denominado política e popularmente como chavismo.
O período de democracia liberal, anterior a Chávez, compreendeu quarenta anos de
alternância de poder. Em 1958, com a derrocada do regime ditador de Marcos Pérez Jimenez,
três partidos de maior influência daquele período AD (Aliança Democrática) COPEI
(Organização Política Eleitoral e Independente) e UDR (União Republicana Democrática)
assinam o Pacto de Punto Fijo. Este, instituiu as bases da democracia liberal venezuelana,
alicerçados por forças políticas, sindicais e empresariais que viam na renda do petróleo o eixo
econômico vantajoso justificador de suas articulações políticas.
Criou-se, então, a espécie de bi-partidarismo, antes relatado, com a alternância de
poder entre AD e COPEI. A renda era abundante, mas a concentração de poder econômico nas
mãos de uma minoria revelava-se gritante. O planejamento da estrutura econômica do
período foi incapaz de resolver problemas como a falta de diversificação produtiva,
especialmente devido as altas rendas do petróleo. Isto agrava a crise da década de 1990 pois o
país não tinha alternativas de produção.
Porém, esses não contavam com a queda do preço do petróleo na década de oitenta, na
chamada crise do petróleo, e o intenso endividamento externo acumulado dos tempos de
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abundância. As populações pobres praticamente sumiram dos mapas da Venezuela e padeciam


de políticas públicas efetivas.

(...) a situação precária dos serviços públicos, a crise econômico-financeira que


assolava o país e as promessas não cumpridas pelo então presidente Rafael Caldera,
como a de promover uma reforma constitucional a fim de transformar os poderes do
Estado, principalmente no Judiciário, referentes às leis contra corrupção e reforma
do Código Penal, só aumentaram a percepção da população de que o país necessitava
de mudanças institucionais profundas (LANDER, 2007, p. 5-8).

Logo após o Caracaço – violenta manifestação popular em 1989 – Chávez, em 1992,


juntamente com as forças da esquerda tenta efetuar um golpe de Estado, sem sucesso. Preso
pelas tropas do governo Pérez - deposto por impeachment em 1993 - juntamente com seus
apoiadores, foram depois anistiados pelo Presidente Rafael Caldera, em 1994, ano em que
também se iniciou o processo de descentralização da política bipartite. Mas as votações no
Congresso restavam neutralizadas pela maioria do legislativo AD e COPEI. Com isso, o
assolamento do neoliberalismo no país era evidente, denotando a precarização contínua da
infra-estrutura social.

A porcentagem de domicílios que se encontravam abaixo da linha de pobreza em


1990 era de 34% para o total do país (33% para as zonas urbanas) e a que estava
abaixo da linha de indigência era de 12% (11% urbanos), cifras que em 1994 passam
respectivamente para 42% (41% urbanos) e 15% (14% urbanos). A participação dos
20% mais pobres da população na renda total, que, em 1990, era de 5,7%, sobe meio
ponto, ou seja, 6,2% em 1994 (abaixo ainda de 1981); a dos 20% mais ricos, por sua
vez, sobe 1,8 pontos, isto é, de 44,6% para 46,4% entre aquelas datas. (CANO,
2002, p. 541).

Essa crítica situação social não atingiu somente a Venezuela, mas também
praticamente toda a América Latina, fazendo emergir movimentos e governos nacionalistas,
como foi o caso também da Argentina:

Depois de duas décadas perdidas para a América Latina, o modelo neoliberal


imposto pelos EUA esgotou-se num grande desastre econômico-social. Nos anos
1998-2003 as mobilizações, os protestos e as revoltas populares se traduziram em
resultados eleitorais, que levaram à ascensão de governos nacionalistas na Venezuela
e na Argentina, em nítida ruptura com o imperialismo. O exemplo de Cuba, de
sobrevivência à queda da URSS e de resistência anti-imperialista, sob a liderança do
Partido Comunista e do povo cubano, foi um grande estímulo à reação nacionalista
latino-americana. (MAMIGONIAN, 2006, p. 15)

A exemplo disso, na Venezuela, Hugo Rafael Frías Chávez, apto a concorrer às


próximas eleições, propagou que realizaria no país, junto ao povo, uma revolução pacífica e
democrática, a qual nomeou-a de Revolução Bolivariana. Buscando efetivá-la, conclamava a
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população para que recusasse qualquer tipo de corrupção permitida pelo sistema político
vigente e propunha uma mudança político-institucional, a começar por depor a antiga
Constituição.
A alternativa política se confirmou vencedora nas urnas em 1998 e, assim, a Venezuela
se viu diante de uma refundação política e institucional jamais vista, com nova Constituição,
cuja missão principal era a garantia de políticas públicas, financiadas ainda pela valorização
do petróleo, que visavam promover a dignidade ao coletivo populacional. Por consequência, o
que já era de se esperar, iniciou-se no país, nos primeiros efeitos da revolução, uma
polarização social, onde setores da sociedade, antes condutores das políticas públicas
neoliberais, acusavam o governo de Chávez de autoritário e não democrático.

O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI E A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA


O processo revolucionário iniciado com a ascensão de Chávez, em 1998, foi
financiado principalmente com a exploração do Petróleo, principal fonte de renda estável do
país, buscando servir milhões de venezuelanos pobres dos direitos sociais básicos. O marco
estrategista se deu em 2003, com a recuperação total da empresa de petróleo Venezuela
(PDVSA), tornando-a 100% estatal. Tendo o petróleo total gerência do Estado, foi possível
para o governo bolivariano avançar na construção das políticas públicas pensadas pelo
governo e participação popular.
O projeto concentrou suas forças no empoderamento popular, por meio de
organizações, missões, (como por exemplo as Missões Barrio Adentro, Hábitat, Milagro,
Ciência, entre outras), estratégias com vistas à solução dos problemas das comunidades.
Esse cenário descreve-se como uma luta constante contra o imperialismo, a
especulação imobiliária e a inflação. Foram criadas milhares de consultórios médicos
populares, com a participação de médicos enviados de Cuba, desenvolvendo saúde
preventiva, incentivando campanhas que visavam o extermínio do analfabetismo, entre outras.
Em menos 10 anos, grande parte da população venezuelana teve acesso a bens e serviços
públicos e privados que lhes foram historicamente negados no passado remoto.
O fortalecimento das instituições e a demasiada valorização da “Respublica”,
necessitava de permissividade legal. Referendada e aclamada popularmente, a nova e atual
Constituição (1999), além de mudar o nome do país para República Bolivariana da Venezuela,
foi pensada com o intuito de debilitar os partidos oligárquicos ao tempo em que o Poder
Executivo era fortalecido. À vista disso, alargou-se esse Poder que teve mandato ampliado
para seis anos, com possibilidade de reeleição de mais um mandato consecutivo, bem como a
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extinção do sistema bicameral.


Por outro lado, o Supremo Tribunal e o sistema de justiça sofreram uma
reestruturação que visava libertá-los das interferências políticas geradoras de
ineficiência e corrupção. A Constituição de 1999 criou também uma comissão
eleitoral independente e um novo órgão governativo designado “Poder do
Cidadão”, dirigido por um Conselho Moral Republicano de três elementos, que
funcionaria como provedor e que garantiria os direitos constitucionais.
(WILLIAMSON, 2013: p.610).

Aprovada a nova Carta Constitucional, o Estado venezuelano, agora em sua forma de


governo constituído como República Bolivariana da Venezuela, inicia a trajetória da
transformação do aparato jurídico-institucional que buscaria atender aos anseios da tão
propagada Revolução. Mudou-se, portanto, a concepção de Estado e de sociedade.
Consequentemente, a nova configuração atingiu os interesses dos representantes do
grande capital, afetando diretamente as relações de poder que representavam o “Status Quo”
do poderio econômico. Isso refletiu em constantes conflitos políticos com a oposição que,
inconformados, promoveram diversas investidas de usurpação do poder, dentre elas a mais
destacada tentativa de Golpe em abril de 2002.
O projeto busca construir um Estado novo e, em consequência uma nova sociedade,
ainda que com todas as dificuldades e limitações. As leis populares, o protagonismo popular
orientado pela nova Constituição, os milhares de conselhos comunitários exemplificam bem o
processo de transformação daquele país. Porém, as grandes dificuldades, a afronta ao grande
capital, devem ser sempre levadas em conta quando se trata de uma revolução popular que
visa a justiça social. As barreiras macroeconômicas impostas pelo sistema internacional de
circulação de bens e pelas grandes empresas constituem-se em grandes empecilhos para o
andamento contínuo e natural da Revolução.
Dados da CEPAL (2012) informam o antes (1998) e o depois de Chaves (2012). PIB
per capita em dólares: 3.899 > 11.131; Inflação: 35,7% > 23,2%; Desemprego: 11,3% > 8,0%.
População em situação de pobreza: 48% > 29%. Para um país com aproximadamente 28
milhões de habitantes, uma queda da pobreza de 19% corresponde cerca de cinco milhões e
meio de pessoas que saíram da miséria.

TRANSIÇÃO E A AUSÊNCIA DO LÍDER


Mészaros ao epigrafar a Obra de GUERRERO (2013), Chavismo sin Chávez, afirma
que a conversão de um projeto socialista em uma realidade irreversível acontece por meio de
muitas transições dentro da transição. O futuro do chavismo está contido em seu passado e
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presente, levando sempre em conta os princípios que o fundamenta. A equação que permite
identificá-lo é composta, segundo Guerrero, 2013, por três elementos: O líder, o partido
militar e o movimento social que lhe sustenta. O autor também revela algo curioso em relação
ao segundo elemento quando, duas horas antes do anúncio oficial da morte de Chávez, na
coletiva de imprensa as três da tarde, o seu sucessor, Nicolás Maduro utilizou a expressão:
“Direção política militar do Governo”. Tal pronúncia configura-se em uma novidade absoluta
no discurso chavista e marca, possivelmente, uma mudança nos rumos da transição e
composição da nova governabilidade.
Maduro, diferentemente de Chávez, não adveio das Forças Armadas, mas tornou-se o
depositário de seu poder quando, no fim da tarde do dia 8 de dezembro de 2012, recebeu das
mãos do comandante a espada de Bolívar, simbolizando miticamente a transferência da
investidura governamental. O Comandante investiu então Nicolás Maduro como seu sucessor
e delegou ao “partido militar” a função de suporte institucional do novo governo interino.
É importante salientar que Chávez dava início a um processo de transição não
impulsivo, mas que vinha sendo discutido desde o aparecimento de sua enfermidade. A
maioria dos movimentos sociais da Venezuela compreendeu isso como um processo de
transição. Alguns deles, ousam em chamá-la de “crise do regime”, com grande possibilidade
de ter sido agravada devido às violentas investidas da elite e da mídia demasiadamente
conservadora.
Destaca-se também a preocupação do líder político em manter unificados o partido
(PSUV) e as Forças Armadas. O ativo militante do movimento bolivariano, sociólogo e
professor universitário Javier Bardieu, expôs que no chamado "testamento político de
Chávez" está dado apoio irrestrito à figura Maduro, porém não uma procuração em branco.
Há cláusulas rígidas pactuadas cujo texto compromete o Estado Venezuelano a efetivar
políticas públicas submissas aos interesses do povo.
Em sua última reunião de gabinete no dia 20 de outubro de 2012, juntamente com seus
Ministros e demais componentes do primeiro escalão do Governo, Chávez, em nenhum
momento, utilizou as palavras “crise” ou “transição”, mas sim “a construção do socialismo” e
“o novo ciclo de transição”. Sua maior preocupação naquele momento era de convencer ao
novo Gabinete da responsabilidade que assumiriam a partir de então. Estavam diante de um
momento cruzado entre a troca brusca que deveria acontecer com o sistema político chavista e
a ameaça contínua de seu perigo de morte.
Para o sociólogo e politólogo espanhol Vinceno Navarro (apud Guerrero, p. 23) a
limitadíssima diversidade ideológica nos meios de comunicação dominantes é um dos
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indicadores da baixa qualidade da democracia espanhola. A postura conservadora de tais


meios na Espanha é intensa. Da mesma forma, na Venezuela essa característica é bem
acentuada. Basta observar que a cobertura política no país pelos cinco maiores canais de
radioteledifusão, a cobertura da presidência de Chávez foi marcada pelo desequilíbrio, dando
grande destaque às vozes críticas ao governo.
O que está realmente em jogo nesta forçada transição é a conservação e o continuísmo
dos avanços no campo da economia social, considerando as mais de setecentas expropriações
de latifúndios desde 1998 e as consideráveis conquistas no campo da saúde, habitação,
educação e protagonismo popular. Por outro lado, são incisivas as limitações deste processo,
pois enfrentam o jogo do grande capital como, por exemplo, a alta inflação devido ao controle
das balanças comerciais e financeiras da economia segue ainda nas mãos da burguesia.
Outro fator determinante no processo de condução do chavismo é a figura do Partido
Militar. Mesmo sendo evidente que este não é a única referência no processo político
bolivariano, desde os últimos quinze anos, verifica-se que as Forças Armadas são partícipes
em todos os acontecimentos do Estado, do Governo, do Movimento Chavista e da Esquerda
Venezuelana. Neste contexto, resta a inquietante pergunta: haverá chavismo sem Chávez?
Argumenta Guerrero que a pertinência desta indagação se baseia em evidências históricas,
pois quase todos os movimentos históricos semelhantes ao chavismo não conseguiram
sobreviver sem a presença do líder, com exceção do peronismo na Argentina e do sandinismo
na Nicarágua. Baseando-se em analogias, como a continuação do regime cubano pós Fidel,
Guerrero acena para uma resposta afirmativa. A transição que ora se apresenta não está
galgada por uma derrota política. Afirma ainda que o chavismo seguirá para além da
desaparição de seu líder, pois o movimento é sustentado por uma grande massa de militantes
jovens, mulheres e homens, verdadeiros renovadores de sua base social e que realizam
diariamente várias ações sociais e políticas.

CHAVISMO E DEMOCRACIA
O sistema democrático concorre com outras formas de governo, como é o caso da
monarquia ou da oligarquia. Em todo o mundo, nos distintos Estados-Nação, há diversas
variantes de regimes democráticos. Porém, na história da humanidade, configuraram-se duas
formas básicas: a democracia direta – em que todos os partícipes fazem valer a sua vontade –
e a democracia representativa, efetivada na maioria dos regimes democráticos modernos, onde
todos os cidadãos elegíveis permanecem com o poder soberano, mas transferem o poder
político a representantes eleitos.
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Na Venezuela, o regime constitucional instituído é o da Democracia representativa.


Porém, a Carta Magna refere-se a um regime democrático cujo o povo encontra possibilidades
de participação direta. Neste sentido, não é difícil de se indagar: - Afinal, trata-se de um
modelo tradicional representativo, republicano ou de democracia socialista? A resposta
precoce e segura é, no mínimo, ansiosa e carece de rigorosa averiguação e distinção teórica.
Valendo-se das observações de Hannah Arendt, Pitkin evidencia que

(...) a questão da representação, uma das questões cruciais e mais problemáticas da


política moderna desde as revoluções do século XVIII, na verdade implica nada
menos que uma decisão sobre a dignidade do próprio domínio político. Apenas a
participação democrática direta proporciona uma alternativa real para o dilema entre
mandato ou independência, no qual o representante ou é um mero agente de
interesses privados ou é um usurpador da liberdade popular, periodicamente eleito.
(ARENDT apud PITKIN, 2006, p. 43).

A fundamentação política das ideias liberais encontra justificativa na luta contra as


monarquias absolutistas, na qual os reis teriam um direito divino e hereditário do poder.
Engels na obra “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” nos informa que a
consolidação do movimento liberal se dá com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a Guerra de
Independência Americana e a Revolução Francesa – 1789 – que, derrubando o antigo regime,
conseguiu pôr em prática seus pressupostos de organização social, consagrando a propriedade
privada como um direito natural. A grande crítica que se dá ao modelo liberal é o
convencimento, por parte de seus adeptos, de que a simples representação, por meio do voto,
torna a democracia autêntica, suficiente.
As teorias políticas dessa corrente depositam no indivíduo a origem e destinação de
todo poder político, advindo de um contrato social voluntário, onde os contratantes cedem
poderes, porém reservam intactas suas individualidades. A lei e a coerção são fundamentais
para a garantia da ordem pública. Consoante Habermas,

Na concepção „liberal‟, o processo democrático cumpre a tarefa de programar o


Estado para que se volte aos interesses da sociedade: imagina-se o Estado como
aparato da administração pública e a sociedade como sistema de circulação de
pessoas em particular e do trabalho social das mesmas, estruturada segundo leis de
mercado. A política, sob essa perspectiva, e no sentido de formação política da
vontade dos cidadãos, tem a função de congregar e impor interesses sociais em
particular mediante um aparato estatal já especializado no uso administrativo do
poder político para fins coletivos. (HABERMAS, 2003, p. 277).

As discussões e teorias socialistas, a partir do século XX, como analisa Chauí (1989),
de igual forma, sustentam a afirmação de que um significa o outro, separando-os apenas no
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plano teórico, já que na prática são a mesma coisa. Assim, a democracia socialista assumiria a
função de eliminar as estratégias que manipulam e transformam a vida do sujeito em produto
mercantil. Para isso, propõe-se uma transformação política e cultural:
A questão humana e teórica de fundo é como dar início à democratização socialista,
vista como um processo de eliminação da manipulação e mercantilização da vida.
Uma revolução essa, não da classe operária tout court identificada e limitada ao
processo de trabalho da fábrica fordista-taylorista (pois isso já é evidente passado),
mas da humanidade que identifica no trabalho a origem do seu ser social (DEL
ROIO, 2005, p. 28).

Antônio Gramsci nos traz um importante significado de democracia, por meio da


conquista da hegemonia na construção do socialismo. Tal conquista significa um avanço
democrático. Entende o teórico socialista que a hegemonia se desenvolve na sociedade civil,
onde são travadas as lutas, principalmente nos planos cultural e intelectual. Assim, a
construção do socialismo é pretendida por Gramsci pela consquista da sociedade política, dos
aparelhos estatais, em oposição ao Estado Burguês:

O Estado socialista já existe potencialmente nas instituições de vida social


características da classe social explorada. Coligir entre si essas instituições,
coordená-las e subordiná-las em uma hierarquia de competências e poderes,
centralizá-las fortemente, ainda que respeitando as necessárias autonomias e
articulações, significa criar desde agora uma verdadeira e própria democracia
operária, em contraposição eficiente e ativa com o Estado burguês, preparada desde
agora para substituir o Estado burguês em todas as suas funções essenciais de gestão
e de domínio do patrimônio nacional (GRAMSCI apud DEL ROIO, 2005, p. 42).

O Republicanismo, por sua vez, tem origem na Roma Antiga, ligado ao nome de
Cícero (1603- 43 a.C.), autor de Da República. Adormecido na Idade Média, ressurge no
movimento renascentista, na Itália, tendo como expoente o "secretário florentino" Maquiavel
(1469-1527). Pela concepção republicana, ele desmonta a ideia medieval da origem divina do
poder e a substitui por uma acepção de ordem natural e racional, fundando o poder na divisão
originária da sociedade entre os grandes – que desejam oprimir e comandar – e os cidadãos –
que, por sua vez, não desejam a opressão tampouco o comando.
Em "Discorsi sopra la prima deca di Tito Lívio", o secretário florentino, assim
chamado carinhosamente por Gramsci, fundamenta a necessidade da instituição republicana
que tem por objetivo regular as ações humanas em meio aos conflitos:

Os homens nunca fazem nenhum bem a não ser por necessidade. Pois, onde há
muitas escolhas possíveis e onde se pode usar de licença, surgem logo inúmeras
confusões e desordens. Por isso é que se diz que a fome e a pobreza fazem dos
homens industriosos e as leis os tornam bons. A lei não é necessária quando uma
coisa funciona bem por si mesma, mas quando este bom costume está ausente, a lei
é imprescindível (MAQUIAVEL, 1994, P. 29).
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É de se observar aqui a concepção republicana adotada por Maquiavel ao considerar


que a lei deve atingir igualmente a todos, de forma a garantir a ordem e a igualdade. A política
adquire, portanto, uma nova moral, reconhecendo que o conflito é um fenômeno inerente à
atividade política.
Os fundamentos republicanos se baseiam deste modo, no regime da coisa pública,
onde o bem público se sobrepõe aos interesses privados – res publica – e lhes são intrínsecos
os caracteres de abnegação cívica, da virtude, da racionalidade e de submissão às leis tanto
para governantes quanto para governados. Para esta concepção, as leis garantem a liberdade,
limitando poderes. O republicanismo exige vigorosa participação dos cidadãos, fazendo-se
necessária uma educação laica, extensa e intensiva.
Ao distinguir liberalismo de republicanismo, contemporaneamente, Habermas , 2003,
explica que o primeiro, inclusive o liberalismo político, compreende uma preponderância das
liberdades subjetivas de ação sobre a comunidade e, consequentemente, a cidadania. Já os
republicanos, exigem os direitos de participação política que possibilitam a autodeterminação
dos cidadãos:
Então, no republicanismo inexiste um sujeito abstrato, fechado em sua
individualidade, mas aquele que se sente parte de uma coletividade. À vista desta
fundamentação, se faz importante avocar a hipótese que classifica, a democracia chavista,
chamada de "socialismo do século XXI, como um autêntico republicanismo, principalmente
quando possibilita aos governados oportunidades não raras de participação direta em relação
às políticas públicas aplicadas, como por exemplo, a existência dos consejos comunales que,
segundo legislação específica, são instâncias de participação, articulação e integração entre os
cidadãos e cidadãs com as diversas organizações comunitárias, movimentos sociais que
possibilita ao povo o exercício de um governo comunitário e a gestão direta das políticas
públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelas características de democracia participativa direta, protagônica e comunitária,
subsidiada pelo Estado ao regime da imprescindibilidade das leis, do bem comum, onde os
sujeitos/cidadãos são livres e iguais, mas subordinados à ordem jurídica determinada pelos
mesmos e, considerando a distinção ora apresentada das diferentes formas de governo e
democracia, é que este trabalho considera relevante a afirmativa de que o Chavismo, durante a
governabilidade do Comandante Chávez, implantou e perseguiu como fim último no Estado
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da Venezuela uma democracia autenticamente republicana.

REFERÊNCIAS

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Editora UNESP, 2002.
CEPAL, 2012 – disponível em http://www.cepal.org/pt-br/publicaciones/panorama-social-da-
america-latina-2012-documento-informativo.
DEL ROIO, Marcos. Os prismas de Gramsci. São Paulo: Xamã, 2005.
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Ediciones de Paradigmas y Utopías, 2002.
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transición. - 1a ed. Buenos Aires : Ediciones B, 2013.
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