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POR QUE O BRASIL É UM PAÍS


ATRASADO?
Ricardo Vélez Rodríguez
Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de
Sousa”, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Membro do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Professor Emérito da
ECEME, Rio de Janeiro. Docente da Universidade Positivo,
Londrina.
rive2001@gmail.com

É a pergunta que muita gente se faz e que Luiz Philippe de


Orleans e Bragança também coloca no seu livro que leva
exatamente o título deste post: Por que o Brasil é um
país atrasado? - O que fazer para enveredarmos de
vez no século XXI (Ribeirão Preto: Novo Conceito, 2017,
255 p.). O autor é membro da família real brasileira, pois
seu pai é dom Eudes, irmão de dom Luís Gastão de Orleans
e Bragança, atual chefe da Casa Imperial do Brasil. É,
portanto, descendente direto de Dom Pedro II e da princesa
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Isabel Leopoldina, e pertence ao denominado Ramo de


Vassouras, sendo eventual sucessor ao trono.

Com esses títulos familiares poderia se pensar que Luiz


Philippe é uma figura bolorenta, daquelas que cheiram a
naftalina do passado. Muito pelo contrário: ele é um jovem
executivo e empresário com sólida formação acadêmica,
tendo feito mestrado em ciências políticas na Universidade
de Stanford, nos Estados Unidos, e tendo cursado também
o MBA da prestigiosa Escola Internacional de Negócios da
França (INSEAD), em Paris. Trabalhou no setor de
planejamento financeiro da Compagnie de Saint-Gobain
(nos Estados Unidos) e nos bancos JP Morgan (Londres) e
Lazard Frères (Nova York), tendo sido, de outro lado,
diretor de desenvolvimento de negócios da AOL para a
América Latina. A partir de 2005, radicado no Brasil,
trabalha como empreendedor. Em 2015 foi cofundador do
Movimento Liberal Acorda Brasil e tem atuado na
articulação de propostas de reforma política, defendendo o
sistema de voto distrital com recall, num contexto de
transparência tributária. Tem-se pronunciado pela defesa
da soberania e da cidadania que, no seu entender, são
postas em xeque pela nova lei de imigração.

Um empresário de família aristocrática que participa,


alinhado ao lado liberal da política do país. Algo raro? Não.
Existem precedentes ilustres como o de Alexis de
Tocqueville, nobre dos quatro costados que descendia, pelo
lado paterno, de Guilherme o Conquistador e, pelo lado
materno, de S. Luís, rei medieval da França. Tocqueville fez
uma opção claramente liberal, em prol da democracia com
preservação da liberdade. Defendia as conquistas que, a
partir da Revolução Francesa, acabaram com a servidão
medieval, mas era contra qualquer forma de absolutismo,
criticando inclusive o autocratismo dos jacobinos que
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degenerou no Terror, bem como o absolutismo napoleônico


que fez regredir a história francesa ao século de Luís XIV,
que se definia a si próprio como "O Estado" ("L' État c'est
Moi").

A obra de Luiz Philippe apresenta um cardápio liberal de


temas de grande atualidade para os momentos que o Brasil
vive nesta pré-campanha presidencial. Menciono-os,
retomando os títulos dos vários capítulos: Estado ou
Governo? Uma sociedade (des) organizada. Constituição,
essa desconhecida. Estado grande, povo amarrado.
Neossocialismo (ou oligarquismo). Problema de raiz. O mito
da ideologia igualitária. Sucessão de oligarquias. Várias
oportunidades e poucos capazes de aproveitá-las. Karl Marx
e a psiquê do brasileiro. Democracia é o objetivo? Optamos
pelo pior. Conscientização coletiva. Conclusão: a nossa
missão.

No prefácio da obra, Stephen Kanitz destaca os aspectos


que fazem dela uma leitura essencial para entender o nosso
país. Escreve a respeito: "Luiz Philippe de Orleans e
Bragança, descendente direto de nossos antigos monarcas,
tem uma visão abrangente e especial, usando o passado e
as experiências paralelas para demonstrar como e onde
temos falhado na construção da nossa história mais recente
- e o faz com a agudeza de um crítico, a energia de um
acadêmico e o rigor de um cientista político. A obra nasce
em um dos momentos mais delicados e instáveis da nossa
trajetória. Dizer que o Brasil é um país atrasado é lugar-
comum. E há muitas respostas prontas, segundo o autor.
Por esta razão, ele se propõe a oferecer elementos para
que o leitor não seja compelido a reproduzir o que é de fácil
compreensão, mas que quase sempre não corresponde à
realidade" (p. 9).
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O primeiro ponto que é analisado criticamente por Luiz


Philippe é o da narrativa fácil, criada por cientistas políticos,
historiadores, filósofos e sociólogos que abdicaram do uso
da razão para compor uma vulgata que permitisse a rápida
conquista do poder, com a finalidade de instaurar um
vaporoso socialismo. Aqueles, segundo o autor, são os que
"(...) descartam a observação, a repetição e
a comprovação científica. Eles desvinculam a ciência da
política e terminam por fazer somente política. Esses
estudiosos trabalham com o imaginário das pessoas, na
intuição sensorial e estética. Políticos com disfarce de
cientistas, eles poluem e contaminam milhões de mentes
com falsas verdades, estatísticas maquiadas, temas não
observáveis, deturpações de fatos históricos, destruição de
evidências e tentativas de criação de mitos e narrativas
novas para se validarem como representantes 'do povo'.
Eles almejam a construção de uma visão confortável, de
fácil digestão pelas massas, e querem conquistar controle e
poder. São agentes que se utilizam da linguagem
camaleônica para obter uma perfeita aceitação nos
segmentos que desejam convencer e controlar. Esses são
os políticos dentre os cientistas. Atualmente, eles são a
maioria no Brasil" (p. 13).

O autor é feliz na caracterização do clima reinante na nossa


academia. É só entrar numa sala de aula de qualquer
Universidade pública, notadamente das faculdades de
ciências humanas, para ver que o que Luiz Philippe frisa
não é exagero, mas uma descrição real do que se passa
nos nossos centros de estudos superiores. O Gramscismo
virou o pano de fundo sobre o qual vicejam os discursos
dos "intelectuais orgânicos", e qualquer um que ousar
confrontá-los será excluído do convívio acadêmico. Assim
se processou, ao longo das últimas décadas, o clima de
entropia da inteligência que nivelou por baixo as
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Universidades brasileiras. Só há uma saída: ou se ajustar,


ou amargar o patrulhamento ideológico que hoje é,
infelizmente, o clima predominante no meio acadêmico.

Não é novo o clima de alergia ao pensamento pelo que


passa atualmente o Brasil. Na França de finais do século
XVIII, à época da Revolução de 1789, Tocqueville
destacava que os intelectuais tinham-se dedicado, à luz do
enciclopedismo, a elaborar versões facilmente
compreensíveis pelas massas, caindo num enredo de
generalizações que facilitaram a entrada dos jacobinos na
cena política e a radicalização do processo de derrubada
do Ancien Régime. As massas, frisava o pensador francês,
gostam de generalizações fáceis e são seduzidas por quem
lhes apresenta narrativas simplórias. Ora, o único caminho
possível para confrontar esse vício é o do uso sério e
paciente da razão para analisar os fatos históricos.

É exatamente isso que o autor faz no seu livro. "Nesta obra


curta, didática e com esperança de ser objetiva - afirma
Philippe de Orleans e Bragança - proponho um caminho
deliberadamente oposto ao que vem sendo seguido pela
maioria dos cientistas políticos que enxergam a realidade
brasileira através de uma lente desfocada pela ideologia.
Na análise que segue, o leitor precisa estar preparado para
se desvincular da poluição sensorial criada por esses
políticos do imaginário. Você terá de se imbuir de seu
espírito científico e aceitar a causalidade como regra, o que
frequentemente implica em negar convenções e, mesmo,
emoções. A pergunta 'o que causa o quê?' deve estar
sempre presente para validar qualquer novo fato ou
argumento que pretenda ser verdadeiro. Nossa jornada
para entender por que o Brasil ainda não é um país
desenvolvido inicia-se com a constatação de que nossas
escolhas históricas de sistema de governo e de sistemas
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econômicos nos colocaram na classificação atual de país em


perpétuo e vacilante desenvolvimento" (p. 13-14).

Do ponto de vista político, houve - segundo o autor -


costumeiramente uma confusão lamentável entre as três
instâncias que compõem esse universo: o Estado, o
Governo e a Sociedade. Como entidade permanente que
facilita a ponte entre as duas primeiras instâncias, o autor
destaca a Burocracia. Ocorre que, na nossa tradição
bafejada pelo democratismo rousseauniano, houve uma
lamentável confusão entre o permanente, o Estado, e o
transitório, o Governo, tendo constituído a Burocracia
instrumento para a perpetuação de determinados grupos
políticos no poder. A Sociedade foi a grande ausente em
todo esse processo histórico de construção das instituições.
Cumpre hoje refazer o processo, fazendo com que a
Sociedade recrie os traços fundamentais do Estado (que
deve servir à Sociedade), a fim de que os Governos,
transitórios na sua essência, se ajustem a essa realidade,
fazendo com que a Burocracia, de instrumento para a
perpetuação no poder de grupos transitórios, passe a servir
aos interesses da Sociedade no seio de um Estado
democrático de direito e com Governos que prolonguem no
tempo esse liame. Em termos jurídicos eu traduziria o
anseio de Luiz Philippe de Orleans e Bragança com aquele
antigo adágio latino que expressava o mal que deveria ser
evitado: "Non est Civitas propter Civem sed Cives propter
Civitatem" ("Não estão o Estado e o Governo em função do
Cidadão, mas o Cidadão está em função do Estado e do
Governo").

Quais são os países em que, no mundo hodierno, o Estado


e o Governo realmente servem às Sociedades em que
aqueles se organizaram e nos quais "a sociedade
organizada partilha do comando da coisa pública"? A
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resposta do autor é clara: "São, não por acaso, as nações


mais desenvolvidas: os Estados Unidos, o Canadá, a
Austrália, os Estados da Europa ocidental e o Japão" (ob.
cit., p. 34).

Ora, o Brasil é um país atrasado porque historicamente as


nossas lideranças fizeram opções erradas do ângulo
político, favorecendo o surgimento de um Estado mais forte
do que a sociedade, sequestrado por Governos clânicos que
colocaram as instituições a serviço de pequenas minorias
oligárquicas. Esse é, em síntese, o nosso mal. Em lugar de
ter vingado no Brasil uma economia de mercado favorável
ao enriquecimento da Sociedade, terminou se estruturando
um sistema produtivo que ainda hoje beneficia elites
descoladas do resto da Nação. Os governos populistas
estimulam o surgimento de "campeões de bilheteria"
escolhidos pelos donos do poder. O drama dos últimos 14
anos da história brasileira pode ser traduzido nesse
contexto.

Para o Brasil sair do buraco é necessário estimular a


organização da Sociedade Civil, a fim de que ela retome o
Governo e o controle sobre o Estado e passem a ser
respeitados os direitos de todos os cidadãos. "Caso não
haja uma sociedade bem organizada - alerta o autor -, as
ações para limitar governo e burocracia serão frustradas.
Sim, a sociedade organizada é a elite da sociedade e
responsável pela sua defesa" (p. 31).

O ciclo lulopetista correspondeu a um período de atraso do


nosso desenvolvimento como Sociedade Civil. Em lugar de
estimular a produtividade mediante a liberdade de
investimentos e de funcionamento das empresas privadas,
os petistas partiram para uma grosseira estatização em que
os sindicatos tiveram amplas garantias para se
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beneficiarem de fundos públicos sem controle de parte do


Governo. "Para lutar contra o 'assalto ao Estado' - frisa o
autor - o governo Dilma propunha um planejamento público
centralizado e impositivo; criação de um sistema bancário
público; incentivo às estatais estratégicas para executar o
planejamento básico e para 'incitar' e 'puxar' empresas
privadas; e a utilização da dívida pública como ferramenta
para o desenvolvimento. Em outras palavras, estavam
propondo a nacionalização dos poucos bancos privados que
restam, a estatização de empresas particulares e a
ampliação dos gastos crescentes e insustentáveis com
programas sociais mal desenvolvidos. (...) . Esse tipo de
discurso é padrão da ideologia que leva ao comunismo.
Escutamos variações mais ou menos competentes dessa
narrativa desde a queda do muro de Berlim, em 1989, de
modo que já fincou raízes na nossa formação intelectual.
Mesmo aqueles brasileiros que posteriormente
questionaram essa abordagem e aderiram a uma visão
lógica e científica da história e da economia, se formaram
ouvindo esse discurso, vendo o mundo e a história sob a
lógica binária da luta de classes. Sendo assim, é
especialmente difícil para nós nos contrapormos a essa
visão de mundo. Mas difícil não significa impossível, e
podemos escapar dessa mitologia quando analisamos seus
pressupostos como etapas" (p. 74-75).

As propostas estatizantes petistas para criar no Brasil um


Estado social não são novas. A respeito, frisa Luiz Philippe
de Orleans e Bragança: "Sob a grande mentira de que o
Estado estava libertando o trabalhador dos grilhões do
capital, criaram-se poderes socialistas despóticos. Esses
regimes eram de jura e de fato patrimonialistas e, em
grande parte, mais totalitários do que aqueles regimes
monárquicos absolutistas do século XVII, representando um
nítido retrocesso. (...). Oligarcas da economia convivem
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muito bem com os oligarcas políticos criados pelo Estado


social. Quando notamos que boa parte dos novos magnatas
empresariais vêm de países controlados, como a Rússia e a
China, isso não é nenhuma contradição. É, apenas, uma
questão de lógica. Um Estado com modelo de alta
intervenção regulamentar e tributária, a exemplo dos
fascistas, nazistas, socialistas e comunistas, tem economia
planejada centralmente, o que os torna ideais para que os
poucos grandes empresários e oligarcas econômicos
controlem todo o sistema. A troca é simples, mas invisível
ao leigo, ao pagador de impostos normal. Funciona assim:
os oligarcas, por serem contra a competição de livre
mercado, articulam a criação de uma regulamentação
altamente restritiva para o mercado interno. A medida
elimina a competitividade de pequenas e médias empresas
nacionais e o protecionismo inviabiliza as importações. Em
troca de regulamentações favoráveis e de financiamento
público extensivo a taxas camaradas - como se viu com o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o
BNDES, por exemplo -, os oligarcas aceitam normas
trabalhistas que encarecem os seus custos e garantem
benefícios maiores aos trabalhadores escolhidos pelos
sindicatos. Escondida nesse jogo, está a demanda dos
oligarcas políticos por sucessivos aumentos de renda,
patrocínio a campanhas políticas e por cada vez mais
empregos para os seus correligionários" (p. 77-80).

Houve, na evolução constitucionalista do Brasil, um duplo


movimento: de início tivemos a influência dos modelos
liberais anglo-americanos e franceses que levaram a que,
entre 1824 e 1930, o país tivesse uma configuração
inspirada no liberalismo. A resultante disso foi clara: grande
estabilidade institucional. Nesse longo período, frisa o
autor, durante 106 anos, "(...) o Brasil foi uma nação de
economia e política liberais, com um mercado aberto
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desregulamentado, Estado de Direito não intervencionista


e, consequentemente, pequeno, custando somente o
equivalente a 13% do produto interno bruto (PIB) em
tributos. O direito à propriedade era pleno e inviolável, e o
acúmulo de riqueza não era visto como um problema a ser
controlado ou tributado pelo Estado" (p. 84).

Logo veio um movimento no sentido do estatismo e do


controle, pelo Estado, da economia e da sociedade. Esse
novo momento se iniciou com a ascensão de Getúlio Vargas
ao poder em 1930 e reforçou-se com a entrada dos
militares na vida política ao longo dos vinte anos que
medeiam entre 1964 e 1985. O Brasil nunca mais saiu
desse esquema presidido por um Estado forte e interventor.
Os impostos passaram a engolir cada vez mais a riqueza
nacional. O populismo getuliano deixou uma herança cara:
os impostos passaram a engolir, em média, 17% do PIB.
No fim do período militar a tributação passou a se apropriar
de 27% do PIB nacional. A cultura do estatismo que se
instalou fez com que nas décadas seguintes o Estado
passasse a se apropriar de fatias cada vez maiores da
produção nacional, sendo que em 2015 o Leviatã
tupiniquim já se apropriava de 35% da riqueza dos
brasileiros.

Conclusão do autor: "Contada do ponto de vista da


evolução das ideias, a história do Brasil é muito clara e
simples: o país nasceu em 1824 com uma Constituição
liberal e os princípios de Estado passivo, limitado, de
economia livre e que tributava pouco permaneceram
presentes até 1930. Em 1934, uma nova Constituição de
viés socialista iniciou um ciclo de aumento contínuo do
poder do Estado, que criou para si deveres
intervencionistas na sociedade e na economia. As
constituições subsequentes de 1946 e de 1988 só
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adicionaram mais legislação a favor do Estado e contra o


liberalismo político e econômico, dando legitimidade legal à
criação de um Estado totalitário e interventor na economia
fechada que temos hoje no Brasil" (p. 94).

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