ARTIGO

Salvamento veicular
◗ Emprego da técnica de ângulo zero na
extração de vítimas de acidentes automobilísticos
Atualmente, o acidente de trânsito

FILIPE BARRIENTOS
é considerado um problema de saúde
pública, visto as suas repercussões clí-
nicas e traumáticas, bem como o em-
penho do poder público. Segundo o
IBGE, no Brasil, ocorrem cerca de 45
mil mortes/ano por consequência de
acidentes de trânsito, incluindo óbitos
após 72 horas do acidente. Os prejuí-
zos materiais giram por volta de 5 bi-
lhões de dólares, o governo gasta em
média 90 mil reais com as vítimas não
fatais e nos casos de morte este valor
passa para 550 mil reais. Sabe-se, ain-
da, que no território brasileiro a cada
57 segundos ocorre um acidente auto-
mobilístico e a cada 22 minutos morre
uma pessoa por consequência destes
acidentes e a grande maioria das víti-
mas têm menos de 35 anos de idade.
Os socorristas têm a nobre missão de
atuar frente às ocorrências de acidente
automobilístico e empregar técnicas de
salvamento veicular, a fim de minimi-
zar os riscos de mortalidade causados
por estas emergências. O principal ob-
jetivo dos bombeiros e socorristas, ao
chegar no local do acidente que envol-
va vítima, é fazer com que esta vítima
chegue ao recurso hospitalar no menor
tempo possível e nas mesmas ou em
melhores condições que encontrava-se
quando a equipe de socorro iniciou o
seu trabalho. E, para isto, os socorristas
utilizam técnicas de retirada de vítimas
que proporcionem segurança, eficácia
e minimizem o risco de agravamento,
dentre elas, a mais recente, conhecida A técnica acompanha
a posição da vítima
como Ângulo Zero. Técnica esta que
tem mostrado excelentes resultados
práticos e científicos para qualidade EXTRAÇÃO DE VÍTIMAS ículo, sendo que até 25% dos traumas
da retirada de vítimas. Segundo M. Dixon et. al., as lesões de região cervical ocorrem por causa
ocorridas no momento do acidente de imobilização imprópria após o aci-
Ednei Fernando dos Santos - Gra- são chamadas de lesões primárias e dente inicial e, portanto, pode ser evi-
duado em Educação Física – FE- nem sempre são as responsáveis por tável. Para E. F. Santos et. al., conside-
FISA, Pós- Graduado em Ciências
Morfofuncionais – SP, Mestre em sequelas, lesões irreversíveis ou que rando que a restrição do movimento de
Reabilitação – SP, 3º sargento do ameacem a vida. A responsável pode coluna completa é recomendada pelo
Corpo de Bombeiros de São Paulo
e Docente pelo Departamento de ser uma lesão secundária que pode ser Colégio Americano de Cirurgiões du-
Resgate e Emergências gerada por meio de manipulação ina- rante a extração após um acidente de
Médicas – ESB/CBMSP
edneifernando81@ dequada da medula espinhal durante automóvel, estima-se que até um quar-
gmail.com a retirada da vítima do interior do ve- to das lesões na medula espinhal po-
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de ser agravada durante as técnicas de
extração. Os serviços pré-hospitalares
devem utilizar técnicas que forneçam
segurança, qualidade, eficácia e desvio
mínimo da coluna cervical às vítimas
de acidente automobilístico, durante a
fase de extração. Todas as técnicas de
salvamento veicular empregadas pelos
bombeiros e socorristas em ocorrên-
cias de acidente de trânsito são extre-
mamente complexas, exigindo alto ní-
vel técnico e operacional das equipes.
Dentre estas técnicas, a retirada da ví-
tima dos veículos envolvidos no aci-
dente, passa a ser o momento de maior
atenção e cautela, pois “qualquer ma-
nipulação da vítima feita de forma in-
correta ou no momento errado pode
desencadear uma série de prejuízos e
agravamento das lesões.”
Durante o atendimento de um aci-
dente de trânsito com vítimas presas
nas ferragens ou retidas, inúmeros as-
pectos devem ser observados como,
isolamento do local, segurança, esta-
bilização dos veículos, quantidade de
vítimas, tipo de encarceramento, pon-
tos de acesso à vítima, tipo de veículo,
materiais, técnicas, entre outros. Pro-
tocolarmente, existem diversas técni-
cas de retirada de vítimas que são em-
pregadas atendendo alguns princípios,
dentre estes o estado clínico da vítima,
gravidade e sua posição no interior do
veículo. Dentre as principais técnicas,
elencamos: o uso do CID - Colete
Imobilizador Dorsal tipo KED (Ken-
drick Extrication Device), prancha curta,
retirada rápida, chave de rauteck e a
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técnica conhecida como retirada em
ângulo zero.
A equipe responsável pelo APH
(Atendimento Pré-Hospitalar) tem uma
missão muito importante que é sugerir
qual a melhor técnica de extração da
vítima conforme deformidade do ve-
ículo, deformidade de estruturas inte-
riores (indicação de onde a vítima co-
lidiu), padrões de lesão da vítima (indi-
cação de quais partes do corpo podem
ter colidido), tipo de vítima, condições
clínicas, bem como seu nível de encar-
ceramento e, posteriormente, repassar
ao comandante e às equipes de desen-
carceramento e extração, para que os
procedimentos sejam bem executados.
EXTRAÇÃO EM ÂNGULO ZERO
Extração ou retirada em ângulo ze-
ro é uma técnica que consiste em re-
tirar do veículo as vítimas, buscando
o menor ângulo de movimentação do
acidentado e de sua coluna vertebral,
evitando, assim, agravamento de le-
sões. Nesta técnica, o ângulo de extra-
ção deve estar relacionado ao próprio
corpo da vítima e não ao veículo, isto
é, extrair no sentido onde sua cabeça
aponta; há casos em que pode-se reti-
rar pela direção onde os pés apontam
também. Importante salientar que,
preferencialmente, a vítima é extraída
sobre uma prancha rígida em DD (De-
cúbito Dorsal) e pelo ângulo zero, na
qual a remoção é realizada em linha re-
ta, através da parte traseira, para-brisa
ou janela lateral do veículo. Em alguns
casos, podendo, ainda, após a vítima
colocada em DD na prancha longa,
realizar pequenos giros com a prancha
na busca do melhor acesso de extração
(portas, janelas, entre outros).
Durante um estudo realizado por
Dixon et. al., foi realizada uma investi-
gação comparativa dentre todas as téc-
nicas protocolarmente existentes nos
serviços de emergência sobre extração
de vítimas. O objetivo foi estabelecer a
técnica que fornece o desvio mínimo
da coluna cervical a partir da posição
neutra, em linha, durante a remoção do
acidentado, usando técnicas de análise
por biomecânica, câmeras em 3D e in-
fravermelho. Assim, ficou comprovado
que ao se comparar o menor movimen-
to médio da coluna cervical, a técnica
de retirada em linha com uso de pran-
cha longa (ângulo zero) apresentou o
menor movimento, de 13,56° ± 2,34°
e variou de 9,40 a 17,25°, comparada
ao desvio registrado durante a retirada
auxiliada pelo equipamento CID tipo
KED movimento médio de 17,60° ±
3,15° e variação de 13,25 a 22,60º, sen-
do que as técnicas com o emprego do
CID tipo KED resultaram significati-
vamente mais movimento da coluna
cervical durante a retirada de vítimas
do que outras técnicas avaliadas neste
estudo (p <0,05).
Em outro estudo realizado por S.
Akkus et. al. no Departamento de Me-
dicina de Emergência, do Hospital
Ancara na Turquia, foi analisado ou-
tro benefício da técnica de retirada de
acidentados em ângulo zero. Os acha-
dos clínicos identificaram que uma leve
Emergência 55
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elevação da cabeceira da prancha lon-
ga, quando a vítima apresentar algum
desconforto respiratório, traz benefí-
cios sobre as funções respiratórias de
vítimas, enquanto outras técnicas co-
mo colete imobilizador dorsal mostra-
ram trazer prejuízos e desconfortos.
Outro ponto que merece atenção
foi identificado por Dixon et. al., que
revela que a altura e peso corporal da
vítima têm significante influência so-
bre as técnicas de extração, principal-
mente no uso do CID tipo KED, de-
monstrando forte correlação entre o
movimento da coluna cervical e altu-
ra (tendências de indivíduos mais al-
tos apresentarem mais movimentação
na extração). Indivíduos mais pesa-
dos sofrem maiores consequências de
movimentação da coluna quando são
retirados em prancha longa com giro
para o lado do passageiro. Já a corre-
lação mais forte de movimentação da
coluna comparando massa e altura é a
retirada com CID tipo KED pelo lado
do motorista. É sugerido que a altura e
peso da vítima devem ser levados em
consideração no momento de escolha
da técnica de extração. As técnicas atu-
ais podem não estar proporcionando
o cuidado ideal para as vítimas de aci-
dentes automobilísticos.
J. Bucher et. al., em um dos experi-
mentos realizados na Universidade Ru-
tgers Robert Wood Johnson Medical School,
em Nova Jersey, Estados Unidos, de-
monstram que a técnica em retirada
por ângulo zero se mostra mais rápida
e ágil, quando comparada ao emprego
do colete imobilizador dorsal. Isto é
uma descoberta importante, uma vez
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que a remoção da vítima de um veí-
culo é um procedimento demorado
e pode colocar o acidentado e os so-
corristas em perigo devido a situações
ambientais.
Ainda Bucher et. al. destacam que
por muitos anos os atendimentos de
emergência de vítimas com trauma e
suspeita de lesões da coluna vertebral
foram altamente ritualizados e enges-
sados. No entanto, o progresso está
acontecendo, principalmente com base
em evidências científicas para técnicas
de restrição de movimento da coluna
vertebral utilizadas durante a retirada
de vítimas por equipes de atendimen-
to pré-hospitalar. Santos et. al., citam
que o The Journal of Emergency Medicine
(2013), recomenda que haja mais trei-
namentos entre as equipes e a redução
da quantidade de materiais para empre-
go de extração.
CONCLUSÃO
É possível concluir que altura e peso
da vítima têm significantes influências
sobre as técnicas de extração. O CID
tipo KED demonstrou forte correla-
ção entre o movimento da coluna e al-
tura. Indivíduos mais pesados sofrem
maiores consequências de movimenta-
ção da coluna quando são retirados em
prancha longa com giros para o lado
do passageiro. É sugerido que altura e
peso da vítima devam ser levados em
consideração no momento de escolha
da técnica de extração. Os resultados
deste estudo permitem concluir que a
técnica em ângulo zero pode ser uma
boa escolha de extração para vítimas de
acidentes automobilísticos, além de ser
uma importante ferramenta de preven-
ção de agravamentos de lesões secun-
dárias decorrentes de traumas de colu-
na durante os acidentes. Ainda sabendo
de vários benefícios que a técnica pro-
porciona, torna-se fundamental a con-
tinuidade de novas pesquisas e investi-
gações que permitam mais resultados
fidedignos sobre a abordagem técnica
e biomecânica do procedimento.
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