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A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO PRODUTO E A PONDERAÇÃO

ALEXYANA: CRÍTICA AO RECURSO ESPECIAL Nº 1.395.647-SC

RESUMO

A pesquisa trata do tema da Responsabilidade Civil pelo Fato do


Produto no caso de indenização por danos morais a consumidor que,
tendo adquirido refrigerante contaminado por inseto, não o ingeriu.
Para tanto, vale-se do Recurso Especial n° 1.395.647-SC e da teoria
principiológica de Robert Alexy, com o fim de aplicar criticamente a
ponderação ao caso concreto. Perscruta-se a possibilidade de alteração
do entendimento jurisprudencial vigente mediante séria análise
científica. Faz-se uso do método dedutivo, partindo-se de uma teoria
geral para um caso particular. Alcança-se o resultado de que, diante da
colisão de princípios antagônicos, o consumidor tem direito à
indenização por dano moral.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Fato do Produto.


Ponderação. Princípios. Danos Morais.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa avaliar a decisão no REsp 1.395.647-SC a partir dos


parâmetros da ponderação que estão contidos na obra de Robert Alexy. Em outras palavras,
busca analisar os princípios que estão envolvidos na situação de exposição de um consumidor
a alimentos contaminados, sem que esse os tenha ingerido, para que, mediante a colisão de
princípios, possa-se perceber qual a solução proporcional para o caso.
A pesquisa faz-se necessária por duas razões fundamentais. A primeira delas é a de
que, no meio jurídico consumerista, os princípios costumeiramente são tratados de forma
assistemática. A segunda é a de que a teoria alexyana, quando considerada de forma
minimamente profunda, pode conduzir a uma avaliação satisfatória da proporcionalidade em
um conflito de direitos ou interesses.
O trabalho será qualitativo e guardará tanto elementos representativos ou descritivos
quanto normativos, propondo um exame ideal sobre o tema posto. O método empregado para
o desenvolvimento das ideias aproxima-se do dedutivo, no sentido de que se emprega uma
teoria geral para ponderar um caso particular.
Sendo assim, o desenrolar da pesquisa perpassará, sistematicamente, por dois
momentos. No primeiro, serão aferidos os fatos relevantes no recurso debatido, o conceito
geral sobre o instituto da Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto, os princípios que
incidem sobre a situação em discussão e o argumento dos Ministros do STJ em seus votos. No
segundo, explanar-se-ão conceitos e âmbitos de aplicação da teoria de Alexy e, após, será
aplicada, efetivamente, a ponderação desse teórico ao caso do REsp n° 1.395.647-SC.

2 RESP N° 1.395.647-SC

O Recurso Especial nº 1.395.647-SC tratou de situação na qual, conquanto tenha


restado provado que havia inseto dentro de refrigerante lacrado, não foi concedida a
indenização por danos morais ao consumidor, tendo em vista a sua não ingestão da bebida. O
caso desenrolou-se contra a “Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S.A.”,
produtora do refrigerante contaminado por inseto, no ano de 2006. Cabe ressaltar que era
possível se ver a existência de tal inseto sem necessidade de abrir o invólucro da embalagem,
tendo sido esta a razão pela qual o consumidor não a abriu nem, consequentemente, a
consumiu.
Embora tenha sido este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tanto a
primeira quanto a segunda instâncias haviam decido de forma diversa, com a concessão da
indenização por danos morais com base na responsabilidade objetiva do fornecedor, posto ter
sido comprovado que a bebida era imprópria para consumo humano.

2.1 A Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto

Cabe tratar neste momento, pois, do instituto da Responsabilidade Civil pelo Fato do
Produto, haja vista ser a teoria que embasa a possibilidade de responsabilização do fabricante,
com a competente indenização. Sobre o assunto, Antônio Herman V. Benjamin (2013, p. 160)
afirma ser seu elemento característico o dano, que deverá ter sido causado por um produto –
fato do produto – ou serviço – fato do serviço. No presente artigo, por não haver remissão a
qualquer serviço, restringir-se-á à análise da Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto,
que se extrai da redação do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador


respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,
manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Da redação da norma suso, denota-se que o fabricante – assim como o produtor, o
construtor e o importador – tem o dever de indenizar quaisquer danos gerados ao consumidor
que tenham sido causados pelos produtos sobre os quais detém responsabilidade. Resta
desnecessária, dessarte, qualquer persecução e discussão sobre dolo e culpa, traço indicativo
do caráter objetivo que detém a Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto.
Nesta senda, parte-se do princípio de que a teoria em comento somente se aplicaria
no caso em tela mediante a comprovação de efetivação do dano, independentemente da
análise de culpa ou dolo da indústria de refrigerantes. Resta saber, portanto, o que seria dano,
especialmente dano moral. Na definição de Arnaldo Rizzardo (2006, p. 246), dano moral é:

Aquele que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a


paz, a liberdade física, a tranquilidade de espírito, a reputação, etc. É o puro dano
moral, sem qualquer repercussão no patrimônio, atingindo aqueles valores que têm
um valor precípuo na vida e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade
individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.

Em havendo, dessarte, a caracterização de dano moral, em qualquer das formas


supracitadas, seria a empresa responsável pela sua indenização cabível, tendo ou não culpa. A
discussão gira em torno, portanto, da extensão do dano moral em casos deste tipo, tendo em
vista a grande controvérsia quanto à interpretação de que a mera exposição a um refrigerante
contaminado por inseto pode gerá-lo.

2.2 Princípios aplicáveis

Considerando que a análise a ser feita mais adiante tem um viés principiológico,
posto que baseado na teoria alexyana da ponderação, impende tratar dos princípios
relacionados ao caso em comento, de exposição de consumidor a elemento contaminado sem
que tenha havido ingestão, possibilitando a realização de um exame detido de quais deles se
sobreporiam e o porquê.
Nesse sentido, convém inicialmente tratar do princípio da proteção do consumidor,
elencado constitucional e infraconstitucionalmente. De forma geral, encontra guarida no art.
5º, XXXII da Constituição da República Federativa do Brasil1, que determina a defesa do

1
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
consumidor mediante previsão em lei. Com este fito, surge o Código de Defesa do
Consumidor, que expõe seu direito à proteção no art. 6º, I2.
Tal princípio tem aplicação no quadro tratado por demonstrar a essencialidade do
cuidado que devem ter fabricantes quanto aos destinatários de seus respectivos produtos,
sendo consequência da ocorrência do dano, independentemente de culpa ou dolo, a
responsabilidade e consequente indenização.
Há que se falar, também, no princípio da ampla reparação – também conhecido como
princípio da reparação integral –, que tem fortes raízes na própria ideia constitucional de
proteção do consumidor. A partir dele, deverá o fabricante, após comprovação do dano,
reparar o indivíduo que o sofreu em sua integralidade, como indica a redação do art. 6º, IV do
Código de Defesa do Consumidor 3 . Este princípio atrai, como preleciona Cláudia Lima
Marques (2013), o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, permitindo a real
reparação dos danos mesmo em casos nos quais não se constate abuso de direito – como seria
de se esperar –, sendo assim disciplinado no art. 28 do CDC4.
Com este princípio, exsurge a possibilidade do dano moral, previsto no Código de
Defesa do Consumidor em seu art. 6º, VI – como anteriormente abordado – e, também, na
Constituição da República Federativa do Brasil, especificamente em seu art. 5º, incisos V e
X5.
Ainda em âmbito favorável ao consumidor, frise-se a existência de um outro
princípio, qual seja o da vulnerabilidade. Sua abrangência se refere à necessária proteção a ser
dada ao consumidor por se encontrar no polo mais fraco da relação contratual, mais sujeito a
danos. Por ser de grande relevância, José Carlos Maldonado de Carvalho (2009, p. 7) trata a
Vulnerabilidade enquanto princípio, que pode se apresentar de diversas maneias.

2
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de
produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
3
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
4
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
5
Art. 5º: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ttal raciocínio gera, consequentemente, aptidão à obtenção de benefícios como o da
inversão do ônus da prova, também previsto no CDC, no inciso VIII do art. 6º6. Na situação
em voga, é de clareza solar a posição diminuta do consumidor quando em comparação à
empresa de refrigerantes, que o expôs a produto contaminado – e a depender da interpretação,
ter-lhe-ia gerado dano. Aplicável é, pois, na situação estudada.
Em sentido diverso, todavia, apresenta-se imprescindível a análise do princípio da
vedação ao enriquecimento ilícito, cláusula geral prevista no Código Civil7 e concretizadora
da boa-fé objetiva. Na conjuntura de que se trata, a ponderação a ser realizada pelo Poder
Judiciário não pode olvidar o exame deste princípio, haja vista ser ele o maior contraponto
entre os princípios de garantia ao consumidor e a sua não super valorização, prezando por
uma relação mais solidária entre ele e o fabricante.
Não poderá o indivíduo, sobre o pretexto de ter sofrido dano indenizável, requerer e
receber indenização caso o dano não tenha efetivamente ocorrido ou, ainda, em caso de sua
culpa exclusiva ou de terceiro. Pelo que informa o princípio, o consumidor deve ser protegido,
pois, por ser vulnerável na relação jurídica, mas não deverá se aproveitar das garantias a si
oferecidas como forma de obter vantagens que levarão à injustiça do caso concreto.

2.3 Argumentação dos Ministros no REsp nº 1.395.647-SC

Cabe, enfim, clarear a interpretação dos ministros, porquanto foi deles a palavra final
e o estabelecimento da tese que firma a impossibilidade de indenização a título de dano moral
quando o consumidor não ingira refrigerante contaminado por inseto. De início,
imprescindível é que se relate a falta de estabilidade do acórdão, tendo em vista a existência
de dois votos divergentes, indicando a grande possibilidade de discussão sobre o tema.
De toda sorte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu como
exposto supra, por sua maioria. Sua argumentação teve como foco, outrossim, a vedação do
enriquecimento sem causa, optando pela linha na qual restaria impossibilitada a aplicação da
teoria dos punitive damages, haja vista a ausência de normatização da mesma no ordenamento
jurídico brasileiro. O voto desempate demonstrou, por fim, o sentido dado pela Corte quanto à
natureza dos danos morais, incabíveis no que tange a danos meramente potenciais.

6
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor,
no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo
as regras ordinárias de experiências.
7
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Como estratégia argumentativa, tanto o Ministro Relator quanto o responsável pelo
voto desempate utilizaram-se da transcrição de diversos outros julgados, demonstrando a
criação de uma jurisprudência forte no sentido de inaplicabilidade dos danos morais a casos
semelhantes. A descaracterização do perigo sofrido pelos consumidores queda clara no voto
do Relator, posto que não haveria um defeito que levasse à constatação da segurança
alimentar.
Sem delongas argumentativas atreladas ao caso do REsp. nº 1.395.647-SC em si,
denota-se a mera repetição de entendimentos, sem explanação ou exame detido dos
argumentos oferecidos pela parte recorrida – consumidor – nem pela recorrente – empresa
fabricante. Esta técnica de decisão é tratada por José Rodrigo Rodriguez (2013, p. 94) em sua
obra, quando afirma que a jurisdição brasileira é puramente personalista e agregativa,
olvidando de fundamentação real e das opiniões divergentes8, fato este criticável e passível de
reanálise.
Relativamente à divergência suscitada, constata-se a mesma falha argumentativa,
com mera opinação do Ministro quanto à potencialidade concreta do consumo. Embora seja
entendimento louvável, pois demonstra que a empresa de refrigerantes efetivamente feriu a
segurança que lhe é exigida, o Ministro não traz argumentação inovadora quando afirma:
“como a responsabilidade é objetiva pelo defeito do produto (art. 12 do CDC), basta apenas a
caracterização da ocorrência de dano moral, o que está devidamente evidenciado, conforme
reconhecido pelo acórdão recorrido” (Grifo nosso)9.
Portanto, o acórdão resultou, em seu inteiro teor, da emissão de opiniões pouco
fundamentadas e que, conquanto tenham fundamentos normativos – tanto legais quanto
principiológicos –, demonstram a necessidade de maior debate sobre o assunto da
Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no que se refere à possibilidade de indenização
por danos morais no caso de consumidores que, embora tenham comprado e constatado a
existência de inseto em refrigerante, não ingeriram a bebida contaminada.

8
“Este texto sustenta que a jurisdição brasileira é opinativa e julga em função da agregação de opiniões e
não com base na fundamentação sistemática e racional. Também fica claro porque é razoável dizer que nossa
jurisdição é personalista: ela admite e estimula os juízes a emitirem opiniões e não decisões bem
fundamentadas. Lembremos que o personalismo é neutralizado em parte pelo mecanismo de agregação de
opiniões. A decisão final resulta de uma votação por maioria que deixa em segundo plano a opinião dos juízes
individuais. É interessante perceber que a jurisdição brasileira, portanto, não se funda nem carisma dos juízes,
nem na argumentação racional e sistemática perante os casos concretos.” (Grifo nosso).
9
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.395.647 – SC. 3T. Min, Ricardo Villas
Bôas Cueva. j. 18/11/2014. DOU. 19/12/2014. Brasília. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1359227&tipo=0&nreg=201302475902&SeqCgr
maSessao;=&CodOrgaoJgdr;=&dt=20141219&formato=PDF&salvar=false>. Acesso em: 28 nov. 2017.
3 A PONDERAÇÃO EM E A PARTIR DE ALEXY

3.1 Conceituação e aplicabilidade

A ponderação, no pensamento alexyano, está inserida em um arcabouço teórico


complexo, que pode ser nominado “constitucionalismo discursivo”. Essa teoria é constituída
por meio do diálogo de cinco conceitos centrais, que são os de direitos fundamentais,
discurso, jurisdição constitucional, representação e, finalmente, ponderação (ALEXY, 2015,
p. 155). Sem uma noção ao menos trivial de como esses elementos se inserem no pensamento
do autor, resta por demais incompleta a compreensão acerca da ponderação. Sendo assim,
cabem breves considerações, especialmente sobre os direitos fundamentais e o discurso, para
se chegar a uma ideia sobre a ponderação.

Os direitos fundamentais, considerando o contexto da proposta da “Teoria dos


Direitos Fundamentais” para a Constituição Alemã, se atêm a um critério formal, e não a
requisitos substanciais e estruturais, como proposto por Carl Schmitt, por exemplo. Segundo
essa baliza formal, são enunciados de direitos fundamentais todas as disposições do capítulo
da Constituição “Os direitos fundamentais” e, poder-se-ia dizer, outras disposições
constitucionais que claramente figurariam como de direitos fundamentais, mas que não estão
nesse rol (ALEXY, 2011, p. 68).

Os direitos fundamentais são estruturados como regras ou princípios. Esses têm o


caráter, prima facie, de mandamentos de otimização e aquelas têm de mandamentos
definitivos. Dessa forma, enquanto as regras aplicam-se, geralmente, na forma “tudo ou
nada”, os princípios têm uma dimensão de peso ou importância, e podem representar tanto
direitos quanto interesses coletivos (ALEXY, 2011, p. 116). Os princípios são aplicados pela
ponderação, enquanto as regras o são pela subsunção. Vale ressaltar que os princípios, como
mandamentos de otimização, requerem o seu cumprimento no grau máximo dentro das
possibilidades fáticas e jurídicas.

A questão é que essa ponderação, como meio de aplicação dos princípios jurídicos,
surge a partir de uma pretensão de correção, necessariamente suscitada pelo próprio direito,
implicando em uma demanda por fundamentabilidade (ALEXY, 2015, p. 20-21). Em outros
termos, pode-se dizer que essa pretensão de correção compreende uma combinação dos
conceitos de fundamentação com o de justiça, a partir de uma racionalidade prática. Dessa
forma, o direito passa a ser entendido como um caso especial do discurso prático geral, que é
voltado ao acordo para a construção de normas em geral (ALEXY, 2005, p. 210-211). Para
uma conciliação democrática desses elementos, então, vale uma teoria do discurso, que se
confunde com a própria teoria da argumentação jurídica.

Tal teoria é representada por um caráter procedimental, isto é, que não predispõe de
valores absolutamente determinantes para a aplicação ou interpretação do direito. Ela regra,
dentre várias outras questões, o fato de que qualquer falante pode tomar parte no discurso e
que qualquer asserção pode ser introduzida ou problematizada (ALEXY, 2005, p. 195).

Diante dessa ambientação é que a ponderação pode passar a ser entendida. Segundo
Alexy (2015, p. 131), há três problemas iniciais que exsurgem a partir de uma ideia de
proporcionalidade. São eles relacionados à estrutura, racionalidade e legitimidade. Esses
problemas estão relacionados, vez que a ponderação é tanto mais legítima quanto mais for
racional e a racionalidade dela é decidida por meio de sua estrutura. O problema da estrutura
da ponderação forma, por isso, o núcleo do problema da ponderação no direito.

A ponderação se divide em três subcritérios, que são os de adequação, de


necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito. Os dois primeiros são mandamentos de
otimização das possibilidades fáticas. A adequação indica que o meio para o cumprimento do
princípio de fato era adequado para atingir esse cumprimento. A necessidade requer que esse
meio tenha sido o menos gravoso frente a todos os meios que permitiriam o cumprimento
daquele princípio. Os princípios da idoneidade e da necessidade são a expressão da
otimidade-Pareto (ALEXY, 2015, p. 156).

A proporcionalidade em sentido estrito, por outro lado, representa o mandamento de


otimização das possibilidades jurídicas. Ela é representada pela lei de ponderação, que
consiste em que “quanto maior é o grau de não cumprimento ou prejuízo de um princípio,
tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro” (ALEXY, 2015, p. 156). Ela se
subdivide em três etapas (ALEXY, 2015, p. 133). A primeira delas averigua o grau de
prejuízo de um princípio, isto é, o quanto determinado princípio foi prejudicado (lesão leve,
média ou grave). A segunda examina o grau de importância do cumprimento do princípio em
sentido contrário (leve, médio ou grave). A terceira, por fim, concretiza, real e
verdadeiramente, a ponderação, que é a comprovação ou não da importância de cumprimento
do determinado princípio frente ao outro. Tal exame é realizado mediante a fórmula peso, que
começa a se desenrolar a partir de um modelo triádico (leve, médio ou grave).
Então, a fórmula peso é desenvolvida a partir da atribuição da intensidade de cada
um dos três graus e elementos de cada princípio10. O resultado integrado, portanto, no qual as
valorizações são postas em relação uma com a outra, é o objeto da ponderação. Disso, faz-se
entender que o peso concreto dos princípios é relativo.

A fórmula é denominada “peso” porque tem por base valores geométricos, admitidos
a partir de uma relação de potenciação, tomando-se os valores de 2⁰, por exemplo, para
consecução do resultado. Além disso, as expressões triádicas leve (“l”), média (“m”) e grave
(s) podem ser representadas duplamente para que se confira maior precisão na valoração
imputada argumentativamente, podendo-se alcançar os valores ll, lm, ls, ml, mm, ms, sl, sm e
ss, em que ss, por exemplo, representa uma intervenção “grave grave” e, portanto, muito
grave (ALEXY, 2015, p. 147-148). Assim, há a consequência de que, na fórmula peso, os
valores podem se estender de 2⁰ (ll) a 2⁸ (ss).

Em síntese, a fórmula de Alexy (2015, p. 151) pode ser representada do seguinte


modo:

Gi, j = Ii . Gi . Si / Ij . Gj . Sj

A título elucidativo, “Gi, j” representa o resultado da ponderação dos princípios


colidentes “i” e “j”. “I” representa o peso da intervenção, seja no princípio “i” ou no do
denominador “j”. “G” denota o peso abstrato do princípio ao qual está vinculado. “S”, por
fim, como terceiro par de variáveis da fórmula peso, faz formular a lei de ponderação
sistêmica, que designa que “quanto mais grave uma intervenção em um direito fundamental
pesa, tanto maior deve ser a certeza das premissas apoiadoras da intervenção” (ALEXY,
2015, p. 150). Dentro dessa lei de ponderação sistêmica é recomendável uma subescala
triádica de três graus epistêmicos, que servirão de parâmetro avaliativo, quais sejam: certo ou
seguro (g); sustentável ou plausível (p); e não evidentemente falso (e).

Ao final, sendo o valor obtido maior que 1, restará comprovado que o princípio do
numerador será prevalecente. Se, porém, o resultado for inferior a 1, o princípio do
denominador é que o será.

10
É importante destacar que a atribuição desses valores expressados triadicamente é feita por meio da
atividade argumentativa ou discursiva.
3.2 A ponderação na exposição de consumidor a alimentos contaminados

No caso do REsp nº 1.395.647/SC, e observando o fato de que o consumidor não


ingeriu o alimento contaminado, a avaliação da decisão a partir dos critérios de ponderação da
teoria de Alexy faz-se pertinente, já que a matéria discutida tem relação direta com princípios
jurídicos. Dessa forma, uma vez apresentados, genericamente, alguns elementos conceituais
de aplicação da proporcionalidade, intentar-se-á, simplificadamente, entender como a decisão
desse recurso poderia ser considerada a partir dos paradigmas principiológicos alexyanos.

Para tanto, é necessário se perceber, inicialmente, que princípios poderiam ser


considerados discursivamente no caso. Em atenção ao tópico “2.2”, vê-se que, de um lado, há
o princípio da proteção do consumidor, o da ampla reparação e o da vulnerabilidade e, de
outro, o princípio da vedação do enriquecimento ilícito. Tendo a proteção do consumidor um
caráter mais geral que os outros princípios favoráveis ao consumidor, pode-se dizer que
aquela contém esses.

Dessa forma, para pensar-se na ponderação aqui, deve-se sopesar, antagonicamente,


os princípios da proteção do consumidor em face ao da vedação do enriquecimento ilícito.

Inicialmente, no exame da adequação, é certo que a decisão estatal foi eficaz no


sentido de impedir o enriquecimento ilícito. E, ainda, vedou de forma pragmática a conduta
em sentindo contrário da única forma possível, isto é, denegando a pretensão ressarcitória por
danos morais. Nesse sentindo, diante das possibilidades fáticas, pode-se considerar que a
intervenção no princípio da proteção do consumidor foi adequada e necessária.

Em sequência, pondo em perspectiva a máxima otimização das possibilidades


jurídicas, passa-se à vista da proporcionalidade em sentido estrito, em que serão analisados a
intensidade da intervenção, o peso abstrato e os fundamentos que justificam a aplicação do
princípio da proteção do consumidor e, após, os mesmos elementos em relação ao princípio
da proibição do enriquecimento indevido.

A intervenção da medida estatal, isto é, da decisão do STJ no direito do consumidor,


foi a de negá-lo frente à situação concreta. Isso denota um peso negativo ao cumprimento do
princípio. Por outro lado, percebe-se que o prejuízo advindo da mácula a essa pretensão
jurídica de dano moral não foi demasiado intensa, visto que, de fato, o consumidor não havia
de fato ingerido o alimento contaminado. Sendo assim, afere-se que a intervenção no direito
foi média leve, ou pouco média (ml).
A dimensão de peso abstrato do princípio da proteção do consumidor é
necessariamente elevada, já que, conforme apresentado, ele encontra respaldo em uma
disposição constitucional de direito fundamental, inserindo-se, portanto, como uma cláusula
pétrea constitucional (art. 60, §4º, IV). Dessa forma, a importância geral desse princípio deve
ser considerada como muito elevada (ss).

Os fundamentos que justificam a aplicação desse princípio na situação coadunam-se


com a preservação da integridade moral e física-preventiva do consumidor. Assim,
percebendo-se a dimensão de certeza, plausibilidade e não-evidentemente falsidade dessas
razões, pensa-se que a fundamentabilidade da norma no caso é média alta (ms).

Em sentido oposto, a intensidade da decisão do tribunal no princípio da vedação do


enriquecimento ilícito foi muito leve, haja vista a concessão por sua prevalência (ll).

O peso abstrato desse princípio não pode corresponder ao da proteção do


consumidor, pois não tem guarida constitucional. É, evidentemente, contudo, um princípio
infraconstitucional importante na área cível, e tem fortes razões práticas-gerais, ou morais,
para ser considerado como muito relevante. Sendo assim, sua importância abstrata deve ser
percebida como média alta (ms).

A fundamentação para a concretização desse princípio frente à demanda suscitada


pauta-se sobre os argumentos de que o consumidor não foi efetivamente exposto a um dano
que atingiu sua integridade e que a proteção do consumidor não pode ser super valorizada,
mas, ao contrário, deve-se estabelecer uma relação solidária entre ele e o fornecedor, mesmo
para fins jurídicos. Dessa maneira, a relevância dessa conjuntura de razões pode ser
considerada como grave leve, ou pouco alta (sl).

Em virtude dos apontamentos trazidos a partir de justificativas de ordem ponderativa,


vale a entreposição, agora, de todos esses elementos na fórmula peso, o que resultaria em:

Gi, j = ml. ss . ms / ll . ms . sl

Inserindo os valores correspondentes, tem-se que:

Gi, j = 23 . 28 . 25 / 20 . 25 . 26 = 32
Esse resultado demonstra que, nesse caso concreto, diante da colisão entre os
princípios, o direito fundamental de proteção do consumidor prevalece de forma bastante
intensa, pois bastaria apenas que o resultado fosse maior que “1”, e alcançou-se o valor final
de “32”.

4 CONCLUSÃO

Em finalização, obteve-se o resultado de que, diante da aplicação da teoria


ponderativa de Alexy, o princípio da proteção do consumidor prevalece frente ao princípio do
enriquecimento ilícito nas situações de exposição do consumidor a alimentos contaminados,
mesmo não tendo ele os ingerido. Isso foi devido a, principalmente, o fato de que o preceito
prevalente encontra-se positivado enquanto um direito fundamental constitucional.

Dessa forma, tem-se que a problemática proposta de avaliação do REsp n°


1.395.647-SC pela proporcionalidade baseada no pensamento de Robert Alexy foi
satisfatoriamente alcunhada.

Para um desenvolvimento mais aprofundado do tema em trabalhos futuros, com base


nesse manuscrito, faz-se interessante a análise dialético-argumentativa acerca da imputação
dos valores triádicos expostos na fase da proporcionalidade em sentido estrito da ponderação.
Isso porque, inevitavelmente, como apresentado, a teoria alexyana vincula-se a um modelo de
desenvolvimento discursivo das razões e decisões tomadas no ambiente jurídico.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

______. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da


fundamentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2005.

______. Teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de Direito do Consumidor.5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos
doutrinários e visão jurisprudencial. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as Cortes: Para uma crítica do direito
(brasileiro). Rio de Janeiro: FGV, 2013.

THE LEGAL LIABILITY FOR THE FACT OF THE PRODUCT AND ALEXY’S
WEIGHTING THEORY: A CRITIQUE TOWARDS THE SPECIAL APPEAL
NUMBER 1.395.647

ABSTRACT

The research brings the theme of Civil Liability for the Fact of the
Product in the case of the compensation for the non-material damage
to a consumer who, having acquired a bug contaminated soda, did not
ingest it. For that, uses the Special Appeal number 1.395.647-SC and
Robert Alexy’s theory of principles, with the objective of applying
critically the weighting to the concrete case. The possibility of
modifying the current understanding of the jurisprudence through
serious scientific analysis is explored. The deductive method is used,
from a general theory to a particular case. The result is reached
indicating that, in face of a collision on antagonistic principles, the
consumer has the right of compensation for non-material damage.

Keywords: Civil Liability. Fact of the Product. Weighting. Principles.


Non-material damage.

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