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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
2 RESP N° 1.395.647-SC
Cabe tratar neste momento, pois, do instituto da Responsabilidade Civil pelo Fato do
Produto, haja vista ser a teoria que embasa a possibilidade de responsabilização do fabricante,
com a competente indenização. Sobre o assunto, Antônio Herman V. Benjamin (2013, p. 160)
afirma ser seu elemento característico o dano, que deverá ter sido causado por um produto –
fato do produto – ou serviço – fato do serviço. No presente artigo, por não haver remissão a
qualquer serviço, restringir-se-á à análise da Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto,
que se extrai da redação do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Considerando que a análise a ser feita mais adiante tem um viés principiológico,
posto que baseado na teoria alexyana da ponderação, impende tratar dos princípios
relacionados ao caso em comento, de exposição de consumidor a elemento contaminado sem
que tenha havido ingestão, possibilitando a realização de um exame detido de quais deles se
sobreporiam e o porquê.
Nesse sentido, convém inicialmente tratar do princípio da proteção do consumidor,
elencado constitucional e infraconstitucionalmente. De forma geral, encontra guarida no art.
5º, XXXII da Constituição da República Federativa do Brasil1, que determina a defesa do
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
consumidor mediante previsão em lei. Com este fito, surge o Código de Defesa do
Consumidor, que expõe seu direito à proteção no art. 6º, I2.
Tal princípio tem aplicação no quadro tratado por demonstrar a essencialidade do
cuidado que devem ter fabricantes quanto aos destinatários de seus respectivos produtos,
sendo consequência da ocorrência do dano, independentemente de culpa ou dolo, a
responsabilidade e consequente indenização.
Há que se falar, também, no princípio da ampla reparação – também conhecido como
princípio da reparação integral –, que tem fortes raízes na própria ideia constitucional de
proteção do consumidor. A partir dele, deverá o fabricante, após comprovação do dano,
reparar o indivíduo que o sofreu em sua integralidade, como indica a redação do art. 6º, IV do
Código de Defesa do Consumidor 3 . Este princípio atrai, como preleciona Cláudia Lima
Marques (2013), o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, permitindo a real
reparação dos danos mesmo em casos nos quais não se constate abuso de direito – como seria
de se esperar –, sendo assim disciplinado no art. 28 do CDC4.
Com este princípio, exsurge a possibilidade do dano moral, previsto no Código de
Defesa do Consumidor em seu art. 6º, VI – como anteriormente abordado – e, também, na
Constituição da República Federativa do Brasil, especificamente em seu art. 5º, incisos V e
X5.
Ainda em âmbito favorável ao consumidor, frise-se a existência de um outro
princípio, qual seja o da vulnerabilidade. Sua abrangência se refere à necessária proteção a ser
dada ao consumidor por se encontrar no polo mais fraco da relação contratual, mais sujeito a
danos. Por ser de grande relevância, José Carlos Maldonado de Carvalho (2009, p. 7) trata a
Vulnerabilidade enquanto princípio, que pode se apresentar de diversas maneias.
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Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de
produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
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VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
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Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
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Art. 5º: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ttal raciocínio gera, consequentemente, aptidão à obtenção de benefícios como o da
inversão do ônus da prova, também previsto no CDC, no inciso VIII do art. 6º6. Na situação
em voga, é de clareza solar a posição diminuta do consumidor quando em comparação à
empresa de refrigerantes, que o expôs a produto contaminado – e a depender da interpretação,
ter-lhe-ia gerado dano. Aplicável é, pois, na situação estudada.
Em sentido diverso, todavia, apresenta-se imprescindível a análise do princípio da
vedação ao enriquecimento ilícito, cláusula geral prevista no Código Civil7 e concretizadora
da boa-fé objetiva. Na conjuntura de que se trata, a ponderação a ser realizada pelo Poder
Judiciário não pode olvidar o exame deste princípio, haja vista ser ele o maior contraponto
entre os princípios de garantia ao consumidor e a sua não super valorização, prezando por
uma relação mais solidária entre ele e o fabricante.
Não poderá o indivíduo, sobre o pretexto de ter sofrido dano indenizável, requerer e
receber indenização caso o dano não tenha efetivamente ocorrido ou, ainda, em caso de sua
culpa exclusiva ou de terceiro. Pelo que informa o princípio, o consumidor deve ser protegido,
pois, por ser vulnerável na relação jurídica, mas não deverá se aproveitar das garantias a si
oferecidas como forma de obter vantagens que levarão à injustiça do caso concreto.
Cabe, enfim, clarear a interpretação dos ministros, porquanto foi deles a palavra final
e o estabelecimento da tese que firma a impossibilidade de indenização a título de dano moral
quando o consumidor não ingira refrigerante contaminado por inseto. De início,
imprescindível é que se relate a falta de estabilidade do acórdão, tendo em vista a existência
de dois votos divergentes, indicando a grande possibilidade de discussão sobre o tema.
De toda sorte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu como
exposto supra, por sua maioria. Sua argumentação teve como foco, outrossim, a vedação do
enriquecimento sem causa, optando pela linha na qual restaria impossibilitada a aplicação da
teoria dos punitive damages, haja vista a ausência de normatização da mesma no ordenamento
jurídico brasileiro. O voto desempate demonstrou, por fim, o sentido dado pela Corte quanto à
natureza dos danos morais, incabíveis no que tange a danos meramente potenciais.
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VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor,
no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo
as regras ordinárias de experiências.
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Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Como estratégia argumentativa, tanto o Ministro Relator quanto o responsável pelo
voto desempate utilizaram-se da transcrição de diversos outros julgados, demonstrando a
criação de uma jurisprudência forte no sentido de inaplicabilidade dos danos morais a casos
semelhantes. A descaracterização do perigo sofrido pelos consumidores queda clara no voto
do Relator, posto que não haveria um defeito que levasse à constatação da segurança
alimentar.
Sem delongas argumentativas atreladas ao caso do REsp. nº 1.395.647-SC em si,
denota-se a mera repetição de entendimentos, sem explanação ou exame detido dos
argumentos oferecidos pela parte recorrida – consumidor – nem pela recorrente – empresa
fabricante. Esta técnica de decisão é tratada por José Rodrigo Rodriguez (2013, p. 94) em sua
obra, quando afirma que a jurisdição brasileira é puramente personalista e agregativa,
olvidando de fundamentação real e das opiniões divergentes8, fato este criticável e passível de
reanálise.
Relativamente à divergência suscitada, constata-se a mesma falha argumentativa,
com mera opinação do Ministro quanto à potencialidade concreta do consumo. Embora seja
entendimento louvável, pois demonstra que a empresa de refrigerantes efetivamente feriu a
segurança que lhe é exigida, o Ministro não traz argumentação inovadora quando afirma:
“como a responsabilidade é objetiva pelo defeito do produto (art. 12 do CDC), basta apenas a
caracterização da ocorrência de dano moral, o que está devidamente evidenciado, conforme
reconhecido pelo acórdão recorrido” (Grifo nosso)9.
Portanto, o acórdão resultou, em seu inteiro teor, da emissão de opiniões pouco
fundamentadas e que, conquanto tenham fundamentos normativos – tanto legais quanto
principiológicos –, demonstram a necessidade de maior debate sobre o assunto da
Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto no que se refere à possibilidade de indenização
por danos morais no caso de consumidores que, embora tenham comprado e constatado a
existência de inseto em refrigerante, não ingeriram a bebida contaminada.
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“Este texto sustenta que a jurisdição brasileira é opinativa e julga em função da agregação de opiniões e
não com base na fundamentação sistemática e racional. Também fica claro porque é razoável dizer que nossa
jurisdição é personalista: ela admite e estimula os juízes a emitirem opiniões e não decisões bem
fundamentadas. Lembremos que o personalismo é neutralizado em parte pelo mecanismo de agregação de
opiniões. A decisão final resulta de uma votação por maioria que deixa em segundo plano a opinião dos juízes
individuais. É interessante perceber que a jurisdição brasileira, portanto, não se funda nem carisma dos juízes,
nem na argumentação racional e sistemática perante os casos concretos.” (Grifo nosso).
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.395.647 – SC. 3T. Min, Ricardo Villas
Bôas Cueva. j. 18/11/2014. DOU. 19/12/2014. Brasília. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1359227&tipo=0&nreg=201302475902&SeqCgr
maSessao;=&CodOrgaoJgdr;=&dt=20141219&formato=PDF&salvar=false>. Acesso em: 28 nov. 2017.
3 A PONDERAÇÃO EM E A PARTIR DE ALEXY
A questão é que essa ponderação, como meio de aplicação dos princípios jurídicos,
surge a partir de uma pretensão de correção, necessariamente suscitada pelo próprio direito,
implicando em uma demanda por fundamentabilidade (ALEXY, 2015, p. 20-21). Em outros
termos, pode-se dizer que essa pretensão de correção compreende uma combinação dos
conceitos de fundamentação com o de justiça, a partir de uma racionalidade prática. Dessa
forma, o direito passa a ser entendido como um caso especial do discurso prático geral, que é
voltado ao acordo para a construção de normas em geral (ALEXY, 2005, p. 210-211). Para
uma conciliação democrática desses elementos, então, vale uma teoria do discurso, que se
confunde com a própria teoria da argumentação jurídica.
Tal teoria é representada por um caráter procedimental, isto é, que não predispõe de
valores absolutamente determinantes para a aplicação ou interpretação do direito. Ela regra,
dentre várias outras questões, o fato de que qualquer falante pode tomar parte no discurso e
que qualquer asserção pode ser introduzida ou problematizada (ALEXY, 2005, p. 195).
Diante dessa ambientação é que a ponderação pode passar a ser entendida. Segundo
Alexy (2015, p. 131), há três problemas iniciais que exsurgem a partir de uma ideia de
proporcionalidade. São eles relacionados à estrutura, racionalidade e legitimidade. Esses
problemas estão relacionados, vez que a ponderação é tanto mais legítima quanto mais for
racional e a racionalidade dela é decidida por meio de sua estrutura. O problema da estrutura
da ponderação forma, por isso, o núcleo do problema da ponderação no direito.
A fórmula é denominada “peso” porque tem por base valores geométricos, admitidos
a partir de uma relação de potenciação, tomando-se os valores de 2⁰, por exemplo, para
consecução do resultado. Além disso, as expressões triádicas leve (“l”), média (“m”) e grave
(s) podem ser representadas duplamente para que se confira maior precisão na valoração
imputada argumentativamente, podendo-se alcançar os valores ll, lm, ls, ml, mm, ms, sl, sm e
ss, em que ss, por exemplo, representa uma intervenção “grave grave” e, portanto, muito
grave (ALEXY, 2015, p. 147-148). Assim, há a consequência de que, na fórmula peso, os
valores podem se estender de 2⁰ (ll) a 2⁸ (ss).
Gi, j = Ii . Gi . Si / Ij . Gj . Sj
Ao final, sendo o valor obtido maior que 1, restará comprovado que o princípio do
numerador será prevalecente. Se, porém, o resultado for inferior a 1, o princípio do
denominador é que o será.
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É importante destacar que a atribuição desses valores expressados triadicamente é feita por meio da
atividade argumentativa ou discursiva.
3.2 A ponderação na exposição de consumidor a alimentos contaminados
Gi, j = ml. ss . ms / ll . ms . sl
Gi, j = 23 . 28 . 25 / 20 . 25 . 26 = 32
Esse resultado demonstra que, nesse caso concreto, diante da colisão entre os
princípios, o direito fundamental de proteção do consumidor prevalece de forma bastante
intensa, pois bastaria apenas que o resultado fosse maior que “1”, e alcançou-se o valor final
de “32”.
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
______. Teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de Direito do Consumidor.5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos
doutrinários e visão jurisprudencial. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as Cortes: Para uma crítica do direito
(brasileiro). Rio de Janeiro: FGV, 2013.
THE LEGAL LIABILITY FOR THE FACT OF THE PRODUCT AND ALEXY’S
WEIGHTING THEORY: A CRITIQUE TOWARDS THE SPECIAL APPEAL
NUMBER 1.395.647
ABSTRACT
The research brings the theme of Civil Liability for the Fact of the
Product in the case of the compensation for the non-material damage
to a consumer who, having acquired a bug contaminated soda, did not
ingest it. For that, uses the Special Appeal number 1.395.647-SC and
Robert Alexy’s theory of principles, with the objective of applying
critically the weighting to the concrete case. The possibility of
modifying the current understanding of the jurisprudence through
serious scientific analysis is explored. The deductive method is used,
from a general theory to a particular case. The result is reached
indicating that, in face of a collision on antagonistic principles, the
consumer has the right of compensation for non-material damage.