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Álvaro Bianchi*
Internacionalismo metodológico
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Vários anos depois da revolução, Lenin aconselhava a publicação dos textos
de Plekhanov: “A propósito, seria uma boa coisa se, primeiro, a atual edição
das obras de Plekhanov tivessem um ou mais volumes especiais de todos
seus artigos filosóficos com índices detalhados, etc, para serem incluídos em
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Este texto de Engels encontrava-se nas coletâneas de Marx e Engels
organizadas pelo Instituto de Marxismo-Leninismo, anexo ao comitê central
do Partido Comunista da União Soviética. Mas as cartas ao Otiechestviennie
Zapiski e a Vera Zasulitch, por razões óbvias, não.
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Sobre a dialética do tempo partido remeto a Daniel Bensaïd (1999, cap. 3).
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Ver a esse respeito Leon Trotsky (1950, t. I, p. 419-426). A crítica de Pokrovsky
foi publicada na revista Krasnaya Nov’, n. 3, mai.-jun 1922. A partir de 1924,
Pokrovsky tornou-se um dos expoentes da historiografia stalinista, mas depois
de 1936, quando o stalinismo completou a afirmação de que a Rússia se
encaminhava para o socialismo com uma teoria voluntarista que subordinava
a história à ação do guia genial dos povos, o presidente da Sociedade de
Historiadores marxistas foi vítima de um expurgo post morten sendo sua obra
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Marx, nos Grundrisse, texto que era evidentemente inacessível a Trotsky,
iniciava assim uma lista de temas que deveriam ser desenvolvidos em sua
pesquisa: “1) A guerra se desenvolve antes que a paz: mostrar a maneira em
que certas relações econômicas tais como o trabalho assalariado, o
maquinismo, etc. têm sido desenvolvidas pela guerra e nos exércitos antes
que no interior da sociedade burguesa. Do mesmo modo, a relação entre
forças produtivas e relações de comércio, particularmente visíveis no exército.”
(MECW, v. 28, p. 45.)
A centralidade da política
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Exemplo dessa abordagem é a obra de Charles Bettelheim, A luta de classes
na União Soviética. Apesar dos inegáveis méritos de sua pesquisa, a
exposição do pensamento de Trotsky nessa obra é recheada de lugares
comuns da vulgata stalinista sustentados em uma leitura superficial de um
número muito pequeno de textos. Os dois primeiros volumes não deixam de
evidenciar que a ruptura de Bettelheim com o stalinismo era até então apenas
parcial. Em sua tentativa de diminuir o papel de Trotsky na luta contra a
burocracia na União Soviética, Bettelheim chegava paradoxalmente a
apresentar um novo sujeito nessa batalha: o próprio Stalin. Tomando ao pé
da letra o relatório de Stalin no pleno de abril de 1928, Bettelheim identificava
uma luta efetiva contra a burocracia liderada pelo próprio secretário geral do
Partido Comunista (cf. BETTELHEIM, 1983, p. 411-412).
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Entre os aderentes do maior partido marxista da época, o SPD era escasso o número
de leitores de Marx e Engels fora dos círculos dirigentes. (Cf. BONNELL, 2002.)
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Sobre a relação com Labriola, ver BROSSAT (1976, p. 113-114). A aversão ao
dogmatismo aparece claramente nas passagens de sua autobiografia nas
quais reconstitui seus anos de formação (TROTSKY, 1973a, cap. VI-VIII. Cf,
tb. KNEI PAZ, 1978, cap. 1 e DEUTSCHER, 1984, cap. 2.)
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Ver, a esse respeito, WALICKI (1971) e VENTURI (1981).
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A afirmação de Poulantzas revela uma confusão entre os conceitos de época,
situação e conjuntura recorrente no campo do marxismo e causa de muitos erros. Um
livro recentemente publicado ajuda a esclarecer esses conceitos (ARCARY, 2004).
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Ver a respeito da atividade de Trotsky como historiador o comentário de
García Higueras (2005, p. 165-177).
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De modo extremamente mecânico, Pokrovsky tratava o Estado absolutista
como uma criação do capital comercial: “O absolutismo dos tempos modernos,
de Luís XIV tanto como de nosso Pedro, foi criado pelo capital comercial, o qual
necessitava de uma ‘mão de ferro’ para extorquir o excedente produzido pelos
pequenos produtores (legalmente) independentes, bem como para a conquista
de rotas comerciais, mercados e colônias.” (Pokrovsky, 1970, p. 158.)
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“Se o tzarismo se erigiu em organização de Estado independente
(relativamente independente, repitamos, dentro dos limites da luta viva das
forças históricas sobre o terreno da economia) , não foi com o auxílio de
poderosas cidades, em oposição a poderosos senhores feudais ; foi – apesar
da completa penúria industrial de nossas cidades – devido à debilidade dos
senhores feudais em nosso país.” (TROTSKY, 1950, t. I, p. 424.)
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Cf. TROTSKY (1950). A esta obra seria importante acrescentar o
acompanhamento detalhado das disputas no interior do PCUS na década de
1930, além de um importante estudo sobre seus grupos dirigentes à moda
daquilo que hoje seria denominado “sociologia dos partidos políticos”
(TROTSKY, 1986, p. 192-202).
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Esse texto é um fragmento inacabado, com data presumida por Pierre Brouè
de março de 1939.
que apenas uma crise econômica, geral seria capaz de produzir uma
situação revolucionária, indispensável para o triunfo do movimento de
massas. Daí o veredicto: “É isso, precisamente o que Trotsky não
compreende, razão porque expõe a teoria de que: resume-se nos
transes de protesto da massa trabalhista, que responsabiliza
capitalmente a crise econômica, a possibilidade de sublevação do
proletariado” (POKROVSKY, s/d, p. 40).
A oposição entre o materialismo histórico de Trotsky e o
materialismo econômico de Pokrovsky é flagrante. Em sua exposição
de 1914 da teoria do materialismo histórico, o futuro presidente da
Sociedade de Historiadores Marxistas resumia assim sua concepção
que norteava seu trabalho:
Conclusão
política. Mas a afirmação dessa unidade não basta para tal reconstrução.
É preciso, além dela, captar a diversidade que se manifesta no próprio
processo de produção teórica.
Para tal é necessário, em primeiro lugar, levar em conta a
diversidade material da obra de Trotsky e definir de modo preciso as
fontes da pesquisa. Como já disse, tratam-se, em grande medida, de
textos de intervenção em conjunturas específicas. Mas o próprio grau
de desenvolvimento dos textos é variado. Um trabalho rigoroso de
reconstrução teórica não pode aquilatar do mesmo modo uma obra
como A revolução traída e uma carta destinada a um dirigente do
Socialist Workers Party, não pode atribuir idêntico valor a uma obra
publicada pelo autor e a outra póstuma. A determinação do lugar
ocupado por cada parte da obra no conjunto desta torna-se, desse
modo imprescindível. Isso não significa, evidentemente, fazer uma
reconstrução unicamente por meio das “grandes obras” significa isto sim,
compreender que no processo de reconstrução teórica elas devem ocupar
um lugar de destaque, como procurei fazer ao longo deste artigo.19
Em segundo lugar, é necessário levar em conta a diversidade teórica
da obra de Trotsky e definir de modo preciso o método de pesquisa.
Trata-se de assumir a relação dialética entre a teoria e a prática no
interior da própria obra de Trotsky. Assumir essa relação implica em
reconhecer as diferentes temporalidades que se fazem presentes no
conjunto de sua obra e explicitar a tensão existente no interior desta
entre o tempo histórico e o tempo do processo de produção teórica,
entre o tempo no qual um problema específico da vida social e política
se apresenta como um problema ao mesmo tempo prático e teórico e
o tempo do desenvolvimento da solução teórica dada pelo autor a essa
questão. Nessa perspectiva, a querela sempre renovada entre as
leituras contextualistas/historicistas e as leituras imanentes de uma
obra teórica perde todo sentido.
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Sobre fontes da pesquisa seria necessário cuidar ainda a qualidade das
edições utilizadas. Sobre este tema e, particularmente sobre as edições em
português remeto a meus comentários em Bianchi (2005).
Referências bibliográficas