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AULA 1 - Fundamentação dos Números Inteiros

Introdução
A teoria dos números trata, pelo menos em seus aspectos mais elementares, das proprie-
dades dos números inteiros e mais particularmente das propriedades dos números inteiros
positivos 1, 2, 3, ... (também conhecidos como números naturais). A origem da palavra
”número” vem da antiga Grécia, época onde esta palavra siginificava ”número inteiro
positivo”(no sentido atual) e nada mais. Os números naturais são conhecidos a tanto
tempo por nós, que o matemático Leopoldo Kronecher certa vez afirmou: ”Deus criou
os números naturais, todo o resto é invenção do homem ”. Apesar da célebre afirmação
de Kronecher, a noção de número natural foi precisamente fundamentada por Peano
em 1889, que mostrou num trabalho longo e enfadonho, como construir o conjunto dos
números naturais. De posse, do conjunto dos números naturais, uma construção razoa-
velmente simples pode ser feita para construir-se explicitamente o conjunto dos números
inteiros. Ao invés de apresentar esta construção, optaremos por introduzir os números
inteiros de maneira axiomática a fim de chegar aos principais resultados da Aritmética
dos Inteiros mais rapidamente.

Apresentação Axiomática dos Números Inteiros

Os Números Inteiros
O conjunto dos números inteiros, denotado por ZZ, é munido de duas operações, uma
adição (+)

+ : ZZ × ZZ → ZZ
(a, b) Ã a+b
e uma multiplicação (·)
· : ZZ × ZZ → ZZ
(a, b) Ã a.b

além de uma relação de ordem (≤). Em particular, o simbolismo acima diz que as
operações de adição e multiplicação são fechadas, isto é, dados inteiros a e b então tem-se
que a+b e a . b são inteiros. Estas operações, adição e multiplicação, e a relação de ordem
satisfazem os seguintes axiomas:

Axiomas da Adição

Axiomas da Adição

A1. Associatividade da Adição: Quaisquer que sejam a, b, c ∈ ZZ, tem-se

(a + b) + c = a + (b + c)

A2. Comutatividade da Adição: Quaisquer que sejam a, b ∈ ZZ, tem-se

a+b=b+a

A3. Existência de Elemento Neutro da Adição: Existe 0 ∈ ZZ tal que

0+x=x

para todo x ∈ ZZ. O elemento 0 é chamado de zero ou neutro aditivo. Este elemento é
o único elemento com tal propriedade.

A4. Existência do Oposto: Para cada a ∈ ZZ, existe y ∈ ZZ tal que

a+y =0

O elemento y será denotado por −a e é chamado de oposto de a. Tal elemento é o único


com esta propriedade.
Observamos que no axioma A3 foi afirmado que 0 é o único elemento com a propriedade:

0 + x = x para todo x ∈ ZZ (I)

0
De fato, se existisse outro elemento com esta propriedade, digamos, 0 , terı́amos que

0
0 + x = x para todo x ∈ ZZ (II)

Como tal propriedade deve valer para todo elemento de ZZ, escolhemos x = 0 em (II);
isto nos conduz a
0
0 +0=0

Por outro lado, por ser 0 elemento neutro da adição tem-se, de (I), que

0 0
0+0 =0

donde segue do axioma A.2, isto é, da comutatividade, que

0
0 =0

mostrando-se assim a unicidade do elemento neutro da adição.

Para mostrar a unicidade do elemento oposto no axioma A4, procedemos do modo a


seguir. Sejam a um inteiro qualquer e suponha que y e z sejam inversos aditivos de a,
isto é,

a+y =0 e a+z =0

Então utilizando-se a associatividade e comutatividade da adição, vem que

z = 0 + z = (a + y) + z = a + (y + z) = a + (z + y) = (a + z) + y = 0 + y = y

que é exatamente o que desejamos concluir.

Se a, b ∈ ZZ, escreveremos a − b para siginificar a + (−b). Esta operação será chamada de


subtração. Neste caso dizemos que subtraı́mos b de a.
Axiomas da Multiplicação

Axiomas da Multiplicação

M1. Associatividade da Multiplicação: Quaisquer que sejam a, b, c ∈ ZZ, tem-se

(a . b) . c = a . (b . c)

M2. Comutatividade da Multiplicação: Quaisquer que sejam a, b ∈ ZZ, tem-se

a.b = b.a

M3. Existência do Elemento Neutro da Multiplicação: Existe 1 ∈ ZZ, com 1 6= 0,


tal que
1.x = x

para todo x ∈ ZZ. Este é o único elemento com tal propriedade.

M4. Integridade Se a, b ∈ ZZ são tais a 6= 0 e b 6= 0 então a . b 6= 0

MA. Distributividade da Multiplicação em relação a Adição: Quaisquer que


sejam a, b, c ∈ ZZ, tem-se
a . (b + c) = a .b + a .c

Assim como o elemento neutro aditivo, o elemento neutro multiplicativo é único: caso
0
existisse um outro elemento com esta propriedade, digamos 1 , terı́amos que

0
1 . x = x para todo x ∈ ZZ (III)

Como tal propriedade deve valer para todo elemento de ZZ, escolhemos x = 1 e isto leva
a
0
1 .1 = 1

Por outro lado, por ser 1 elemento neutro da multiplicação tem-se

0 0
1.1 = 1
0
donde segue do axioma M.2 que 1 = 1, mostrando assim a unicidade deste elemento.

É muito comum que se use a contrapositiva do axioma M4, isto é, ”Se a, b ∈ ZZ são tais
que a . b = 0 então a = 0 ou b = 0”.

Axiomas de Ordem

Axiomas da Ordem

O1. Reflexividade: Para cada a ∈ ZZ, tem-se a ≤ a.

O2. Anti-Simetria: Dados a, b ∈ ZZ tais que a ≤ b e b ≤ a então a = b.

O3. Transitividade: Dados a, b, c ∈ ZZ tais que a ≤ b e b ≤ c então a ≤ c.

O4. Tricotomia: Dados a, b ∈ ZZ então a < b ou a = b ou b < a.

O5. Se a, b, c ∈ ZZ são tais que a ≤ b então a + c ≤ b + c.

O6. Se a, b, c ∈ ZZ são tais que a ≤ b e c ≥ 0 então a . c ≤ b . c.

Para a, b ∈ ZZ, o simbolismo a ≤ b em linguagen corrente é lido como: ”a menor ou igual


b”; escrever a < b significa que a ≤ b e a 6= b. Analogamente, escrever a > b significa que
b ≤ a e b 6= a. Diremos que o inteiro a é positivo se a > 0 e negativo se a < 0.

Princı́pio da Boa Ordem

Princı́pio da Boa Ordem

PBO. Todo conjunto não-vazio S de inteiros não-negativos contém um elemento mı́nimo,


isto é, existe algum inteiro a em S tal que a ≤ b qualquer que seja b em S.

O Princı́pio da Boa Ordem desempenha um papel fundamental na Aritmética dos Inteiros


e será a chave de vários resultados que surgiram ao longo destas aulas. Veremos a seguir
várias consequências dos axiomas acima apresentados, exceto do próprio Princı́pio da
Boa Ordem, que mostrará toda sua importância nas aulas que seguem.

Consequências dos Axiomas

Proposição 1: As seguintes asserções são verdadeiras:

(a) Se a, b, c ∈ ZZ são tais que a + b = a + c então b = c.

(b) Se a ∈ ZZ então a.0 = 0.

(c) Se a ∈ ZZ então (−1).a = −a

(d) Se a, b ∈ ZZ então −(a.b) = (−a).b = a.(−b)

(e) Se a, b, c ∈ ZZ, com a 6= 0, são tais que a . b = a . c então b = c.

(f) Se a ∈ ZZ e a ≤ 0 então −a ≥ 0.

(g) Se a ∈ ZZ então a2 ≥ 0.

(h) 1 > 0.

Demonstração:
(a) Vamos provar que se a, b, c ∈ ZZ são tais que a + b = a + c então b = c. Apelaremos
a única coisa que dispomos até então, que são os axiomas enumerados anteriormente.
Usaremos os axiomas A.1, A.3 e A.4. O axioma A.4 garante a existência do oposto de
a, isto é, −a. Somando-se −a a ambos os membros da igualdade tem-se:

−a + (a + b) = −a + (a + c)

e agora aplicando-se o axioma A.1, podemos escrever que

(−a + a) + b = (−a + a) + c

e isto não é nada além de 0 + b = 0 + c. Decorre de A.3 que b = c, que é exatamente o


que gostarı́amos de provar.

(b) Temos que verificar que se a ∈ ZZ então a . 0 = 0. Para tal, utilizaremos inicialmente
o axioma MA para escrever:

a .(0 + 0) = a . 0 + a . 0

Agora, usamos o axioma A.3 no primeiro membro da igualdade (use o fato de que
0 + 0 = 0 !) para concluir que a . 0 = a . 0 + a . 0. Mas esta igualdade é, novamente por
A.3, o mesmo que a . 0 + 0 = a . 0 + a . 0, donde uma aplicação direta do item (a) conduz
ao resultado desejado.

(c) Provaremos que se a ∈ ZZ então (−1).a = −a. Usando na ordem M.3, MA, A.4 e o
item (b) temos:

(−1).a + a = (−1).a + 1.a = (−1 + 1).a = 0.a = 0

O resultado é obtido somando-se −a a cada membro da igualdade (−1).a + [a + (−a)] =


0 + (−a), e portanto, (−1).a = −a, como desejado.

(d) Vamos mostrar que se a, b ∈ ZZ então −(a . b) = (−a).b. De fato, por A.4 podemos
escrever que

−(a . b) + a . b = 0

Agora, somando-se (−a).b a ambos os membros da igualdade temos

−(a . b) + [a . b + (−a).b] = (−a).b

Vamos analisar isoladamente a expressão dentro dos colchetes; aplicamos, na ordem, a


item (c), o axioma M.3 e o axioma MA para concluir que

a . b + (−a).b = 1 .( a . b) + (−1) .(a . b) = (1 − 1).(a . b) = 0

Isto mostra que o desejado. A outra igualdade tem prova totalmente análoga a esta.
(e) A afirmação é que se a . b = a . c , a 6= 0 então b = c. Notamos que a igualdade

a.b = a.c

é equivalente a
a . b − (a . c) = 0

Usando-se o item (d), podemos escrever que

a . b + a . (−c) = 0

Do axioma MA tem-se
a.[b + (−c)] = 0

Usando-se o axioma M4 e o fato de que a 6= 0, segue que b − c = 0, ou seja, que b = c.

(f) Temos que provar que se a ∈ ZZ e a ≤ 0 então −a ≥ 0. Para isto, faremos uma
aplicação de O.5, partindo de a ≤ 0; somando −a a ambos os membros desta desigual-
dade temos: a + (−a) ≤ 0 + (−a), isto é, 0 ≤ −a, ou ainda, −a ≥ 0. Isto prova o
desejado.

(g) Provemos a afirmação de que a ∈ ZZ então a2 ≥ 0; conforme o axioma O.4, dado


um a ∈ ZZ tem-se que a > 0, ou a = 0 ou a < 0. Se a = 0, então pelo item (b), tem-se
a2 = 0; no caso em que a > 0, a propriedade O.6 pode ser aplicada multiplicando-se
a desigualdade por a, para obter que a2 > 0; finalmente se a < 0, então pelo item (f),
−a > 0, e uma aplicação da propriedade O.6 nos leva a (−a)2 > 0. É deixado como
atividade provar que (−a)2 = a2 seja qual for a ∈ ZZ. Com isto temos provado o resultado.

(h) O axioma M.3 garante que 1 6= 0 e que 1 = 12 ; conforme o item (g), 1 = 12 > 0.

Após todo este trabalho, espera-se de você, caro Professor, a compreensão de muitas das
tão conhecidas regras de sinais e propriedades operacionais que são sempre realizadas
no seu dia a dia com os números inteiros, pairem à luz da fundamentação teórica aqui
apresentada. Isto serve para encerrar intermináveis discussões sobre fatos que são nada
mais que axiomas e que portanto não podem ser provados, a não ser, claro, se o caminho
escolhido for o da construção dos números inteiros a partir dos números naturais.

Representação Gráfica dos Números Inteiros

É comum representar os números inteiros por pontos de uma reta. Para tal, escolhe-
mos um ponto da reta para representar o número inteiro zero. Os inteiros positivos
+1, +2, +3, +4, ... são associados aos pontos de distância 1, 2, 3, 4 unidades a direita da
origem, enquanto os inteiros negativos −1, −2, −3, −4, ... são associados aos pontos de
distância 1, 2, 3, 4, ... unidades a esquerda da origem.

Módulo

Definição: O valor absoluto ou módulo de um inteiro a, denotado por |a|, é por definição

 a, se a ≤ 0
|a| =
 −a, se a < 0

Observe que o módulo de um inteiro é sempre um interio não-negativo. Graficamente, o


módulo de um inteiro a representa sua distância a origem, isto é, sua distância ao inteiro
zero. Portanto, se o módulo de a, é igual a r, isto significa que a está r unidades de
distância da origem, a esquerda ou a direita. Logo a = r ou a = −r.

Curiosidade: ZZ tem mais elementos que IN ?

Após um momento de reflexão, nossa intuição pode nos levar ao seguinte raciocı́cio:
ora, como ZZ = IN ∪ {−1, −2, −3, ...}, o conjunto ZZ tem pelo menos uma infinidade
de elementos a mais que IN. Apesar de parecer não haver nada de errado no raciocı́cio
acima, quando se trata de comparar conjuntos infinitos a questão torna-se um pouco mais
delicada. A pergunta de aparência inocente e de resposta enganosamente trivial, não é
tão simples assim. O primeiro ponto a ser questionado é como se ”conta” a quantidade
de elementos de conjunto infinitos? E como comparamos o ”tamanho” de cada um destes
infinitos? Seremos bem práticos na resposta a esta pergunta.

Dois conjuntos X e Y tem a mesma cardinalidade (o mesmo ”número” de elementos) se


existe uma função bijetora ϕ : X −→ Y . Neste caso dizemos que os conjuntos X e Y
tem o mesmo cardinal.

A função ϕ : IN −→ ZZ definida por

µ ¶
n+1 2n + 1 1
ϕ(n) = (−1) +
4 4
é uma bijeção entre IN e ZZ e portanto, isto diz que IN tem tantos elementos quanto ZZ,
ou ainda, que cada elemento de IN corresponde a um único elemento de ZZ.

Com isto, ambos os conjuntos tem o mesmo ”número” de elementos! A tı́tulo de curi-
osidade, podemos estabelecer uma bijeção entre o Q
I (racionais) e ZZ. Portanto, em se
tratando dos conjuntos IN, ZZ e Q,
I todos possuem a mesma cardinalidade! Já os reais
formam um conjunto bem maior ...

Exercı́cios Resolvidos

1) Prove que se a ≥ 0 e b ≥ 0 , então a b ≥ 0.

Solução: Isto é uma consequência direta do axioma O6; de fato, multiplicando a ≥ 0 por
b ≥ 0, tem-se a . b ≥ 0 . b, isto é, a . b ≥ 0.

2) Prove que se a, b ≥ 0 e a2 ≥ b2 então a ≥ b.

Solução: Vamos supor, por absurdo, que se tenha a, b ≥ 0 e a2 ≥ b2 mas a < b (∗). Do
axioma O6 podemos escrever, multiplicando (∗) por a e b, respectivamente, que

a2 = a . a < a . b e a . b < b . b = b2
Daı́, a partir do axioma O3, concluı́mos que a2 < b2 , o que é um absurso com a a hipótese.
Portanto, deve-se ter a ≥ b.

3) Prove que se a e b são inteiros então |a b| = |a| |b|.

Solução: Suponha, inicialmente, que a > 0 e b > 0. Neste caso, tem-se a b > 0 [ver
exercı́cio resolvido 1]. Então, |a b| = a b = |a| |b|.

Agora suponha que a > 0 e b < 0. Neste caso, tem-se a b < 0 [ver exercı́cio proposto 2
f)]. Então, |a b| = −(a b) = a (−b) = |a| |b|.

Finalmente, tratamos o caso a < 0 e b < 0. Temos a b > 0 [ver exercı́cio proposto 2 g)]
e, portanto, |a b| = a b = (−a) (−b) = |a| |b|.

4) Prove que se a é um inteiro então −|a| ≤ a ≤ |a|.

Solução Vamos supor que a < 0. Neste caso, |a| = −a > 0 [ver proposição 1 f)] e, por
conseguinte, temos que −|a| = a < 0 < −a = |a|, donde −|a| ≤ a ≤ |a|. O caso a > 0 é
totalmente análogo.

5) Provar que |a+b| ≤ |a|+|b| quaisquer que sejam os inteiros a e b. Este fato é conhecido
como desigualdade triangular.

Solução: Em vista dos exercı́cios resolvidos 4 e 5, temos a b| ≤ |a| |b|. Portanto é lı́cita
desigualdade

|a + b|2 = (a + b)2 = a2 + 2ab + b2 = |a|2 + 2ab + |b|2 ≤ |a|2 + 2|a||b| + |b|2 = (|a| + |b|)2

ou seja, |a + b|2 ≤ (|a| + |b|)2 e isto implica [ver exercı́cio resolvido 2] que |a + b| ≤ |a| + |b|.
Exercı́cios Propostos

1) Sejam a e b inteiros. Mostrar que:

(a) −(−a) = a.

(b) Se a2 = 0, então a = 0.

(c) Se a2 = a, então a = 0 ou a = 1.

(d) (−a)(−b) = a b.

(e) (−a)2 = a2 .

(f) Se a < b, então −a > −b.

(g) Se a ≥ 0 e b ≤ 0 , então a b ≤ 0.

(h) Se a ≤ 0 e b ≤ 0 , então a b ≥ 0.

2) O valor absoluto ou módulo de um inteiro a, denotado por |a|, é por definição



 a, se a ≤ 0
|a| =
 −a, se a < 0

Se a e b são inteiros, prove as seguintes propriedades:

(a) |a| ≥ 0 e |a| = 0 se, e somente se, a = 0.

(b) |a| = max(−a, a)

(c) −|a| ≤ a ≤ |a|

(d) | − a| = |a|

(e) |a|2 = a2

(f) |a b| = |a| |b|


(g) |a − b| ≤ |a| + |b|

(h) |a ± b| ≥ |a| − |b|

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