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FACULDADE DE DIREITO

NÚCLEO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

POLÍCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO E


CAPACITAÇÃO POLICIAL

BRUNO FERREIRA MARTINS SOARES DOS SANTOS


MATRÍCULA: 204120146

NALAYNE MENDONÇA PINTO


Orientadora

RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2008
FACULDADE DE DIREITO
NÚCLEO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

BRUNO FERREIRA MARTINS SOARES DOS SANTOS

POLÍCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO E


CAPACITAÇÃO POLICIAL

Monografia apresentada à Faculdade


de Direito da Universidade Candido
Mendes Tijuca como requisito para
obtenção do título de bacharel em
Direito.

Banca Examinadora:

__________________________________
Nalayne Mendonça
Professora Orientadora

__________________________________
Haydée Caruso
Professora Convidada

UCAM - Tijuca
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2008
RESUMO

SANTOS, Bruno Ferreira Martins Soares dos. Polícia, Segurança Pública e a


Importância da Formação e Capacitação Policial. Monografia (Graduação em
Direito) Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes Tijuca. Rio de
Janeiro, 2008.

Esta monografia visa analisar o atual modelo de formação policial e seus reflexos na
administração dos conflitos interpessoais, com base nas normas e princípios
orientadores de Direitos Internacionais Humanitários e na proposta de
implementação do novo conceito de Segurança Humana. Neste contexto, aborda-se
os papéis da polícia e da sociedade no efetivo exercício da cidadania e do direito e
responsabilidade na Segurança Pública.

Palavras- Chave:

Formação Policial, Segurança Pública e Estado Democrático de Direito.


SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO.......................................................................................................3

2 – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E O NOVO

CONCEITO DE SEGURANÇA HUMANA...................................................................5

2.1- SEGURANÇA PÚBLICA, DIREITO E HUMANISMO....................................14

3 – POLÍCIA, DEFESA DO ESTADO, DA SOCIEDADE E DAS INSTITUIÇÕES

DEMOCRÁTICAS......................................................................................................20

4 – A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO POLICIAL..................................................25

4.1- O RECURSO AO USO DA ARMA DE FOGO...............................................31

4.2– O SISTEMA DE ENSINO E OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DA

POLÍCIA MILTAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO......................................35

5 - PAPEL DA POLÍCIA, CULTURA E SOCIEDADE...............................................40

5.1- BREVE HISTÓRIA DA POLÍCIA....................................................................43

5.2- POLÍCIA CIVIL E POLÍCIA MILITAR.............................................................45

5.3- POLICIAMENTO COMUNITÁRIO, UMA NOVA PROPOSTA DE

POLICIAMENTO...................................................................................................48

6 - CONCLUSÃO.......................................................................................................58

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................62
3

1-INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é destacar a importância da formação policial na


consecução da Segurança Pública, devendo considerar a sua missão de proteção
às pessoas e de mantenedora da paz social.
Com base nos dados apresentados por Haydée Caruso, Nalayne
Mendonça e Luciane Patrício, os temas, formação e estrutura de ensino das
organizações policiais, especificamente, mostram pouquíssimos registros de grupos
de pesquisa e produções acadêmicas em todo o Brasil, revelando a carência de
estudos científicos (2005, p. 9).
Essa escassez de produção de estudos sobre temas que abordam polícia
e Segurança Pública se reflete, também, nos próprios materiais disponíveis aos
agentes (manuais, diretrizes, regulamentos e notas de instrução), que datam, na
grande maioria, da década de 80, o que caracteriza uma desatualização dos
mesmos. Como exemplo, vale trazer o Manual Básico do Policial Militar (M4), que,
datado de 1987, não sofreu atualização por muitos anos. (2005, p. 12)
A relevância da formação dos agentes se mostra, por exemplo, quando se
noticia quase que diariamente ações desastrosas pelo excessivo, desnecessário ou
equivocado uso da força e da arma de fogo, condutas abusivas ou truculentas contra
as pessoas, etc. Além disso, também merece atenção o fato dos policias estarem
ocupando a lacuna deixada pelo descaso nas suas formações com alguns “saberes”
construídos pela prática que, embora suas existências sejam compreensíveis e
aceitáveis, as vezes vão de encontro com as normas legais.
A formação deve ser orientada para que os agentes interiorizem o seu
papel de administradores dos conflitos interpessoais inerentes à toda e qualquer
sociedade, extirpando de seus imaginários a maléfica e destrutiva idéia de “combate
ao crime”, no qual eles estão constantemente buscando seus “inimigos”. Deve-se
quebrar a resistência da subcultura policial, que tanto resiste à modificações e que
se apega ao conservadorismo.
Ainda, uma orientação ética, social e profissional torna-se um imperativo
em todas as manifestações dos agentes policiais, a fim de que os direitos e
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garantias individuais e fundamentais de todos os cidadãos sejam observados e


respeitados. Essa orientação facilitaria, sobremaneira, a relação entre a polícia e a
sociedade, o que não ocorre nos dias atuais. E essa relação apresenta-se de suma
importância no momento da concretização das atividades a serem realizadas pelos
agentes.
Por tudo antes exposto, a questão deste trabalho é discutir a ausência de
políticas de segurança pública, atentas a formação policial (e seus constantes e
necessários aperfeiçoamentos) e a adequação dessa formação com modelos e
propostas inovadoras, como a de policiamento comunitário, e de identidade ao novo
conceito de Segurança Humana, face à crescente complexidade das relações
interpessoais, deixando a atual forma repressiva, punitiva e militarizada.
Para chagar a discussão das questões relativas ao presente trabalho, ou
seja, a ausência de políticas públicas preocupadas com a formação e capacitação
dos agentes policiais, será levado em conta o atual contexto social, considerando o
regime democrático e o Estado de Direito. Partindo desta referência, tratará do novo
conceito de Segurança Humana, onde as políticas de segurança pública devem
levar sempre em consideração os direitos humanos e a cidadania de todos os
indivíduos nas práticas policiais, o que para alguns setores da sociedade ainda é
tido como incompatível.
Posteriormente, será ressaltado como o processo de transmissão e
aprendizagem dos conhecimentos deve ocorrer, para que propostas, por exemplo de
policiamento comunitário, sejam possíveis, distanciando-se das atuais práticas
autoritárias e violentas impostas pelas políticas de resultado e de tolerância zero,
que têm base no eficientismo penal.
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2-BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E O NOVO


CONCEITO DE SEGURANÇA HUMANA

Conforme preceitua a Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, a


Segurança Pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública (isto é, conjunto de condições
necessárias ao regular funcionamento das instituições, e ao efetivo exercício dos
direitos e liberdades dos indivíduos) e da incolumidade das pessoas, bem como do
patrimônio. E, para realizar tais atividades, o Estado tem a disposição alguns órgãos,
todos taxativa e exaustivamente arrolados em seus incisos (Polícia Federal, Polícia
Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo
de Bombeiros Militar).
Ao observar a Constituição Portuguesa, por exemplo, o tema segurança
(compreendido em sentido lato, sem uma conceituação) encontra-se disposto no art.
27, juntamente com o tema liberdade, no Título II - Direitos, Liberdades e Garantias.
Já, no que tange à polícia, a Carta Magna desse país estabelece no artigo 272 que
“1. a polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a
segurança interna e os direitos dos cidadãos. 2. as medidas de polícia são as
previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário. 3.
a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só
pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.”
Ao analisar esses dois textos legais, vê-se que o assunto Segurança
Pública, na Constituição Portuguesa, é estabelecido como um direito individual,
assim como a liberdade, a ser salvaguardado pelo Estado, ao passo que na
Constituição Brasileira é algo que pertence ao Estado, para que o mesmo perpetue
a sua integridade. E, quanto a polícia, naquela Lei Maior não se prescreve como
mero instrumento oferecido ao Estado para que este, na medida e na forma de sua
conveniência, a use, mas sim, a preceitua como órgão encarregado de defender a
legalidade democrática, garantir a segurança interna (a segurança externa, assim
6

como no Brasil, é exercida pelas Forças Armadas) e sustentar os direitos dos


cidadãos, observando sempre os limites que a Lei impõe.
Em sociedades democráticas, a instituição policial deve corresponder ao
desejo justificado de proteção das liberdades individuais e coletivas, assim como de
representar a necessidade de garantir a harmonização dessas liberdades.
Ao considerar ser essencial promover o desenvolvimento de relações
amistosas para o progresso social, e melhores condições de vida para uma
liberdade mais ampla, a Declaração Universal dos Direitos Humanos assim
estabelece em seu art. 28: “Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e
no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e
liberdades.”
Visto isso, por segurança, em linhas gerais, entende-se como sendo a
condição em que o Estado, a sociedade ou os indivíduos não se sentem expostos a
riscos ou ameaças, não deixando de se levar em conta, conforme ensinam Ana
Paula Mendes, Nivio Caixeta e Kátia Sento-Sé (2006), que a (in)segurança pode
estar relacionada a uma infinidade de riscos, reais e/ou imaginários. E, essas duas
modalidades de riscos são distinguidas como (in)segurança subjetiva e
(in)segurança objetiva. Aquela estaria ligada ao medo que as pessoas têm da
vitimização, independentemente dos riscos concretos, enquanto que a segunda tem
a ver com o risco concreto de ser vitimizado. Contudo, uma não se traduz,
necessariamente, na outra.
É preciso, ainda, destacar que a idéia de segurança pública se difere da
idéia de defesa, isto é, de uma ação efetiva, empregada de forma particularizada e
individual, através da qual cada um busca obter ou manter o grau de proteção que
se espera. Para exemplificar, basta trazer ao estudo as inúmeras empresas privadas
que realizam atividades de proteção em condomínios e outros ambientes
particulares.
Atualmente, um novo modelo, denominado Segurança Humana, que
pretende aliar proteção contra violência aos direitos humanos, e acesso a serviços
básicos, surge principalmente para alterar as formas de atuação das polícias, de
modo a agirem mais efetivamente em prol da sociedade, e junto desta. Os
7

procedimentos dos agentes são todos embasados por normas internacionalmente


convencionadas de cunho humanitário.
Por isso, percebendo as mudanças ocorridas no seio sociedade, o
Ministério da Justiça elaborou o Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania – PRONASCI –, iniciativa pioneira e que engloba os princípios e conceitos
dessa Segurança Humana
As idéias de Segurança Humana são apresentadas no Esboço do
Relatório da Comission on Human Security, das Nações Unidas, como possíveis
soluções, uma vez que a liberalização e a democratização políticas ofereceram
novas oportunidades, mas também criaram novas vulnerabilidades, como a
instabilidade política e econômica e os conflitos nas esferas dos Estados. Então,
para se fazer face a estes elementos de insegurança, de uma maneira eficaz e justa,
é necessária uma abordagem integrada. (2003, p.1)
Segundo o relatório supracitado, embora o Estado continue a ser o
principal responsável pela segurança, a atenção deve deixar de incidir apenas nele
para passar a incluir a segurança das pessoas, protegendo estas das ameaças e
situações críticas, e criando sistemas que proporcionem os elementos básicos de
sobrevivência, dignidade e meios de subsistência. Assim, complementa-se a
segurança do Estado, concentrando-se nas pessoas e tomando em consideração as
inseguranças que não foram consideradas uma ameaça para a segurança do
Estado. (Comission Human Security, 2003)
“Segurança humana é um conceito desenvolvido no contexto das
relações internacionais, com base no humanitarismo, que introduz o ser humano no
centro das preocupações políticas e como fonte essencial do direito internacional.”
(MIRANDA, Ana Paula Mendes de; NASCIMENTO, Nivio Caixeta do; MELLO, Katia
Sento-Sé, 2006: p. 22)
De acordo com os autores, diferente do modelo atual que busca como
referência o poder e a força, inclusive através do emprego da arma de fogo, e o que
importa é a segurança do Estado acima de tudo (esta idéia fica latente quando se
analisa a localização do tema “segurança pública” dentro da Constituição Federal –
Título V Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), esse novo modelo
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defende a segurança humana da população (a vida, a dignidade, a integridade física


etc), principalmente, através da doutrina conhecida como polícia comunitária.
Busca-se, através desses modelos de policiamento e políticas públicas,
alterar a idéia de polícia como sendo o “braço armado” do governo no poder, para
passar a desempenhar a função de defender a legalidade democrática e os direitos
dos cidadãos.
Assim, ao contrário do modelo de política de segurança pública pautado
no eficientismo penal, que tem por base o discurso da “lei e ordem”, e na
militarização das práticas policiais, onde se destaca o excessivo emprego da força
através das ações repressivas, busca-se o modelo de política de segurança pública
regrado pelo garantismo constitucional. (DORNELLES, 2008)
Por mais discutível que seja o Direito (este entendido como um conjunto
ordenado de normas, fruto da experiência de vida em sociedade), ele é hoje a forma
encontrada mais eficiente capaz de regular a sociabilidade e disponibilizar meios
para que possa administrar os conflitos interpessoais existentes. O Direito Criminal
não deve ser compreendido como sendo uma forma de controle dos cidadãos, mas
sim como uma forma de se administrar as relações entre os indivíduos; segundo o
princípio da intervenção mínima, o Direito Penal se preocupa, tão somente, nos
ataques mais graves aos bens jurídicos mais importantes, e, também, quando
nenhum outro ramo do Direito puder dar solução ao caso fático (MIRABETE, 2005).
Contrariamente ao princípio da ultima ratio acima apresentado, do Direito
Penal Mínimo, do Direito Penal da Constituição, do espaço residual que se destina à
intervenção punitiva do Estado, que se baseia na proteção integral dos direitos
fundamentais e dos direitos humanos, cujo desafio é a pacificação dos conflitos e a
justiça social, o eficientismo penal é a forma do Direito Penal de emergência, regido
pelo princípio da prima ratio, que se expressa através de políticas criminais
repressivas e que criminalizam os conflitos sociais com fundamentos nos discursos
da “lei e ordem”.
O eficientismo penal busca dar celeridade à resposta penal para os
conflitos sociais, ocupando a lacuna encontrada no contexto de crise generalizada,
buscando satisfazer as demandas da população por mais segurança pessoal,
9

através de sua “política de resultados”, renunciando às garantias legais processuais


presentes nos princípios constitucionais e nos tratados internacionais.
(DORNELLES, 2008)
No atual quadro de crise, de desconstrução dos padrões de sociabilidade
urbana, é que se fortalece a necessidade de controlar uma cidade que se encontra
em constante “estado de guerra”. Essa concepção passa a afirmar que o conflito
social não se resolve pela via da cidadania, dos canais institucionais democráticos e
da administração. As contradições e os conflitos seriam resolvidos com a força.
“Verifica-se que os conflitos sociais têm sido assumidos como uma forma
de “guerra interna”, levando a uma identificação entre a forma bélica de pensar e
agir e a forma punitiva.” (2008, p.47)
Conforme destaca Dornelles, o eficientismo penal aplicado no Brasil torna
a incompetência policial um atributo, uma virtude travestida de bravura. A morte
passa a ser uma expressão da própria cultura policial. Entretanto, atos voluntariosos
e impulsivos dos agentes, que colocam em risco a vida do policial, de terceiros e do
próprio infrator não revelam heroísmo, mas sim total incompetência profissional.
(2008, p.85-89)
Por isso, para que se garanta a paz em um pacto social é necessário a
vigência de uma política de desenvolvimento social e proteção integral dos direitos
humanos que contenha a violência estrutural. O fracasso do modelo repressivo
clássico de “combate ao crime” – e ao criminoso – com base nas teorias
conservadoras positivistas, possibilitaria o desenvolvimento de um novo paradigma
para a política criminal, fundamentado no modelo prevencionista.
A base de fundamentação teórica parte das contribuições de uma nova
criminologia da reação social, através das teorias prevencionistas da sociologia do
conflito, a qual se restringe ao campo das sociedades capitalistas contemporâneas,
com um perfil de alta complexidade, pluralismo político e diversidade sociocultural.
O prevencionismo serve para ameniza as práticas de controle social
através da humanização das estratégias de prevenção ao crime, possibilitando a
participação de amplos segmentos sociais na discussão, na elaboração e na
10

aplicação de práticas de contenção da violência e dos ilícitos penais em toda a


sociedade, conforme dispõe o modelo de policiamento comunitário.
A ordem social, que é a disposição dos meios necessários para a
realização dos fins legitimamente perseguidos pela comunidade, não é um valor
absoluto, que possa impor-se em quaisquer circunstâncias pela força. Sendo um
valor a alcançar, um importante valor para que a paz seja possível, deve ser
conjugado com outros valores não menos relevantes.
Por isso que a liberdade humana, mesmo quando possa descambar na
infração penal, não pode ser reprimida a todo o custo e por qualquer meio, a fim de
preservar essa ordem pública. É por isso que, se à polícia cabe assegurar a ordem e
a tranqüilidade públicas, só o pode fazer no respeito da legalidade democrática e
dos direitos dos cidadãos.
Segundo o disposto no artigo 1º da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil é
signatário, “os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os
direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda
pessoa que esteja a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça,
cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem
nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social.
Mais uma vez, quanto a essa ordem pública, não se trata de uma
harmonia pré-estabelecida que se pretende preservar, mas sim de uma sociedade
imperfeita, cujos conflitos interpessoais devem ser administrados, fazendo-se
respeitar certas regras, com vista a certos objetivos. Não se pode negar os
contrastes, os conflitos e os antagonismos, mas deve-se observar tais distinções
numa visão dinâmica do processo social. “Segundo Pablos de Molina o crime não é
um enfrentamento simbólico entre o infrator e o Estado, mas sim a expressão
conflitiva de uma relação entre o criminoso, a vítima e a comunidade.” (2008, p.101)
Na doutrina jurídica, então, encontra-se a afirmação da força legítima do
Estado (tendo como principal característica, a garantia da aplicação das normas),
seja para a defesa dos cidadãos, seja para a sua educação e disciplina social
11

perante as ações lícitas ou ilícitas, ou para a manutenção da ordem democrática. É


por meio do Direito que o Estado exercita, de forma mais direta, o poder político
junto à população.
Conforme salienta Jorge Miranda, “a coercibilidade não é uma
característica geral do Direito, nem sequer, porventura, do Direito Estatal; mas é, em
certa medida, uma característica da organização política estatal. Ao Estado cabe a
administração da justiça entre as pessoas e os grupos de pessoas e, por isso, tem
de lhe caber também o monopólio da força física.” (2002, p. 22).
Assim, “o direito e a força não devem ser entendidos como absolutamente
incompatíveis entre si. Aquele é a organização desta. Pois o primeiro assinala certas
condições ao uso da força nas relações entre os homens, autorizando o emprego
desta unicamente por certos indivíduos e em determinadas circunstâncias” (DAURA,
Anderson Souza, 2008: p. 37).
Desta forma, como órgão responsável por exercer as atividades de
segurança pública, a polícia tem um papel fundamental na sustentação dos direitos
e garantias individuais, e na realização do “bem comum”, ou seja, do efetivo
desenvolvimento e gozo da personalidade humana, e que, por via de conseqüência,
também se destaca como principal alvo das criticas e cobranças dos cidadãos.
O vínculo direto da Polícia com os conflitos cotidianos, expondo a mesma
a toda sorte de fatos e interesses em jogo, além, muitas vezes, das contradições das
normas legais com a própria realidade social, faz com que as ações policiais e seus
agentes estejam constantemente em risco, e sob suspeita.
Como conseqüência, um processo de afastamento entre a população e os
órgãos policiais acaba sendo construído. Isto se deve, em grande parte, porque
cabe a Polícia, em última instância, o controle físico de cada indivíduo. A missão de
aplicar a lei e manter a ordem pública pode colocar os policiais e os demais
membros da sociedade em lados opostos num dado conflito.
“À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade
emocional, que deixam os indivíduos ou a comunidade
fortemente ‘abertos’ ao impacto psicológico e moral da ação
realizada. Por essa razão é que a intervenção incorreta funda
marcas traumáticas por anos ou até pela vida inteira, assim
como a ação do ‘bom policial’ será sempre lembrada com
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satisfação e conforto. Curiosamente, um significativo número


de policiais não consegue perceber com clareza a enorme
importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem
refletido suficientemente a respeito dessa peculiaridade do
impacto emocional do seu agir sobre a clientela. Justamente aí
reside a maior força pedagógica da polícia, a grande chave
para a redescoberta de seu valor e o resgate de sua auto-
estima.” (BALESTRERI, Ricardo Brisola, 1998: p.10)

A realização das atividades de segurança pública, especificamente no Rio


de Janeiro, é malvista e muito criticada pela população em geral, e por motivos
diversos e, às vezes, antagônicos: aqueles cidadãos pertencentes as classes
favorecidas reclamam da insegurança e da ineficiência em sua prestação, exigindo
um maior “rigor” por parte dos policiais; a população pobre sente-se discriminada,
violentada, oprimida e constrangida por essa mesma polícia; e os infratores tratam
os policiais como inimigos a serem eliminados, e, muitas vezes, defendem-se na má-
fama que acompanha a organização.
Assim, a sociedade como um todo deseja que a assimilação de
determinados padrões de atuação venha a contribuir para um processo de maior
humanização das relações polícia-cidadão, exigindo-se do profissional de polícia o
rigor na aplicação dos conhecimentos técnicos e na observância dos ensinamentos
teóricos e doutrinários.
Para além das situações normais do dia-a-dia de vigilância e apoio ao
cidadão, o agente policial deve saber se comportar diante de uma notícia de
infração, usar de todos os cuidados na preservação (caso dos policiais militares) e
interpretação (papel realizado pelos peritos da Polícia Civil) dos vestígios materiais
do delito, proceder com êxito e sempre em observância as normas legais no
momento de uma detenção de um suspeito (abordagem e revista, detenção e
condução à delegacia e etc), prestar os primeiros atendimentos a todos os tipos de
vítimas (inclusive os suspeitos e infratores), em suma, deve revelar-se intelectual e
fisicamente capaz de exercitar seu mandato, e, acima de tudo, respeitando os
direitos fundamentais dos cidadãos.
Contudo, ao mesmo tempo em que se reclama da falência da polícia,
existe uma dificuldade imensa em pensar alternativas, na medida em que a idéia
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genérica de polícia e de políticas públicas de segurança permanecem as mesmas,


isto é, disponibilizar o maior número de policiais a fim de “combater o crime”, na
maioria das vezes, depois que ele ocorre. Muito por causa da própria história das
instituições policiais no Brasil, as quais não surgiram para a concretização da paz
social e a defesa da sociedade, mas sim para atender unicamente às demandas do
Estado e das elites que dominavam a política.
Sendo o objetivo de qualquer Política de Segurança Pública não o de pôr
fim a criminalidade, mas sim de contê-la, de administrá-la, de forma a impedir que
ela ameace a harmonia social e a ordem legitimamente estabelecida, cumpre ao
Poder Público juntamente com a sociedade (uma vez que ela constitui-se como
“cliente” – aquele que desfruta desse direito difuso que é a Segurança Pública – e
quem realmente representa o poder na República Federativa do Brasil, conforme
dispõe o art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal) buscar meios para conter e
controlar a escalada da criminalidade (em especial, a violenta), e ao mesmo tempo
construir uma relação menos traumática entre a polícia e a comunidade.
É preciso ter em mente que nem a sociedade nem o Estado podem
acabar com os conflitos, estes entendidos como situações de interação social,
mesmo sendo de confronto, desacordo, frustração e etc. Isto porque, em sua
composição, a sociedade é heterogênea, com visões de mundo e interesses
diversos. O que se pode variar, contudo, é a forma como esses conflitos
interpessoais se manifestam (entre as diversas formas de manifestação do conflito, a
violência é apenas uma delas) e podem ser dirimidos e controlados.
É a partir da própria experimentação das especificidades, que uma
sociedade democrática vai sendo construída. Os conflitos decorrentes das
divergências resultam na construção de consensos sobre o que é admitido e o que
não é. O conflito, desta forma, é parte de uma ordem social democrática, e o papel
da polícia é preservar essa ordem, nunca impor uma. (VIVA RIO, 2006)
Assim, a resolução dos conflitos pode se dar tão somente através da
repressão, transformando as organizações policiais em instituições de controle
social, ou através da administração desses conflitos, exigindo dos agentes uma
maior interação destes com os membros da comunidade.
14

Ainda, para a concretização de qualquer estratégia pública, e um


exercício adequado e eficaz das organizações policiais, o Devido Processo Legal
deve ser corolário indispensável para que sejam observados os direitos individuais e
a busca dos deveres do Estado de Direito, extirpando-se o autoritarismo e o arbítrio,
e, por conseqüência, as possíveis injustiças e abusos.
Com isso, pretendeu-se, de forma breve, trazer a lume a idéia de
Segurança Pública num Estado Democrático de Direito, os meios através dos quais
o Estado concretiza suas atribuições, devendo sempre visar a coletividade, e os
limites que a legislação pátria estabelece para seu exercício, também visando as
garantias de cada indivíduo.

2.1- SEGURANÇA PÚBLICA, DIREITO E HUMANISMO

“Durante muitos anos o tema ‘Direitos Humanos’ foi considerado


antagônico ao de Segurança Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre
1964 e 1984 e da manipulação, por ele, dos aparelhos policiais, esse velho
paradigma maniqueísta cindiu sociedade e polícia, como se a última não fizesse
parte da primeira.” (BALESTRERI, Ricardo Brisola, 1998: p.7).
Contudo, a história do Brasil, desde seus primórdios, evidencia a tradição
inquisitorial das instituições policiais, servindo como instrumento de reprodução do
capital e de controle social, principalmente contra aqueles indivíduos etiquetados e
tidos como prejudiciais e temerários.
A violência policial no Brasil faz parte de uma longa herança histórica que
marca as relações de opressão entre as elites governantes e as camadas
subalternas nos marcos de uma sociedade excludente e autoritária, onde a própria
gênese da instituição policial se confunde com as práticas dos colonizadores e dos
senhores de escravos que formavam contingentes comandados por capitães do
mato com o objetivo, entre outros, de capturar e castigar exemplarmente.
(DORNELLES, 2008)
Ainda hoje, é possível apontar práticas e políticas públicas autoritárias,
abusivas e altamente repressivas, reeditando os órgãos policiais pretéritos. Em seu
15

relatório, Philip Alston destaca que “os integrantes do alto escalão do governo e as
autoridades do setor de segurança pública do Rio de Janeiro falam do policiamento
como uma “guerra” contra as facções e os traficantes de drogas.” (2008, p. 12).
Alston relata as inúmeras operações de grande porte promovidas pelas
polícias durante os anos de 2007 e 2008, cujos principais objetivos, segundo
informações do então Secretário de Segurança Pública e outros integrantes do alto
escalão das polícias civil e militar, eram apreender armas e drogas, e prender as
pessoas chave das facções, para, num segundo momento, proporcionar meios para
implantação dos serviços básicos às comunidades (2008, p. 13).
Em sua conclusão, o Relator Especial em Missão ao Brasil, declarou que
as grandes operações
“... foram, na maioria dos ângulos, ineficazes. Elas colocaram
em risco os moradores das comunidades onde ocorreram as
operações, não tiveram êxito na tentativa de desmobilizar as
organizações criminosas e apresentaram resultados muito
limitados no que diz respeito à quantidade de drogas, armas e
demais contrabandos na cidade e no estado como um todo.
Dado o grande fracasso da abordagem de ‘guerra’, a principal
motivação por trás dessas políticas parece ser o desejo do
Governo do Estado de ser visto como sendo ‘duro contra o
crime’. (...) Mas, em grande parte, são calcados pela aprovação
da classe média a tal tática de confrontamento.” (2008, p. 18).

As concepções formuladas pela ONU para a organização e atuação das


instituições policiais em países democráticos estão afinadas com os dispositivos da
Constituição Brasileira, embora se verifique que a prática policial geralmente se
afasta desses princípios, fazendo prevalecer políticas de segurança e práticas
contraditórias com os princípios de respeito à dignidade humana.
Outros instrumentos internacionais, como, por exemplo, o Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e os Princípios
Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, embora não estejam incorporados na
legislação, estão em outros dispositivos, como ocorreu no Rio de Janeiro, quando,
em 2008, foram disponibilizados aos policiais civis e militares doze manuais, para
procedimentos operacionais diversos (Uso de Armas de Fogo, Abordagem a
Veículos e Edificações, Abordagem a Pessoas, Atendimento de Ocorrência etc), nos
16

quais transversalizou-se os procedimentos técnico-profissionais ensinados nas


academias com os dois tratados supracitados.
O exercício, por um policial, de qualquer dos poderes de que desfruta,
exerce efeito imediato nos direitos e liberdades dos seus concidadãos. Por isso,
deve estar sob constante discussão e estudo a forma como esses poderes são
manuseados, e os limites que devem ser impostos a eles a fim de se evitar abusos
por parte dos agentes.
A utilização desses poderes, portanto, não deverá exceder os limites
razoáveis, necessários e adequados que as diferentes situações possam exigir,
além dos limites impostos pelos direitos assegurados a cada cidadão. Qualquer que
seja o direito, somente poderá sofrer restrições em nome da ordem pública
socialmente convencionada, quando tal seja exigido pela preservação do Estado
Constitucional Democrático. Neste sentido, dispõe o art. 29 da Declaração Universal
dos Direitos do Homem:
“No exercício de seus direitos e liberdades, todo o homem
estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem
e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública
e do bem-estar de uma sociedade democrática”.

Conforme prevê o Código de Conduta para os Funcionários responsáveis


pela aplicação da lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, um
policiamento que leve a cabo suas atividades com diligência e dignidade deve
observar alguns princípios, tais como: os órgãos responsáveis pela aplicação da lei
devem ser representativos da comunidade, responder às suas necessidades e ser
responsáveis perante ela; todo policial é um elemento do sistema de justiça criminal
e a conduta de cada um tem uma incidência sobre o sistema no seu conjunto; o
órgão encarregado da aplicação da lei tem o dever de autodisciplina e os atos dos
funcionários devem estar sujeitos ao escrutínio público; as normas devem ser
transmitidas aos policiais mediante educação, formação e avaliação. (Gabinete de
Documentação e Direito Comparado/Portugal, 2008)
Ao se analisar, o art. XXVIII da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, quando dispõe que “todos têm direito a uma ordem social e internacional
17

em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser


plenamente realizados”, conclui-se que a polícia, como órgão responsável para esse
objetivo, tem um papel fundamental num regime Democrático de Direito,
assegurando a paz social e a tranqüilidade.
Desta forma, as características atuais das polícias, que se apresentam
como “muito eficientes” no uso freqüente da violência e da arma de fogo de forma
indiscriminada, e que freqüentemente desrespeitam os direitos e liberdades
individuais, devem ser expurgadas e substituídas por padrões internacionalmente
aceitos sobre uso legal e legítimo da força. Faz-se necessário incutir nos policiais,
desde cedo, a responsabilidade que sua atividade carrega na manutenção da paz
social e na administração dos conflitos.
A importância da consciência e sujeição aos princípios norteadores dos
direitos humanos apresenta-se, também, com a finalidade de se corrigir do
pensamento policial, e muitas vezes social, que a violência praticada pelos
infratores, ou mesmo a situação presumida de violência instalada em determinadas
circunstâncias e em determinados ambientes, sirvam de justificativas para excessos
ou abusos policiais.
Além da obediência as normas pré-estabelecidas, no momento do uso da
força, os agentes também deverão observá-las quando no cumprimento de outras
atividades. Por exemplo, a detenção de um indivíduo só será justificável quando
cumprir os requisitos legais previstos no ordenamento jurídico vigente. Saber quando
e como se deve restringir a liberdade de ir e vir de um cidadão faz parte da formação
dos agentes policiais. Principalmente, quando o exercício dessas atribuições forem
em face de indivíduos que mereçam especial atenção, tais como crianças e
adolescentes e mulheres. Estes sujeitos de direitos, assim como alguns outros, no
Manual “Para Servir e Proteger” elaborado pelo Comitê Internacional da Cruz
Vermelha, recebem capítulo próprio quanto à aplicação da lei, além de receberem a
denominação de grupos vulneráveis, tamanha importância do tema.
No que tange à prisão de um indivíduo, ensina Eugênio Pacelli (2008, p.
401) que, as prisões, seja em flagrante, seja por mandado judicial, serão efetuadas
sem o emprego de força, salvo a indispensável para vencer eventual resistência ou
18

eventual tentativa de fuga (art. 284 CPP), ainda que a resistência seja produzida por
terceiros. Mas, lembra o referido autor que, o emprego de armas para evitar a fuga
não pode ser aceito como meio indispensável para vencer a resistência, podendo
constituir, isso sim, dependendo do caso concreto, crime doloso contra a vida.
Quanto a esse direito supremo, o da vida, destaca o Manual Para Servir e
Proteger (2005, p. 293) que a proteção contra a privação arbitrária da vida é de
fundamental importância, devendo o Estado adotar medidas não apenas para
prevenir e punir a privação da vida por atos criminosos, mas também prevenir
mortes arbitrárias pelas suas próprias forças de segurança.
Juntamente com a autoridade da polícia para utilizar a força, vem uma
grande responsabilidade para garantir que esta autoridade seja exercida legalmente
e eficazmente. Os princípios da necessidade e da proporcionalidade, incorporados
ao art. 3º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, estão por trás de todas
as disposições detalhadas que regulam o uso da força pela polícia. Essa disposição
salienta que o emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei deve ser excepcional, isto é, considerado como medida extrema, e
seu emprego não deve ser desproporcional ao legítimo objetivo a ser atingido.
(Gabinete de Documentação e Direito Comparado/ Portugal, 2008)
Deve-se atentar também para o fato de que a medida em que esse
policiamento será executado com o devido respeito aos Direitos Humanos
dependerá, necessariamente, dos sistemas políticos e legais elaborados pelas
pessoas que atuam dentro desses sistemas. Assim, para que o policiamento seja
executado em conformidade com os padrões internacionais humanitários, cujos
princípios são claramente consagrados na Resolução nº 34/169 (Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei), estes devem ser levados
em conta quando os objetivos e finalidades, planos estratégicos e políticas de
organização policial estiverem sendo estabelecidos ou revistos pelo Poder Público.
São cruciais aos olhos do direito internacional humanitário os princípios
de respeito à vida humana, liberdade e segurança pessoal, formulados em termos
de proteção, cuidados e assistência a serem prestados. Não a toa que o Poder
19

Constituinte de 1988, quanto aos princípios fundamentais do Direito Penal e do


Direito Processual Penal, dispôs todos no artigo 5º da Constituição Federal. Quando
se regulamenta a atividade jurisdicional do Estado, principalmente em âmbito
punitivo, deve-se preservar os direitos fundamentais do ser humano, como o direito à
Segurança, à Liberdade, e, principalmente, à Vida.
Tudo está em que, se a polícia deve ser, em um ambiente regido pelo
Estado Democrático de Direito, uma antepara desses preceitos fundamentais, por
vezes – como sucede, com qualquer expressão de poder, sobretudo de poder
dotado de fortes meios de coerção – pode converter-se em ameaça ou instrumento
de lesão dos mesmos direitos.
Neste sentido, uma prioridade que urge, como condição para
concretização dos objetivos de qualquer polícia é que em primeiro lugar o agente
policial deve preservar toda e qualquer vida humana, antes mesmo de pensar em
aplicar a lei. Assim, depreende-se que a aplicação da lei não está focalizada como
meta principal, embora deva sempre ter em mente que o causador do conflito possa
ser responsabilizado posteriormente.
Em suma, todo o uso de força física contra um indivíduo, ofende seus
direitos individuais e fundamentais, nomeadamente o direito ao respeito pela sua
vida e pela sua integridade física. Contudo, isto não quer dizer, evidentemente, que
todo o recurso à força física constitua uma violação desses direitos. Regra geral, o
uso da força tem apoio na lei e fim legítimo. O que levanta questionamentos são os
elementos da proporcionalidade e necessidade no momento de sua utilização.
20

3 – POLÍCIA, DEFESA DO ESTADO, DA SOCIEDADE E DAS INSTITUIÇÕES


DEMOCRÁTICAS

Desde que o sistema político passou a reger a vida na maioria das


sociedades contemporâneas, a crença na Justiça tem como fundamento maior a
garantia dessa sociedade e do próprio Estado. Assim, “quando a violência extrapola
o âmbito do Estado – esfera que, em tese, detém com legitimidade o monopólio da
violência física – propicia novas formas de sociabilidade que se constroem na e pela
violência.” (PORTO, 2001).
Num Estado Democrático de Direito, as normas são entendidas como
adequadas para o comportamento social, e a desobediência à essas regras sociais
serão identificadas como uma ruptura a esse genérico e abstrato contrato social.
(LIMA, 2008)
Essa idéia, originada do contrato social, por meio do qual são criadas as
bases, as condições para as relações existentes nas comunidades, supõe um
conjunto de normas cuja efetividade estaria garantida pela possibilidade de um agir
coletivo através da expectativa de que todos os indivíduos agirão em conformidade
às normas e de forma recíproca. (PORTO, 2001)
“Como já bem lembrava Weber, a reciprocidade aí
compreendida não requer uma identidade ou homogeneidade
de sentidos a orientar a conduta dos envolvidos, razão pela
qual conteúdos de competição e do conflito são, como
assinalou Simmel, igualmente formas constitutivas de interação
social. (...) Da mesma forma, aponta Durkheim, cada contrato
vigente em um dado ambiente social traz implícito o lado não-
contratual do contrato, cujo conteúdo moral e valorativo é o
garante, em última instância, da obediência ao contrato.”
(PORTO, 2001)

Isto significa que se busca conseguir, politicamente, que a ordem seja


aceita e internalizada por todos os membros dessas sociedades, como se fosse
natural ou normal. Estabelece, portanto, que são criadas relações de aceitação das
normas sociais que se tornam vinculantes.
Conforme apontado no início do trabalho, a polícia aparece no contexto
social como um dos órgãos responsáveis pela concretização desses preceitos. A
21

polícia é uma instituição, cuja origem remonta às primeiras aglomerações urbanas. É


umas das formas mais antigas de proteção social.
Nesse sistema político, a polícia aparece como o modo de atuar da
autoridade, que consiste em intervir no exercício das atividades individuais capazes
de ameaçar os interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem
ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.
“É, também, decorrente de uma insatisfação popular, resultado
da formulação e reconhecimento dos direitos civis, iniciado no
século XVIII. O início do século XIX é marco do surgimento das
polícias modernas. A data exata é 1829, com a criação da
Polícia Metropolitana de Londres por Sir Robert Peel. A
experiência cotidiana inglesa com as instituições responsáveis
pela ordem social, ou seja, o exército e as polícias privadas,
despertou nos indivíduos a preocupação de criar uma força
pública, profissional, paga, com legitimidade e sem estar
vinculada a interesses particulares. Ela deveria estar voltada
para atender as demandas da sociedade, e não, como a polícia
francesa, que era direcionada para a proteção do Estado.”
(VIVA Rio, 2006)

O Estado, para a concretização das atividades da organização, confere a


seus agentes policiais poderes, os quais não são ilimitados ou se prestam a
qualquer finalidade. Esses têm um objetivo específico e uma dada funcionalidade,
dos quais o detentor não pode se descuidar sob pena de comprometer sua
legitimidade. A pessoa física, a qual fora incumbida de parcela do poder estatal, não
possui a faculdade de manipular e particularizar a res pública diferentemente dos
parâmetros que foram fixados pela vontade popular através da lei.
Desta forma, o mandato policial (a outorga de determinado poder para
quem venha a exercê-lo em seu nome para um determinado fim, num certo assunto,
por uma determinada maneira) é concebido por uma comunidade política,
constituída pela sociedade e seu governo que exerce uma dada governança dentro
de um determinado território.
E, essa especificidade do mandato policial nada mais é que a produção
autorizada da força em prol da paz social, dos direitos individuais e da sustentação
das regras do jogo social, previamente estabelecidas, sem, contudo, cometer
violações ou violências.
22

Assim, a figura do agente policial, o mandato que lhe é conferido, carrega


consigo a força da lei e a autoridade do Estado. Além disso, a legitimação do
mandato, do exercício da autoridade não é simplesmente dada, mas sim construída
a partir de um conjunto de valores, e dentro da estrutura política e social da
comunidade.
O respeito e reconhecimento da polícia não podem ser promulgados por
alguma norma legal, mas eles devem ser concebidos e fundados pelos membros da
sociedade. Não se pode obter aceitação pública de um serviço de polícia por
intermédio de propagandas, se esse não atender os preceitos legais e as
necessidades da população. Os cidadãos logo se aperceberiam das deficiências.
O policial, desta forma, é a pessoa que influi diretamente na atitude do
público, da comunidade a qual serve, e deve angariar uma reputação de integridade
e justiça. Tem que se dedicar a prestar um serviço público esmerado. Em contra
partida, esses agentes são cidadãos como todos os outros, e sendo o exercício da
autoridade uma função social, os agentes são credores de todo o respeito e
consideração.
Sempre que os encarregados da aplicação da lei exercem seu poder e
autoridade, devem respeitar e proteger os direitos e liberdades de todas as pessoas.
Exige-se que esses agentes promovam, protejam e respeitem os direitos individuais
e todas as normas de direitos humanos de todas as pessoas sem qualquer distinção.
Quanto à produção autorizada da força empregada pelo agente estatal,
cumpre, aqui, fazer uma análise histórica e social. Ao criminalizar o uso da violência
na resolução particular dos conflitos cotidianos, a sociedade conferiu exclusivamente
ao Estado o uso da força, tornando-o, então, o legítimo e único detentor desse
poder. Por conseguinte, ao pertencer a uma sociedade política, todo sujeito deposita
parte de sua liberdade individual nas mãos do Estado. Essa porção de liberdade
renunciada é a mesma que possibilitava aos indivíduos resolverem seus conflitos por
meio do uso indiscriminado e arbitrário da violência.
A aceitação da transição para o Estado de Direito deu-se, exatamente,
por meio da necessidade de criação de algumas garantias contra essa
insociabilidade. Assim, para contrapor todos os arbítrios e violências, fez-se
23

necessário elaborar mecanismos de controle sobre determinadas ações. Neste novo


contexto, o papel da polícia deve ser o de mediar e controlar, ou simplesmente
reprimir (nas sociedades, cuja instituição sirva tão somente para controle social) os
conflitos para defender a sociedade de si mesma.
Quanto às condutas arbitrárias e anti-sociais, o artigo 32, nº2 da
Convenção Americana dos Direitos do Homem prevê que “os direitos de cada
pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas
justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.”
No Estado Moderno, produto de uma construção racional através da
vontade expressa dos indivíduos, o uso legítimo, moderado e necessário da força é
o meio de garantia das normas coletivas e de socialização contra o desvio.
A moderna forma das organizações destinadas a exercer a atividade
policial, é resultado de uma tentativa de tornar a administração dos conflitos
interpessoais mais racional e justa. A polícia deve ser pensada como órgão universal
e neutro do Estado que visa a promoção da paz, da ordem pública e da obediência à
lei, isto é, lidar com toda e qualquer situação de perturbação do desenvolvimento
social e individual (através da garantia aos direitos dos cidadãos), e para atender
aos anseios estabelecidos de forma racional pela sociedade.
Ao se fazer uma análise mais aprofundada a respeito desse órgão estatal,
na obra Polícia, Estado e Sociedade: Práticas e Saberes Latino-americanos, os
autores destacam três elementos centrais para se definir polícia, quais sejam, ser
um órgão público; ter disponível o uso legítimo, moderado e proporcional da força; e
o seu caráter profissional (DAMMERT, 2007).
Quanto ao primeiro elemento, entende-se que a organização deve
responder junto a sociedade para atender suas necessidades. O segundo trata do
monopólio do uso da força conferido às polícias, entendendo que em um Estado de
Direito a força pode ser utilizada para manter o exercício de suas atividades. O
último elemento indica a capacidade da polícia, como corpo profissional, de
desenvolver conhecimentos a respeito de suas atividades.
Voltadas, historicamente, para a proteção dos interesses do Estado e das
elites, e operando lógicas repressivas e autoritárias, as polícias vêem-se
24

progressivamente expostas a demandas e problemas oriundos de uma nova e


complexa configuração social. E, devido ao seu papel central na ação política, a
polícia se vê altamente sensível à essas dinâmicas e mudanças sociais e aos
rearranjos governamentais.
No campo prático, além de atuar de forma a prevenir possíveis práticas
delituosas, a polícia age sempre que alguma coisa que não deveria estar
acontecendo, acontece, e para sua solução necessite ou possa necessitar do
emprego da força. E, sobre esse advento que pode romper com o tecido social, ela
deve agir imediatamente e de forma eficiente e racional.
Por tudo isso, é de suma importância introduzir e reforçar nas
organizações policiais o real sentido do poder estatal que é conferido aos agentes,
seus limites e suas responsabilidades, como produto do Estado Moderno e do
contrato social, em especial, quanto ao monopólio do uso da força como recurso
último para se assegurar a paz social e os direitos dos cidadãos.
25

4 - A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO POLICIAL

Segundo o manual para instrutores Para Servir e Proteger do Comitê


Internacional da Cruz Vermelha,
“Uma extensa série de meios legais foi dada às organizações
de aplicação da lei, no mundo todo, de modo a capacitá-las a
cumprir seus deveres de aplicação da lei e de prestação de
assistência em situações em que seja necessário. Esses meios
como, por exemplo, poderes e autoridades, estão relacionados,
entre outros, à prisão, detenção, investigação criminal e uso da
força e armas de fogo.” (ROVER, Cees de, 2005: p.291)

Os policiais executam uma pluralidade de funções, delicadas e


complexas, que necessitam de intervenção imediata. Para tanto, os agentes
precisam ser constantemente atualizados e bem capacitados, sobretudo em temas
cruciais para suas atividades de interlocução com a comunidade, abordagem,
mediação de conflitos e Direitos Humanos (VIVA RIO, 2006).
Contudo, para o adequado, eficiente, legal e legítimo exercício de suas
atribuições, não há dispositivos de formação inicial, apropriados e compatíveis com
todas as atividades executadas, menos ainda uma contínua atualização e
reciclagem.
A questão da formação policial encontra uma série de limitações. Uma
das principais dificuldades para implementação de uma qualificação eficiente está
justamente na constante e sempre crescente demanda pública por segurança, e
que, embora haja o reconhecimento da importância da formação, o sentimento de
necessidade por mais policiais nas ruas esbarra na impossibilidade de se reduzir o
tempo dos agentes nas academias.
Como conseqüência da falta dos conhecimentos científicos e acadêmicos,
os policiais acabam construindo e consolidando saberes e métodos de atuação (e
mesmo de sobrevivência individual) diante das referências legais frágeis, das visões
políticas momentâneas e equivocadas e dos desesperados anseios sociais.
Nas palavras de Jacqueline Muniz, “a baixa excelência dos processos
formativos e educacionais das Polícias pode contribuir para a conformação de
26

padrões de atuação inconsistentes e inadequados, propiciando a ocorrência de


vitimizações intencionais e não intencionais de policiais e cidadãos” (2004, p. 30).
Além disso, desempenhando seu papel por meio de mecanismos e
princípios implícitos, a polícia paga por isso o preço da semi-clandestinidade,
servindo de bode expiatório dos conflitos não administrados satisfatoriamente (KANT
DE LIMA, Roberto 1997, p. 12).
O mau desempenho dos policiais, na imensa maioria das vezes, deve ser
relacionado ao despreparo, e este, à má formação. Desta constatação acaba
surgindo um problema ainda maior que é a dificuldade de se distinguir, e, assim,
controlar e punir a violência e o abuso praticados intencionalmente por alguns
policiais, dos erros cometidos pelos mesmos.
A fim de alterar esse quadro, a Secretaria Nacional de Segurança Pública,
em 2004, elaborou a Matriz Curricular Nacional – MCN, com o objetivo de fazer
servir como referência teórico-metodológica para orientar o planejamento e
avaliação das atividades formativas dos profissionais e órgãos de área de segurança
pública. Sua utilização fomenta orientações e reflexões pedagógicas, contribuindo
para a efetividade do desempenho profissional e institucional.
No caso do Rio de Janeiro, a partir do lançamento público da Matriz
Curricular Nacional, o Instituto de Segurança Pública, através de sua Coordenação
de Formação Policial, foi responsável pela elaboração, em 2005, de uma proposta
de reforma curricular, intitulada Currículo Integrado de Formação Policial do Estado
do Rio de Janeiro, que tem por objetivo contemplar a unificação do conhecimento
policial e, portanto, a sua aplicação tanto à Polícia Civil quanto à Polícia Militar do
Rio de Janeiro. A partir da emissão deste documento, as escolas de formação foram
orientadas a iniciar um processo de adequação dos seus respectivos currículos à luz
desta proposta e, por conseguinte, à luz da Matriz Curricular Nacional da SENASP.
Além dessa ação, a SENASP também elaborou uma escola virtual
destinada aos profissionais de segurança, com o objetivo de viabilizar o acesso à
cursos em diferentes áreas e assuntos. Outra iniciativa de enorme importância foi o
credenciamento de Instituições de Ensino Superior para a promoção de cursos de
especialização.
27

A formação policial no Brasil, há muito, carrega a idéia de “treinamento”,


através do qual aplica-se uma padronização de condutas, impregnadas por uma
ideologia marcadamente repressiva, a qual retira dos agentes policiais, limitando-os,
toda e qualquer capacidade reflexiva diante das situações dinâmicas e múltiplas,
características dos conflitos interpessoais.
Todavia, “a aplicação da lei não é uma profissão em que se possa utilizar
soluções padronizadas para problemas padronizados que ocorrem em intervalos
regulares. Trata-se mais da arte de compreender o espírito e a forma da lei, assim
como as circunstâncias únicas de um problema particular a ser resolvido.” (ROVER,
Cees de, 2005: p.294)
No atual contexto social, impõe-se a necessidade de alterar essa idéia de
treinamento, por ser aplicável apenas a situações previsíveis, rotineiras e repetitivas,
passíveis de comportamentos automatizados, e que na imensa maioria das vezes
não corresponde com a realidade.
Outro ponto a ser abordado, refere-se a sociedade na qual está inserido o
agente policial. Essa sociedade influencia, direta e fortemente, a sua conduta.
Durante a formação na academia (por mais ínfimo e curto que seja o curso), o
policial não aprende a extorquir, negociar ou barganhar com o cidadão a não
aplicação de uma multa, a não apreensão do veículo ou a não condução de um
usuário de drogas à Delegacia. Será através do convívio, da interação com a
sociedade que o policial poderá vir a se ajustar a esses desvios condutas.
Não raro, nota-se o comportamento ambíguo de parte da sociedade
quando, por exemplo, esta, na posição de vítima, tende a exigir do agente policial
características de onipresença, onipotência e onisciência, e que se comporte de
acordo com o estereótipo negativo que marca a instituição – brutal, violenta,
arbitrária, corrupta e ilegal –, mas quando na situação de infrator, solicita a
indulgência máxima da organização.
Também, conforme destaca Ricardo Balestreri em seu artigo Direitos
Humanos: Coisa de Polícia (2008), configura-se um reducionismo dizer que a polícia
tem sido violenta, visto que a própria sociedade é violenta. Para o autor, quem exige
violência da polícia é a própria sociedade.
28

Mas, quando o policial não se comporta como um bom profissional, como


um “especialista” em segurança pública, deixando-se manipular e por ele exteriorizar
a sede de vingança social, se não estiver consciente de sua missão para a qual lhe
foi outorgada, “... será ele a primeira vítima da ciranda de violência e da
discriminação da própria sociedade que o deseja para o ‘serviço sujo’ mas que,
depois, não aceita facilmente conviver com ele.” (1998, p. 32)
Essa manipulação é exercida de forma sutil, mas extremamente insidiosa.
O justo anseio, mas desesperado e irracional por segurança pública, pressupõe que
a falta de segurança se dá em razão da falta de “energia”. O agente policial não
pode sentir-se “herói” ou “justiceiro”, e atender ao clamor público que considera o
sistema de justiça criminal ineficaz e ineficiente.
Esta é uma preocupação com a qual o Poder Público e os
administradores policiais devem ater-se, para que, por exemplo, modelos de
policiamento comunitário possam ser implantados, sem que haja a preocupação e o
questionamento quanto à discricionariedade das decisões dos agentes policiais.
Um argumento muito utilizado pelos policiais para justificar o
descumprimento daquilo que a Lei estabelece é que, “quando se vai para as ruas”,
“no calor dos acontecimentos”, as reações são outras. Isto é, a presença do perigo
colocaria em risco o discernimento necessário para o uso da autoridade, por força da
precariedade da formação que é dada.
Com isto, conclui-se que a adesão policial às normas legais varia de
acordo com o perigo a que os mesmos são expostos, e que, para tanto, não
dispõem de preparo para agir e se defender. Quanto maior a insegurança que paira
sobre a cabeça de um policial no momento de sua atuação, maior a possibilidade de
erros.
Admite-se, portanto, que esteja ocorrendo um crescente distanciamento
da esfera do que é legal e codificado para a esfera do que é praticado no âmbito
empírico (embora este não deva ser entendido sempre como algo ruim; a destreza, a
sagacidade, a habilidade, a perícia se aguçam com a prática e as experiências), no
qual a primeira, embora vigente, não necessariamente é percebida pelos agentes
policiais como orientadora de suas condutas.
29

Também há que se observar que o excessivo número de policiais mortos


ou feridos em ações, durante seu período de descanso ou não, e, até mesmo,
durante suas atividades extra-oficiais indica que os conhecimentos que são
passados nas academias não estão sendo aplicados (ao menos de forma correta)
ou não são adequados.
Diante de todo o contexto, torna-se imperioso uma teorização mais
acadêmica, mais científica, e que os agentes tenham capacidade e discernimento
para refletir de forma racional em suas atividades diárias, não se vendo obrigados e
limitados a agir sob os anseios equivocados da sociedade, ou estritamente às
políticas públicas tendenciosas.
Esta formação objetivaria capacitar os policiais para o desempenho de
suas funções em total obediência aos preceitos legais como marco delimitador e
balizador de suas ações. Além disso, visaria prepará-los para atuar com
responsabilidade e bom senso, compreendendo a importância do seu papel dentro
da sociedade, onde se deve destacar sua habilidade em administrar conflitos acima
de tudo.
Enquanto que, em todas as estruturas corporativas já não se isola do
trabalho o saber, nas forças policiais brasileiras ainda não se observa esse sistema,
de forma que aos agentes é conferida quase nenhuma ou uma incorreta
qualificação. Por conseguinte, haverá pouca possibilidade de pensar, refletir, criticar
e decidir qual, quando e como agir de maneira eficaz, legal e profissional.
Contrariamente à percepção da maioria das pessoas, a manutenção da
ordem (entendida no contexto social contemporâneo como paz social), um dos
objetivos principais da polícia, é uma combinação de ferramentas, procedimentos e
conhecimentos teóricos, traços de uma organização de trabalho.
A idéia de que a polícia deve ser heróica e que o policial o é 24 horas por
dia, onde o confronto “mano a mano” é o modelo de trabalho policial, são outros
equívocos que devem ser corrigidos no momento da formação dos agentes. Nem
sempre agir no momento em que um delito está em andamento é o mais adequado,
pois poderia pôr em risco a vida de terceiros, da própria vítima e do policial.
30

Necessita-se introduzir na formação policial uma política de proteção à


vida e à integridade física, tanto da população, quanto do policial e do próprio
infrator. Esta política, claramente definida, impediria os constantes tiroteios em
espaços públicos (e que viraram verdadeiros duelos entre policiais e delinqüentes)
que ocorrem quase diariamente no Rio de Janeiro. De outra forma, da imagem
tradicional do herói que devota a vida a “combater a criminalidade”, expondo-se ao
risco constante da morte, passa-se a cultivar o ideal do policial que se aproxima do
cidadão comum, que se presta ao diálogo e que funciona muito mais como um
administrador de conflitos do que um guerreiro.
Esta política está diretamente relacionada a outra problemática que se
observa na estrutura da polícia, referente à formação policial, que é o abuso do uso
legal da força proporcionado às organizações policiais para assegurar o
cumprimento de seu dever ou para defender-se, e é previsível em situações nas
quais a autoridade e a simples iminência de seu uso não se fazem suficientes.
A discussão da administração legal e legítima da força, isto é, dos
mecanismos de produção de obediência, e dos debates para o seu aprimoramento
em conformidade com um Estado Democrático de Direito, têm permanecido numa
zona cinzenta, quase nunca abordada.
“Neste contexto de precariedade institucional, os policiais e
cidadãos são instados a desconhecerem as regras do jogo
democrático do uso da força e da expectativa de seu emprego,
favorecendo comportamentos improvisados, imprevisíveis,
oportunistas, discriminatórios e violentos tanto dos primeiros
quanto dos segundos.” (...) “Não seria imprudente dizer que
uma parte dos atos excessivos praticados pelos policiais
resulta menos da intenção deliberada de produzir abusos, e
mais da ignorância e da falta de padrões objetivos de atuação.”
(SOARES, Luiz Eduardo. 2006)

Esse uso da força (ameaça incluída), conforme ressalta Jacqueline Muniz,


Domício Proença Júnior e Eugênio Diniz, em Uso de Força e Ostensividade na Ação
Policial (1999), onipresente em toda ação policial, respalda a autoridade de polícia,
ou seja, é inseparável de todas as suas ações, ainda que permaneça como mera
possibilidade na maioria dos casos.
31

Ainda, sustentam os autores, que a força não é um recurso presente


exclusivamente de forma episódica e pontual, isto é, naqueles eventos propriamente
repressivos como os “confrontos armados”, os crimes “violentos” em andamento, etc.
Isto porque, no momento de interação com a comunidade, a perspectiva do uso da
força, se necessário, está posta por antecipação. É isto que faz com que o cidadão
“chame a polícia”.
Entretanto, o uso legal, legítimo e profissional da força se perde quando
se considera equivocadamente que qualquer situação consiste, a priori, em uma
manifestação de violência, e para tanto necessite do pronto emprego da força.
Quando conhecedora dos direitos e liberdades dos cidadãos, e quando preparada
técnica e psicologicamente, a polícia passa a desenvolver um sentimento de auto-
estima e uma confiança natural no exercício do seu poder.
Os meios de constrangimento sobre um indivíduo são justificados pela
necessidade de garantir a convivência pacífica dos membros das comunidades, os
seus direitos cívicos e as suas liberdades fundamentais, e nunca poderão ofender a
dignidade humana, devendo estar subordinados aos princípios da necessidade, da
proporcionalidade e da adequação.
As questões legais e éticas ligadas ao uso da força devem ser mantidas
sob constante avaliação. Por isso, em uma dada situação fática de uso da força,
pode-se chegar a conclusão de que as implicações negativas não são equiparadas à
importância do objetivo legítimo a ser alcançado e, assim, deve ser abstraída.
De fato, o que está em jogo é exatamente a capacidade de a polícia
dispor de um acervo de conhecimentos e técnicas que qualifiquem e orientem a
ação do agente de ponta, permitindo-lhe ponderar acerca da iminência e do efetivo
uso da força física, ou da arma de fogo, ou de equipamentos “não-letais” numa dada
ocorrência. (MUNIZ, Jacqueline 1999, p.22-26)

4.1 – O RECURSO AO USO DA ARMA DE FOGO

Nas razões apresentadas pela Organização das Nações Unidas, quando


da elaboração do tratado sobre Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de
32

Fogo, considerando que o trabalho dos funcionários responsáveis pela aplicação da


lei representa um serviço social de grande importância devendo-se manter e
aperfeiçoar as condições de trabalho, que a ameaça à vida e à segurança desses
funcionários deve ser considerada como uma ameaça à estabilidade da sociedade
no seu todo, que esses funcionários têm um papel essencial na proteção do direito à
vida, à liberdade e à segurança da pessoa, que esses funcionários só podem utilizar
a força quando for estritamente necessário e somente na medida exigida para o
desempenho das suas funções, os Governos e os organismos de aplicação da lei
devem adotar e aplicar regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra
as pessoas, manter sob permanente avaliação as questões éticas ligadas à
utilização da força e de armas de fogo, desenvolver um leque de meios tão amplo
quanto possível e habilitar esses funcionários com diversos tipos de armas e
munições. (Gabinete de Documentação e Direito Comparado/ Portugal, 2008)
O recurso às armas de fogo configura-se nos dias atuais um ponto que
merece especial atenção e de extrema importância, amplamente debatido por
organizações policiais de outros países e por organizações de Direito Internacional
Humanitário.
As armas de fogo são, por natureza, instrumentos capazes de produzir
lesões letais, independente da perícia de quem as use. E é por isso que devem ser
consideradas um recurso excepcional de coação, só podendo ser utilizadas quando
estiverem esgotados todos os demais processos persuasivos e coercivos.
“Ao usar uma arma de fogo, o infrator considera apenas os seus próprios
interesses. Na função policial, por outro lado, o emprego de armas de fogo é
considerado uma medida extrema. (...) O policial deverá ter sempre a preocupação
com a segurança do público, com a sua própria segurança e com a sua
responsabilidade com a integridade física e a segurança do infrator nos moldes da
lei.” (Instituto de Segurança Pública, 2008)
O direito à vida é protegido por lei, e, por isso, não podem os policiais
usarem armas de fogo contra os indivíduos, inclusive aqueles suspeitos de terem
transgredido a lei, exceto em legítima defesa de si ou de terceiros.
33

E, ainda, conforme ensina o Código de Conduta para os Funcionários


Responsáveis pela Aplicação da Lei, alguns princípios devem ser seguidos quando
do momento da utilização desse instrumento de produção de obediência (arma de
fogo): avaliação cuidadosa da situação; utilização residual, isto é, só se outros meios
não violentos se revelarem insuficientes ou ineficazes; utilização moderada,
proporcional e reduzida ao mínimo necessário, no sentido de haver uma
proporcionalidade entre a gravidade da infração e o objetivo a alcançar; esforço para
reduzir ao mínimo os danos e lesões e para preservar a vida humana; assistência às
pessoas atingidas e comunicação aos familiares; elaboração de relatório, em caso
de morte ou lesão; previsão penal e punição do uso abusivo ou arbitrário.
Contudo, nos dias atuais, o confronto deixou de ser uma circunstância
eventual (um recurso utilizado somente em último caso) e indesejável da atividade
policial, e tornou-se um fim em si mesmo, quase uma meta. Conforme destaca
Jacqueline Muniz em seu trabalho sobre vitimização de policiais militares no Rio de
Janeiro, a categoria “confronto armado”, de acordo com os dados produzidos pela
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, tem respondido por parte expressiva da
vitimização dos agentes desta organização. (2004, p. 16)
Enquanto o único objeto de valoração do exercício policial for “mostrar
valentia” em confrontos, torna-se inútil pregar as virtudes de políticas de prevenção e
investigação. Escorar-se no poder da lei do mais forte, em vez de baseá-lo numa
autoridade substancial, coloca em xeque não só a eficiência, mas como a própria
instituição.
Essas políticas, que se baseiam exclusivamente no combate ao crime (e
ao criminoso), se sustentam por serem mais fáceis de apresentar estatísticas
(embora estas não representem necessariamente a realidade) e de o público notar
suas ações, embora, por vezes, estimulem à produção falsa e ilegal de resultados.
Conforme destaca Jacqueline Muniz,
“como as conseqüências e o impacto do policiamento ostensivo
na atividade criminal são, em boa parte dos casos, não
registráveis (como registrar um assalto abortado porque havia
policiais próximos? Como registrar um homicídio que não
ocorreu porque alguém gritou que a patrulha estava
chegando?) e o trabalho que não é vinculado à atividade
34

criminal não é percebido pela população e por parcela dos


policiais como trabalho policial, a ênfase organizacional tende a
ser concentrada nas estatísticas e registros de ações
propriamente repressivas ao crime. (...) Como resultado, o
provimento de ordem pública e o policiamento ostensivo
passam a ser subvalorizados diante da contabilidade das
ações repressivas e daquelas que constituem infração penal,
com isso prejudicando o trabalho preventivo e subvertendo a
destinação constitucional das polícias militares.”

A autora destaca, também, que este problema, por vezes, não é tão trivial
quando a própria opinião pública cobra uma maior “produtividade” das organizações
policiais, e, até, ponderam acerca dos recursos a serem destinados às organizações.
Cabe frisar, que não só a polícia militar sofre com essa política, como
também a polícia civil, uma vez que esta acaba sofrendo uma desvalorização por
conta da natureza de seu trabalho, na qual prevalecem ações prolongadas e
pacientes na busca de informações e indícios, e que, em parte, já se perdeu pelo
fato de suas viaturas e seus agentes também se valerem da ostensividade (quando
suas atividades dependem da discrição e da invisibilidade) e das mega-operações
repressivas.
Qualquer proposta de remodelação policial, aperfeiçoamento tecnológico
ou redistribuição do policiamento, são avanços necessários para atenuar o atraso do
sistema de Segurança Pública em relação a países desenvolvidos, mas insuficientes
para consumar o desejo de uma polícia eficaz e eficiente, e profissional. Deve-se
somar a isto, a qualificação da formação dos profissionais a fim de buscar conciliar
legalidade e legitimidade das ações policiais, além de assegurar a submissão dos
agentes às regras do Estado Democrático de Direito. Nenhum programa de
modernização será suficiente se a mão-de-obra não for capacitada para tanto.
É preciso, também, quanto aos agentes, ter uma preocupação no
momento da seleção para o ingresso na polícia. Conforme dispõe o documento
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo, elaborado no
Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinqüentes, no que tange às “Habilitações, Formação, e Aconselhamento”, é
de suma importância os policiais serem selecionados de acordo com procedimentos
adequados e, possuindo qualidades morais e aptidões psicológicas e físicas,
35

receberem formação e treinamento, submetendo-os, ainda, periodicamente a


avaliação.
A autorização para o emprego da força, e, em especial, da arma de fogo,
o direito de cercear a liberdade de ir e vir de um indivíduo, ou de proceder a uma
abordagem exercem irresistível atração ao delírio onipotente. Desta forma, os
processos de seleção devem tornar-se cada vez mais rígidos.
Todavia, o que se vê é que diferente de algumas profissões, para se
ingressar na maioria dos quadros policiais, não se exige diplomas, grandes
conhecimentos acadêmicos e técnicos, e, ainda, os processos de investigação
social, onde se busca a vida pregressa do candidato para ver se ele se adéqua aos
requisitos exigidos pela profissão nem sempre são concluídos adequadamente.
Para agravar esse quadro, após o concurso de ingresso às carreiras
policiais, limitado por simples prova de caráter eliminatório a fim de fazer obedecer o
número restrito de vagas disponíveis, os candidatos recebem num curto período,
conforme já destacado, uma formação improdutiva e incapaz de preparar os agentes
adequadamente para exercer suas atribuições. Salvo por situações excepcionais,
eles não terão outra formação profissional até a sua aposentadoria.
Essa realidade acaba contribuindo para reforçar aquela idéia de que a
“formação” se dá na prática, no cumprimento diário de suas atividades. As ruas se
transformam, nos dias atuais, em verdadeiras escolas.
O excessivo empirismo com o qual os policiais do passado agiam diante
dos conflitos interpessoais deve dar lugar a uma atuação profissional calcada em
procedimentos, princípios e responsabilidades previamente definidos e claros, a fim
de minimizar os riscos.

4.2 – O SISTEMA DE ENSINO E OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA


MILTAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Antes de abordar o assunto formação policial propriamente dito, é preciso


entender a lógica de ingresso na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, a qual
possui duas formas de entrada, quais sejam, através de concurso público para
36

praça, exigindo apenas o ensino fundamental completo do candidato, ou para oficial,


que se assemelha a um vestibular (no momento da inscrição no vestibular para a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao invés de optar por alguma das áreas
de interesse, opta-se pelo ingresso na Academia da Polícia Militar), exigindo do
candidato o ensino médio completo.
Quanto à primeira seleção, cabe ao Centro de Recrutamento e Seleção
de Praças, condicionado à autorização do Poder Executivo para a realização de
concurso público, aplicar os testes e exames físicos e psicotécnicos. Já, na segunda
seleção, os vestibulares são realizados anualmente e o processo de seleção é
realizado pela própria APM.
Ainda, segundo os dados apresentados na Cartilha Segurança Pública da
ONG Viva Rio, a maior parte do efetivo da PMERJ (representando 91,1%) é formada
por praças – soldado, cabo e sargento. (2006)
A partir da apresentação da segmentação ocorrida, o órgão dispõe de
duas escolas de formação, a Academia de Polícia Militar D. João VI para formação
de oficiais e o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças – CFAP para
formação de praças, além de um órgão, responsável pelas Unidades de Ensino e
pela elaboração de toda a diretriz de ensino (coordenação, fiscalização, controle das
atividades de formação, atualização, reciclagem, especialização e aperfeiçoamento),
a Diretoria de Ensino e Instrução – DEI.
Comparando-se as duas instituições de ensino, CFAP e APM, cumpre,
ainda, salientar que esta última é dotada de uma equipe maior que a primeira. Sobre
as demandas e necessidades apresentadas pela Diretoria de Ensino e Instrução,
aponta-se deficiências em infra-estrutura, no orçamento, e, sobretudo, de pessoal
especializado para a realização das atividades. (2005, p. 15)
No que se refere ao conteúdo passado para os futuros agentes policiais, a
grade curricular do Curso de Formação de Soldados, produzida em 2002, prevê a
carga horária de 864 horas/aulas, divididas em Disciplinas Curriculares
(Fundamentação Geral, Instrumentais, Complementares e operacionais) que totaliza
356 horas/aula, e em Complementação de Ensino (Estágio Prático Operacional com
288h/a e Serviços Internos com 120h/a). (2005, p. 32)
37

Conforme destacam Haydée Caruso, Nalayne Mendonça e Luciane


Patrício, chama atenção, dentre outras coisas, o tempo reduzido (de 12h/a)
dedicado as disciplinas de Direitos Humanos e Conduta Policial Ética; a ausência do
debate conceitual e prático sobre Segurança Pública; ausência de disciplinas de
cunho humanístico como sociologia, criminologia e filosofia, as quais possibilitariam
uma maior compreensão do mundo contemporâneo, seus problemas e vicissitudes;
e, até mesmo, da ínfima abordagem sobre a legislação brasileira, que é vista
somente na disciplina Instrução Policial Básica Individual, quando os policiais
aprendem apenas sobre Legislação Penal e de Trânsito. Em contrapartida, matérias
como treinamento da formatura e serviços gerais recebem 32h/a e 120h/a
respectivamente. (2005, p. 33)
Contudo, com o advento da reforma curricular proposta pelo Instituto de
Segurança Pública em 2005, o primeiro destaque a ser dado refere-se ao aumento
de 864h/a para 1135h/a da carga horária, perfazendo um curso de 8 meses de
duração, com a inclusão de novas disciplinas e com o aumento da carga horária em
outras.
“As principais considerações a serem feitas sobre o currículo
de formação de soldados no CEFAP são: a) excessivo tempo
direcionado para atividade de Ordem Unida e serviços internos;
b) ausência de discussão sobre questões de segurança pública
com referencial teórico conhecido; c) ausência de disciplinas de
cunho humanístico e de legislação brasileira; d) necessidade
de revisão e atualização dos conteúdos bibliográficos.” (2005,
p. 34)

Diferente da formação dada aos soldados, o Curso de Formação de


Oficiais tem duração de 3 anos e dispõe de uma carga horária total de 3.199h/a.
Além dessa significativa desigualdade, causando um possível prejuízo aos agentes
da outra academia, pode-se notar ainda a atenção dada às disciplinas voltadas ao
desenvolvimento da relação entre a Polícia Militar e a sociedade, como Sociologia
Geral, Psicologia e Antropologia (todas com 30h/a cada), além do aumento na carga
horária das disciplinas de Ética, Direitos Humanos e Direito da Criança e do
Adolescente.
38

Contudo, no módulo Ensino Profissional, embora haja a disciplina


Segurança Pública com 144h/a, sua ementa não aborda uma discussão acerca de
seu conceito e seus pressupostos, assim como também não dispõe de uma
abordagem científica nem de pesquisas realizadas na área, evidenciando, mais uma
vez, a carência neste assunto.
Embora haja um significativo aumento da carga horária e, por
conseguinte, das disciplinas oferecidas, na formação dos oficiais em comparação
aos soldados, algumas falhas ainda podem ser detectadas.
“Finalmente, as principais considerações a serem feitas sobre o
currículo de formação de oficiais na APM do RJ são: a)
ausência do estágio prático supervisionado, realizado dentro
dos batalhões, com o objetivo de possibilitar ao aluno a
vivência de situações reais; b) excessivo tempo direcionado
para atividade de Ordem Unida; c) necessidade de um
aprofundamento sobre questões de segurança pública com
referencial teórico reconhecido; e d) revisão e atualização dos
conteúdos bibliográficos.” (2005, p. 37)

Em uma medida do Instituto de Segurança Pública, no ano de 2006, com


o intuito de complementar o aprendizado dos agentes policiais do Estado do Rio de
Janeiro, deu-se inicio ao projeto dos livros didáticos, da Série Formação Policial, que
objetivou capacitar profissionais para o exercício da docência nas unidades de
ensino das polícias do estado.
No mesmo sentido de oferecer mais recursos, em 2008, uma parceria
entre a Secretaria de Estado de Segurança, a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República e a União Européia, foram sistematizados,
em 12 manuais, algumas normas técnico-operacionais policiais, segundo as
principais demandas das organizações policiais, com o propósito de atualizar as
normas já existentes e disponibilizar mais ferramentas para orientar as práticas dos
agentes.
É preciso ressaltar, ainda, que nos últimos anos as alterações que os
cursos sofreram nos seus currículos foram influenciadas por questões políticas e
pessoais, interferências estas apenas conjunturais e nada pedagógicas, produzindo
uma ausência de diretriz para os cursos de formação.
39

Cabe ainda trazer que, sobre a atualização dos policiais militares, a fim de
adequar a dinâmica social aos procedimentos operacionais, o órgão disponibiliza as
intituladas “notas de instrução”. Isto quer dizer que não há uma doutrina que seja
atualizada de modo sistêmico. O que tem ocorrido é a proliferação dessas notas que
buscam responder às demandas operativas emergenciais. E, uma vez que essas
habilidades não são documentadas, isso significa que ainda não foram sujeitas a
análises cuidadosas.
Por tudo isso, ficou evidenciado a insuficiente atenção dos
administradores policiais e do Poder Público no que refere à formação dos agentes
aplicadores da Lei, principalmente quanto a categoria de praças, que se encontram
na ponta da lança e que enfrentam o dia-a-dia da atividade, em implementar e
valorizar um adequado sistema de ensino e de processo de formação dos agentes, o
que culmina no sentimento generalizado de busca de uma auto-qualificação, o que
os agentes entendem ser o necessário para responder às demandas que surgem
para eles.
40

5 – PAPEL DA POLÍCIA, CULTURA E SOCIEDADE

Nas sociedades contemporâneas, o policial configura-se, antes de


qualquer coisa, como um cidadão, e é nessa cidadania que deve nutrir sua razão de
ser. Contudo, esse agente policial por sua condição, isto é, por emblematizar o
Estado em suas atividades diárias, configura-se como um cidadão qualificado.
Por outro lado, sendo a autoridade mais comumente encontrada, e de
maior acesso, tem a missão de ser um “porta-voz” popular. O impacto sobre a vida
dos indivíduos e na paz social, exercido por esse cidadão qualificado influencia,
diretamente no bem ou no mal-estar da comunidade.
Contudo, há que se destacar que muitas pessoas, no Brasil, têm uma
relação ambígua com a polícia, uma mistura de medo com necessidade de
segurança. A delegacia de policia é uma repartição pública que assusta algumas
pessoas, e que, por conta disso, os serviços acabam sendo prestados sob uma
relação de desconfiança mútua.
O exercício da prática policial, uma das mais complexas atividades
profissionais desempenhadas nas sociedades contemporâneas, carece de sentido,
conceito e compreensão tanto por parte dos cidadãos quanto por parte dos próprios
agentes responsáveis pela aplicação da lei.
A polícia é, ainda hoje, algo desconhecido para a maioria dos cidadãos.
Na realidade, é um paradoxo que, tendo a polícia, por imposição constitucional, que
defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos
cidadãos, estes tenham permanecido numa negligente atitude de indiferença
perante a natureza, forma e condições da atividade policial. O distanciamento
existente torna-se gerador de incompreensões, suspeições e preconceitos que
afetam o relacionamento entre a polícia e o cidadão.
No que se refere ao relacionamento dos policiais com o conjunto da
sociedade, cabe à polícia atender as demandas lícitas de todas as partes
envolvidas, embora haja uma forte demanda pela atuação ilícita, que ganha mais
força quando em um cenário de medo e crise social.
41

A compreensão do papel de polícia, vai depender do conceito de polícia


que se tem. Os conceitos guiam e priorizam a seleção de papéis, e envolvem a
concepção do trabalho policial. Uma das dificuldades na abordagem das questões
propostas neste trabalho reside justamente na falta de um razoável suporte teórico.
Os estudos não acompanharam suficientemente as transformações ocasionadas
pela alteração das condições de vida em sociedade, tendendo a fornecer respostas
casuísticas. Não existe, quanto às atribuições policiais, um pensamento claro e
pacífico entre todos.
Esta falta de definição acaba sendo compensada por regras concretas de
atuação mas impede a pré-compreensão do papel que as polícias devem
desempenhar numa democracia e não esclarece em que medida esse papel deve
ser-lhes exclusivo, comunicar-se a outros órgãos do Estado ou ser por eles tutelado
ou fiscalizado.
A análise do papel da polícia requer entender as cidades como sendo um
campo de relações e conflitos sociais permanentes, resultantes da diversidade de
pessoas e interesses que nela habitam. Neste contexto, a polícia se interpõe, e se
espera mesmo que ela se interponha, entre as vontades em oposição ou interesses
em conflito, mas somente se essas situações ameaçarem a continuidade da paz
social implícita no pacto social original, ou seja, somente naqueles problemas que
causem dano, ameaça ou medo, ou que possam evoluir para um real distúrbio.
Por sua natureza política, a polícia configura-se como o instrumento legal
e legítimo do uso da força para administração dos conflitos interpessoais, cujo
respaldo advém do contrato social de uma determinada comunidade política. De
outra forma, toda polícia é instituída como força a serviço de uma ordem
preestabelecida, de um poder legítimo e de representação popular e de sua lei.
A polícia se vê envolvida com os mais graves problemas comportamentais
que ocorrem nas comunidades. Muitos dos itens relacionados ao trabalho policial
estão mesclados à simples desorganização social, colocando os policiais em contato
direto com pessoas que representam características extremas: as mais pobres, os
desnormatizados, as subculturas criminosas, os etiquetados e etc.
42

No texto “A Polícia ao serviço dos cidadãos”, elaborado na Conferência


Internacional 2004 realizada em Portugal, cita-se o comentário de um juiz canadense
sobre o comportamento policial:
“Não sou tão ingênuo ao ponto de afirmar que todos os
policiais são, em todas as ocasiões, perfeitos cavalheiros. (...)
Os tribunais devem estar sempre vigilantes e atentos para
quaisquer excessos indevidos por parte de um organismo de
execução da lei. Contudo, devemos ter presente que os
agentes policiais, no cumprimento das suas responsabilidades
de impor a ordem, são chamados a lidar fisicamente com
indivíduos sob a influência do álcool ou de drogas, difíceis de
controlar e por vezes perigosos. São alvos de injúrias verbais,
de blasfêmias e ameaçados de modo bastante insolente.
Arriscam-se freqüentemente a sofrer danos pessoais muito
graves. Apesar dos riscos e perigos óbvios que fazem parte
das suas funções e que aceitam naturalmente, espera-se que
sejam corteses e bem-educados, que não usem força
excessiva ou desnecessária e que não ripostem motivados pela
vingança ou temperamento. É óbvio que ser agente policial
requer o mais elevado grau de auto-domínio. Espera-se que
atuem com uma grande dose de senso comum e discrição. É
um padrão elevado. Trata-se de um papel extremamente
responsável e vital na nossa sociedade. Os policiais que não
preenchem estes requisitos não deviam ser policiais”.
(Portugal, 2004, p. 9)

Tensões e hostilidades fazem parte do trabalho policial. Os agentes


devem, como exigência de suas obrigações, deter pessoas quando estiverem
violando as leis, e possivelmente cercear-lhes a liberdade, e levantar elementos a
fim de que sejam elaboradas acusações que possam levar à imposição de punições.
Contatos entre policiais e cidadãos muitas vezes são iniciados sob
condições carregadas de emoções. Não importa o quão justa, correta, zelosa e
íntegra seja a polícia ao cumprir suas responsabilidades, suas ações estão sempre
propensas, predispostas a sofrer com a inconformidade e a ira das pessoas contra
quem ela precisa tomar providências. Para tanto, os agentes devem ser
conscientizados de todos os riscos aos quais serão expostos, e devem ser
preparados e equipados para responder adequadamente a isso.
A percepção social do crime e do perigo, qualquer que sejam as
realidades, exerce uma pressão cada vez maior, e muitas vezes dispare, para que a
polícia responda. E, quanto mais as forças policiais, por meio de seus
43

administradores, sentirem essa pressão, mais provável será que o imediatismo


dessa pressão vá destruir as possibilidades de redirecionar os recursos policiais
para programas inovadores e mais eficazes. O plano ideológico exerce um papel
fundamental, uma vez que a população, a vítima e o próprio agente policial também
são envolvidos por valores e crenças.
Assim, o trabalho policial não pode ser visto como uma mera obrigação de
resultados a serem alcançados. A obsessão pelo resultado imediato, e este
resultado devendo ser obtido a todo e qualquer custo, pode conduzir à
arbitrariedades e ilegalidades. O aumento da eficácia policial não pode, em caso
algum, fazer-se à custa do sacrifício dos direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos. Assim, é necessário conciliar a operacionalidade da polícia com a
preocupação de não fazer perigar os direitos dos cidadãos.

5.1- BREVE HITÓRIA DA POLÍCIA NO BRASIL

A chagada, em 1808, e a conseqüente permanência da Corte Portuguesa de


D. João VI na cidade do Rio de Janeiro transformou-a no centro econômico e
administrativo do país, aumentando desordenadamente o contingente populacional,
o que ensejou, por necessidade, na criação das primeiras organizações policiais.
A denominada Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil,
criada com base na polícia existente em Lisboa, que por sua vez segue o modelo
francês, centralizou todas as atribuições policiais que, até a vinda da Família Real,
competiam a várias autoridades.
Em 1809, foi criada a Guarda Real de Polícia, constituindo-se como o primeiro
núcleo profissional de polícia. Tinha como funções reprimir os crimes, evitar o
contrabando e extinguir incêndios, mas notabilizou-se como órgão de captura de
escravos fugitivos, destruição de quilombos e pela prisão de capoeiras. (SALEM,
2007, p. 23)
“Dessa Guarda Real original derivaram as instituições policiais uniformizadas
de formato militar que ainda hoje fazem o policiamento urbano no Rio de Janeiro.
Com exceção de um breve lapso em 1831, quando o ministro da Justiça Feijó
44

extinguiu o rebelado corpo policial, essa instituição tem sido permanente na história
do Rio de Janeiro.” (BRETAS, 1998, p. 5)
“Passando ao longo dos anos por diversos momentos de atribuição e
transformação, em 1969, através de decretos, o policiamento ostensivo fardado
passa a ser atribuição exclusiva das Polícias Militares, marcando o seu retorno à
função de policiamento num contexto de ditadura militar, que significou o controle
das multidões e operações de choque de manifestações civis e a ‘caça às bruxas’”.
(VIVA RIO, 2006)
Segundo Marcos David, as classes sociais que comandaram os processos de
transição econômica, e os necessários desdobramentos políticos, organizaram e
utilizaram as forças policiais, objetivando manter o controle social. (2007, p. XIX)
Essa polícia espelhou seu modo de ação e seus objetivos no sistema judicial
vigente, o qual era extremamente opressor e discriminatório.
“Durante a República a polícia passou por mudanças modernizadoras no Rio
de Janeiro, com a ampliação dos recursos destinados à segurança pública, e seus
quadros foram sendo renovados e profissionalizados, com o estabelecimento de
padrões racionalizados quanto a organização e procedimentos.” (SALEM, 2007, p.
109)
Contudo, há que se salientar que essas transformações obedeceram mais as
políticas momentâneas e seus poderes do que as necessidades que a evolução
cultural e social impuseram, fazendo com que críticas e problemas antigos se
prolongassem no tempo.
A polícia brasileira é uma instituição que traz os vícios de uma sociedade cuja
modernidade tardia não garantiu a satisfação das promessas contidas no ideário de
um regime democrático e do Estado de Direito. E o perturbador está na coincidência
de que o crescimento significativo, em termos estatísticos e de visibilidade, da
violência no país encontra-se a partir da década de 80, fase de implantação dos
regimes democráticos.
Visto isso, não basta o retorno ao modelo democrático de organização política
para garantir a erradicação de práticas contrárias a esse ideário. Percebem-se
45

razões históricas para a manutenção dessas práticas cujas existências envolvem o


poder público e parte considerável da população civil.

5.2- POLÍCIA CIVIL E POLÍCIA MILITAR

A atividade policial, conforme estabelece a Carta Magna de 1988 em seu


art. 144, é realizada, em âmbito estadual, por duas polícias, a Militar e a Civil, que
têm atribuições distintas e dispostas nos §§ 4º, 5º e 6º.
Conforme previsto no § 6º do art. 144, o Chefe do Poder Executivo
Estadual, na figura do Governador, é quem dispõe do direito de, por si e sob sua
autoridade, adotar as soluções que, no seu entender, correspondam às necessárias
e adequadas para o cumprimento eficaz e eficiente de suas obrigações com a
segurança pública. Desta forma, as polícias encontram-se subordinadas aos
governos estaduais que, através das secretarias de Segurança Pública, são
responsáveis pela formulação e implementação de políticas, além da organização,
preparação e emprego desses órgãos.
A separação institucional e organizacional, encontrada no modelo pátrio,
segue o mesmo fixado na França desde a Revolução e a era Napoleônica, praticada
também por Portugal e posteriormente trazida para o Brasil.
Especificamente à Polícia Militar, esta é a organização policial fardada,
cujos valores fundamentais são a hierarquia (acatamento a autoridade superior) e o
culto às demais tradições militares, e que tem como atribuição o policiamento
ostensivo e a preservação e manutenção da ordem pública. Infelizmente, a atividade
desta organização ficou resumida, na prática e no cotidiano do agente policial militar,
a simplesmente “combater o crime”, quando a gama de serviços relacionados a esta
organização é muito maior.
O caráter ostensivo da polícia se baseia na capacidade de produzir, no
possível infrator, o medo de ser preso. E esse risco de ser preso influenciaria em seu
nível de convencimento. Neste sentido, prevenir equivale a dissuadir o infrator
potencial com a ameaça de castigo pela aplicação da Lei.
46

Essa prevenção é a denominada primária, que se baseia em direcionar as


ações policiais em áreas temáticas específicas; e se difere da prevenção situacional,
que compreende ações dirigidas ao ambiente físico e social através do aumento da
oferta de educação, saúde, habitação, lazer, urbanismo etc.
De acordo com Luiz Eduardo Soares, a herança militar, esse ranço do
militarismo, constitui um dos maiores desafios a serem enfrentados na construção de
uma política democrática de segurança pública. Essa ideologia reporta a perniciosa
influência do Exército sobre os assuntos de segurança pública que desconsidera as
especificidades do trabalho policial. O militarismo, no Brasil, foi construído nas
décadas de 60 e 70, a partir da Doutrina de Segurança Nacional. (SOARES, Luiz
Eduardo. 2006)
Já a Polícia Civil recebeu, pelo Poder Constituinte, as atribuições de
Polícia Judiciária que, através da investigação, deverá apurar a materialidade das
infrações penais e suas autorias, excetuando-se os crimes militares ou aqueles
praticados contra a União.
Através do Inquérito Policial, procedimento administrativo pré-processual
com característica inquisitiva (como, nesta fase, ainda não há acusado/réu, não há
aplicação das garantias do contraditório e da ampla defesa, embora haja
possibilidade de o investigado ser acompanhado de advogado e até mesmo de
permanecer em silêncio), a autoridade policial (figura exclusivamente exercida pelo
Delegado de Polícia, conforme dispõe o art. 144, §4º da Constituição Federal,
combinado com o art. 4º do Código de Processo Penal, além de outros dispositivos
legais) e seus agentes reunirão todos os elementos que estabelecem o nexo causal
entre o delito, as circunstâncias e os sujeitos envolvidos na prática delituosa.
Será por meio dessa peça informativa, devidamente regulada pelo Código
de Processo Penal, e com o Estado coletando elementos para o exercício do Jus
Puniendi em juízo, que o membro do Ministério Público formulará sua pretensão
acusatória e oferecerá a denúncia ao Judiciário.
Conforme cita Carlos Magno Nazareth em seu livro A Polícia e os Direitos
Humanos, a investigação de um crime é o primeiro passo essencial na
administração da justiça. E é o meio através do qual os acusados de um crime
47

poderão ser levados perante os tribunais e ter determinada a sua culpa ou mesmo a
sua inocência (1998, p.39).
“As investigações criminais foram destinadas à Polícia Civil, a partir da
edição da Lei 2.033 de 20 de setembro de 1871, situando-a como Polícia Judiciária
a qual possuía a figura do Delegado de Polícia como aquele que dirigia e
coordenava as apurações sobreditas” (DAURA, Anderson Souza, 2008: p. 91).
As atribuições policiais se dividem, desta forma, em dois grandes ramos:
a Polícia Administrativa e a Polícia Judiciária. Aquela atuaria primordialmente de
forma preventiva por meio da persuasão, a fim de evitar a prática de infrações
lesivas à sociedade, e num segundo momento, de forma repressiva, quando já
houver ocorrido alguma infração (o que é compreensível, uma vez que a polícia não
é onipresente nem onipotente); e, a segunda investigativa, agiria após o
cometimento do delito visando a coleta de informações, possibilitando a punibilidade
pelo Poder Judiciário, funcionando, na prática, e como muitos países estabelecem,
como verdadeiro auxiliar do Poder Judiciário.
Conforme aponta Anderson Souza Daura, a figura do Delegado de
Polícia, e a necessidade deste ser bacharel em Direito (que, no Estado de São
Paulo, tornou-se obrigatório desde 1905), se justificam pela atribuição que esse
agente público exerce, tendo que proceder à adequação da norma ao fato concreto,
isto é, ele transforma o fato social levado pela Polícia Militar, por uma vítima ou por
terceiros que testemunharam a prática delitiva, em fato jurídico, o que, por
conseqüência, gera enormes e graves efeitos na vida dos cidadãos (2008, p.91).
Atualmente, essas atribuições específicas, impostas pela Carta Magna de
1988, vêem-se esquecidas quando, por exemplo, a Polícia Militar do Rio de Janeiro
resolve exceder seus poderes e exercer atividades investigativas de forma ampla
através das suas P2 (serviços reservados, que deveriam ater-se, mas não o fazem,
a apurar exclusivamente os desvios de conduta praticados por policiais militares); ou
então, quando a Polícia Civil cria uma tropa de elite (Coordenadoria de Recursos
Especiais - CORE) destinada a exercer as mesmas atividades que a Polícia Militar,
ou, até mesmo, quando faz uso de uniformes e viaturas caracterizadas, ostentando
sua figura, e eliminando dessa organização o efeito surpresa, a discrição e a
48

invisibilidade no momento da busca das informações, indispensáveis para suas


atividades.
Essa falta de observância na rígida delimitação das atribuições das
policias, gera disputas corporativas e animosidades, fazendo com que, ao invés de
trabalharem unidas em prol do mesmo objetivo, fazem do trabalho policial um ciclo
incompleto. Além disso, quando uma organização atrai, avoca as atribuições da
outra, conseqüentemente acaba negligenciando as suas.
Além disso, a falta de diálogo entre as polícias civil e militar, bem como o
déficit geral de um processo de formação integrado, acaba por dificultar o
planejamento de ações articuladas e cooperativas. (VIVA Rio, 2006)
Apresenta-se como grande desafio para os administradores, fazer com
que as duas polícias trabalhem de maneira integrada. “Suas diferenças em termos
de formação, cadeia de comando e controle, regulamentos, mandatos etc, devem
ser pensadas como complementares, não excludentes.” (VIVA Rio, 2006)

5.3 – POLICIAMENTO COMUNITÁRIO, UMA NOVA PROPOSTA DE


POLICIAMENTO

Nas últimas décadas do século XX, ocorreram profundas e velozes


transformações no viver em sociedade, dando origem a novos valores, novos
interesses, novas expectativas e novos conflitos, destacando-se a emergência de
um Estado regulador, mas que, ao mesmo tempo, priorize o diálogo com a
comunidade.
Um dos pontos mais significativos dessas mudanças refere-se ao direito à
segurança pública que, neste atual registro social, adquire a idéia de um serviço, o
qual não visa apenas a superação dos conflitos interpessoais, mas também que
preze a qualidade de vida e a paz social.
A relação e a interação da polícia com a sociedade têm sido tratadas
como elementos a serem alcançados, como uma estratégia fundamental para a
prevenção e o controle do crime, a redução do medo e da violência. Numa nova
49

visão de policiamento, a resolução preventiva dos problemas, através da parceria


com a comunidade, constitui uma estratégia recomendada.
Seguindo neste sentido, “o policiamento comunitário tornou-se um slogan
reconhecido com ênfase na descentralização da organização, no desmantelamento
das funções específicas de aplicação da lei e na extinção da abundância de níveis
funcionais em sua estrutura. O objetivo mútuo do policiamento comunitário é o de
(re)criar uma proximidade e entendimento entre a população e a organização,
partindo da premissa fundamental de que a responsabilidade pela aplicação da lei
não é só da organização, mas compartilhada entre o Estado e seus cidadãos. As
palavras-chave na aplicação da lei democrática, como no próprio regime
democrático, são antecipação e reação, representação e responsabilidade.”
(ROVER, Cees de, 2005: p.158)
Segundo relatam Skolnick e Bayley, o conceito de policiamento
comunitário cresceu a partir da concepção de que a polícia poderia responder de
modo sensível e apropriado aos cidadãos e às comunidades (2006, p.57). Contudo,
os mesmos apontam que essas perspectivas são ainda mais antigas, lembrando um
Comissário de Polícia de Nova Iorque que, atuando entre os anos de 1914 e 1919,
convenceu-se de que cada policial era responsável pelas condições sociais de uma
rua ou de um bairro, principalmente nesse período, quando a cidade fervilhava com
a imigração em massa, com a desarticulação social e com a criminalidade infantil.
Carlos Magno Nazareth Cerqueira comenta também, quanto às origens
do Policiamento Comunitário, que uma explicação mais corrente dá conta de que
esse modelo surge como reforma ao fracasso reconhecido e comprovado do modelo
profissional de “combate ao crime” (1998, p.36).
Vale ressaltar que, os princípios norteadores da Polícia Metropolitana de
Londres, que destaca-se como a precursora das polícias modernas, são,
basicamente, os mesmos que orientam as discussões sobre policiamento
comunitário no final do século XX, tais como, a missão fundamental da polícia é a
prevenção do crime e da desordem, e não a repressão; a capacidade da polícia de
cumprir o seu dever depende da aprovação de sua ação pelo público; para obter e
conservar o respeito e a aprovação do público, a polícia deve poder contar com sua
50

cooperação voluntária na tarefa de assegurar o respeito das leis; o grau de


cooperação do público com a polícia diminui na proporção em que a necessidade do
uso da força aumenta; é pela demonstração constante de sua ação imparcial, e não
quando ela cede aos caprichos da opinião pública, que a polícia obtém o apoio da
população; a polícia deve manter com o público uma relação fundada na idéia de
que a polícia é o público e o público é a polícia (VIVA RIO, 2006).
Tentando entender as causas que impedem o avanço desse modelo,
destacam-se as políticas altamente repressivas implementadas pelo Poder Público.
Além disso, dois outros elementos são apontados por Carlos Magno Nazareth
Cerqueira em seu livro Do Patrulhamento ao Policiamento Comunitário (1998), como
sendo possíveis responsáveis pela dificuldade para implantação de modelos de
índole democrática. O primeiro refere-se a prolongada vivência em regimes
autoritários, em regime militar de exceção, cujas idéias ainda têm reflexos nos dias
atuais tanto nos agentes policiais quanto na população. E o segundo por uma
tradicional prática política, de feição paternalista, que prefere tutelar a população a
tê-la como verdadeira parceira nas questões da administração pública.
Skolnick e Bayley apontam que, “na Europa, na América do Norte, na
Austrália e Nova Zelândia, e no Oriente, o policiamento comunitário tem sido citado
como solução para os problemas de policiamento” (2006, p. 15). Segundo os
autores, as estratégias que envolvem esse modelo objetivam, principalmente, criar
um sentimento de confiança entre a polícia e os cidadãos, e alterar o próprio papel
da organização, atribuindo-lhe novas responsabilidades e encorajando a aceitação
delas.
Uma experiência muito interessante, e que segue essa tendência mundial
de estratégias de policiamento comunitário ocorre no Rio de Janeiro, desde 1999,
com a criação dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública, com as
finalidades de aproximar as polícias da comunidade (associações, Igrejas, escolas
etc) restaurando sua imagem e restituindo a credibilidade; aprimorar o controle do
crime através do apoio dos que convivem mais de perto com os problemas; e elevar
o grau de consciência comunitária sobre a complexidade dos problemas relativos à
segurança pública.
51

“Os Conselhos Comunitários, empregados como instrumento de gestão


participativa por diversos setores governamentais, inclusive no planejamento de
segurança pública, são hoje uma ferramenta amplamente difundida em diversos
estados brasileiros. Estes permitem que a sociedade manifeste ativamente as suas
expectativas e seu compromisso com as ações adotadas pelos governos.” (VIVA
RIO, 2006)
Outra providência tomada, que vale a pena citar, refere-se a um acordo
assinado entre Brasil e Japão, em 01/08/2008, para capacitação em técnicas de
policiamento comunitário. A iniciativa surgiu como ação do Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). “O convênio tem duração até 2011
e, a cada ano, permitirá que 50 policiais participem de missões de 15 dias no Japão,
a fim de conhecer como funciona o policiamento comunitário no país.” “O Japão
acumula experiência de 130 anos em policiamento comunitário. As atividades são
realizadas por meio de postos policiais pequenos em esquinas, chamados de
Koban, e em instalações maiores, denominados Chuzaisho. Em 2002, existiam 6,5
mil kobans e 8,1 mil chuzaishos com 8,4 mil policiais (40% da força policial do país).”
(SENASP, 2008)
Alguns outros exemplos internacionais que valem ser citados, são
apontados no texto “A Polícia ao serviço dos cidadãos” produzido na Conferência
Internacional 2004, e publicado pela Inspeção Geral da Administração Interna,
Portugal. Dentre os programas de Policiamento Comunitário aponta-se a escola
segura, idosos em segurança, segurança no turismo, segurança nos transportes
públicos e violência doméstica.
Neste modelo de policiamento, que é denominado em Portugal, por
exemplo, como Policiamento de Proximidade (Ministério da Administração Interna,
1999), tende-se a fortalecer a percepção da importância social, da dignidade e do
valor público do trabalho policial na incidência direta sobre a qualidade de vida dos
indivíduos e da sociedade em seu conjunto. O conceito de polícia, então, passa a
assumir uma dimensão democrática e profissional, onde os agentes atuam como
dinamizadores do civismo, da coesão social e da segurança.
52

No atual modelo de “combate ao crime” – e ao criminoso – objetiva-se a


supressão dos atos infracionais, não dando atenção aos aspectos emocionais da
vítima ou ao conflito humano resultantes dos delitos. Além disso, a medição dos
resultados se dá através de estatísticas criminais a respeito de prisões e
apreensões. Diferentemente, no modelo de policiamento comunitário, que utiliza
estratégias descentralizadas como planejamento organizacional, as demandas são
definidas a partir da análise dos problemas que afetam as comunidades, e os
resultados são mensurados com base na qualidade de vida, no bem-estar social, e
na satisfação dos cidadãos.
É de suma importância este aspecto nos dias atuais, devido justamente a
falta de confiança nas pessoas que os agentes policiam. Eles sabem que o público
em geral se ressente de sua autoridade e nunca os apóiam. Isso faz com que eles
estabeleçam mecanismos de auto-proteção e distanciamento.
Deve ser ressaltado com bastante ênfase o fundamento mestre da
parceria: a confiança entre a polícia e a comunidade. Para construir este laço, numa
efetiva parceria com a comunidade, a polícia deve tratar as pessoas com respeito e
sensibilidade. Práticas como o uso excessivo da força, a arrogância, a distância e a
rudeza, a qualquer nível, diminuirá a vontade dos membros da comunidade de se
aliarem a polícia.
O conceito de policiamento comunitário também altera, definitivamente, a
percepção acerca das bases da legitimidade da polícia numa sociedade
democrática. Nesse modelo, a justificativa para o policiamento não é só sua
capacidade de reduzir o crime e o medo da violência enquanto preserva os direitos
constitucionais básicos, mas também na sua habilidade em conjugar as
necessidades e desejos da comunidade às políticas públicas e às próprias
estratégias de atuação. A proximidade e cooperação com o cidadão contribuirão
fortemente para um, cada vez maior, reconhecimento social do profissional de
polícia, cuja autoridade passa a ser socialmente legitimada e apoiada.
Nada disso, contudo, tem a intenção de tornar a polícia inteiramente
submissa às comunidades e aos seus anseios. A polícia precisa continuar a
53

defender uma série de valores e princípios os quais as comunidades, por força de


determinados acontecimentos, as vezes se permite inobservar.
Ainda, a transição para o policiamento comunitário requer especificidades,
e o estabelecimento de valores que proporcionem para a organização policial e para
o público uma sensação clara da expansão do foco do policiamento. Os valores
devem ser enraizados na cultura da organização policial através da formação, e,
principalmente, devem estar refletidos nos seus objetivos, nas suas políticas e nas
práticas do seu pessoal.
O policiamento comunitário é arraigado de princípios constitucionais
democráticos, enfatizando a rigorosa integridade da justiça e da igualdade,
oferecendo acesso de maneira igualitária aos serviços, e tratamento homogêneo à
todos os usuários.
Para tanto, a formação dos agentes policiais deve ser orientada para a
implementação desse novo modelo de policiamento. Deve prevalecer um consenso
e aceitação dentro das polícias, e entre os agentes. Assim, as habilidades
necessárias devem ser integradas a matriz curricular e não tratadas separadamente.
A mobilização e o uso dos recursos oriundos da comunidade para solução
dos problemas, e a sensibilidade em lidar com divergências enraizadas no
imaginário social tornam-se fatores importantes na avaliação da performance do
policial e do sucesso do programa. Para que essa nova relação se estabeleça, é
necessário que os agentes funcionem como catalizadores desta mudança e criem
nas populações um sentimento de co-responsabilidade na qualidade de vida da
comunidade.
Faz-se necessário, portanto, incutir tanto nas forças policiais como na
sociedade a dependência que uma tem da outra. Ambas se configuram como “co-
produtoras” da segurança pública, participando diretamente nas atividades e na
coordenação das políticas, conforme prevê a Constituição Federal de 1988 em seu
art. 144, caput.
A relação do policial com o cidadão e com a comunidade gera uma forte
cumplicidade (no melhor sentido da palavra) que envolve e responsabiliza todos na
resolução dos problemas que a todos afetam. Desta maneira, a responsabilidade
54

pelo problema do crime, que antes cabia apenas a nível governamental, aumentou
para a esfera pública.
Buscando a origem desse modelo de policiamento e as evoluções (ou
involuções) para outros, tem-se que as primeiras formas de policiamento
caracterizavam-se por policiais em ronda que, patrulhando determinado bairro a pé,
serviam para prevenir ocorrências, buscar e dar respostas a crimes e disputas civis.
Com o advento do carro patrulha, do telefone e do rádio para intercomunicação,
esse modelo de atuação converteu-se, dando lugar a estratégias de cunho
puramente reativo, cuja finalidade é atender as chamadas o mais rápido possível e
prender os infratores.
Nota-se, então, que o patrulhamento a pé configura uma presença do
agente policial na rua, ao passo que o patrulhamento motorizado é o simbolismo do
Estado em movimento numa cidade. O primeiro representa uma interface e uma
interação entre os cidadãos e a polícia, enquanto o segundo torna os policiais
surdos e quase cegos a quem os cerca. Um é acessível ao transeunte, o outro está
na escuta das mensagens passadas via rádio da central (no Rio de Janeiro, são
conhecidos como Rádio Patrulha, RP).
Assim, pode-se concluir que esse novo modelo (o de Rádio Patrulha), se
distanciou daquilo que os cidadãos esperam da polícia. O policial dentro do seu
veículo não sai mais dele para patrulhar preventivamente ou para saber mais sobre
sua comunidade, suas necessidades, ou até mesmo para obter informações a
respeito de crimes e criminosos.
Em Portugal, como exemplo de medidas que visam atender as
comunidades, houve uma desconcentração dos corpos policiais, passando a existir
as “esquadras” ou “postos”, que são subunidades distribuídas espacialmente, que
servem diretamente o público, e que, por essa maior disposição territorial
conseguem dar uma melhor resposta a comunidade, e aos bairros onde atuam.
(Inspeção Geral da Administração Interna/Portugal, 2004)
O distanciamento da polícia em relação ao seu público-alvo serviu para
isolar os dois, fazendo com que a polícia perdesse a confiança que a sociedade
tinha nela em resolver os problemas.
55

Outra conseqüência do afastamento foi que, ao agir somente quando


houvesse alguma denúncia de prática delitiva, a polícia se concentrou em “lutar”
reativamente contra os criminosos, esquecendo-se de trabalhar proativamente com
os cidadãos.
Conceituando-se tais estratégias, observa-se então que, ao se responder
um determinado fato após o recebimento passivo de pedidos por serviço, tem-se o
que se denomina de estratégia reativa. Já as ações provenientes da polícia para
alterar, prevenir ou intervir antecipadamente nas situações, denomina-se
preventivas. E, ainda, quando a polícia, em conjunto com a comunidade, trabalha
para a manutenção da paz social e do controle da criminalidade, tem-se o que se
denomina como ação proativa.
Nos casos em que predomina o modelo reativo de atuação policial, a
atividade desta só se torna perceptível nas conseqüências finais dos conflitos
interpessoais, e não segundo as causas que originam esses conflitos, o que é muito
perigoso, uma vez que as pessoas não têm o forte hábito de comunicar todas as
ocorrências, o que resulta no que é conhecido como “cifra negra”, ou seja, a
diferença entre o número de crimes realmente praticados e o número de ocorrências
registradas pelas polícias.
O modelo de policiamento comunitário também tem como objetivo
fomentar a noção de serviço público, baseado na qualidade do serviço prestado, na
satisfação dos destinatários, na transparência, efetividade e numa cultura de
compromisso, contrato e parceria com as comunidades e organizações públicas. A
natureza pública do serviço policial deve ser dada pelo interesse público, pelo
interesse social por serviços e políticas públicas que beneficiem a sociedade.
É importante, contudo, frisar que o policiamento comunitário não substitui
o “modelo convencional” de repressão ao crime. A coexistência é imprescindível, na
medida em que continua a ser necessário reagir prontamente a todos os focos de
violação da lei ou de alteração da ordem pública, esta entendida agora como paz
social.
Em suma, as práticas que orientam programas de policiamento
comunitário e que norteiam as atividades de patrulhamento, se distanciam do atual
56

modelo motorizado aleatório, e se aproximam mais de um patrulhamento a pé,


capaz de ajudar na auto-proteção coletiva e/ou individual, de intervir nos estágios
iniciais para prevenir os problemas que poderiam surgir, de desenvolver uma
apreciação das preocupações da comunidade, de explicar os serviços da polícia
com mais precisão e clareza além de obter informações que auxiliem o trabalho de
investigação.
A idéia de polícia como órgão que combate o crime, que está
constantemente em guerra contra “inimigos” não declarados, está fortemente
estabelecida, prejudicando a capacidade de se pensar efetivamente nos desafios
reais. Não é surpresa que os policiais questionem e relutem quando se apresenta
qualquer tipo de reforma quanto a real natureza de seu trabalho.
Muitas vezes é hostil a reação inicial da polícia às propostas de ser
equipada com alternativas variadas para lidar com sua carga de trabalho. Mas a
objeção dos policiais às novas alternativas não é simplesmente uma objeção às
alternativas em si, mas à aceitação de responsabilidades das quais muitos policiais
prefeririam ser dispensados, por considerarem não fazer parte de suas atribuições.
A maneira como a polícia lida, por exemplo, com uma ocorrência de briga
doméstica pode estar diretamente relacionada ao seu papel de prevenir uma
possível e futura agressão e/ou até mesmo um homicídio, embora, muitas vezes,
esse atendimento, por exemplo, de um conflito doméstico seja categorizado como
algo não relacionado ao crime, e, logo, ao trabalho de polícia.
Finalmente, cabe salientar que o modelo de policiamento comunitário,
segue em sentido oposto a política norte-americana de “tolerância zero”. Enquanto o
primeiro pretende incrementar a segurança a partir da proximidade da polícia com os
cidadãos, do uso de técnicas de patrulha urbana dispondo agentes a pé, mantendo
um diálogo permanente com os cidadãos (dos quais obtém informação, ao mesmo
tempo que cria uma sensação de segurança) e da aposta na
prevenção/proatividade, o segundo baseia-se na pressão aplicada, especialmente a
certos “alvos”, à severidade das sanções, a uma “eficácia” a toda prova, fundada em
princípios de repressão/reatividade.
57

Como nova proposta a ser buscada pelo Poder Público, deve o mesmo se
preocupar quanto ao momento da formação dos agentes policiais, a fim de prepará-
los e incutir em sua cultura os princípios e fundamentos desse modelo de
policiamento comunitário, de cunho humanitário e democrático.
58

6 – CONCLUSÃO

As políticas públicas e o modelo de atuação dos dias de hoje, impostos às


organizações policiais, têm por base pôr em atividade o maior número disponível de
agentes, de modo que estejam sempre visíveis e prontos para responder às
solicitações de emergência, estabelecendo como objetivo principal da patrulha
chegar rapidamente aos locais, “estabilizar” as situações e voltar para a ronda.
Mas, antes disso, a polícia deve ser orientada para a administração e
solução dos problemas, dos conflitos interpessoais, habilitando os agentes de forma
que, coordenando esforços, encontrem soluções pacíficas que estejam de acordo
com preceitos e princípios de cunho humanitário para a elaboração de doutrinas e
procedimentos que demonstrem o aumento do profissionalismo dos órgãos policiais,
e a preocupação com sua função de proteção dos cidadãos, reafirmando, também, a
importância de seu papel dentro da sociedade.
Essa profissionalização é entendida como sendo a capacitação dos
agentes voltada para a prevenção das infrações, através do respeito às leis e do
fortalecimento dos direitos humanos, para a construção de uma relação de confiança
com a comunidade, com ausência total de comportamentos inadequados,
desnecessários e desproporcionais, sempre por meio de um tratamento igualitário
suprimindo-se a discriminação, incorporando princípios de responsabilidade social e
exercício de ética.
A conduta e atuação da polícia devem conformar-se na compreensão e
interiorização dos princípios éticos, esforçando-se no respeito e aplicação da lei,
entendida não como um fim em si, mas como meio de assegurar igualdade de todos
perante a lei e um tratamento equitativo e justo de todos os cidadãos.
De acordo com o Manual Para Servir e Proteger, elaborado pelo Comitê
Internacional da Cruz Vermelha – CICV –, os agentes policiais devem estar
comprometidos com um alto padrão de disciplina e desempenho que os faça
reconhecer tanto a importância como a delicadeza de suas obrigações a serem
realizadas.
59

Procedimentos adequados de supervisão e revisão servem para garantir a


existência de um equilíbrio apropriado entre o poder discricionário exercido
individualmente pelos policiais e a necessária responsabilidade legal e política dos
órgãos de aplicação da lei, como um todo.
Ainda, segundo o Manual supracitado, as palavras-chave na aplicação da
lei deverão ser negociação, mediação, persuasão, resolução de conflitos, sendo a
comunicação o caminho preferível para se alcançar os objetivos de uma aplicação
da lei legítima, embora, quando não forem suficientes, esteja sempre disponível aos
agentes utilizar outros meios, como o uso da força, e, dentro dela, os instrumentos
existentes como a arma de fogo, as armas não letais, o cassetete e etc. (2005, p.
294)
Deve-se fomentar a propagação de qualidades, tais como: exibir iniciativa
e capacidade para resolver problemas complexos através de um julgamento efetivo
e com imaginação; demonstrar bom senso e responsabilidade nas decisões; tolerar
o estresse de inúmeras formas; manter uma perspectiva equilibrada, em face da
exposição constante ao pior lado da natureza humana.
O aumento do número de policiais não reduz, necessariamente, as taxas
de criminalidade; o patrulhamento ao acaso, motorizado, não reduz as práticas
delituosas, melhora as chances de prender criminosos (visto que do momento do
crime, ao pedido de socorro pela vítima, um longo tempo se passa), oferecem
segurança ou diminuem o medo entre os cidadãos.
Conforme destacado por Carlos Magno Nazareth Cerqueira (1998), as
lideranças policiais desempenharão um papel de suma importância na direção
dessas mudanças organizacionais. Lembra que aqueles agentes que se encontram
nos mais altos cargos da administração devem estar atentos às preocupações dos
chefes intermediários, e sensíveis às mudanças na responsabilidade decisória mais
ampla concedida aos policiais que encontram-se na ponta de lança.
Um grande desafio que os governos, as polícias e a própria sociedade
terão que enfrentar será superar o histórico, mas atual quadro brasileiro fortemente
influenciado pela ideologia castrense (concernente a acampamento militar), pelo
60

espírito e forma vividos na caserna, que reflete nas políticas criminais plenamente
engajadas no modelo militar de combate ao crime, na filosofia da guerra.
Em suma, uma polícia que respeita os direitos humanos serve os
objetivos da lei. A sua atuação não tem que se basear no medo ou na violência para
ser eficaz, mas sim no profissionalismo e na dignidade da pessoa humana. O uso
dos meios consentidos de força, obedecendo aquilo que é o estritamente
necessário, demonstra que a atividade da polícia não é de mera execução
automática, antes, exige do agente muita ponderação, muita prudência e inteligência
para, no domínio da discricionariedade necessária à escolha da medida e ao seu
grau de intensidade, não ultrapassar a medida para a realização do fim que
prossegue.
Em seu trabalho “Direitos Humanos: Coisa de Polícia”, Ricardo Balestreri
cita o relato de um policial que passou pela experiência de ser um agente no
Canadá, e que demonstra o grau de profissionalismo e respeito aos direitos:
“Ouvi, há pouco, uma história sobre um policial brasileiro que
vindo de um estágio no Canadá, teria relatado o seguinte:
‘Numa noite muito fria, saía numa ronda com um colega policial
canadense. Houve, então, o furto de um veículo. Daí em
diante, participei de uma admirável ação policial. Corrida de
automóvel digna de filmes de Hollywood. Trocamos tiros, o
criminoso, sem balas, correu, com o policial em seu encalço.
Próximo, este saltou energicamente sobre as costas do
bandido e o algemou. Era meu herói naquele momento. Foi
perfeito. Mas pôs tudo a perder quando ergueu o bandido e
perguntou: ‘Você está bem?’
Parti verbalmente prá cima do colega, indignado.
Perguntar ao bandido, que ele perseguiu e prendeu
magnificamente, se estava bem? ‘Que é isso?’, disse eu. E ele
respondeu tranquilamente: ‘Ele já está imobilizado. Quero
saber, agora, se ele está bem. Sou um profissional. Não fiz por
raiva. Agi com tamanha energia, usando com habilidade toda a
força necessária, porque sou treinado para isso. Talvez seja
por esse motivo que erramos menos: porque agimos mais com
a razão e não tanto com as emoções.’ ‘Mas ele é um bandido!’,
disse-lhe, tentando convencê-lo, num último argumento. Ao
que ele respondeu: ‘Mas eu não sou. Essa é a diferença.’ Foi a
melhor coisa que me aconteceu lá e que, como lição, jamais
vou esquecer.’”

O conceito de uso legítimo da força (ato discricionário, legal, legítimo e


profissional), para não ultrapassar a fronteira e descambar para o emprego da
61

violência (um impulso arbitrário, ilegal, ilegítimo e amador), deve ser delimitado, no
campo formal, pela lei, no campo racional pela necessidade e proporcionalidade dos
recursos empregados e, no campo moral e ético, pelo antagonismo que deve reger a
metodologia de policiais e infratores.
Faz-se necessário, paralelamente às exigências acima demonstradas,
que os agentes policias também sintam-se resguardados, amparados de todas as
formas. Como cidadão e personificação do Estado, torna-se imperioso criar
mecanismos para que as integridades física e emocional (“o estresse parece fazer
parte do dia-a-dia do trabalho policial. (...) Essa condição é apresentada por eles das
mais diversas formas, desde sintomas difusos do tipo pressão na cabeça,
nervosismo, agitação, insônia, perda ou aumento do apetite, sensação de cansaço
até ansiedade profunda, causando conflitos graves com colegas, superiores e
familiares, prejudicando o desempenho das atividades laborais, dentre outras
situações.” (SOUZA, Edinilsa Ramos de; CONSTANTINO, Patrícia, 2006: p. 14)), e,
principalmente, a vida desses agentes estejam devidamente asseguradas.
Vale citar, como exemplo de atenção dada ao agente aplicador da Lei e
sua importância, o Código Penal Português prevê no art. 132º,1,j uma qualificadora
para o homicídio, quando praticado contra um agente policial.
Por tudo isso, a polícia, como órgão público a serviço da cidadania e da
paz social, tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada. Para tanto, faz-se
necessário incutir, inspirar a consciência da importância do papel social que esse
agente carrega e, por conseguinte, aumentar a sua auto-estima.
É importante considerar que um estudo sobre a polícia não deve se
restringir à reforma do aparelho policial com o objetivo de melhoria dos meios e
métodos de atuação para o exercício de suas funções, mas sim o de buscar o
entendimento do tema, articulando-o com a questão da ampliação dos direitos da
cidadania e dos espaços de liberdade democrática em uma sociedade como a
brasileira, onde a ação policial sempre foi identificada como o lado obscuro da
justiça. Para tanto, faz-se necessário investir seriamente na formação e capacitação
dos agentes.
62

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

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– RS: CAPEC, Paster Editora, 1998.

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: maio de 2008.

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