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Renata Coelho Padilha Gera


Panóptica, ano 1, n. 4

HERMENÊUTICA JURÍDICA:
Alguns aspectos relevantes da hermenêutica
constitucional.

Renata Coelho Padilha Gera


Juíza Federal Substituta no Espírito Santo; Mestre em Direito
Constitucional; Especialista em Direito Civil e Processual Civil;
Professora de Cursos de Graduação e Pós-graduação em
Direito no Espírito Santo.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Hermenêutica Jurídica; 2.1. Distinção dos termos


hermenêutica e interpretação; 2.2. Funções da interpretação; 2.3.
(Im)Prescindibilidade da interpretação; 3. Hermenêutica constitucional; 4. Conclusão;
Referências.

1 INTRODUÇÃO

A atividade hermenêutica permeia todo o exercício dos operados do direito,


principalmente, a atuação do magistrado, que é o responsável pela função de “dizer
o direito”, ou seja, de aplicar a norma jurídica ao caso concreto.

O magistrado durante a sua atuação para encontrar a solução do conflito existente


no mundo dos fatos, aplica a norma jurídica, mas para isso deve buscar o sentido
das normas. Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior 1 , “a determinação do
sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e
intenções, tendo em vista decibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática
hermenêutica”.

Com isso verifica-se a relevância do tema relacionado à hermenêutica,


principalmente, quando especificada em relação à hermenêutica constitucional.

1
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001, p. 252.
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Entretanto, antes da abordagem dos conteúdos especificamente relacionados à
hermenêutica constitucional, é preciso verificar alguns assuntos que dizem respeito
à hermenêutica jurídica: distinção entre interpretação e hermenêutica, funções da
interpretação e imprescindibilidade da interpretação.

2 HERMENÊUTICA JURÍDICA

2.1 DISTINÇÃO DOS TERMOS HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

As expressões hermenêutica jurídica e interpretação jurídica não são sinônimas. A


doutrina faz distinções em relação ao significado técnico de ambos os termos. Pedro
dos Reis Nunes 2 categoricamente faz a distinção entre as expressões, atribuindo à
interpretação a noção de técnica, enquanto que à hermenêutica associa à idéia de
ciência, no seu dizer, a “ciência de interpretação” das normas jurídicas.

A interpretação é momento de contato direto do intérprete com a norma jurídica,


ocorre quando o operador do direito procura encontrar, por meio de técnicas
específicas, qual o real conteúdo e significado da norma jurídica. Por outro lado, a
hermenêutica jurídica é a ciência formada pelo conjunto sistêmico de técnicas e
métodos interpretativos.

No mesmo sentido, posiciona-se Maria Helena Diniz 3 , que afirma tratar-se a


hermenêutica da “teoria científica da arte de interpretar”. Ou seja, o conjunto de
princípios e normas que norteiam a interpretação é uma ciência: a hermenêutica.

Entretanto, a visão de que a hermenêutica é uma ciência não é pacífica na doutrina,


já que o Ministro Eros Roberto Grau 4 afirma que a interpretação das leis é, na
verdade, uma “prudência”, é “o saber prático, a phrónesis, a que se refere
Aristóteles”.

2
NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora Freitas
Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990, p. 469 e 513.
3
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 64.
4
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 35.
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2.2 FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO

Também não existe unanimidade, na doutrina, em relação à definição das funções


da interpretação das normas jurídicas. Para Maria Helena Diniz 5 , as funções da
interpretação são as seguintes:

a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe


deram origem;

b) estender o sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua


criação;

c) temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às


necessidades reais e atuais de caráter social, ou seja, aos seus fins sociais e
aos valores que pretende garantir.

Eros Roberto Grau 6 entende que a interpretação do direito não pode ser dissociada
da sua aplicação, afirma que interpretar é “dar concreção (= concretizar) ao direito”,
reconhecendo para tanto, como único intérprete, verdadeiramente, autêntico o Juiz,
que é o responsável pela construção da norma decisão.

2.3 (IM)PRESCINDIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO

De acordo com a clareza ou não do texto legal, pode-se discutir sobre a


dispensabilidade ou não da interpretação, ou seja, sobre a aplicação do princípio “in
claris cessat interpretatio”.

Maria Helena Diniz 7 afirma que a interpretação sempre é necessária,


independentemente da clareza ou não da lei, afirmando que “tanto as leis claras
como as ambíguas comportam interpretação”.

5
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 63.
6
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 24 e 34.
7
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 62.
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Nesse mesmo sentido, caminha Paulo Bonavides 8 , ao afirmar que “não há norma
jurídica que dispense interpretação”, concluindo que o aforismo latino acima
transcrito não pode prosperar.

Verificados os aspectos gerais sobre a hermenêutica jurídica, principalmente, depois


de verificada a imprescindibilidade da interpretação, pode-se avançar na análise de
alguns dos aspectos mais relevantes da hermenêutica constitucional.

3 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

A interpretação da norma é influenciada pelo seu intérprete. Eros Roberto Grau 9 traz
faz uma interessante metáfora em relação à interferência do pesquisador no objeto
pesquisado: metáfora da Vênus de Milo. A metáfora retrata a contratação de 03
artistas para produzirem cada um, uma estátua da Vênus de Milo. Como resultado,
cada um produzirá uma estátua diferente, mesmo todos tendo o mesmo objeto. Não
são três estátuas totalmente distintas umas da outras (afinal são todas Vênus de
Milo), mas não são as mesmas estátuas. Esse também é o resultado da
interpretação, sendo distinta de acordo com o seu intérprete.

Além do intérprete, a realidade do mundo dos fatos também influencia diretamente a


interpretação constitucional. Konrad Hesse 10 afirma que “A norma constitucional não
tem existência autônoma em face da realidade”. Pode-se concluir que a
hermenêutica constitucional procura a concretização da norma constitucional, ou
seja, a interpretação constitucional considera os fatos do mundo real além objeto do
texto (relevância da realidade concreta do mundo).

A tarefa de hermenêutica constitucional trará conseqüências para toda a sociedade.


Em que pese a afirmação de controle abstrato de constitucionalidade, ainda assim,

8
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13a Ed. rev.
atual., 2003, p. 437 e 438.
9
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 29.
10
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.14.
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haverá o peso dos fatos sobre a interpretação, note-se que a Lei 9.886 trata da
possibilidade de realização de perícia e de audiência pública, bem como, solicitação
de informações aos juízos inferiores sobre as conseqüências fáticas de aplicação da
norma.

A importância dos fatos na tarefa de interpretação constitucional é reforçada pela


existência do instituto da modelação dos efeitos da decisão que reconhece a
inconstitucionalidade. O STF pode determinar em que momento no tempo a
inconstitucionalidade começa a produzir efeitos.

A interpretação deve alcançar o objetivo de atualização do texto constitucional.


Quando o intérprete considera os fatos do mundo real, o texto constitucional vê-se
com aplicação a casos diversos. Conforme afirma Paulo Bonavides 11 , “interpretar a
constituição normativa é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo
atualizá-la”.

Conforme afirma Konrad Hesse 12 , é necessária a aplicação de uma “interpretação


construtiva” para garantir a força normativa do texto constitucional, garantindo a
“consolidação e preservação da força normativa da Constituição”. Entretanto, essa
interpretação deve considerar os “fatos concretos da vida”, para o autor “a
interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o
sentido (sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa
determinada situação”.

4 CONCLUSÃO

Em decorrência desse poder que advém da interpretação da constituição, torna-se


indispensável o estabelecimento de meios que evitem uma interpretação
desarrazoada, capaz de provocar injustiças.
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13a Ed.
rev. atual., 2003, p. 483.
12
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 22 e 23.
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Com o objetivo de evitar uma interpretação sem fundamento, há o estabelecimento


pela doutrina de regras, métodos e princípios de hermenêutica, que permitem um
certo controle sobre a atividade interpretativa, garantindo uma certa uniformidade, ou
seja, alguns pontos comuns estarão presentes na atividade interpretativa, para a
busca do equilíbrio.

A liberdade do operador existe (cada um é um escultor distinto), mas não é absoluta,


já que se encontra limitada por determinadas regras (todos devem esculpir a Vênus
de Milo).

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros


Editores.. 13a Ed. rev. atual., 2003. 859 p.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil.
São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002. 469 p.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica,


decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001. 364 p.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do


direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005. 279 p.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der


Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1991, 34 p.

NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora
Freitas Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990. 936 p.

Informações Bibliográficas:

GERA, Renata Padilha Coelho. Hermenêutica constitucional. Panóptica, Vitória, ano


1, n. 4, dez. 2006, p. 23-28. Disponível em: <http://www.panoptica.org>. Acesso em:

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