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Entrevista do Governador Eduardo Campos às páginas amarelas da

Revista Veja de 22/11

"Chega de aparelhamento"
Mesmo na condição de aliado histórico do PT, o governador de Pernambuco
condena o loteamento de cargos, o corporativismo e defende a meritocracia

Leonardo Coutinho

O socialista Miguel Arraes governou Pernambuco por três vezes e, antes de


morrer, aos 88 anos, já havia sido alçado à condição de lenda pela esquerda
brasileira. Seu neto e herdeiro político, Eduardo Campos, ainda não angariou
tamanha fama, mas está seguindo os passos do avô. Aos 45 anos, foi
reconduzido ao governo de Pernambuco, em primeiro turno, com 83% dos
votos. Presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) desde 2005, ele ajudou
a converter um partido nanico na mais nova força da política nacional, com seis
governos estaduais, quatro senadores e 35 deputados. Esse placar tão
reluzente fez com que, desde já, surgissem especulações de que Campos
pode vir a ser candidato à sucessão da presidente eleita Dilma Rousseff. Por
ora, no entanto, ele assumiu outra tarefa: a de restaurar o diálogo entre o
governo e a oposição, da qual é próximo e com a qual compartilha práticas
administrativas. O governador - economista, casado e pai de quatro filhos - é
obcecado por eficiência gerencial e defensor ardente da meritocracia. Ele
conversou com Veja em um domingo, no Palácio do Campo das Princesas,
construído no ponto em que se encontram os rios Capibaribe e Beberibe.

O PSB era um partido nanico. Em outubro, elegeu seis governadores, 35


deputados e mais três senadores. Como passará a se comportar?

De fato, mudamos de patamar. Seremos responsáveis por esses governos


estaduais e teremos deveres também no governo da presidente Dilma
Rousseff, que ajudamos a eleger. Não reivindicaremos cargos, mas queremos
discutir os critérios de indicação em todos eles. Não podemos mais aceitar que
os ocupantes de postos públicos sejam nomeados por oligarcas, coronéis e
chefetes políticos. Não é mais possível aceitar o fracasso de um geslor só
porque ele pertence a um partido aliado. Tem mais: o partido que indicar
alguém para um cargo público terá de responder pelas atitudes do indicado.

O senhor está criticando a política de aparelhamento do estado, mas ela


atingiu o ápice no governo atual, que o senhor apoia e do qual foi
ministro da Ciência e Tecnologia.
Precisamos compreender o governo Lula dentro do contexto histórico e do
momento político em que ele está inserido, assim como temos de fazer com os
governos de Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco. É preciso entender
que o Brasil está fazendo conquistas. Já incorporou os valores da
responsabilidade fiscal e da necessidade de respeitar contratos. Agora, é hora
de os governantes adotarem o preceito da gestão eficiente.

Estamos por construir o Brasil do "fazer", em que as escolas, a saúde e a


segurança funcionam. Isso só será possível com a defesa da meritocracia e o
enfrentamento do corporativismo doentio que corrói o serviço público.

É discurso de candidato a presidente da República. O senhor pretende


ser candidato?

Sou candidato a fazer um governo melhor do que fiz nos últimos quatro anos.
Por ora, é só. Abrir um debate eleitoral neste momento é desrespeitar não só
quem votou em mim, mas também os que elegeram a presidente Dilma.

Como a presidente conterá o apetíte por cargos de partidos como o


PMDB, que seu correligionário Ciro Gomes define como "um ajuntamento
de assaltantes"?

Depende de qual PMDB estamos falando. São tantos os PMDBs...

Ciro Gomes não fez distinção e se referiu ao presidente do PMDB e vice-


presidente eleito, Michel Temer, como "chefe dos assaltantes".

O PMDB terá o seu lugar no governo. A presidente eleita Dilma só não pode
deixar que esse partido faça o que bem entender - aliás, nem o PMDB, nem o
PT, nem partido algum da base aliada. Dilma terá de impor seu programa, e
quem fizer parte do governo terá de segui-lo. Não se pode mais governar o
país com cada ministro atuando baseado nos critérios de sua legenda. A
máquina pública tem de ser preenchida por pessoas que apresentem
resultados. O governo não pode mais ser aparelho de partido nenhum. Se não
impuser esse tom, perderá o controle da situação.

Como Dilma abandonará as práticas adotadas pelo seu padrinho e


antecessor?

Uma coisa tem de ficar bem clara: Dilma é uma pessoa, Lula é outra. A relação
de Lula com o povo foi construída em quarenta anos de militância. A de Dilma
começou na campanha, e só será consolidada pelos resultados do seu
governo. Dilma vai compensar essa dificuldade na articulação ao apostar na
gestão. O que não pode é deixar que o cerco dos partidos, inclusive o meu, a
atrapalhe na montagem da sua equipe. O patrimonialismo partidário não faz
bem a governo nenhum.

O petista José Dirceu diz que, com Dilma, o PT finalmente chegará ao


poder. O que o senhor acha?

É um grave equívoco. Nenhum partido deve ser maior do que a presidente da


República, que foi eleita pelo povo com o apoio de vários partidos. A maior
contribuição que o PT pode dar é não alimentar esse tipo de postura.

Aliás, se lermos com cuidado o resultado do primeiro turno da eleição,


entenderemos que a população já deu esse recado. A disputa não foi decidida
naquele momento, porque muitos acharam que a nossa coligação não
precisava responder nada a ninguém.

Denúncias e questões sérias foram mal esclarecidas. O tom adotado, acima do


conveniente, também não ajudou. O pessoal estava confiante demais. É
importante que aprendamos a lição: mais difícil que saber perder é saber
ganhar.

Foi o PT, então, o responsável pelo segundo turno?

A sociedade mandou um aviso geral para o nosso pessoal baixar a bola. Tudo
na nossa campanha passava um tom de arrogância. Por exemplo: como
parecia que iríamos ganhar no primeiro turno, alguns aliados transmitiram a
impressão de que poderiam atentar contra algo que, além de preceito
constitucional pétreo, é muito caro aos brasileiros: a liberdade de expressão.
Foi um debate equivocado no calor da véspera de eleição. Não há espaço para
isso no Brasil.

Mas setores do PT e de seu partido continuam a acalentar a intenção de


controlar a imprensa.

É um erro. Não devemos alimentar nenhuma experiência ou tentativa de


diminuir a liberdade de imprensa. Tão importante quanto honrar contratos,
cuidar do povo mais pobre ou proteger a natureza é respeitar a liberdade de
expressão. Quem já foi vítima da censura sabe que não se pode brincar com a
liberdade.

O senhor acredita que o governo Lula reagiu mal a denúncias de


corrupção, como as que envolveram a ex-ministra da Casa Civil Erenice
Guerra?

Nesse caso específico, o presidente Lula foi rápido. Afastou Erenice de suas
funções e orientou os órgãos de controle do governo a iniciar procedimentos
para apurar as denúncias.

E nos casos dos Correios, do mensalão e outros...

Vou me ater ao caso Erenice, cuja descoberta teve um impacto negativo. Ele
colaborou para a realização do segundo turno na eleição presidencial, mas
acabará sendo positivo para a formação do futuro governo. Depois do
escândalo de Erenice, Dilma jogará duro para evitar constrangimentos como os
provocados por essa ex-assessora.

Que outras lições o governo deveria tirar da eleição?

A presidente deve ter um diálogo institucional com a oposição. Já deu um


passo nesse sentido quando, depois da vitória, se mostrou receptiva ao
entendimento. Os partidos derrotados na eleição presidencial continuam com
enormes responsabilidades. Administram grandes prefeituras e governos de
estado. Por isso, é prioritário construir uma ponte com eles.

O senhor foi escalado para fazer essa mediação com a oposição?

Tenho falado com alguns amigos do campo adversário sobre a necessidade de


reaproxirnação. Mas defendo a tese de que esse debate não pode se basear
em relações pessoais, e sim em relações institucionais.
O PSDB governa oito estados, que, juntos, têm metade da população do país.
É hora de desmontar os palanques e pensar o Brasil.

Qual é a principal diferença entre o governo atual e o que está por vir?

O presidente Lula repetia que não podia falhar, por ser o primeiro filho do povo
a governar. Da mesma forma, Dilma também não poderá falhar. Ela tem muita
clareza sobre a responsabilidade de ser a primeira mulher a governar.

Dilma investirá em sua capacidade fundamental, a de gerenciamento. Se


montar uma equipe cujos principais critérios de escolha sejam técnicos e
éticos, ela introduzirá no governo federal a cultura da gestão.

A sua administração conseguiu bons resultados na área da segurança,


uma questão que preocupa muitos estados, inclusive da Região Nordeste.
Que ações podem ser aproveitadas por outros governos?

Quando fui candidato pela primeira vez, disse que o combate à criminalidade
seria uma prioridade de minha administração. Depois de eleito, instituí um
programa de monitoramento do crime que reduziu em 40% a taxa de
homicídios no Recife.

Tínhamos a capital mais violenta do país. Agora, estamos na quinta posição.


Mais de 400 milícias e quadrilhas foram desbaratadas. Passamos a premiar os
policiais que cumpriam as metas com 14 o salário e a pagar gratificações por
armas apreendidas.

Para mim, só com a meritocracia melhoraremos os serviços públicos. Ao


mesmo tempo, investi na educação integral para tirar as crianças das ruas e
evitar, assim, que elas fossem cooptadas pelos bandidos. Fizemos um bom
trabalho na área de segurança, mas cumpri o que prometi também no que se
refere à gestão. Pela primeira vez na história de Pernambuco, o governo
aumentou os investimentos sem elevar a carga tributária.

Mas, se foi possível conseguir esse resultado com a redução do custeio


da máquina pública, por que o senhor defende a volta da CPMF?

No início do mês, meu partido discutiu a volta da CPMF. Quero dizer que sou
contra. É verdade que enfrentamos uma grave crise na saúde pública, mas não
aprovo a criação de nenhum tipo de contribuição. Antes de discutir um novo
imposto, é preciso melhorar a qualidade dos gastos no setor, que está entre as
piores do mundo.

O Brasil ocupa o 790 lugar no ranking da Organização Mundial de Saúde no


que diz respeito à eficiência da despesa. Temos de encontrar um jeito de
ampliar o atendimento da população e de cobrir o déficit das contas na saúde,
mas a CPMF não é a solução.

O Bolsa Família é um programa assistencial sem porta de saída. Até que


ponto ele é benéfico para o Nordeste, onde está o maior contingente de
seus beneficiários?

A necessidade de fazer um programa como esse é sinal de que as coisas não


estão bem. Uma parcela das pessoas que recebem o Bolsa Farnflia vai sair
para o mercado de trabalho à medida que for sendo qualificada e a economia
crescer. Infelizmente, muitas estão condenadas a receber o Bolsa Farm1ia por
um largo tempo. São pessoas que não comeram até 1 ano de· idade, não
tiveram acesso à escola... Vamos precisar de tempo para corrigir essas
desigualdades. A porta de saída só aparecerá em duas gerações. É o preço
que temos de pagar para corrigir erros históricos.

O que o Nordeste representa para o futuro do Brasil?

Somos parte da solução brasileira. Fomos vistos por muitos anos como um
peso. Mas, nos últimos anos, é no Nordeste que o Brasil tem crescido mais.
Pernambuco é um exemplo das oportunidades que a região oferece.

Aqui, o consumo de produtos alimentícios e de construção civil cresce a taxas


anuais de 20%. Pessoas que deixaram o Nordeste para tentar a vida no
Sudeste estão voltando para casa.

Quando uma região sai do atraso, quem mais ganha são as áreas
desenvolvidas, que sofrem menos pressão sobre seus tecidos urbano e social.
A revolução nordestina terá reflexos positivos em todo o país. Descentralizar o
desenvolvimento é bom para o Brasil.

Não queremos privilégios, mas um tratamento equânime.

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