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à esq - Luciano

Letras & Letras, Uberlândia 23 (1) 145-159, jan./jun. 2007

LITERATURA DE VIAGEM E HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA BRASILEIRA

Roberto Carlos RIBEIRO*

Resumo: Este artigo apresenta um estudo relacionando literatura de


viagem e o lugar ocupado por ela em algumas histórias da literatura
brasileira, aqui representadas pelos autores Alfredo Bosi, José Guilherme
Merquior e Erico Verissimo. Demonstra, também, um esboço de uma
possível história da literatura de viagem.

Palavras-Chave: Historiografia literária, literatura de viagem, literatura


brasileira.

O relato de viagem na historiografia literária brasileira aponta para duas


questões: a primeira é que ele pode ser considerado a origem, o ponto de
partida da formação de uma literatura brasileira; a segunda, e paradoxalmente,
é que ele é analisado somente como uma fase inicial necessária mais como
informação, desaparecendo no decorrer do estudo de tais historiografias,
revelando, por parte dos pesquisadores, a inclusão de tal literatura na lista dos
“gêneros menores”.

Este artigo fará uma crítica historiográfica abordando o relato de viagem


sob a ótica do lugar por ele ocupado em algumas histórias da literatura brasileira
e a sua valoração. Tal pressuposto se faz devido às novas concepções da
historiografia literária que operam uma abertura para os gêneros considerados
menores ou marginais.

Já é lugar-comum dizer que a história da literatura passou de um período


hegemônico – século XIX e início do XX – para uma estagnação. O surgimento
de novos estudos nos anos 1960 e 1970 – formalistas russos, a Nova Crítica
americana, o Estruturalismo, etc. – abafaram o que restava da concepção
positivista da disciplina que propunha uma visão global e verdadeira dos objetos
estudados. Chegou-se à conclusão de que tal conhecimento era impossível.
Em um mundo cada vez mais multifacetado, em que a pluralidade se torna a
tônica dos questionamentos, a resposta não pode e não deve ser unívoca:
deve haver respostas. Assim, a história da literatura passou a ser histórias da
literatura. No lugar do único, o múltiplo. Em vez da verdade, as verdades. No
lugar do certo, o relativo.

A história da literatura depara-se com uma crise. A unicidade é


questionada. A visão de que existiria uma única e verdadeira história é posta

* Dourtor em Teoria da Literatura pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
-PUCRS. e-mail: robertocarlosribeiro@bol.com.br
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em questão. A materialidade do passado é discutida. Nos estudos de


historiografia da literatura atual, de acordo com a visão dos pesquisadores
universitários, não se crê ser possível que um único estudioso, um homem de
letras possa escrever toda a história da literatura de um país, sem que apareça
a sua subjetividade. Ou seja, o objeto deixa de ser impessoal para se transformar
em um discurso pessoal, localizável, manipulado. A crise da história da literatura
é uma crise de autenticidade. Sem prestígio e sem respeitabilidade científica,

o seu caminho parecia sem volta. A partir do já famoso texto de Hans Robert
Jauss, A história da literatura como provocação à teoria literária (1967), a
história da literatura começou a se questionar e a procurar soluções para os
seus problemas.
Era preciso soltar as margens que até então encapsulavam a história
da literatura na camisa-de-força chamada positivismo. A partir do ensaio de
Jauss, a disciplina em questão passou a ter um sopro de vida, pelo menos do
ponto de vista acadêmico, com a estética da recepção nos anos 1970. De
outro lado, a nova história que provém dos historiadores que pertenceram àÉcole des annales –
Fevre e Braudel – e outros pesquisadores que se
interessaram pela questão, como Raymond Aron, Paul Veyne, De Certeau.
Grosso modo, todos estavam preocupados com a decadência do prestígio da
disciplina e, ao mesmo tempo, procurando saídas para a continuação dos
estudos historiográficos. Tornou-se necessário desvendar o lugar do historiador
para acabar com a mal usada objetividade da disciplina.

O processo de destruição da certeza positivista abriu a caixa de pandora


da realidade do pesquisador atual. Alguns anos atrás, um historiador da literatura
brasileira, por exemplo, escrevia seu trabalho montando uma lista de obras e
autores, geralmente por ordem cronológica, separados por períodos que
enfaixavam essa obra sob um conceito estético de escola. O material, de
serventia didática, falsamente representava uma certeza, uma verdade
sossegada e tranqüila para aqueles dependentes dele. Hoje, o historiador da
literatura pode se apoiar na idéia de história como narração, proposta por David
Perkis 1, ou na historiografia literária assumida como interesse e paixão por
parte do pesquisador, vislumbrada por Heidrun Krieger Olinto 2, basear-se no
hibridismo e na alteridade, ampliando o compasso de recolhimento de obras
literárias para a disciplina, conforme sugere Nelson H. Vieira 3, entre outras
opções.

Escrever uma história da literatura brasileira era definir um espaço e

PERKINS, David. História da literatura e narração. Trad. Maria Ângela Aguiar. Porto Alegre:

FALE/PUCRS, 1999.
2 OLINTO, Heidrun Krieger. Interesse e paixões: histórias de literatura. In: ___ (Org.). Histórias

de literatura: as novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996.


3 VIEIRA, Nelson H. Hibridismo e alteridade: estratégias para repensar a história literária. In:
MOREIRA, Maria Eunice (Org.). Histórias da literatura: teorias, temas e autores. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 2003.


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uma identidade característicos de um povo e uma cultura. Agora que tal definição
é questionada, qual seria a relação entre a história da literatura e a sociedade?
O tempo atual é de desconstruir núcleos homogêneos, centrais e únicos e
expor a diversidade formadora de uma sociedade. Para Paulo Franchetti 4, a
função primordial das histórias literárias era definir uma identidade nacional.
Agora que esse discurso foi posto de lado, não restaria nenhum outro objetivo
para a historiografia literária. Segundo o pesquisador, a pulverização ideológica
da unidade em pluridiversidade faz com que as histórias sociais, e das
mentalidades e costumes ocupem o espaço anteriormente preenchido pelas
histórias da literatura.

Mas é justamente ampliando o cânone literário, e abarcando obras que


foram postas de lado pela historiografia tradicional é que poder-se-á vislumbrara amplitude
alcançada pela literatura brasileira. È nesse âmbito que seencontram as histórias sociais, das
mentalidades e costumes. É vasculhando
e dando à luz essas obras esquecidas, e mirando o foco da interpretação para
além da pura estética, e incorporando as novas realidades metodológicas e
hermenêuticas, que será possível olhar para trás e refazer algumas análises,
assim como olhar para o futuro e preparar o horizonte da nova recepção.

É baseado nessa perspectiva historiográfica que far-se-á o estudo à


seguir. Para tanto, utilizar-se-á das seguintes obras, conforme o critério da
especificidade de sua brevidade ou resumo: História concisa da literatura
brasileira, de Alfredo Bosi5; De Anchieta a Euclides: breve história da literatura
brasileira, de José Guilherme Merquior6; e Breve história da literatura brasileira,
de Erico Verissimo7.

O interesse de Alfredo Bosi pelos relatos dos primeiros europeus que


descreveram os habitantes e as paisagens da terra recém-descoberta é
ideológico8. Através dessas crônicas, o pesquisador procura, na pré-história
das letras brasileiras, a “visão do mundo e da linguagem que nos legaram os
primeiros observadores do país” (2000, p. 13). Segundo o autor, as origens da
literatura brasileira não devem ser formuladas com relação à Europa, mas sim
fazer um paralelo com outras literaturas americanas, como as de língua
espanhola e as de língua inglesa. Ou seja, a historiografia literária das Américas
teria algo em comum, um denominador comum: a marca da colonização como
fator fundamental. Desconhecer ou ocultar essas primeiras impressões do

4 FRANCHETTI, Paulo. História literária: um gênero em crise. In: SEMEAR: Revista da cátedra

Padre António Vieira de estudos portugueses. Rio de Janeiro, n. 7, 2002.


5 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 37 ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
6 MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira.

3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.


7 VERISSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. Trad. Maria da Glória Bordini. São

Paulo: Globo, 1995.


8 Bosi destaca que na História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, não existe
referência aos textos de informação, pois o autor se guiava pela estética e não via categoria

do literário nessas primeiras crônicas sobre o País (p. 13).


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“processo cultural” seria prejudicar a compreensão das reações intelectuais


formadoras da brasilidade, em especial o fenômeno da mestiçagem.

As primeiras letras referentes à cultura luso-brasileira documentam a


instauração do processo colonial. “São informações que viajantes e missionários
europeus colheram sobre a natureza e o homem brasileiro” (BOSI, 2000, p.
13). Esses primeiros relatos não teriam valor literário, mas apenas interesse
informativo, pura crônica histórica. Através desses diários, observar-se a
paisagem, os nativos habitantes da terra e as relações começando a desenhar-
se com os primeiros contatos entre esses e os portugueses. Bosi salienta,
ainda, o fato de as primeiras impressões sobre o Brasil, através dos relatos de
viagem, servirem, principalmente, aos modernistas, como reforço para se afirmar
a cultura brasileira frente ao crescente processo de europeização. Desse
ângulo, as crônicas de informações se tornam “obliquamente” uma categoria
estética da literatura. Tal transformação se faz na inserção da visão primitiva e
originária da paisagem brasileira através dos temas míticos relacionados à
brasilidade, principalmente o índio e a natureza. Mas essa é uma segunda
etapa. A primeira ainda está relacionada com as crônicas dos viajantes europeus.

Dentre todos os textos, Bosi destaca aqueles que estão diretamente


ligados ao seu objetivo. O primeiro refere-se à Carta de Pero Vaz de Caminha
a el-rei D. Manuel, de Pero Vaz de Caminha, a que ele denomina de “autêntica
certidão de nascimento” do Brasil. Nela, o pesquisador observa estritamente a
descrição dos indígenas feita pelo autor e conclui pela necessidade de
cristianizar os gentios. Não se esquecendo da visão mercantilista que a nova
terra propunha. Os excertos privilegiados pelo historiador são relativos aosíndios e à postura
soberana e dominadora de Pedro Álvares Cabral.

O segundo texto é o de Pero de Magalhães Gândavo, História da


Província de Santa Cruz. Em um espaço mais privilegiado do que ao dado à
carta de Caminha, Bosi comenta e reafirma a opinião de Capistrano de Abreu,
que viu na obra de Gândavo “uma propaganda da imigração”. Assim como o
relato de Pero Vaz de Caminha, aqui também a relação mercantilista é o motor
gerador do relato. A intenção econômica, não só do autor do relato como também
da nação portuguesa, é explicitamente decalcada das descrições da terra,
flora e fauna, além dos nativos e da expectativa de se encontrar ouro, prata e
pedras preciosas, dando à terra nova um lugar de destaque na relação Europa-
Índia.

Dando continuidade à relação dos textos, surge a obra de Gabriel Soares


de Sousa Tratado descritivo do Brasil. Nele, Bosi observa os mesmos interesses
mercantilistas de outros relatos e também a abrangência maior do texto com
relação à paisagem brasileira e seus componentes. Destaca a intuição
etnográfica do autor quanto à descrição dos nativos.

O relato dos jesuítas traria a informação e mais duas justificativas: as


intenções pedagógica e moral, que afloram nas obras de Manuel da Nóbrega,
Fernão Cardim e José de Anchieta. Dos dois primeiros, Bosi não comenta
quase nada, detendo-se, em várias páginas, nos escritos do Padre Anchieta.
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Diferentemente daqueles que ressaltaram o lado administrativo e mercantilista,


esse possui o “veio místico” necessário, segundo Bosi, em toda obra religiosa.
A partir daí, o professor analisa alguns poemas do jesuíta, traz sete excertos
de poemas do mesmo, esquecendo-se de que está apresentando os relatos
de viagens. Anchieta não descreve paisagens e costumes como quem relata
uma missão especial.

O interesse de Bosi na obra do poeta beira a idolatria da estética, que


é vista nesses primeiros poemas surgidos na Terra Brasilis, em que Anchieta
traz a religiosidade católica do branco europeu para os nativos do Brasil como
forma de catequese. A perspectiva religiosa impressa tanto em poesias como
no teatro teria estritamente a função de cristianizar e dar uma alma àqueles
perdidos no limbo da gentilidade. Mas Bosi analisa e interpreta os poemas do
jesuíta da perspectiva do veio místico, o que reforça, por parte do pesquisador,

o relacionamento entre estética e aura metafísica. As apreciações sobre a


poética de Anchieta é forte: se os autos são pastorais, “o mesmo não ocorre
com os seus poemas que valem em si mesmos como estruturas literárias”
(BOSI, 2000, p. 19). O professor transpõe para a sua história literária nada
menos que sete extratos de poemas do autor.
Seis páginas depois, que se pode dizer de digressão, Bossi retoma o
tema a que tinha se proposto e traz os Diálogos das grandezas do Brasil, de
Ambrósio Fernandes Brandão. Nele, há a mesma preocupação de todos os
primeiros cronistas: “continuam nesse diapasão justapondo mil e um informes
úteis para o futuro povoador da terra” (2000, p. 24).

Bosi termina a seção “A condição colonial” analisando os textos de


Frei Vicente do Salvador e João Antônio Andreoni (Antonil), considerados pelo
pesquisador como dois textos que dão um passo além do discurso de cronistas
para um encaminhamento ao discurso histórico, pois mais do que relatório, o
escrito contém uma “reflexão sobre acontecimentos” (2000, p. 24). Na ótica de
Bosi, Frei Vicente do Salvador já se preocupa em interpretar as questões do
colono como um projeto de história luso-brasileira, uma incipiente identidade
nacional. Já a obra de Antonil retoma a questão econômica. Em uma única
frase, faz o balanço do que foram os primeiros passos das letras no período
colonial: “Um balanço da prosa do primeiro século e meio da vida colonial dá-
nos elementos para dizer que o puro caráter informativo e referencial predomina
e pouco se altera até o advento do estilo barroco” (BOSI, 2000, p. 25).

De certa forma, Bosi considera as crônicas do século 16 um gênero


comum sem grandes diferenças entre um escrito e outro. Tanto que ao introduzir

o tema, ele relaciona nove textos de origem, mas analisa apenas sete, fazendo
um resumo por alto. No caminho inverso, o texto de João Antônio Andreoni não
é citado na introdução do assunto, mas na análise surge ao lado da obra de
Frei Vicente do Salvador.
Da análise dos textos dos primeiros cronistas-viajantes, sobressaem
algumas características que apontam a relevância do assunto para Bosi. A
literatura de viagens era um gênero copiosamente representado durante o século
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15 em Portugal e Espanha, atestando o olhar ibérico voltado para o mar e a


conseqüente saída econômica para as duas nações. Por isso, os informes
sobre o Brasil são sistemáticos. Eles criam relatórios pormenorizados a respeito
da terra, na intenção de propagar o local como mercado econômico e para
uma possível colonização.

Outro item comum entre os cronistas diz respeito ao nativo da terra,


visto no nível descritivo sem qualquer conotação subjetiva ou polêmica. Eles
faziam parte do cenário, compondo uma natureza luxuriante e convidativa paraa imaginação,
reacendendo a questão da visão do paraíso. O Eldorado, o Éden
recuperado, a volta à Idade de Ouro da humanidade, que pensavam ter
encontrado, parecem confirmar as expectativas humanas quanto ao espaço
reservado para a paz, a juventude e a bondade. Ironicamente, essas imagens
fazem parte da mesma totalidade da ânsia mercantilista do olhar do cronista-
viajante e de seus representados, os governantes ambiciosos por mercadorias
rentáveis. Os cronistas se debruçaram sobre a terra e o nativo com um espírito
ao mesmo tempo ingênuo e prático.

Para além da idéia de paraíso, interessava mesmo era a preocupação


com o ouro e as pedras preciosas que se esperava existissem em grande
quantidade nas terras do Brasil, à semelhança das peruanas e mexicanas,
tônica incontestável da literatura informativa. Mesmo quando alguns portugueses
passaram a viver e cultivar a terra no Brasil, a crônica de informação continuou
sendo o melhor modo de angariar novos colonos, mas já apontava, segundo
Bosi, uma primeira forma de retenção nativista como forma de uma semente
cultural brasileira. “A insistência em descrever a natureza, arrolar os seus bens
e historiar a vida ainda breve da Colônia indica um primeiro passo da consciência
do colono, enquanto homem que já não vive na Metrópole e, por isso, deve
enfrentar coordenadas naturais diferentes” (BOSI, 2000, p. 24).

Para Bosi, essa seria a primeira etapa na análise da literatura de viagem,


ou seja, os relatos daqueles que passaram ou viveram alguns anos no Brasil e
descreveram suas paisagens e seus habitantes com interesse puramente
mercantilista. Uma segunda etapa é apontada por ele quando do movimento
romântico, principalmente pelas obras de José de Alencar.

A presença forte de três traços românticos, o nacionalismo, a natureza


expressiva e a figura do herói são fatores decisivos para a retomada das imagens
primitivas registradas pelos cronistas quinhentistas. Só que agora o ângulo de
visão deverá ser o de exaltar aquilo que os viajantes, de certa forma, denegriram.
Principalmente o nativo, fim da reclamação de Alexandre Herculano ao poeta
Gonçalves Dias, sentindo a ausência de espaço maior para essa personagem
tipicamente brasileira. Para Bosi, “é preciso ver na força de Gonçalves Dias
indianista o ponto exato em que o mito do bom selvagem, constante desde os
árcades, acabou por fazer-se verdade artística. O que será moda mais tarde, é
nele matéria de poesia” (BOSI, 2000, p. 105).

Dentro do grupo romântico, José de Alencar ocupará o lugar mais


proeminente pela natureza e extensão da obra que produziu. Nele, natureza e
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gesto heróico fazem parte de um mesmo sistema produtor de personagens.


Para Bosi, o autor busca a fuga, natural nos românticos, do progresso para um
mundo selvagem: “O Brasil ideal de Alencar seria uma espécie de cenário
selvagem” (BOSI, 2000, p. 138). O historiador aponta como uma das suas
características principais o anseio profundo de “evasão no tempo e no espaço”
(BOSI, 2000, p. 137). É dentro dessa perspectiva que Alencar retornaria às
raízes da nação brasileira para buscar inspiração para suas obras,
principalmente as de tema indianista, como Iracema, O guarani e Ubirajara.

Alfredo Bosi não aprofunda a questão da literatura de viagem nos textos


de Alencar, apesar de ter feito um elo com o tema quando escreveu sobre a
condição colonial do Brasil. Poderia ter feito uma bela relação, principalmente
com o último dos romances indianistas. Ubirajara, de 1874, é o texto mais
próximo da questão aqui proposta. A obra está mais para novela-ensaio do que
para romance. Tem uma estrutura enxuta, focalizando a personagem principal
e seus dois objetivos, quais sejam tornar-se um grande guerreiro e ter uma
mulher à sua altura. O texto é curto, cerca de noventa páginas, das quais
várias são notas de rodapé inseridas pelo autor para esclarecer pontos
considerados, por ele, importantes. Ao longo da narrativa, o escritor procura
desconstruir imagens distorcidas que os primeiros viajantes-autores criaram a
respeito da Nova Terra, seus habitantes nativos e suas culturas. Os referendados
são, principalmente, o português Gabriel Soares, o inglês Robert Southey, os
alemães Alexandre von Humboldt e Hans Staden, os franceses Ives d‘Evreux,
Jean de Lery e Ferdinand Denis entre outros. De alguns, Alencar busca o
esclarecimento de tradições e costumes e concorda com eles; de outros,
tenta refutar os textos, as impressões negativas e observações superficiais
que redundaram em características desfocadas do nativo.

Meio século depois, chega a vez de o Modernismo dar uma nova ênfase
ao motivo, segundo Bosi. Repare que o tema proposto pelo pesquisador de
levar a questão do relato de viagem do século 16 para as obras de Alencar e,
agora para Mário e Oswald de Andrade é puramente temática e visa somente
a figura do índio como remédio nativo para o excesso de cultura estrangeira
misturada nas letras brasileiras. Toda vez que o artista e/ou intelectual se vê
sufocado pelas formas e conteúdos alienígenas, busca rapidamente as raízes
brasílicas, ou seja, o nativo tupiniquim e seu legado oral de mitos e lendas,
incorporados por diversos escritores na cronologia histórica da literatura
brasileira. Vide o próprio Mário de Andrade que, para compor a sua rapsódia,
pesquisou e encontrou no lendário indígena recolhido pelo alemão Koch-
Gruenberg em Von Roraima zum Orinoco a imagem de Macunaíma.

Assim foi com o Modernismo. Buscando um caminho de contraste


entre o velho e o novo, os intelectuais navegavam em um vaivém entre o
universalismo e o nacionalismo com todas as conseqüências e seqüelas que
esse embate produz na cultura brasileira. Alguns escritores “viveram com maior
ou menor dramaticidade uma consciência dividida entre a sedução da ´cultura
ocidental` e as exigências do seu povo, múltiplo nas raízes históricas e na
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dispersão geográfica” (BOSI, 2000, p. 306). Além do equilíbrio entre o nacional


e o universal, era necessário buscar um meio termo entre o progresso e a
modernidade iminentes e a certeza “de que as raízes brasileiras, em particular,
indígenas e negras, solicitavam um tratamento estético, necessariamente
primitivista” (BOSI, 2000, p. 341). Além disso, a incorporação da pesquisa
folclórica se torna uma das opções mais fecundas de toda a cultura brasileira
nesse período, segundo Bosi. Aqui também aparecem reflexos da literatura de
viagem, quando Mário de Andrade e séqüito passeiam não só por Minas Gerais
mas também por vários estados do norte, coletando histórias e músicas
folclóricas. Desse périplo surgiu O turista aprendiz, em que Mário de Andrade
relata o contato com a vida indígena como se fora um Pero Vaz de Caminha.

A busca pelo primitivismo brasileiro através do folclore e mitos indígenas


tem paralelo, segundo o historiador, na cultura européia que também resgata
em suas raízes os motes e temas para as suas obras-primas. Beberam na
fonte do primitivismo Tarsila do Amaral e Portinari, Vila-Lobos e Mignone,
Lourenço Fernandez e Camargo Guarnieri, Mário e Oswald de Andrade, Jorge
de Lima e Guimarães Rosa. “A revivescência, em registro moderno, dos mitos
indígenas, africanos e sertanejos em geral é um dado inarredável para entender
alguns pontos altos da pintura, da música, e das letras que se fizeram nos
últimos quarenta anos” (BOSI, 2000, p.351).

Também Oswald de Andrade bebe da fonte dos relatos de viagem. Em


seus manifestos Pau-Brasil e Antropofágico ele soma o modernismo e o
primitivismo definidores de sua visão de mundo. Busca não só o espaço
moderno da nação, mas também a vida pré-colonial e colonial, redefinindo
conceitos de identidade e nacionalidade, às vezes clichês como “a ´luxúria`, a
´avidez` e a ´preguiça` com que nos viram os colonizadores do século XVI e as
teorias colonialistas do século XIX” (BOSI, 2000, p. 359). Bosi esquece que
Mário de Andrade retratou também o índio preguiçoso como protótipo do
brasileiro. Mário podia, Oswald não.

O interesse de José Guilherme Merquior pelos relatos dos primeiros


europeus que descreveram os habitantes e as paisagens da terra recém-
descoberta é estético-tradicional. Por isso, inicia a obra sob o signo do“costume”: “É costume
iniciar a história da literatura nacional pelo exame das
obras escritas, quase sempre sem intenção artística, por colonos ou viajantes,
nos dois primeiros séculos do Brasil” (MERQUIOR, 1996, p. 12). A opinião é a
de que os relatos de viagens servem para documentar, exibir a atmosfera cultural
das capitanias no sentido de revelar a psicologia do colono, servem, finalmente
para a compreensão “do fundo espiritual de que nasceu a experiência histórica
do Brasil, e, dentro dela, pouco mais tarde, a literatura nacional” (MERQUIOR,
1996, p. 12).

A literatura de viagem refletiria a avidez colonial na imagem parcialmente


superlativa. Uma terra excelente, com fauna e flora abundantes e solo fértil.
Essa “prosa de notícia” é dividida por Merquior em duas classes. A primeira
estaria subordinada ao imaginário mais do que ao realismo da observação e
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serviria para o processo mercantilista da época. Estão relacionadas crônicas


e relatos de: Pero Vaz de Caminha e a sua Carta; Pero de Magalhães Gandavo
e a História da Província de Santa Cruz; Gabriel Soares de Sousa e o Tratado
Descritivo do Brasil; e do jesuíta Antonil a Cultura e opulência do Brasil.
Diferentemente de Bosi, José Guilherme não analisa separadamente cada obra.
Ele cita apenas, englobando-as dentro da visão referida acima.

Na segunda classe estaria Ambrósio Fernandes Brandão com os


Diálogos das grandezas do Brasil, ao qual Merquior dá um grande destaque
diante do interesse da leitura que ela proporciona, diferentemente das outras
obras, por apresentar um processo de abrasileiramento cultural vendo a terra
não como um espaço de mercadoria, mas como uma terra para se criar raízes.
Assim também Merquior classifica a obra de Frei Vicente do Salvador. Ela
seria um passo a mais no estágio avançado na consciência brasileira. Portanto,
esses dois relatos não se aderiam apenas ao pitoresco e fabuloso, mas
descreviam a real condição da terra e de seu povo em formação.

Diferentemente de Bosi, Merquior separa a literatura dos jesuítas da


condição de relato de viagem e de informação para uma literatura de catequese,
muito mais condizente com o espírito dela. Sem apontar os relatos dos
primeiros viajantes como tema para a literatura futura, o pesquisador encerra
essa sessão assim, simples e com informações sucintas, sem muito
aprofundamento.

O interesse de Erico Verissimo pelos relatos dos primeiros europeus


que descreveram os habitantes e as paisagens da terra recém-descoberta é
lúdico. O único texto selecionado por ele é a carta de Caminha. O autor a
define como o primeiro documento escrito sobre o Brasil. Ainda não é literatura
e muito menos brasileira, pois “no século XVI não havia literatura brasileira
nenhuma. Havia, é claro, muitas cartas, ensaios e poemas escritos no Brasil
por portugueses e por escritores estrangeiros” (VERISSIMO, 1995, p. 21).

A “deliciosa” carta de Caminha, como Erico a chama, além de marcar


uma origem muito mais da terra descoberta do que de uma literatura brasileira,
serve para o escritor como base para toda a forma de conceito que se ligará à
cultura escrita do Brasil. Ele retira da obra a famosa frase “a terra é tão boa
que, em se plantando, tudo dá” (VERISSIMO, 1995, p. 21); e é com esse
bordão que ele explica a literatura brasileira como reflexo da cultura européia,
das modas literárias e artísticas, principalmente portuguesa e depois francesa.
A terra seria tão boa que qualquer cultura estrangeira floresceria aqui, assim
como qualquer forma de dominação, como a religião, que ironicamente ele diz
ter sido plantada na Terra Nova: “Os portugueses plantaram uma grande cruz
de madeira perto do lugar onde haviam aportado, celebraram missa e o escrivão
da frota enviou carta a seu rei, descrevendo as maravilhas e belezas naturais
da terra e as peculiaridades de seus habitantes” (VERISSIMO, 1995, p. 18).

Alfredo Bosi confere às informações relatadas pelos viajantes


quinhentistas o peso ideológico da colonização. Para ele, recuperar alguns
relatos desse tempo é poder demonstrar a visão do outro, dos primeiros cronistas
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quanto à terra recém-descoberta, os primitivos habitantes e paisagens locais.


O ângulo explicitamente estético do pesquisador dá espaço à dialética da
colonização para demonstrar a dependência dos países americanos a uma
busca comum para a criação da cultura colonizada. Fora dessa relação, o
peso estético da sua formação obscurece o provável valor das narrativas de
informação. A ligação direta que ele faz com os temas e personagens que irão
povoar permanentemente a literatura e a cultura brasileiras é um exemplo dessa
transformação do relato de viagem como informação em um discurso estético
afinado com sua visão de arte.

José Guilherme Merquior, seguindo somente a estética, traça um perfil


da literatura de viagem diferente do de Bosi. Para aquele, não há preocupação
com a questão colonial como base para um entendimento da formação cultural
do Brasil. Ou seja, não haveria uma necessária relação dialética entre
colonizador e colonizado nas bases de uma metodologia para o estudo da
literatura em questão. Se Bosi prescinde da condição colonial para a sua
análise, Merquior a desqualifica remetendo sua necessidade para o uso do
costume e da tradição. Partindo de um amplo conhecimento filosófico, histórico
e lingüístico, o pesquisador predispõe da estética como conhecimento
harmonioso para a análise do cânone em apreço. Os relatos, as cartas e
diários se enquadram em uma conseqüência natural daqueles que por aqui
passaram e que deviam obrigações a seus senhores. Por isso o espaço exíguo
que ganham tais gêneros. Note-se que o pesquisador titula a sessão em estudo
de “A literatura da era barroca no Brasil”, passando descompromissadamente
pela questão da herança da condição colonial, que tanto aflige Bosi. O termo
usado por Merquior para qualificar tais relatos dá a idéia da sua valorização;
ele os chama de “literatura de celebração e conhecimento da terra”.

Erico Verissimo compõe uma história da literatura totalmente diferente


das duas precedentes. A sua veia de contador de histórias é muito mais
marcante que o seu lado historiador. A adjetivação que o autor dá à carta de
Caminha é revelador disso, “deliciosa” pode ser muita coisa, menos o primeiro
relato da Terra Brasilis. Mas falando para uma platéia de norte-americanos, na
língua deles, Verissimo usa de artifícios para não sobrecarregar os ouvintes;
incluindo nesse item a não menção a muitos relatos de viagens, que se tornariam
intragáveis para a platéia. A sua metodologia não é focada para a ideologia,
nem à estética pura, mas àquela que melhor resultado daria naquele espaço,
qual seja a lúdica-estética.

Portanto, nas três obras analisadas, a literatura de viagem mencionada


foi a que deu origem a uma escamoteada literatura brasileira no século 16. As
crônicas, cartas e diários dos viajantes quinhentistas foram classificados, no
geral, como literatura de informação. Os dados observados e anotados tinham
objetivos pessoais, religiosos e/ou mercantilistas e funcionavam como vitrine
para um produto, o Brasil. Tirando essa primeira definição de literatura de
viagem, os três pesquisadores encerram por aí a questão. Bosi, apesar de
sinalizar uma extensão do assunto em pauta, aborta o estudo do gênero e o
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desfaz em tema, idéia, assunto ou personagem (tematologia), perdendo o fio


inicial do conceito.

Se os historiadores não historicizaram mais a literatura de viagem é


porque ela só existiu no século 16? Nenhum romancista se aventurou, depois
disso, na narrativa de paisagens e povos de uma determinada região? Ou será
que a literatura de viagem ainda carrega o status de uma literatura menor
como disseram explicitamente Bosi e Merquior? Note-se que Erico Verissimo
não traz nenhum conceito estético sobre tal questão. Para ele, a literatura de
viagem existiu, teve um significado específico e isso é tudo. Não obstante o
silêncio dos pesquisadores, a literatura de viagem continuou fazendo parte da
vida e da escrita dos romancistas brasileiros.

Dos três autores estudados nesse artigo, somente Alfredo Bosi


especifica, em notas de rodapé, a bibliografia dos escritores analisados. Assim,
para cada um existe uma relação de obras sem, entretanto, aludir a uma
classificação quanto ao gênero do texto. Por isso, há certa dificuldade em se
separar ficção de relato de viagem, ou de crônica e correspondência. Portanto,
utiliza-se aqui a obra de Antonio Candido e José Aderaldo Castello, Presença
da literatura brasileira,9 como um dicionário literário, para se observar a questão
da viagem. Nos três volumes da obra, os dois autores separam os textos dos
escritores por gênero, dando maior visibilidade para as suas bibliografias.

Mesmo assim, pode-se encontrar o que seria uma falha na pesquisa


dos autores, pois os mesmos, apesar do esforço no levantamento dos gêneros
dos escritores relacionados, deixam passar alguns relatos de viagens sem
especificá-los. Quando escrevem sobre Joaquim Manuel de Macedo, eles não
indicam como relato de viagem o livro Um passeio pela cidade do Rio de
Janeiro, de 1862, nem o Viagens pelo Rio Amazonas, de Gonçalves Dias, por
exemplo.

De todos os escritores analisados, Candido e Castello separam


especificamente como relato de viagem as obras de três autores: Jorge Amado,
com O mundo da paz, Graciliano Ramos e o seu Viagem, e Erico Verissimo e
os livros Gato preto em campo de neve, A volta do gato preto e México, história
duma viagem. Por essas amostras, pode-se concluir que os pesquisadores
consideraram relatos de viagens somente os escritos que relatam observações
de cidades e/ou países estrangeiros. Os percursos realizados no próprio país
ficaram de fora.

O conceito de literatura de viagem que daí sobressai poderia ser definido


como a expressão do encontro entre duas culturas distintas: a do escritor e a
do observado. Tal conclusão não deixa de ser um pálido reflexo da questão da
influência de outras culturas na vida artística brasileira. Uma outra dedução
possível quanto ao quadro acima é a de que tal literatura de viagem se deu,

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira. 11 ed. São


Paulo: Difel, 1982. 3 vol.
Letras & Letras, Uberlândia 23 (1) 145-159, jan./jun. 2007

segundo os pesquisadores, no período mais recente da literatura brasileira,


também denominado de Modernismo.

José Paulo Paes, no seu Pequeno dicionário de literatura brasileira10,


escrito com Massaud Moisés, empreende uma classificação mais flexível a
respeito dos relatos de viagens, que poderiam ser assim relacionados:

1) Relatos de viagens correspondentes à época do Brasil-Colônia,


considerados como literatura de informação. São escritos praticados por
viajantes de língua portuguesa, nascidos ou não no Brasil, e por estrangeiros
como Hans Staden, André Thevet, Jean de Léry, Antoine Knivet e outros. Os
portugueses e brasileiros são, dentre outros, Pero Vaz de Caminha, Pêro de
Magalhães Gândavo, Gabriel Soares de Sousa, etc.

2) O relato de viagem ganha feição científica no século 19 com a vinda


de estudiosos europeus para o Brasil, como Saint-Hilaire. Nesse período,
alguns escritores brasileiros, com a veia romântica dilatada pelo nacionalismo,
empreendem viagens pelas regiões do País, resultando daí relatos “de parco
significado literário” segundo os pesquisadores. São desse período os já citados
Gonçalves Dias e Joaquim Manuel de Macedo. Adolfo Caminha, com No país
dos Ianques, também escreveu suas peregrinações, assim como outros
autores.

3) Um terceiro tempo da literatura de viagem se faz com o advento do


Modernismo. Agora, mais do que uma informação ou um relato científico, trata-
se de compreender, a fundo, a cultura brasileira multifacetada, composta por
diversas representações de diferentes regiões e origens.

4) Com o alargamento de textos sobre relatos de viagens, chega-se a


uma quarta etapa desse gênero, principalmente com Erico Verissimo, que,
segundo Paulo Paes e Massaud Moisés, “Dentre os autores modernos, manda
a justiça destacar: Erico Veríssimo (...), o mais significativo de todos, já pela
linguagem, já pelo senso do poético e do cotidiano, não obstante a leveza
propositada de reportagem ou de ficção”11. Com o escritor gaúcho, o relato de
viagem ganharia, para além da sua feição de reportagem, um toque literário e
estético, elevando assim o gênero a um patamar mais nobre.

Portanto, a literatura de viagem passaria de uma mera crônica de


informação no século 16 para um relato científico três séculos depois,
espraiando-se para uma forma de conhecimento cultural das raízes do próprio
País, já no início do século 20, terminando por desaguar em um relato-
reportagem com ares de literatura na metade do mesmo século. Esse processo
que, aparentemente evidencia uma progressão, pode ser anulado a partir da
montagem da história, não em espaços regidos pela cronologia, mas em temas
específicos relacionados à idéia viagem. Uma historiografia da literatura de

10

PAES, José Paulo; MOISÉS, Massaud. Pequeno dicionário de literatura brasileira. São
Paulo: Cultrix, 1969.
11 Idem, ibidem, p. 436-7.
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viagem poderia conter três capítulos principais: 1) A literatura de viagem rural;


2) A literatura de viagem urbana e 3) A literatura de viagem em solo estrangeiro.

No entanto, a historiografia da literatura brasileira continuou apegada


ao esquema estético como base e limite para os seus cânones. Numa guinada
de cento e oitenta graus, pode-se pensar em uma história da literatura de
viagem abrangendo os textos que, assim como a literatura infantil e infantojuvenil,
a correspondência, a crônica, etc., foram deixados à margem do cânoneoficial. É necessário, para
tanto, que se coloque de lado o ângulo clássico de
se analisar as obras através da perspectiva da personagem, do tempo e da
ação, além da questão da forma e da gênese da alta cultura, para poder observar
parâmetros mais abrangentes e que dizem mais da era contemporânea.

Um olhar para a estética da recepção como prioridade, por exemplo,


irá demonstrar que uma história da literatura atual seria composta por nomes
e obras totalmente diferente das que habitam os livros de historiografia literária.
Se a questão de gêneros fosse colocada como prioridade ter-se-ia uma outra
história da literatura. Por que não tentar? A própria história composta por Erico
Verissimo já apresenta um cânone, senão totalmente diferente, pelo menoscom alguma inovada
relação de obras e excertos. É um texto específico para
um público especial? Sim, mas é uma obra que não tem pretensão de ser
eterna e nem de relacionar nomes canônicos da literatura. Talvez esse seja o
principal defeito da historiografia literária, olhando-se a partir da
contemporaneidade: a necessidade de que alguns autores têm em especificar

o cânone que, talvez seja redundância, deva ser eterno.


O fluir do tempo, questão da historiografia, demonstra que,
inevitavelmente, uns autores permanecem, mas depois somem; algumas obras
sobressaem em uma época, depois desaparecem. Autores e obras que nunca
foram relacionados em uma história da literatura, de repente aparecem como
obras-primas. No entanto, a historiografia teima em consolidar autores e obras
como monumentos para a eternidade, como se não fosse possível o seu
desaparecimento. Para tanto, somente a estética sustenta tal artificialidade.
Quem poderá dizer que, esteticamente, a obra de Machado de Assis, um dia,
ruirá? Ninguém, pois desse ponto de vista, ela é perfeita e sempre será. Agora,
use um outro paradigma de análise: a questão do discurso de gênero, por
exemplo. Como a mulher aparece em sua obra? Como os agregados vivem
nos seus livros? A famosa questão escravocrata que tanto lhe é cobrada? As
lacunas começam a aparecer.

Aproveitando que os estudos literários contemporâneos são marcados,


cada vez mais, pela ruptura de diferentes variantes da autonomia do estético,
é possível contemplar uma historiografia literária que dê oportunidade para os
textos marginais. A partir dessa nova ampliação dos horizontes, poder-se-ia
perceber os diversos matizes culturais relegados ao obscurecimento por conta
de uma estética clássica, de feição acadêmica e enrijecida. Os relatos de
viagem podem contribuir com essa renovação ao apontarem para a ampliação
da vida cultural, tanto oficial quanto cotidiana, além de aflorarem as questões
Letras & Letras, Uberlândia 23 (1) 145-159, jan./jun. 2007

de comparatismo literário. Podem, ainda, problematizar as questões da


interpretação e da alteridade, além da retórica e da ciência, ao interagirem
espaços diferentes com sociedades e culturas diversas através de narrativas
que se equilibram entre o objetivo e o subjetivo, a realidade e a ficção.

As historiografias literárias de Alfredo Bosi e José Guilherme Merquior


refletem a instituição do estético acadêmico, não podendo, portanto, ampliar a
análise do relato de viagem para além das características que lhe deram origem,
isto é: observar, relatar e informar nas formas de crônicas, relatos e diários
com intuitos ideológicos, mercantilistas e religiosos. Erico Verissimo aponta
para uma relação mais lúdica do contador de histórias que reconhece o filão
literário no relato de viagem de Pero Vaz de Caminha. Pode ser que se começa
aqui, com esse escritor, como afirma José Paulo Paes, um verdadeiro
reconhecimento do lado literário de tais relatos de viagens; mesmo porque o
autor de O tempo e o vento consagrou parte de suas criações para narrar as
suas viagens aos Estados Unidos (dois volumes), México e Israel, Grécia e
Portugal, demonstrando que não foi à toa que ele viu, nos relatos dos viajantes
quinhentistas, a riqueza de se fazer e narrar tais percursos de viagens, em que

o confronto com outras culturas pode revelar a beleza da paisagem e do humano.


Uma historiografia literária que recuperasse os relatos de viagens, além
da esperada originalidade, contribuiria para a ampliação e concretização da
própria disciplina, da teoria da literatura e do campo literário brasileiro.

RIBEIRO, R. C. TRAVEL LITERATURE AND BRAZILIAN LITERARY


HISTORYGRAPHICAL

Abstract: This article presents a study relating travel literature and the
busy place for them in some histories of brazilian literature. The authors
selected are: Alfredo Bosi, José Guilherme Merquior and Erico Verissimo.
The essay presents, also, an sketch of a possible trip literature history.

Keywords: Literary historygraphical, travel literature, brazilian literature.

Referências bibliográficas

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 37 ed. São Paulo:


Cultrix, 2000.

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura


brasileira. 11 ed. São Paulo: Difel, 1982. 3 vol.

FRANCHETTI, Paulo. História literária: um gênero em crise. In: SEMEAR:


Revista da cátedra Padre António Vieira de estudos portugueses. Rio de Janeiro,

n. 7, 2002.
Letras & Letras, Uberlândia 23 (1) 145-159, jan./jun. 2007

MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da


literatura brasileira. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

OLINTO, Heidrun Krieger (Org.). Histórias da literatura: as novas teorias


alemães. São Paulo: Ática, 1996.

PAES, José Paulo; MOISÉS, Massaud. Pequeno dicionário de literatura


brasileira. São Paulo: Cultrix, 1969.

PERKINS, David. História da literatura e narração. Trad. Maria Ângela Aguiar.


Porto Alegre: FALE/PUCRS, 1999.

VERISSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. Trad. Maria da


Glória Bordini. São Paulo: Globo, 1995.

VIEIRA, Nelson H. Hibridismo e alteridade: estratégias para repensar a história


literária. In: MOREIRA, Maria Eunice (Org.). Histórias da literatura: teorias,
temas e autores. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003.
Letras & outros: a América Portuguesa nos séculos XVI, XVII e XVIII [1]
Marcelo Paiva de Souza
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (Brasil)

Resumo: Embora haja o consenso de que os estudos literários sobre o “Brasil-Colônia” têm dado
passos consideráveis nos últimos anos, são poucas ainda as tentativas de mapeamento mais amplo
da produção recente, com vistas a demarcar e investigar tendências e, outrossim, a assinalar
aspectos eventualmente negligenciados ou insuficientemente explorados pela pesquisa. O propósito
aqui é contribuir nesse sentido, com algumas observações e reflexões acerca do assunto.
Palavras-chave: Estudos literários contemporâneos; “Brasil colonial”.
Abstract: Although it is unanimously recognized the significant advance of recent literary research
into “colonial Brazil”, there are not yet many attempts at surveying the whole array of studies that
have been developed during the last years, in order to identify and to discuss the main critical
trends, and to point out the blanks which still remain unexplored or insufficiently examined by the
experts. The purpose of this article is to sketch such an overview.
Keywords: Brazilian literary studies; “colonial Brazil”.

Um conhecedor do assunto há pouco chamava a atenção para o permanente desafio que o período
colonial tem representado para a inteligência brasileira e, em particular, para os estudos literários no
Brasil [2]. E não custa atinar com os porquês disso. Consideradas por alto a envergadura e a
complexidade do processo histórico que Alfredo Bosi acertadamente denominou de dialética da
colonização, observados de relance todos os meandros do sistema colonial, com os múltiplos nexos
e forças que o estruturam, bem como todas as especificidades da condição colonial, com os vários
conflitos e paradoxos que ela implica, já se faz idéia do longo rol de problemas a solicitar
equacionamento no caso. [3]
Por outro lado, às questões de cunho mais geral somam-se ainda as muitas outras que são
intrínsecas às formações discursivas coloniais, às dinâmicas da linguagem e da cultura, domínio
este no qual o estudioso brasileiro - como também o hispano-americano - tem atualmente de lidar,
conforme o lúcido juízo de Ana Pizarro, com um objeto tão intrincado quanto fugidio,
en donde líneas de desarrollo paralelo y de diferenciaciones leves, así como sistemas que expresan
tiempos culturales diferentes y a veces antagónicos, se articulen no ya en la dirección lineal y
monocultural de la historia literaria tradicional, asentada sobre un único canon de raíz
metropolitana, sino en líneas plurales en relación, en sus complejos movimientos de contacto, en
sus juegos de hegemonías y subalternidades, de paralelismos, de desfases, de rechazos o de
integración. [4]
Não admira perante tal quadro que restem tantas tarefas a cumprir na área de Letras em prol do
conhecimento da época de que tratamos. Este breve artigo tem o propósito de indicar, no que
respeita ao “Brasil-Colônia” [5], algumas dessas tarefas, propondo um primeiro escorço de
possíveis pautas teóricas nas quais inscrevê-las e discuti-las. Conhecendo as particularidades da
esfera de colonização espanhola no continente, o leitor hispanoablante da Espéculo talvez se
disponha a indagar, em um esforço conjunto de reflexão, acerca de temas e problemas de interesse
comum. Uma investigação comparativa da matéria, atenta a toda a gama de confluências e
disparidades em jogo, não será uma das mais importantes empreitadas que continuam à nossa
espera?
Antes de prosseguir, porém, cabe uma ressalva. Pois a afirmação de quanto há por fazer ainda quiçá
leve a supor que se repute pouco o que já foi feito, ou que se enxergue aí, necessariamente,
demérito. De fato, sobretudo em data recente, o que verificamos é bem o contrário. As publicações
vindas a lume nos últimos decênios dão prova expressiva do vigor das pesquisas em curso. A
diversidade de assuntos e de enfoques é inconteste e alvissareira, e a qualidade dos trabalhos muita
vez tem atingido um patamar excepcional. Não parece imprescindível nem sequer viável, aqui,
submeter toda essa produção a escrutínio, mas será ela a rigor o ponto central de referência das
considerações que se seguem.
A vertente que mais se destaca hoje nos estudos literários brasileiros sobre a era colonial guarda
significativa relação com o que certos autores vêm chamando de retorno contemporâneo da retórica
[6]. Na introdução a sua Máquina de gêneros, Alcir Pécora define em termos lapidares a diretriz
básica assumida pelos trabalhos que são representativos dessa tendência em nosso meio: ler os
textos “produzidos entre os séculos XVI e XVIII, a partir do exame de procedimentos previstos e
aplicados pelas convenções letradas em vigência no período em questão.” [7] A ênfase analítica
recai, portanto, no saber tradicional próprio daquele fazer, nas tópicas da inventio, nas operações da
dispositio e da elocutio, nas matrizes e nos modelos das formas de discurso, em suas hierarquias,
seus nexos institucionais e suas condições de performance, em todos aqueles aspectos, em suma,
que a vasta rede conceitual da retórica tão finamente apreende, regula e descreve.
Sugeriu-se ali e acolá que tal enfoque seria ditado por um gosto malsão do prolixo ou, pior ainda,
pelo endosso tácito a um parti pris teórico de feições conservadoras, se não taxativamente
reacionárias. No entanto, descontado o costumeiro lastro de ressentimento no bojo dessas censuras,
não lhes sobra grande coisa deveras consistente. O vocabulário retórico não é mais nem menos
arrevesado do que o de quaisquer outros jargões em uso entre especialistas. E razão nenhuma faz
crer aqui em mero recuo a concepções caducas ou sintoma de nostalgia por elas. Cumpre antes
notar, com John Bender e David Wellbery, que o já mencionado retorno da retórica na
contemporaneidade não é simples reprodução do mesmo; que ele pressupõe isto sim, “through its
very structure as return, an end of rhetoric, a discontinuity within tradition, and an alteration that
renders the second version of rhetoric, its modernist-postmodernist redaction, a new form of
cultural practice and mode of analysis.” [8]
Voltando uma vez mais aos argumentos de Pécora averiguamos assim que, salvo engano, estão
longe de ser retrógradas as premissas epistemológicas do tipo de abordagem crítica ali preconizada.
Não sem um quê de irônica provocação, sua proposta se reclama, em medidas idênticas e
complementares, tanto “historicista” quanto “nominalista”, adjetivos estes nos quais,
previsivelmente, aspas alertam para a conveniência de um entendimento diferenciado. Quanto ao
historicismo reivindicado na Máquina de gêneros, assegure-se desde logo que a exigência de Pécora
tem sobretudo fins profiláticos: trata-se de contrapor, às exorbitâncias de um possível abandono da
dimensão histórica, ou de um trato desavisadamente anacrônico do que é do tempo, a justa demanda
de que a análise se instale no chão irrevogável, conquanto impuro e impermanente, do obrar da
história. Quanto ao nominalismo, deve-se entendê-lo por um lado como um questionamento do que
Pécora designa de onipotência objetiva do contexto; nas palavras do próprio autor, “a ‘realidade’ de
que se pode falar é tão somente a que se compõe ‘junto’ daqueles que falam dela”, não algo
“extern[o] ou transcendente a todo acordo intersubjetivo” [9]. Real e contexto são concebidos nessa
ordem de idéias não como instância objetivamente dada mas, ao contrário, como constructos que
resultam de convenções e práticas determinadas. Tal como os textos, por outro lado, precisamente
nisso consistindo a segunda tese nominalista defendida em Máquina de gêneros.
O que está em causa então, de novo segundo as palavras do próprio autor, é a “crença de que os
diferentes gêneros retórico-poéticos dos [...] textos estudados não são formas em que se vazam
conteúdos externos a elas, mas determinações convencionais e históricas constitutivas dos sentidos
verossímeis de cada um desses textos.”[10] Mais ainda, postula-se no caso
uma semântica do objeto literário que não é ‘reflexo’ de referentes externos de qualquer espécie,
nem ‘representação’ de conteúdos, seres ou substâncias, mas sim operação particular de recursos de
gênero historicamente disponíveis, capazes de produzir certos efeitos de reflexo e representação,
sejam de conteúdos, seres ou substâncias. [11]
A crença e o postulado aí referidos dizem de modo bastante incisivo da novidade da posição crítica
que vamos caracterizando. Ter plena conta do arcabouço retórico-poético das obras com que se lida
porventura parecerá óbvio. No âmbito em que nos movemos, contudo, esse imperativo acarreta uma
problemática específica, pois nos obriga a admitir - como adverte Aron Kibedi Varga a propósito do
classicismo francês [12] - que são numerosos e estreitos os laços entre retórica e poética, que há
mesmo um vínculo de subordinação desta àquela nas letras quinhentistas, seiscentistas e
setecentistas. Ora, ainda em 1970 Kibedi Varga asseverava que
l’esprit moderne répugne à accorder une place aussi centrale à la rhétorique; on l’a trop souvent
décriée - les philosophes depuis l’antiquité, les écrivains surtout depuis le romantisme - pour qu’il
soit facile de la considérer comme la base de toute science littéraire. [13]
No que respeita ao Brasil em particular, Roberto Acízelo de Souza demonstrou, em um estudo
primoroso, que o longo império da eloqüência na cultura letrada nacional chega a termo ao findar o
século XIX [14]; a partir daí a retórica não só é eliminada dos currículos escolares e dos catálogos
editoriais, como em breve acaba presa da irreverência dos modernistas em seu afã de polêmica e
renovação. Acízelo de Souza aventa a interessantíssima hipótese de que a atitude anti-retórica do
modernismo foi em larga medida incorporada por nossa crítica e nossa historiografia literárias [15],
não sem prejuízo, claro está, para a capacidade de compreensão analítica de ambas diante de
escritos e escritores tributários, de uma forma ou de outra, quer dos usos, quer dos abusos da
eloqüência.
A sugestão do autor demanda, escusado talvez acrescentar, uma pesquisa tão extensa quanto
meticulosa. Basta o que ficou dito acima, todavia, para que se avalie com maior justeza o gesto
crítico de um João Adolfo Hansen quando define a poesia do Seiscentos, segundo critérios vigentes
à época seiscentista, como “um estilo, no sentido forte do termo, linguagem estereotipada de
lugares-comuns retórico-poéticos anônimos e repartidos em gêneros e subestilos”; estereotipada
significando no caso, “nem mais nem menos, fortemente regrada por convenções da produção e da
recepção [...] [16]. Ao proceder assim, o autor tinha de haver-se com óbices consideráveis, já que
era preciso não apenas ir de encontro a uma resistência, uma generalizada prevenção anti-retórica,
difusa, mas nem por isso menos tenaz, como também achar remédio para uma falta, resgatando da
dessuetude e do esquecimento a aparelhagem teórica descartada em conseqüência do colapso da
instituição oratória no país.
Acresce a tanto a dura crítica feita por Hansen, em termos bem próximos daqueles empregados por
Alcir Pécora, aos esquemas interpretativos que se configuram em torno das noções de representação
e de expressão, esquemas muito recorrentes, por exemplo, na leitura da sátira atribuída a Gregório
de Matos, não obstante obliterarem “a historicidade da prática satírica”, efetuando-a “como exterior
à sua própria história, ora como ‘reflexo’ realista, ora como ‘ressentimento’ e ‘oposição’ expressivos
[17]. O que se acusa aí, já vemos, é o vezo renitente e insidioso do anacronismo, o dilatamento
impensado do raio de alcance de conceitos de extração pós-ilustrada na compreensão e na valoração
dos produtos de uma cultura pré-iluminista. Em palavras de uma ironia que mal encobre a
acrimônia, Hansen passa em revista num átimo a fortuna crítica do “Boca do Inferno”, toda ela
quase sempre às voltas, no entender do estudioso, com os desafortunados equívocos resultantes da
extemporaneidade das categorias analíticas que a sustentam. Citemos o trecho mencionado:
[...] supostamente autor da obra unificada sob a rubrica de seu nome, [Gregório] é uma
subjetividade toda fel, toda pessimismo e ressentimento, nobreza togada de Goldmann fora do lugar
na Bahia, que não acha posição na aristocracia decadente, nem na ordem mercantil dos arrivistas,
nem na plebe, e a quem sobram em tanta falta, quando não é plágio de Gôngora ou Quevedo, o
revolucionarismo formal contraposto ao reacionarismo obsceno dos conteúdos fidalgos e classistas
com que expressa sua barroca angústia e desengano. [18]
A carapuça decerto serviu a muitos intérpretes e leitores dos versos atribuídos a Gregório de Matos.
Não contente com isso, entretanto, nem com os puxões de orelha aplicados a vários leitores e
intérpretes de Antônio Vieira, Hansen vai além, e indigita ainda as distorções de que costuma
padecer a abordagem do período colonial em nossa historiografia literária. O que o autor questiona
desta vez é a visada teleológica que tenciona buscar o sentido de uma realidade histórica não nesta
realidade mesma, mas na meta última a que presumidamente se destina. Operando “no modo do
ainda-não do Estado nacional”, do “demasiado cedo para o Advento”, subsumindo o colonial a um
“contínuo evolutivo”, os historiadores da nossa literatura passam então a vê-lo, à força de
“projeções retrospectivas”, como lugar de latência da brasilidade, “que se deixa entrever, aqui e ali,
como o Espírito que anda.” [19] A manobra inteira por conseguinte traz fruto duvidoso: o que a
investigação tem propriamente em mira desaparece por entre as miragens finalistas produzidas pela
perspectiva adotada, o passado se apaga em sua especificidade, para tomar viso de necessária
antecipação do que sucederá.
Todas essas reservas a modalidades de leitura de propensões anacrônicas e/ou teleológicas deixam-
se talvez reduzir a um só princípio: a recusa de um olhar que se limite, nas palavras de Ivan
Teixeira, à “busca da identidade do passado com o presente” [20]. Temerosa de homogeneizar o
ontem à imagem e semelhança do hoje, naturalizando o que é histórico, universalizando o particular
e substancializando o que é da ordem da contingência e da convenção, a crítica retórico-poética
elege uma estratégia de
nítida orientação arqueológica, segundo a qual a estrutura, a função e o valor das obras deverão ser
reconstituídos segundo sua ‘normatividade inicial’, como produção cultural específica de sua época,
e não como objetos passivos que se deixam unificar transistoricamente pelo olhar uniformizador do
presente. [21]
Sem embargo da pertinência de suas motivações, nem da importância dos resultados que obteve até
este momento, cumpre ressaltar que o projeto delineado acima suscita uma série de objeções
teóricas. Mencionemos aqui uma ou outra entre elas. Em artigo dedicado à poesia de Cláudio
Manuel da Costa, Ricardo Martins Valle reconhece ser preciso eliminar, na medida do possível, a
interferência de “anacronismos e pressupostos deslocados” [22]. Argumenta porém que a
perspectiva crítica baseada na reconstrução dos parâmetros de época não está isenta de “riscos e
limites”, que “são a constituição e estagnação de um sistema interpretativo fechado, que se restrinja
à reprodução das regras e critérios antigos, suprimindo o lugar histórico do leitor” [23] e excluindo
da leitura seu componente reflexivo. A braços com a problemática - e com as controvérsias - em
torno do barroco, Haroldo de Campos repudia por sua vez o determinismo sociológico da tese “que
liga a obra, irrevogavelmente, a seu público de época, o primeiro público ou ‘público específico’”
[24], enquanto Luiz Costa Lima, enfim, a propósito de um texto do próprio Hansen, faz a seguinte
pergunta: aceitos tais e quais os argumentos deste último, privilegiando um ponto de vista analítico
em estrita conformidade com os referenciais seiscentistas,
não se estará obrigado a subordinar-se a indagação do barroco a uma abordagem historicista? Isto é,
a fechá-lo inexoravelmente em seu próprio tempo, fazendo nosso o trabalho do arqueólogo que
procura reconstituir sua face inexoravelmente arruinada, a priori sabendo que se trata de um corpo
abolido, capaz de interessar apenas enquanto perempto? [25]
Eis aí questões que merecem detido exame e ampla discussão. O viés arqueológico da crítica
retórico-poética é muito bem-vindo por um lado, já que prioriza um esforço de compreensão
conjugado ao reconhecimento da alteridade das letras da colônia, garantindo assim à sua análise e
interpretação um senso mais vivo das distinções. Por outro lado, contudo, o prisma arqueologizante
pode ocasionar conseqüências indesejáveis, que abrangem desde uma espécie de musealização do
acervo letrado dos séculos XVI, XVII e XVIII, posto evidentemente sob a renhida guarda de seus
autoproclamados curadores, até um enganoso menosprezo do agora da iniciativa de leitura [26] a
despeito de ser ele afinal, em suas múltiplas determinações, o fator determinante do horizonte
sempre móvel da recepção e de cada nova interrogação dirigida aos textos.
Repita-se ainda uma vez porém que, apesar dos cabíveis reparos no plano teórico, não é lícito pôr
em dúvida o notável desempenho da crítica de vocação retórico-poética quando face a face com as
obras. O livro de Hansen sobre a sátira seiscentista, o de Pécora sobre o sermão vieiriano, e o de
Ivan Teixeira sobre o neoclassicismo luso-brasileiro [27]- para ficarmos apenas nestes exemplos -,
constituem realizações de primeira grandeza, cuja contribuição ao estudo de seus respectivos temas
foi nada menos que decisiva. E não se deixe de enfatizar o fato de que para além de seu aspecto
pontual, do avanço no domínio específico de cada matéria investigada, essa contribuição também
possui um teor mais geral, dadas as muitas possibilidades do método empregado na investigação e
as vastas regiões franqueadas à pesquisa a partir dos achados daqueles trabalhos. Devemos
observar, aliás, que o dado crítico novo de maior relevância no caso consiste exatamente na
redefinição do conjunto de problemas sob o escrutínio dos estudiosos. Terá ficado claro a esta altura
como colaborou para tal mudança o paradigma de análise retórico-poético. No entanto, não derivam
dele apenas as propostas de reorientação de rumo. Merece registro atento uma intervenção discreta,
mas especialmente significativa, já que procede de um historiador e crítico literário cuja obra tem
balizado boa parte do que empreendemos em nosso perímetro disciplinar.
Prefaciando o livro de Jorge Antonio Ruedas de la Serna, Arcádia: tradição e mudança [28],
Antonio Candido assinala a eventual importância de trabalhos feitos com espírito semelhante “para
o futuro dos estudos literários no Brasil” [29]. Segundo argumenta, ao “demonstrar que o nosso
Arcadismo só pode ser compreendido se pensarmos simultaneamente o caso português”, Ruedas de
la Serna decerto foi
beneficiado pela sua condição de mexicano, que o livrou dos resquícios de nacionalismo romântico
brasileiro, deixando-o perceber claramente a inserção das manifestações literárias locais num
contexto mais amplo. A sua posição é transnacional, afinada portanto com o ritmo do nosso tempo e
capaz de superar barreiras, alargando ao mesmo tempo o entendimento crítico. [30]
Candido sublinha o mérito desse “ponto de vista corretor” para efeito do conhecimento da variante
local da Arcádia, uma vez que todos nós que temos tratado do assunto” - e das letras na colônia de
maneira geral - “tendemos a restringir a investigação ao âmbito nacional” [31]. E sugere até mesmo
“uma revisão da nossa historiografia literária segundo uma perspectiva de fusão, não de separação
relativamente à portuguesa” [32]. A idéia, diga-se de passagem, é de enorme interesse, mas basta
para nossos fins reter a sugestão anterior. Uma perspectiva analítica que sobrepuje as limitações
nacionalistas e que dê conta da produção letrada da América Portuguesa em seus complexos
vínculos com a da Metrópole ainda está por explorar-se. Já não soa demasiado otimista porém o
prognóstico de que em breve não será mais assim.
Feitas todas as contas, portanto, o balanço aqui mostra-se irrecusavelmente positivo [33]. Estando
bem azeitada a máquina da crítica e havendo rica matéria-prima textual a alimentá-la, não é de
estranhar que as pesquisas sobre as letras da América Portuguesa exibam hoje, no quadro mais
amplo dos estudos literários no Brasil, níveis incomuns de vigor, de solidez e de refinamento. Mas
nem tudo anda como deve nesse domínio. Com efeito, a julgar pelas advertências de alguns
especialistas, há um aspecto sobretudo, de importância fundamental, em que o deficit vem de longa
data e segue possuindo proporções consideráveis. Em texto referido páginas atrás, José Américo
Miranda lembra que em 1863 um dos primeiros historiadores da literatura brasileira lastimava os
empecilhos a estorvar o acesso a suas fontes de estudo. Repara todavia José Américo que não
obstante o alerta de Ferdinand Wolf, e de vários outros, grande parte dos escritos da era colonial
“continua até hoje desconhecida, dispersa, não editada ou miseravelmente publicada.” [34] A
severidade dos termos quiçá surpreenda, mas não se pode negar razão ao estudioso. Um século e
meio quase após o Brésil littéraire wolfiano, encontre-se o pesquisador em Viena ou em Belo
Horizonte, o trânsito até as fontes permanece dificultoso, quando não impossível. Faltam textos
estabelecidos com o necessário zelo crítico e edições merecedoras de fé: “nesse campo tudo
continua por ser feito.” [35]
É coisa sabida aliás que em geral se flagra entre nós um inteiro descaso para com a disciplina da
ecdótica, circunstância essa que, se não explica de todo a incúria editorial em torno da produção
letrada da colônia, com certeza avulta como uma de suas maiores causas. Vão de fato muito além
dos limites do nosso assunto as conseqüências do rotineiro menoscabo dos problemas de
estabelecimento crítico do texto nos estudos literários brasileiros. Elas demandam por isso um
exame específico e cuidadoso. Afinal, até que ponto sabemos o que estamos lendo, sem uma
aferição crítica das edições de que nos servimos para ler, desatentos ao sinuoso percurso de
transmissão e de impressão das obras que temos sob os olhos, carentes de efetivo discernimento no
que concerne à materialidade mesma daquilo de que nos ocupamos? Esta única ponderação basta
para que se previna o equívoco de confundir a ecdótica com um refugo positivista da ciência da
literatura do século XIX ou com mero apego de antiquário a velhos manuscritos e edições princeps,
para que se tome consciência de que o apuro da lição textual não é luxo nem lixo filológico, mas
algo assim como um imperativo categórico de nosso ofício [36]. Ouvidos moucos, no caso,
representam um sintoma gravemente preocupante.
E visto que falamos de deveres, um outro problema ainda precisa ser considerado. Seus contornos
ganharão mais nitidez à luz das reflexões de Luiz Felipe Baêta Neves nas páginas introdutórias de
Vieira e a imaginação social jesuítica: Maranhão e Grão-Pará no século XVII. Após levar a cabo
uma rápida sinopse da bibliografia pertinente, Baêta Neves verifica uma acentuada escassez de
estudos específicos de porte sobre os múltiplos aspectos do objeto de seu trabalho. Indício de
irrelevância do tema escolhido? Muito pelo contrário. Conforme argumenta o autor, a análise da
ação missionária inaciana nas aldeias do Maranhão e Grão-Pará concorreria para o esclarecimento
de questões fundamentais, já que oferece oportunidade de inspecionar,
- em um mesmo fenômeno - as diferenças que existiam entre projetos de uma mesma ordem
religiosa (e de ordens diferentes), acabando com a imposição de um tratamento único e homogêneo
em toda a colônia; a realidade econômica singular que resultou de uma intenção ideológica de tom
autárquico, e as relações internas de trabalho e os modos de articulação com o colonialismo; o
efetivo sistema de relações políticas entre a Igreja, as ordens religiosas (as ordens entre si,
igualmente), entre a metrópole e as forças políticas locais da colônia - sistema extremamente
complexo e que, em geral, é visto de modo exacerbadamente generalizado e sem nenhum respeito
pelas alterações conjunturais, pelos deslocamentos de alianças, pelos matizes regionais; [as
minúcias] da vida das Aldeias, de sua organização do tempo, do espaço, de suas regras de vida
cotidiana - expressões de um singular convívio entre diferentes culturas (sendo bom salientar que
havia grupos indígenas diferenciados reunidos em um mesmo local com os jesuítas), que não se
resume ao mero “recalcamento” e “supressão” cultural freqüentemente denunciados, mas que forma
uma positividade histórica nova que é preciso pesquisar; as formas reais de transmissão cultural
“ocidental”, que não se pode confundir com uma história institucional-escolar, [devendo-se] indagar
de todos os agentes envolvidos no processo pedagógico e das tramas que formavam em suas
relações complexas; a verdade da aliança entre a ideologia religiosa e o colonialismo - aliança que,
em geral, é vista como óbvia e monolítica, o que é desmentido pelos sermões de Vieira, p. ex., que
retiram tanto da legitimação ideológica da escravidão, repetida e violentamente atacada pelo
pregador jesuíta; as concretas relações entre saber e poder na colônia. [...] Enfim, os exemplos
poderiam se suceder, mas o que importa assinalar aqui é o caráter estratégico [...] que o estudo
proposto possui não só para a análise da evolução histórica das sociedades indígenas na Brasil e
para aquilo que genericamente se chamaria de história da religião no país, mas para a compreensão
das complexas relações entre colonialismo e Igreja sem as banalizações e apriorismos vigentes. E
com respeito, portanto, pelas fontes documentais e pelas notáveis conquistas teórico-metodológicas
recentes. [37]
O longo trecho citado deixa ver com facilidade que as conquistas teóricas e metodológicas a que se
refere Baêta Neves pertencem a dois compartimentos disciplinares em especial: a história e a
antropologia. Convém fixar este dado, pois haveremos de retomá-lo adiante. Por ora, entretanto,
uma pergunta exige resposta. Se prometem resultados de tamanho vulto, por que são infreqüentes
pesquisas pontuais e alentadas, por exemplo, dos aspectos arquitetônico, econômico, político,
teológico, institucional e cultural dos aldeamentos jesuíticos a norte e nordeste do território luso na
América? Em termos mais drásticos, como entender o relativo desdém da historiografia da religião
na colônia pela investigação setorizada e minudente, ciosa do singular e do concreto das distintas
conjunturas em jogo? [38] Raciocínios monocausais pouco ajudam aqui, mas para nossos interesses
será suficiente salientar apenas um dos fatores discutidos por Baêta Neves. Vasculhando o
repertório conceitual da produção historiográfica ligada a seu assunto, o autor detecta uma situação
de carência e de precariedade:
Fala-se em “Igreja”, “colonialismo”, “escravidão”, “índios”, “invasões estrangeiras”, “metrópole”,
“holandeses”, “protestantes” e assim sucessivamente, como se tais noções: a) não precisassem ser
rigorosamente definidas; b) expressassem realidades únicas e homogêneas; c) fossem de
aplicabilidade geral; d) pudessem ser facilmente comprovadas e manipuladas. [39]
Sob o império dessa abusiva generalidade nocional, não admira que se menospreze a interrogação
circunstanciada do particular, que formas e processos de dinâmica complexa - os quais cumpriria
“parcelar, diferenciar, discriminar melhor” [40] - acabem descaracterizados por visões globais
simplistas e redutoras.
Não é demais repetir que de meados da década de 1980 até o presente o quadro descrito por Baêta
Neves não se manteve inalterado. Trabalhos valiosos vieram a lume nesse meio-tempo [41] e outros
mais por certo vão sendo realizados. Além disso, não se deixe de frisar que as implicações da
problemática em exame ultrapassam em muito o terreno da competência do estudioso de literatura.
Sem qualquer pretensão de dar plena conta do debate - ou mesmo daquela parte dele que concerne a
nossa área -, cuidemos tão-só de uns poucos desdobramentos das questões que foram expostas, na
esperança de que se provem estratégicos para efeito de leitura e análise da produção letrada
colonial. Como se viu, certa recorrente generalidade nacional parece oferecer sério obstáculo a um
conhecimento mais matizado da “imprecisa realidade do contato” [42] entre jesuítas e nativos nos
primeiros séculos da colônia. Ilustra bem o ponto, por exemplo, a nunca apaziguada contenda a
dividir apologetas e detratores da empreitada evangelizadora dos milicianos de Loyola [43]. De um
lado prevalece a hagiografia: loas piedosas à domesticação do silvícola e ao lançamento da pedra
fundamental do Brasil cristão. De outro, predomina o martirológio: ira e ranger de dentes ante o
legado infame da criminosa devastação perpetrada pela Companhia. De parte a parte resta o mal-
entendido, o que escapa à compreensão em conseqüência da rigidez apriorística do ângulo de mira
privilegiado. No espaço dicotômico dessa controvérsia, dificilmente os escritos jesuíticos poderiam
levar longe. Posta a serviço de uma tese, confinada a sentidos retilíneos e fixos que a precedem, a
leitura semelha no fundo uma contrafação - pretexta-se o texto mesmo para não ler.
Há entraves mais sutis porém, e não por isso menos substantivos, a um convívio arejado e fecundo
com o acervo letrado que herdamos dos inacianos. Uma ligeira incursão pela fortuna crítica do
teatro de José de Anchieta virá a propósito para que se tente descortinar um outro tipo de
impedimento ao avanço da pesquisa. Podemos dispensar-nos de referir aqui, passo a passo, a bem
conhecida praxe do comentário sobre os autos anchietanos [44]. A poesia dramática do “apóstolo do
Brasil” é obra de circunstância, presidida pelo intuito de conquista das almas, de pedagogia,
conversão e doutrinamento dos gentios. Sendo lingüisticamente heterogêneo o público a que se
destinavam - “indígenas, soldados, colonos, marujos e comerciantes, [...] habitantes permanentes ou
eventuais das primitivas aldeias [...] nas origens de nossa civilização” [45] - os autos fazem uso de
diferentes línguas, o português, o espanhol e o tupi, e como sua própria designação patenteia,
possuem íntimo parentesco com o universo cênico do medievo e com o teatro de Gil Vicente. Em
suma, conforme as palavras de Claude-Henri Frèches, trata-se de
une leçon de catéchisme en images, dynamique plus que savante, mais non dépourvue d’habilité.
On pourrait encore avancer que ces drames constituent des embryons de pièces à thèse ou de
comédies de moeurs: ces deux aspects se réunissent d’ailleurs volontiers en un même auto. [46]
Evocada em suas linhas mestras, a recepção crítica das peças de Anchieta não aparenta padecer de
lacunas ou deficiências. Essa aparente justeza, contudo, consiste ela mesma em uma parte do
problema, pois acarreta a falsa impressão de que já se dispõe de resposta para todas as perguntas
relevantes. Ora, os recursos cênicos e dramatúrgicos da obra do autor demonstram inequívoca
relação com os palcos vicentino, ibérico e medieval. Mas que sabemos em pormenor de tais
vínculos? O sentido dos autos anchietanos está sem dúvida atrelado à catequese e ao proselitismo
religioso; mas quanto entendemos desses textos, se desconsideramos sua espessura sígnica, se não
meditamos na singularidade de sua linguagem como teatro?
Um passo indispensável rumo ao entendimento dessa singularidade será reler os escritos teatrais de
Anchieta à luz do paradigma crítico que denominamos anteriormente de retórico-poético, tendo em
vista com a devida exatidão os preceitos teológicos e políticos a que atendem e as convenções
letradas com que operam. Não custa advertir, no entanto, que não deveríamos nos dar por satisfeitos
demasiado cedo. Em uma análise da imagem dos indígenas do Brasil nos discursos quinhentistas,
Manuela Carneiro da Cunha flagra um momento notável no Recebimento que fizeram os índios de
Guaraparim ao Padre Provincial Marçal Beliarte. Na cena aludida pela antropóloga, a inspiração
cristã de Anchieta não hesita em valer-se do “ritual máximo da antropofagia tupi” [47]. Espada
embagada a mando de Tupansy, um índio guerreiro da communitas fidelium racha “a cabeça a um
diabo - o Macaxera - e sobre ela toma novo nome - Anhangupiara, ou seja, inimigo de Anhang:
Pronto! Matei Macaxera!
Já não existe o mal que era...
Eu sou Anhangupiara!” [48]
O formidável jogo cênico dessa personagem fornece a deixa para um último questionamento. Está
correto João Adolfo Hansen quando afirma que os textos jesuíticos dos séculos XVI e XVII “são
inventados retoricamente como imitação de gêneros, formas, tópicas e estilos de autoridades latinas,
patrísticas e escolásticas”, quando lembra que o missionário inaciano não entende o indígena “como
Outro, segundo a diferença cultural de uma definição ‘antropológica’ que então obviamente não
existe, mas como Mesmo, natureza humana pecadora”, à qual se trata de impor o “controle dos
apetites e a concórdia das paixões”, mediante “o auxílio das boas formas do Verbo catolicamente
revelado” [49].
Importa contudo assinalar que, tomadas como “forma cultural específica”, as práticas de escrita dos
inacianos não se caracterizam apenas pela “fusão de retórica antiga e teologia-política escolástica”
[50]. O fragmento que citamos terá talvez evidenciado que a efetividade teatral do auto anchietano
permanece ilegível até certo ponto na falta de uma perspectiva antropológica, de um olhar crítico
capaz de aperceber-se do outro que o texto supõe um mesmo como outro, como alteridade que se
insinua na linguagem da obra em marcas significativas, as quais se torna imperioso então
reconhecer e analisar.
Tomamos o cuidado de enfatizar mais atrás, a propósito das reflexões de Luiz Felipe Baêta Neves, a
preciosa contribuição posta hoje a nosso alcance pelas disciplinas da história e da antropologia.
Deve estar evidente a esta altura a razão pela qual o fizemos. Em sua metódica ojeriza ao
anacronismo, a crítica retórico-poética vem mostrando nos últimos vinte anos que uma consciência
histórica mais acurada traz inestimável proveito ao estudo das letras da América Portuguesa.
Todavia, o pesquisador brasileiro de literatura parece pouco disposto ainda a um diálogo amplo e
sistemático com o saber antropológico. É como se tendêssemos a esquecer (ou a escamotear) que as
práticas letradas do colonizador não se transplantaram para um vazio sociocultural, que a escrita se
produziu na colônia em situações específicas e complexas de contato com o(s) outro(s) e sua(s)
linguagem(ns). Não deparamos aí, no mínimo, com uma limitação de nosso repertório conceitual?
No Prólogo aos fascinantes ensaios que coligiu em A inconstância da alma selvagem, Eduardo
Viveiros de Castro declara que o desiderato maior do seu trabalho tem sido o de forjar uma
linguagem analítica à medida dos mundos indígenas. Segundo o antropólogo, a elaboração de tal
linguagem
envolve forçosamente uma luta com os automatismos intelectuais de nossa tradição, e não menos, e
pelas mesmas razões, com os paradigmas descritivos e tipológicos produzidos pela antropologia a
partir de outros contextos socioculturais. O objetivo, em poucas palavras, é uma reconstituição da
imaginação conceitual indígena nos termos de nossa própria imaginação. Em nossos termos, eu
disse - pois não temos outros; mas, e aqui está o ponto, isso deve ser feito de um modo capaz (se
tudo “der certo”) de forçar nossa imaginação, e seus termos, a emitir significações completamente
outras e inauditas. [51]
A título de provisória conclusão, talvez seja o caso de fazer um pouco nosso o desiderato de
Viveiros de Castro. À revelia de certos automatismos de nossa tradição crítica e das orientações
teóricas já consolidadas, talvez seja o caso de postular uma linguagem analítica sensível o bastante à
relação entre as letras e seus outros. Significações outras e inauditas, outros percursos de leitura, ao
menos - as possibilidades, convenhamos, não são nada más.

Notas:
[1] Uma versão abreviada deste texto foi apresentada como conferência no X Congresso de Estudos
Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo,
evento realizado em Vitória, de 04 a 07 de novembro de 2008, e dedicado ao tema “A crítica
literária: percursos, métodos e exercícios”.
[2] Ver MIRANDA, José Américo. Eusébio de Matos, um poeta possível. In MATOS, Eusébio de.
A Paixão de Cristo Senhor nosso: desde a instituição do Sacramento na ceia até a lastimosa
soledade da Maria Santíssima; apresentação e notas José Américo Miranda; apuração do texto José
Américo Miranda e Nilton de Paiva Pinto. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007, p.14.
[3] BOSI, Alfredo. Dialética da colonização; 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Sobre
a distinção entre sistema e condição colonial, ver especialmente p. 26 e seguintes.
[4] Ver PIZARRO, Ana. Palabra, literatura y cultura en las formaciones discursivas coloniales. In
PIZARRO, Ana (org.). América Latina: palavra, literatura e cultura; Vol. 1: A situação colonial.
São Paulo: Memorial; Campinas: UNICAMP, 1993, p. 25.
[5] As aspas na expressão antecipam uma das principais questões com que lidaremos. A sugestão de
cautela que transmitem deverá precisar-se ao longo do texto.
[6] Sobre o assunto, ver BENDER, John & WELLBERY, David. Rhetoricality: on the Modernist
Return of Rhetoric. In BENDER, John & WELLBERY, David (ed.). The Ends of Rhetoric. History,
Theory, Practice. Stanford: Stanford University Press, 1990.
[7] PÉCORA, Alcir. À guisa de manifesto. In Máquina de gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 12.
[8] BENDER, John & WELLBERY, David. Ob. cit., p. 4.
[9] PÉCORA, Alcir. Ob. cit., p. 15.
[10] Idem, p. 11.
[11] Idem, p. 13.
[12] VARGA, Aron Kibedi. Rhétorique et littérature: études de structures classiques. Paris: Didier,
1970, p. 12. Sobre os vínculos entre letras e retórica, ver ainda o estudo indispensável de
FUMAROLI, Marc. L’âge de l’éloquence: rhétorique et “res litteraria” de la Renaissance au seuil
de l’époque classique; 2ème ed. Paris: Albin Michel, 1994.
[13] VARGA, Aron Kibedi. Ob. cit., p. 9.
[14] SOUZA, Roberto Acízelo de. O império da eloqüência. Rio de Janeiro: EdUERJ; Niterói:
EdUFF, 1999.
[15] Idem, p. 90.
[16] HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII.
São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 16.
[17] Idem, ibidem, p. 15.
[18] Idem. Colonial e barroco. In 4º Colóquio UERJ - América: descoberta ou invenção. Rio de
Janeiro: Imago, 1992, p. 348. A impaciência de Hansen para com a noção de barroco periga dar a
impressão de que foi inteiramente negativo o saldo deixado por este dispositivo conceitual em nossa
produção crítica. Para uma visão mais equilibrada do problema, ver GOMES JR., Guilherme
Simões. Palavra peregrina: o barroco e o pensamento sobre artes e letras no Brasil. São Paulo:
Edusp, 1998.
[19] Todos os fragmentos citados provêm do artigo de João Adolfo Hansen referido na nota anterior.
[20] Cf. TEIXEIRA, Ivan. Hermenêutica, retórica e poética nas letras da América Portuguesa.
Revista USP, nº 57. São Paulo: Coordenadoria de Comunicação Social USP, março/abril/maio de
2003, p. 142.
[21] Idem, p. 155.
[22] VALLE, Ricardo Martins. Entre a tradição e o Novo Mundo: um ensaio sobre a poesia de
Cláudio Manuel da Costa. Teresa: Revista de Literatura Brasileira, DLCV/ FFLCH/ USP, nº 2. São
Paulo: Ed. 34, 2001, p. 194.
[23] Idem, ibidem.
[24] CAMPOS, Haroldo de. De Babel a Pentecostes. In FABBRINI, Regina & OLIVEIRA, Sergio
Lopes (org.). Interpretação (Série Linguagem, nº 3). São Paulo: Lovise, 1998, p. 28 (nota).
[25] LIMA, Luiz Costa. Comentário à comunicação de João Adolfo Hansen. In ob. cit. (ver nota nº
17), p. 363.
[26] Em livro publicado há pouco, Eneida Leal Cunha toma o caminho inverso, explorando uma
perspectiva de leitura dos textos coloniais que se quer “um conjunto de ‘acontecimentos
discursivos’ - no sentido que lhes dá Michel Foucault -, explicitamente constituído num presente
que interpreta, a seu modo, as singularidades de um outro conjunto de ‘acontecimentos discursivos’
formulado em tempo diverso e remoto” (cf. CUNHA, Eneida Leal. Estampas do imaginário:
literatura, história e identidade cultural. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p.32).
[27] HANSEN, João Adolfo. Ob. cit. na nota 13; PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento: a unidade
teológico-retórico-política dos sermões de Antônio Vieira. São Paulo: Edusp; Campinas: Ed. da
Unicamp, 1994; TEIXEIRA, Ivan. Mecenato pombalino e poesia neoclássica: Basílio da Gama e a
poética do encômio. São Paulo: Edusp, 1999.
[28] RUEDAS DE LA SERNA, Jorge Antonio. Arcádia: tradição e mudança. São Paulo: Edusp,
1995.
[29] Candido, Antonio. Prefácio. In RUEDAS DE LA SERNA, J.A. Ob. cit., p. XIV.
[30] Idem, ibidem, p. XIV-XV.
[31] Idem, ibidem, p. XII.
[32] Idem, ibidem, p. XV.
[33] Como dizíamos no começo deste artigo, não se trata aqui de proceder a um levantamento mais
exaustivo das publicações recentes na área dos estudos da produção letrada colonial. Vale a pena
entretanto referir, em reconhecimento de seus méritos, três outros títulos concernentes à temática
em exame: Uma república de leitores: história e memória na recepção das Cartas Chilenas (1845-
1989), de Joaci Pereira FURTADO (São Paulo: Hucitec, 1997), estudo muito revelador sobre as
sucessivas leituras de que foram objeto os versos satíricos atribuídos a Tomás Antônio Ganzaga;
Estes penhascos: Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas (1753-1773), de Sérgio
ALCIDES (São Paulo: Hucitec, 2003), análise erudita e refinada das Obras poéticas do árcade
Glauceste Satúrnio; Um coração maior que o mundo: Tomás Antônio Gonzaga e o horizonte luso-
colonial, de Ronald POLITO (São Paulo: Globo, 2004), estudo instigante do opus gonzaguiano,
abrangendo não apenas a poesia do autor, mas também seu Tratado de direito natural e outros
escritos. Sobre os títulos de interesse vindos a lume nos últimos anos ver RUSSEL-WOOD, A. J. R.
“Brazilian archives and recent historiography on colonial Brazil”. Latin American Research Review,
vol. 36, n°1, 2001.
[34] MIRANDA, José Américo. Ob. cit. (ver nota nº 1), p. 14. A citação seguinte provém do mesmo
lugar.
[35] Com as exceções de praxe, evidentemente, que também desta vez corroboram a regra. Citemos
algumas investidas exitosas dos últimos anos, graças às quais podemos nos permitir a esperança de
um quadro futuro menos acabrunhador. Ao empenho do próprio José Américo Miranda devem-se as
valiosas edições de A paixão de Cristo senhor nosso (ver nota n° 1) e do Sermão do Mandato (Belo
Horizonte: Fale/UFMG, 1999), aquela obra atribuída a Eusébio de Matos e esta seguramente de sua
lavra. Ronald Polito incumbiu-se de editar, com muito esmero, os fragmentos remanescentes d’A
Conceição, poema épico de Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo: Edusp, 1995), e o poema herói-
cômico O desertor, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga (Campinas: Editora da Unicamp, 2003).
Ivan Teixeira, por fim, tomou a seu encargo uma cuidada edição crítica das Obras poéticas de
Basílio da Gama (São Paulo: Edusp, 1996). Assinale-se ainda que Francisco Topa deu à estampa em
Portugal sua rigorosa Edição crítica da obra de Gregório de Matos (Porto: Edição do Autor, 1999).
Iniciativa distinta, mas igualmente digna de nota, foi a de Plínio Martins Filho, que em
comemoração ao décimo aniversário da casa editorial de sua propriedade publicou uma bela edição
fac-similar de Música do Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira (Cotia: Ateliê, 2005; confira-se
no volume o excelente estudo de Ivan Teixeira sobre a obra do autor, A poesia aguda do engenhoso
fidalgo Manuel Botelho de Oliveira).
[36] Isto para só dizer o mínimo. Voltando porém às pesquisas sobre as letras da colônia, temos
exemplo da amplitude do terreno de investigação que se abre para o leitor devidamente provido dos
recursos da crítica textual. No artigo Ut pictura poesis: análise bibliográfico-textual de dois
membros da tradição de Gregório de Matos e Guerra (ver ob. cit. na nota n° 19), Marcello
MOREIRA observa que uma mesma obra se atualiza de maneira diferenciada, se ressemantiza
parcialmente em função das características do códice no qual se inscreve. Donde, segundo o autor,
uma via de análise “ainda inédita” no que respeita aos manuscritos da América Portuguesa: “Não
nos preocupamos [...] apenas com o exame do formato do artefato, de suas medidas e dos materiais
escriptórios de que é composto. O nosso propósito é compreender como um tipo específico de
artefato bibliográfico, o códice poético seiscentista e setecentista que se diz, comumente, transmitir
o corpus gregoriano, prescreve, como artefato, a partir de mecanismos bibliográficos e retóricos
nele presentes e que garantem sua coesão interna”, determinado tipo de leitura, determinadas
formas de apropriação da matéria discursiva ali estampada (cf. p. 88). Sem o tirocínio prévio da
recensio e dos demais protocolos da ecdótica, esse instigante estudo seria provavelmente
inconcebível.
[37] NEVES, Luiz Felipe Baeta. Vieira e a imaginação social jesuítica: Maranhão e Grão-Pará no
século XVII. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 26-27.
[38] Vieira e a imaginação social jesuítica deriva da tese de doutorado de Luiz Felipe Baêta Neves,
defendida no Programa Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ em
1984. Em 1997, portanto, data de edição do livro, tinha já perdido parte de sua atualidade o quadro
descrito pelo autor. Hoje ainda, contudo, essa perda não chegou a ponto de invalidar por completo o
atilado diagnóstico de Baêta Neves.
[39] NEVES, Luiz Felipe Baeta. Ob. cit., p. 51.
[40] Idem, ibidem, p. 67.
[41] Ver, entre outros, MELLO E SOUZA, Laura de. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986; Inferno atlântico
- demonologia e colonização (séc. XVI-XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1993; VAINFAS,
Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995; COSTIGAN, Lúcia Helena (org.). Diálogos da conversão. Campinas: Ed. da
Unicamp, 2005.
[42] A expressão é de Baeta Neves. Ver ob. cit., p. 76.
[43] Sobre o assunto, ver o esclarecedor estudo de HOLANDA, Sérgio Buarque de. S. I. In: Cobra
de vidro. São Paulo: Perspectiva, 1978.
[44] Sobre o assunto, ver MAGALDI, Sábato. O teatro como catequese. In Panorama do teatro
brasileiro; 4ª ed. São Paulo: Global, 1999; HESSEL, Lothar & READERS, Georges. O teatro
jesuítico. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1972; AZEVEDO FILHO,
Leodegário Amarante. O teatro de Anchieta. In Anchieta, a Idade Média e o barroco. Rio de
Janeiro: Gernasa, 1966; PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC/SNT: 1978;
PRADO, Décio de Almeida. O teatro jesuítico. In Teatro de Anchieta a Alencar. São Paulo:
Perspectiva, 1993; BOSI, Alfredo. Anchieta ou as flechas opostas do sagrado. In Dialética da
colonização (ob. cit. na nota nº 2).
[45] AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Cf. ob. cit. na nota anterior (p. 187).
[46] FRÈCHES, Claude-Henri. “Le Théâtre du Pe. Anchieta. Contenu et Structure”. Apud
AZEVEDO FILHO, L. A. de. Ob. cit., p. 187.
[47] CUNHA, Manuela Carneiro da. Imagens de índios do Brasil: o século XVI. In: PIZARRO,
Ana (org.). Cf. ob. cit. na nota n° 3, p. 169.
[48] A autora cita a edição do Teatro de Anchieta organizada pelo Pe. A. CARDOSO (São Paulo:
Loyola, 1977, p. 244).
[49] HANSEN, João Adolfo. Anchieta: poesia em tupi e produção da alma. In ABDALA JR.,
Benjamin & CARA, Salete de Almeida. Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil. São
Paulo: Boitempo, 2006, p. 15, 17 e 18.
[50] Idem, ibidem, p. 15.
[51] CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naify,
2002, p. 15.

© Marcelo Paiva de Souza 2009


Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid
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