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dit deus th Gui Bonsiepe nasceu em 1934, na Alemanha. Entre 1855 ¢ 1959, estudou na Hochschule fiir Gestaltung, Ulm, onde também exerceu a licenciatura, como professor titular do Departamento de Desenho Industrial, de 1960 2 1968. No Chile, além de assessorar, através do Projeto ONU/OIT, a pequena e a média indistria em questées relacionadas a desenho industrial (1968/1970), criou a érea de Desenvolvimento de Produtos no Comité de Investigacdes Tecnolégicas (1971/1973). Ocupou, de 1973 a 1975, a vice- presidéncia do ICSID (International Council of Societies of Industrial Design}. Na Argentina, foi o crigdor da area de Desenvolvimento de Produtos, no Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (1974/1976), participando também como diretor técnico do escritério MM/B Disefio, de Buenos Aires (1975/1980). Foi assessor de varios organismos internacionais (ONUDI, UNESCO, OIT, OECD) e docente em universidades européias, latino-emericanas, norte-americanas e asiaticas, Dentre os varios titulos que publicou sobre desenho industrial, destacam-se: Teoria e pratica del disegno industriale (Milo, 1975) e Diseito industrial, tecnologia ¢ dependencia (México, 1978). Atualmente trabalha no CNPq, na Coordenagiio do Desenvolvimento Industrial na érea de Desenho Industrial e de Desenvolvimento de Produto, Entre o marasmo e a esperan¢a Conferéncia pronunciada por ocasiéo do XI Congresso do International Council of Societies of Industrial Design; México, outubro de 1979. O titulo desta conferéncia relaciona conceitos que podem captar, em sintese, a situagao atual do “‘Submundo Dependente’’. Esses conceitos nao foram escolhidos com a intengdo de causar escandalo. Nao me:sinto_ inclinado ao radicalismo verbal, téo bom vizinho do conservadorismo. A realidade*é chocante, ndo as palavras Debilitados no que se refere & base material de subsisténcia, submetidos a uma drenagem aparentemente sem limites, sofrendo uma desacumulacdo de dimensédes astronémicas, emaranhados em um sistema multinodal de controle, esses paises que, por falta de um melhor termo denominam-se “Terceiro Mundo”? abrigam, contudo, seu complemento dialético: a esperanca de erradicar o estigma da pobreza. Certamente, n&o me refiro a uma esperanga abstrata e literéria, ou mesmo transcedental, mas a uma esperanca concreta e terrestre, na qual, como veremos, 0 desenho: industrial pode e deve dar seu modesto tributo. el estratégia. Abstenho-me, entretanto, de opinar sobre suas chances de éxito. Ao refletir sobre o futuro da profissao “‘desenho industrial’’, quero limitar-me a seu papel nos paises dependentes, por motivos obvios. E a primeira vez que se realiza um congresso internacional de desenho industrial em um pais dependente, e, portanto, considero plenamente justificada a escolha do tema desta conferéncia. Uso a palavra ‘‘dependente” sem intengdo polémica, entendendo que ela expressa bem a situagdo de determinadas sociedades, cuja realidade 6 um eco dos movimentos dos centros amicos da economia mundial. Se alguém se sentir incomodado por essa realidade bipolar, entre Centro e Periferia, poderia ocorrer-lhe deduzir que, no fundo, todas as sociedades sao dependentes. E na verdade o sdo. Mas aqui acontece 0 mesmo que com a igualdade.| Se somos todos iguais, ent&éo alguns séo0 mais iguais que. outros. a esses mais fguais que me refiro{ 4o fei2r sobre o futuro do desenho industrial, no se pode prescindir de certas reflexées acerca do seu passado. Limitar-me-ei ao minimo necessario, a uma breve referéncia ao contexto historico, com a finalidade de explicar a diferenca essencial entre o desenho industrial em paises centrais por um lado, e em paises dependentes e periféricos, por outro. A realidade do ‘‘Submundo Perplexo’’ — como se tém sido chamados esses paises periféricos — pode, sob inimeros aspectos, ser qualificada de alarmante e até catastrofica. Basta que se recorde o déficit em alimentagao, habitagao, satide e educac&o de grande parte da populagao deste planeta. Essa _realidade, porém, nao nos deve conduzir a um catastrofismo simplista. As profissées projetuais seriam as Ultimas as quais se permitiria.uma atitude “derrotista, uma atitude de nao participagdo. Serao necessarios todos oS instrumentos da inteligéncia projetual para fazer frente a essa situacdo de extrema emergéncia; 0 desenho industrial, como atividade tecnolégica, deve contribuir para supera-la com respostas concretas. E fato indiscutivel que a questo da cultura material, a questo da "fisica da _ cultura”, é crucial para qualquer sociedade. E por isso que o desenhista ‘industrial, como “fisico da cultura’, encontra-se e um ponto nevralgico do sistema dos objetos. Esse sistema 6, atualmente, em sua composicio, seus atributos técnico-funcionais e seus aspectos estético-formais, quase exclusivamente determinado no Centro. Por isso, freqiientemente, o desenho industrial, nos paises periféricos, é interpretado como uma extensdo de algo criado no Centro para o ‘‘Submundo Perplexo”. Esse modelo expansionista suaviza-se em reveréiclas retéricas as condigéos 0 tradigdes locais, uma forma de_brindar /ip service. O neocolonialismo utiliza muitos disfarces; inclusive, as vezes, o disfarce anticolonial. O fato de o ritmo e a direcdo do desenho industrial serem definidos no Centro \os-permite concluir, como é freqiiente, quo u Poriforia (onli de Seguir, \grosso modo,0s canones estabelecidos para recebar o8 (eals Ou | podoria trazer imaginarios beneficios que o desenho industric 2 Assim, de acordo com essa vis3o equivocada, o desenho industrial seria uma realidade monolitica, ainda que possa haver certos matizes dentro do marco conceptual e pratico pré-estabelecido e forjado no e pelo Centto. A Periferia, como protetorado do Centro, adotaria uma politica de mimese, que se poderia chamar de “‘seguidismo“, para elevar-se, passo a passo, até & regido onde denominam os valores y Historicamente essa visdo se baseia numa diviséo antropolégica entre o “civilizado e o primitivo”; em uma divisdo politica entre dominantes e dominados, ou entrée império e colénias (embora nominalmente se tenha dado por encerrado o perfodo das colénias).-Os subdesenvolvidos de hoje, que s&o chamados, pela cortesia diplomatica, de “em vias de_ desenvolvimento’, ou dé “menos desenvolvidos”, constituem o que para a Antropologia iluminista do século XVIII eram os povos primitivos. Entretanto existe uma grande diferenga: o “primitivo” de ent&o possufa um carater ambivalente. Para alguns mais sensiveis e mais criticos, irradiava dele uma ténue recordaco de um estado de felicidade perdida, mais préximo as origens, tal como era sugerido pela conotacdo etimolégica da palavra “primitivo”. Essa componente inquietante — a ma consciéncia da civilizagio — foi cirurgicamente eliminada do binémio ‘‘desenvolvimento- -subdesenvolvimento”, que assinala conceptualmente um reino unidimensional. Ali, tudo se mede com a mesma escala, a escala do desenvolvimento, que substitui, nos dias que correm, 0 desacreditado conceito de “‘progresso’’. O Iluminismo, que gerou toda a posterior ideologia do progresso, foi vitorioso em escala planetaria. Aqueles que se encontram na parte inferior da referida escala sao definidos em termos negativos, em termos de falta, de auséncia de desenvolvimento. As reminiscéncias de uma realidade diferente foram reprimidas ou perdidas, talvez transitoriamente, pois brotam hoje varios movimentos, para os quais 0 desenvolvimento eo industrialismo, em sua forma atual, j4 nio consti ais uma _Panacéia inquestionavel. Com isso, nao me refiro.as discussées quase sempre conduzidas da perspectiva do Centro acerca dos limites do crescimento, mas @ ampla gama de correntes alternativas, entre as quais pode também ser incluida, ainda que cautelosamente, a tecnologia apropriada. Quando empresas multinacionais comecam a apossar-sé da tecnologia apropriada, deve estar claro que ela, apesar de sua atrag3o quase mistica de alternativa, nao € uma-garantia para que os grupos mais necessitados melhorem suas condigdes de vida e de sobrevivéncia. Estou longe de langar-me numa diatribe contra 0 poderio das empresas multinacionais, ainda que nao as julgue candidatas a um prémio por bom comportamento nos paises anfitriées da Periferia. No que sé refere ao desenho industrial, pouco ha que se esperar delas, no porque sejam intrinsecamente mal-intencionadas, mas porque o poder financeiro e a A corrente benevolente do paternalismo central, to segura de si e tao ingénua em sua sabedoria, t80 €er ie tio Glasé Ao mesmo tempo, tem dificuldades para imaginar uma diférenca qualitativa, essencial e até ontolégica, entre o desenho industrial central e o desenho industrial periférico, pois essa diferenca transcende seu marco de referéncia, que é exclusivamente seu. Sacsvamente seu. Certamente no faltam as caixas de ressonancia, quer dizer, as tendéncias locais da Periferia que reproduzem e emulam in situ o desenho industrial, um mimetismo cultural ansioso por receber a aprovacao do Centro. Encontramo-nos, assim, diante de uma das mais tristes, ainda que compreensiveis, formas de alienacéo: a perda da propria existéncia, ou a existéncia invertebrada e amorfa, fendmeno esse que nao aflige somente os projetistas, mas também, e nio em menor grau, os industriais e os politi do desenho industrial na Periferia. Como pélo oposto a interpretacdo hegeménica do Centro, podemos identificar 0 esnobismo as avessas de alguns entusiastas, que, fascinados pelo exético e pelo tropical da Periferia, vem nesta a salvacio, a_pureza, a_ verdadeira realidade do desenho industrial, a alterantiva, a possibilidade de trabalho para necessidades basicas reais. Essa tendéncia tem raizes no descontentamento e até na propria nausea que alguns desenhistas industriais sentem diante do tipo de trabalho que lhes oferece 0 Centro, Que profissional nao se sente subutilizado ao projetar a milésima variante formal de um bem de consumo, ou de um novo e reluzente objeto para a préxima feira industrial, se se detém a olhar Para as dreas que nunca, ou quase nunca, foram tocadas pela inteligéncia projetual? Ai a Periferia funciona como tela de projecdo para a contra-imagem do ¢ssenho industrial, ou melhor, para determinadas manifestacSes ao desenho industrial tantas vezes reprovadas pelos criticos, como a ocupacao do desenhista industrial com inovagdes efémeras e secundarias e © papel que desempenha na aceleragao da circulagdo de mercadorias, compensando, por meio de consumo individual, as frustragdes sofridas na vida social (incluindo a politica). E aqui que reaparecem alguns tracos da recordacdo Mencionada __anterior o-industrialize a recordacéo do primitivo, do nao- do, a que se Soma_a-promessa da vida pastoril simples, nao-alienada em termos sociais, ecoldgi s_e tecnoldgicos._ a 4 Basta, porém, uma olhada & complexa realidade do ““Submundo Periférico” para desvirtuar essa imagem idilica e idealizada. As contradigées da Periferia, abertamente violentas, néo ‘s8o menos duras que as do Centro e, portanto, atingem fortemente o desenho industrial e suas possibilidades. Estas sdo intrinsecamente diferentes, mas ndo necessariamente dotadas de uma maior qualidade ética; ainda que as profissdes tecnolégicas fizessem bem em radiografar, de vez em quando, sua pratica para ver se estéo fomentando interesses compensatorios ou interesses emancipatérios. peetaa E preciso insistir na diferenga categorial entre desenho industrial periférico @ central. A Periferia nao é 0 prolongamento do Centro, nem tampouco a grosseira contra-imagem do mesmo. Faz-se necessario, portanto, uma aproximagao de sua realidade especifica, que, sem tencionar estabelecer confrontos ou divisées artificiais, permita encontrar os caminhos de um desenho industrial da Periferia. Para compreender essa diferenga categorial sera preciso comparar as origens do desenho industrial no Centro com a situagao nos paises periféricos na\década dos 604) 0 “movimento do bom design’, no comego deste século, dispunha de um aparato produtivo cujas deformacdes e aberracdes tentou corrigir, seja sob o lema da racionalidade técnica, seja sob o da subjetividade artistica. A primeira corrente o fez apelando para imperativos da padronizagaéo, aumento da produtividade e honestidade no uso de material; a segunda o fez buscando corrigir as aberragdes resultantes da cegueira cultural do industrialismo. Ambas as correntes preocupavam-se com a qualidade do produto, verificével através de trés indicadores: qualidade de uso ou qualidade funcional, qualidade esté ico-formal e qualidade de execugao técnica, Essas preocupagées sao validas ainda hoje. Entretanto as duas correntes constituiam um movimento terapéutico, um movimento para _corrigir determinado desenvolvimento, um movimento sobre uma base industria i extents, Ein Telaco a seus fins econdmicos, orientavam-se para a conquista de mercados, sobretudo internacionais. Mas — e isso é importante ressaltar —_0 problema de produgao ja estava resolvido. i a base para o impulso do desenho industrial se faz mais visivel nos EVA, nos anos 20, quando se atribuiu ao desenho industrial, explicitamente, 0 papel de instrumento de competicao. Isso assinalou o fato de que a dificuldade nao se apresentava na produgdo, mas na distribuigéo e no consumo, Tocamos aqui a diferenga essencial entre o desenho industrial 5 central e o periférico. Na Periferia, a situac&o se apresenta em termos contrérios aos do Centro: o problema da produgao n&o esta resolvido — @ muito menos as questdes relacionadas ao consumo e a distribuic&o. Falta precisamente a infra-estrutura industri manufatureira diversificada. Além disso, a situag&o agrava-se de tal modo que, em alguns paises latino- americanos, o desenho industrial entrou na industria pela porta da _comercializagao (0 marketing @ @ publicidade)-e nao pela da producdo, o que teria sido desejavel. Isto se reflete no contetido dos projetos [embalagens, involucros, stands de exposic&o, marcas de empresas, imagens de empresas), desaproveitando em grande parte 0 potencial do desenho industrial para a producao. Considerando a debilidade da infra-estrutura industrial, a énfase deveria ser dada ao fomento da capacidade produtiva, sem se perder de vista, certamente, o objetivo do processo, isto é, o para qué. Um desenvuivimento sem atributos precisos, sem imaginacao politica, quer dizer, sem clareza acerca da “matriz dos valores de uso’, e sem a devida reflexfo das necessidades qlié devem ser satisteitas pela industria, muito Provavelmente n&o levaria bem-estar a pPopulagao local. Comegaria e terminaria por servir simplesmente a uma transferéncia de recursos para o Centro, a uma acumulacao central e uma desacumulacdo periférica, como ocorre no caso da industrializacao heterodirigida, na qual os paises anfitrises s80 usados como Plataforma de exportacio, Por trés razGes: ret 1°) oferecem mio-de-obra barata, com pouca ou insignificante organizagao sindical; 2°) s&o paraisos para a contaminacao; 3°) geralmente oferecem recursos naturais de baixo custo (incluindé energéticos). Evidentemente, em tal contexto, o desenho industrial na Periferia 6 completamente supérfluo. Essa estratégia de industrializacdo estimula uma bipolarizagao da sociedade mundial, na qual 0 Centro dinamico s transformaria num esi i Ntados repousando sobre o colchiio do Terceil , entre outras razGes pelos excedentes ali Criados e transferidos até o Centro. Esse esquema bipolar que no ambito da organizagao politico-social, traduz-se é&_democraci barbarie, abriga um enorme potencial de repressdo para a Periferia, constituindo-se num dos rasgos menos atraentes do futuro a médio prazo- Assinala, também, miopla politica, mas nao econémica, do projeto de impor uma sociedade mundial biclassista Sul. > ee 6 Em troca, numa politica dirigida ao mercado interno, 0 desenho industrial no 6 supérfluo. Mas, pela diferenga assinalada nas condig6es de partida, o papel do desenhista industrial deve ser distinto, tal como sua qu icacdo.e ensino devem ser diferentes. € essa a causa principal dos limites da transferéncia de experiéncias do Centro para a Periferia. Considerados os distintos contextos histéricos, a Periferia pouco tem a aprender com 0 Centro, e o Centro pouco tem a ensinar a Periferia. Nao duvido, porém, que o nivel técnico alcangado no Centro irradie intensa fascinacZio sobre a sensibilidade visual e tatil da Periferia. Duvido sim de sua validez na Periferia, além da estreita camada social que esta empenhada na caga ao modelo central. Quais, ento, as opgdes que se oferecem ao desenho industrial nos paises periféricos? Se apenas dois séculos de desenvolvimento industrial causaram 0 esgotamento de determinados recursos naturais ndo-renovaveis, a expansdo desse modelo em escala planetaria ndo pode passar sem ser questionada, como vem ocorrendo até agora. Para o bem ou para o mal, tomando-se valores médios, é plausivel deduzir-se que, em um século, a fase expansiva do crescimento quantitativo estacionara. Como corolario dessas perspectivas reduzidas os conceitos de desenvolvimento” e “industrializagdo'’ mostram sintomas tangiveis de erosdo. Inclusive, vislumbra-se um possivel colapso da soc dade industrial, cujos | principios gozaram, por décadas, de uma ac itagdo ferrea como caminho para o desenvolvimento das sociedades. Apresenta-se, pois, um dilema: por um lado, a idéia de desenvolvimento industrial (e, portanto, do desenho industrial) deve ser radicalmente repensada; por outro lado, deve-se evitar cair na armadilha de uma pregacdo da pobreza feita pelos paises ricos, que aconselham a n&o- industrializacdo, alegando que os recursos deste planeta sao finitos e insuficientes para todos. E essa a voz daqueles que tém; e ndo soa convincentemente para aqueles que nao tém. Segundo as experiéncias histéricas acumuladas até hoje, somente sobre a base material criada pelo sistema industrial serio obtidas as garantias de uma vida um pouco além do nivel de subsisténcia da maioria da populagdo mundial. Como ja se assinalou, falta aos paises centrais, com seu nivel de hiperconsumo e complicidade com 0 sistema de troca desigual, legitimidade para pregarem aos paises periféricos a rentncia a suas aspiragdes mais legitimas, O subconsumo é tao repressivo quanto oO hiperconsumo € | anestesiante. Ambos os fenémenos indicam que algo vai mal neste | mundo, | 7 ——————————————————— Recomendar a poda draconiana das. expectativas da maioria revela uma atitude hipécrita. Por outro lado, copiar as formas centrais tampouco levaria muito longe a causa dos limites fisicos e ~ como concluem alguns — sociais do planeta. Frente a esse dilema, nao nos deve surpreender a perplexidade reinante. Que eu saiba, ndo se encontrou ainda uma resposta convincente e operativa, As diversas corr s_ de alternativismo, assinalam uma ruptura radical com o Status quo, ainda néo demonstraram | sua validade para os paises periféricos. Entre outros, os movimento: ar alternativistas centrais tratam de recuperar a experiéncia direta, Por exemplo, ha produgéo de alimentos, com a agricultura organica, na criagado de animais, e na construc&o e reforma de casas, etc. Tratam de ressensibilizar Os individuos para uma natureza mutilada e uma sociedade automatizada, que perdeu o dom da solidariedade nas relagées humanas. Eles se desenvolvem, geralmente, dentro dos nichos admitidos pela sociedade industrial. Temo, pois, que sua viabilidade dependa de um substrato industrial e que, dessa dependéncia, decorram limitagdes que o impegam de vir a ser um guia valido para o desenho periférico, Conhecemos, sobretudo na juventude contestatéria, a aversdo pelos objetos hiperdesenhados. Também conhecemos a Predilecao dessa juventude pelas escorias da sociedade industrial, tais como Pneumaticos, tambores de petréleo, latas, garrafas, bicicletas velhas; justamente os materiais segregados pelo sistema digestivo de sociedade industrial. No futuro saberemos se o alternativismo 6 somen ‘'e um apéndice dessa sociedade, ou se abriga tendénci: tual sistema industrial. Ao invés-d logia alternativa ou tecnologia apropriada, prefiro falar de {tecnologia endégena ‘projeto endégené. Com isso, enfatiza-se o Ponto-chave da questao cnolégica: a Criac&o, na Periferia, da tecnologia e do desenho industrial. Ao nosso ver, essa é a Gnica maneira de pér fim a dependéncia tecnolégica, de por um término na situacgdo de no se ter nem voz nem voto nas decisdes que afetam a infra-estrutura material da sociedade. Um conhecido utopista do século passado dizia que as épocas econémicas no diferem tanto no que produzem, mas no como. Do Ponto de vista de um desenhista industrial, essa afirmac&o deve ser modificada, pois, sem negar a importancia dos modos de Produgao, parece igualmente importante dirigir-se a atenc3o BO que se produz, Isso nos leva a Considerar a idéia de reestruturar a cultura material. Aos guardides profissionais do status quo, a tese de repensar a cultura material pode parecer Provocativa. Poderiam Perguntar: com que direito uma profissao nova, a qual, para muitos mandarins da tecnologia e da economia, nem sequer é uma Profisso, atroga-se 0 direito de ji vancos alcangados na cultura material? 8 ee Certamente se fizeram avangos — consideraveis avangos —, mas ainda no sabernos se num sentido aconselhavel. Os produtos se diversificaram, proliferaram, mas nao conforme as necessidades. Uma olhada, inclusive indulgente, ao nosso ambiente seria suficiente para descobrirmos que esse sistema de objetos mostra tracos de deficiéncia atolégica, em termos funcionais, ecolégicos e estéticos. A cultura do shopping center nao é OK; nem sequer almost OK. Se o desenho industrial nao existisse, seria 0 melhor momento para inventé-lo. A quem n&o agradar o termo “‘desenhista industrial”, por possuir conota¢ées tipicas do Centro, pode substitui-lo por Zprojetista’’//um termo mais neutro. O rétulo lingiiistico pouco importa. Mais importante é o preenchimento do vazio projetual da Periferia. Para esta, obviamente, problemas de desenho industrial no s&o problemas de estilo. Visto daqui, eles tem, quando muito, uma importancia secundaria. Permitindo-me uma breve incursdo na 4rea projetual vizinha, quer dizer, na Arquitetura, temo que a semiotizagao do curso sobi i possa conduzir, muitas vezes, ao contrario das intengdes, ao esq do substrato material, do veiculo semidtico (sign vehicle). A camada semantica é uma realidade de segunda ordem, uma realidade derivada. Alguns representantes da vanguarda da teoria — ou aqueles que assim se denominam — parecem estar absorvidos em lutas de retaguarda. Parece que estdo envolvidos em exercicios de shadow boxing e, filosoficamente _ idealistas, distanciam-se, deliberadamente ou n&o, da estrutura-material. “"subjacente, sobre a qual encontra-se aquela camada semantica. Como preencher o vazio projetual na Periferia sem exercer um ingénuo voluntarismo? Como passar do ambicioso macronivel normativo ao : micronivel da pratica profissional cotidiana? Como acalmar a irritagao e a inquietude daqueles que pedem menos discussdo e mais pratica? Entre outras, com a ajuda da burocracia. eee Como é sabido, a burocracia 6 uma institui¢ao social, em grande parte estatal, que acumula um considerdvel poder de decisio nos paises periféricos. E se, por um lado, ela possui uma tendéncia congénita a inércia, freando e obstruindo iniciativas, por outro lado 6, muitas vezes, Uma forca central que impée revisdes sociais e econdmicas; por isso, talvez seja demasiado simplista usar 0 termo burocracia como sinénimo de ineficiéncia. Dada a debilidade da industria local, o apoio de instituigdes estatais e paraestatais é e sera crucial para a implementacgdo de uma politica de desenho industrial. O Estado poderia funcionar como promotor e produtor de 9 tecnologia em forma de desenhos industriais e especificagdes de produtos. Estes poderiam pertencer as areas nas quais o Estado funciona como__ comprador ou fonte de crédito para aquisig¢ao, por exemplo, de bens do “setor piblico, tais como equipamentos de escola, hospitais, ambiente urbano, a infra-estrutura rural e, inclusive, maquinaria agricola. Para o “Industrial, O-risco de investimentos em inovacées tecnolégicas se reduziria — um fato que seguramente seria bem-vindo. Entretanto seria necessario que esse industrial resistisse ao “canto de sereia” dos promotores da tecnologia central. Nao sendo necessario atar-se ao mastro do barco, como Ulisses; bastando simplesmente, ato menos herdico, comprometer-se com o seu ambiente. Deve-se admitir que a profiss4o dos desenhistas industriais nao foi espetacularmente bem sucedida na difusdo do seu fazer dentro do ambito da industria e da administrag&o publica. Constituem uma mintscula minoria aqueles que pensam que o desenho industrial de um produto nao se esgota nas opinides emitidas, entre um e outro cafezinho, pelo gerente de marketing, o diretor da empresa e sua mulher. Opinides que logo repassarao “a um desenhista situado no Ultimo canto da fabrica, para que ele “desenhe” 0 “monstrinho’. Enquanto o desenho industrial, foi praticado em tal Clima, com inspiracdes derivadas, em grande parte, de catdlogos ou modelos estrangeiros, tera somente uma existéncia anémica e hectoplasméati Falar da “cultura visual’’ dos objetos provoca, freqiientemente, um mal dissimulado sorriso, ou uma agressiva incompreensdo entre aqueles que se consideram com os dois pés bem postos na realidade. Estes falsos realistas sofrem de sérias ilusdes dticas e, por isso, sera tacticamente melhor demonstrar-lhes as implicagdes mais tangiveis e monetarizdveis do desenho industrial para a vida de uma empresa. E 6bvio que, a nivel microeconémico, a intervengdo do desenhista industrial deve traduzir-se em maiores beneficios, sem o que perde-se a possibilidade de que se facam reinversdes dos excedentes produzidos, entre outros, pela intervengao projetual. O esquema mencionado, de redu¢&o do risco de invers&o, nao 6 novo. Os paises industrializados 0 praticam com éxito num ramo especifico de produtos: o da tecnologia militar. Na Periferia ele poderia ser operado com um tipo de produtos menos controvertidos. Outro nucleo de cristalizac&o para o desenho industrial, ndo menos importante, é constituido pelas instituigdes de ensino. Sua posicéo nem sempre € cémoda, acusadas que sao de elitistas e de estarem separadas por um abismo do contexto social e industrial. A primeira censura perde validade se o carter elitista se manifesta numa excelente capacitagao técnica, unida a uma sensibilidade social, e nao for tomado no sentido de casta fechada e exclusivista. 10 As universidades, por sorte, tém o privilégio de dispor de um espaco © experimental de manobras e, se sabem usé-lo, podem explorar formas de cooperacdo ao prestar seus servicos de extens%o a uma clientela pouco habitual,-como-parques industriais, cooperativas; comunidades rurais e : departamentos governamentais, contribuindo Para difundir e “‘desélitizar” o desenho industrial. risierae A outra objecao referida sobre a brecha entre o mundo académico e contexto tecnoldgico e social é mais dificil de desvirtuar. Sendo o ensino, entre outras, uma tarefa de antecipagdo, existe o perigo de que se produzam defasagen: contingéncias imediatas e um programa de ensino. Este perigo pode ser reduzido com a aproximagao tematica, didatica € institucional do curriculo do ensino do desenhista industrial & realidade ia tecnolégica e social. Por esta razo, a aceitac&o do modelo e da expel de ensino do Cen je ser nociva, conduzindo ao autobloqueio das Pr6prias.capacidades e a um distanciamento da cultura local. Deste modo, o desenhista industrial se transformaria num estrangeiro em seu préprio pais. E preciso enfrentar radicais revisdes e iniciar uma releitura das experiéncias programaticas e didaticas do Centro, despedindo-se talvez definitivamente dos esquemas aos quais estamos afeicoados. Este empreendimento nao agradard, por certo, Aqueles que esperam a chegada de solugdes do Centro. Em sintese, segundo minha opiniao, o critério- chave, tanto para a pratica profissional, como para o ensino e a pesquisa do desenho industrial na Periferia, consiste em chegar a liberagdo cultural tecnolégica. E absurdo pensar que os paises dependentes podem ser emancipados por outros. A liberacg&o no campo da cultura tecnolégica da qual faz parte o desenho industrial, sera autoliberagdo ou nao sera liberacao. William Morris, injustamente considerado como representante de um pensamento idealista e ultrapassado, escreveu, hé cem anos, algumas palavras muito apropriadas para caracterizar a atividade projetual: “Proporcionar satisfagaio as pessoas nas coisas que elas forgosamente devem usar é uma das grandes tarefas da decoragéio” (que, para Morris, 6 sindnimo de desenho). “Proporcionar satisfacdo as pessoas nas coisas que elas forcosamente devem produzir 6 outro dos usos do desenho industrial’”.* Com exemplar lucidez, Morris via 0 projeto como um nexo entre a produgao e o consumo. Menos ambiciosos e otimistas do que Morris, * The Lesser Arts, conferéncia proferida em 1877 © publicada em 1878; em: A.L. Morton (ed.) Political Writings of William Morris, Lawrence and Wishart, Londres, 1979, p. 33. V1 DoS? cigs porém podemos hoje contentar também com mence'fhue os artefatos, que os objetos, que os utensilios, que as maquinas, que as criagdes nao irritem; que se encaixem como uma chave numa fechadura, entendida esta Ultima como configurag3o de necessidades; que sejam simples em sua fabricacdo, em seu uso, que sejam reparaveis e de longa vida; que nao constituam agressdes visuais, que ndo apresentem a penetrante auréola. do. “’bom design'’; que sejam ecologicamente compativeis; que nao estimulem o delirante desperdicio dos recursos naéo-renovaveis. Se isso se tornasse realidade, comecarfamos a ter uma alternativa para 0 desenho industrial, umalalternative descolonizadora\do desenho industrial da Periferia.

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