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DIREITOS FUNDAMENTAIS

Paulo Napoleão Nogueira da Silva


Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP;
Membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo;
Menbro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas-Instituto Pimenta Bueno;
Membro da Associação Argentina de Direito Constitucional.

Sumário : I. Fundamentalidade e Direitos Fundamentais; II. O Problema


Positivista;1. O Direito à Vida; 2. O Direito à Liberdade; 3. O Direito à Igualdade;4.
O Direito à Segurança; 5. O Direito à Propriedade; III – Os Direitos Fundamentais
em Espécie; 6. O Direito de Acesso à Justiça;7. O Direito à Personalização da
Pena; 8. O Direito à Integridade Física e Moral;9. A Livre Manifestação de
Pensamento;10. A Liberdade de Consciência e de Crença;11. A Livre Expressão
da Atividade Intelectual em Geral;12. A Inviolabilidade da Vida Privada, da Honra,
e da Imagem das Pessoas;13. O Sigilo de Correspondência nas Suas Diversas
Modalidades;14. Parêntese sobre o Direito de Reunião; IV – Conclusão.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

O relevante tema dos direitos fundamentais surgiu a partir das


Constituições datadas de menos de cinqüenta anos. Com efeito, as anteriores
davam mais ênfase à organização do Estado, aos seus Poderes e respectivas
autoridades, assuntos que eram tratados em primeiro lugar. Só a partir de então
as novas Cartas políticas passaram a estampar nos seus textos, em posição de
preeminência, os direitos dos cidadãos, e entre estes os que interessam
diretamente à efetiva existência de um Estado Democrático de Direito, ou seja, os
denominados direitos fundamentais.

I – FUNDAMENTALIDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Fundamentalidade é a qualidade que torna algo essencial à existência de


alguma coisa, v.g., um sistema político ou econômico, um modo de viver, valores
morais e sociais, até mesmo valores de crença religiosa, e outros aspectos da vida
em sociedade.

Há grande confusão em torno do que sejam direitos humanos, direitos


individuais, e direitos fundamentais, mas é certo que todos eles só podem ser
considerados a partir da sua essencialidade – fundamentalidade -- em relação ao
que possam proteger.

Os denominados direitos humanos, decorrem da simples condição de


pessoa humana, e destinam-se a assegurar as conseqüências dessa condição;
interessam, portanto, a todos os indivíduos, independentemente de quaisquer
circunstâncias: há conteúdo moral, ético, físico, humanitário, e outros, na
consideração da pessoa humana.

Os direitos individuais dizem respeito à cidadania, à participação na vida em


sociedade, dos pontos de vista político, econômico, e social em geral. Voltam-se a
proteger os que exercem efetivamente a cidadania. Interessam, portanto, ao
cidadão.

A propósito, com extrema acuidade a Revolução Francesa emitiu a sua


“Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, estabelecendo clara
distinção entre a simples condição de pessoa humana e a do cidadão.

Os denominados direitos fundamentais dirigem-se a preservar os


fundamentos de uma organização estatal. As organizações estatais revestem-se
das mais variadas formas e valores, de acordo com a cultura de cada sociedade, e
essa questão dos valores não permite que o cultor do Direito proclame,
drasticamente, que só a democracia -- tal como entendida na generalidade do
Ocidente -- possa ser considerada como organização estatal: é necessário
reconhecer as diversidades políticas e sociais inerentes a cada povo, e somente
assim lobrigar o que são direitos fundamentais em cada sociedade.

Entretanto, em termos de Brasil, devemo-nos cingir ao Estado Democrático


de Direito, proclamado na Constituição. Nesse prisma, deve-se analisar quais
direitos são pilares na defesa do Estado Democrático de Direito. Reitere-se a esse
respeito, que é imprescindível separar os conceitos: direitos humanos referem-se
à simples condição de pessoa humana; direitos individuais, ao que interessa ao
cidadão; e direitos fundamentais, os que interessam à manutenção e efetividade
do Estado Democrático de Direito.

É claro que na idéia de Estado Democrático de Direito, está subjacente a


proteção aos direitos humanos e aos direitos individuais dos cidadãos; mas, isso
apenas indireta ou implicitamente. Para manutenção e efetividade de tal
organização estatal e do seu conteúdo, para a sua existência, enfim, há que
discernir entre esses direitos e os que a esta interessam precipuamente, no
sentido de a invalidarem se não forem considerados como fundamentais.

II – O PROBLEMA POSITIVISTA

Depois que o egrégio Hans Kelsen lançou sua “Teoria Pura do Direito”,
quase todo o mundo ocidental tornou-se positivista: seria preciso que a norma
estivesse lançada por escrito. No Brasil, o problema assumiu proporções culturais
gigantescas, graças ao atraso em nossa doutrina jurídica.

É claro, tínhamos desde muito antes luminares do Direito, como Paula


Baptista (“Compêndio de Direito Processual Civil comparado com o Comercial”),
Teixeira de Freitas (“Consolidação das Leis Civis do Brazil”), Marquês de São
Vicente (“Direito Público Brazileiro e Análise da Constituição do Império”),
Galdino Siqueira (“Direito Penal”), Visconde do Uruguai (“Direito Administrativo”), e
depois Basileu Garcia, Anibal Bruno, e Nelson Hungria, no campo penal.

Entretanto, apesar desses bastiões da doutrina jurídica, a verdade é que o


positivismo jurídico passou – após Kelsen – a permear toda a nossa vida voltada
ao Direito. Criou-se, até, a conhecida e inadequada indagação “Onde é que isso
está escrito?”. Porque, para a cultura positivista, tudo precisa estar escrito, a
questão deixou de ser de princípios para se tornar em texto escrito, nem sempre
de acordo com os princípios, e em muitos casos a lei infraconstitucional passou a
valer mais do que a Constituição.

Exemplo muito claro do positivismo – alterando a realidade cultural e


histórica – é a afirmação de que só a Constituição de 1934 facultou o voto às
mulheres. Muito ao contrário dessa falsa crença, durante a vigência da
Constituição de 1824 não havia proibição de voto às mulheres, e por isso ela
sequer se referiu ao assunto: o que havia era uma espécie de coerção social, no
sentido de que as mulheres não deviam participar de política; mas aquelas que o
queriam, votavam livremente. No entanto, como a Constituição de 1934 foi a
primeira a dizer por escrito que as mulheres podiam votar, passou à – falsa –
História como aquela que facultou o voto feminino.

Outro exemplo de como na anti-cultuta positivista tudo precisa estar escrito


para ter valor, o que elimina o bom senso e o raciocínio teleológico cultura, é o
mandado de segurança. Em 1826, o Imperador Dom Pedro I visitou São Paulo e
concedeu audiência pública na Câmara Municipal. Foram tantas as reclamações
que ouviu contra abusos de poder das autoridades, que resolveu lançar uma
proclamação a todo o País, dizendo em suma “Se autoridade Pública vos agravar
nos seus direitos líquidos e certos, representai-me pessoalmente ou aos meus
juízes, e em 24 horas vossos direitos vos serão restituídos plenamente” (cópias
dessa proclamação são encontráveis, hoje, no Museu Paulista do Ipiranga, São
Paulo).

A proclamação do primeiro Imperador criava, nem mais, nem menos, o que


hoje se denomina mandado de segurança. Até o final do Império, mais de 6.000
dessas representações – o que não foi pouco, considerada a população ativa --
foram julgadas em rito de processo judicial urgentíssimo.

Entretanto, como a Constituição de 1934 foi a primeira a utilizar a


expressão “mandado de segurança”, a doutrina jurídica positivista passou a
afirmar que o mandado de segurança foi criado por ela, e assim prossegue até
hoje: não importam os institutos, nem os princípios, é preciso que tenham um
nome no texto legal, um rótulo ...

O problema se relaciona, obviamente, com os direitos fundamentais, e a


doutrina positivística afirma – tantas obras têm sido lançadas, nesse sentido – que
tais direitos são aqueles declarados por escrito na Constituição, embora em
nenhum tópico esta se refira expressamente a direitos fundamentais. E isto,
apesar de que o art. 5º § 2º inclui muitos outros direitos constitucionais não
enumerados expressamente. É certo, o art. 3º fala em objetivos fundamentais, dos
quais podem decorrer – ou, não – direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de
questão que contém um cúmulo de mediocridade intelectual, o afirmar que os
direitos fundamentais são os que estão inscritos na Constitução, e de
argumentação condicionada a estereótipos mal consagrados ...

Afinal, indaga-se, para essa doutrina positivística vale o que ela afirma, ou o
que diz por escrito a Constituição, já que trata-se de positivismo atrelado? Ou,
afirmará tal doutrina que decorre da Constituição e a interpreta, quando esta nada
refere? Se assim for, tal doutrina nega a ela mesma. E mais, as regras e
conclusões da hermenêutica estarão corretas, uma vez que erigidas à luz do
positivismo?

De notar, a Constituição norte-americana compõe-se de 15 artigos que,


com todas as suas sessões e incisos não chega a atingir 80 dispositivos
constitucionais. Os constitucialistas norte-americanos são unânimes em admitir
que sequer 30% do Direito Constitucional norte-americano estão na Constituição.
No entanto, entre seus artigos, parágrafos, incisos, e alíneas, a Constituição
brasileira soma mais de 2000 dispositivos, em homenagem ao positivismo
“jurídico”, que exige estar tudo por escrito.

Lembre-se, a Constituição chinesa contém 26 artigos, quase todos “secos”,


sem detalhamentos.

Ainda, o rei Eduardo VII, da Inglaterra, era conhecido pelo exacerbado


senso de cumprimento dos seus deveres constitucionais. Quais deveres? Todos
consensuais, nenhum escrito, como até hoje não estão.

Em face de todos esses elementos, o que se pretende a seguir é distinguir


quais são, realmente, direitos fundamentais em face da preservação do Estado
Democrático de Direito, embora, reitere-se, na idéia deste estejam embutidos os
direitos humanos e os direitos individuais.

1. O direito à vida

Uma primeira reação – é, verdadeiramente uma reação – dos menos


refletidos, brande o direito à vida como fundamental, e tal reação é compreensível.
Mas, se considerarmos que a fundamentalidade diz respeito ao que é essencial
para a manutenção de um sistema de direitos – inclusive, de condições para a
existência de uma sociedade – e mais, que a principal função do Estado
Democrático de Direito é garantir direitos, verifica-se que tal reação não pode
prevalecer.

Com efeito, o normal é a vida, não a morte. Mas, no Brasil e em inúmeros


outros países há previsão constitucional de exceção ao direito à vida. É claro que
ao sentir brasileiro repudia a pena de morte, embora a morte seja o “pão nosso”
da criminalidade nos dias que correm: por duas vezes o então presidente Emílio
Médice comutou penas de morte, previstas na EC 1/69, em prisão fechada. Mas,
se aqueles dois condenados houvessem sido executados isso em nada alteraria o
conjunto da sociedade brasileira.

De idêntica maneira, os quatrocentos ou mais condenados que são


executados anualmente nos Estados Unidos, os entre mil e dois mil na China, não
alteram a vida das respectivas sociedades, e muito menos determinam sua
extinção.

Assim, o direito à vida sofre exceções, e direito fundamental não pode


sofrer exceções. Logo o direito à vida é apenas um direito condicionado a que
determinadas regras de convívio sejam respeitadas. Na atualidade brasileira,
apenas em caso de guerra declarada haverá pena de morte, mas isso já é uma
exceção ao direito à vida. Logo, por mais que desagrade ou fira sentimentos,
juridicamente o direito à vida não é fundamental.

A propósito, deve-se refletir: é um meio de defesa do Estado Democrático


de Direito, na defesa de outros direitos do qual é encarregado, impor pena de
morte? Ao que tudo indica, sim. Então, por mais esta razão, o direito à vida não
pode ser tido como fundamental, sempre porque pode sofrer exceção.

2. O direito à liberdade

A este, aplica-se raciocínio idêntico ao relativo à vida: se sofre exceções,


não é direito fundamental. Entretanto, é de se considerar que a privação de
liberdade pode ser considerada como uma defesa legítima do Estado Democrático
de Direito, em face de atos que ponham em risco sua estrutura, neste caso
através de atentados contra o que ele precisa proteger, a fim de que vida em
sociedade seja possível.

Indaga-se, afinal: é possível considerar fundamental o direito à liberdade,


diante do crime organizado? Na verdade, o direito à liberdade é um direito
condicionado, assim como o direito à vida: condicionados, ambos, a que não
sejam praticados atos que os afastem. E, se são condicionados, não podem ser
tidos como fundamentais.

Como se verá adiante, outros direitos de liberdade devem ser considerados,


e não somente aquele relativo à liberdade de ir e vir, ou ficar.

3. O direito à igualdade

A igualdade foi uma criação política da Revolução Francesa, e com


finalidade louvabilíssima: retirar à nobreza e ao clero os privilégios dos quais
secularmente gozavam. À época, a França era uma espécie de capital da cultura
ocidental, e o que nela se passava irradiava-se para o mundo. No entanto, o
conceito de igualdade foi mal entendido por outros povos, causando isso grandes
dificuldades até os dias atuais porque para entendê-lo é preciso ter alguma
cultura, e em geral o povo a tem em pequena medida.

Não se deve deixar de ter presente, aliás e a propósito, a profunda lição do


pensador soviético Alexandr Solsenitzin, Prêmio Nobel de Literatura com o seu
“Arquipélago Gulag”, ao afirmar que a igualdade mata a liberdade.

De qualquer modo, o direito à igualdade aparenta complexidade, mas não a


tem. De fato, um Estado Democrático de Direito não pode pretender sê-lo, se não
houver igualdade entre todos os seus membros; mas, tal igualdade não pode ser
absoluta, uma vez que os seres humanos são desiguais por natureza: nem
mesmo impressões digitais idênticas estão presentes a duas pessoas, porque
cada ser humano é um indivíduo, uma individualidade única.

Em conseqüência, a igualdade – que, muitos juristas chamam de “relativa”


– só pode ser a de oportunidades: todos têm direito a participar da vida em
sociedade em igualdade de condições, aspirar a cargos públicos e privados, mas
sempre de acordo com sua respectiva capacidade. É como lucidamente dizia a
Constituição de 1824, ao assegurar igualdade de tratamento a todos, de acordo
com os méritos e virtudes de cada um; é assim, também, que as atuais
Constituições argentina e uruguaia – além de muitas outras – dão tratamento à
questão. Garantido o direito de pretender, cada qual obterá o resultado de acordo
com os seus atributos pessoais.

Deve-se convir, portanto, que a igualdade tem como ferramenta a


desigualação entre as pessoas, e não a igualação geral, porque é juridicamente
impossível igualar os desiguais ou desigualar os iguais.

A propósito de desigualação, o que não pode ser admitido é que ela seja
procedida – porque há casos em que pode sê-lo – sem um fundamento jurídico,
óbvio, e indiscutível a autorizá-la.

4. O direito à segurança

Este é um ponto extremamente importante no que tange aos direitos


fundamentais. A segurança a que alude a Constituição no caput do seu art. 5º,
não é meramente a segurança física em termos de segurança pessoal; ou seja,
não se trata apenas daquelas tarefas destinadas aos órgãos de Segurança
Pública, mas de um complexo de outros elementos: a segurança e certeza
jurídicas, a segurança de que os processos judiciais haverão de se desenvolver de
acordo com as regras que o devido processo legal estipula através dos Códigos
processuais, a de que as decisões judiciais estarão de acordo com o que dispõe a
Constituição, e muitos outros aspectos que abrangem a vida da sociedade.

A Constituição de 1824 foi bastante lúcida ao falar em “segurança”,


traduzindo esse vasto complexo de garantias lato sensu; pois, sem ele tornar-se-ia
impossível a vida em sociedade. Verdadeiramente, a segurança, em seu
adequado entendimento jurídico, é fator fundamental para a existência e
efetividade do Estado Democrático de Direito, não podendo sofrer exceções no
seu conjunto, em que pesem circunstâncias de momento que o Brasil e outros
países atravessam.

5. O direito à propriedade

Ao contrário do que muitas autorizadas vozes proclamam, a dignidade da


pessoa humana não é a pedra de toque dos direitos fundamentais, mas só um
princípio que o Estado Democrático de Direito utiliza para buscar fins
conseqüentes, de segurança jurídica. De observar, a propósito, a dignidade
humana não se mede pelo fato de alguém ser ou não proprietário.

A propósito, na extinta União Soviética inexistia a propriedade particular, o


único proprietário era o Estado, e não se há de pensar que nela a dignidade
humana deixasse de ser um postulado constitucional e consensual.

De outro ângulo, o Estado Democrático de Direito não pode pretender o


rompimento com tudo o que o antecedeu – até por questão de harmonia social -- e
a propriedade vem desde tempos anteriores à Bíblia; por isso, a Constituição a
protege. Enganam-se, no entanto, aqueles que entendem ser a propriedade um
direito fundamental, e ainda mais pelo simples fato de estar enumerada no caput
do art. 5º: o Texto constitucional a protege, sim, mas só como um direito individual.

III – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE

Postos os esclarecimentos anteriores, cumpre agora detalhar os direitos


que são verdadeiramente fundamentais, porque essenciais à existência do Estado
Democrático de Direito, da qual decorre necessariamente o reconhecimento de
direitos humanos e direitos do cidadão.

6. O direito de acesso à justiça

Este é, de todos os direito fundamentais, o mais importante: não se pode


cogitar de Estado Democrático de Direito sem livre acesso de todos à proteção
judicial. Com ou sem razão – quem di-lo-á será o julgador -- todos podem invocá-
la, e isso consagra constitucional e institucionalmente a teoria do direito abstrato à
ação.

Efetivamente, não é possível pensar-se em Estado Democrático de Direito


se alguém fica impedido de ingressar em juízo. Por extensão, aplica-se idêntica
conclusão se no processo alguém fica impedido de produzir provas, o que
contraria o princípio do devido processo legal e o da ampla defesa. Por tal razão
cabem reticências ao Estado Democrático de Direito brasileiro, já que o Código
Penal proíbe ao querelado a produção de exceção da verdade, em processo que
por difamação lhe seja movido pelo Presidente da República, o que condena
antecipadamente o promovido.

7. O direito à personalização da pena

Trata-se de outro direito fundamental, até mesmo óbvio em face dos mais
elementares princípios humanitários: com efeito, não pode alguém pagar pelo
crime cometido por outrem. É certo, existe no Direito Civil o instituto da herança, e
segundo este o herdeiro – se aceitar a herança – arcará com os compromissos do
de cujus, o que se apresenta como lógico: se recebe o ativo, deve também
receber o passivo; mas, uma coisa é arcar com compromissos materiais, outra é
ver privada sua liberdade em virtude de delito que não cometeu. Aliás, no caso de
herança o herdeiro pode renunciar a ela, o que produz efeitos tanto ativa como
passivamente; o que seria impossível, criminalmente, se a pena passasse da
pessoa do apenado para a do seu herdeiro.

8. O direito à integridade física

Este é um direito fundamental que se relaciona diretamente com direitos


humanos, mas é precedente em relação a estes. Na sua memorável obra “Dos
delitos e das penas”, o marquês Cezare Beccaria ressaltou que numa guerra um
general pode dar ordens que resultem na morte de centenas ou milhares de
pessoas, mas jamais admitiria o uso de tortura contra inimigos, porque isso feriria
a sua honra pessoal, e violaria a dignidade da pessoa humana.

A integridade física é vital para a existência do Estado Democrático de


Direito, está na base dos seus fundamentos. Trata-se, portanto, de direito
fundamental: juridicamente, não pode sofrer exceção de qualquer espécie, em que
pese a realidade dos dias atuais.

9. A livre manifestação de pensamento

Este é um direito fundamental tão óbvio, para a existência de um Estado


Democrático de Direito, que pouco há que se falar a respeito. De fato, o que
distingue os seres humanos é o pensamento, e este precisa sempre ser
manifestado, mormente numa democracia. A censura não conduz a avanços, mas
só a retrocessos na vida da sociedade, uma vez que é através do pensamento
que esta progride ou involui, para bem ou para mal.

10. A liberdade de consciência e de crença

É, também, um direito fundamental, e estreitamente vinculado à liberdade


de pensamento. Dispensa maiores comentários, não se trata de algo que possa
ser “regulamentado” pelo Poder Público, porque é íntimo a cada pessoa. Quando
se fala em liberdade de consciência e de crença, isso envolve crença filosófica,
política, e religiosa, imunes a qualquer fundamentalismo ou política de
“pensamento único”.
11. A livre expressão da atividade intelectual em geral

Trata-se de direito fundamental vinculado ao de livre expressão do


pensamento; na verdade, ambos integram um só direito fundamental. Se as
sociedades avançam ou recuam através do pensamento dos seus membros, isso
também ocorre em virtude de suas manifestações intelectuais em geral,
acadêmicas, artísticas, e outras. E tudo isso, precisa ter livre circulação para
propiciar o avanço democrático.

12. A inviolabilidade da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas

A proteção à vida privada é essencial ao convívio democrático, e já é


exigência do padrão civilizatório atingido pelos seres humanos, após séculos ou
milênios. Nesse sentido, uma regra é fundamental: não é possível confundir vida
privada, dentro ou não das paredes de uma residência, com a vida de domínio do
público, ainda que em atividades particulares.

Naturalmente, a proteção à vida privada liga-se diretamente à honra e à


imagem das pessoas. Pondo-se em questão a primeira, atinge-se as demais.
Logo, para que haja um verdadeiro Estado Democrático de Direito, é necessário
que esse conjunto de elementos seja igualmente protegido; caso contrário, cair-
se-ia numa situação de anti-democracia, de coerção através de desmoralização
pessoal, ou seja, num verdadeiro Estado policial.

13. O sigilo de correspondência nas suas diversas modalidades

Esse direito pode sofrer exceções, em caso de guerra ou de comoção


intestina, no interesse da manutenção do Estado Democrático de Direito.
Conseqüentemente, não se trata de um direito fundamental.

14. Parêntese sobre o direito de reunião

Com certeza, este é um direito relacionado ao de ir, vir, e ficar. Por isso, é
tido como algo inafastável, mas não é, e pelas mesmas razões relativas ao sigilo
de correspondência. Não há dúvida acerca de que os brasileiros em geral –
inclusive, juristas – têm na cabeça a democracia em que gostariam de viver,
idealística, e não aquela em que efetivamente vivem. Muitos fatos de nossa
História, aliás, causando atrasos no desenvolvimento da sociedade brasileira e no
desenvolvimento dos direitos, foram motivados por essa ótica inadequada.

IV – CONCLUSÃO

De tudo quanto se tratou, é cediço decorrer que direito fundamental é


somente aquele não sujeito a exceções de qualquer espécie, ou em qualquer
circunstância.

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