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Resumo do seminário – Antropologia


Curso de Ciência Política com ênfase em Relações Internacionais
Professora: Dora Ferraz
Aluno(s): Rafael, Sabrina e Milton

Estudo do sincretismo católico-fetichista

No Brasil, Nina Rodrigues foi quem primeiro chamou a atenção para o sincretismo existente
entre os orixás dos negros e os santos da Igreja Católica. Fez a distinção entre os africanos, que
ainda existiam no seu tempo, e os crioulos, concluindo aqueles se limitavam a justapor os
santos católicos às suas próprias crenças, enquanto que entre os crioulos havia uma tendência
de fusão dessas crenças.

Ao analisar o trabalho desse pesquisador, é necessário lembrar que o sincretismo não é um


fenômeno recente, nem estritamente localizado, o que pode ser constatado no catolicismo
primitivo, com a junção de lendas cristãs e mitos pagãos. E mesmo no Brasil o sincretismo é
um fenômeno antigo na união por semelhança dos deuses africanos e dos santos católicos.

Esse sincretismo não é cristalizado, mas variável e continua em evolução até hoje. Tal
variabilidade é ainda mais forte quando analisado o espaço, ao invés do tempo, mesmo sendo
contrabalançada pelo efeito da imitação como a migração de mães e pais-de-santo para outras
regiões, por exemplo.

Nina Rodrigues ainda fala da impossibilidade de ser escrito um estudo definitivo sobre o
sincretismo católico-fetichista e acrescenta que para ele ser compreendido, deve-se levar em
consideração não apenas a fusão dos deuses da África com os santos, mas a própria
participação do candomblé na Igreja Católica. Dessa maneira, existem dois casos possíveis: a
penetração do catolicismo no candomblé e do candomblé, no rito católico, o que aconteceria
inclusive com compra da cumplicidade da Igreja.

Para entender bem o sincretismo, é necessário entender que um orixá pode ser um orixá,
naturalmente, e um santo ao mesmo tempo e sobre essa questão existem várias
interpretações: a sociológica e a psicanalítica.

Segundo a interpretação sociológica, a qual tem uma origem histórica, os negros chegados ao
Brasil eram catequizados de maneira muito vaga e transformavam a religião imposta em uma
forma de disfarce de suas crenças tradicionais. É a famosa ilusão da catequese.

A segunda interpretação é a psicanalítica, que é complementar a primeira. Seria um fenômeno


de projeção: o negro, imerso na cultura dominante dos senhores, achava-se inferior e usava o
sincretismo como uma forma de elevar sua crença, sem se fazer de sua cultura.

Na verdade, o sincretismo é uma “representação coletiva’’, uma pressão do meio à qual


geralmente não corresponde nenhuma atitude subjetiva, motivo pelo qual a explicação
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sociológica é a mais aceita. Os africanos tiveram de mascarar suas crenças sob um catolicismo
de empréstimo e a fusão dos orixás com os santos se manteve, posteriormente, por tradição.
Contudo, para isso ser possível, foi necessário que o sincretismo encontrasse justificação num
certo tipo de mentalidade do negro.

Os negros procuravam analogias entre seus deuses e as divindades européias, de maneira que
não se tratava de identificá-las, nem de misturá-las, o que seria um verdadeiro sincretismo. Era
uma busca de equivalências.

Tal sincretismo católico-fetichista não apresenta nada novo ou particular e está inserido em
um quadro muito vasto, em que reina o raciocínio de semelhanças. O sincretismo, na verdade,
assume formas diferentes segundo a natureza das representações coletivas dos povos
assimiladores, que moldam as coisas novas a suas antigas maneiras de pensar. Por
conseguinte, as leis do sincretismo não são leis gerais, mas variáveis segundo as culturas em
contato.

Por fim, pode-se afirmar que o sincretismo é, no fundo, solidariedade étnica e uma
aglutinação de palavras e de realidades sociais de cultura em contato.

O Mundo dos Candomblés

O autor inicia este capítulo afirmando que para bem compreender o misticismo dos negros da
Bahia se faz necessário contextualizá-los, de maneira análoga, a povos que são considerados
como não-civilizados ou semicivilizados. Ainda de maneira análoga, ele coloca que o
misticismo cristão ou muçulmano baseia-se na ascensão da alma em direção a Deus, enquanto
que o misticismo do candomblé estaria relacionado a, por meio de ritos específicos, fazer Deus
ou o espírito apossar-se da alma dos praticantes desta religião.

Esse fenômeno é o que eles caracterizam de transe. Todos aqueles que recebem a visita de
um mesmo espírito, unem-se numa mesma comunidade religiosa. O espírito recebe o nome de
zar, enquanto que aquele que o recebe em seu corpo é denominado de “cavalo de zar”. Ao
prestarem culto ao zar, os seus seguidores fazem sacrifícios e oferendas. O autor salienta que
ao se apossar de um determinado “cavalo” zar o atribui diferente comportamento e
personalidade.

Quanto à origem da religião, há teorias que defendem que ela teria surgido na Pérsia,
passando pela Palestina, seguiu depois o curso do Nilo até chegarem ao Sudão e à Nigéria.
Bastide associa as descrições desta religião que remonta há séculos, como condizentes com as
cerimônias realizadas na Bahia, e descreve mais ou menos como ocorrem. Há um pessoal ativo
que ele afirma nunca serem possuídos pelos espíritos; a mulher velha que canta e bate em sua
cabeça; o tocador de violão; e o Magadja que ele descreve como aquele que tem a capacidade
de discernir o deus que se faz presente na cerimônia. Estes deuses são, como discorre o autor,
ao mesmo tempo, protetores e portadores de doenças, ambivalentes, portanto. O transe é
sempre temporário e o espírito é expulso por um espirro.
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Esta estrutura mística característica do candomblé, ratifica o estudioso, foi trazida ao Brasil,
como a outros países americanos, pelos negros, escravizados, com seus tambores e seus
mitos. Segundo a descrição do livro, há maneiras espontâneas ou não de entrar no candomblé.
Ele exemplifica o caso de uma lavadeira, que ao estar lavando roupa, foi selvagemente
possuída por Iemanjá, nesse caso o indivíduo deve se submeter à religião. Esse tipo de situação
vem a provar a força dos orixás, coloca o autor.
Uma vez ouvido o apelo divino, começa-se, assim, os ritos de iniciação. E este é descrito no
livro da seguinte maneira: “Duas cerimônias se entrecruzam então. De um lado o zelador ou
pai-de-santo prepara o fetiche descoberto, banha-o em azeite-de-cheiro, em mel ou em
qualquer infusão de ervas sagradas, conforme o caso, cercando-o de gestos litúrgicos e
pronunciando orações apropriadas. Por outro lado, o candidato se despoja de suas roupas, que
não mais lhe serão entregues, pois o ato simboliza o despojamento da personalidade profana;
banha seu corpo na água lustral, ao ar livre, sob a doce luz das estrelas. A partir desse
momento as duas cerimônias separadas se unem. Os animais consagrados são mortos, e rega-
se com o seu sangue ao mesmo tempo o fetiche preparado e a cabeça da candidata.”
Estes ritos têm por finalidade permitir que o orixá penetre na cabeça do indivíduo que se
submete e são denominado de ritos de entrada. Depois vêm os ritos de margem, ao qual o
“filho-de-santo” ou “filha-de-santo” fica no santuário, em uma espécie de retiro. Durante esse
tempo não é permitido receber visitas, e há um certo número de interdições como a proibição
de relação sexual ou de determinados alimentos. Existe também um rito de saída, que
consiste basicamente numa cerimônia chamada “de dar o nome”, ao qual termina pela posse
de um outro nome, o “verdadeiro nome”.

Quanto à origem, o autor segue afirmando que, historicamente, os navios negreiros traziam
membros das mais diversas tribos, e o sofrimento e a solidariedade acabou por aproximá-los
desencadeando em uma “comunhão clânica”. Ademais, a intenção dos líderes políticos
daquela época de afastar e destruir qualquer possibilidade de organização entre aquele povo,
desse modo promovendo o convívio entre “nações” hostis, surtiu o efeito oposto: os unindo,
portanto. O autor garante que os terreiros existentes na Bahia têm descendentes diversos,
tendo cada candomblé sua própria vida, história e espírito. Além disso, na construção de sua
pesquisa, ele procurou certificar-se de que cada observação feita não se tratava de um caso
isolado, restrito.

De uma maneira geral, os terreiros se dividem em três partes: a casa do culto, o barracão, e
um certo número de capelas isoladas. O terreiro pertence ao padre que o dirige. Abaixo do
zelador ou pai-de-santo, há o sacrificador de animais. Abaixo da mãe há mãe-pequena,
encarregada de auxiliá-la no culto e na iniciação das filhas e filhos-de-santo, e finalmente vêm
os filhos e filhas, em maior número.

Ao descrever os candomblés, o pesquisador ainda acrescenta que este é essencialmente um


lugar de festa.
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Cavalos dos Santos

Roger Bastide (1973) preocupou-se em conferir um estatuto social à possessão do Candomblé


em contraposição à idéia de que este fenômeno seria um momento de histeria. Para que o
fenômeno ocorra, é necessário obedecer a uma seqüência de atos ritualizados que levará uma
determinada pessoa ao transe. No entanto, nem todos podem ser incorporados por uma
entidade; isto só é possível àqueles que foram iniciados nos mistérios da religião. Todo o
processo de iniciação requer um tempo de educação religiosa que possibilita a pessoa tornar-
se um “cavalo” dos santos. Quando alguém “faz a cabeça” para um santo, é necessário
obedecer a vários procedimentos que garantam sua iniciação, entre os quais, a raspagem da
cabeça, que tem por finalidade criar uma “abertura” para ocorrer a incorporação.

Na verdade, existe um ensinamento religioso que, por meio de uma série de rituais, torna
alguém apto ao exercício da função específica de “receber o santo”. A maneira como o santo
escolheu a pessoa e os procedimentos para a “feitura da cabeça”, embora se apresente como
“mistérios da fé”, são socialmente compartilhados. Assim como há um roteiro sagrado para
fazer a cabeça”, no recebimento da divindade há uma seqüência lógica e necessária da qual
toda comunidade participa.

“(...) em primeiro lugar a preparação para a festa; o ‘cavalo’ deve estar ‘limpo’, isto é, deve ter
obedecido às diversas prescrições e tabus de seu Deus, abstendo-se de

5relações sexuais; seu corpo é o templo em que poderá descer o orixá. Em segundo lugar, o
apelo aos deuses. Ao martelar surdo dos tambores, atravessados pelo tilintar agudo do agogô,
os fiéis cantam os cânticos dos orixás, três cânticos para cada um deles, numa ordem
determinada, enquanto os membros da confraria, homens e mulheres (...) dançam os passos
apropriados a cada um dos diversos cânticos. No decorrer destes cantos e destas danças, na
noite musical da Bahia ou do Recife, um ser bruscamente se agita, as espáduas sacudidas de
tremores convulsivos, o corpo fremente, às vezes caindo por terra. O Deus montou no seu
‘cavalo’” (Bastide, 1973:299).

Bastide ainda continua sua bela narração introduzindo outros atores e suas respectivas
funções no transcorrer do ritual da “descida do santo”. Por fim, é narrado o momento em que
o santo abandona o “cavalo” e vai embora. Naquele instante, o batucar dos tambores e a
realização de alguns cânticos ocorre de forma inversa àquela que inicialmente chamou os
orixás. A isto Bastide denominou “lei da inversão mágica”, em virtude de mandar os deuses
embora e marcar a saída do ritual.

A possessão, como qualquer ritual, tem as suas etapas socialmente decodificadas. Existe uma
ordem temporal que deve ser obedecida para que o transe ocorra. Os santos só se incorporam
quando são executados uma batida e cânticos específicos, pois sua presença necessita ser
invocada. E não é qualquer santo que “desce”. Existe uma relação precisa entre eles, a batida e
os cânticos na produção da possessão. Além disso, o próprio “cavalo” somente recebe o santo
para o qual a sua cabeça foi destinada. Não existe nada de aleatório, despropositado ou
histérico na possessão. Uma vez incorporado, o “cavalo” fará exatamente os mesmos
movimentos, a mesma dança representando o mito correspondente.
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