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SUBJETIVIDADE E CARTOGRAFIAS GRUPAIS: UMA PERSPECTIVA

ÉTICO-ESTÉTICO-POLÍTICA.

Antonio Vladimir Félix da Silva

Existirmos: a que será que se destina?


(Caetano Veloso, In: Cajuína)

Uns dizem fim Uns dizem sim.


Uns amam Uns andam Uns avançam Uns também
Uns cem Uns sem Uns vêm Uns têm Uns nada têm
Uns mal uns bem Uns nada além
Uns bichos Uns deuses Uns azuis Uns quase iguais
Uns menos Uns mais Uns médios Uns por demais
Uns masculinos Uns femininos Uns assim
Uns meus Uns teus Uns ateus Uns filhos de Deus

(Caetano Veloso, In: Uns)

não tem um, tem dois,


não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não há sol a sós
somos o que somos
inclassificáveis

(Arnaldo Antunes. In: Inclassificáveis)

Nós não existimos co-existimos, nós não vivemos convivemos

(Leonardo Boff)
Introdução
Na história da psicologia, parece superada a questão se a subjetividade
é constituída individual e/ou socialmente. No entanto, às vezes, ainda nos
deparamos com representações teórico-metodológicas que tratam de restringir
o individual ao biológico, o biológico ao fisiológico e o social ao cultural,
negando todo o histórico-cultural da evolução da espécie humana e do
desenvolvimento ontológico do sujeito.
Para contribuir com a noção de subjetividade como socius, retomamos,
do enfoque histórico-cultural em psicologia, a parte menos explorada pelos
seguidores de L. S. Vygotsky (1896 - 1934), qual seja: a constituição da
subjetividade. Para Vygotsky todo o social é histórico e todo o psicológico é
social e histórico; esta tese parte da concepção materialista histórico-dialética
de que nós fazemos culturalmente a historia e, ao mesmo tempo, somos feitos
pela historia dada as condições sociais, econômicas e políticas em que nos
tocam viver.
Desde esse enfoque, concebemos a formação e desenvolvimento das
funções psicológicas como processos complexos condicionados pela mediação
do outro aprendentes e ensinantes e das vivências. As vivências são as
experiências afetivo-cognitivas marcadas pela emoção e a situação social de
desenvolvimento. Esta, nós a definimos como a relação singular e única que
cada ser estabelece com seu entorno e consigo mesmo em um dado contexto
e em cada período de idade e fase da vida (VYGOTSKY citado por FÉLIX-
SILVA, 2005). Ontologicamente, a mediação é feita estabelecendo-se vínculos
de uns com os outros, por meio de artefatos culturais e dos processos
psicológicos mais complexos, tais como a unidade do sistema de consciência:
percepção, memória, emoções; significados, representações e significações
inconscientes, em outras palavras: produção de sentidos polifônicos.
Como exemplo, pesemos com Vygotsky a questão do gesto indicador
como a primeira inscrição da criança. Este gesto de escrita no ar é um gesto
indicador para o outro, pois, a primeira vez que a criança aponta para um
objeto, quem atribui sentido a esse gesto é o outro, este sentido dado ao
significante pode marcar o corpo da criança em dada situação social de
desenvolvimento; de maneira que a criança pode começar a balbuciar gestos
de fala, tentado imitar o outro, depois imitando e repetindo a fala do outro par
a
nomear os signos lingüísticos; até que, mediada pelas vivências experiências
afetivas ela aprenda a falar e/ou a saber caso dos surdos que o gesto
indicador é um gesto indicador também para si (Vygotsky, citado por FÉLIX-
SILVA, 2005)
A constituição da subjetividade como socius (DELEUZE e GUATARRI,
1995) vai adquirindo sentidos na convivência e coexistência de uns com os
outros, pela mediação da experiência de vida, das vivências e dos vínculos
afetivo-cognitivos estabelecidos por meio de artefatos culturais: linguagem,
escrita, cálculo, trabalho, tecnologias do conhecimento e da informação,
multimídias, arte e instituições.

Cartografias grupais e processos de subjetivação


Partimos da noção de subjetividade como socius e do reconhecimento
de que toda subjetividade é subjetividade de grupo (GUATTARI, citado por
PASSOS, 2007), e concebemos o grupo como um dispositivo para pensar
relações de saber poder, processos instituídos e instituientes nos cenários nos
quais as cartografias grupais são constituídas, se constituem e as constituímos
enquanto paisagens psicossociais (PASSOS, 2007; BARROS, 2007). O que é
um dispositivo?
Michel Foucault nomeia dispositivo:
Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se
pode estabelecer entre esses elementos (FOUCAULT
citado por KASTRUP e BARROS, 2009)

Conceber o grupo como um dispositivo e como uma paisagem


psicossocial significa cartografar processos de subjetivação e produção de
subjetividade, a partir dos seguintes analisadores:
a) Relações de saber poder estabelecidas e movimentos de resistência
que tencionam essas relações nos grupos e na vida cotidiana.
b) Processos de subjetivação que ora mostram o grupo em movimentos
de assujeitamento ora como grupo-sujeito.
c) Produção de subjetividade, modo grupo-identidade e devir-grupo nos
processos grupais.

O que são cartografias grupais?


Em psicologia, cartografias são paisagens psicossociais (ROLNIK,
2006). Sendo assim, cartografias grupais são paisagens humanas, carta
subjetiva cuja escrita corpo é a que se faz presente no espaço dos grupos e
cuja composição é feita do acompanhamento dos processos de subjetivação e
da produção de subjetividade na sociedade contemporânea.
Que é subjetividade? E o que são processos de subjetivação?
Compreendemos subjetividade como a produção dos modos de
existência e invenção cultural do mundo, modos de viver, (re)produzir a
historia, produzir cultura e reinventar a vida. E denominamos processos de
subjetivação os modos de sentir, pensar, atuar, sonhar, desejar, ser, devir;
modos de ler-se ao ler, de inscrever-se ao escrever, de odiar, sofrer, enfermar-
se, amar, viver, modos de fazer cultura, de produzir saúde, de cuidar de si e de
inventar o mundo.
Na contemporaneidade, a produção da subjetividade e dos processos de
subjetivação se dá nas múltiplas formas de interação social dentro do
capitalismo mundial integrado, ou seja, tanto dentro da sociedade global como
dentro de um grupo, um território, uma cidade, uma comunidade, um
movimento social, uma instituição: Família, Escola, Igreja, Estado...
(GUATTARI, 1995).
Modos de subjetivação, técnicas de subjetivação do desejo [micropolítica
do desejo] e estratégias de subjetivação do sistema vigente de poder [máquina
capitalista, território hegemônico] e dos sistemas normativos do saber
[epistemologia normativa] constituem a maneira pela qual, a cada momento da
história, prevalecem certas relações de poder-saber que produzem objetos-
sujeitos, desejos, necessidades e vontades (FOUCAULT citado por PASSOS,
2007).
Neste sentido, a subjetividade não é um dado determinado por uma
estrutura psicológica, mas um produto produtor da história: história e devir na
história. Não uma história que venha para dizer quem somos, mas naquilo que
nos diferenciamos (FOUCAULT, citado por BARROS, 2007)
Devir não é um vir a ser, nem um vir-a-ser-sendo. Ser é Devir
(DELEUZE e GUATARRI, citados por BAREMBLITT, 2003). Devir é ser em
movimento e é liberdade de ser e também liberdade de ser diferente.

Foucault dizia que a liberdade existe quando se pode


rejeitar um modo de subjetivação em que se foi
constituído para criar outros, se diferenciando, afirmando
estas diferenças. Criar é se diferenciar. A diferença é a
que produz no mundo capacidade de provocar outras
diferenças, é aquilo que consegue escapar a fala única,
deixando vazar a polifonia que habita as multiplicidades
(FOUCAULT, citado por BARROS, 2007, p. 324)

São exemplos relacionados a essa polifonia e à produção de sentidos da


subjetividade em múltiplos devires: os heterônimos de Fernando Pessoa1, o
poema Todas as Vidas de Cora Coralina2, a música Flores Horizontais de
Oswald de Andrade e Zé Miguel Wisnik3, a poesia Deixe-me seguir para o
Mar , de Mário Quintana4; as várias composições de Chico Buarque em seus
múltiplos encontros com um devir-mulher e um devir-poesia de Carpinejar, que,
aos 37 anos (2009), inventa e vive a experiência de escrever um livro de 2045,
aos 72 anos; ele diz que poderá ter morrido antes, então decidiu antecipar a
velhice"5. Na escrita desse livro o ser do autor é puro devir. Também estão
relacionados ao devir nossas produções literárias ao acaso, como poemas e
contos que, às vezes, escrevemos; além de textos e artigos que publicamos e
até músicas que tocamos com o corpo em oficinas que participamos, mesmo
sem que cada um de nós possua uma identidade de músico.
1 Os heterônimos constituem vários poetas fragmentados e múltiplos que habitam Fernand
o Pessoa. Cada
um deles tem a sua própria biografia, sua temática poética singular e seu estilo específ
ico, gerando
poesias totalmente diversas. O próprio Fernando Pessoa explicou: Por qualquer motiv
o temperamental
que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias p
ersonagens
distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são c
omo eu, nos meus
sentimentos e idéias, os escreveria. Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo
Reis e os de Álvaro
de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles idéias ou sentime
ntos meus, pois
muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmen
te que os ler
como estão, que é, aliás, como se deve ler . Disponível em <http://www.pessoa.art.br/?p=56
3>

2 http://www.paralerepensar.com.br/coracoralina.htm#TODAS_AS_VIDAS
3 http://letras.terra.com.br/elza-soares/476981/
4 http://www.eurooscar.com/poesoutros/mario_quintana1.htm
5 CARPINEJAR, Terceira sede: elegias - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
O termo devir é relativo à economia desejante:
Assim, um indivíduo, atropologicamente etiquetado de
masculino, pode estar atravessado de múltiplos devires,
em aparência, contraditórios: devir feminino coexistindo
com um devir criança, um devir animal, um devir invisível
etc. (GUATTARI, 1995, p. 202).

O personagem Jamie (Ian Colletti) é um exemplo de devir-mulher ao


escolher vivenciar o papel da Rainha de Copas no musical apresentado no
filme A Menina no País das Maravilhas (EUA, 2008. Direção e Roteiro: Daniel
Barnz). Souleymane (Franck Keïta) é um exemplo de devir-fotografia, ao
elaborar um auto-retrato no filme Entre os Muros da Escola (França, 2008.
Direção: Laurent Cantet. Roteiro: Robin Campillo); Maria Preta é um exemplo
de devir-poesia ao recitar oralmente um poema de sua autoria no documentário
BB Educar: Turma Maria Preta (Direção: Cristina Digo e Vladimir Félix.
Fotografia e Imagens: Maria Dias. Roteiro: Vladimir Félix).
Os fluxos de desejo procedem por afetos e devires, independente do
fato de que essa produção desejante seja atribuída a pessoas, imagens,
identificações, projeções, sublimações, faltas, significantes (GUATARRI, 1995).
Desejo concebido como processo de produção do social, produção real de
seus objetos, de suas técnicas de subjetivação e do próprio desejo (ROLNIK,
2006). Esta concepção de desejo está associada diretamente à economia
desejante, ao inconsciente maquínico, desejo que quer ser só desejo e
produzir-se desejante.
Por tanto, micropolítica do desejo é o processo de produção de
paisagens psicossociais e ao mesmo tempo é o próprio movimento dessas
paisagens (ROLNIK, 2006). De maneira que um agenciamento coletivo do
desejo é constituído e movido por componentes heterogêneos, seja de ordem
biológica, social, territorial, maquínico, imaginário, gnosiológico [relativo à razão
do conhecimento em relação ao sujeito cognoscente, sujeito que conhece],
epistemológico [relativo à construção do conhecimento e ao sujeito que
aprende] etc. (GUATTARI, 1995).
A produção da subjetividade em múltiplos devires envolve componentes
macropolíticos: sistemas maquínicos econômicos, sociais, tecnológicos,
ecológicos etc. e micropolíticos: inconsciente maquínico, sistemas perceptivos,
de afeto, de desejo, orgânicos etc. (BARROS, 2007; ROLNIK, 2006).
A subjetividade é esse socius que é produzido e que se produz na
fronteira das relações, na zona de jogo e na zona de sentidos, na intercessão
entre a macropolítica e a micropolítica. Macropolítica se refere a relações mais
complexas: Estado; Sociedade global; Mídias; TIC s, Sistemas econômicos,
ecológicos, educacionais, tecnológicos, religiosos, em uma palavra:
institucionais. E micropolítica se refere a relações mais elementares,
estabelecidas também por meio de vínculos afetivos: amizade, casal, sócios,
parceiros, irmãos, pai e filho/filha, mãe e filho/filha, professor aluno, pequenos
grupos.

Retomando a etimologia da palavra, politikós diz respeito


a tudo que se refere à cidade (polis), sendo a arte e a
ciência de governar o Estado um de seus aspectos. Com
esse sentido ampliado, a política é a forma de atividade
humana que, ligada ao poder, coloca em relação sujeitos,
articula-os segundo regras ou normas não
necessariamente jurídicas e legais. Não mais pensada
exclusivamente a partir de um centro do poder (o Estado,
uma classe), a política se faz também em arranjos locais,
por microrrelações, indicando esta dimensão
micropolítica das relações de poder (FOUCAULT, citado
por PASSOS e BARROS, 2009, p. 151)
Se política é um dilema de onde nasce a crítica , como diz um dos
versos do poeta Patativa do Assaré6, pensar a subjetividade como socius,
numa perspectiva ético-estético-política, implica fazer intervenção na realidade
de um grupo por meio da problematização dos processos grupais instituídos.
Sabendo que o grupo pode romper com o modo grupo-identidade e devir-grupo
no sentido de transvalorar normas instituídas e se reinventar outro grupo.
6 SILVA, Antonio Gonçalves da. Miudinho e Curioso. In: PATATIVA DO ASSARÉ: Aqui tem
coisa
Fortaleza: Multigraf/ Editora, Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Cea
rá, 1994..
No filme A Menina no País das Maravilhas (EUA, 2008. Direção e
Roteiro: Daniel Barnz), as cartografias grupais dos alunos de uma escola vão
compondo um devir-grupo, mais no teatro do que na sala de aula; no teatro,
durante os ensaios e apresentação de um musical: Alice no País das
Maravilhas; na sala de aula, basicamente no momento em que há um círculo
de cultura sobre uma síndrome que afeta uma das personagens, mediado por
Phoebe Lichten (Elle Fanning), com a participação dos colegas de sala, de
familiares, de professores e da direção da escola. Também, no filme Entre os
Muros da Escola (França, 2008. Direção: Laurent Cantet. Roteiro: Robin
Campillo), alunas e alunos de diferentes etnias, enfrentando dificuldades de
aprendizagem com o idioma francês, tensões e conflitos na escola, compõem
uma cartografia grupal que pôde devir-grupo por meio da produção de um auto-
retrato e da mediação do professor François Marin (François Bégaudeau), ao
longo do ano letivo. Também, as mulheres e os homens que participam da
oficina em dinâmica de grupo e do círculo de cultura sobre a problemática da
água em Assaré-CE, constituem um exemplo de devir-grupo no documentário
BB Educar: Turma Maria Preta (Direção: Cristina Digo e Vladimir Félix.
Fotografia e Imagens: Maria Dias. Roteiro: Vladimir Félix).
Nos contextos de produção de uma subjetividade capitalística
(DELEUZE e GUATTARI, 1995), que trata de cooptar modos de vida que se
configuram como resistência, coexistem processos de subjetivação que
marcam as cartografias grupais ora como grupo assujeitado ora como grupo
sujeito.
Situar o grupo entre a clínica e política, pressupõe fazer da resistência
aos modos vigentes de saber-poder, uma maneira de pensar a vida e uma
forma de intervir na realidade, problematizando os saberes e os lugares
instituídos, as dicotomias naturalizadas, os momentos de insurreição na história
e os pontos de inflexão dos discursos na composição de certas práticas e
certas paisagens psicossociais (PASSOS, 2007).
O ethos de submissão mostra o grupo submetido a regras externas e faz
da posição subjetiva uma forma de assujeitamento. O ethos do grupo sujeito é
o da fala irruptiva, movimento em uma ação transgressora de significantes
sociais dominantes e das regras de assujeitamento, de maneira que o grupo
cria suas próprias regras e opera com autonomia (PASSOS, 2007).
De maneira que tomar o grupo como dispositivo de intervenção da/na
realidade, como espaço objetivo-subjetivo que nos faz pensar em movimento e
nos convida a colocar para funcionar os modos de expressão de subjetividade,
é o que nos mobiliza a operar processos de desindividuação, experimentação e
invenção, partindo de uma transformação da realidade para uma produção de
conhecimento (PASSOS, 2007; BARROS, 2007).
Nessa perspectiva ético-estético-política, acompanhar a produção de
subjetividade em um grupo é tratar de cartografar processos de subjetivação
nas múltiplas formas de interação social dentro desse grupo e pensar o ser do
grupo (modo-identidade) e o devir grupo (cartografias grupais em movimentos
para além da identidade do grupo), por meio da problematização de
segmentações e assujeitamentos nos processos grupais e por meio de
intervenções na realidade que potencializem movimentos de singularização,
desvios que rompam com relações de saber e poder cristalizadas e
potencializem a criação de novos modos de existência.
De acordo com Barros (2007) e Passos (2007), a questão ética refere-se
à desindividuação e à transvaloração na composição das cartografias grupais,
trabalhando as matérias de expressão da subjetividade como a transformação
da vida voltada para as diferenças, as ressonâncias múltiplas, a inclusão, os
desvios e para a produção de novos sentidos. E estética refere-se à
experimentação e à criação, a composição das cartografias grupais e
recomposição de universos de subjetivação.
Nesta perspectiva,
singularizar as diferenças é criar caminhos entre
impossibilidades e tocar virtualidades, fazendo proliferar
ramos de rizoma em que o grupo se transforma para que
a intercessão se faça entre estrangeiros-em mim em
contato com os estrangeiros-no-outro (BARROS, 2007, p.
324).

Neste sentido, são exemplos que podemos relacionar a uma postura


ético-estético-política: a postura da professora Miss Dodger (Patricia Clarkson)
no filme A Menina no País das Maravilhas (EUA, 2008. Direção e Roteiro:
Daniel Barnz); a postura do professor François Marin (François Bégaudeau) no
filme Entre os Muros da Escola (França, 2008. Direção: Laurent Cantet.
Roteiro: Robin Campillo); a postura do grupo de alfabetização de jovens e
adultos ao inclinar-se para cuidar Maria Preta e escutar sua poesia no
documentário BB Educar: Turma Maria Preta (Juriti Vídeo Produções.
Direção: Cristina Digo e Vladimir Félix. Fotografia e Imagens: Maria Dias.
Roteiro: Vladimir Félix).
Outros exemplos de múltiplos devires: Mirco (Luca Capriotti) devir-
cinema, devir-música, devir-editor de som, devir-ator...; Francesca (Norman
Mozzato) devir-autora e devir-atriz...; além de um devir-amizade relacionado às
crianças que se envolvem com Mirco e Francesca e um devir-grupo dela e de
todas na pesquisa, elaboração, montagem, produção e apresentação da peça
de teatro no filme Vermelho Como o Céu (Itália, 2006. Direção Cristiano
Bortone. Roteiro: Paolo Sassanelli, Cristiano Bortone e Monica Zapelli).
Em cada um dos exemplos anteriores e no exemplo abaixo, trata-se de
uma subjetividade que se põe a ouvir o estrangeiro que se produz no encontro
com o outro, que experimente o encontro com o estrangeiro em si, que se
arrisca em outros modos de composição psicossocial, que se produz
heterogênea e está comprometida com os processos coletivos que a produzem
(BARROS, 2007).
Barros (2007) nos conta que maio de 1968 (século XX) escapa a
historia, de maneira que os grupos em múltiplos devires interromperam com
uma sucessão de fatos e produziram fraturas num modelo de produção de
subjetividade que separava lutas políticas de movimentos do desejo. Este
acontecimento traduz uma série de correntes de pensamento, uma série de
movimentos mundiais marcados por suas especificidades socioculturais, que
se ligavam em uma crítica às formas instituídas de ser, de se organizar, de
viver (p. 242). Mesmo sendo um acontecimento histórico determinado, a
ruptura que ele produziu pôde e pode se irradiar, encontrar ressonância em
uma multiplicidade de acontecimentos invisíveis, que esperavam a invenção de
formas para sua atualização (p. 242).
Para Sant anna (2008), 1968 é a história de um fracasso, fracasso por
meio do qual construímos nossa fracassada e vitoriosa trajetória (Clarice
Lispector citada por SANT ANNA, 2008).

É o ano que nunca existiu ou o ano que a gente


inventou . Um não lugar , caixa de ressonância que foi
Paris, que era igual ao que dizem, sendo totalmente
diferente. Paradoxalmente, 1968 começou a acontecer
antes e, como todo feito histórico, é um fato a posteriori,
aconteceu depois: um surto de passeatas, greves e
guerrilhas. É impossível pensar nessa data sem citar os
Beatles, que surgiram no fim dos anos 1950 e em 1964 já
eram internacionalmente conhecidos. Sem lembrar dos
Hippies (1965), que se apoderaram das ruas de São
Francisco. Naqueles anos, os Estados Unidos eram um
caldeirão de protestos: negros, índios, homossexuais,
ecologistas, hippes, experiências com LSD e toda sorte
de drogas, protestos contra o Vietnã. A situação nos
Estados Unidos, França, Tchecoslováquia, México e
Brasil era totalmente diversa, é penoso reconhecer após
1968, houve um recrudescimento da direita. E o mais
desnorteante é como a história se constrói por meio dos
fracassados (SANT ANNA, 2008)

Nosso estilo de vida, nosso modo de viver e de produzir nossa


existência vão adquirindo sentidos na convivência com os outros mediados
pelas vivências e também pelos jogos de saber poder estabelecidos nas
relações micro y macropolíticas. Nesta zona de sentidos, coexistem processos
de subjetivação que ora são capturados pela produção de subjetividade vigente
em um dado sistema econômico e ora produzem desvios nos modos de vida
estabelecidos. De maneira que um ente um ser pode devir outro por meio
de processos de singularização que produzam outros modos de existência.
A produção desses modos de subjetivação conectados ao devir e à
multiplicidade implica uma aposta no coletivo, na composição das cartografias
grupais como dispositivos para produzir novos processos de constituição de
subjetividade.

Como citar (provisoriamente) este texto:


FÉLIX-SILVA, Antonio Vladimir. Subjetividade e Cartografias Grupais: uma
perspectiva ético-estético-política. In: Auto-Atendimento UnP. Dinâmica de
Grupo, 2010.2 julho a dezembro. Recurso Didático. Natal: Universidade
Potiguar, 2010.

Bibliografia:
BARROS, Regina Benevides de, Entrada grupal: uma escolha ético-estético-
política (317 - In: Grupo: a afirmação de um simulacro. Porto Alegre: Sulina
Editora da UFRGS, 2007.

DELEUZE, Gilles, y GUATTARI, Félix. El Anti Edipo. Capitalismo y


esquizofrenia. Traducción: Francisco Monge. Título Original: L'Anti-Oedipe.
Capitalisme et schizophrénie (Éditions de Minut, París, 1972). SAICF, Buenos
Aires: Editorial Paidós, 1995.

PASSOS, Eduardo. Quando o grupo é afirmação de um paradoxo (11 19).


In: BARROS, Regina Benevides de, Grupo: a afirmação de um simulacro. Porto
Alegre: Sulina Editora da UFRGS, 2007

PASSOS, Eduardo, BARROS, Regina Benevides de. Pistas do método da


cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade / Eduardo passos,
Virgínia Kastrup, Liliana da Escóssia (Orgs.) Porto Alegre: Sulina; Editora da
UFRGS, 2009.

FÉLIX-SILVA, Antônio Vladimir. Procesos de subjetivación en el aprendizaje


de la lectura y la escritura. Tesis (doctorado) Universidad de La Habana,
2005.

ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do


desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2006.

SANT ANNA, Afonso Romano de. Maio de 68. In: Correio brasiliense
caderno C, p. 8 Brasília, domingo, 6 de abril de 2008. Disponível em
<cultura@correioweb.com.br>, acessado em abril de 2008.

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