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Curiosidades linguisticas

Pensamento e linguagem
Como eu mencionei no texto anterior, há uma controvérsia interessante: seria o nosso
pensamento moldado pela nossa linguagem? Você já tinha parado para pensar nisso?
Será que se a sua língua não tem uma palavra para expressar determinada realidade,
você não conseguirá pensar nela? Ou será que, se a sua língua não distingue certas
coisas, você também não vai distinguir?
Façamos um teste: se eu lhe perguntar qual é a cor do céu num dia ensolarado, você
provavelmente responderá "azul". E se eu te perguntar qual é a cor da tampa daquela
caneta BIC que você costuma usar, você provavelmente também responderá "azul".
Agora pare e pense: estamos falando da mesma cor?
Se você respoder "sim", então a sua linguagem está de fato modelando o seu
pensamento. Porque do ponto de vista físico, jamais poderemos dizer que se trata da
mesma cor. Pergunte a um russo! Em russo, referimos à cor do céu e à cor da tampa da
caneta BIC usando duas palavras completamente diferentes.
Estamos falando da célebre e controversa "hipótese de Sapir-Whorf" (Edward Sapir e
Benjamin Lee Whorf foram dois importantes lingüistas norte-americanos). Segundo
essa hipótese, nós só conseguimos pensar em certas coisas se a nossa língua assim o
permitir. O que você acha disso?

As línguas românicas não vêm do latim (?)


Na última vez que estive na França, estava fazendo muito sucesso por lá um livrinho
sensacionalista de um lingüista que jurava que provava que as línguas românicas
(português, espanhol, francês, catalão, romeno etc.) não viriam do latim, mas de outra
língua falada na Itália, que ele chamou de "italiano antigo". E ele tentava provar usando
uma série de argumentos até que nem tão estranhos assim.
Bom, que as línguas românicas não vêm do latim, isso é óbvio. Não pelo menos do
latim que se ensina nas faculdades de Direito e de Teologia católica, o latim dos poetas
e dos oradores. As línguas românicas vêm do latim do povo, língua interessantíssima e
em minha opinião bem menos "chata" do que aquele latim todo rebuscado que a gente
aprende como sendo o latim "de verdade".
O autor desse livrinho a que me referi se esqueceu de um pequeno detalhe: vários
autores, inclusive gramáticos, da Antigüidade, disseram textualmente que a língua
falada no Império Romano era o latim, embora houvesse diferenças entre os falares das
diferentes camadas sociais. Se fosse outra língua, como quer o autor do livrinho, é quase
certo que alguém da época teria notado isso e dito isso para nós.

O estudo da Lingüística tem utilidade prática?


Fiquei sabendo, na semana passada, que lingüistas portugueses acabaram de patentear
um invento interessantíssimo: uma máquina que lê o código de barras de um produto
alimentício e mostra numa tela todas as informações nutricionais do produto, em
linguagem acessível e compreensível para o ser humano. Imagine só: você quer saber o
que significam todas aquelas porcentagens de substâncias químicas presentes naquela
lata de molho de tomate no supermercado, saber se você, que tem problemas do
coração, pode comer numa boa, etc. e tal. Você passa o código de barras na máquina e
aparece na tela um texto explicando tudinho, para quem é indicado, para quem não é
indicado, e assim por diante. Não é ótimo? É a Lingüística gerando produtos que podem
servir diretamente ao grande público.
A máquina ainda não foi construída, por enquanto só existe no papel, mas aposto que
não demora muito para aparecer por aí.

Shibboleth e guerra do Paraguai


Um dos primeiros relatos de variação e preconceito lingüístico é descrito no livro de
Juízes. Vou transcrever aqui o trecho do capítulo 12:

"Então se convocaram os homens de Efraim, e passaram para o norte, e disseram a


Jefté: Por que passaste a combater contra os filhos de Amom, e não nos chamaste para ir
contigo? Queimaremos a fogo a tua casa contigo.
2 E Jefté lhes disse: Eu e o meu povo tivemos grande contenda com os filhos de
Amom; e chamei-vos, e não me livrastes da sua mão;
3 E, vendo eu que não me livráveis, arrisquei a minha vida, e passei contra os filhos de
Amom, e o SENHOR mos entregou nas mãos; por que, pois, subistes vós hoje, para
combater contra mim?
4 E ajuntou Jefté a todos os homens de Gileade, e combateu contra Efraim; e os
homens de Gileade feriram a Efraim; porque este dissera-lhe: Fugitivos sois de Efraim,
vós gileaditas que habitais entre Efraim e Manassés,
Porque tomaram os gileaditas aos efraimitas os vaus do Jordão; e sucedeu que, quando
algum dos fugitivos de Efraim dizia: Deixai-me passar; então os gileaditas
perguntavam: És tu efraimita? E dizendo ele: Não,
6 Então lhe diziam: Dize, pois, Shibboleth; porém ele dizia: Sibboleth; porque não o
podia pronunciar bem; então pegavam dele, e o degolavam nos vaus do Jordão; e caíram
de Efraim naquele tempo quarenta e dois mil."

A palavra "shibboleth" significa, em hebraico, "espiga". Mas o problema aqui é outro:


tanto os efraimitas quanto os gileaditas falavam hebraico, mas pronunciavam as
palavras de maneira diferente. Os efraimitas não conseguiam pronunciar o som do "sh",
porque na pronúncia deles não havia esse som. Então, os gileaditas, já percebendo a
importância da língua na identificação do indivíduo, muito espertamente identificavam
os inimigos pelo fato de eles não conseguirem pronunciar "shibboleth" como eles
pronunciavam. Aplicando isso nos dias de hoje, é como se pedíssemos para a pessoa
pronunciar "cesta", por exemplo: se ela pronunciar /seyshta/, saberemos logo tratar-se
de um fluminense; se pronunciar /sesta/, será de outras regiões. E assim por diante.
Conta-se que algo do tipo também foi usado na guerra do Paraguai para identificar
espiões paraguaios infiltrados no exército brasileiro. Pedia-se que o suspeito
pronunciasse algo como a diferença entre "posso" e "poço" (como em "não posso cair
no poço", por exemplo). Um falante nativo de espanhol terá muita dificuldade em
diferenciar corretamente o /o/ fechado de "poço" e o /o/ aberto de "posso".
Ouvi falar que, em algum período em que o Japão estava em guerra contra a Coréia
(parece que já houve mais de um, me corrijam os historiadores), os japoneses também
usavam artifícios lingüísticos para identificar os coreanos infiltrados. E aposto que esse
tipo de artifício deve ter causado a morte de muita gente por aí em várias partes do
mundo. Se até hoje gera preconceito, imagine só...

Revista eletrônica de divulgação lingüística


Uma propagandinha: o departamento de Letras da UFSCar acaba de lançar uma revista
eletrônica de divulgação científica da área de Lingüística. É a revista "Linguasagem".
Tem artigos, colunas, entrevistas, essas coisas. Tá cheio de amigos e conhecidos meus
escrevendo por lá, espero que eles não venham ver as besteiras que eu estou postando
por aqui!
Bruno Maroneze

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