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Néia Schor 2
Abstract Introdução
1 Escola de Enfermagem, This cross-sectional study aimed to assess gen- Homens e mulheres têm iniciado sua vida se-
Universidade de São Paulo,
der differences in adolescents in relation to on- xual, em grande parte, na adolescência e de
São Paulo, Brasil.
2 Faculdade de Saúde set of sexual activity. A total of 406 15-19-year- formas um tanto diferenciadas. As práticas se-
Pública, Universidade old adolescents from a family health unit in the xuais na juventude têm sido descritas como di-
de São Paulo,
city of São Paulo, Brazil, were interviewed from nâmicas e em constantes transformações, sen-
São Paulo, Brasil.
May to December 2002. Nearly half had already do que seus perfis podem acarretar impacto
Correspondência had their first sexual intercourse, at a mean age importante na vida reprodutiva dos jovens, co-
A. L. V. Borges
of 15, independently of gender. Sexual debut was mo, por exemplo, o aumento das taxas de fe-
Departamento de
Enfermagem em Saúde usually unplanned (72.7%) and inside the home cundidade na faixa etária dos 15 aos 19 anos de
Coletiva, Escola de (86.1%). An equal proportion (61.0%) of males idade observado para o Brasil como um todo 1
Enfermagem,
Universidade de São Paulo.
and females used some contraceptive method in e a magnitude da AIDS no perfil epidemiológi-
Rua Dr. Enéas de Carvalho their first sexual intercourse; however, more co dos jovens brasileiros 2.
Aguiar 419, São Paulo, SP males had used a contraceptive method in their A primeira relação sexual é considerada um
05403-000, Brasil.
alvilela@usp.br
most recent intercourse. Having initiated their marco na vida reprodutiva de qualquer indiví-
sexual activity in stable, affective relationships, duo e tem ocorrido cada vez mais precocemen-
females proved to be more vulnerable to STD/ te, fenômeno descrito em estudos mais recen-
AIDS, since they switched from condoms to the tes no Brasil. Ferraz & Ferreira 3 relataram que,
pill in their subsequent sexual activity. Male em 1986, apenas 14,0% dos jovens entre 15 e 19
adolescents continued to use mostly condoms, anos tiveram relação sexual pré-marital, en-
probably because they were involved mainly in quanto que, em 1996, esta proporção subiu pa-
non-stable relationships. ra 30,0%. Este aspecto foi também evidenciado
em estudo realizado pelo Ministério da Saúde
Reproductive Medicine; Adolescent; Interper- (MS) 4, onde a idade média do início da vida se-
sonal Relations xual encontrada em 1984 foi 15,3 anos entre os
homens de 16 a 19 anos de idade e 16 anos en-
tre as mulheres da faixa etária. Já em 1998, a
idade média verificada diminuiu para 14,5 e
15,2 anos respectivamente.
Melo & Yazaki 5 também constataram uma
antecipação do início da vida sexual, especial-
masculino. A idade média dos entrevistados foi Um grande número dos jovens nasceu na
16,7 anos (dp = 1,36). Os jovens classificaram- Região Metropolitana de São Paulo (82,8% ou
se em sua maioria como negros 61,3% (249), 336), apesar do fato de que uma considerável
sendo 171 de cor parda e 78 de cor preta. Os proporção de seus pais e mães (69,5% e 68,0%
adolescentes que se referiram como brancos respectivamente) nasceu em outras regiões do
totalizaram 38,2% (155); um classificou-se co- país, principalmente o Nordeste, e migrado pa-
mo indígena e outro como amarelo. Esta pro- ra a cidade de São Paulo.
porção de adolescentes auto-classificados co- Neste presente estudo, foram considerados
mo negros é maior do que o percentual verifi- apenas os jovens que já haviam iniciado sua vi-
cado no Brasil (45,3%) e no Estado de São Pau- da sexual, ou seja, quase metade dos adoles-
lo (31,1%), de acordo com o Censo Demográfi- centes (46,1% ou 187), sendo que 86 eram do
co de 2000 10. O aspecto raça/cor tem sido des- sexo masculino (45,9%) e 101 eram do sexo fe-
crito como um importante marcador social, minino (54,1%).
justamente porque a população jovem negra Foram estudadas as seguintes variáveis,
tem sido enfatizada como a mais excluída so- sempre segundo o sexo: idade média do início
cialmente, pois, segundo Pinho et al. 11 (p. 279), da vida sexual (anos); tipo de relacionamento
“são eles que ocupam os piores níveis de escola- com o primeiro parceiro sexual (estável, consi-
ridade, apresentam as maiores dificuldades pa- derando as relações de namoro e noivado e não
ra ingresso no mercado de trabalho e, no mo- estável, considerando os outros tipos de rela-
mento em que nele se inserem, são aqueles que cionamento); idade média do primeiro parcei-
ocupam as mais desvalorizadas funções”. ro sexual (anos); local da ocorrência da primei-
O fato de 25,3% destes jovens viverem em ra relação sexual (em casa e fora de casa); pla-
domicílios ocupados e 38,5% morarem em do- nejamento prévio da primeira relação sexual
micílios cuja densidade de moradores por cô- (sim e não); uso de algum tipo de método con-
modo foi maior que um, o que revela condições traceptivo na primeira e na última relação se-
habitacionais precárias, ratificou sua baixa in- xual (sim e não); tipo de método contraceptivo
serção social. utilizado na primeira e na última relação se-
A maioria dos adolescentes era estudante xual (preservativo masculino e outros); núme-
(75,4% ou 306). O número expressivo de jovens ro médio de parceiros sexuais. A análise dos fa-
ausentes do sistema educacional (25,4% ou tores associados ao sexo foi realizada por meio
100) merece ser destacado quando se conside- do teste de associação pelo Qui-quadrado, com
ra que a maior parte dos estudos conduzidos correção de Yates. Os valores médios encontra-
com populações adolescentes, não apenas no dos nas variáveis quantitativas contínuas fo-
campo da saúde reprodutiva, são realizados ram comparados pelo teste de Mann-Whitney.
em escolas. Neste sentido, o fato deste presen-
te estudo ter se constituído em uma pesquisa
domiciliária foi fundamental para que se al- Resultados
cançasse uma amostra representativa de todos
os adolescentes ali residentes, inclusive os que A primeira relação sexual ocorreu em média
não estavam estudando, provavelmente os mais aos 15,13 anos de idade. Não foi observada di-
vulneráveis socialmente. ferença estatisticamente significativa entre a
Entre os jovens que estavam ausentes do idade média de início da vida sexual entre ho-
sistema educacional, apenas 38,3% já haviam mens e mulheres (14,94 e 15,29 anos respecti-
concluído o ensino médio e outros 38,3% não vamente). Os adolescentes de ambos os sexos
chegaram sequer a terminar o ensino funda- iniciaram sua vida sexual com parceiros(as)
mental. É importante ressaltar que 63,0% dos mais velhos(as), porém cabe ressaltar que a di-
ausentes do sistema escolar declaram-se com- ferença de idade entre o adolescente e seu pri-
pletamente inativos. Entre os que estavam es- meiro parceiro foi bem maior entre as mulhe-
tudando, 26,5% ainda cursavam o ensino fun- res do que os homens (Tabela 1).
damental, em um claro sinal de atraso escolar, As mulheres relataram ter iniciado sua vida
ou seja, de defasagem na relação idade-série, sexual predominantemente com pessoas com
visto que a faixa etária definida para o ensino quem já tinham um relacionamento afetivo-
fundamental é de 7 a 14 anos de idade 12. Desta amoroso estável, como em um namoro (79,1%)
forma, todos os indivíduos entrevistados, por ou noivado (7,0%), mas este evento foi também
encontrarem-se entre os 15 e 19 anos de idade, observado em relacionamentos de amizade
deveriam ter tido condições de concluir o ensi- (9,9%) ou com uma pessoa recém-conhecida
no fundamental e ingressar no ensino médio a (4,0%). Por outro lado, os homens iniciaram sua
partir dos 15 anos. vida sexual em relações de amizade (47,7%),
A primeira relação sexual foi referida como dos conduzidos com populações jovens da
tendo “simplesmente acontecido” por 72,7% Suécia, dos Estados Unidos e do Reino Unido,
dos adolescentes. O não planejamento da pri- têm observado que a idade média na primeira
meira relação sexual foi semelhante em ambos relação sexual das mulheres vem se mantendo
os sexos, assim como sua ocorrência com maior similar ao longo dos últimos anos, com uma
freqüência dentro de casa, seja a do próprio ado- particular convergência desta idade entre ho-
lescente, a do parceiro ou a de parentes (Tabe- mens e mulheres 15,16,17, sugerindo que a pro-
la 2). gressiva diminuição da idade de iniciação se-
Em relação ao uso de métodos contracepti- xual alcança um certo limite e passa, a partir de
vos, 114 jovens (61,0%) relataram ter utilizado então, a se manter em níveis estáveis, fenôme-
algum método na primeira relação sexual, ma- no que pode vir a ocorrer em futuro próximo
joritariamente o preservativo masculino (96,5%). também no Brasil.
Dentre os que não utilizaram o preservativo A iniciação sexual de garotas e garotos em
masculino na primeira relação sexual, as prin- uma mesma idade é um fato interessante por
cipais razões alegadas dizem respeito ao não ocorrer em uma cultura que tradicionalmente
Tabela 2
Distribuição por sexo segundo o tipo de relacionamento com o(a) primeiro(a) parceiro(a) sexual, planejamento e local
da primeira relação sexual, uso de métodos contraceptivos (MAC) na primeira e última relação sexual.
São Paulo, Brasil, 2002.
* p < 0,01;
** p < 0,05.
Tabela 3
Distribuição por sexo segundo o tipo de método contraceptivo usado na primeira e na última relação sexual.
São Paulo, Brasil, 2002.
* p < 0,01.
tem estimulado os jovens do sexo masculino a mento decisivo (e inicial) na construção do pri-
iniciarem suas práticas sexuais bem mais cedo meiro relacionamento verdadeiro, para eles tra-
do que o sexo feminino. Assim, este fenômeno ta-se de um momento de iniciação pessoal no
recentemente observado pode ser uma evidên- qual a relação com a parceira conta pouco”. E
cia das transformações ocorridas no compor- acrescentou, juntamente com Bozon 22 (p. 130)
tamento sexual da população brasileira, por que, para os homens, “a primeira relação tem
conta da entrada maciça das mulheres no mer- um caráter de prova, de experiência aventureira
cado de trabalho e sua crescente escolarização, e arriscada. Os discursos masculinos são centra-
do uso generalizado de métodos contracepti- dos sobre o indivíduo, sua satisfação ou suas
vos modernos, permitindo a desvinculação do dúvidas sobre si mesmo, a parceira não é o foco
ato sexual à reprodução e, principalmente no de interesse”.
contexto da AIDS, no qual as questões em tor- No tocante aos homens, a maior parte de
no da sexualidade tornaram-se mais proemi- suas primeiras experiências sexuais ocorreu
nentes no cenário público brasileiro 18. em relacionamentos não estáveis. No entanto,
Considerando a idade média dos primeiros uma proporção considerável dos homens tam-
parceiros sexuais, os dados mostraram que os bém relacionou-se sexualmente pela primeira
jovens tiveram a primeira relação sexual com vez com namorados(as), compreendendo 32,6%.
pessoas mais velhas. É preciso observar que os A este respeito, Rieth 23 (p. 128) descreveu que
primeiros parceiros sexuais das mulheres, sen- “a experiência masculina (...) traduz-se em
do quase quatro anos mais velhos que elas, po- duas atitudes: numa, o desempenho sexual é
dem acarretar perdas no poder de negociação visto como um ganho, sustentando o poder da
e autonomia de decisão tanto em relação ao masculinidade, noutra, a atitude é decidida-
momento de iniciar a vida sexual quanto na es- mente romântica, em que o homem busca ‘en-
colha do uso e tipo de métodos anticoncepti- tregar-se’ no momento certo e à parceira certa”.
vos pelas adolescentes, coerentemente com o Neste contexto, Pirotta 7 constatou um forte de-
que sugeriu Longo 19. Este resultado também sejo masculino de iniciar a vida sexual em um
reforça o tradicional relacionamento de mu- relacionamento com vínculo afetivo-amoroso,
lheres brasileiras com parceiros mais velhos 20 o que pode sugerir ser esta uma tendência cres-
e, por conseqüência, mais experientes sexual- cente entre os adolescentes do sexo masculino.
mente e, provavelmente, mais expostos aos ris- A primeira relação sexual não foi planejada
cos de contrair DST/AIDS. pela maior parte dos jovens, sem diferença en-
Se a idade em que a primeira relação sexual tre homens e mulheres. Ao também considerar
das mulheres ocorreu foi antecipada e igualada o local em que esta primeira relação sexual
à dos homens, não se pode dizer o mesmo dos ocorreu, majoritariamente dentro de casa, po-
contextos em que se deu esta primeira relação de-se aferir que houve um certo improviso e
sexual. As mulheres continuaram, em sua maio- até mesmo pressa em terminar o ato sexual,
ria (82,9%), guardando a primeira vez para ser visto que os jovens, além de lidarem com todas
compartilhada com pessoas cujo relacionamen- as ansiedades e preocupações que normal-
to compreendesse um compromisso, como, por mente permeiam o início da vida sexual, tive-
exemplo, namorados ou noivos, persistindo uma ram também como preocupação a eminência
idéia não apenas romântica sobre o sexo, mas da chegada de algum membro da família que
também de “entrega”. Pantoja 21 (p. 339), por pudesse surpreender este momento, fazendo
meio de um estudo antropológico com meni- com que, possivelmente, outras prioridades
nas adolescentes em Belém, Pará, Brasil, des- fossem colocadas em primeiro plano em detri-
creveu que “no relato das mesmas, a primeira mento de atitudes voltadas à contracepção e
experiência sexual aparece como formulada em prevenção de DST/AIDS.
termos de uma ‘entrega’, cuja legitimidade ocor- A prática contraceptiva foi deixada de lado
re no âmbito de uma relação afetiva já consoli- por cerca de metade dos jovens, fossem ho-
dada (o namoro), concretizada a partir da apre- mens ou mulheres. Os resultados demonstra-
sentação do parceiro à família, seguida do ‘pe- ram que muitos jovens ainda estão iniciando
dido’ em namoro”. sua vida sexual sem proteção contra gestações
Heilborn 18 (p. 56) enfatizou, ainda, as dife- não planejadas e DST/AIDS, em concordância
renças marcantes no início da vida sexual entre com outros estudos 13,19.
homens e mulheres: “a entrada na vida sexual Apesar do conhecimento de adolescentes
adulta e a maneira como as mulheres vivem es- sobre os métodos contraceptivos ser conside-
ta passagem continuam a diferir fortemente da- rado praticamente universal 6,24,25, pelo menos
quelas dos homens; enquanto para elas a pri- em relação à pílula, e gradativamente, em rela-
meira relação sexual é freqüentemente um mo- ção ao condom, Vieira 26 (p. 174) salientou que
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(72,7%) e dentro de casa (86,1%). O uso de um método gravida. In: Vieira EM, Fernandes MEL, Bailey P,
contraceptivo na primeira relação sexual foi similar McKay A, organizadores. Seminário gravidez na
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servado um aumento maior na proporção de uso de da Família; 1998. p. 47-54.
algum anticonceptivo entre os homens na última rela- 4. Ministério da Saúde. Pesquisa sobre comporta-
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