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ε) Mito da caverna de Platão

— Platão explicou muito claramente os seus pensamentos sobre a verdade e a realidade


pelo célebre Mito da caverna, no 7.º livro da República (514 ss.).

αα) Modos de ser.

— Conosco homens, aí se diz, se passa o mesmo que com prisioneiros, que se


achassem numa caverna subterrânea, encadeados, desde o nascimento, a um banco, de
modo a nunca poderem voltar-se, e assim só poderem ver a parrede oposta â entrada.
Por detrás deles, na entrada da caverna, corre por toda a largura dela, um muro, da altura
de um homem: e. por trás deste, arde uma fogueira. Se entre esta e o muro passarem
homens transportando imagens, estátuas, figuras de animais, utensílios etc, que
ultrapassem a altura do muro, então as sombras desses objetos, que o fogo faz
aparecerem, se projetam na parede da caverna, e os prisioneiros também percebem,
além da sombra, o eco das palavras pronunciadas pelos homens que passam. Como
esses prisioneiros nunca perceberam outra coisa senão as sombras e o éco, têm eles
essas imagens pela verdadeira realidade. Se eles pudessem, por uma vez, voltar-se e
contemplar, á luz do fogo, os próprios objetos, cujas sombras foram apenas o que até
agora viram; e se pudessem ouvir diretamente os uns, além dos ecos até então
ouvidos, sem dúvida ficariam atônitos com essa nova realidade. Mas se além disso
pudessem, fora da caverna e à luz do sol, contemplar os próprios homens vivos, bem
como os animais e as coisas reais, de que as figuras projetadas na caverna eram apenas
cópias, então ficariam de todo fascinadas com essa realidade de forma tão diversa. Mas,
se contarem aos prisioneiros, que permaneceram na caverna, que o que eles ouvem e
vêem não é a legítima e verdadeira, realidade, por certo não o acreditariam eles e
acabariam por zombar dos primeiros. E, se porventura alguém tentasse libertar os
prisioneiros e trazê-los à luz do verdadeiro mundo, isso também poderia custar-lhes
a vida.

ββ) O verdadeiro ser.

— E, contudo, é necessário que saiam da caverna as prisioneiros. É dever primário do


filósofo libertar o homem do mundo das aparências e das imagens, e conduzi-lo à visão
do verdadeiro ser. Este verdadeiro ser não é, por certo, o chamado inundo real, espácio-
temporal, iluminado pelo sol da terra. Este é apenas uma cópia. O verdadeiro mundo
real é somente o ‘ das Idéias. Uma primeira \ cópia dele, correspondente aos objetos
projetados na parede da caverna, é o inundo espácio-temporal. Uma cópia deste último
grau do ser e, então, propriamente, cópia de uma cópia, correspondente à sombra na
muralha, é o mundo da imitação.

γγ) "Hypothesis".

— O âmago de toda esta comparação é não somente o pensamento de que há diferentes


planos de seres, mas o outro pensamento, de que, aqui, um plano repousa sobre o outro:
a realidade das sombras se apoia no ser espácio-temporal do mundo físico real; este, por
sua vez, descansa no ser ideal. Aquilo sobre o que uma coisa repousa e somente
mediante isto ela pode ser pensada e ter existência, é, para Platão, um "pressuposto"
(υποθησιζ), i. é, um ser que deve começar por ser posto, para que mais um outro ser
deva. existir. Para Platão, hipótese (υποθησιζ) também significa, muitas vezes, uma
proposição aceita provisoriamente; mas na sua antologia hipótese é o fundamento do
ser. Se há um ανυποθετον, há também um υποθετον e há υποθεσειζ. A idéia é, aqui, o
mais importante.

ζ) O absoluto.

— O pensamento da hipótese não se limita à relação dos planos do ser entre si, mas se
refere à relação das Idéias umas para com as outras (Rep. 509 ss.). Há Idéias
subordinadas, que são pendentes das sobreordenadas, que lhes servem de fundamento e
de suporte. Mas sempre várias Idéias subordinadas têm, nas suas superiores, a sua
pressuposição e o seu fundamento; e dessas Idéias sobreordenadas, por sua vez, várias
se fundem em Idéias ainda mais amplas e altas. Donde, como numa árvore genealógica,
as Idéias que servem de suporte às outras tornam-se cada vez menos numerosas, mas
por isso mesmo de maior virtude, pela sua mais vasta extensão e compreensão. E,
assim, chegamos finalmente ao vértice da pirâmide, á Idéia das Idéias, donde todas as
outras dependem, pois ela, abrangendo-as a todas, também as funde todas em si.

αα) A Idéia das Idéias.

— Como o Sol, no reino das coisas visíveis, empresta a todas elas o ser, a vida e a
cognocibilidade, assim, no reino do invisível, a Idéia das Idéias também empresta a
todos os seres a sua essência e a sua cognoscibilidade. Mas, ela mesma de nada
depende. É o absoluto (ανυποθετον: Rep. 510 b; 511b), auto-suficiente (ιχανον: Fédon,
101 e). Por isso, já não é ser no sentido usual da palavra. Pois todo ser necessita de um
fundamento; mas, o Absoluto é de outra espécie, existe por si mesmo, está além de todo
ser (επεκεινα τηζ ονσιαζ), sobrepujando tudo em poder e dignidade. Assim chegamos,
de novo. à Idéia do Bem em si, a que já tínhamos subido, na busca da problemática do
valor ético.

ββ) Influências histórico-filosóficas.

— Com estes pensamentos, atingimos a origem histórico-genética de uma série de


filosofemas que perduram através de toda a História da Filosofia. Mais ou menos
pròximamente se entrelaçam com esta ideologia platônica a distinção entre o ser
absoluto e o contingente, o ens a se e o em ab alio, o conceito de uma ratio efficiens
para todo ser e a necessidade de um fundamento supremo do mundo; a prova da
existência de Deus pela causalidade e a contingência, a identificação do conceito de
Deus o do summum bonum, a concepção de Deus como a implicatio do mundo e a do
mundo como a explicaçãode Deus, o conceito de emanação, a fórmula εν χαι παν, prova
da existência de Deus pelos graus de perfeição e o conceito do ens summme perfectun,
etc.
η) Dialética.

— Se na metafísica platônica todo ser tem vida e recebe compreensão da sua Idéia
superior, então, a primeira do todas as tarefas é a de extrair as Idéias ocultas em cada
ente e prosseguir na busca da sua influência e ramificações. Donde a dialética platônica.
Ela é uma explicação do ser pelo logos, como fundamento do mesmo.

αα) O aspecto lógico.

— O que por certo e ordinariamente se distingue na dialética platônica é o aspecto


lógico; particularmente nos diálogos posteriores, descobrimos um pronunciado interesse
de Platão por esse aspecto lógico. Na realidade é assim, e as Idéias têm, antes de tudo,
para Platão um sentido lógico. É conceito, e como tal implica uma série de conteúdos
lógicos, que caracterizam um ser como tal (ποιον)para diferençá-lo de qualquer outro
(ετερον). Como conceito universal, é também a Idéia gênero e espécie e está assim
ligada a outros conceitos subordinados, sobreordenados e coordenados. Examinar este
entrelaçamento dos conceitos (χοινωμια των γενων), é a tarefa da dialética: "Não
devemos considerar como o ofício da dialética examinar a distinção dos conceitos, sem
atribuir várias significações a um mesmo conceito nem vários conceitos a uma mesma
significação? Ora, quem é capaz de assim proceder, compreenderá que um conceito
único abrange muitos, entre si distintos; e que muitos conceitos distintos uns dos outros
se incluem num conceito exterior. Além disso, que um conceito está em conexão com
todos os outros; e, finalmente, que muitos estão em oposição mútua. Chama-se a isto
saber distinguir de acordo com os conceitos, na medida em que é ou não é possível
existir uma conexão em cada caso particular" (Sof., 253 d). Neste processo podemos
partir de cima para baixo, "dividindo" os conceitos genéricos, mais universais, nas suas
espécies; e estas, por sua vez, em outros, até chegar-se ao indivíduo "não mais divisível
em partes"; "diairesis". Exemplo disto é, no Sofista (219 a ss.) a definição do conceito
de pescador com anzol. Ou então procedemos de baixo para cima, alçando-nos do
individual para o universal; deste para o ainda mais universal, até descobrirmos a Idéia
mais universal de todas, que abrange todo ser de modo absoluto: é a "dialética" em
sentido estrito.

ββ) O sentido metafísico.

— Mas Platão se interessa menos pelo conteúdo lógico e pelas relações de extensão dos
conceitos, de que pilo Logos como hipótese, como fundamento que sustenta, o ser. Sua
dialética está ao serviço da sua metafísica. O fato de Platão nos diálogos da velhice
voltar–se para os problemas lógicos não significa nenhum hiato na sua Filosofia, mas
somente a realização do que já antes havia intencionado. Como o estabelecem os
diálogos da velhice — Fédon, o Simposion e a República, existem as Idéias que são os
fundamentos ontológicos de todos os seres; e no decurso dessa conexão entre Idéia e
Idéia emergem sempre novos fundamentos-do-ser mais extensos, quanto mais alto
subimos na hierarquia gradual ontológica. Isso, finalmente, nos leva a uma Idéia das
Idéias, como o fundamento derradeiro do ser. Ora, sendo assim, Platão era naturalmente
levado a ocupar-se da estrutura desse Logos que tudo suporta. E isto não é um jogo de
conceito por amor dos conceitos em si, como se dá com um jogo de números, mas, o de
que se trata aqui é da explicação do ser total, em dependência da idéia estrutural do
mundo. A dialética é, aqui, "pura" física, "pura" biologia, "pura" antropologia, por
descobrir ela as verdades a priori de todos os campos da ciência e, por aí, a
concatenação última e fundamental do ser. E, finalmente, na medida em que considera
em conjunto a totalidade do ser, e descobre nele, universalmente, a primazia da Idéia do
bem, nessa mesma medida lhe interessa a descoberta dos indícios de Deus no todo. A
dialética platônica é, também, como se pode claramente ver na Rep. 511, um
itinerarium mentis in Deum, embora Platão não pronuncie a palavra Deus, mas, Idéia do
Bem. Subimos, diz êle aí, de eidos a eidos, como por degraus, até o anhypótheton,
porque todos esses degraus, suportados por êle, para éle conduzem; e podemos, de
novo, descendo dele, encontrá-lo em toda parte, porque a totalidade do ser dimana da
sua riqueza e, por isso, é nele ”suposta" (υποτεσιζ). Daí, já na República; o exigir dos
reis filósofos que fossem capazes de considerável compenetração na mais profunda
concatenação do ser, e de distinguir em toda parte, no mundo e na vida, as irradiações
da Idéia do Bem em si, e mostrá-las aos outros, para que, ao contacto dessas eternas e
primárias imagens, cada qual possa difundir o seu próprio ser na verdade e na justiça.
Assim, para Platão, a dialética, no sentido próprio, muito mais que uma pura lógica, é
sempre uma metafísica e, como tal, serve de fundamento, por igual, á ética, à pedagogia
e á política.

θ) O um e o múltiplo.

— A dialética significa, para Platão, apenas a tentativa de solução dos grandes


problemas metafísicos do heraclitismo e do eleatismo. Para o primeiro, só há a
multiplicidade, mas nenhuma unidade nem universalidade. Para o último, só existe a
identidade única; quanto à multiplicidade e à diversidade são o não-ser.
É preciso dar-se conta da diáiresis platônica para ver logo como Platão, por ela, podia
dominar as dificuldades. Tomamos, como exemplo, a determinação dialética do
conceito de pescador com anzol, no Sof. (219 a ss.) para mostrar, por aí, como o
conceito universal de arte é dividido nas suas partes, e estas ainda em outras, até chegar
a obter o procurado conceito. Se atentarmos para a análise dos conceitos, três coisas se
nos manifestarão: Primeiro, tem um sentido real, a propósito de qualquer
multiplicidade, falar-se de unidade; porque o gênero universal abrange, na sua
universalidade, tudo o que está debaixo dela. Mas admite igualmente um sentido o falar-
se de multiplicidade, pois, ao lado do universal, existe o particular. Além disso, também
tem sentido designar tudo como idêntico, sobretudo do ponto de vista de que todo o
chamado múltiplo participa, em sua essência, da espécie e da Idéia e, como tal, é
idêntico com ela. Por outro lado, o esquema com sua ramificação mostra exatamente
que, junto com a Idéia nuclear, essencial e idêntica consigo mesma, existe uma
multiplicidade, diferente dela. E, finalmente, torna-se claro como todo ser é. ao mesmo
tempo, não-ser. Pois, relativamente a um outro ser, posso eu denominar um ser como
não-ser, exatamente por não se identificar com esse outro. Se compreendemos bem o
segredo da comunidade das Idéias (χοινωμια τον λεγων), então chegaremos a entender
que não ô exata a alternativa: ou Heráclito ou os eleatas, ou unidade ou multiplicidade,
ou identidade ou somente diversidade. Mas, a simultaneidade é o verdadeiro: cada qual
considerou um aspecto verdadeiro do ser, pois há tanto a unidade como a
multiplicidade, a identidade como a variedade, o ser como o não-ser. E a idéia de
participação é a chave conducente a uma síntese, que é como a ponte a ligar dois
extremas. Leva em conta a identidade, sem perder a variedade de vista.

ι) Dignificação da Idéia.

— Pelo que acaba de ser dito, podemos facilmente estabelecer as várias significações
atribuídas por Platão às Idéias. Já tratamos da significação lógica.
αα) Conceito. — A Idéia é um conceito universal (λογοζ). Isto é herança de Sócrates.
Mas o "conceito" não deve entender-se no sentido nominalista de uma soma de
conotações, mas no de uma forma unificante, espiritual, visual, dotada de
universalidade, objetivamente tomada.

ββ) Essência.

— Mas há um segundo e mais importante sentido, para Platão. A Idéia também é


sempre essência (ουσια), exprimindo, assim, a coisa mesma, no seu verdadeiro ser
(αυτο το πραγμα). Já fizemos ver como se trata aqui de um ser ideal.

γγ) Ideal, paradigma.

— Por onde é a Idéia, em terceiro lugar, tanto ideal como um paradigma. Por ele erguia-
se tanto o nosso pensamento como o ser existente. Na sua discussão da idéia
platônica (Kr. VB 368 ss), Kant quis equiparar Idéia com ideal, no domínio da prática;
mas que no domínio teórico, i. é, das essências, possa ela ter valor de paradigma, isto
o homem não pode saber. O que Platão considera como paradigmas e essências,
são apenas conceitos "hypostasiados", e aqui Kant se deixa orientar pela sua concepção
metafísica de uma total separação entre transcendência e sensível.

δδ) Causa.
— Em quarto lugar, a Idéia é causa ( αιτια). Isto ela o é como pressuposto, como
hipótese; e então ela é o fundamento do ser. Causa aqui vale tanto como ratio. O
fundamentado participa (μετεξιζ) do ser do que o fundamenta; se aquele existe, é por ter
o fundamento presente em si (παρουσια). Platão faz o seu Sócrates declarar (Fédon, 100
a ss.) que não podia prometer-se nenhuma explicação satisfatória do mundo, recorrendo
às cansas materiais dos pré-socráticos, e, por isso, teve de lançar-se, nessa "segunda
navegação (δευτερον πλουν), em busca das Idéias. As Idéias formam uma nova espécie
de causa, a causa eidética ou ideal. Isto compreenderemos melhor se pensarmos na
relação entre uma imagem e o seu objeto. O objeto copiado é, pela sua forma (ειδοζ),
causa do eidos da imagem. Esta participa daquele; e aquele está presente nesta. O Timeu
afirma, expressamente, que todo o mundo é uma imagem. O Demiurgo criou tudo,
fitando as Idéias eternas.

εε) O fim.

— Donde resulta uma quinta significação da Idéia, o seu caráter de alvo e fim (τελοζ).
Por causa dele é que qualquer coisa existe. Êle é um ον ενεχα. Ou, dito de. modo geral,
todo ser tem um sentido e, por este sentido, êle se refere sempre a algo que lhe é
superior. É uma tendência. e apetência ( δρεγεσται, προθυμεσισθαι) para o que há de
mais elevado no mundo: "todo sensível quer ser como a Idéia" (Fé don, 75 ab). Na
medida em que a Idéia é buscada como fim, .manifesta-se ela como valor (αγατον).
Com este modo de pensar, introduz-se uma perspectiva teleológica na metafísica
platônica. Platão explica o inferior pelo superior, e não vice–versa. As espécies
superiores não nascem, para êle, pela evolução das inferiores. Uma origem das espécies,
fundada em causas mecânicas, como o admite Darwin, não seria para êle uma evolução,
mas um caos inextricável. "Onde dominam forças brutas, e sem sentido, não pode
nascer nenhuma estrutura formal". Por isso, toda evolução, para êle, depende de um
superior, por antecipação do sentido e do fim. Platão érepresentante de uma morfologia
idealista. Também aqui vale para êle o princípio: "No princípio era o Logos". O quo
ANAXÁGORAS não realizou, erigir a causa final em causa dominante de tudo, como
Platão o diz, censurando-o, isso ele próprio o conseguiu: todo ser subordinado existe em
vista de um superior; este, por sua vez, por causa ainda de outro superior, e assim por
diante, até o supremo e absoluto. Por causa deste existe, final e "ultimamente, tudo. E
assim é o grande Todo um cosmos, uma pirâmide de ser, na qual todo o existente, em
geral, se subordina ao que está no ápice de toda realidade. Tudo, na pirâmide, tende para
o ápice e o uma. Deste amor vive o ser do mundo. O ser mesmo nâo é outra coisa senão
um tender para a Idéia e nela deseançar, Isto é, na Idéia das Idéias. "E todo afã e todo
tender é um etérno descanso em Deus. o Senhor".

χ) As Idéias como números.

— Aristóteles, várias vezes o expressamente, adverte que, para Platão, as Idéias são
números. Platão ocupou-se, de fato, e intensivamente, nos últimos diálogos,
particularmente na lição da velhice, "Sobre o bem", com a relação’ entre a Idéia e o
número.
αα) Números ideais. — Para se conseguir alguma clareza nesta matéria fortemente
controvertida, devemos ter adiante dos olhos um esquema dierético, como antes o
notamos, e assim pôr em concordância, duas importantes observações de Platão no
Político (2S7 c; 285 a ss.) e no Filebo (16 de). Segundo esses lugares, nunca podemos
desmembrar um conceito Arbitrariamente, mas devemos dividi-lo de acordo com sua
estrutura natural, como um anatomista disseca um corpo, conforme às regras da sua
arte. Isto é, não podemos extrair de uma Idéia nem mais nem menos Idéias do que as
nela contidas. Além disso, descendo, nesse processo dialético, de espéciepara
espécie, até a última, não mais susceptível de divisão em espécies subordinadas
(ατομον ειδοζ), por abranger em si somente indivíduos, não devemos nunca
omitir nem acrescentar nenhuma espécie, deixando, talvez, de levar em conta que
numa ou noutra coisa se inclui ou não uma nova espécie. Assim, pois, as novas
espécies ou Idéias emergentes se regulam exatamente por números e podem ser
enumeradas. Por outras palavras: a cada Idéia corresponde um determinado valor
numérico, se, acertadamente, descermos, pelo método dialético da Idéia do Bem em si,
ou da Unidade, como Platão dirá mais tarde, sem omitirmos nem acrescentarmos
nenhuma Idéia. Falando em termos modernos, poderíamos inscrevê-la num
sistema de coordenadas, onde conservassem uma posição conforme ao seu valor.
Este valor numérico lhe determina o que tem de próprio e o que a distingue de qualquer
outra Idéia; limita-a relativamente ao que é logicamente outro, mesmo no concernente
ao espaço vazio, matemático ou físico, como poderíamos hoje dizer em relação ao mais,
ao menos, ao maior ou ao menor, como Platão costuma dizer. Esse o valor numérico. É
o irreproduzível em face da dualidade indeterminada. E temos assim o número ideal,
com um caráter qualitativo, como facilmente se compreende; é portanto incomensurável
e, assim, diferente dos números matemáticos, diversos uns dos outros, não qualitativa,
mas quantitativamente, e, logo, não suscetíveis de adição.

ββ) Mônada e díada.

— Donde vem o admitir. Platão dois novos princípios: a mônada (εναζ μοναζ) e a díada
indeterminada (αοριστοζ δυαζ). Estes não influem somente dentro de cada Idéia, mas
valem também para o ser em geral. E, como constitutivos da essência do ser, por
conseqüência, determinam também o processo sucessivo da Idéia, a partir da mônada; e
são, pois, dois princípios geradores das Idéias e do ser.

γγ) Platão e os pitagóricos.

— E assim se fazem sentir as tendências pitagóricas, que sempre influíram fortemente


sobre Platão, e de modo particularmente forte na sua velhice. Donde vem o mencionar
Aristóteles, sempre e simultaneamente, os pitagóricos e Platão, conexos. Mas Platão, êle
próprio, claramente mostrou a diferença entre a sua e a doutrina dos números dos
pitagóricos. Os números que esses "homens cheios de espírito" (Político, 285 a)
admitiam como designa-tivos de cada coisa em particular, eles os escolhiam
arbitrariamente, por um como capricho. Assim viam no número 4 a justiça; no 5, o
casamento; no 7 a ocasião (χαιροζ). Ao passo que, para Platão, os números devem
corresponder exatamente à derivação sucessiva e ontológica de cada. Idéia, do Bem em
si ou da unidade em si.

δδ) Números matemáticos.


— Mas, naturalmente podíamos perguntar se, por sua vez, os números matemáticos não
se originam de algum princípio. O Epinomis, que contém muito das lições de Platão, na
sua velhice, "sobre o Bem", faz a série natural dos números derivar, realmente, da
unidade e da natureza "dualizante", i. é, duplicadora e diminuidora do número dois.
Muito discutiu a antiga. Academia sobre esta derivação e sobre a relação dos números
matemáticos com os números ideais. Particularmente Aristóteles (Met. M, 6ss.) versou
esta questão criticando seu mestre.

α) Aristóteles, sobre a origem da doutrina das Idéias.

— Sobre a origem e o sentido da doutrina das Idéias, em geral, possuímos uma


minuciosa informação de Aristóteles (Met., A, 6): "Platão, no seu primeiro período,
cedo travou conhecimento com Crátilo e a opinião dos heraclitenses, para quem: todo o
sensível está em curso contínuo, e, por isso, não pode dele haver nenhuma ciência. E êle
se ateve a. este ponto de vista na seqüência do tempo. Mas, depois de Sócrates, …. o
primeiro a ter despertado a sua atenção para o conceito universal, deu-lhe Platão o seu
aplauso, e começou então a opinar que a determinação conceptual tem, como objeto,
algo diverso do sensível. Pois uma definição de valor universal gôbre qualquer objeto
sensível, é impossível, pois este se transforma continuamente. Deu êle então a essa
espécie de entes; o nome de Idéias e ensinou que as coisas sensíveis coexistiam com
elas, e todas recebiam delas os seus nomes; pois, a multiplicidade das coisas
particulares, homônimas com as Idéias, existia por participação". Apreciada à luz de
critério puramente histórico, a doutrina das Idéias, na realidade, como o diz Aristóteles,
é um resultado da oposição entre Heráclito, de um lado, e Sócrates, de outro. De
Heráclito recebeu Platão o juízo sobre o mundo visível; de Sócrates, o fixar-se na
verdade e na ciência, em geral, e nos conceitos de valor universal, em particular. Mas,
se há ciência de valor universal, deve também ela ter um correlato" necessário, um outro
real pensável, as Idéias, como Aristóteles com razão o adverte. O fundamento real desta
afirmação "deve haver um objeto correspondente" está no realismo e dualismo
cognoscivo-teorético, que é o determinante de toda a Filosofia antiga, e recebeu de
Parmènides a sua forma clássica: "Pensamento e ser são idênticos". Assim surge para
Platão um novo mundo, postulado pelo seu realismo epistemológico-teorético, de que só
pode representar-se como objeto de pensamento algo que por si mesmo é encontrado, e
que lhe é, por oposição, anterior. Que as Idéias, portanto, são imutáveis e, eternamente,
a si mesmas idênticas, resulta evidente dessa mesma pressuposição. Descobre no pensar
subjetivo conceitos sempre idênticos a si próprios. E, portanto, também devem OS
objetos correlativos ser da mesma espécie. O ponto decisivo da sua doutrina das
Idéias é a convicção da aprioridade dos nossos conteúdos de pensamento. Neste ponto, a
interpretação neo-kantiana de Platão estava correta e via mais fundo que os críticos
filológicos. É, contudo, impossível admitir que as idéias sejam simples funções do
espírito. O mundo ideal surge no momento em que salta aos olhos da alma o
conhecimento a priori de valor universal, colateral a cada experiência subjetiva; e
assim, em dependência de uma fundamentação realista, se admitem objetos correlato»
capazes, por si mesmos, de compreensibilidade. É certo que as Idéias eram,
originàriamente, somente uns ideais ético-estéticos. Mas foi exatamente então que, pela
vez primeira, luziram para Platão, como antes para Sócrates, consoante justamente o
notou Aristóteles, os conceitos de valor universal.
μ) "Chorismós"?

— Mas, nota Aristóteles, a Idéia está separada das coisas sensíveis por um abismo
(chorismós). As coisas sensíveis estão ao lado e fora das Idéias (τα δε αισθετα παρα
ταντα); e isso acarretaria uma cisão no mundo. As Idéias pairariam, por assim dizer,
acima do mundo. Por isso, os pensadores medievais sempre lhes chamam formae
separatae. E Rafael, correlatamente, na sua Escola de Atenas, representou Platão com o.
rosto levantado para o céu, na con-. templação da ”celestial região", i. é, do mundo
ideal, enquanto Aristóteles dirige os seus olhares para o mundo sensível, vendo aí a
verdadeira realidade. Com essa separação entre o universal e a sua substancialização,
diz Aristóteles, Platão se separa de Sócrates. Este também admite os universais, mas os
teria incluído no mundo real espácio-temporal; ao passo que Platão, separando-os,
duplicou o mundo. É verdade que o mundo sensível espácio-temporal participa,
realmente, segundo Platão, do mundo das Idéias (methexis), pois é sempre uma copia
das imagens ideais, e o Demiurgo criou o universo fitando as Idéias eternas. Demais
disso, o realismo das coisas do mundo visível é, de fato, participação das Idéias. O
mundo das Idéias porém é sempre algo de próprio, embora, na verdade, o ser, ao lado
do qual o mundo sensível é apenas aparência, seja um meio-termo entre o ser e o não-
ser. Este hiato entre o mundo das Idéias e o dos sentidos Aristóteles particularmente o
frisa e o considera uma réplica do mundo. É muito controvertido se Aristóteles, assim
pensando, reproduziu ou não com exatidão o sentido do mundo das Idéias. Em todo
caso, Platão poderia ter respondido: eu não redupliquei o mundo, pois o mundo sensível
não é, para mim, nenhum verdadeiro ser, como Aristóteles o pensa. E assim é do seu
ponto de vista, e só dele Aristóteles, que há a reduplícação. Contudo, para Platão, o
inundo sensível 8e reduz a uma manifestação da Idéia. A idéia não está, pois, totalmente
separada, como o expõe Aristóteles. O "chorismós" tinha um outro sentido: êle pretende
fixar, dentro da I existência anterior ou posterior de um ser, a diferença de modalidade
existente na força do mesmo ser. O outro ser significa, apenas, a diferença- do
fundamentado com referência ao fundamento. Neste sentido, na "Idéia" já está contido
tudo que existe.
Mas, poderá Platão manter esta explicação? Não é o mundo sensível realmente nada
mais que manifestação da . Idéia? Se, sem êle, não há nenhum despertar de Idéias; e se,
sem uma determinada percepção sensível, também, não pode haver nenhum despertar
de nenhuma Idéia determinada, seria então o seu significado tão insignificante? Que eu
chame a esse significado ocasião ou causa, isso é indiferente; em todo caso, não há,
para Platão, nenhum conhecimento das Idéias sem sensibilidade’. E se, além disso, a
sensibilidade devesse ser apenas aparência, porque deveria então a Idéia manifestar-se
sensivelmente? Porque não haveríamos de ter apenas Idéias puras, dado que o inundo
propriamente dito é o das idéias. A sensibilidade constitui, para Platão, uma aporia
semelhante à do mal.

d) Bibliografia.

N. Hartmann, Das Problem des Apriorischen- in der Platonischen Philo.sophie (1935;


agora nos Kleinore Schriften II). A. PREISWERK, Das Einzelne cei Platon und
Aristóteles — A Unidade em Platão o Aristóteles (1939). N. Hartmann, Zur Lehre vom
Eidos bei Platon und Aristóteles — A Doutrina, do Eidos em Platão e Aristóteles (1941)
; agora nos Kleinoro Schriften II). M. Heidegger, Platons Lehre von der Wahrheit — A
Doutrina de Platão sobre a Verdade (1942). B. Lie BRUCKS, Platons Entuciklung zur
Dialehtik — A Evolução de Platão para a Dialética. (1949). P. Wilpert, Zwei
Arístotelische Frühsrhrifien über die Ideenlehre — Dois Escritos do Aristóteles, sobre a
Doutrina da Idéia. W. D. Ross, Plato’s Theory of Ideas (Oxford, 1953). N. Van houtte.
La Méthode Ontologique de Platon- (Louvain, 195(1). G. Mo- _ reau, L’idealisme
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Idee und Idealismus in der Platondeutung — Idéia e Idealismo no Ensino de Platão.
Kant-studien 49 (1957/58).

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