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Não é o que as pesquisas nesse campo apontam, pois, desde Sigmund Freud e Oskar Pfister,
parceiros nas discussões sobre essa temática, há uma sólida tradição de investigação no
campo educativo, animando àqueles que vislumbram alguma interlocução entre os
psicanalistas e educadores.
Jean Claude Filloux (1999{1988}), em seu artigo "Psicanálise e Pedagogia ou: sobre considerar
o inconsciente no campo pedagógico" promove um extenso recenseamento nas pesquisas
européias que, desde Ferenczy* em 1908, numa conferência intitulada "Psicanálise e
Pedagogia" já investigava a influência da educação na formação das neuroses nas crianças da
época. Freud também compartilhava desses pressupostos, chegando inclusive a imaginar que
a Educação, assim como o veneno das cobras, poderia produzir um antídoto, ou seja, ao invés
de provocar neuroses, atuar como agente profilático, esclarecendo as crianças sobre as
curiosidades sexuais. O tempo demonstrou que Freud estava equivocado, mas evidenciou um
aspecto que parece pouco explorado; teria Freud imaginado realmente uma sociedade com
sujeitos livres da miséria neurótica, através de uma educação não repressiva?
Mas, para efeito de referência, Oskar Pfister, pastor protestante e educador suíço, chega à
Viena em busca de Freud com questões clínicas derivadas de seu contato com estudantes
prejudicados pelos sintomas neuróticos que Freud já pesquisava com vigor. O que acontece
então? Freud o estimula a investigar em profundidade a possibilidade de intersecção entre a
Psicanálise e a Educação, tarefa que Pfister cumpriu com brilhantismo, com seu projeto de
uma Pedanálise, desde sua base na Suíça, com colaboradores do naipe de Zulliger, Roschach,
Bovet, Ainchorn entre outros. Em 1926, ocorre o lançamento da revista de pedagogia
psicanalítica*, com duração até 1937, com mais de 300 artigos publicados, sempre com o
objetivo de "aplicar" algo do referencial psicanalítico no campo pedagógico.
Nas décadas de 70 e 80, há então uma crítica à abordagem do campo pedagógico a partir da
Psicanálise, especialmente na obra de Catherine Millot, intitulada "Freud:
antipedagogo"(1987{1978})*, onde aponta a "...oposição radical entre o processo educacional e
o processo psicanalítico, e a da impossibilidade estrutural da utilização do saber obtido na
experiência psicanalítica no contexto da relação pedagógica..."(p.120). Porém, em
contrapartida, devemos também citar a obra de Mirelle Cifalli(1982)*; que defende uma posição
contrária, verificável em "Freud: Pedagogo?".
Trocando em miúdos, esse uso questionável dos conceitos psicanalíticos servia muito mais aos
propósitos de uma elite intelectual que, ao governar e ditar os rumos do país, imaginava uma
educação aos moldes da educação francesa, com acesso irrestrito à escola, para toda as
camadas da população. Portanto, todo aquele que apresentasse algum distúrbio ou
inadaptação deveria ser "tratado", e nos casos que supostamente pertencessem a quadros
psicogênicos, segundo os cânones da Psicanálise que aqui era transmitida. E então, entravam
em cena interpretações, discursos, estratégias e atos que correm ao largo do espírito da real
Psicanálise, a de que colabora para que o sujeito ultrapasse sua miséria neurótica e não,
aprisionando-o ainda mais, como esse modelo da época aparentemente alcançava com
maestria.
Mas, ocorre então uma mudança significativa nos rumos e na pesquisa da intersecção entre
Psicanálise e Educação, o pensamento da escola francesa – e aqui falamos de Jacques Lacan
– começa a influenciar pesquisadores que, atentos aos aspectos mais ideológicos e movediços
da questão da educação escolar em nosso país, iniciam um caminho que, desta vez se
diferencia radicalmente dos modelos importados que a Psicanálise tupiniquim sempre
referendou, numa posição quase sempre passiva e acrítica. Esse movimento certamente não
caiu na ingênua tentação de se levar o divã para a sala dos professores ou ainda pior, para
uma salinha onde pudesse ser usado em consonância com os indefectíveis testes
psicométricos, largamente utilizados por psicólogos que acreditavam estar fazendo uso de uma
Psicanálise científica, mas que na verdade apenas estavam calando a criança e selando
destinos, como as pesquisas nesse campo apontam.(Patto, 2000).
Os pesquisadores que se filiam a essa tradição são quase sempre identificados com o nome
de Maria Cristina Machado Kupfer, também da Universidade de São Paulo, que nos últimos
vinte anos tem se debruçado sobre essas questões e, por meio de seu percurso acadêmico,
tem produzido um consistente material para os interessados no alcance e no limite da peste
dentro da escola, em especial a escola pública brasileira, com suas especificidades.
Kupfer lança em 1989 um livro chamado "Freud e a Educação: o mestre do impossível", onde
dá os primeiros passos no sentido de aproximação entre o referencial freudiano e a Educação,
sendo talvez a produção mais marcante na década de 80 em terras brasileiras. O livro tem boa
aceitação e arregimenta interessados no tema, além de aglutinar outros pesquisadores que
trafegam nos mesmos caminhos. Surge então a "Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida" ,
experiência institucional que oferta escolarização a partir de uma inspiração psicanalítica, para
crianças psicóticas, autistas, sindrômicas ou ainda enredadas em neuroses graves, população
sabidamente desassistidas em nossa nação, especialmente as de baixo poder sócio
econômico, clientela característica da instituição em questão.
E onde entra Lacan nisso tudo? Com sua obra e, especialmente com sua genial visão do
legado freudiano, proporcionou condições excepcionais de leitura dos fenômenos fortemente
influenciados pelo cunho social, fornecendo conceitos, como o dos discursos, que ampliam a
compreensão e as possibilidades de pensar intervenções dentro da própria escola, no cotidiano
institucional, sem tornar-se um cúmplice acrítico dos mecanismos que fomentam e cristalizam o
fracasso escolar de um sem número de alunos, pois os problemas de aprendizagem,
comportamento e a inadaptação passam a ser encarados como vicissitudes inerentes a
qualquer laço social, permitindo interrogar e, afortunadamente, implicar a partir daí, as partes
sobre sua responsabilidade no processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Filloux, Jean Claude (1987) Psicanálise e Pedagogia ou: sobre considerar o inconsciente no
campo pedagógico. In Anais do I Colóquio do Lugar de Vida/Lepsi – A Psicanálise e os
impasses da Educação. São Paulo, SP: IP/FE – Universidade de São Paulo, 1999.
Kupfer, Maria Cristina Machado (1989) Freud e a Educação: o mestre do impossível. São
Paulo, SP: Scipione, 1989.
Kupfer, Maria Cristina Machado (2000) Educação para o futuro: Psicanálise e Educação. São
Paulo, SP: Escuta, 2000.
Patto, Maria Helena Souza Patto (1984) Psicologia e ideologia.Uma introdução crítica à
Psicologia Escolar. São Paulo, SP: T. A Queiroz, 1984.
Patto, Maria Helena Souza Patto (2000) Mutações do cativeiro: escritos de psicologia e política.
São Paulo, SP: Hacker Editores/Edusp, 2000.
* Estas obras e textos estão citadas no artigo de Jean Claude Filloux, que encabeça essa
referência bibliográfica.