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Rui Oliveira
Madeira
2007
Rui Oliveira
Licenciado em Matemática (Ensino de)
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Orientadores
Professora Doutora Elsa Maria dos Santos Fernandes
Professor Doutor Eduardo Leopoldo Fermé
Madeira
2007
vii
Resumo
Este estudo é fundamentado na introdução de robots no ensino da Matemática, mais
concretamente na sua contribuição para a produção de significado e desenvolvimento da
aprendizagem de tópicos e conceitos matemáticos por parte dos alunos, em contexto de aula.
Esta investigação tem como objectivo descrever, analisar e compreender como é que os
alunos aprendem matemática tendo os robots como elementos mediadores entre o aluno e a
Matemática. Para tal, formulou-se as seguintes questões: (1) Qual o papel dos robots na
resolução de problemas matemáticos envolvendo funções? (2) Como é que os alunos aprendem
funções (no 8º ano) utilizando os robots? (3) Como é que os robots podem ajudar a desenvolver
a representação de saberes matemáticos? e (4) Qual o papel dos robots no desenvolvimento de
competência matemática nos alunos?
A investigação incidiu sobre o estudo das funções do 8º ano de escolaridade, e foi
desenvolvida em duas turmas.
A investigação segue uma metodologia qualitativa, dispondo-se a descrever, analisar e
compreender a actividade desenvolvida pelos alunos na realização das tarefas. A proposta
pedagógica foi constituída por cinco tarefas que compreendiam o uso de pequenos modelos
robóticos da Robotics Invention System™ 2.0 da Lego Mindstorm™, duas fichas de trabalho e
um teste de avaliação em duas fases. A recolha de dados foi efectuada através de registos
escritos do investigador feitos a partir da observação directa durante as aulas, registos
audiovisuais com duas câmaras de filmar (destinadas ao registo do trabalho de dois grupos em
cada aula), os registos escritos elaborados pelos alunos (fotocopiados após as aulas) e um
inquérito aplicado a alguns alunos após a realização das tarefas. A análise dos dados e a
disposição das conclusões foram estabelecidas conforme o papel desempenhado pelos robots na
resolução de problemas matemáticos, na aprendizagem das funções e no desenvolvimento de
competência matemática.
Das conclusões que emergiram do estudo destacam-se:
- A utilização dos robots parece ter despertado o interesse, curiosidade e sentido de desafio dos
alunos. A sua actuação pautou-se pela grande actividade, motivação e persistência na resolução
dos problemas apresentados. As estratégias adoptadas pelos alunos foram diversificadas, desde
o recurso a experiências passadas e conhecimentos já adquiridos, à formulação e teste de
conjecturas e, principalmente, por tentativa e erro. Os dados parecem sugerir que os alunos
tiveram uma evolução na adopção de estratégias adequadas à resolução de problemas e à
tomada de decisões acerca dos procedimentos e resultados a apresentar.
- O conceito de função foi apreendido de forma significativa pelos alunos. A definição de
função emergiu como uma conclusão do trabalho realizado e não como um ponto de partida. O
trabalho realizado com os robots proporcionou aos alunos o desenvolvimento da compreensão
do conceito de função e das facetas que pode apresentar, como correspondência entre conjuntos
e como relação entre variáveis, e o desenvolvimento da sensibilidade para entender o uso de
funções como modelos matemáticos de situações do mundo real, em particular, nos casos em
que traduzem relações de proporcionalidade directa.
- Os alunos trabalharam ao nível do desenvolvimento de competências nomeadamente,
competência em pensamento matemático, competência no tratamento de problemas que envolve
a formulação e resolução de problemas matemáticos, competência de raciocínio matemático,
que implica estar apto a raciocinar matematicamente, competência em instrumentos e acessórios
que implica estar apto a fazer uso e estabelecer relações com instrumentos e acessórios
matemáticos, competência de comunicação que envolve a comunicação em, com e sobre a
matemática, competência de representação que supõe que o aluno esteja apto a manusear
diferentes representações de entidades matemáticas e competência de cooperação.
viii
Abstract
This study is based on the introduction of robots in the teaching of mathematics, more
specifically, on its contribution to the production of meaning and learning improvement of
mathematical topics and concepts in class.
This research aims at describing, analysing and understanding how students learn
mathematics using robots as mediators between learners and mathematics. In this context the
following research questions were raised: (1) How do students learn functions (in the 8th form)
using robots? (2) What is the role played by robots when it comes to solving mathematical
problems involving functions? (3) How can the mathematical concepts to be learned be related
to tasks for robots to perform? (4) How can robots help in developing mathematical knowledge?
and (5) What is the role played by robots in the improvement of learner mathematical
competence?
The research has focused on the learning of functions in the 8th form and was conducted
in two classes.
A qualitative methodology was chosen, aiming the research at describing, analysing and
understanding the students’ activity while doing the tasks. The pedagogical proposal consisted
in five tasks which included the use of simple robots from Robotics Invention System, Lego
Mindstorm, two worksheets and a two-stage written test. Data were gathered using the
researchers’ records based on direct observation in class, audiovisual records using two cameras
(which registered the performance of two groups in each class), students’ records (photocopied
after class) and a questionnaire filled in by the students after doing the tasks. Data analysis and
conclusion drawing were carried out bearing in mind the role played by robots in solving
mathematical problems, in the construction of representations, in the learning of functions and
in the improvement of mathematical competence.
The study has led to several conclusions and the following are to be highlighted:
- The use of robots seems to have enhanced learner interest, curiosity and sense of challenge.
The students’ performance was characterised by dynamism, motivation and persistence towards
problem solving. They adopted a diversity of strategies such as the reference to past experiences
and previous knowledge, conjecture forming and testing and, above all, a process of trial and
error. The gathered data suggest that students have improved their capacity to adopt adequate
strategies for solving problems and to make decisions concerning procedures and results.
- The concept of function was significantly well understood by the learners. The definition of
function was not the starting point but the product of the students’ work. Working with robots
has allowed learners to improve their understanding of the concept of function and its possible
facets, as set correspondence and as relation between variables and to develop their
sensitiveness to view functions as mathematical models of real situations, mainly those where
direct proportion is involved.
- The students have worked aiming at competence development, namely: mathematical thinking;
handling problems by means of mathematical problem formulation and solving; mathematical
reasoning, which implies the ability to think mathematically; using tools and accessories, which
implies the ability to use and interact with tools and accessories; communication competence
including communication in, with and about mathematics; representation competence, which
supposes the student is able to deal with different representations of mathematical entities; and
cooperation competence.
ix
Agradecimentos
À Paula e ao Miguel.
x
Índice
Capítulo 1
INTRODUÇÃO 1
1.1. Apresentação do problema 1
1.2. Contexto e relevância do estudo 4
1.3. Plano geral da tese 8
Capítulo 2
CAMPO TEÓRICO 10
2.1. Finalidades do Ensino da Matemática 10
2.1.1. Porquê ensinar Matemática? 10
2.1.2. Caracterização Portuguesa 17
2.2. Aprendizagem da Matemática 19
2.2.1. Aprender matemática 20
2.2.2. Ser matematicamente competente 25
Competências associadas ao tema Funções ___________________________ 31
2.2.3. Natureza das Actividades 33
2.2.4. Tecnologias na aula de Matemática 35
Robótica Educacional ____________________________________________ 39
2.2.5. Avaliação das aprendizagens 45
Conceito de Avaliação ___________________________________________ 46
Modalidades de avaliação_________________________________________ 47
Fases da avaliação ______________________________________________ 48
Avaliação na disciplina de Matemática ______________________________ 49
Instrumentos de avaliação ________________________________________ 51
2.3. Conceito de função 54
2.3.1. Desenvolvimento histórico do conceito de Função 54
Períodos do desenvolvimento histórico do conceito de Função____________ 62
2.3.2. Ensino/aprendizagem do conceito de Função 63
Capítulo 3
METODOLOGIA 73
3.1. Opções metodológicas 73
3.1.1. Investigação-acção 73
3.1.2. Investigação qualitativa 75
3.2. Participantes 76
3.3. Materiais utilizados 77
3.4. Tarefas 81
Tarefa Introdutória 81
Tarefa 0 –“ Revisões” 82
Tarefa 1 – “Noção de função” 83
Tarefa 2 – “Modos de representação de uma função” 84
Tarefa 3 – “Proporcionalidade Directa” 85
xi
Tarefa 4 – “Função Afim” 86
3.5. Técnicas de Recolha de Dados 86
3.6. Análise de Dados 88
Capítulo 4
ANÁLISE DOS DADOS 89
4.1. Tarefa Introdutória 89
4.2. Tarefa 0 – “Revisões” 91
Avaliação 98
Síntese 98
4.3. Tarefa 1 – “Noção de função” 99
Avaliação 109
Síntese 109
4.4. Tarefa 2 – “Modos de representação de uma função” 110
Avaliação 128
Síntese 128
4.5. Tarefa 3 – “A proporcionalidade directa como função” 130
Avaliação 149
Síntese 150
4.6. Tarefa 4 – “Função afim” 151
Avaliação 160
Síntese 161
4.7. Teste de avaliação 162
Capítulo 5
CONCLUSÕES 165
5.1. A resolução de problemas matemáticos com robots. 165
5.2. O papel dos robots na aprendizagem das funções 167
5.2.1. Os robots e a construção de representações 168
5.2.2. Construção do conceito de função 169
5.3. O desenvolvimento de competência matemática com os robots 170
5.4. Recomendações 172
5.5. Reflexão final 173
Referências 176
Anexos i
Anexo 1 Requerimento à Presidente da Direcção Executiva iii
Anexo 2 Autorização do Encarregado de Educação v
Anexo 3 ”Tarefa Introdutória” vii
Anexo 4 Tarefa 0 – “Revisões” xiii
Anexo 5 Tarefa 1 – “Noção de Função” xvii
Anexo 6 Ficha de trabalho – I xxiii
Anexo 7 Tarefa 2 – “Modos de representação de uma função” xxvii
Anexo 8 Tarefa 3 – “A proporcionalidade directa como função” xxxi
Anexo 9 Tarefa 4 – “Função afim” xxxiv
Anexo 10 Ficha de trabalho – II xxxvii
Anexo 11 Teste de Avaliação xli
Anexo 12 Inquérito xlvii
xii
Índice de Figuras
FIGURA 1: DIMENSÕES DO CURRÍCULO........................................................................................................12
FIGURA 2 – FASES DA AVALIAÇÃO. .............................................................................................................48
FIGURA 3: CAMINHO PARA O ESTUDANTE COMEÇAR COM UM CONCEITO DE EXPRESSÃO. ...........................70
FIGURA 4 : POSSÍVEIS CAMINHOS PARA O ALUNO INICIAR COM UM CONCEITO DE ACÇÃO. ..........................70
FIGURA 5 – TANKBOT (“TANQUE”) .............................................................................................................78
FIGURA 6 – ROVERBOT (“TODO-O-TERRENO”)............................................................................................78
FIGURA 7 - RCX (ROBOTICS COMMAND SYSTEM) ......................................................................................79
FIGURA 8 – AMBIENTE DE PROGRAMAÇÃO ROBOTICS INVENTION SYSTEM™ 2.0.......................................79
FIGURA 9 – “PÁRA-CHOQUES” COM DOIS SENSORES DE TOQUE. ..................................................................82
FIGURA 10 – REFERENCIAL CARTESIANO DA TAREFA 0. .............................................................................83
FIGURA 11 - TABULEIRO USADO NA TAREFA 2............................................................................................85
FIGURA 12 – REFERENCIAL CARTESIANO DA TAREFA 0. .............................................................................91
FIGURA 13: GRÁFICOS DA TAREFA 1 “NOÇÃO DE FUNÇÃO”...................................................................... 100
FIGURA 14 - TABULEIRO USADO NA TAREFA 2.......................................................................................... 111
FIGURA 15: TABELA ELABORADA PELOS ALUNOS NA QUESTÃO 1.1 (TAREFA 2)........................................ 116
FIGURA 16: DIAGRAMA PROPOSTO PELOS ALUNOS NA QUESTÃO 1.2 (TAREFA 2)...................................... 117
FIGURA 17: REPRESENTAÇÃO GRÁFICA REALIZADA PARA A QUESTÃO 1.4 (TAREFA 2). ............................ 118
FIGURA 18: TABELA APRESENTADA NA QUESTÃO 1.1 (TAREFA 2). ........................................................... 124
FIGURA 19: GRÁFICO REALIZADO NA QUESTÃO 1.4 (TAREFA 2)................................................................ 125
FIGURA 20: TABELA (QUESTÃO 1.1, TAREFA 2). ....................................................................................... 127
FIGURA 21: DIAGRAMA (QUESTÃO 1.2, TAREFA 2). .................................................................................. 127
FIGURA 22: GRÁFICO (QUESTÃO 1.4, TAREFA 2). ...................................................................................... 128
FIGURA 23: GRÁFICO CONSTRUÍDO POR UM DOS GRUPOS NA QUESTÃO 1.7 (TAREFA 3). ........................... 137
FIGURA 24: GRÁFICO REALIZADO PELO GRUPO NA QUESTÃO 1.7 (TAREFA 3). .......................................... 146
FIGURA 25: RESPOSTA À QUESTÃO 5 – 2.ª FASE (TESTE DE AVALIAÇÃO). ................................................. 164
Índice de Tabelas
TABELA 1: ASPECTOS A DAR MAIOR E MENOR ATENÇÃO NA AVALIAÇÃO ...................................................49
TABELA 2: CONCEPÇÕES ESTRUTURAL E OPERACIONAL: SUMÁRIO .............................................................68
xiii
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
Neste capítulo apresenta-se o problema que motivou a realização do presente estudo, o
seu objectivo geral e as questões que o orientaram na consecução desse objectivo.
Sucede-se a contextualização do estudo, a discussão da sua relevância e, por fim,
explicita-se a organização da tese.
É também aceite, embora muitas vezes esquecido pelos professores, que aprender
Matemática não se reduz à aquisição de algoritmos, realização de procedimentos
rotineiros, memorização de regras ou ao desenvolvimento de capacidades sem as
respectivas aplicações (NCSM, 1990), conforme os princípios e orientações dos
programas de Matemática em vigor (ver Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário,
1991)1. De facto, aprender matemática passa por desenvolver capacidades que
1
No final dos anos 80, o Ministério da Educação procedeu a uma reformulação geral dos
programas, decorrente da reorganização dos planos curriculares implementada pela reforma produzida
pela introdução da Lei de Bases do Sistema Educativo. Essa reformulação atendeu às “novas
perspectivas” propostas pela Associação de Professores de Matemática (APM), cujas reflexões foram
influenciadas pelas ideias do National Council of Teachers of Mathematics (NTCM), entre outros. Estas
1
possibilitem ao aluno ser independente, competente, crítico e confiante nos aspectos
com que se depara ao longo da sua vida, directa ou indirectamente relacionados com a
Matemática. Para tal, terá de ser capaz de “desenvolver a sua capacidade de usar a
Matemática para analisar e resolver situações problemáticas, para raciocinar e
comunicar, assim como a autoconfiança necessária para fazê-lo” (Abrantes, Serrazina e
Oliveira, 1999, p. 18).
Lamentavelmente, a realidade é bastante diferente dos pressupostos atrás mencionados e
a disciplina de Matemática é reconhecida pelos piores motivos. É certo que todos os
professores e educadores têm presente o problema do insucesso escolar, mas em
particular e de forma intensa, os professores de Matemática. De um modo geral, ao
longo dos anos e quase imune às reformas realizadas, os resultados obtidos pelos alunos
na disciplina de Matemática têm-se pautado por uma preocupante mediocridade.
Relativamente a este assunto, Ponte referia em 1988 que os níveis de insucesso não se
limitavam a aprendizagens insatisfatórias, traduzindo-se também pela falta de confiança
na utilização dos conceitos e técnicas matemáticas, na visão negativa, deturpada e
empobrecida da natureza da Matemática e nas atitudes de repulsa e alheamento
relativamente às suas matérias.
No estudo Matemática 20012 da autoria da Associação de Professores de Matemática
(APM, 1998) pode ler-se que “grande parte dos objectivos curriculares pré-
estabelecidos não são atingidos por uma percentagem significativa dos nossos alunos,
isto é, por outras palavras, que existe uma distância considerável entre o currículo
enunciado e o currículo aprendido” (APM, 1998, p. 3). Mais recentemente, o estudo
internacional do PISA3 (Ramalho, 2001, 2002) aferiu que o desempenho dos alunos
portugueses foi inferior ao verificado em média no espaço da OCDE. Ponte (2002)
refere que estudos internacionais como o TIMSS4 e o PISA indicam, consistentemente,
deficiências significativas nas aprendizagens dos alunos portugueses. Actualmente, o
problema persiste com contornos de agravamento, comprovado pelas constantes
notícias das elevadas taxas de não aprovação em todos os anos de escolaridade, pela alta
2
taxa de abandono escolar e pelos fracos resultados nos exames nacionais aplicados no
final do terceiro ciclo e secundário.
A preocupação com o problema do insucesso escolar tem originado uma constante e
progressiva abordagem do tema pelos vários intervenientes e responsáveis pela
Educação. Realizam-se investigações e reflexões afim de compreender o processo de
ensino/aprendizagem da Matemática em todas as suas vertentes, procurando-se novas
metodologias e experiências educativas que promovam o desenvolvimento das
competências definidas para a disciplina.
Para atingir os objectivos aqui descritos, tem sido incentivada, entre outros, a
implementação e exploração de novas tecnologias, designadas por Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), na sala de aula de Matemática. Desde a
implementação dos programas em 1991, que admitiram e incentivaram o uso de novas
tecnologias na aula de Matemática, têm-se realizado trabalhos de investigação baseados
nesse pressuposto (e.g. Carreira, 1992; Jorge, 1994; Fernandes, 1997), nas diversas
unidades temáticas leccionadas de todos os níveis escolares, e que, de forma mais ou
menos contundente, confirmam as potencialidades e importância pedagógica destes
“novos” materiais.
Vivemos num mundo cada vez mais informatizado e dependente das novas tecnologias
de informação. Torna-se vital a valorização de novos objectivos educacionais e a
redefinição dos processos e modos de actuação dos professores. É neste contexto que
surge a Robótica Educacional. A sua utilização como elemento mediador da
aprendizagem da Matemática apresenta-se como um novo desafio pedagógico que, além
de permitir aos alunos desenvolverem as competências previstas para a disciplina no
ensino básico, visará aumentar o seu interesse e motivação para a Matemática,
demonstrando-lhes a sua importância e permitindo-lhes apreciar a sua aplicabilidade. Os
robots desempenham o papel de ferramenta (meio) de ensino/aprendizagem e não de
objectivo (fim) de aprendizagem. Esta tecnologia tem a vantagem de combinar o uso de
computadores, de software de programação e de pequenos autómatos de fácil
construção, que podem ser usados na resolução dos mais diversos problemas com
grande amplitude do grau de dificuldade, indo ao encontro das mais recentes indicações
pedagógicas que alertam para a importância do uso de novas tecnologias na sala de aula
de Matemática.
Assim, surge como pertinente a realização de uma investigação com o intuito de
averiguar as potencialidades desta ferramenta pedagógica.
Esta investigação tem como objectivo descrever, analisar e compreender como é que os
alunos aprendem matemática tendo os robots como elementos mediadores entre o aluno
e a Matemática.
Para tal, formulou-se as seguintes questões:
1. Qual o papel dos robots na resolução de problemas matemáticos envolvendo
funções?
2. Como é que os alunos aprendem funções (no 8º ano) utilizando os robots?
3. Como é que os robots podem ajudar a desenvolver a representação de saberes
matemáticos?
4. Qual o papel dos robots no desenvolvimento de competência matemática nos
alunos?
3
1.2. Contexto e relevância do estudo
4
advém do grau de identificação dos alunos com a actividade desenvolvida, é essencial
para o pleno envolvimento do aluno na exploração e compreensão do que esta
compreende. Também o ambiente de aprendizagem vivido nas aulas é determinante
para a aprendizagem: é essencial valorizar o envolvimento do aluno em processos de
pensamento, de raciocínio e de argumentação lógica em detrimento da resposta rápida e
certa, e no qual caberá um papel central ao tipo de actividade proposta e o modo como é
abordada (Abrantes et al., 1999).
Na concepção e aplicação de actividades na sala de aula, para além de todos os aspectos
já referidos a ter em consideração, é fundamental não esquecer que os nossos alunos
vivem numa sociedade onde as novas tecnologias desempenham um papel cada vez
mais importante. É um mundo mais informatizado e consequentemente mais
matematizado. A sociedade de informação coloca novas exigências à sabedoria humana,
provoca novos saberes e novas competências (Ponte e Canavarro, 1997). Como
educadores não podemos ignorar esta transformação e compete-nos modificar as nossas
metodologias de trabalho para que os alunos consigam ser matematicamente
competentes perante as necessidades e desafios que enfrentam na sociedade, sob pena
de vermos os alunos rejeitarem a Matemática por considerarem que a aula de
Matemática e a Matemática em si mesmo estão desfasados do “seu” tempo.
Consequentemente, os professores deverão manter uma permanente e contínua abertura
crítica, para aprofundar as capacidades e qualificações que permitam acompanhar toda a
evolução e mudanças e em especial os professores de Matemática constantemente
deparados com problemas de insucesso. Citando João Ponte, (1988), os professores de
Matemática terão “de saber apreciar a importância das situações problemáticas em
Matemática, das ligações desta ciência com a realidade, de orientar o uso de
instrumentos tecnológicos, de reconhecer a cultura matemática espontânea dos alunos,
proporcionada pelo seu meio sociocultural, e ser ele mesmo capaz de criar, adaptar e
aperfeiçoar situações e materiais apropriados para a aprendizagem” (p.19). Como o
objectivo fundamental e primário do Ensino, e em particular do ensino da Matemática, é
a preparação e inserção dos alunos na sociedade é necessário considerar e propor
actividades que procurem dar resposta a esta premente e crescente necessidade. Em
1991, Fey escrevia:
5
“Actividades que exigem dos alunos que raciocinem e comuniquem
matematicamente têm tendência a promover as capacidades de resolver
problemas e estabelecer conexões. Tais actividades podem inspirar uma visão
da matemática como um intrigante e valioso domínio de investigação. (…)
Uma responsabilidade fundamental dos professores é seleccionar e elaborar
propostas de actividades válidas e materiais que criem oportunidades para os
alunos desenvolverem este tipo de compreensão, competência, interesse e
predisposição para a matemática“ (NTCM, 1994, p.26).
6
ser um bom motivo para a realização de trabalho de grupo e para a aplicação de novas
situações de avaliação.
A pertinência da utilização dos robots na aula de Matemática também é justificável
através das duas principais finalidades da Matemática do ensino básico: “proporcionar
aos alunos um contacto com as ideias e métodos fundamentais da matemática que lhes
permita apreciar o seu valor e a sua natureza e desenvolver a capacidade e confiança
pessoal no uso da matemática para analisar e resolver situações problemáticas, para
raciocinar e comunicar” (Ministério da Educação, 2001, p.58). Ainda no mesmo
documento, encontra-se a indicação para a utilização das tecnologias na aprendizagem
da Matemática, nomeadamente em contextos de resolução de problemas, actividades de
investigação ou projectos, visando as finalidades consagradas para a disciplina:
7
1.3. Plano geral da tese
A organização deste trabalho pode ser diferenciada em duas partes distintas de acordo
com o seu carácter e conteúdo.
Uma primeira parte de carácter teórico é composta pelos capítulos 1 e 2 relativos à
Introdução e Campo Teórico, respectivamente. No segundo capítulo realiza-se uma
revisão de literatura relativa à temática em estudo, apresentada em quatro subtemas: um
primeiro relativo às finalidades do Ensino da Matemática em que se apresenta a
realidade portuguesa; o segundo diz respeito à aprendizagem da Matemática,
explorando-se questões como a competência matemática, a introdução de tecnologias na
aula de Matemática, mais concretamente, da robótica, e abordam-se algumas questões
relativas à avaliação, principalmente da avaliação em matemática; por fim, no quarto
subtema é explorado o desenvolvimento histórico do conceito de função e algumas
considerações sobre o seu ensino e aprendizagem.
A segunda parte constituída pelos capítulos 3, 4 e 5 dizem respeito à Metodologia,
Análise dos dados, e Conclusões do estudo, respectivamente. No capítulo 3,
Metodologia, justificam-se as opções metodológicas e caracterizam-se o contexto da
recolha de dados, os instrumentos de recolha desses dados e a forma como foram
analisados. O capítulo 5 refere-se à descrição e análise dos dados recolhidos. O capítulo
6 contém as conclusões e resultados de todo o estudo, e algumas recomendações e
sugestões de/para novos trabalhos, mediante novas questões pertinentes que foram
surgindo durante a realização deste trabalho.
8
9
Capítulo 2
CAMPO TEÓRICO
Este capítulo apresenta uma revisão das principais temáticas que servem de suporte a
esta investigação.
Num primeiro ponto abordam-se as finalidades do ensino da Matemática, explorando-se
as sugestões de resposta de alguns autores à questão “porquê ensinar matemática?” e,
em particular, as finalidades da disciplina de Matemática no ensino básico português.
Num segundo ponto são abordadas questões relacionadas com a aprendizagem em
Matemática, nomeadamente o que significa aprender matemática e ser matematicamente
competente, as competências associadas ao tema Funções do 3º ciclo (dado tratar-se do
conteúdo programático objecto da investigação), a natureza das tarefas, o uso de
tecnologias na aula de Matemática com particular ênfase na nova “disciplina” de
robótica educacional. Ainda directamente relacionado com a aprendizagem, seguem-se
algumas considerações sobre a avaliação das aprendizagens matemáticas relevantes para
o presente estudo.
O terceiro ponto diz respeito ao desenvolvimento histórico do conceito de função e a
algumas considerações sobre o seu ensino e aprendizagem.
No artigo Finalidades de Educação Matemática, Rico (1997) apresenta três estudos que
procuram responder à questão “porque se ensina matemática?”. O primeiro, Metas e
objectivos gerais da Educação Matemática de D’Ambrósio (1979, referido em Rico,
10
1997, pp.7-8), segundo o qual é necessário contextualizar a questão na modificação
profunda que o ensino atravessou provocada pela massificação, no qual todos os
estratos da sociedade devem usufruir dos benefícios da educação, subentendendo-se
uma obrigação social de reduzir as diferenças devido à educação. Assim, relativamente
às funções sociais da educação matemática, D’Ambrósio defende que só pensando na
sociedade do futuro, fundamentada em valores democráticos, será possível discutir a
orientação para a educação a fim de alcançar esse futuro. Para tal refere dois pontos de
vista: o ponto de vista utilitário e o ponto de vista especulativo.
Segundo o ponto de vista utilitário, há uma necessidade crescente de preparar
matemáticos, em todos os níveis, para a aplicação e uso da tecnologia, até porque a
sociedade espera, mesmo que a longo prazo, benefícios ou recompensas das
matemáticas e do seu ensino. No ponto de vista especulativo, D’Ambrósio refere um
outro tipo de educação matemática que pretende desenvolver a educação como livre e
criadora, como “aquisição” da aptidão de utilizar o conhecimento. A meta desta forma
de educação é assentar a matemática como linguagem conveniente e útil para simular o
mundo real, ajudando na solução dos novos problemas que constantemente vão
surgindo. Refere ainda que objectivo básico da educação matemática não é perpetuar
conhecimentos ou gerar pequenos avanços sobre os existentes, mas fomentar a criação
de novos conhecimentos, ou seja, atingir uma posição favorável à produção de novo
conhecimento.
O segundo trabalho referido por Rico é da autoria de Romberg (1991, referido em Rico,
1997, pp.9-10). Romberg considera que há duas categorias de justificações para a
questão apresentada: justificações funcionais e “outras justificações” onde se incluem o
desenvolvimento das capacidades pessoais. As justificações funcionais dizem respeito à
necessidade de as escolas proporcionarem aos alunos uma formação especializada em
Matemática, dado tratar-se de um pré-requisito fundamental para o estudo das mais
diversas disciplinas, com o intuito de satisfazer a necessidade funcional de formar
cidadãos produtivos. As “outras justificações” contemplam razões dos mais diversos
tipos, como a ideia que ensinar Matemática promove o desenvolvimento de capacidades
de pensamento, promove a propensão para o esforço e para a confiança no próprio
trabalho, e proporciona satisfação aos que a compreendem. Também engloba
fundamentos como a necessidade de formar matemáticos profissionais, as importantes
contribuições da Matemática para a cultura democrática ocidental e a visão de que a
Matemática é parte integrante das dimensões da personalidade humana.
5
Tradução do autor.
11
Por fim, Rico (1997) apresenta um trabalho de 1996 de sua autoria. Nesse trabalho
realizou uma reflexão com o intuito de organizar as várias dimensões que caracterizam
os fins da educação matemática. Estruturou a sua posição através da identificação de um
sistema de quatro categorias de finalidades: culturais, sociais, de desenvolvimento ou
aprendizagem, e éticas ou formativas.
12
É evidente a dimensão social do conhecimento matemático se atendermos ao seu
interesse a este nível. Compete ao conhecimento matemático proporcionar a todos os
cidadãos as ferramentas matemáticas básicas necessárias ao seu desempenho social e
qualificá-lo profissionalmente para as necessidades do mercado de trabalho e para os
desafios organizacionais e de gestão proporcionados pela sociedade (Rico, 1997). No
entanto, o autor reconhece que a importância do conhecimento matemático não se reduz
à sua utilidade e carácter prático, e refere que:
Rico (1997, baseado em Rico, 1996) considerou três âmbitos distintos para a dimensão
social, que reconhece serem três modos de considerar a matemática como uma
ferramenta intelectual determinada socialmente:
1) A prática profissional – práticas profissionais em que os
matemáticos ou especialistas que utilizam a matemática produzem
conhecimento organizado;
2) Os contextos matemáticos – situações laborais ou sociais em que o
domínio de ferramentas matemáticas é necessário para um
13
desempenho e desenvolvimento eficiente, denominado por
Cockcroft de necessidades do mundo do trabalho;
3) Hábitos e práticas usuais no emprego das matemáticas –
necessidades básicas de cada pessoa, o conhecimento matemático
imprescindível para a integração e desenvolvimento na sociedade,
para comunicar, receber e interpretar informação e tomar decisões
correctas com base nessa interpretação; Cockcroft designou este
âmbito por necessidades matemáticas da vida adulta.
Finalidades formativas.
Se a educação é a transmissão da herança cultural e dos valores sociais à geração
seguinte, então dessa cultura faz parte, necessariamente, o conhecimento matemático,
cuja responsabilidade de transmissão é grande pois a Matemática é uma ferramenta
intelectual potente, cujo domínio individual facilita o desenvolvimento intelectual,
promove novas aprendizagens e proporciona vantagens intelectuais (Rico, 1997). O
ensino da matemática evoluiu de uma função exclusivamente instrutiva (que passava
pela memorização e mecanização) para uma função formativa mais ampla, em que o
conhecimento matemático não está isolado do meio cultural envolvente nem dos
interesses dos alunos. Rico (1997) refere que o interesse formativo do ensino da
Matemática, a partir de uma perspectiva educativa, provém da convicção que
determinadas actividades matemáticas favorecem o desenvolvimento e a aquisição de
capacidades, principalmente cognitivas.
Rico (1997, citando Rico, 1990) destaca os seguintes valores formativos da Matemática:
14
vi) a riqueza de situações para mobilizar este tipo de conhecimentos, de
maneira que se estimule a gratificação pelos esforços intelectuais e a
satisfação com o trabalho bem realizado” 6 (pp. 122-123).
6
Tradução do autor.
7
Tradução do autor.
15
tecnológica. A segunda função está relacionada com o uso da Matemática como
instrumento de selecção no acesso a muitos cursos superiores porque goza de uma
imagem de “conhecimento objectivo” com uma infinidade de aplicações nas mais
diversas áreas. Outro papel que o ensino da Matemática tem desempenhado é o de
símbolo de desenvolvimento e de arma de arremesso político de diversas forças sociais
(Ponte, 2002).
Por fim, “a Matemática serve para promover o desenvolvimento das crianças e dos
jovens, estimulando uma maneira de pensar importante para a vida social e para o
exercício da cidadania” (Ponte, 2002, p.13). É desta forma que a Matemática serve as
necessidades dos indivíduos como seres sociais. A capacidade de compreender a
linguagem matemática socialmente usada e a aptidão de pensar nas mais diversas
situações de um modo matemático é, pelo menos teoricamente, reconhecida como a
principal função (finalidade) do ensino da Matemática (Ponte, 2002).
Em Matos (2003) podemos encontrar as principais finalidades da matemática escolar
segundo a perspectiva do autor. Este começa por referir que no conjunto das finalidades
da educação matemática se inclui “o desenvolvimento do poder dos alunos e dos
indivíduos em sociedade, quer para ultrapassar barreiras do seu desenvolvimento em
termos de educação e emprego, quer no sentido de aumentar a sua autodeterminação e o
seu envolvimento crítico na cidadania social” (Matos, 2003, p.1). De imediato
acrescenta que a grande finalidade da educação é a mudança social no sentido de uma
sociedade mais justa e igualitária, o que, ao nível da prática escolar, se deverá traduzir
no questionamento permanente e sistemático, na realização de espaços de discussão das
coisas e possibilidade de debate de opiniões contraditórias, na oportunidade de
questionar os temas matemáticos e na negociação de objectivos partilhados (Matos,
2003).
Matos (2003) realça que o ensino escolar da matemática já não pode limitar-se à
transmissão de factos matemáticos, apresentando três argumentos neste sentido:
O primeiro argumento tem por base o facto de que o conhecimento que o cidadão tem
de ter acerca dos modelos cada vez mais complexos que regulam a sociedade é
inversamente proporcional ao crescente uso desses modelos matemáticos. Em
contrapartida, é exigido ao cidadão a capacidade de lidar com esses modelos (desocultá-
los, notar a sua presença, perceber as sua intenções, adoptar uma postura crítica, etc.).
No segundo argumento, o autor refere que a ênfase deve estar na educação matemática e
não no ensino da matemática, propondo mesmo a substituição da disciplina de
matemática por uma disciplina de educação matemática (Matos, 2002). Na nova
disciplina, para além do necessário conhecimento de alguns factos matemáticos, o
essencial “não será a matemática mas o seu uso como um dos recursos estruturantes do
pensamento, da reflexão e da acção” (Matos, 2003, p.2). Segundo Matos, algumas
visões da didáctica da matemática têm o seu ensino como a tarefa de fazer os alunos
aprenderem matemática (conhecerem factos matemáticos) e educar matematicamente é
entendido como o fornecimento de factos matemáticos recontextualizados, com o
argumento de que servirão de base noutras disciplinas ou serão úteis na vida do aluno.
O autor sugere uma outra perspectiva em que se entende a Matemática como um
“instrumento que confere uma dimensão muitíssimo potente aos modelos que a
sociedade cria e adopta” (Matos, 2003, p.3) e, consequentemente, a educação deverá
incluir formas de aprender a lidar com esses modelos. Essa aprendizagem passa por
educar matematicamente os alunos: “levar os alunos a apropriar-se de modos de
16
entender matematicamente as situações do dia-a-dia” (Matos, 2003, p.3), isto é,
entender matematicamente todas as actividades que fazem parte do seu quotidiano.
O terceiro argumento sustenta-se na ideia de que um exercício de mudança das
perspectivas sobre as finalidades da matemática escolar a fim de promover uma cultura
matemática que vise a “participação dos jovens na construção e sustentação de uma
sociedade democrática, tem que ser enquadrado numa problematização mais alargada da
escola e do seu papel na educação dos jovens” (Matos, 2003, p.3)
Também Greer e Mukhopadhyay (2003) se debruçaram sobre a questão das finalidades
do ensino da Matemática. Estes autores, propondo-se responder à questão what is
mathematics education for?, sugeriram o seguinte conjunto de respostas:
1. Produção de mais matemáticos, cientistas, engenheiros, e outros que
venham a usar técnicas matemáticas no desenvolvimento do seu trabalho;
2. Proporcionar o treino de uma força de trabalho capaz de competir na
economia global na era da informação;
3. A matemática faz parte da herança cultural que torna os indivíduos
melhor preparados e mais criativos na resolução dos mais diversos
problemas intelectuais;
4. A matemática é caracterizada como a mais pura forma de argumentação,
fazendo uso dos melhores métodos de prova, constituindo um treino
imparcial e objectivo do pensamento racional;
5. A matemática é necessária como preparação para o desenvolvimento e
superação dos aspectos práticos presentes no quotidiano dos indivíduos;
6. Permite às pessoas o acesso a poderosas ideias matemáticas, a ser usadas
como ferramentas de crítica, análise e avaliação de situações e assuntos
relevantes para a sua vida;
7. A matemática reflecte o nosso ponto de vista do mundo, permitindo
compreendê-lo e modelá-lo (p. 4).
17
“Atribui-se ao ensino da Matemática uma dupla função:
• Desenvolvimento de capacidades e atitudes.
• Aquisição de conhecimentos e de técnicas para a sua mobilização”
(p.171).
e
“Consideram-se finalidades da disciplina de Matemática no ensino básico:
• Desenvolver a capacidade de usar a Matemática como instrumento de
interpretação e intervenção no real.
• Promover a estruturação do indivíduo no campo do pensamento,
desenvolvendo os conceitos de espaço, tempo e quantidade ou
estabelecendo relações lógicas, avaliando e hierarquizando.
• Desenvolver as capacidades de raciocínio e resolução de problemas, de
comunicação, bem como a memória, o rigor, o espírito crítico e
criatividade.
• Facultar processos de aprender a aprender e condições que despertem o
gosto pela aprendizagem permanente.
• Promover a realização pessoal mediante o desenvolvimento de atitudes
de autonomia e cooperação” (p.175).
18
uma reformulação dos programas ao nível do papel que estes desempenham no
currículo e a revisão dos seus conteúdos, estilo e organização (Ministério da Educação,
2001).
Ainda de acordo com o documento, as principais finalidades da Matemática no ensino
básico consistem em (1) proporcionar aos alunos um contacto com as ideias e métodos
fundamentais da matemática que lhes permita apreciar o seu valor e a sua natureza e (2)
desenvolver a capacidade e confiança pessoal no uso da matemática para analisar e
resolver situações problemáticas, para raciocinar e comunicar.
19
desenvolvimento de capacidades sem as respectivas aplicações, são inadequadas e
exíguas para alcançar os fins supracitados e para criar ambientes capazes de responder
ao desejo de aprender dos alunos.
A perspectiva de ensino ainda hoje generalizada, que não deixa por isso de ser estreita,
limitada e empobrecida, é a que confina o processo de ensino aprendizagem, à execução
de tarefas repetitivas e à resolução de problemas e exercícios a partir dos quais os
alunos deverão procurar a (única) resposta correcta (Guimarães, 1996). As investigações
realizadas no âmbito da educação e aprendizagem da matemática, em consonância com
as mais diversas avaliações globais (nacionais e internacionais), têm posto em causa
esta visão tradicionalista da aula de Matemática, indicando um ensino que não se quede
pela transmissão de determinada informação e a formação de um conjunto de aptidões e
hábitos considerados essenciais. As mais recentes propostas curriculares não se
coadunam com a ideia de que saber Matemática passar por ter um conjunto de
conhecimentos ou dominar esta ou aquela técnica de cálculo ou regra (Guimarães,
1996). Novas indicações educacionais sublinham a natureza dinâmica e interactiva da
aprendizagem e a sua natureza interpessoal, defendendo-se o abandono da
aprendizagem da matemática como uma acumulação de factos e técnicas, substituída
por uma aprendizagem como um conjunto integrado de instrumentos que permitem
atribuir sentido a situações matemáticas (Resnick, 1987, referido em NTCM, 1994).
20
significados (Case and Bereiter 1984; Cobb and Steffe 1983; Davis 1984;
Hiebert 1986; Lampert 1986; Lesh and Landau 1983; Schoenfeld 1987)”
(NTCM, 1994, p.2).
Estas ideias foram defendidas por Polya em 1968 (citado em Ralha, 1992), quando
apresentou o Princípio de Aprendizagem Activa que consistia, basicamente, em deixar
que os alunos fossem tão livres quanto possível e que tomassem eles próprios a
iniciativa (sempre que possível) durante o processo de aprendizagem.
Neste sentido, um dos factores a reconsiderar é o papel do professor. A sua actuação
que não poderá ser somente a de fornecedor de informação e funcionar como
intermediário entre o manual adoptado e os alunos, passando a ser também um
“organizador das actividades, um facilitador da aprendizagem, um dinamizador do
trabalho, um companheiro de descoberta” (APM, 1988, p. 71). A aprendizagem deverá
resultar como um produto da actividade criadora dos alunos e do professor.
Ao professor são “exigidas acrescidas qualidades de iniciativa, trabalho, imaginação,
organização” e deverá “imaginar propostas pedagógicas ricas, quer de situações
problemáticas ou de resolução de problemas, quer de situações para desenvolver
actividades de exploração e consequente tratamento matemático” (APM, 1988, p.72).
Posteriormente às ideias de Polya, o National Research Counsil (NRC) referiu a
construção da “própria” compreensão da matemática como o factor determinante e
fundamental para uma boa aprendizagem da matemática.
Este processo decorre rapidamente quando os alunos, de uma certa forma, se incumbem
da própria aprendizagem, nomeadamente ao trabalharem em grupo, ao envolverem-se
em discussões e ao fazerem representações (NRC, 1989).
A persistência do National Council of Teachers of Mathematics é um exemplo da
importância atribuída ao tema e do esforço realizado no sentido de promoção da
mudança das concepções “tradicionalistas” do ensino e aprendizagem da matemática
acima referidas. Com a publicação das Normas para o currículo e a avaliação em
matemática escolar (1991) pretenderam alterar definitivamente a visão predominante
que existia da aprendizagem da matemática. Nesse documento foram estabelecidos
novos objectivos de aprendizagem para os alunos que pretendiam reflectir a importância
da alfabetização matemática. Pretende-se que os alunos se tornem matematicamente
alfabetizados, ou seja, que adquiram a “capacidade individual para explorar, conjecturar,
e raciocinar logicamente, bem como para utilizar com eficácia uma variedade de
métodos matemáticos na resolução de problemas” (NTCM, 1994, p.7). Assim, os alunos
devem aprender a dar valor à matemática, adquirir a confiança necessária na sua
capacidade de fazer matemática, tornar-se aptos a resolver problemas matemáticos,
aprender a comunicar e a raciocinar matematicamente.
21
As Normas estabelecidas assentam no desenvolvimento da cultura e do poder
matemático de todos os alunos, ou seja, a aprendizagem da matemática está formulada
em termos de aquisição do poder matemático:
8
Tradução do autor.
22
aprendizagens subsequentes, e certamente fará mais sentido e será mais fácil de recordar
e de aplicar os novos conhecimentos quando estes são relacionados com conhecimentos
já existentes. Também potencia a formação de alunos capazes de aprender
autonomamente, dado que os alunos aprenderão mais e melhor se definirem os próprios
objectivos de aprendizagem e monitorizarem os progressos alcançados. Para tal, os
alunos deverão ter a oportunidade de realizar actividades adequadas afim de se tornarem
confiantes na suas capacidades de exploração de problemas considerados à priori como
difíceis, flexíveis na exploração de ideias matemáticas e na procura de diferentes
soluções alternativas, conduzindo-os à perseverança. Durante as aprendizagens, os
alunos deverão reconhecer a importância de reflectirem sobre os seus pensamentos e de
aprenderem com os erros que entretanto vão cometendo, sempre associados à satisfação
da resolução de problemas matemáticos (NTCM, 2000).
Como já anteriormente foi referido, a última reorganização curricular do ensino básico
português estabeleceu, pela primeira vez, um currículo assente no desenvolvimento de
competências. O estudo A Matemática na Educação Básica (Abrantes, Serrazina e
Oliveira, 1999), que precedeu e antecipou a definição dessas competências, apresentou
um conjunto de ideias fundamentais sobre o processo de aprendizagem da matemática:
- A aprendizagem requer que os alunos se envolvam em actividades significativas,
isto é, vivam experiências concretas que atribuam sentido aos novos conteúdos;
23
- Cometer erros, responder com imperfeição ou de forma incompleta é algo próprio
do processo de aprendizagem, permitindo perceber a origem dos erros,
compreender as dificuldades em causa, contribuindo para uma aprendizagem mais
significativa; o facto de um aluno ter sucesso ou insucesso numa actividade não é
sinónimo que tenha ou não compreendido inteiramente o assunto em causa, isto é,
não garante que o aluno tenha, a partir do momento, sempre presente o assunto ou
que não venha alguma vez a compreende-lo, respectivamente;
24
coisas, é fundamental promover o desenvolvimento desse ponto de vista nos nossos
alunos, o que envolve necessariamente o conhecimento de factos matemáticos e a
análise de situações usualmente consideradas fora do âmbito da matemática (sejam
consideradas aplicações da matemática, modelação matemática, matemática realista,
investigações, ou outras) (Matos, 2004).
“Daqui decorre que aprender matemática não pode ser entendido como
adquirir (e demonstrar) certas destrezas no jogo de linguagem em que se pode
transformar o trabalho na matemática escolar. Aprender matemática é um
elemento residual do envolvimento dos alunos em práticas que envolvam a
necessidade da percepção e do desenvolvimento de um ponto de vista
matemático sobre as coisas.” (Matos, 2004, p.5).
25
“ (…) significa conhecer, compreender, fazer, usar e possuir uma opinião
bem fundamentada sobre a Matemática em uma variedade de situações e de
contextos onde ela tem ou pode vir a ter um papel.
Uma competency matemática é uma componente principal da competence
matemática.” (Niss, 2006, p.32).
9
Plural de competency.
26
• analisar os fundamentos e as propriedades dos modelos existentes e avaliar
sua abrangência e validade;
• executar modelagem activa em determinado contextos, isto é, estruturar e
matematizar situações, manejar o modelo resultante, tirar conclusões
matemáticas, validar o modelo, analisá-lo criticamente, comunicar factos
sobre ele e controlar o processo.
27
Competência em instrumentos e acessórios – estar apto a fazer uso e estabelecer
relações com instrumentos e acessórios em Matemática:
• ter conhecimento da existência e das propriedades de diferentes
instrumentos e de acessórios relevantes para a actividade matemática (por
exemplo, réguas, bússolas, … , calculadoras, computadores e internet);
• ter insights sobre as possibilidades e as limitações de tais instrumentos;
• usar instrumentos e acessórios de maneira refletida.”
(Niss, 2006, pp. 33-35)10.
28
O documento supracitado não refere concretamente a procedência para esta ampla
noção de competência. No entanto, esta não está muito distante da noção de
competência de Basil Bernstein e aproxima-se bastante do que Wenger afirma a este
respeito (Fernandes e Matos, 2004), principalmente quando no documento é
estabelecido mais concretamente que:
29
8) Realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa;
9) Cooperar com outros em tarefas e projectos comuns;
10) Relacionar harmoniosamente o corpo com o espaço, numa perspectiva
pessoal e interpessoal promotora da saúde e da qualidade de vida.”
(Ministério da Educação, 2001, p. 15).
30
• A tendência para usar a matemática, em combinação com outros saberes,
na compreensão de situações da realidade, bem como o sentido crítico
relativamente à utilização de procedimentos e resultados matemáticos”.
(Ministério da Educação, 2001, p.57).
31
• A aptidão para analisar as relações numéricas de uma situação,
explicitá-las em linguagem corrente e representá-las através de
diferentes processos, incluindo o uso de símbolos;
• A aptidão para construir e interpretar tabelas de valores, gráficos,
regras verbais e outros processos que traduzam relações entre
variáveis, assim como para passar de umas formas de representação
para outras, recorrendo ou não a instrumentos tecnológicos;
• A aptidão para concretizar, em casos particulares, relações entre
variáveis e fórmulas e para procurar soluções de equações simples;
• A sensibilidade para entender e usar as noções de correspondência e
de transformação em situações concretas diversas”
(Ministério da Educação, 2001, p.66).
32
2.2.3. Natureza das Actividades
Apesar dos esforços realizados, a imagem que persiste da aula de matemática assenta
em concepções tradicionalistas. A visão da aula de matemática como a aula que inicia
com a correcção do trabalho de casa, seguida da revisão da aula anterior, apresentação
de nova matéria com resolução de alguns exemplos de aplicação e inicio de treino de
novos exercícios, infelizmente mantém-se (APM, 1988, 1998; NTCM, 1994). Os alunos
estão envolvidos na mesma tarefa, planeada, iniciada e controlada pelo professor e
estruturada para o nível do aluno médio. Os principais modos de ensinar são a
exposição do professor, o trabalho no quadro, as perguntas e respostas, complementados
com o trabalho sentado no lugar, a prática sistemática e a ajuda individual aos alunos
que revelam mais dificuldades. É uma visão pobre, aborrecida e rotineira da matemática
escolar, e em geral, da Matemática. Perante este cenário a matemática confunde-se com
a memorização e aplicação mecanizada de uma colecção de regras e fórmulas
desprovidas de qualquer significado, tratando-se de “métodos que têm conduzido a uma
imagem falsa da Matemática – uma ciência morta que se limita a aplicar velhas
fórmulas a velhos problemas” (APM, 1988, p.53).
De acordo com as Normas profissionais para o ensino da Matemática (NTCM, 1994), a
aprendizagem da matemática por parte dos alunos depende do ambiente da aula, do tipo
de actividade, do seu envolvimento nessa actividade e do discurso em que participam,
isto é, o que os alunos aprendem está essencialmente relacionado com o modo como
aprendem. A extensão e qualidade das aprendizagens realizadas pelos alunos dependem
de diversos factores, em que, certamente, um dos mais relevantes é o tipo de actividades
propostas aos alunos. Já em 1988, a Associação de Professores de Matemática (APM,
1988) insistia que “o factor decisivo na transformação positiva da matemática escolar
não é a alteração dos conteúdos nem a introdução de novas tecnologias, mas sim a
mudança profunda nos métodos de ensino, na natureza das actividades” (p.55), dado
que a aprendizagem da matemática resulta como um produto da actividade desenvolvida.
O NTCM (1994) definiu o termo actividade como "projectos, questões, problemas,
construções, aplicações ou exercícios, em que os alunos se envolvem e que
proporcionam os contextos intelectuais para o desenvolvimento dos alunos” (p. 22).
Pede-se aos professores que proporcionem aos alunos actividades matematicamente
válidas, isto é, actividades que assentem numa base matemática sólida e significativa,
no conhecimento das aptidões, interesses e experiências dos alunos, e no conhecimento
da variedade de formas pelas quais diversos alunos aprendem matemática. As
actividades deverão: (1) apelar à inteligência dos alunos, (2) desenvolver a compreensão
e aptidões matemáticas dos alunos, (3) estimular os alunos a estabelecer conexões e a
desenvolver um enquadramento coerente para as ideias matemáticas, (4) apelar à
formulação e resolução de problemas e ao raciocínio matemático, (5) promover a
comunicação sobre matemática, (6) mostrar a matemática como uma actividade humana
permanente, (7) ter em atenção e assentar em diferentes experiências e predisposições
dos alunos e (8) promover o desenvolvimento da predisposição de todos os alunos para
fazer matemática (NTCM, 1994).
A Associação de Professores de Matemática (APM, 1988) apontou a resolução de
problemas, o desenvolvimento de modelos matemáticos, as actividades de exploração,
investigação e descoberta, a formulação de conjecturas, discussão e comunicação, a
argumentação e prova e a construção de conceitos, como as actividades essenciais a
desenvolver na disciplina. A resolução de problemas deverá ser uma das actividades
33
privilegiadas na aula de Matemática porque se trata de uma actividade “natural” da
Matemática dado que o seu desenvolvimento tem surgido da resolução dos mais
diversos problemas internos ou externos à própria ciência, que transporta os alunos para
outras actividades como a discussão de estratégias, a argumentação, a prova, a crítica
dos resultados, a construção de conceitos e a criação da necessidade de utilização de
uma simbologia matemática, para além de que a proficiência na resolução de problemas
constitui um objectivo importante da Matemática e geral da escola. O desenvolvimento
de modelos matemáticos é uma actividade em que normalmente os alunos estão muito
interessados e envolvidos desde a sua concepção, consistindo em trabalhos com alguma
extensão no tempo e possivelmente constituído por diversas actividades com um intuito
geral. Realizar uma actividade de exploração e de descoberta significa “entrar em
terreno desconhecido, recolher dados, detectar diferenças, ser sensível às repetições e às
analogias, reconhecer regularidades e padrões – ou porventura um sentido ainda mais
forte – investigar, procurar, encontrar e descobrir” (APM, 1988, p. 59). A exploração
conduz à formulação de conjecturas que apela ao uso de capacidades intelectuais como
o espírito de observação, a sistematização de resultados parcelares, a imaginação e o
poder de abstracção, e à conjecturação seguem-se a argumentação e a demonstração.
34
pensamento e raciocínio dos alunos, contendo elementos de compreensão, raciocínio e
resolução de problemas, pois a sua ausência poderá conduzir a dificuldades na
realização de procedimentos simples (Abrantes et al., 1999). Assim, deverão ter como
ponto de partida problemas ou situações problemáticas, como por exemplo, fenómenos
do mundo físico que se pretende matematizar (APM, 1988, Abrantes et al., 1999).
A motivação e interesse, factores determinantes na aprendizagem do aluno, dependerão
fortemente da sua identificação com as actividades propostas e daí a necessidade de ter
em atenção as diferentes experiências e predisposições dos alunos, até porque é
importante que estas lhes proporcionem o estabelecimento de conexões com
conhecimentos aprendidos anteriormente (Abrantes et al., 1999).
A Matemática é um instrumento poderoso de conhecimento e compreensão da realidade
que nos rodeia. Os alunos deverão ser confrontados com tarefas abrangentes,
conduzindo-os à resolução de problemas, à analise de situações e à utilização e
aplicação de uma série de técnicas e perspectivas para lidar com novas situações
problemáticas, conduzindo-os à alfabetização matemática e ao desenvolvimento do
raciocínio matemático. Com a aquisição de uma cultura matemática e do poder
matemático estarão “mais aptos a interpretar vastas quantidades de dados, situações e
problemas na sua vida futura e a ser pensadores flexíveis, analíticos e críticos, tanto dos
seus próprios resultados, como dos argumentos dos outros” (Guimarães, 1996, p.14).
35
subjacentes (Fey, 1991). Apesar de reconhecer que os estudos até então realizados não
indicariam todas a vantagens da programação, Fey (1991) recolheu alguns aspectos
positivos decorrentes da sua utilização. O autor acredita que a aquisição da destreza de
programação desenvolverá hábitos mentais úteis em diversos aspectos relacionados com
a aprendizagem da Matemática: os alunos “programadores” utilizarão abordagens mais
activas e sistemáticas na resolução de problemas e, mais frequentemente, corrigirão os
erros e verificarão as potenciais soluções; implícito à aplicação do poder de
programação está o esboço de um algoritmo adequado e é muito importante para os
alunos de Matemática aprenderem algoritmos eficazes para a resolução de problemas e
desenvolverem uma capacidade mais geral para criar soluções algorítmicas para novos
problemas. Estas concepções são defendidas por Ponte (1997) ao afirmar que a
aprendizagem da programação, independentemente da linguagem usada (dado tratar-se
de um meio e não um fim) e desde que convenientemente dirigida, favorece uma atitude
positiva face ao erro e um espírito sistemático no processo de detecção de erros e
consequente aperfeiçoamento do conhecimento ganhando “consciência do carácter
relativo, transitório e sempre susceptível de aperfeiçoamento do nosso conhecimento”
(p.85), salientando também o carácter organizado desse tipo de actividades,
necessitando da elaboração de planos e a sucessiva decomposição do problema em
problemas menores até atingir o estádio de tarefa de resolução relativamente simples.
Um dos exemplos mais conhecidos é a linguagem de programação LOGO
objectivamente criada para a exploração de tópicos disciplinares. Desenvolvida por
Seymourt Papert e pesquisadores do MIT (Massachussets Institute Technology) no final
da década de 60, pretendia ser um meio para a concretização de outros projectos, de
outros objectivos educacionais que não a aprendizagem da programação (Chella, 2002;
Ponte e Canavarro, 1997). O LOGO apresentava um interface com os utilizadores
baseado na metáfora de movimentação de uma pequena tartaruga simbolizada por um
objecto cibernético que se movimentava no ecrã, existindo algumas versões em que a
tartaruga realmente existia sob a forma de um robot que se deslocava no chão e
obedecia aos comandos comunicados através de fios de ligação ou raios infravermelhos.
Esta linguagem poderia ser usada para resolver problemas de diversas índoles,
nomeadamente relacionados com a simulação de processos físicos, ou biológicos (Ponte
e Canavarro, 1997). Ao programar a tartaruga, os alunos estavam a aprender “a exercer
controlo sobre um micromundo excepcionalmente rico e sofisticado” (Ponte, 1997, p.
84). Os micromundos são ambientes computacionais vocacionados para a realização de
determinadas tarefas ou explorações, propícios ao desenvolvimento de certos conceitos
ou estratégias de raciocínio por parte dos alunos (Ponte e Canavarro, 1997).
Papert (referido em Ponte e Canavarro, 1997) justifica esta abordagem de utilização do
computador no favorecimento de um “tipo de aprendizagem natural em ambiente não
escolar” (p.32) e pelo apelo à participação activa dos alunos. Também destaca o papel
que o computador poderá desempenhar no pensamento das pessoas, não porque lhes
faça surgir facilmente o conhecimento e de forma pronto a usar, mas como factor de
confiança e motivação, levando os alunos a sentirem-se capazes de realizar uma série de
coisas que anteriormente considerariam muito difíceis ou impossíveis (Ponte, 1997).
Outro aspecto positivo decorrente da sua utilização é o processo de aperfeiçoamento
sucessivo de um programa, dado que para se obter um determinado efeito realiza-se um
procedimento que, não correspondendo ao desejado e depois de devidamente analisado,
conduzirá a novo procedimento, supostamente com um resultado mais refinado e
aproximado do pretendido. Constatou-se que este tipo de utilização do computador
36
levou a uma melhoria da relação dos alunos com a disciplina de Matemática e criava
maior disposição para a sua aprendizagem (Ponte e Canavarro, 1997).
Mais tarde, com o surgimento de programas de índole geral como as folhas de cálculo e
os programas de desenho assistido, e a criação de softwares com fins educativos, o
interesse pela programação esmoreceu. Apareceram os programas tutoriais e os
programas de prática, entre outros. Os primeiros visam a explicação de novos conteúdos
e conhecimentos através da apresentação sucessiva de ecrãs segundo uma sequência
preestabelecida, em que o aluno avança de acordo com o seu próprio ritmo. Os
segundos visam o treino dos alunos na resolução repetitiva de exercícios subordinados a
determinado conteúdo (Ponte e Canavarro, 1997; Ponte, 1997). Os resultados das
investigações infirmaram que este tipo de programas tinha um reduzido valor
educacional, muito por culpa da posição passiva e dependente que os alunos mantêm na
sua utilização, quando se pretenderia que assumissem a “responsabilidade” pela sua
aprendizagem (Ponte, 1997).
As indicações e orientações para a utilização de novas tecnologias, nomeadamente do
computador e da calculadora, no ensino da Matemática são muitos e já provêm desde há
algum tempo (APM, 1988, 1998; NRC, 1989; NTCM, 1991, 2000). As implicações da
sua utilização verificam-se em todos os campos relacionados com o ensino da
Matemática. É um factor contributivo para a consecução dos objectivos do ensino da
Matemática, podendo (com actividades adequadas) favorecer a curiosidade, o gosto por
aprender, a confiança, a autonomia, o espírito de tolerância e a cooperação, e ajuda os
alunos a desenvolverem capacidades intelectuais mais elevadas como a capacidade de
resolução de problemas, principalmente aqueles associados à interpretação e
intervenção no mundo que os rodeia (Ponte e Canavarro, 1997).
A aplicação da tecnologia é passível nos diversos conteúdos curriculares como
demonstram as seguintes investigações: Susana Carreira (1992) conduziu uma
investigação com alunos do 10º ano do estudo da trigonometria realizado num contexto
de aplicação e modelação de situações do mundo real usando a folha de cálculo; Fátima
Jorge (1994) realizou uma investigação sobre o computador e a Educação Matemática
abordando o conteúdo das sucessões do 11º ano de escolaridade; Maria Fernandes (1997)
levou a cabo uma investigação com alunos do 12º ano sobre os processos de
aprendizagem do conceito de derivada em contextos computacionais. Porventura, as
aplicações mais usuais das tecnologias na aula de Matemática são ao nível do cálculo e
das funções, que estará associado à tecnologia mais desenvolvida e comum nas escolas.
As máquinas de calcular gráficas e os computadores com softwares de manuseamento
de funções (parâmetros e desenho de gráficos) podem ter um papel importante no
estudo das funções. Por exemplo, a sobreposição de gráficos de várias funções,
facilmente realizados com uma calculadora gráfica ou computador, possibilita o estudo
da influência dos diversos parâmetros numa família de funções. Também relacionado
com as funções, mas não exclusiva deste conteúdo, está uma das principais vantagens
associadas ao uso das tecnologias: as representações. Segundo Fey (1991), uma das
grandes potencialidades dos computadores reside na facilidade em passar de uma forma
de representação de informação para outra, enquanto se procura a compreensão
conceptual de um problema e da sua solução. Segundo o autor há vários motivos para
considerar as múltiplas representações baseadas/realizadas em computadores:
1. O carácter dinâmico das representações de ideias e procedimentos
matemáticos;
37
2. A flexibilidade das representações em se adaptarem a propósitos
concretos do indivíduo;
3. A representação gráfica constitui um intermediário para a abstracção;
4. A versatilidade gráfica do computador permite criar representações
matemáticas novas;
5. As representações computacionais constituem poderosos instrumentos
para a resolução de problemas (p. 61).
38
O uso eficiente da tecnologia nas aulas de matemática depende maioritariamente do
professor, que deverá criar actividades matemáticas que tirem partido das vantagens do
que a tecnologia faz bem e de forma eficiente (NTCM, 2000). No entanto, a tecnologia
não pode substituir o professor de matemática, nem tão pouco pode ser usada como uma
substituição para compreensões básicas e intuições, e caberá sempre ao professor a
importante decisão sobre quando e como usar tecnologia, assegurando-se que a sua
utilização está a contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do pensamento
matemático dos alunos (NTCM, 2000; Ponte 1997).
O Princípio da Tecnologia estabelecido pelo NTCM (2000) concretiza, resumidamente,
as ideias supra citadas:
Robótica Educacional
11
Tradução do autor.
39
construído por relojoeiros para exibição em feiras ou animações mecânicas da autoria de
Leonardo da Vinci (Zilli, 2004). Actualmente, os robots são vistos como um conjunto
de mecanismos automatizados capazes de realizar um tipo de tarefa para o qual foram
criados (Jímenez, 1996). Na indústria os robots são utilizados para aumentar a
velocidade dos processos de produção e a qualidade dos produtos e diminuir os custos
de produção.
Apesar do antigo reconhecimento do controlo como uma vertente das “novas
tecnologias” respeitante à automação de máquinas, ferramentas e processos (e.g. Coelho,
1986; Ponte, 1997), este é um aspecto pouco desenvolvido em Portugal, pelo menos ao
nível pedagógico, mas com significativo desenvolvimento no estrangeiro,
nomeadamente Brasil, México, Costa Rica, Dinamarca, Estados Unidos, Itália e
Colombia, entre outros. Certamente, a vertente mais reconhecida da aplicação dos
robots a nível educacional, pelo menos em Portugal, está relacionada com o grande
número de competições robóticas12 que se realizam a nível nacional e internacional,
geralmente associadas a projectos do ensino superior.
A Robótica Educacional, também designada por Robótica Educativa ou Robótica
Pedagógica, é um importante recurso tecnológico, surgindo no processo de ensino
aprendizagem como um instrumento que possibilita a exploração dos diversos temas do
currículo escolar. Martial Vivet (citado em Jímenez, 1996, p. 3) sugeriu a seguinte
definição de Robótica Educacional:
Foi criada uma nova “disciplina” cuja finalidade é explorar a interacção dos alunos com
os robots e como estes podem favorecer o desenvolvimento dos processos cognitivos
(Jímenez, 1996). Pretende-se a criação de ambientes de aprendizagem essencialmente
baseados na actividade dos alunos, em que estes podem conceber, desenvolver e pôr em
prática uma variedade de projectos que lhes permitem resolver problemas e,
simultaneamente, lhes facilitam determinadas aprendizagens. Nestes ambientes de
aprendizagem os alunos ocupam grande parte do seu tempo a simular fenómenos e
mecanismos que são micro representações da realidade tecnológica que os rodeia ou são
invenções suas propositadamente criadas para o momento (Colorado, 2003b). É uma
ferramenta pedagógica que permite ao professor demonstrar (de forma prática) e aos
alunos experimentar muitos dos conceitos teóricos, por vezes de difícil compreensão,
motivando o aluno, que a todo momento é desafiado a observar, a abstrair e a inventar
(Zilli, 2004).
Colorado (2003b) refere que o principal objectivo da implementação da robótica
educacional na escola é a criação de ambientes interdisciplinares que proporcionam aos
alunos o desenvolvimento de capacidades de estruturação de investigações e resolução
de problemas, contribuindo para a formação de pessoas com capacidades para
desenvolver novas habilidades, novos conceitos e responderem eficientemente aos
12
As competições com maior visibilidade são as de futebol com robots.
13
Tradução do autor.
40
aspectos em mudança no mundo que as rodeia. Os ambientes de aprendizagem assim
criados contribuem com experiências conducentes ao desenvolvimento da criatividade e
do pensamento dos alunos: constroem estratégias para a resolução de problemas e
simulam o método científico pois formulam hipóteses, implementam, testam, observam
e fazem as devidas alterações sobre a solução; sentem a necessidade de utilização de
algum vocabulário especializado e permite-lhes construir as suas próprias concepções
acerca do significado dos objectos que manipulam; interiorizam conceitos tecnológicos,
como por exemplo, estratégias de programação, de controlo e de sincronização de
processos; realizam estimações e medições; adquirem e relacionam os conceitos de
forma e função; partilham as suas criações com a comunidade escolar, principalmente
os seus colegas, onde se questionam, enriquecem, valorizam e desenvolvem o sentido
crítico, procedendo a um importante intercâmbio de experiências que contribuem para a
aprendizagem através da análise e crítica construtiva; desenvolvem a auto-estima e as
relações interpessoais dado que o trabalho é realizado em equipa na prossecução de um
mesmo objectivo (constroem, programam e sincronizam resultados que se integram
num projecto construído por um grupo) (Colorado, 2003b).
A forma natural como se dá a integração de conhecimentos de diversas áreas é um dos
factores mais relevantes associados à Robótica Educacional, até porque esta se
desenvolveu com a perspectiva de aproximação às soluções de problemas das mais
distintas áreas como a matemática, as ciências naturais e experimentais, a tecnologia e
ciências da informação e da comunicação, entre outras (Colorado, 2003b).
Segundo Maisonette (2002, referida em Zilli, 2004), com a robótica educacional, o
aluno passa a construir o seu conhecimento através das próprias observações e o que é
aprendido pelo próprio esforço terá, certamente, muito mais significado para o aluno,
adaptando-se às suas estruturas mentais. É privilegiada a aprendizagem indutiva e por
descoberta orientada, que permite a experimentação de um conjunto de situações
didácticas que permitem aos alunos construir o seu próprio conhecimento. O erro é
considerado um factor integrante e importante do processo de aprendizagem, dado que
este incita o aluno a motivar-se e a procurar diferentes soluções (Colorado, 2003a).
A robótica educacional, para além de permitir a integração de áreas distintas do
conhecimento, assenta na manipulação de objectos e concretização de experiências que
favorece a passagem do concreto para o abstracto e proporciona aos alunos
oportunidades de apropriação da linguagem gráfica (como se se tratasse da linguagem
matemática). Também implica a operação e controlo de variáveis e o desenvolvimento
de um pensamento metódico, assente na construção e prova das próprias estratégias de
aquisição do conhecimento mediante alguma orientação pedagógica (Colorado, 2003a).
De acordo com Zilli (2002, referida em Zilli, 2004), a robótica educacional, além de
proporcionar aos alunos o contacto com tecnologia actual, sugere o desenvolvimento do
seguinte conjunto de competências: raciocínio lógico; habilidades manuais e estéticas;
relações interpessoais e intrapessoais; utilização de conceitos aprendidos em diversas
áreas do conhecimento para o desenvolvimento de projectos; investigação e
compreensão; representação e comunicação; trabalho com pesquisa; resolução de
problemas por meio de erros e acertos; aplicação das teorias formuladas a actividades
concretas; utilização da criatividade em diferentes situações; capacidade crítica.
Alguns investigadores, como Colorado (2003a) e Miglino, Lund e Cardaci (2000),
justificam a introdução da robótica educacional a partir da perspectiva construtivista
(Teoria Cognitiva) da educação:
41
“De acordo com Piaget e Papert, os indivíduos seleccionam activamente os
aspectos relevantes que os rodeiam, manipulam objectos concretos, e
assimilam novo conhecimento por intermédio da observação dos efeitos
dessas acções. Neste sentido o indivíduo constrói uma representação da
realidade”14 (Miglino, Lund e Cardaci, 2000, p.17).
14
Tradução do autor.
42
Outro projecto que utilizou a robótica educacional foi o World-Class Maths and Science
(Knudsen, 2000) desenvolvido na região de Copenhaga. Tratou-se de um projecto para
um laboratório de aprendizagem com o intuito de desenvolver, testar e aplicar novos
métodos e experiências de ensino e aprendizagem. Pretendia identificar novos conceitos
em educação e flexibilizar os métodos de ensino afim de melhorar, a um nível geral, a
aprendizagem e as normas de aprendizagem, de modo que todos os alunos fossem
capazes de compreender matemática e ciências e assim aumentar o seu grau de
proficiência. Visava aumentar o interesse dos jovens pela ciência, e em particular, pelas
disciplinas de Matemática, Química e Física, pretendendo colmatar as falhas no ensino
destas ciências. Entre outras iniciativas, propôs a utilização de equipamento
experimental da Lego MindStorms (Robolab) para o desenvolvimento de trabalhos em
grupo (de 3 a 4 alunos). Pretendiam atestar até que ponto estes materiais contribuem
para que estudantes executem experiências, realizem testes e estudos, tendo por base as
próprias ideias e hipóteses, e promovem a assimilação de estratégias de resolução de
problemas. A robótica proporcionaria actividades que combinassem a aprendizagem
com a “diversão” e a teoria com a prática, permitindo aos alunos desenvolverem uma
estratégia de resolução de problemas ou uma estratégia de aprendizagem.
O projecto Driving Math (Limkilde, 2000) aplicou o Mindstorms for Schools nas aulas
de Matemática. A ideia de utilização dos robots surgiu quando o autor decidiu
introduzir o tópico de algoritmos. Esta utilização decorreu em quatro “pequenos”
projectos que os alunos teriam de construir um modelo robótico o mais adequado
possível á tarefa em questão e proceder à programação, tendo sempre subjacentes
importantes conceitos matemáticos. O tempo para a realização destes projectos era
limitado e terminavam com a apresentação dos resultados. A primeira actividade
envolveu a construção e programação de um robot que deveria percorrer exactamente a
distância de um metro. A segunda tarefa consistiu na construção e programação de um
robot que deveria passar em cinco pontos predeterminados – situados sobre a parábola
y =5x – numa superfície horizontal em que também estava representado um referencial
cartesiano. Depois de iniciar a sua marcha, o robot não podia ser controlado
externamente. O terceiro projecto consistiu na construção e programação de um robot
que deveria subir uma superfície inclinada e que parasse exactamente a 20 cm medidos
verticalmente a partir da altura do robot no ponto de partida. O quarto projecto envolveu
a construção e programação de um robot que percorresse uma “paisagem” acidentada e
parasse exactamente no topo da primeira ou da segunda colina.
Conforme se avançava nos projectos, aumentava a sua dificuldade e a complexidade dos
conceitos matemáticos envolvidos, assim como a exigência das respostas, começando
por uma explicação do programa e do algoritmo realizado no primeiro projecto, até à
apresentação de um esboço do robot e do algoritmo e uma explicação completa de como
é que estes resolveriam o problema apresentado na quarta proposta (Limkilde, 2000).
Segundo Limkilde (2000), o ambiente das aulas era caracterizado pelo desafio,
competição, planeamento estratégico, surpresa, compromisso, criatividade e uma forte
concentração, principalmente nos resultados. Estes projectos permitiram criar situações
que originaram um sentido de competição, de grande engajamento e motivação dos
alunos. Os alunos esperavam ansiosamente à porta pela aula e não queriam parar
quando esta terminava. O autor finaliza sugerindo a organização de um projecto
interdisciplinar entre a matemática e a informática, ou o desenvolvimento de actividades
semelhantes para abordar outros tópicos como as funções lineares, a trigonometria ou as
secções cónicas.
43
Marco Chella (2002) desenvolveu um projecto de Ambiente de Robótica Educacional
(ARE) com Logo para professores do ensino fundamental15. Os alunos trabalharam em
projectos relacionados com conteúdos das disciplinas que leccionavam: Matemática,
História, Geografia, etc. Alguns deles propiciaram a exploração de conceitos de física e
matemática. A aplicação do ARE com os alunos-professores demonstrou a possibilidade
de trabalhar concretamente e de forma contextualizada os diversos conceitos utilizados
nas práticas da sala de aula.
Existem outros projectos, como o Robotics Education Project 16 promovido pela NASA,
para o uso da robótica na educação17. Esta é uma pequena lista das experiências,
investigações e projectos já realizadas nesse âmbito (grande parte com divulgação na
internet) que atestam as potencialidades desta ferramenta pedagógica. Em Portugal, no
que concerne ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no
ensino/aprendizagem da Matemática, tanto ao nível da formação de professores como
no ensino Básico e Secundário, muita investigação tem sido desenvolvida em torno
desta temática, nomeadamente no que se refere à utilização de determinado tipo de
software (Sketchpad, Cabri-Geometre, Modellus, etc) e de calculadoras gráficas.
A utilização de robots como elementos mediadores entre o aluno e a Matemática é um
tema pouco estudado, pelo menos no contexto de sala de aula. Assim, com o intuito de
desenvolver investigação com a finalidade de compreender de que forma o uso da
robótica contribui para que os alunos produzam significado e desenvolvam
aprendizagem de tópicos e conceitos matemáticos e informáticos e se possível a
articulação entre as duas áreas de conhecimento, foi idealizado, no Departamento de
Matemática e Engenharias da Universidade da Madeira, o projecto DROIDE: “Os
Robots como elementos mediadores entre os alunos e a Matemática/Informática”
(DROIDE, 2005) iniciado no ano lectivo de 2005/06 e com a duração de três anos.
O projecto tem como objectivos:
I – a) Criar problemas na área da Matemática/Informática a serem resolvidos
através dos robots;
b) Criar robots para abordar problemas específicos na área da
Matemática/Informática.
15
Ensino fundamental é a etapa inicial da Educação Básica no Brasil, com a duração de nove anos,
envolvendo crianças e adolescentes com idades entre os 6 e os 14 anos.
16
Disponível no sítio http://www.robotics.nasa.gov/index.html.
17
Por exemplo, em Miglino, Lund e Cardaci (2000) são apresentados vários projectos educativos com
robots da Lego ou outros robots. Os autores propõem a utilização da robótica em diferentes níveis
educativos como ferramenta de aprendizagem.
44
III – Analisar a actividade dos alunos aquando da resolução dos problemas
utilizando os robots nos diferentes tipos de aula referidos no II.
45
aprendizagem, importa analisar alguns aspectos fundamentais da avaliação, que deverão
ser tidos em consideração na preparação, realização e análise das propostas de trabalho
desenvolvidas com os robots.
Conceito de Avaliação
Como refere Nunes (2004) não é fácil encontrar um significado claro para um processo
problemático e complexo como é a avaliação, mas importa compreender o seu
significado atendendo à necessidade constante que os professores têm de o realizar.
O primeiro significado atribuído à avaliação estava directamente relacionado com a
ideia de medida, tendo surgido mais recentemente novos conceitos de avaliação: como
congruência e como interpretação (Ponte, Boavida, Graça e Abrantes, 1997, Nunes,
2004). A concepção da avaliação como medida é a perspectiva mais tradicional do
processo. A avaliação é “encarada como o processo de medir a diferença entre o
“modelo do professor “ e a forma como o aluno o reproduz. As medidas resultantes são
geralmente classificações numéricas (notas), relacionadas com a média de um grupo (a
turma, por exemplo) e idealmente ajustadas pela curva normal. Os conceitos de
avaliação e classificação não se distinguem.” (Ponte et al., 1997, p.100). De acordo com
Leal (referido em Nunes, 2004) esta avaliação, normalmente, cinge-se à realização de
testes escritos e o erro é encarado como a ausência de aprendizagem.
É evidente a forma reducionista da avaliação na abordagem como medida. A exclusão
de todos os aspectos não comensuráveis da avaliação, nomeadamente dos dados de
natureza qualitativa, implica a omissão de muita informação relevante e essencial para a
avaliação das aprendizagens dos alunos (Hadji, 1994; Nunes, 2004). Segundo Ponte et
al. (1997), os resultados obtidos neste tipo de avaliação “não têm uma dimensão
pedagógica no sentido em que não incidem directamente no processo de ensino-
aprendizagem (p.100)”.
A perspectiva da avaliação como congruência surge relacionada com a “pedagogia por
objectivos”. Depois da definição de todos os objectivos educacionais a partir de
comportamentos observáveis, a avaliação é encarada “como um processo de medir a
distância entre a resposta do aluno e o objectivo (comportamento) previamente
identificado” (Ponte et al, 1997. p.100). De imediato se infere a mudança de referencial
relativamente à perspectiva anterior: o professor é substituído por um conjunto de
objectivos pré-estabelecidos. Ainda segundo os autores, esta concepção atribuiu uma
dimensão pedagógica à avaliação, nomeadamente, pela introdução de noções como a
avaliação diagnóstica e a avaliação formativa que incidem directamente no processo de
ensino/aprendizagem.
Contudo, esta perspectiva é passível de algumas críticas:
46
A perspectiva interpretativa da avaliação encara-a como parte integrante do processo de
ensino/aprendizagem, constituindo com o ensino um só sistema e não dois sistemas
separados (Ponte et al, 1997). Ainda segundo os mesmos autores, a intenção da
avaliação é agora essencialmente pedagógica, pois o seu objectivo não é medir
informação, mas interpretar a informação e agir pedagogicamente em função dessa
interpretação. Facilmente subentende-se o carácter subjectivo que a avaliação toma,
contrariamente às perspectivas anteriores que visavam a objectividade e rigor na
atribuição das avaliações, normalmente sob a forma de notas quantitativas.
Como refere Nunes (2004), de acordo com esta concepção, avaliar significa (1) analisar
as produções dos alunos em função de um conjunto de critérios definidos
conjuntamente pelo professor e pelos alunos ajudando-os a melhorar o seu desempenho
e (2) aperfeiçoar o ensino. Também Ponte et al (1997) explicam esta dupla função:
Modalidades de avaliação
Nunes (2004) associa a cada uma das três fases do processo de ensino/aprendizagem
uma modalidade de avaliação. Assim, a avaliação diagnóstica surge associada à
planificação, a avaliação formativa é associada à execução e a avaliação sumativa é
associada à avaliação.
A avaliação diagnóstica, normalmente realizada no ínicio do estudo de uma nova
unidade temática, “destina-se a determinar se o aluno tem os pré-requisitos necessários
para aprender os tópicos seguintes do programa, podendo os seus resultados condicionar
a planificação prevista” (Ponte et al, 1997, p.98). Tem, portanto uma dupla função: uma
primeira de aferição das potencialidades e/ou dificuldades dos alunos e a segunda
relativa à orientação da planificação da unidade de acordo com os resultados da anterior.
A avaliação formativa “tem o propósito de fazer pontos da situação relativamente ao
progresso dos alunos face aos vários tipos de objectivos do currículo, permitindo ao
professor introduzir as necessárias correcções ou inflexões na sua estratégia de ensino”
(Ponte et al, 1997, p.98). Assim, esta modalidade visa a orientação e regulação do
processo de ensino/aprendizagem. Neste sentido, Hadji (1994) apresentou quatro
funções para a avaliação formativa:
47
A avaliação sumativa tem um carácter pontual, contrariamente ao verificado na
avaliação formativa. Segundo Pacheco (1995, p.76, citado em Nunes, 2004, p.16) a
avaliação sumativa “está ligada à medição e classificação do grau de consecução do
aluno no final de um processo (trimestre, semestre, ano) tendo a finalidade de certificar
mediante a determinação de níveis de rendimento”. Em Portugal, estas classificações
têm a função de determinar a transição dos alunos para o ano de escolaridade e/ou ciclo
seguinte e, no caso do ensino secundário, determinar a posição do aluno na sua
admissão a estudos de nível superior.
Fases da avaliação
Planificação
Interpretação
Figura 2 – Fases da avaliação (Nunes, 2004, p.18, adaptado de Normas para a avaliação em
da evidência
matemática, NTCM, 1999).
Como se pode verificar pelo esquema, as fases não são independentes nem têm uma
sequência pré-estabelecida. Segundo Nunes (2004), as fases da planificação e da
utilização dos resultados assumem particular relevância neste processo: a planificação
reporta-se “à definição clara dos critérios que estão na base da recolha, tratamento e
comunicação dos dados, e a selecção criteriosa dos modos e instrumentos de avaliação
que serão utilizados” (p. 18); a utilização dos resultados refere-se à “forma como eles
vão ser transmitidos, as interpretações que se devem fazer e a regulação das práticas de
ensino e de avaliação a realizar com base nessas interpretações” (p. 18).
48
Avaliação na disciplina de Matemática
Tabela 1: Aspectos a dar maior e menor atenção na avaliação (NTCM, 1991, p.228)
49
instrumentos de avaliação devem ser o tipo de informação que se pretende recolher,
assim como o uso dar-lhe, e o nível de desenvolvimento e maturidade do discente.
As normas respeitantes à Avaliação da Aprendizagem centram-se na avaliação da
compreensão e predisposição dos alunos face à matemática, propondo-se a descrever “o
que se deve observar e medir no processo de compreensão do que sabem os alunos de
matemática” (NTCM, 1991, p.240). As normas estabelecem sete âmbitos a ter em conta
na avaliação dos alunos: poder matemático, resolução de problemas, comunicação,
raciocínio, conceitos matemáticos, procedimentos matemáticos, e predisposição para a
Matemática.
Por fim, as normas relativas à Avaliação do Programa reportam-se aos indicadores da
consistência de um programa de Matemática, à análise dos recursos curriculares, do
ensino e do ambiente em que é aplicado o programa, e até à constituição das equipas
que deverão realizar essa avaliação.
As Normas para a avaliação em matemática escolar do NCTM (1999) apresentam seis
normas para a qualidade da avaliação em Matemática:
50
- Classificar o aproveitamento dos alunos: comparar o trabalho dos alunos
usando critérios de desempenho e certificar a partir de fontes equilibradas
de dados, recorrendo a perfis de aproveitamento de conhecimento público;
- Avaliar projectos educativos: apreciar a qualidade e sucesso do programa,
promovendo uma melhor articulação entre o currículo, o ensino, e a
avaliação, sendo necessária a análise dos dados de um grupo e a apreciação
profissional dos programas pelos professores. (NCTM, 1999, referido em
Nunes, 2004, p. 22).
Mais recentemente, nos Principles and standards 2000 (NCTM, 2000) um dos
princípios orientadores para a educação Matemática de qualidade refere-se à avaliação e
estabelece que deve ser usada como apoio na aprendizagem da Matemática,
constituindo também uma vantajosa fonte de informações importantes quer para o
professor quer para o aluno.
Instrumentos de avaliação
51
Matemática. Também Varandas (2000) refere que a observação é fundamental na
avaliação da predisposição dos alunos para a Matemática:
Para além dos aspectos apontados relativos ao domínio atitudinal, permite aferir a
capacidade de interpretação, reflexão e exploração de ideias (Santos, 2005), e revelar
processos de raciocínio usados pelos alunos que dificilmente seriam detectados em
actividades escritas (NCTM, 1999).
O estudo de Varandas (2000) revelou que a observação foi crucial para as professoras
intervenientes apreciarem o grau de autonomia dos alunos e que desempenha uma
função reguladora do ensino, atendendo que é a partir dos constantes informações
obtidas por este meio que se vão tomando decisões de alteração, reformulação ou
aprofundamento das escolhas inicialmente previstas na planificação da aula ou
actividade.
Contudo, as informações recolhidas pela observação raramente são registadas de forma
sistemática, perdendo formalismo e fiabilidade para o professor, e assim, não são
encaradas da mesma forma que os dados obtidos, por exemplo, numa avaliação escrita,
podendo ou não influenciar a avaliação final atribuída ao aluno. Este facto acentua-se
com a progressão nos níveis de ensino (APM, 1998). Relativamente a este assunto,
Ponte et al (1997) defendem que é através da observação do modo como os alunos
participam nas aulas e se envolvem nas actividades, que o professor poderá
compreender a sua evolução relativamente a muitos dos objectivos mais importantes do
currículo, e como tal, “o professor não deve desvalorizar este tipo de informação pelo
facto de dar origem a juízos alegadamente impressionistas ou subjectivos” (p.118).
Relatório. Os relatórios consistem em produções escritas nas quais o aluno descreve,
analisa e critica uma dada situação – problema, actividade de investigação ou projecto –
em que tenha trabalhado (Ponte et al, 1997; Varandas, 2000).
Os relatórios concentram a dupla função de elemento de avaliação e de factor de
aprendizagem, dado que estão habitualmente associados à aplicação de conhecimentos e
desenvolvimento de capacidades e atitudes (Ponte et al., 1997). Ainda segundo os
mesmos autores:
“O esforço para desenvolver uma actividade deste tipo pode originar uma
reflexão mais profunda do que aquela que é necessária quando apenas se
apresenta a resposta, eventualmente acompanhada de uma justificação breve
e imediata do raciocínio seguido” (Ponte et al, 1997, p.112).
52
possibilidades de desenvolvimento das capacidades de persistência, raciocínio e
comunicação do aluno:
Teste em duas fases. Os testes em duas fases foram utilizados pela primeira vez em
Portugal no projecto Mat789 (Abrantes et al., 1997). Os testes em duas fases, tal como o
nome indica, realizam-se em dois momentos distintos: no primeiro momento, é proposto
ao aluno a resolução do teste na sala de aula sem indicações do professor; no segundo
momento, com mais tempo que o primeiro e depois de o professor avaliar e comentar as
respostas iniciais, é proposto ao aluno que rectifique ou complemente as suas respostas.
Um teste em duas fases deverá incluir questões de resposta fechada como perguntas de
interpretação ou problemas de resolução breve, e questões de resposta aberta, isto é,
problemas cuja resolução exige alguma investigação e respostas mais desenvolvidas
(Ponte et al., 1997). Para além do cuidado essencial na escolha das questões a incluir
num teste desta natureza, é necessário realçar o papel determinante que as pistas,
sugestões e comentários do professor às respostas iniciais na orientação do trabalho
subsequente dos alunos. O segundo momento de resolução proporcionado aos alunos
não se limita a uma mera correcção dos erros mas uma parte essencial do processo, que
se pretende desta forma, gerador de novas oportunidades de aprendizagem (Ponte et al,
1997).
A utilização dos testes em duas fases permitem “captar mais aspectos relevantes sobre a
aprendizagem sem se perder o tipo de informações que é recolhido através das provas
habituais” (Ponte et al, 1997, p.108). De facto, as características deste instrumento de
avaliação permitem avaliar aspectos como as capacidades de argumentação, de
persistência, de procura de informação e de análise de textos matemáticos, que
juntamente com o desempenho oral e a capacidade de discussão, constituem as
limitações da avaliação por testes comuns (provas escritas) (Ponte et al, 1997; Varandas
2000).
Os objectivos gerais da disciplina de Matemática, referidos no programa oficial, criam
um quadro que nos remete para uma diversificação das nossas práticas pedagógicas.
Assumindo que a avaliação é parte integrante do processo de aprendizagem, é
fundamental que esta seja compatível com as práticas pedagógicas implementadas.
Perante a utilização de actividades que pretendem o desenvolvimento da colaboração
em trabalho de grupo, das discussões em pequeno e grande grupo, da partilha de saberes
e responsabilidades, da formulação de generalizações a partir de experiências, da
capacidade de comunicação e do espírito crítico, como são exemplos as actividades com
robots, a avaliação não se pode limitar à realização dos tradicionais testes escritos. Nas
actividades aplicadas nesta investigação, para avaliação optou-se pela realização de
pequenos relatórios e realização de um teste em duas fases, com o intuito de
proporcionar aos alunos oportunidades para aprenderem durante o processo e
melhorarem o seu trabalho, desenvolvendo uma atitude positiva e confiante em relação
à aprendizagem da Matemática.
53
2.3. Conceito de função
54
casos da simples contagem ou das quatros operações aritméticas elementares (funções
de duas variáveis) (Ponte, 1992).
Uma dos primeiros povos a destacar-se pela utilização de algumas funções foi a
civilização Babilónica. O estudo e conhecimento desta civilização baseiam-se,
essencialmente, nas centenas de milhares de placas de barro gravadas em escrita
cuneiforme. Muitas dessas placas, de conteúdos matemáticos, contêm tabelas de cubos,
de raízes quadradas, de raízes cúbicas, de recíprocos, de multiplicação, de somas de
quadrados com cubos do mesmo número (aparentemente usadas para resolver equações
cúbicas do tipo x 3 + x 2 = a ), de conversão de unidades de comprimento, peso,
superfície, volume, etc. (Youschkevitch, 1976; Struik, 1997; Estrada, Sá, Queiró, Silva
e Costa, 2000). Não obstante o estudo destas funções, não se pode dizer que os
Babilónios tivessem presente o conceito de função (Youschkevitch, 1976; O’Connor e
Robertson, 2005).
Também na Grécia é possível encontrar o estudo de algumas funções específicas.
Cláudio Ptolomeu (séc. II d.C.) escreveu o grande tratado de astronomia da Antiguidade
Composição Matemática, posteriormente conhecido como Almagesto. Este tratado,
composto por treze livros, apresenta no primeiro uma tábua de cordas, isto é, uma
tabela com os comprimentos das cordas duma determinada circunferência associadas a
diferentes amplitudes de arco (Estrada et al., 2000). De certa forma, Ptolomeu
estabeleceu as funções trigonométricas, parecendo conhecer o conceito de função:
“Mas se nós concebermos uma função, não como uma fórmula, mas como
uma relação mais geral que associa os elementos de um conjunto de números
com os elementos de outro conjunto, é óbvio que as funções neste sentido
abundam ao longo do Almagesto" 18 (O’Pedersen, 1974, p.36, citado em
Youschkevitch, 1976, p.42).
No entanto, Ptolomeu dificilmente dominaria o conceito de função, uma vez que esta
identificação ocorre à luz do significado moderno de função.
Segundo Youschkevittch (1976) a primeira vez que surgiu a noção de função de uma
forma mais geral terá sido nas Escolas de Oxford e Paris no século XIV. Numa altura
em que se procurava quantificar os fenómenos naturais tratados de forma qualitativa
desde a Antiguidade, destacaram-se alguns trabalhos realizados no Merton College de
Oxford e na Universidade de Paris (Estrada et al., 2000).
Um dos nomes a destacar em Paris é o de Nicole Oresme (1323-1382), o primeiro
matemático a aproximar-se da definição moderna do conceito de função ao apresentar
algumas ideias gerais sobre quantidades variáveis independentes e dependentes (Ponte,
1992). Foi Oresme quem usou pela primeira vez um gráfico para representar numa
direcção o tempo e na outra a velocidade de um móvel. Na obra De latitudinibus
formarum traçou um gráfico de uma variável dependente (latitudo) em relação a uma
independente (longitudo) que se modifica, que pode ser considerada como uma
transição, embora pouco clara, das coordenadas celestes conhecidas pelos antigos para a
geometria de coordenadas (Youschkevitch, 1976; Struik, 1999). Também demonstrou
18
Tradução do autor.
55
geometricamente o teorema de Merton19 onde, segundo Estrada et al. (2000), há dois
novos aspectos a salientar:
56
século XVII (Ponte, 1992). Em 1637, Descartes (1596-1650) apresenta, sob a forma de
apêndice do Discours de la Méthode, o tratado La Géométrie onde propõe a unificação
da álgebra e da geometria, sendo geralmente aceite como a obra responsável pela
criação da geometria analítica20 (Struik, 1997). Aí, é apresentada a ideia da
representação analítica de funções. Descartes “introduziu” a álgebra na geometria,
associando equações com duas variáveis a lugares geométricos – uma das principais
consequências da abordagem cartesiana – tendo afirmado claramente que uma equação
de duas variáveis, geometricamente representado por uma curva, indica uma
dependência entre quantidades variáveis de tal modo que o cálculo de valores de uma
delas corresponde a determinados valores da outra (Estrada et al., 2000; Ponte, 1992;
Youschkevitch, 1976).
Apesar do trabalho inicial de Descartes se restringir ao estudo das funções algébricas,
isto é, das curvas que admitiam uma equação de tipo polinomial para sua representação,
a representação de funções sob a forma de equações originou uma revolução no
desenvolvimento da matemática e a generalidade dos matemáticos europeus dos séculos
XVII e XVIII aderiu ao método analítico (Youschkevitch, 1976; Estrada et al., 2000).
Um desses desenvolvimentos foi a importante ideia de derivação que terá surgido da
procura de um modo de descobrir a tangente em qualquer ponto de uma curva (Ponte,
1992).
Também Newton (1642-1727) contribuiu para o desenvolvimento do conceito de
função. Foi um dos primeiros matemáticos a mostrar que as funções poderiam ser
desenvolvidas como séries de potências infinitas, tendo usado os termos fluent, relata
quantitas e genita para designar as variáveis independentes, as variáveis dependentes, e
as quantidades obtidas de outras através das quatro operações fundamentais da
aritmética, respectivamente (Ponte, 1992).
Leibniz (1646-1716), contemporâneo de Newton, que trabalhou paralelamente mas
independentemente deste, concluiu as noções básicas do Cálculo desenvolvidas a partir
do estudo da geometria das curvas. O conceito de função encontra-se entre essas noções
básicas e foi com Leibniz que a palavra função aparece impressa pela primeira vez, em
1676, no manuscrito The Methodus Tangentum Inversa, Seu de functionibus (Botelho,
1992). Segundo Ponte (1992):
20
A criação da geometria analítica é atríbuida a René Descrates (1596-1650) e a Pierre de Fermat
(1596-1650). Em 1673, Fermat propôs que a cada ponto do plano fossem associados dois segmentos de
recta, a e e. O segmento a era marcado numa recta horizontal fixa r do plano, a partir de um ponto origem
O, e o segmento e era elevado sobre r, segundo um ângulo fixo, terminando em P, ficando assim
determinado que a cada ponto do plano P corresponderia uma abcissa a e uma ordenada e, e vice-versa
(Estrada et al., 2000).
57
"Ele [Leibniz] escolheu função para designar, em termos muito gerais, a
dependência de quantidades geométricas como subtangentes e subnormais na
forma de uma curva"21 (p.3).
Em 1716 foi elaborado um léxico matemático onde não aparece o termo função e a sua
primeira divulgação ocorreu num artigo popular de Bernoulli de 1718 que continha a
seguinte definição:
Euler define constante como a quantidade determinada que assume sempre um e apenas
um valor e variável como quantidade indeterminada, ou universal, que comporta em si
mesma todos os valores determinados (Botelho, 1992). A diferença entre a definição
então apresentada por Euler e a anterior de Bernoulli consiste na substituição de
21,22
Traduções do autor.
58
“quantidade” por “expressão analítica”. A definição de função proposta por Euler
implicou que, a nível prático, a noção de função fosse identificada e substituída pela
noção de expressão analítica, o que originou vários problemas de incoerência pois uma
função podia ser representada por diversas expressões analíticas diferentes. A este facto
acresciam ainda algumas limitações, nomeadamente ao nível das funções que poderiam
ser consideradas, que sob o ponto de vista actual significaria limitar-se ao estudo das
funções analíticas23 (Ponte, 1992).
Em Introductio in analysin infinitorum, Euler apresenta as funções contínuas, as
funções descontínuas e as funções mistas. As funções contínuas são as funções
expressas por uma expressão analítica e as funções mistas são expressas por duas ou
mais expressões analíticas. Euler não apresentou uma definição concreta de funções
descontínuas, mas trata-se de um conceito mais geral que inclui funções mistas
(O’Connor e Robertson, 2005). É evidente que esta classificação de funções não tem
qualquer relacionamento com a actual definição de continuidade.
Paralelamente da tentativa de definição correcta do conceito de função, Euler também
contribuiu decisivamente para que esta investigação se tornasse um objectivo premente
(Botelho, 1992). A necessidade de generalização do conceito ainda ficou mais patente
quando Euler introduziu as funções de uma variável complexa que, ao contrário das
funções reais de uma variável real, não tinham o apelo geométrico imediato de curvas
ou gráficos, e sem o apoio da visualização aumenta a necessidade de definições mais
precisas e cuidadosas, uma vez que é exigido um maior grau de abstracção. O
tratamento isolado de funções transforma-se num procedimento totalmente obsoleto
(Botelho, 1992).
Em 1734/35, Euler introduz a notação f(x) para a representação da função f da variável x,
e em 1755 vê-se obrigado a rever o seu conceito de função (Botelho, 1992). No livro
Institutiones calculi differentialis (1755) propôs a seguinte definição:
23
Actualmente as funções analíticas são as funções representáveis por séries de potências.
59
função supostamente mista que podia ser reduzida a uma expressão analítica24. Mas o
maior problema surgiu quando Fourier (1768-1830) demonstrou que algumas funções
descontínuas podiam ser desenvolvidas numa série, presentemente conhecida como
série de Fourier (O’Connor e Robertson, 2005).
Em 1821 Cauchy apresentou uma definição de função:
“If variable quantities are so joined between themselves that, the value of one
of these being given, one can conclude the values of all the others, one
ordinarily conceives these diverse quantities expressed by means of the one
of them, which then takes the name independent variable; and the other
quantities expressed by means of the independent variable are those which
one calls functions of this variable” (O'Connor e Robertson, 2005, p.4).
Esta definição de Cauchy tem como elemento chave a dependência entre variáveis.
Segundo O’Connor e Robertson (2005), não obstante a generalidade que se pode inferir
nesta definição, ela foi pensada para incluir os casos das funções explícitas assim como
as implícitas, demonstrando que Cauchy continuava a pensar numa função como uma
fórmula.
Fourier também contribuiu para a evolução do conceito de função. Ao estudar o fluxo
de calor em corpos materiais considerou a temperatura em função de duas variáveis:
tempo e espaço (Ponte, 1992). Na obra Théorie analytique de la Chaleur de 1822,
Fourier apresentou uma definição onde é possível identificar a tentativa de afastamento
da expressão analítica:
24
O exemplo mais conhecido foi apresentado por Cauchy em 1844. A função
60
tendo por base uma correspondência arbitrária entre variáveis que representavam
conjuntos numéricos:
Durante o século passado, a definição de função foi ampliada com o intuito abranger
todo o tipo de correspondências arbitrárias que satisfazem a condição de singularidade
entre conjuntos, numéricos ou não (Ponte, 1992).
Em 1939, Nicolas Bourbaki26 define função a partir de um “conjunto de pares
ordenados”:
25
Tradução do autor.
61
“Sejam E e F dois conjuntos, não necessariamente distintos. Uma relação
entre um elemento variável, x, de E e um elemento variável, y, de F, é
chamada uma relação funcional em y se, para todo o x ∈E, existir um único
y ∈F que esteja na relação considerada com x. Damos o nome de função à
operação que a cada elemento x ∈E associa o elemento y ∈F que está na
relação dada com x; y é chamado o valor da função no elemento x e a função
é dita determinada pela relação funcional dada. Duas relações funcionais
equivalentes determinam a mesma função (Kleiner, 1989, p. 18, citado em
Mourão, 2002, p.283).
26
Nicolas Bourbaki é o pseudónimo colectivo sob o qual um grupo de matemáticos,
maioritariamente franceses, escreveu uma série de livros que começaram a ser editados em 1935 onde
expunham a matemática avançada moderna.
62
dependência entre duas quantidades eram definidos por descrições verbais ou
por gráficos;
(iii) Período Moderno: este período começou no final do século XVI e caracteriza-
se pelo predomínio das expressões analíticas de funções (principalmente no
século XVII); em meados do século XVIII, esta interpretação (função como
expressão analítica) revela-se desajustada e é substituída por uma nova
definição geral; na segunda metade do século XIX, esta definição geral
“permitiu o desenvolvimento da teoria de funções mas foi traída por
dificuldades lógicas que no século XX fizeram com que a essência do conceito
de função fosse reconsiderada” (Youschkevitch, 1976, p. 39,).
“The concept of function is very complex. There are several reasons for this.
First, there are many common ways to represent functions, including graphs,
formulas, tables, mappings, and descriptions. Meaningful understanding
requires individuals to construct multiple presentations as well as operations
for transforming from one representation to another. Second, the notion of
function involves many other concepts. A few of the sub-concepts associated
with it are domain, range, inverse, and composition. Other concepts closely
63
related to function are quantity, variable and ratio. It is difficult to discuss
functions without referring to some of these sub-concepts. Third, there are
several accepted definitions for function (e.g., dependence relation, rule,
mapping, set of ordered-pairs). Although these definitions are equivalent (or
nearly equivalent) mathematically, they differ conceptually (see e.g., Vinner
& Dreyfus, 1989)” (Wilson, 1991, pp.7-8).
27
“Definição: Chamaremos lei natural a toda a regularidade de evolução de um isolado” (Caraça,
198, p.112). Um isolado é “um conjunto de seres e factos, abstraindo de todos os outros que com eles
estão relacionados” (Caraça, 1998, p.105). Caraça define dois tipos de lei: lei qualitativa que diz respeito
à variação de qualidade, e lei quantitativa que se refere à variação de quantidade.
64
“As funções são ferramentas excelentes para estudar problemas de variação.
Uma determinada quantidade pode variar no tempo, pode variar no espaço,
pode variar com outras quantidades, e pode mesmo variar simultaneamente
em várias dimensões”.
Mais, Ponte (1992) refere-se a Galileu e Newton como dois importantes exemplos de
matemáticos que também se notabilizaram na física através das aplicações matemáticas
estabelecidas e contributos para o desenvolvimento do conceito de função:
65
perspectivas, como é o caso da proporcionalidade directa e inversa”
(Abrantes, Serrazina e Oliveira, 1999, p.120).
66
Segundo Ponte (1992), o ensino das funções deve articular de forma equilibrada as três
formas de representação de funções mais importantes: numérica, gráfica e algébrica.
Ainda de acordo com o autor, seria uma má interpretação da importância histórica das
representações analíticas e geométricas de função permitir subestimar o papel dos
aspectos numéricos na aprendizagem das funções, pois nas situações do mundo real,
valores numéricos concretos estão subjacentes às expressões analíticas e às curvas
geométricas. A este facto acresce as dificuldades que os alunos demonstram em
trabalhar com gráficos cartesianos e expressões algébricas, corroboradas por estudos
que confirmam que os alunos perante a necessidade de interpretar relações funcionais
representadas graficamente, habitualmente recorrem a estratégias e processos de
raciocínio numéricos (Ponte, 1992).
Recentes tendências sugerem a iniciação do estudo das funções de um modo fortemente
intuitivo e informal, adiando-se a introdução das funções centrada na teoria dos
conjuntos. Essa abordagem inicial de carácter informal passa pela exploração e
representação de situações reais, concretas, através de gráficos e tabelas de valores
(Abrantes et al., 1999). Também Ponte (1992) se refere à importância do estudo de
características das funções a partir dos seus gráficos cartesianos, onde ideias e outros
conceitos como variação (crescimento, decrescimento, etc.), variação na variação
(continuidade, descontinuidade, etc.), serão compreendidos de uma forma mais
significativa por parte dos alunos. Ponte (1992) explica a sua importância da seguinte
forma:
67
dos conceitos matemáticos: uma concepção operacional em que os conceitos são
concebidos como um produto de certos processos ou são identificados com os próprios
processos, e uma concepção estrutural em que as “noções matemáticas são tratadas
como se se referissem a entidades como objectos reais, como estruturas estáticas
permanentes que podem ser manipuladas e combinadas em estruturas mais complexas”
(Mourão, 2002, p. 275). Segundo este modelo de desenvolvimento conceptual, a
concepção operacional é a primeira a aparecer, que depois através da reificação dos
processos, permite o desenvolvimento dos objectos matemáticos.
O seu papel nos É necessária mas não suficiente Facilita todos os processos
processos cognitivos para uma eficaz aprendizagem e cognitivos (aprendizagem,
resolução de problemas resolução de problemas, etc.)
68
ser capaz de investigar funções, desenhar gráficos de funções e combinar
pares de funções;
(iii) Reificação – é alcançada uma aptidão para ver as novas entidades como
objectos permanentes por direito próprio; os alunos reificaram o conceito de
função quando compreenderem plenamente as diversas representações de
uma função, alternado entre elas se necessário, quando resolverem equações
funcionais, e quando revelar “capacidade de falar acerca de propriedades
gerais de diferentes processos realizados com funções (tais como
composição ou inversão) e pelo derradeiro reconhecimento de que os
cálculos algébricos [computability] não são uma característica necessária dos
conjuntos de pares ordenados que definem funções” (Sfard, 1991, p. 20,
citada em Mourão, 2002, p. 285).
Mourão (2002) resume algumas dificuldades apontadas por Sfard como indicadores da
não reificação por parte dos alunos do conceito de função, a saber: a concepção de
função como um processo e não como uma construção estática, dificuldades em lidar
com a função constante, relutância em aceitar “correspondências arbitrárias” como
funções, e tendência para identificar o conceito com uma das suas representações.
Perante este modelo conceptual, Sfard propõe que as funções não sejam introduzidas
por intermédio de descrições estruturais como é o caso da definição de função como um
conjunto de pares ordenados, mas sim por descrições operacionais tal como a definição
de função como uma dependência de uma quantidade variável em relação a outra
(Mourão, 2002; Wilson, 2001). Apesar da dificuldade em alcançar a concepção
estrutural (reificação), esta deve ser estimulada nos alunos, mas apenas quando se tornar
indispensável (Mourão, 2002).
Uma segunda abordagem do conceito é proposta por Wilson (2001). O autor, a partir da
interpretação dos trabalhos sobre a compreensão dos alunos no campo das funções e da
sua experiência profissional, propõe um modelo para a construção do conceito de
função baseado numa sucessão de estádios cognitivos que terminam com uma
significativa compreensão e competência em lidar com as funções. Os quatro estádios
que compõem o modelo são designados de campos perceptuais que traduzem diferentes
modos de organizar ideias sobre funções.
No primeiro campo, a função é percepcionada como uma expressão, isto é, os alunos
encaram a função como uma fórmula, equação ou expressão algébrica, sendo capazes de
efectuar operações e aplicar um algoritmo na construção de um gráfico, mas não
compreendem a relação entre a expressão e os valores obtidos a partir dela. Nem tão
pouco compreendem o processo que transforma um valor da variável independente num
valor da variável dependente. No segundo campo, a função é uma acção, ou seja, os
alunos são capazes de substituir uma variável por números e realizar cálculos com o
intuito de obter valores numéricos. Poderão ser capazes de identificar as variáveis
independentes e dependentes, mas só começam a perceber o processo de transformação
69
de uma variável em outra. No terceiro campo, a função é vista como um processo. Os
alunos que se encontram neste estádio são capazes de pensar em tomar um valor e
transformá-lo noutro, compreendem a relação entre as variáveis dependentes e
independentes, e as relações entre as diferentes formas de representação da função. O
aluno compreende operações para avaliar funções que não são representadas por uma
expressão algébrica simples, como por exemplo, as funções circulares. Por fim, no
quarto campo, a função é percepcionada como um objecto dinâmico. Este estádio
incorpora os estádios anteriores. Os alunos que alcancem este estádio são capazes de
considerar vários aspectos da função, e seleccionar as propriedades mais importantes
para a resolução dos problemas, ou seja, são capazes de relacionar qualquer
característica com o todo. É a forma mais organizada, flexível e útil de pensar nas
funções: “It describes a organized, logical and rich concept of function” (Wilson, 1991.
p.8).
O processo de aprendizagem não é necessariamente linear e os campos da expressão e
acção estão no nível cognitivo mais baixo de compreensão do conceito de função.
Wilson (1991) sugere que há três caminhos possíveis para progressão através dos
campos.
Wilson (2001) refere que o campo mais elevado da concepção do conceito de função
deverá ser atingido no secundário, mas admite que os alunos do ensino básico (pré-
secundário) apenas atinjam os dois campos inferiores de compreensão. Defende que
uma definição dinâmica de função, como a relação de dependência definida por uma
regra, será mais apropriada para iniciar o estudo das funções, principalmente no
70
secundário, visando a construção do conceito a partir de conhecimentos anteriores sobre
operações com números e de situações reais do quotidiano dos alunos em que
experienciam o contacto com funções: “In other words, a less formal approach would
make it more natural for students to develop formal notions of function by building on
less formal but more natural intuitions and experiences (Wilson, 1991, p.11).
A evolução histórica do conceito de função relembra-nos que não há uma única forma
de encarar as funções. Mesmo actualmente, dependendo do campo da matemática em
que nos enquadramos, as funções têm abordagens diferentes: na análise matemática
mantêm a ideia de dependência entre variáveis numéricas; na álgebra enfatizam a noção
de relação; na lógica e ciência computacional importam, sobretudo, os aspectos
algorítmicos (Ponte, 1992).
Do exposto ao longo deste subcapítulo, percebe-se que as recomendações pedagógicas
são no sentido de não definir função como um conjunto de pares ordenados (Mourão,
2002; Wilson, 1991, Ponte, 1992). Esta definição enfatiza uma perspectiva algébrica
que, apesar de ser parte importante do estudo das funções, não é um apoio “sustentável
para produzir uma teoria matemática elementar acessível, rica em resultados
interessantes e em aplicações significativas” (Ponte, 1992. p.8). Geralmente, nas aulas
de matemática, os professores sobrevalorizam a importância da manipulação algébrica
que, no entanto, não é suficiente para resolver problemas reais. Sfard e Wilson indicam
a ideia de dependência entre variáveis como a abordagem mais indicada para o início do
estudo das funções e posterior definição do conceito.
Ponte (1992) defende a apresentação das funções como correspondências entre
conjuntos numéricos, usando exemplos em que existe uma expressão analítica ou uma
regra simples, e que não se deve dar demasiada importância ao facto de alguns alunos
associarem o conceito de função ao de expressão analítica, dado que, como vimos
anteriormente, é um “erro” natural associado à história do conceito. Segundo Ponte
(1992), as funções numéricas destacam-se pela simples e intuitiva representação
geométrica, e são úteis para descrever muitos tipos de situações diferentes, permitindo
aos estudantes trabalhar a partir de uma base de conhecimento prévio e em
representações variadas de situações com que já estão habituados.
O estudo das funções deverá ser iniciado de uma forma intuitiva e informal, prestando-
se para tal a exploração de situações reais e concretas representadas em gráficos e
tabelas de valores (numericamente). Os alunos deverão ter a oportunidade de reflectir e
discutir sobre problemas significativos, reais, e elaborar estratégias adequadas para a
sua resolução, usando processos como a modelação ou outros similares. Não podemos
ignorar que a evolução da matemática, e em particular do conceito de função, estiveram
intimamente ligados à resolução de problemas físicos, que, se possível e com grau de
dificuldade adequados, poderão ser experimentados pelos alunos na sua construção do
conceito.
No entanto, é necessário realçar a importância de articulação das três formas principais
de representação de uma função, numérica, gráfica e algébrica. Estas capacidades são
parte fundamental da competência matemática que o aluno deve desenvolver.
71
72
Capítulo 3
METODOLOGIA
Neste capítulo são referidas as opções metodológicas do presente trabalho, assim como,
as principais características dos participantes, as tarefas desenvolvidas, os materiais
usados e as formas de recolha e de análise dos dados.
Como foi referido no primeiro capítulo, com esta investigação pretende-se descrever,
analisar e compreender como os alunos aprendem matemática tendo os robots como
elementos mediadores e potenciadores do processo de aprendizagem. Para tal, foram
desenvolvidas experiências pedagógicas usando pequenos modelos robóticos e
seleccionadas duas turmas do oitavo ano de escolaridade para a sua aplicação. Não se
pretende comprovar hipóteses preliminares nem generalizar as eventuais conclusões,
mas analisar e compreender com alguma profundidade o alcance de tal prática. Esta
investigação assenta, fundamentalmente, num processo de natureza subjectiva (processo
de ensino/aprendizagem), complexo e dependente da realidade em que se insere. Assim,
realizou-se uma investigação-acção recorrendo a métodos qualitativos, ou seja,
alicerçada numa abordagem qualitativa.
3.1.1. Investigação-acção
73
determinadas situações sociais complexas; (4) procura compreender os processos de
mudança no interior de sistemas sociais; (5) procura melhorar a qualidade das acções
humanas; (6) centra-se em problemas que estão imediatamente relacionados com os
participantes; (7) é participante; (8) frequentemente usa estudos de caso; (9) tende a
evitar o paradigma do investigador que isola e controla as variáveis; (10) é formativa (a
definição do problema, os instrumentos de recolha de dados, a metodologia podem
modificar durante o processo de investigação-acção); (11) inclui a avaliação e a reflexão.
Na investigação-acção é passível o uso de métodos quantitativos e qualitativos, sendo
que os qualitativos se baseiam na recolha de dados por observação, por entrevista ou
através de documentos (Bogdan e Biklen, 1994, p.293). No presente estudo foi realizada
uma abordagem qualitativa.
74
3.1.2. Investigação qualitativa
Não existirá uma definição estanque de investigação qualitativa dado o elevado número
de temas e disciplinas em que é usada e os muitos métodos e abordagens consignados
sob esta designação (Denzin e Lincoln, 1994). No entanto, Bogdan e Biklen (1994)
referem-se à investigação qualitativa como "uma metodologia de investigação que
enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções
pessoais" (p. 11). O principal objectivo de uma investigação qualitativa é compreender
o comportamento e experiências humanas.
Na investigação qualitativa procede-se à recolha de dados, designados de qualitativos,
constituídos por pormenores descritivos que visam a compreensão dos comportamentos
a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. A abordagem assume um forte
cunho descritivo e interpretativo. Os dados e as provas não são recolhidos com o intuito
de confirmar ou infirmar hipóteses determinadas à priori, pois as abstracções só são
construídas à medida que se recolhem e agrupam os dados particulares (Bogdan e
Biklen, 1994).
Ainda segundo os mesmos autores, os principais aspectos que caracterizam a
metodologia de investigação qualitativa são: (1) a fonte directa de dados é o ambiente
natural, sendo o investigador o instrumento principal; (2) a investigação qualitativa é
descritiva (os dados recolhidos são na sua essência descritivos); (3) a investigação
qualitativa incide mais nos processos do que nos resultados ou produtos; (4) os
investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de modo intuitivo; (5) o
significado é vital na abordagem qualitativa (é dada especial importância ao ponto de
vista dos participantes) (Bogdan e Biklen, 1994, pp.47-50).
A função do investigador numa investigação qualitativa é estabelecer estratégias e
procedimentos que lhe permitam tomar em consideração as experiências do ponto de
vista do informador, ou seja, “os investigadores qualitativos preocupam-se com aquilo
que se designa por perspectivas participantes” (Erickson, 1986, referido em Bogdan e
Biklen, 1994, p. 50). Pretende-se que o investigador entre no mundo das pessoas alvo
do seu estudo e mantenha uma perspectiva exterior a essa situação, procurando
minimizar o impacto da sua presença. As recolhas dos dados são descritivas e a sua
análise indutiva, procurando ultrapassar opiniões ou preconceitos pessoais.
De acordo com Psathas (1973), citado em Bogdan e Biklen, (1994, p.51), “os
investigadores qualitativos em educação estão continuamente a questionar os sujeitos de
investigação, com o objectivo de perceber aquilo que eles experimentam, o modo como
eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo
social em que vivem”. Preocupam-se com o rigor e a abrangência dos seus dados.
As concepções anteriores estão presentes em Denzin e Lincoln (1994) quando fazem
uma breve distinção entre investigação qualitativa e quantitativa:
75
inquiry. Such researchers emphasize the value-laden nature of inquiry. They
seek answers to questions that stress how social experience is created and
given meaning. (…)” (p. 4).
3.2. Participantes
A parte empírica desta investigação realizou-se no ano lectivo de 2005/06 numa escola
do ensino básico do segundo e terceiro Ciclos da zona oeste da Região Autónoma da
Madeira. Todos os alunos eram provenientes da localidade onde se insere a escola.
As tarefas foram desenvolvidas em duas turmas do oitavo ano de escolaridade. Esta
escolha decorreu do facto do investigador desempenhar as funções de professor de
Matemática destes alunos pelo segundo ano consecutivo e de ser o Director de Turma
de uma das turmas em questão. Estas circunstâncias proporcionaram um conhecimento
e confiança mais aprofundado das duas partes. Também facilitou o contacto com os
Encarregados de Educação dos discentes, a quem, após autorização da Direcção
Executiva da escola para a realização da investigação (anexo 1), foram solicitadas
autorizações escritas (anexo 2) para a participação dos seus educandos no estudo e para
76
a realização de gravações áudio e vídeo das aulas em que participavam. Na selecção das
turmas também influiu o facto de apresentarem um número de alunos razoável, indicado
para o tipo de tarefas que se pretendia desenvolver, assim como, para a quantidade de
materiais disponíveis, nomeadamente os conjuntos de construção dos modelos robóticos.
Uma turma era composta por 19 alunos, dos quais 14 eram rapazes e 5 eram raparigas.
A média de idades dos alunos era de 13,8 anos e não tinha alunos repetentes. No entanto,
10 alunos repetiram o sétimo ano de escolaridade e outros 4 foram retidos pelo menos
uma vez em anos de escolaridade anteriores a esse. O aproveitamento destes alunos a
Matemática no ano anterior foi muito heterogéneo. Mais de cinquenta por cento dos
alunos foram avaliados com nível positivo, mas verificou-se uma grande percentagem
de níveis negativos relacionados com alguma desmotivação e desinteresse pela
disciplina ou pela escola.
A segunda turma era constituída por 16 alunos, 9 rapazes e 7 raparigas. No início do
ano lectivo a turma contava com 18 alunos. Entretanto, dois alunos pediram
transferência de escola por motivos familiares e outros dois ingressaram no mundo de
trabalho, anulando a matrícula ainda na primeira semana de aulas. A média de idades
era de 13,4 anos e todos os alunos estavam no oitavo ano de escolaridade pela primeira
vez, mas cinco repetiram o sétimo ano de escolaridade. O aproveitamento global destes
alunos a Matemática no ano anterior foi satisfatório.
Independentemente da turma, a grande parte destes alunos provinham de contextos
socio-económicos médios ou baixos, onde as mães são, em geral, domésticas e os pais
pedreiros ou pescadores. A maioria dos pais ou Encarregados de Educação dos alunos
têm habilitações ao nível do primeiro ciclo e somente alguns completaram ou foram
além do segundo ciclo.
Nos diversos inquéritos realizados pelos Directores de Turma para fundamentação dos
Projectos Curriculares de Turma, a generalidade dos alunos referiu que gosta da escola
mas que não gosta das aulas. Também se pôde constatar que todos os alunos já tinham
conhecimentos básicos de informática, nomeadamente ao nível de processamento de
texto (Word), folha de cálculo (Excel) e Internet, adquiridos na disciplina de Novas
Tecnologias (disciplina de oferta da escola) e na área curricular não disciplinar de Área
de Projecto. Alguns alunos afirmaram usar assiduamente os computadores disponíveis
na biblioteca e na sala de estudo da escola.
Nas tarefas elaboradas e aplicadas nesta investigação foram usados alguns materiais:
fitas métricas, cartolinas, tabuleiros (especificamente elaborados) e robots.
Considerando o papel central que os robots desempenharam nessas propostas de
trabalho, interessa apresentá-los e descrever as suas principais características e
potencialidades.
Os modelos robóticos usados nas tarefas, como é o caso do “Tanque” (Figura 5) e do
“Todo-o-terreno” (Figura 6), foram construídos com kits de montagem de robots da
série Robotics Invention System™ 2.0 da Lego Mindstorm™.
77
Figura 5 – Tankbot (“Tanque”)
Os kits de montagem possuem 718 peças, com diferentes formas e tamanhos, e funções
distintas. Grande parte dessas peças destina-se à montagem da estrutura do robot, na
qual são instalados motores que permitem o accionamento de rodas ou braços, sensores
de toque e de luz (percepcionam a intensidade luminosa), e um bloco designado por
RCX – Robotics Command System (Figura 7) que consiste num microcomputador
programável. O RCX possui três portas de entrada e três portas de saída. As portas de
entrada são para conectar os sensores que permitem ao robot percepcionar o meio
envolvente. As portas de saída são para as ligações dos motores. Desta forma, o RCX
consegue determinar o comportamento do robot em função do que percepciona no meio
envolvente e de acordo com o estipulado num dos cinco programas que consegue
armazenar.
78
Figura 7 - RCX (Robotics Command System)
79
relativamente rápida e de fácil execução, passível de ser realizada pelos alunos, podendo
assim tornar-se num factor motivacional importante. Como os modelos não são
estáticos, também é possível construir ou modificar modelos robóticos adaptados às
mais diversas situações ou problemas de forma a obter os melhores resultados.
Outra importante característica destes modelos prende-se com a “programação”. O
software de programação é de fácil instalação e manuseamento, não sendo necessário
que os alunos tenham noções de programação para construírem algoritmos na resolução
dos problemas. O ambiente de programação é apelativo, baseado no arrastamento e
junção de blocos que representam os mais variados comandos cuja composição vertical
ou paralela (no caso dos comandos dos sensores) determinam o algoritmo.
Os modelos robóticos e os respectivos softwares foram disponibilizados pelo
investigador e pelo projecto DROIDE do Departamento de Matemática e Engenharias
da Universidade da Madeira. Os computadores foram disponibilizados pela escola na
forma do laboratório móvel de informática, composto por dezasseis computadores
portáteis.
80
3.4. Tarefas
Atendendo aos objectivos delineados para a investigação foram propostas cinco tarefas
para as aulas e uma extra-aula. As tarefas foram idealizadas e preparadas a partir de
situações usadas com alguma frequência nas aulas de Matemática como, por exemplo, o
estudo da representação gráfica de uma viagem que traduz a distância do veículo a um
determinado ponto de partida em função do tempo. No entanto, essas abordagens
tinham carácter meramente teórico e nunca prático ou experimental como agora. As
propostas de trabalho foram sucessivamente melhoradas até ao momento da sua
aplicação e considerando sempre que seriam realizadas em grupo.
Exceptuando a primeira tarefa (designada por tarefa introdutória) cujas características e
objectivos foram diferentes das restantes, pois não visava explicitamente a abordagem
de conteúdos matemáticos, todas as tarefas realizadas inserem-se no tema das Funções.
A concentração das tarefas numa unidade temática deve-se, essencialmente, à intenção
de proporcionar uma continuidade do processo de aprendizagem, evitando que a
utilização dos modelos robóticos surgisse em propostas de trabalho isoladas, integradas
com outras metodologias, o que dificultaria a identificação do papel e importância dos
modelos durante o processo de aprendizagem dos alunos.
A aplicação das tarefas decorreu durante o segundo período, mais concretamente nos
meses de Janeiro e Fevereiro, conforme a planificação anual realizada pelo professor.
De seguida, apresentam-se os aspectos gerais de cada uma das tarefas propostas, tais
como, o modo e tempo de implementação, os objectivos, o material utilizado e o
processo de conclusão das mesmas.
Tarefa Introdutória
81
os alunos construíssem um programa para o robot de forma que este descrevesse uma
trajectória quadrangular. Apelava à recordação da definição da figura geométrica em
causa e ao uso das suas características na resolução do problema. Também pretendia
aferir as capacidades e propensão dos alunos para o uso de comandos mais complexos
como estruturas de repetição, embora fosse possível resolver o problema com a
repetição de comandos simples.
Após a segunda proposta de trabalho, os alunos construíram um “pára-choques”
composto por dois sensores de toque paralelos de funcionamento independente (Figura
9), que foi utilizado na tarefa seguinte.
Tarefa 0 –“ Revisões”
82
Figura 10 – Referencial cartesiano da Tarefa 0.
Por fim, os alunos teriam de programar o robot de forma que desenhasse a figura
representada. Para tal, foi fornecido aos alunos um robot previamente construído com
uma adaptação que permitia colocar um lápis na retaguarda que traçava a sua trajectória
na cartolina e um computador portátil com o software da Robotics Invention System™
2.0 instalado.
Inicialmente, o professor previra realizar uma discussão dos resultados em grande grupo
no final da tarefa. No entanto, optou por realizar esse momento após a resolução da
segunda questão, depois de constatar que, apesar de todos os grupos terem respondido
satisfatoriamente à questão, restavam algumas dúvidas pontuais comuns a um grande
número de alunos. No final da aula, os alunos foram convidados a mostrar aos colegas
os resultados obtidos na última questão.
A tarefa “Noção de função” (anexo 5) foi trabalhada durante dois blocos de 90 minutos
na última semana do mês de Janeiro e visava o estudo da noção de função, a
identificação do domínio, do contradomínio, dos objectos, das imagens e das variáveis
dependente e independente de uma função. Tinha como principal objectivo orientar os
alunos para a descoberta da noção de função a partir de uma situação relativamente
simples de leitura e interpretação de gráficos. Note-se que se trata do primeiro contacto
dos alunos com o tema “Funções” e como tal desconhecem o conceito de função e a
terminologia usada, mas por certo reconhecem exemplos de funções comuns da vida
real, assim como das diferentes formas de representação dessas funções.
Para além dos objectivos já referidos, pretendia-se com esta tarefa orientar os alunos
para o reconhecimento de exemplos e contra-exemplos de funções em correspondências
representadas por gráficos ou diagramas, para a identificação de funções com exemplos
de correspondências em situações de vida real e para a necessidade de utilização de
termos e simbologia próprias para as funções, pretendendo-se que os conceitos e a
simbologia fossem introduzidos gradualmente e com a naturalidade de resposta a uma
necessidade que entretanto fosse surgindo.
83
Para a execução desta tarefa, foram entregues aos alunos um robot e um computador
com o ambiente de programação da Robotics Invention System™ 2.0. Depois de
analisarem e descreverem as viagens relativamente à distância ao ponto de partida
estabelecidas nos gráficos, era pedido que programassem o robot de forma a reproduzir
na íntegra essas viagens.
Os alunos deveriam verificar que o primeiro gráfico representa, de facto, uma viagem
para o robot sendo possível programá-lo afim de a executar. No segundo gráfico,
pretendia-se que concluissem a impossibilidade de tal viagem dado que não é possível
voltar atrás no tempo, ou seja, pretendiua-se que identificassem intuitivamente as
correspondências que são funções e as distinguissem das que não são, e daí inferissem,
ainda que de modo intuitivo, o importante conceito de função
No final do segundo bloco de 90 minutos, realizou-se uma discussão em grande grupo,
moderada pelo professor, com registo das diferentes respostas no quadro. Com este
processo pretendia-se formalizar os conceitos e iniciar o uso da simbologia específica
das funções.
84
Figura 11 - Tabuleiro usado na Tarefa 2.
85
tipo de gráficos associados a uma proporcionalidade directa, da constante de
proporcionalidade e da sua relação com a inclinação da recta.
O professor foi colocando questões de forma a orientar a realização das propostas de
trabalho e a suscitar um maior aprofundamento na exploração das situações ou questões
realizadas.
Na última meia hora do segundo bloco de 90 minutos, realizou-se uma apresentação e
discussão dos resultados em grande grupo, com registo dos resultados mais importantes
no quando negro.
Esta tarefa (anexo 9) foi trabalhada durante dois blocos de 90 minutos. Tendo como
ponto de partida uma situação similar à da tarefa anterior, pretendia-se que os alunos
constatassem que não se tratava de uma função de proporcionalidade directa e, por
comparação com situações que o seriam, eram conduzidos para a escrita da expressão
analítica de funções afins ( x a kx + b ).
Os objectivos da tarefa passavam pela leitura, interpretação e construção de tabelas e
gráficos relativos a funções da família y = kx + b e pela definição de função afim.
Também se pretendia que os alunos inferissem o significado de ordenada na origem (b)
e relacionassem os gráficos das funções x a kx + b e x a kx a partir das
representações geométricas de diversas funções.
Para a realização desta proposta de trabalho os alunos dispuseram de um robot
previamente construído, um computador com o software da Robotics Invention
System™ 2.0 e de réguas ou fitas métricas de metro e meio de comprimento. O trabalho
decorreu em grupo e o ritmo de trabalho era estabelecido pelos alunos. O professor
limitava-se a apoiar os grupos através de sugestões ou da formulação de questões.
No último tempo lectivo do segundo bloco de 90 minutos realizou-se uma apresentação
e discussão dos resultados em grande grupo, com registo dos resultados mais
importantes no quadro negro, que terminou com a formalização da definição de função
linear.
Após a conclusão da tarefa, para revisão e consolidação dos conteúdos abordados e sua
aplicação a outras situações, foi realizada a segunda ficha de trabalho (anexo 10) nos
dois blocos de 90 minutos.
Por fim, foi aplicado um teste em duas fases num bloco de 90 minutos. Nesse bloco
decorreu a primeira fase, em que os alunos resolveram o teste de avaliação na sala de
aula sem qualquer auxílio. Posteriormente a uma primeira correcção com comentários e
sugestões do professor às respostas apresentadas, os alunos dispuseram de uma semana
para rever, explorar e aprofundar as suas respostas que foram sujeitas a nova correcção
e avaliação.
86
de conclusões fundamentadas acerca do problema em estudo. Assim, a recolha de dados
foi efectuada através de:
(1) Registos escritos feitos pelo investigador a partir da observação realizada
durante as aulas;
(2) Registos vídeo e áudio de dois grupos de trabalho escolhidos aleatoriamente
em cada proposta de trabalho;
(3) Recolha e análise dos trabalhos escritos de todos os alunos (propostas de
resolução das tarefas de cada um dos grupos, relatório da segunda tarefa e
testes de avaliação);
(4) Um inquérito aplicado a alguns alunos depois da realização das tarefas.
87
aprendizagem proporcionadas pelas tarefas. Na tarefa 2, a recolha destes dados escritos
também tinha como objectivo a realização de uma avaliação com carácter mais formal.
Após a conclusão das tarefas e a realização do teste de avaliação em duas fases, foi
aplicado um questionário (anexo 12) a alguns alunos das duas turmas. Estes
questionários tiveram o propósito de compreender melhor as percepções dos alunos
relativamente às tarefas desenvolvidas com os robots, de que modo os ajudou nas aulas
de Matemática e, de certo modo, aferir as suas concepções acerca da Escola, da
Matemática e das aulas de Matemática.
88
Capítulo 4
ANÁLISE DOS DADOS
Recorde-se que a tarefa foi realizada ainda no decorrer do primeiro período escolar do
ano lectivo (18 de Novembro de 2006), no laboratório do projecto DROIDE no
Departamento de Matemática e Engenharias da Universidade da Madeira. Para tal,
foram solicitados transportes à Secretaria Regional da Educação da Madeira e
organizada uma visita de estudo com a duração de uma tarde ao referido laboratório. A
expectativa dos alunos era grande, já tinham conhecimento do programa da visita de
estudo, nomeadamente do tipo de materiais que iriam encontrar à sua disposição e
perguntavam frequentemente pelos pormenores.
A equipa de professores do projecto DROIDE, planeou uma sequência de propostas de
trabalho para os alunos cujos objectivos passavam, essencialmente, pela familiarização
dos alunos com os robots de forma a compreenderem o seu funcionamento, as suas
capacidades e limitações, e iniciá-los no ambiente e linguagem de programação RCX
Code que lhes permitiria controlar o robot.
Chegados ao laboratório, os 35 alunos organizaram-se livremente em 8 grupos, (a
maioria com quatro alunos), e sentaram-se numa secretária onde dispunham de um
computador com o software RCX Code instalado e uma porta de infravermelhos
acoplado. No centro do laboratório estava uma mesa de grandes dimensões que os
alunos poderiam usar nas suas experiências.
De seguida, iniciou-se a sessão com a apresentação do kit de montagem Robotics
Invention System™ 2.0, nomeadamente das peças mais importantes como o
microcomputador RCX e os sensores de toque e de luz, seguido da construção do
modelo robótico pelos alunos, segundo um manual de construção. Antes da proposta da
realização das tarefas, um dos elementos do projecto apresentou e explicou o
funcionamento do ambiente de programação RCX Code.
A sessão decorreu em duas partes distintas. Após a apresentação dos componentes
essenciais para a construção dos robots, os alunos construíram um modelo robótico a
partir de um manual de instruções. Foram construídos dois tipos de robots (Roverbot e
Tankbot aqui designados por Todo-o-terreno e Tanque). O interesse e empenho dos
alunos na montagem dos robots foram grandes, caracterizados pela cooperação e
entreajuda entre os elementos do grupo. Apesar de ser o primeiro contacto de muitos
dos alunos com peças lego, todos os grupos conseguiram construir o robot rapidamente
e com relativa facilidade.
Após um breve intervalo para o lanche, foi dado a conhecer aos alunos o software de
programação RCX Code da Lego, o modo como este funcionava e os procedimentos
para a implementação dos programas nos robots, à qual se seguiu a proposta de
realização da primeira tarefa. Visto tratar-se do primeiro contacto dos alunos com o
ambiente e com a linguagem de programação, a tarefa consistia em fazer o robot
avançar cinco segundos, abanar três vezes e, por fim, emitir um sinal sonoro. Foi
89
rapidamente concluída por todos os grupos. A solução foi apresentada e explicada por
um dos elementos do projecto, ainda que de forma sucinta e rápida dados os resultados
obtidos pelos alunos.
Na segunda proposta de trabalho pretendia-se que os alunos construíssem um programa
para o robot de forma que este descrevesse uma trajectória quadrangular. Apelava à
recordação da definição da figura geométrica em causa e ao uso das suas características
na resolução do problema, e também pretendia aferir as capacidades e disposição dos
alunos para o uso de comandos mais complexos como as estruturas de repetição,
embora fosse possível resolver o problema com sequências de comandos simples. Os
alunos revelaram mais dificuldades na realização desta tarefa devido a diversos factores,
nomeadamente o tamanho do programa (dado que não usaram estruturas de repetição)
ou o tempo de viragem correcto para conseguirem um ângulo de 90 graus. Perante a
tarefa, os alunos programaram os robots para descreverem um quadrado e, desde logo,
discutiam entre si o tamanho que deviam dar ao quadrado e o tempo de viragem para
obterem 90º graus. Na mesa central de grandes dimensões foi assinalado um ponto com
fita-cola preta que serviria como ponto de partida e de chegada para os robots. Os
alunos eram convidados a experimentarem os programas que tinham realizado e,
quando o resultado não era o pretendido, os orientadores da sessão questionavam o que
o robot estava a fazer de incorrecto e incitavam os alunos a corrigir os erros. Os alunos
eram incentivados a mostrarem e a partilharem os seus resultados e melhorias, e alguns
comportamentos tímidos e inseguros iniciais rapidamente deram lugar ao desejo de
partilha e apresentação dos seus trabalhos. A determinada altura, os grupos trocavam
impressões e sugeriam melhorias para trabalhos de outrem. Todos os grupos
conseguiram resultados eficazes para a tarefa. Aos grupos que rapidamente conseguiram
concluir a tarefa, foi pedido que optimizassem o seu programa (pretendia-se com isto
que utilizassem estruturas de repetição, tendo por base uma definição da figura
geométrica “quadrado”). Alguns grupos conseguiram fazê-lo e apresentaram novas
soluções para a tarefa proposta.
Seguidamente, os alunos construíram um “pára-choques” para os robots que continham
dois sensores de toque, um de cada lado, permitindo percepcionar obstáculos que
surgissem na sua trajectória e evitá-los. Com esses para choques acoplados nos seus
robots, deveriam programá-los para ultrapassar um labirinto qualquer. O processo de
resolução desta tarefa foi similar à anterior. Os alunos programavam, dirigiam-se à mesa
central que tinha um labirinto construído com caixas de cartão e testavam os programas.
Conferiam, individualmente ou com auxílio dos orientadores ou colegas, os erros e de
imediato partiam para o melhoramento do programa. Dada a natureza da tarefa proposta,
os alunos necessitaram de mais tentativas para conseguirem resolver a questão do que
na anterior, mas todos os grupos conseguiram resolver a tarefa. Alguns procuraram
optimizar as suas soluções com comandos de repetição e outros pediram mais tarefas
para realizar no fim das que foram propostas.
Atendendo ao tipo de sessão desenvolvido e aos objectivos inicialmente estabelecidos
para a mesma, os orientadores optaram por discutir os resultados imediatamente após a
realização das tarefas, quando todos os grupos tivessem alcançado resultados
satisfatórios. Como os resultados obtidos pelos alunos foram bons, esta fase limitou-se à
apresentação das soluções sugeridas pelos diversos grupos. Destaca-se a discussão da
segunda tarefa, em que um dos elementos do projecto, após ter solicitado as soluções
dos grupos, foi lançando e discutindo algumas questões que realçavam a importância do
90
reconhecimento das características do quadrado para a correcta utilização de uma
estrutura de repetição.
A Tarefa 0 “Revisões” (anexo 4), a primeira realizada na escola, visava rever alguns
conceitos essenciais para a iniciação do estudo das funções, tais como, a construção de
um referencial cartesiano, a noção de quadrante e de coordenadas de um ponto do plano.
Pretendia-se que os alunos voltassem a ter contacto com os robots e com o ambiente de
programação RCX Code. Para tal deveriam indicar as coordenadas dos pontos
assinalados no referencial e programar o robot para que traçasse a trajectória desenhada.
91
Esta aula também visava a organização dos grupos e o estabelecimento das regras de
orientação desta e de todas as outras aulas que se seguiriam. Foi solicitado aos alunos
que trouxessem uma cartolina por grupo e uma régua com cerca de 20 centímetros para
a aula. Após a organização dos alunos em grupo de quatro ou cinco elementos, foi
proposta a tarefa aos alunos. O professor começou por distribuir o enunciado, seguido
de uma explicação breve dos objectivos da sua realização. Depois, apelou aos alunos
para que, inicialmente, estudassem e discutissem com os outros elementos do grupo a
primeira parte da proposta de trabalho (primeira página da tarefa) que continha um
resumo acerca do referencial cartesiano e das coordenadas de um ponto no plano, e
então realizassem a segunda parte. Por fim, apelou para que os alunos procurassem
continuamente melhorar a solução obtida, isto é, desenvolvessem e aperfeiçoassem a
sua solução até estarem completamente satisfeitos com ela, e referiu que podiam e
deveriam trocar impressões e ideias com os colegas de grupo.
A ansiedade provocada pelo facto de voltarem a utilizar e experimentar os robots e
computadores era notória. Durante a distribuição dos enunciados da proposta de
trabalho era possível observar grupos a explorar o ambiente de programação RCX Code
e a brincar com os robots. Só após alguns minutos com chamadas de atenção do
professor para a realização da tarefa, é que os alunos se envolveram na sua resolução.
Os alunos começaram por ler em silêncio a primeira parte (correspondente à primeira
página) da tarefa. Sem qualquer tipo de discussão nos grupos, os alunos passaram de
imediato para a segunda parte da tarefa. À primeira dificuldade solicitavam de imediato
o auxílio do professor, desvalorizando a discussão no seio do grupo e possíveis opiniões
dos colegas. Perante isto, o professor decidiu fazer uma rápida reflexão em grande
grupo sobre os conceitos abordados. Para tal colocou algumas questões – “O que é
então um referencial cartesiano?”, “Como deverão ser esses eixos?”, “O que
representam as coordenadas de um ponto?” e “Qual deverá ser a ordem de apresentação
da abcissa e da ordenada nas coordenadas de um ponto?”. Os alunos foram respondendo
de forma correcta, excepto na posição relativa dos eixos do referencial.
92
dificuldades e dúvidas, e depois de verificarem a impossibilidade imediata do professor
aceder às solicitações de todos os grupos, começaram, pontualmente, a discutir e a
procurar ajuda junto dos colegas.
Os alunos começaram por desenhar um referencial cartesiano nas cartolinas, conforme
proposto na questão 1. Quase todos tiveram o cuidado de medir a cartolina e proceder
aos cálculos necessários para centrar o referencial. No entanto, um dos grupos
continuava com dificuldades e uma aluna solicitou o apoio do professor.
A adaptação à tarefa e ao trabalho de grupo foi lenta. A situação proposta aos alunos,
exigia a cooperação e colaboração, situação que não era nova para eles e sugeria um
papel mais activo e autónomo da sua parte, o que contrariava a percepção e a maioria
das experiências que os alunos haviam vivido no ensino em Matemática e nas outras
disciplinas. Os grupos teimavam em solicitar constantemente a ajuda do professor e só
pontualmente procuravam discutir as questões entre si. Revelavam grande interesse em
começar a programar o robot (questão 2.2), mesmo sem terem registado as coordenadas
dos pontos da figura (questão 2.1).
No referencial não era pedido que fossem marcadas unidades porque dependeria do que
o robot andasse. A unidade seria determinada pela distância percorrida pelo robot
durante meio segundo e portanto, a unidade seria estabelecida na programação e não
directamente no referencial.
Um dos grupos resolveu rapidamente a questão 2.1 relativa às coordenadas dos pontos.
Perante este facto, os outros grupos começaram a perguntar-lhes as respostas para
comparar com as suas, às quais os elementos do grupo respondiam prontamente e em
voz alta. Todos os grupos resolveram a questão, recorrendo frequentemente à primeira
parte da tarefa mas não registavam os resultados sem primeiro procurar a aprovação do
professor. Perante a impossibilidade, por vezes propositada, do professor aceder a todos
os grupos, começaram a entreajudar-se, a realizar discussões em grupo e a trocar
opiniões.
93
M.: I.
P.: Este vem para aqui [eixo das abcissas] e este vem para aqui [eixo das ordenadas]. 2 e -2.
M.: Mas não passa do 0?
P.: É 2 e -2 [apontando para os eixos novamente].
D.: Mas aí não são números negativos.
P.: Não é nada. É 2 e -2.
M.: É 2 e -2. Não vês que isto vai dar aqui [eixo das abcissas] e este vai dar aqui [eixo das
ordenadas]?
D.: Mas aqui não dá negativo? [referia-se à abcissa].
M.: Não. Aqui em cima não há números negativos [referia-se à abcissa de I]. São positivos.
M.: J. Está no 0.
P.: É 2 e 0.
Outro grupo tentava pensar nas coordenadas através da movimentação que o robot teria
de realizar, concluindo que a todos os pontos abaixo do eixo das abcissas correspondia
uma ordenada negativa.
94
T.: Acho que é assim. Quando o robot andar para baixo acaba sempre num número negativo
[apontava para semi-eixo negativo das ordenadas].
A segunda questão a que deram grande atenção dizia respeito a como obter um ângulo
de 90 graus.
95
N.: [apontando para a figura e programando simultaneamente] Frente… esquerda…
frente… esquerda…. Frente e esquerda.
S.: Está bem.
T.: Calma, calma. Dá-me a folha. Espera. Olha.Vê…
N.: O quê?
T.: Aqui são dois segundos [referia-se a segmento [GH]]. Deixa-me fazer.
N.: Agora para o lado esquerdo.
N.: Quanto?
T.: Não sei. É preciso experimentar.
[Experimentaram].
N.: É pouco.
[Experimentaram].
N.: É 2, 2 [segundos].
T.: É, leva mais, leva mais…
[Experimentaram].
T.: Tem de ser mais 1 [1 décima de segundo]. 1 chega.
[Experimentaram].
N.T. e S.: AH!! É 2,3.
96
[Aumentaram o tempo e experimentaram].
M.: Assim está bom. Está bom.
97
como por exemplo a velocidade, tiveram de reajustar o programa. Esta necessidade de
experimentar diferentes robots parece ter surgido da simples curiosidade dos alunos,
mas também para verificarem se com outro material semelhante obteriam o mesmo
resultado e se, eventualmente, lhes permitiria aperfeiçoar a solução.
Os resultados obtidos por todos os grupos foram muito semelhantes ao desejado. As
figuras representadas eram muito semelhantes à figura representada no referencial
cartesiano da tarefa. No entanto, quando os robots efectuavam a viragem acrescentavam
alguns centímetros ao segmento que estavam a traçar (desenhavam pequenos quartos de
círculo) criando ligeiros erros na figura. Alguns grupos pretenderam compensar esse
erro, procurando novos comandos para a viragem ou diminuindo o tempo de andamento
em linha recta de forma a compensar o excesso provocado pela viragem.
O professor tinha planeado uma discussão em grande grupo mas perante os resultados
obtidos, o professor decidiu que não se justificava realizar essa discussão, até porque a
partilha de ideias e soluções fora uma constante ao longo da segunda parte da aula e os
grupos conheciam o trabalho dos seus pares.
Não obstante os objectivos “técnicos” e os objectivos “matemáticos” da tarefa
parecerem distantes, alguns alunos relacionaram-nos, como foi possível constatar no
grupo que comparou as coordenadas dos diversos pontos com o percurso que o robot
deveria realizar, e através de alunos que entretanto, no final e após a aula, perguntavam
ao professor se o sistema de coordenadas que viam nos filmes a orientar os aviões e
carros (através dos GPS’s) era semelhante ao que usaram na aula. Juntamente com a
resposta positiva e explicação do professor, esta proposta de trabalho terá contribuído
desta forma para que os alunos tivessem uma maior compreensão da realidade, de
situações e de problemas do seu quotidiano.
Avaliação
Síntese
98
No início da tarefa os alunos mostravam-se tímidos, inseguros e relutantes em
participar. Ficavam na expectativa da ajuda imediata do professor ou de conseguirem
aceder a alguma informação relevante de grupos vizinhos. À medida que a aula se foi
desenvolvendo, os alunos foram revelando mais autonomia e à vontade. A cooperação
foi-se desenvolvendo naturalmente, aliada à crescente persistência e sucessivas
experiências realizadas. A descoberta por tentativa e erro foi uma característica comum
a todos os grupos como demonstram as constantes afirmações “Temos de experimentar”.
O professor evitava dar informações directas aos diversos grupos e quando lhe
colocavam questões remetia-os para o exemplo da primeira parte ou questionava-os:
“Qual é a vossa opinião?”, “O que pensam sobre isso?”, “Porque é que estão a fazer
essa pergunta?” ou “Quanto é que o robot andará aqui?”.
Também o ambiente de aula foi-se modificando. Os alunos, inicialmente
sentados, tinham a possibilidade de trabalhar de pé e passaram a poder movimentar-se
pela sala, proporcionando a partilha de informação com os outros grupos. Aproveitavam
esta oportunidade para mostrar e comparar o seu trabalho com os dos colegas. Em
determinados momentos, a aula tornou-se numa pequena competição na procura da
melhor solução.
As metodologias e estratégias de trabalho variaram nos grupos. Por exemplo,
alguns alunos testaram primeiramente o tempo de viragem necessário para conseguir 90
graus e só depois programaram o robot, enquanto outros optaram por realizar de
imediato o programa na sua totalidade.
Ao nível do vocabulário, verificou-se que os alunos não utilizavam
frequentemente os termos matemáticos em questão e só pontualmente surgiam
verbalizações como “abcissa”, “ordenada” ou “coordenada”. Preferiam fazê-lo através
do seu vocabulário habitual diário ou concretizá-lo apontando directamente para as
figuras.
Um outro aspecto resultante da realização desta tarefa é a negociação. Os alunos
realizaram negociações durante a programação do robot. Apesar de não estarem
habituados a fazê-lo na aula de matemática, a negociação surgiu quase espontaneamente
da interacção, da partilha de opiniões e sugestões, e das questões que foram colocando
no seio do grupo.
A tarefa “Noção de função” foi realizada em dois blocos de 90 minutos nas últimas
aulas de Janeiro e visava a introdução do conceito de função. Pretendia-se que os alunos,
tendo como situação de partida uma situação traduzida graficamente e supostamente
passível de concretização com os robots, inferissem o conceito de função. Atendendo às
frequentes dificuldades que os alunos demonstram na compreensão e aplicação deste
conceito e ao contacto frequente que têm com informação gráfica, optou-se, para
primeiro contacto com o conceito, a apresentação de dos dois seguintes gráficos que,
supostamente, traduziriam uma viagem do robot idealizadas pelo Pedro e pelo João,
respectivamente (ver anexo 5).
99
Figura 13: Gráficos da tarefa 1 “Noção de Função”.
O primeiro gráfico está bem idealizado sendo possível a sua concretização por
programação do robot. O segundo traduz uma viagem impossível de concretizar, dado
apresentar um recuo no tempo (fisicamente impossível) e que se traduziria em duas
distâncias diferentes para um mesmo instante temporal.
Cada grupo de alunos recebeu um robot, um computador com o ambiente de
programação RCX Code e a Tarefa 1. De imediato, o professor pediu que lessem
atentamente o enunciado e que depois começassem a resolver as questões propostas.
Seguiram-se alguns momentos de silêncio.
A primeira questão remetia os alunos para o estudo dos gráficos e descrição das viagens
aí sugeridas. Na primeira das turmas (turma 1) em que foi desenvolvido este trabalho,
logo após a distribuição da proposta de trabalho, um dos alunos notou, ao resolver a
questão 1.1 onde se pretendia o estudo dos gráficos e a descrição da viagem do robot
relativamente à sua distância ao ponto de partida, que havia qualquer coisa de errado
com o gráfico do João:
R.: Professor… Professor… Este gráfico não dá! [apontando para o gráfico do João].
Prof.: Não dá? Porquê?
R.: Não dá porque assim está a andar para trás. Está a andar para trás e o robot tem de andar
sempre para a frente.
Prof.: Não estou a perceber bem. O que queres dizer com isso?
R.: Não sei bem…
100
R.: A distância ao ponto de partida, da fita preta [referia-se ao ponto de partida assinalado
na mesa por uma fita cola preta]. E aqui é o tempo e não dá.
Prof.: Não dá o quê?
R.: O robot não dá para fazer isto.
Ri.: Não dá porque o robot… porque não pode andar para trás no tempo.
Prof.: Sim? Se voltasse atrás no tempo o que é que aconteceria?
R. e Ri.: [quase em simultâneo] Não sei.
Prof.: Observem e estudem os gráficos.
[Passaram-se alguns instantes].
R.: Já sei! Já sei! O robot tinha que tar em dois lugares ao mesmo tempo, não é professor?
R.: [Dirigindo-se aos colegas do grupo] Não é necessário programar esta viagem porque ela
é impossível!
Ri.: Pois é. Vamos… afinal é fácil.
Note-se que os alunos envolvidos neste diálogo pertenciam a grupos distintos. Apesar
do professor estar a dirigir-se mais concretamente ao grupo do R., o Ri. que fazia parte
de outro grupo mantinha grande interesse no diálogo e não se coibia de participar,
sugerindo de imediato a solução para o problema da impossibilidade da viagem. Não foi
necessário chegar à fase da programação (questão 1.2) para que estes alunos
descobrissem que num instante o robot não poderia estar a duas distâncias diferentes. O
R. não referiu claramente que num instante o robot não poderia estar a duas distâncias
diferentes, mas da sua intervenção percebe-se que concluiu correctamente o motivo que
impossibilitava a viagem e, ainda que intuitivamente, a noção de função.
Um terceiro grupo que ouvia a discussão, perguntou ao grupo do R. como é que era e
este explicou-lhes de imediato os problemas existentes no gráfico. O quarto e último
grupo, apesar da partilha de informação que existia na sala, continuavam com
dificuldades em perceber as grandezas envolvidas no gráfico e descreveram o programa
do robot com erros de forma a cumprir o gráfico do João. Apesar das indicações dos
colegas, e oposição de um dos elementos, teimavam em interpretar o gráfico como o
desenho que o robot teria de efectuar.
Quando solicitado que apresentassem uma condição necessária para que um gráfico
represente uma “viagem possível” de realizar (questão 1.4), as respostas foram as
seguintes:
101
“Ter um ponto de partida, não pode recuar no tempo e nos 10 segundos ele não pode
estar na distância de 10 e de 5”.
“A condição necessária é que não é possível o robot estar em 2 sítios ao mesmo tempo
(10 segundos) e não o podemos fazer porque não podemos recuar no tempo”.
Os grupos resolveram com relativa facilidade os diagramas que lhes eram propostos na
questão 1.5. A única dificuldade que surgiu estava relacionada com aparente
necessidade de repetir os elementos no contradomínio. Com os diagramas pretendia-se,
além de dar a conhecer uma nova forma de representação de uma função, que os alunos,
baseando-se nos diagramas e na questão 1.4, discutissem e comentassem uma afirmação
que referia que a correspondência do Pedro era uma função e a do João não era função
(questão 1.6). Três dos grupos deram a mesma resposta ou muito semelhante às supra
citadas aquando da “viagem possível”, mas um dos grupos sugeriu a seguinte resposta,
cuja primeira parte é muito próxima a uma possível definição de função:
Foi distribuída a terceira folha da proposta de trabalho em que era solicitado aos alunos
que aplicassem os termos que haviam aprendido. Não se registaram grandes
dificuldades, e os alunos quebravam pontualmente o silêncio do grupo para discutir
alguns pormenores ou confirmar respostas. Num dos grupos, um aluno ia lendo as
questões em voz alta e todos acompanhavam. Na questão que perguntava a maior
distância a que o robot esteve do ponto de partida, respondeu “A maior distância…
andou aqui… é aqui. 10”. Os colegas de grupo limitaram-se a acenar com a cabeça e
todos registaram o valor.
Quando todos os grupos terminaram, realizou-se uma apresentação das respostas
sugeridas. Os alunos foram lendo as respostas, geralmente certas, e os outros grupos
limitaram-se a confirmá-las.
102
apelou ao empenho e esforço dos alunos na realização da tarefa e alertou para a
importância de seguirem os passos e responderem às questões pela ordem em que
surgem na proposta de trabalho.
Os alunos estavam inicialmente bastante inactivos e à espera de indicações. O professor
distribuiu a primeira página da tarefa (que continha a introdução e os gráficos) e pediu-
lhes que os estudassem e interpretassem. Fez-se silêncio durante algum tempo. Depois
foi entregue a segunda folha que continha as questões. Só então os alunos começaram a
interagir, demonstrando algumas dificuldades inicias em compreender os gráficos:
Apesar de C. ter referido claramente que se tratava da distância percorrida pelo robot,
procederam à programação do robot de modo que avançava 2 segundos e depois voltava
para a direita. No entanto, quando experimentaram o robot, um dos elementos do grupo
reconheceu a discrepância entre o que estavam a fazer e a situação traduzida no gráfico.
M.: Estás a ver! Assim a distância está a mudar e no gráfico não muda nada!!!
M. e C.: [Quase em simultâneo] O robot tem de ficar parado.
103
L.: Oh! Já sei… Estás a contar desde o início e só conta a partir do que ele andou. Andou 2
segundos e vai ficar parado 2 segundos.
Como o robot deveria ficar parado até aos 4 segundos, a aluna C. considerava que era
esse o tempo que o robot deveria ficar parado sem lhe subtrair os 2 primeiros segundos
em que estaria em movimento. A segunda dificuldade surgiu na programação para os
instantes seguintes aos 9 segundos. Os alunos solicitaram a ajuda do professor porque
não sabiam como proceder quando a distância começava a decrescer:
Com a presença do professor, baseando-se nas questões que este foi elaborando, os
alunos rapidamente concluíram que o robot, tal como deveria avançar e parar, teria de
recuar.
A aula foi decorrendo e a maioria dos alunos continuava a manifestar muitas
dificuldades na compreensão dos gráficos, nomeadamente em detectar os erros contidos
no segundo gráfico. Alguns grupos descreveram as duas viagens, admitindo a sua
possibilidade. Perante estas dificuldades, as solicitações constantes de auxílio e a
actuação distante dos alunos da outra turma, o professor decidiu intervir junto de um
dos grupos:
R.: O robot avança 2 segundo, pára 2 segundos, avança 2 segundos e pára 6 segundos.
Prof.: Então já decorreu 12 segundos. E a seguir?
R.: O robot andou 3 segundos para trás.
Prof.: E isso está bem? É possível?
[Os elementos do grupo ficaram a olhar uns para os outros e para o gráfico].
Prof.: É possível andar para trás no tempo?
R.: Não.
Prof.: Então que podemos concluir acerca desta viagem?
R.: É impossível.
Prof.: É impossível porquê?
R.: Porque não é possível andar para trás no tempo e isso acontece no gráfico.
104
alunos não tiveram a oportunidade de descobrir e discutir as questões devido à
excessiva orientação do professor. Este deveria ter deixado os alunos descreverem a
viagem, inclusive a “impossível”, para que estes detectassem o erro aquando da
programação do robot. Esta actuação do professor está de acordo com uma natural
tendência de ajudar os alunos quando têm dificuldades em vez de os questionar e
orientar na descoberta dos conhecimentos. O papel de transmissor de conhecimentos
parece estar, na percepção da maioria dos docentes e alunos, intrínseco à actuação de
professor, que reduz as possibilidades de os alunos construírem activamente os seus
próprios conhecimentos.
Os alunos programaram rapidamente a viagem idealizado pelo Pedro. O único
contratempo foi a procura do comando “esperar”. Quando terminaram a programação
experimentaram e logo depois chamaram o professor para que este visse a sua solução.
O professor solicitou que, à medida que decorria a viagem do robot, apontassem para o
ponto do gráfico correspondente, o que fizeram plenamente.
Todos os grupos preencheram satisfatoriamente os diagramas da pergunta 1.5. No
entanto, tal como na turma anterior, foi necessário chamar a atenção dos diversos
grupos para que não repetissem elementos no conjunto de chegada. Levantou-se então a
questão de como proceder com os instantes 10 e 12 segundos no diagrama relativo ao
segundo gráfico.
Quando chegaram à questão 1.6, onde se questionava qual o motivo que fazia com que
uma correspondência fosse uma função e a outra não, os grupos responderam que não se
podia recuar no tempo e que o do João não é função porque há um tempo com duas
distâncias enquanto que na correspondência do Pedro a cada tempo corresponde uma
distância.
Prof.: Então porque é que a correspondência do João não é uma função e a do Pedro é?
T.: Porque há um tempo com duas distâncias.
R.: O tempo 10 segundos. E nos 12 segundos também acontece isso.
Prof.: E isso não poderia acontecer na viagem do robot?
T.: Não.
Prof.: Porquê?
R.: Porque o robot não pode estar em dois sítios ao mesmo tempo.
Este grupo, ao qual pertencia o aluno R., chegou mesmo a escrever que a
correspondência do João não era função porque a um objecto correspondia duas
imagens, mesmo antes de se ter falado nestes termos específicos na aula. O
conhecimento antecipado destes termos deve-se ao facto de um dos alunos do grupo
105
frequentar a sala de estudo disponibilizada pela escola, onde teria ocorrido o primeiro
contacto, ainda que apenas verbal.
Tal como sucedeu na turma anterior, o segundo bloco destinou-se à discussão dos
resultados então obtidos e resolução da segunda parte da proposta de trabalho.
Procedeu-se à leitura e discussão das respostas à questão 1.6. Quando a resposta mais
incompleta foi lida, gerou-se o seguinte diálogo:
O professor aproveitou este diálogo para referir que a ideia que tinham estado a
desenvolver era, ainda que de uma forma intuitiva e não formalista, a ideia do conceito
de função, e pediu aos alunos para completar a frase “ A correspondência do Pedro é
uma função porque…”:
Então o professor completou no quadro preto a expressão que havia iniciado usando a
sugestão de P.. Seguidamente o professor introduziu os termos objecto, imagem,
domínio, contradomínio, conjunto de partida e conjunto de chegada a partir dos dados
da questão 1.
Durante a resolução da tarefa, alguns alunos já haviam contestado o facto de ser
necessário “escrever muito” para dizer que a determinado objecto corresponde uma
imagem. O professor aproveitou esse facto para introduzir a simbologia f ( x) = y .
106
Faremos assim: f ( 4) = 5 que significa que a imagem de 4 é 5 por intermédio da função f.
M.: Ai! É melhor assim.
T.: É melhor.
R.: Pois é. É mais rápido e mais fácil de escrever tudo.
M.: É 6 segundos.
L.: Como é que é 6?
Ca.: Estás aqui. É 8 segundos.
107
M.: 10 unidades de comprimento
L.: É o de cima, não é esse.
M.: Vê. 10 é 6.
L.: 10 quê?
M.: 10 segundos… de… distância.
M.: Este é daqui. Distância não é segundos. É unidade de comprimento.
Ca.: Vê aqui. 8 segundos de tempo e aqui 10 unidades de comprimento, aqui 6 segundos de
tempo e 10 unidades de comprimento.
M.: O 10 é a imagem do objecto 8 segundos.
L.: Já fizeram?
N.: Esta é função e esta. Esta não é porque a um objecto corresponde duas imagens.
M.: É esta e esta porque… porque… um objecto não pode ter duas imagens, mas esta
imagem pode ter dois objectos [enquanto apontava para os diagramas].
N.: É como o tempo e a distância.
C.: O domínio é A e o contradomínio é o B.
N.: Oh. Isto é fácil.
L.: Pois é.
M.: E desta função? Qual é o domínio desta função?
L.: É o D.
M.: É o D?
C.: Acho que sim. Estes são os objectos e estas as imagens.
M.: Sim. Pois é. E o conjunto de chegada?
L.: Chegada…. Chegada é o segundo.
M.: Sim. Deve ser. O primeiro é o de partida e o segundo é o de chegada.
N.: É aqui que chega a função [apontando para a questão]. Este é o de chegada.
108
C.: Escreve isso, é o F.
L.: O contradomínio também é o F.
M.: O objecto que tem imagem 5?
N.: -1.
Avaliação
Síntese
109
Com esta tarefa pretendia-se que os alunos, numa primeira fase intuíssem a
noção de função, para posteriormente se proceder a uma definição formal do mesmo.
Propunha-se assim, introduzir o conceito de função. Nas respostas observadas na
proposta de trabalho e, posteriormente, na ficha de trabalho, surgem evidências de que
os alunos adquiriram essa noção intuitiva do conceito de função a partir do exemplo
concreto estudado. Inicialmente, as relações entre o tempo e a distância representadas
nos gráficos foram utilizadas para definir função, e mesmo depois da definição formal
do conceito, foram utilizadas para comparação noutros casos. Desta forma, o conceito
de função surgiu, de forma mais natural na primeira turma, como resultado do trabalho
desenvolvido pelos alunos. Os diálogos estabelecidos durante a resolução da ficha de
trabalho sugerem que os alunos apreenderam o conceito de função, mostrando-se
capazes de aplicar o mesmo a novos exemplos e determinar se uma correspondência
designa uma função.
No início predominavam os termos informais e as explicações surgiam na
linguagem do dia-a-dia dos alunos. Depois da tarefa e da formalização dos conceitos
predominavam os termos específicos como domínio, contradomínio, objecto e imagem.
Os termos correspondência e função tomaram um papel central na linguagem dos alunos.
O interesse foi uma constante e o trabalho de grupo pautou-se pela participação e
intervenção de todos os elementos do grupo. O ponto de partida para este interesse terá
residido no uso dos robots e na concretização dos conteúdos abordados, usualmente
visualizados pelos alunos como conteúdos ou processos intangíveis, de carácter
meramente teórico, e portanto, de interesse, aplicabilidade e utilidade duvidosos.
A persistência dos alunos foi aumentando com o decorrer da proposta de
trabalho. Habitualmente muito dependentes da presença, opinião e anuência do
professor, os alunos foram voltando-se para “dentro” do grupo a fim de discutirem as
questões e exporem as suas dúvidas. Nos diálogos finais é possível constatar que, nas
questões em que não revelavam dificuldades na resolução, os alunos “pensavam em voz
alta” com o intuito de partilharem e confirmarem os seus resultados.
Os aspectos supra citados parecem evidenciar que os alunos estiveram a
trabalhar ao nível do desenvolvimento de competências nomeadamente ao nível do
pensamento matemático, do tratamento de problemas, do raciocínio matemático, de
representação das entidades matemáticas (neste caso de uma função), em simbologia e
formalismo, de comunicação (manejaram a linguagem característica das funções), e em
instrumentos e acessórios (usaram os robots e acessórios de uma forma reflectida e
estabeleceram relações com a Matemática).
110
os diagramas. Também se pretendia proporcionar a aplicação dos conhecimentos
adquiridos na tarefa anterior, tais como a noção de função, domínio, contradomínio,
variável dependente e variável independente, a uma nova situação de cariz experimental.
Por fim, possibilitaria aos alunos contactar com funções cujas representações gráficas
não são rectas.
Esta proposta de trabalho também foi idealizada para funcionar como elemento de
avaliação escrita e, como tal, os grupos tiveram de entregar os registos escritos
resultantes dos seus trabalhos.
Foram distribuídos robots com um sensor de luz acoplado e previamente programado
para seguir uma pista cinzenta traçada num tabuleiro de grandes dimensões (70 cm de
diâmetro) propositadamente criado para o efeito (Figura 14), que consistia numa
circunferência com três diâmetros traçados (formando 8 ângulos ao centro de 45 graus)
e um raio (aleatoriamente traçado e, portanto, diferente em cada tabuleiro), e fitas
métricas de metro e meio de comprimento.
O robot teria de iniciar a marcha no ponto A e descrever uma volta completa, no sentido
contrário ao dos ponteiros do relógio, parando em todos os pontos assinalados. Os
alunos teriam de organizar uma tabela onde constassem os valores da distância do robot
ao ponto A em função dos ângulos ao centro correspondentes aos arcos descritos pelo
robot. Este seria o ponto de partida para a abordagem das várias representações de uma
função, culminando com a escolha do gráfico, entre quatro opções, que poderia traduzir
a situação que estavam a estudar.
111
Depois de algum tempo, começaram a ler a proposta de trabalho. Os elementos de um
grupo, sem falarem entre si, decidiram imediatamente chamar pelo professor.
112
[O professor afastou-se e os alunos ficaram em silêncio].
[Entretanto começaram a medir os ângulos com a fita métrica].
R.: Faz a tabela.
N.: Quantos ângulos são?
S.: São 8.
N.: É 8. 8.
S.: São 9. Tem mais um.
N.: Aqui é o tempo [na primeira coluna].
M.: Não, não é. São os ângulos [e registaram].
T.: E coloca o título na tabela.
N.: Agora o outro [segunda coluna].
M.: A distância do robot [e registou].
N.: Vê agora. Distância do robot ao ponto A.
T.: d é a distância de A ao B.
N.: Não tem de se usar o robot?
T.: Tem de percorrer estes pontos A, B, C e D… Tem que fazer daqui até aqui [com a mão
apontou de A até B]. Percorre isto tudo.
N.: A, B, C e D… Mas este aqui é mais pequenino [entre C e E estava desenhado um raio
[OD] que dividia o ângulo ao centro em dois geometricamente iguais de 22,5º]. Todo é isto
[ângulo COE]. Estes quatro são iguais e este é mais pequeno.
113
N.: O ângulo não pode ser assim.
M.: Os ângulos são todos iguais.
S.: Não, estes dois são diferentes [ângulos entre C e E].
M.: Mas os grandes são todos iguais.
[Mediram a distância entre todos os pontos]
N.: É tudo igual. Dá 26.
[E confirmaram a medição].
N.: Ele anda 26 cm.
T.: Pois, mas não pode ser este o ângulo… Como se faz?
N.: Este mais pequeno é 13, metade para cada parte. De A para B anda 26. De C para E
anda 13 mais 13. As partes grandes são todas 26.
114
M.: Pois é, isto é 90.
N.: Ah! Metade de 90 são… 45.
115
T.: Foi aqui. Passamos 112,5 para 113 no arredondamento.
[Refizeram todos os cálculos e corrigiram a tabela].
T.: Agora dá 360. Espera aí [verificou de novo].
T.: Aqui dá 270, aqui 315 e aqui 360.
N.: Já estou a corrigir. Está certo, dá 270.
[Entretanto o professor aproximou-se].
Prof.: E a distância ao robot quando ele está no A?
S.: É 0.
N.: Eu acabo isto. Comecem a fazer a seguinte.
Os alunos reconheceram imediatamente que o valor 361º não era o correcto para
uma volta completa. Com a mesma destreza identificaram o procedimento que originou
esse erro. Contudo, com o intuito de atestarem a hipótese sugerida, realizaram de novo
os cálculos duas vezes.
Mais uma vez o trabalho foi repartido. O aluno que procedia às rectificações
sugeriu aos colegas que passassem para a questão seguinte enquanto terminava. A
tabela final apresentada pelo grupo foi a seguinte:
Figura 15: Tabela elaborada pelos alunos na questão 1.1 (Tarefa 2).
116
S.: Vê na última tarefa. É isto. A este valor vai corresponder este, a este é este… é assim.
T.: Estes valores para aqui [conjunto de partida] e estes nesta bola [conjunto de chegada].
N.: E depois fazemos as setas.
S.: Não são os pontos que ficam aqui [conjunto de partida]?
M.: Olha aqui. Tempo e distância.
N.: Pois é. Ficam os ângulos e a distância.
T.: Põe antes os pontos. Está bem professor?
Prof.: Também poderiam ser os pontos, mas na tabela o que aparece?
N.: Os ângulos. Eu disse que eram os ângulos mas nós decidimos…
Figura 16: Diagrama proposto pelos alunos na questão 1.2 (Tarefa 2).
“É uma função porque a cada elemento do conjunto dos ângulos faz corresponder um e
só um elemento do conjunto da distância”.
117
à identificação da variável dependente e da variável independente, a discussão
preliminar cingiu-se a uma pergunta e à resposta imediatamente admitida:
Figura 17: Representação gráfica realizada para a questão 1.4 (Tarefa 2).
“Não escolhemos nem o A nem o B porque tem dois pontos na mesma distância e a meio
desses dois pontos tem um mais para baixo, e não escolhemos a C porque a distância
máxima é 35.”
118
H.: Tem de andar nesta linha.
Prof.: Partindo de onde?
H.: De aqui [apontou para o ponto A].
Prof.: Assim ou assim? [referia-se ao sentido do movimento].
J.: Assim [exemplificou com o braço, movimentando-o para a esquerda].
T.: É assim porque é o sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e o relógio anda para
este lado, logo é para este lado.
Prof.: Então é aqui [referia-se ao ponto de partida]?
Todos: Sim
Prof.: E que irá acontecer?
J.: Vai parar em todos os pontos [e experimentaram].
Prof.: E agora?
J.: Ver qual é a distância até lá.
Prof.: Como vão medir essa distância?
T.: Pela linha…
J.: Já sei. É o ângulo daqui até aqui.
Prof.: Que ângulo é?
[Silêncio]
Prof.: Imaginando que era uma piza. Vamos comer uma fatia. As fatias são iguais?
J.: Algumas. Há umas diferentes.
H.: São 8 fatias.
Prof.: Há alguma forma de descobrir o tamanho dessas fatias, ou seja, o valor desses
ângulos? [e afastou-se].
119
L.: x é o ângulo. É o ângulo x. Olha aqui: é o ângulo desde aqui até aqui [ângulo AOB].
Percebeste?
Ca.: É para registar o ângulo x e a distância.
[Entretanto o professor aproximou-se].
Prof.: Estão a fazer?
Ca.: Não percebemos…
Prof.: Têm essa circunferência e o robot vai percorrê-la. Já experimentaram? É importante
experimentar e ver o que se passa ver o que irá acontecer. Será mais fácil de perceber.
[O robot andou de A até ao ponto B].
Ca.: Temos de medir a distância do ponto A até ao ponto B com a fita.
Onde medimos [referia-se ao ponto a considerar no robot]?
L.: É aqui [apontou para a traseira].
Ca.: Tem cuidado. Tem que dar a volta [para medir pela frente].
L.: Não é assim. É esticada.
N.: Dá 28.
L.: Coloca na tabela.
[O professor reaproximou-se e os alunos repetiram a medição na sua presença].
Ca.: Mas se é daqui até a aqui dá 26 [de A até B].
As questões lançadas pelo professor conduziram os alunos para uma nova leitura
do enunciado de onde surgiu o esclarecimento dos pontos envolvidos na medição da
distância. A intervenção do professor provocou um momento de reflexão nos alunos.
Note-se que todos os elementos do grupo participaram no diálogo.
120
No meio da sala estava um grupo que discutia exactamente a mesma questão dos
ângulos e reclamavam já ter descoberto o valor do ângulo. O professor resolveu
verificar essa descoberta.
T.: De C a D, e de D a E é 45º. De E a F…
S.: É metade de 45º.
T.: É este [A a B], mais este [B a C], mais este [C a D], este [D a E] e este [E a F]. Faz 22,5
mais 22,5.
S.: E, F, 22,5 mais 22,5 dá 45º.
[Registaram e passaram à questão seguinte sem preencher a coluna das distâncias].
T.: Apresente os dados num diagrama. Justifique que é uma função. Porque cada…
S.: Cada objecto tem a sua imagem.
T.: Cada distância tem um ângulo. Ao contrário.
S.: Acho que isto não é uma função.
O diálogo inicial é um pouco confuso, e apesar de uma das alunas ter referido
explicitamente a soma das várias amplitudes, colocaram 45º em todos os ângulos e
como tal a correspondência não seria uma função. Ainda antes de esboçarem o diagrama
já sugeriam uma justificação para o facto da correspondência ser uma função. Após se
corrigirem quanto a essa justificação, uma das alunas concluiu que afinal a
121
correspondência que tinham na tabela de valores não era uma função. Quando o
professor sugeriu que pensassem melhor nos ângulos, decidiram somá-los. Uma aluna
começou a alterar os valores da tabela. Dizia os valores em voz alta e as colegas faziam
os cálculos mentalmente. Quando chegaram aos ângulos de amplitude 22,5º tiveram
mais dificuldades e recorreram à máquina de calcular.
Passaram de imediato para as distâncias. Colocaram o robot no ponto A e
puseram-no em marcha. Quando parou no ponto B começaram a pensar em como medir.
T.: Será que a distância é a partir dos segundos que ele faz?
S.: Não sei. Dá para ver aqui no robot o tempo.
C.: Só se for este tempo [apontando para o visor do RCX].
[Entretanto o professor aproximou-se].
Prof.: Como obtiveram estes resultados?
T.: Medimos assim, assim e depois somava-mos.
Prof.: Então pretende-se a distância entre os pontos? De que serve o robot?
S.: Pois… Se calhar temos de medir de outra maneira.
T.: [Depois de ler de novo o enunciado] É a distância do robot ao ponto A.
Prof.: Ummm… Ao ponto A….
122
discussão continuava a voltaram a analisar propostas já discutidas. O professor
manteve-se próximo do grupo.
123
A T. não concordou. Cruzou os braços e encostou-se na cadeira como forma de
protesto mas acatou democraticamente a opinião da maioria (das duas) colegas de grupo.
Entretanto um colega de outro surgiu junto deste e pediu para ver os valores que tinham
na tabela.
T.: A correspondência é uma função porque cada ângulo tem uma dist…
S. e C.: …só uma, só uma distância.
C.: Escreve.
S.: O domínio é este.
C.: São os ângulos [e registaram].
S.: Variável dependente é a distância e a variável independente é os ângulos.
C.: Escreve isso. Espera, não é ao contrário?
124
T.: Não. Olha, a distância ao robot depende dos ângulos. A independente não depende de
ninguém.
C.: Está bem.
125
S.: Porque esta é uma função. Cada objecto só tem uma imagem.
Prof.: E as outras opções não são funções?
T.: [Virada para a colega] As outras também são funções. Temos é de escolher uma.
Prof.: Observem os vossos resultados e tentem justificar a partir daí.
S.: É este. De certeza.
T.: Porquê?
S.: Olha para o gráfico. Tem uma curva parecida [com o gráfico que construíram - Figura
19]. Faz assim e assim.
T.: Mas duas curvas. Parece este [opção C]. Então?
C.: Temos de decidir.
126
Apenas um grupo escolheu uma opção errada, a A, apesar de terem uma tabela e
um diagrama (Figura 20 e Figura 21, respectivamente) com valores que contradizem a sua
opção e um gráfico (
Figura 22) com uma curva semelhante à da função da opção D.
127
Figura 22: Gráfico (questão 1.4, Tarefa 2).
No final da aula o professor recolheu uma tarefa por grupo para posterior
avaliação. Alguns alunos ficaram à porta da sala de aula à espera do professor para lhe
perguntarem o que tinha achado do trabalho por eles desenvolvido.
Avaliação
Síntese
128
que traduz essa situação (uma curva), tendo para tal de recorrer a aspectos que
caracterizassem essa representação gráfica, como por exemplo o máximo.
Porventura, o aspecto mais saliente ao longo da resolução desta proposta de
trabalho é o dinamismo das aulas, caracterizado pelo papel activo dos alunos na procura
das soluções. O ritmo de trabalho foi imposto pelos grupos, pela sua maior ou menor
mas sempre crescente autonomia e cooperação, cabendo-lhes o papel principal no
trabalho desenvolvido. O professor limitou-se a uma orientação intencionalmente
discreta, proposta na forma de questões e sugestões e nunca sob a forma de resposta.
A actividade de grupo e inter grupos foi intensa, sucedendo-se a partilha de
informação e resultados. A dinâmica de grupo foi intensa. Alguns alunos que
normalmente evidenciavam grandes dificuldades na aula de matemática assumiram
papéis centrais, de destaque dentro do grupo, chegando mesmo a coordenar os trabalhos
dos respectivos grupos. Os alunos voltam-se cada vez mais para o seu grupo. A partilha
de ideias e opiniões, a apresentação de sugestões foram evidentes, destacando-se
algumas discussões que só terminaram com a realização de experiências com os robots.
Assistiu-se à partilha de responsabilidades, nomeadamente, antes de registar
qualquer resultado ou ideia procuravam ouvir a opinião dos colegas perguntando-lhes
“Não é?”, “Não é assim?” ou “E agora?”. As questões e as propostas de respostas eram
lidas em voz alta para os colegas de grupo ouvirem e assim obter a sua opinião,
normalmente crítica. Também permitia ao colegas de grupo acompanharem e
confirmarem, ou não, o seu raciocínio. Todos tinham que trabalhar e fazer algo na
resolução que seria entregue ao professor.
A negociação dos procedimentos, processos a adoptar e respostas foi uma
constante. Por vezes, quando no grupo surgiam duas ou mais opiniões diferentes, os
grupos adoptaram o critério da maioria para tomar decisões. Ainda que por vezes, se
pudesse verificar o descontentamento de alguns alunos por serem vencidos pela maioria,
acabaram por aceitar a decisão. Também se assistiu a um episódio, em que um dos
alunos apesar de discordar claramente de uma decisão do grupo, perante o professor
assumiu que a decisão fora colectiva e, consequentemente, era também da sua
responsabilidade: “Eu disse que eram os ângulos mas nós decidimos…“.
Verificou-se uma grande persistência de todos os alunos. Apesar das
dificuldades se sucederem e os graduais desenvolvimentos na sua transposição
obrigarem a constantes revisões dos resultados e respostas e, sobretudo, a constantes
repetições das experiências com os robots, os alunos não desanimaram e só terminaram
depois de responderem a todas as questões de uma forma satisfatória. Em determinados
momentos decidiram mesmo recomeçar toda a resolução da tarefa.
Era visível a satisfação dos alunos quando conseguiam concluir a tarefa e
ultrapassar situações aparentemente difíceis. Registaram-se situações de cumprimentos
(abraços e beijinhos) entre colegas quando descobriam algum pormenor que lhes
permitia avançar na resolução da tarefa. Outros, quando descobriram a solução de
determinado problema, como foi o caso da descoberta da amplitude dos ângulos ao
centro que deveriam constar na tabela de valores, fizeram questão de ir dizê-lo aos
grupos vizinhos, partilhando livremente essa informação.
Num episódio, um dos grupos decide arredondar um valor sem ter indicações
para tal. No final dos cálculos constataram que havia algo errado (a soma das
amplitudes que formavam um ângulo giro perfazia 361º), e de imediato compreenderam
de onde derivava aquela situação. Corrigiram a sua actuação sem qualquer intervenção
129
externa ao grupo. Trata-se de um exemplo claro de auto correcção, de aprendizagem
pela tentativa e erro potenciada pela análise do erro cometido.
As estratégias de trabalho e de resolução de alguns problemas passou, na maioria
das situações, pela procura no caderno diário e em tarefas anteriores de indicações que
auxiliassem à resolução das novas questões, seguida de alguma discussão. Os grupos
experimentaram várias soluções e sugestões que iam discutindo até encontrar a correcta,
como foi a caso da procura das amplitudes dos ângulos ao centro em que foram
sugeridas várias hipóteses desde o comprimento do raio, a distância entre os pontos
assinalados e até os segundos que o robot andava, que foram sendo discutidas e
eliminadas sucessivamente até concluírem correctamente.
Os alunos continuaram a insistir em mostrar os seus resultados ao professor
apesar desta proposta de trabalho estar destinada a correcção escrita posterior.
A manipulação de acessórios foi uma vertente muito explorada. Os alunos
usaram os materiais disponíveis várias vezes, dependendo única e exclusivamente do
seu entender para determinarem ou confirmarem valores e resultados. Resolveram
problemas relacionados com o seu uso, como por exemplo a realização das medições.
Apesar da linguagem predominante ser a que usam normalmente no seu dia-a-
dia, os termos e simbologia específicos das funções (objecto, imagem, domínio, etc.)
foram usados com propriedade e alguma frequência.
Os alunos aplicaram correctamente a definição de função à nova situação
quando justificaram que a correspondência era uma função. Há duas discussões distintas
que atestam que os alunos dominam o conceito de função. Na primeira situação, um dos
grupos repete o ângulo e assinala distâncias diferentes para cada um deles, e na segunda
dois ângulos diferentes correspondem à mesma distância. Os alunos concluíram
correctamente que a primeira correspondência não seria uma função tal como estava
definida e que a segunda era função apesar de dois objectos diferentes terem a mesma
imagem. Também não revelaram dificuldades em identificar o domínio, o
contradomínio e as variáveis dependente e independente. Os alunos revelaram ser
capazes de aplicar os conhecimentos anteriormente adquiridos à nova situação.
130
grupo. O professor distribuiu a tarefa e todo o material necessário: dois robots com
velocidades diferentes, computadores com o software da Robotics Invention System™
2.0, torres de infravermelhos e fitas métricas. Seguidamente, o professor pediu que os
alunos lessem atentamente a proposta de trabalho e alertou-os para dois aspectos: (1)
para serem o mais rigorosos possíveis nas suas experiências, principalmente nas
medições; (2) para terem em consideração o facto de os robots terem algum balanço e
não pararem de imediato quando termina o tempo programado andando um pouco mais
do que o pretendido e, como tal, seria um problema que teriam de resolver. Terminou
desejando bom trabalho aos alunos.
Contrariamente às primeiras aulas e tarefas desenvolvidas com os robots, em que os
alunos manipulavam, brincavam e experimentavam os robots, nesta aula começaram por
iniciar o programa RCX Code de programação do robot, ler a proposta de trabalho e a
tomar decisões. Os alunos mostravam-se bastante empenhados e concentrados na tarefa
que começavam a desenvolver. Na maioria dos grupos havia um elemento que lia a
questão em voz alta e logo após o início da tarefa, era possível ouvir alunos a dizerem
aos colegas “o robot tem de andar 1 segundo para medirmos o que andou ”.
Contrariamente ao verificado em tarefas anteriores, os alunos compreenderam
facilmente a introdução da tarefa e qual a experiência pretendida. Para este facto, poderá
ter contribuído decisivamente a formulação da primeira questão com base numa tabela
(tipo de representação já abordado em tarefas anteriores), cuja leitura parece ser quase
intuitiva para a maioria dos alunos.
Os alunos tinham de programar os robots de forma que cumprisse uma viagem em linha
recta de acordo com os tempos indicados na tabela – 1, 3 e 6 segundos – e procedessem
à medição e registos dos respectivos espaços percorridos. Todos os grupos
demonstraram grande à vontade na programação e utilização dos robots. O professor ia
percorrendo os diversos grupos e verificou que todos haviam iniciado o trabalho, no
entanto, foi necessário relembrar que os robots não paravam imediatamente e que esse
facto poderia adulterar as medidas, que se pretendiam rigorosas. Perante isto, alguns
alunos começaram a procurar um eventual comando de programação que travasse o
robot. Dois dos grupos optaram por reduzir ao tempo de viagem para compensar o
espaço extra percorrido pelo robot: programaram a viagem para 2,8 segundos quando
deveria ser de 3 segundos. Dado que os alunos não conseguiam encontrar o tal comando
de travagem, foi necessário o professor intervir junto dos grupos e indicar-lhes o
comando. Apenas o fez junto de dois grupos porque os outros, por observação ou troca
de informações, rapidamente o aplicaram. Aquando desta questão, já os grupos haviam
procedido a algumas medições, pelo que tiveram de repetir as experiências com as
devidas alterações na programação e foram observando pequenas diminuições no
espaço percorrido pelo robot.
Todos os elementos dos grupos desempenhavam um papel na realização da experiência.
Espontaneamente, sem discutirem os papéis individuais a desempenhar, surgia uma
organização de trabalho. Num dos grupos, um aluno preocupava-se em programar o
robot, outro andava com o robot e os outros dois preparavam a mesa, assinalavam os
pontos de partida e chegada e efectuavam as medições.
Os alunos utilizaram diversos métodos, alguns engenhosos, para proceder à medição
porque, contrariamente a tarefas anteriores o professor não marcou um ponto de partida
para o robot com fita preta, tendo ficado ao critério dos alunos. A maioria dos grupos
decidiu aproveitar o início da mesa como ponto de partida, outros marcaram na mesa,
com um lápis, a posição inicial e final do robot, o que tornava muito simples e prática a
131
medição. Um dos grupos conseguiu prender a fita métrica no robot e depois fazia-o
partir do início da mesa. Em seguida limitavam-se a registar o valor que observavam na
fita métrica junto da borda da mesa. Por vezes, uma fita métrica não chegava para medir
o espaço percorrido pelo robot. Então, a maioria dos alunos optou por pedir uma
segunda fita métrica ao professor ou a um grupo vizinho para colocarem no alinhamento
da primeira e alcançarem a posição do robot. Os alunos ajudavam-se e corrigiam-se
mutuamente. Durante as medições foi possível observar alguns episódios de negociação.
Neste diálogo é possível constatar que um dos alunos do grupo tem presente a ideia de
proporcionalidade directa e aplica-a para comparar com os resultados da experiência,
parecendo confiar mais no seu raciocínio do que nas evidentes medições.
Contrariamente a este, outro elemento do grupo parece confiar mais nas experiências do
que no raciocínio do colega.
Entretanto os alunos, que estavam a trabalhar no chão da sala, deslocaram-se para a
mesa do grupo e continuavam a discutir entre eles os resultados que haviam obtido e os
que eles suspeitavam ser os correctos.
P: Estás a ver a 1.2? Para ser directamente proporcional tem que dar o mesmo resultado e
não dá [referia-se ao quociente entre o espaço percorrido e o tempo].
M: Então pomos esses valores [valores calculados].
132
P: É 30, 90 e 180.
[Entretanto o professor aproximou-se].
Prof.: Já realizaram as medições necessárias?
M: Já.
Prof.: E concluíram esses valores certinhos?
P: Não. Não foram estes.
Prof.: Não? Expliquem.
Ma: As medidas que tínhamos não davam pro…proporcionalidade directa e nós mudámos.
E o robot também não andava direito…
Prof.: E como chegaram a esses valores?
M: Fizemos na máquina de calcular. Se num segundo anda 30 cm em 3 segundos tem de
andar 90. E assim já dá o mesmo resultado.
Prof.: Então acham que deveria dar proporcionalidade directa?
P: Sim.
Prof.: E com os valores que tiraram das medições não dava proporcionalidade directa?
P: Não. Não dava o mesmo resultado.
Prof.: Deveriam procurar saber porque é que o que experimentaram não condiz com que
pensam… Talvez devessem experimentar de novo.
Os elementos deste grupo solicitaram a ajuda do professor, mas não foi necessário que
este participasse para que os alunos chegassem de forma rápida e autónoma à solução.
No entanto, fica a ideia de que a presença do professor funcionou como um catalisador
para a discussão e exposição de ideias.
Perante as dificuldades em descobrir o que era o quociente, um dos grupos chegou
recorreu a um dicionário para procurar o significado. Depois de encontrada a resposta
133
começaram a discutir questão a questão e logo surgiu o conceito de proporcionalidade
directa (questão 1.3). Procuraram no caderno diário e no manual adoptado essa
definição e, depois de constatarem que nenhum dos elementos do grupo tinha qualquer
ideia sobre o assunto, apelaram ao auxílio do professor.
134
6 segundos. Voltaram para a mesa onde estavam a trabalhar e registaram na tabela da
ficha de trabalho 178 cm. Depois começaram a calcular os quocientes entre o espaço
percorrido e o tempo gasto para o percorrer. Até este momento os alunos do grupo
quase não tinham falado.
C: 33/1 = 33
[Registaram na ficha de trabalho].
C: 99/3 = 33
Li: 178:6 = 29.6666
S: Não pode ser. Tinha que dar 33.
C: Vamos programar o robot e medir de novo. Algo está mal.
[Repetiram todo o processo e os valores voltaram a ser 33, 99 e 178 cm].
S: Mas não pode ser. Tinha que dar 33 [referindo-se ao valor do quociente entre as duas
variáveis].
La: 33vezes 6 é 198. Vamos colocar 198 na tabela.
Apagaram o 178 que tinham escrito na tabela da ficha de trabalho e escreveram 198. O
professor aproximou-se do grupo e viu 198 (mas antes tinha passado pelo grupo e visto
178).
La: Oh! Já sei… Medimos em dois locais distintos Temos que medir sempre no chão.
135
grupos descobrirem que a constante de proporcionalidade directa correspondia à
velocidade do robot.
Num dos grupos a solução surgiu espontaneamente, sugerida pelo elemento que leu a
questão em voz alta e que de imediato a escreveu, ainda antes dos colegas terem
concordado. O professor, que assistia ao trabalho do grupo, decidiu questionar a decisão.
136
Para a realização do gráfico voltaram a recorrer às tarefas anteriores para descobrir qual
o eixo das ordenadas e qual o eixo das abcissas. Discutiram também o tipo de gráfico
que deveriam fazer quando um dos elementos defendeu que não deveriam fazer um
gráfico cartesiano igual ao da tarefa anterior porque os valores estavam sempre a
aumentar e portanto não podia dar “curvas para baixo”. Espontaneamente colocaram o
tempo no eixo das abcissas e fizeram o gráfico unindo os pontos.
Depois de trocarem de robot repetiram muito rapidamente a experiência dado que se
limitaram a repetir os procedimentos realizados para o primeiro robot. Foi preciso
alertar alguns grupos, que para fazer uma melhor comparação dos resultados dos dois
robots, era preferível representar as duas funções de proporcionalidade directa no
mesmo referencial cartesiano. A realização da tarefa prosseguiu na aula seguinte.
O segundo bloco destinado à tarefa começou pouco depois das oito horas da manhã e os
alunos estavam, na sua maioria, ensonados e demoraram algum tempo até começar a
trabalhar. Num dos grupos, alguns elementos limitavam-se a olhar para o colega que
procedia à construção do gráfico até que esse aluno os acusou de não estarem a fazer
nada e então todos começaram a tentar fazer o gráfico.
O professor teve de chamar de novo a atenção dos grupos para fazerem os dois gráficos
no mesmo referencial e para terem cuidado com as escalas. Quase todos os grupos
criaram confusão com o facto de terem de desenhar os dois gráficos no mesmo
referencial.
Figura 23: Gráfico construído por um dos grupos na questão 1.7 (Tarefa 3).
Um grupo assinalou os pontos das duas funções no mesmo referencial e foi unindo
quase aleatoriamente, obtendo um gráfico que não era função, apesar de anteriormente
terem representado correctamente apenas um deles.
137
Prof.: Acham que este gráfico está correcto?
D.: Acho que não.
Prof.: Porquê?
D.: Ummm… Não sei bem…
Prof.: Comparem com gráfico que já tinham feito. Que tipo de gráfico é?
Ma.: É rectilíneo.
Prof.: Então?
Ma.: Também tinha que dar rectas [referindo-se ao que estava errado].
Prof.: Este gráfico representa uma função?
M.: Não.
Prof.: Porquê?
P.: Porque volta para trás.
Depois, com o auxílio da máquina de calcular foram realizando o resto da escala. Todos
colaboraram nesta tarefa e quando algum se abstinha de participar os colegas apelavam
à sua participação, ao “trabalho em equipa” e à partilha dos resultados. O diálogo
seguinte é um exemplo dessa cooperação, quando tentavam descobrir o tipo de gráfico
associado a uma proporcionalidade directa.
138
As questões 1.9.2 e 1.9.3 que perguntavam qual o objecto cuja imagem era o valor da
constante de proporcionalidade e quando a constante de proporcionalidade aumenta que
variação se verificava no gráfico, respectivamente, não suscitaram grande discussão, e a
maioria dos grupos respondeu que o objecto era o 1 e que o gráfico aumentava.
Perante isto, o professor decidiu avançar para a apresentação e discussão dos resultados.
Mais uma vez, no início estavam relutantes em participar mas depois todos queriam
apresentar as suas ideias. Quando o professor questionou se a situação deveria dar uma
proporcionalidade directa as respostas reflectiram as posições que foram descritas: a
aceitação da aproximação dos quocientes espaço percorrido/tempo como indicação de
proporcionalidade directa e a alteração dos valores para que esses quocientes fossem
iguais.
Outro grupo referiu que os robots nem sempre andavam da mesma forma (por vezes
curvavam ligeiramente) e os erros de medição que iam comentando, pois cada vez que
experimentavam iam obtendo resultados diferentes. Dado que todos haviam respondido
correctamente ás questões seguintes, o professor limitou-se a ouvir as respostas dos
alunos e a registá-las no quadro negro.
Na questão 1.9.1 todos os grupos referiram que se tratava de uma recta mas não
indicaram que teria de passar na origem do referencial.
139
St.: É o objecto 1 segundo.
Prof.: Qual é a imagem de 1 no robot Tanque? Representa o quê?
[Silêncio].
M.: Constante.
T.: Velocidade.
M.: Oh, é a mesma coisa. Está na pergunta 1.4.
[O professor registou no quadro as conclusões dos alunos].
Prof.: 1.9.3. Quando a constante de proporcionalidade aumenta…
St.: A velocidade é maior.
P.: Aumenta a distância percorrida pelo robot.
Prof.: Concordam?
Todos.: Sim.
Prof.: Qual das duas rectas está mais inclinada?
Todos.: A segunda [relativa ao tanque].
Nenhum dos grupos se referiu explicitamente à inclinação das rectas para as diferenciar.
Apontaram o aumento do espaço percorrido e uma velocidade superior, facilmente
transmissíveis para a ideia de maior ou menor inclinação da recta. O professor foi
realizando um resumo das respostas no quadro negro e no final apresentou um resumo
mais formal dos conteúdos abordados na tarefa. Os gráficos obtidos pelos alunos foram
o ponto de partida para a formalização da expressão de todos os tipos de gráfico de
proporcionalidade directa – x → kx , da relação do declive (k) com a inclinação e da
influência deste na recta. Também abordou a função constante depois de propor que
imaginassem o gráfico para a situação do robot avariar e não conseguir sair do ponto de
partida. Os alunos reconheceram a similaridade entre a situação que o professor
colocava e a tarefa 1 onde lhes foi proposto um gráfico tempo/distância em que o robot
se mantinha parado durante alguns segundos.
A aplicação desta tarefa na segunda turma (turma 2) correu de uma forma muito similar
à anterior. O professor realizou os mesmos procedimentos e distribui todo o material
necessário. Os alunos começaram logo a ler a tarefa. Ainda uns estavam a ler e já havia
grupos a discutir sobre o que deveriam fazer na tarefa.
140
S.: À frente ou atrás?
T.: Atrás.
C.: Á frente? [colocaram a fita ao lado do robot] Aqui.
S.: A parte da frente não é aí. [marcaram com um lápis]. 27, é 27. Agora 3 segundos. Apaga
isso e altera.
T.: Para que apagaste? Era só mudar para 3 segundos….
S.: Estica aí a fita.
C.: 50. A seguir vai cair abaixo da mesa.
S.: O robot anda torto.
[Experimentaram de novo].
T.: Tira daí a fita. Anda mesmo torto.
Note-se que dois elementos do grupo chamaram à atenção o terceiro elemento que
estaria a brincar com o robot.
Todos os elementos do grupo mexiam no robot e partilhavam a responsabilidade de
medir. Usavam o início da mesa como ponto de partida e tiveram de experimentar
várias vezes o robot para 6 segundos porque o robot curvava ligeiramente para a
esquerda. Perante estas dificuldades, estenderam a fita na mesa e colocaram o robot a
andar em cima dela. Só terminaram quando consideraram que o robot tinha realizado
uma trajectória rectilínea.
Um aluno de outro grupo propôs que medissem o tempo para 1 segundo e a partir daí
multiplicassem esse valor pelo tempo que pretendiam. No entanto, depois de
verificarem que os outros grupos estavam a conferir as medidas com o robot resolveram
fazer o mesmo.
Tal como na outra turma, a questão do quociente entre o espaço percorrido e o tempo
suscitou algumas dúvidas e, consequentemente, alguns momentos de discussão:
C.: Isto é uma conta de dividir como na primária, lembras-te? [e exemplificou]. Nestas
contas de dividir este é o divisor, este é que é o quociente. Isto a dividir pelo tempo.
S.: Divisor, dividendo, quociente e resto [apontando]. Isto é uma conta de dividir. Então é 1
a dividir por 27.
141
T.: Não, não. 1 a dividir?
S.: Então não é uma conta de dividir?
T.: Não.
S.: Pelo amor de Deus. É 1 a dividir por 27 que dá…
T.: Ó pequena, primeiro é o espaço percorrido e depois é que é o tempo.
[S. revelava dificuldades em realizar os cálculos, então T. tirou-lhe o lápis e a folha e fez ela
o cálculo].
T.: Não sabes a tabuada da primária?
[S. sorria].
O professor optou por fazer este aviso geral porque nenhum dos grupos estava a ter em
consideração que o robot não pára de imediato a não ser que seja programado para o
fazer. Depois o professor pediu para reverem os tempos com o novo programa que
incluiria o comando de “parar”.
Quando executavam novas medições um dos grupos começou a notar a diferença e o
professor que assistia colocou outra questão que ainda viria a alterar mais os seus dados:
142
T.: Pois é. É a parte de trás que começa aqui [início da mesa que funcionava como ponto de
partida].
143
T.: Acalmem-se. Já sei. Este é 13 e este é 13. É directamente proporcional porque todos os
resultados dão o mesmo valor.
Concluíram que duas grandezas são directamente proporcionais quando o quociente dos
valores correspondentes é constante e perante a constatação que um dos valores obtidos
por experimentação não conduzia a um quociente igual, um dos elementos do grupo
apressou-se a atribuir as culpas a problemas na medição.
Contudo, como não estavam satisfeitas com o espaço percorrido que haviam obtido,
repetiram a medição para os 6 segundos. Obtiveram 76 cm.
T.: 76.
C.: De 76 para 74 já é uma grande diferença.
S.: Dá 12,666666…. Já melhorou.
T.: Estica melhor. Vamos repetir até dar 13.
S.: 77.
T.: 78.
S.: Já dá. 78 a dividir por 6 é 13.
S.: Estás a ver como já dá 13?
Os alunos foram constatando que aumentando o rigor das condições em que efectuavam
a experiência se iam aproximando do valor que consideravam certo, e persistiram nas
experiências até o obter. Procederam à alteração dos valores na tabela e quando um dos
elementos parou de escrever os outros acusaram-no de estar à espera e não tentar fazer
por si só. Passaram à questão relativa à constante de proporcionalidade.
144
Depois disto, concluíram imediatamente que 13 era a constante de proporcionalidade
directa e que, neste caso concreto, representava a velocidade do robot.
Quando a T. leu em voz alta a questão para justificar que é uma função, responderam
em coro que era uma função porque cada objecto correspondia uma e uma só imagem.
T. continuou e leu a questão 1.6 e no seguimento completou “espaço percorrido é igual
a velocidade vezes tempo”. As colegas simplesmente acenaram afirmativamente com a
cabeça. Perante a representação gráfica surgiram algumas questões:
145
Decidiram rever os resultados para 3 e 6 segundos (no chão). Repetiram-no várias vezes
e como continuava a não dar proporcionalidade directa, decidiram chamar o professor,
mas o professor não se aproximou de imediato.
Então resolveram escrever que não deu proporcionalidade directa mas que deveria dar,
atribuindo as culpas a qualquer problema do robot ou da medição e passaram à
construção dos gráficos no mesmo referencial.
C.: Rapariga, não faças isso [referia-se a unir os pontos]. Só fazes quando estiver direito.
T.: E não está?
S.: Vê melhor…
T.: Dá ou não [olhando para as colegas].
C.: Não é bem… mas dá.
T.: Professor? Professor?
Prof.: Sim?
T.: Está pronto?
Prof.: Tipo de gráfico associado a uma proporcionalidade directa?
T.: É um gráfico cartesiano.
Prof.: O que é isto?
C.: É um referencial cartesiano.
Prof.: O que desenharam?
T.: É uma recta.
T.: Mas o outro não dá bem uma recta.
Prof.: Então deveriam rever esse valor.
Apesar de já terem revisto o valor várias vezes anteriormente, as alunas não hesitaram
em voltar a tentar e acederam à proposta do professor. Fizeram-no mais duas vezes e
obtiveram 32, 100 e 192 cm. Procederam de novo aos cálculos e verificaram que já se
aproximaram mais de forma a atestar a proporcionalidade directa. Refizeram o gráfico e
passaram às questões seguintes.
146
Figura 24: Gráfico realizado pelo grupo na questão 1.7 (Tarefa 3).
Fez-se silêncio e as alunas ficaram a olhar para os gráficos. Apesar das respostas
estarem correctas não tinham certeza absoluta, até porque as intervenções de S. não
foram muito confiantes, e não avançaram enquanto não as dissiparam. Para tal
chamaram o professor.
T. olhava para o professor à espera de uma reacção. Como tal não sucedeu, registaram
“O objecto é 1 segundo” e seguiram para a próxima questão. Não duvidaram mais e
aceitaram a resposta da colega, certamente com a confiança reforçada depois de o
professor não ter corrigido a colega.
147
Passaram a discutir o tipo de gráfico associado à proporcionalidade directa.
148
T.: Os vossos valores são aproximados?
J.: Medimos o primeiro segundo e depois multiplicamos por 3 e por 6. Deu-nos o mesmo
resultado e deu proporcionalidade directa.
H.: Vimos que em 1 segundo andou 13. Depois multiplicamos por 3 segundos e depois por
6 segundos.
Prof.: Porque é que os valores obtidos na medição não originaram quocientes iguais?
T.: Fizemos a medição mal mas o robot também andava torto.
T.: As pilhas podiam estar gastas.
C.: Os sítios onde medimos eram diferentes ou utilizamos robots diferentes.
Prof.: E o que eles pensaram estava correcto [apontava para o grupo do J. e do H.]?
Sim.
Prof.: Mas não aconteceu…
S.: Se ele [robot] andasse direitinho dava tudo igual.
O professor mostrou o seu agrado porque não tinha encontrado esta resposta dada por
três grupos na aula anterior. Outro grupo referiu que a recta fica mais inclinada e apenas
um não respondeu a esta questão.
149
O professor aproveitou a deixa da inclinação para introduzir o declive e formalizar,
baseado nas expressões analíticas por eles descobertas, a função linear y = kx. Também
foram abordadas as funções constantes imaginando que o robot não se movia depois de
colocado num determinado ponto.
Depois de registadas no quadro negro as principais conclusões, foi proposto aos alunos
a resolução da tarefa 4.
Avaliação
Durante a realização desta tarefa foi possível observar que os alunos estavam mais
concentrados, mais predispostos a trabalhar, a partilhar e a discutir as questões, existia
mais responsabilidade e responsabilização entre eles e uma grande cooperação.
Também se registou a criatividade e persistência dos alunos na resolução dos problemas
que foram surgindo.
Os alunos demonstraram que redefiniram o seu entendimento de proporcionalidade
directa, assim como de constante de proporcionalidade directa a partir do exemplo
concreto com que se depararam. Conseguiram completar, de forma relativamente fácil,
a expressão que traduzia a situação de proporcionalidade e associaram a representação
de uma proporcionalidade directa com uma recta mas não se referiram de imediato à sua
passagem pela origem. Revelaram mais dificuldades na associação da inclinação da
recta com a constante de proporcionalidade, que ocorreu com a orientação do professor.
Síntese
O início desta tarefa revelou uma alteração na atitude dos alunos face às tarefas
anteriores. Até aqui os primeiros instantes das tarefas eram preenchidos com momentos
de exploração, brincadeira e dispersão dos alunos, mas nesta, imediatamente após a
distribuição das propostas de trabalho os alunos começaram a ler, a experimentar e a
trocar opiniões. Num dos grupos, quando um elemento ligou o robot para seu
divertimento foi prontamente repreendido pelos colegas para “parar de brincar”.
Notava-se uma grande motivação, interesse e empenho dos alunos na resolução da
tarefa. Os grupos organizaram-se de forma espontânea e a distribuição do trabalho
interno surgia do mesmo modo, e quando tal não aconteceu verificaram-se episódios em
que os colegas mais activos apelavam à ajuda e participação dos outros ou criticavam a
sua falta de participação. Nesta tarefa, de uma forma geral, o trabalho dos grupos
pautou-se pela ajuda mútua e grande cooperação. Houve mais autonomia mas por vezes
a presença do professor pareceu funcionar como catalisador da discussão entre os alunos.
Os alunos tentavam explicar os seus raciocínios e opiniões aos seus colegas e
procuravam defender as suas posições.
Desde logo se notou a agitação da aula. Os alunos trabalhavam de pé, movimentavam-
se livremente pela sala de aula, interagiam com elementos de outros grupos e
partilhavam o material disponibilizado, principalmente as fitas métricas. Também
partilhavam informação como, por exemplo, quando um grupo descobriu o comando
que fazia o robot parar imediatamente a informação foi passando de grupo em grupo, e
quando descobriram o que representava a constante de proporcionalidade neste contexto
andavam a perguntar uns aos outros qual a velocidade que tinham obtido, comparavam-
150
na e comentavam as características dos robots que estariam na base da maior ou menor
velocidade.
Perante os pequenos problemas que foram surgindo os alunos adoptaram estratégias
diferentes. Como não foi estabelecido pelo professor um ponto de partida, alguns
grupos optaram por marcar um na mesa ou no chão, com lápis ou giz, e medir a partir
daí enquanto outros usavam o início da mesa ou a parede como ponto de partida.
Também o modo como procediam à medição foi diferente e revelou criatividade. Uns
faziam o robot andar e mediam depois, outros colocavam a fita estendida por baixo do
robot e verificavam onde parava e outros prenderam a fita métrica na traseira do robot.
Um dos grupos, enquanto media no chão, registava o tempo e o espaço percorrido a giz
ao lado da fita métrica no chão da sala. Perante a dificuldade em saber o que era um
quociente, um grupo chegou mesmo a recorrer ao dicionário de Língua Portuguesa para
descobrir o seu significado. Quando verificaram que o robot não parava de imediato, a
solução mais procurada foi encontrar o comando que obrigasse o robot a travar. No
entanto um grupo sugeriu e experimentou retirar duas décimas de segundo ao tempo de
andamento do robot para compensar esse pequeno deslize.
Depois de constatarem o que era o quociente pedido e a sua importância para a situação,
relembraram facilmente a condição necessária para que se tratasse de uma
proporcionalidade directa. Trata-se de um conceito abordado em anos anteriores,
definido como uma relação constante entre duas variáveis, e como tal, o quociente de
entre elas deverá ser constante. É ensinado aos alunos que, caso um desses quocientes
não dê um valor igual a todos os outros, mesmo que aproximado, não estão perante uma
situação de proporcionalidade directa. No entanto, esta ideia está descontextualizada e
situações reais que imediatamente são reconhecidas como de proporcionalidade directa,
devido a factores externos relacionados com o contexto da experiência, aparentam não o
ser. Dos episódios transcritos é possível constatar que os alunos têm presente a ideia e
assumem claramente a identificação da situação como estando presentes duas grandezas
directamente proporcionais. Quando verificaram que os resultados obtidos nas medições
não conferiam o que anteviam teoricamente, experimentaram várias vezes até obterem
os resultados pretendidos e, na persistência da discrepância de resultados, procuraram
motivos para essas diferenças (como o facto da fita métrica estar mal esticada ou de o
robot descrever uma trajectória ligeiramente curva), nunca deixando cair a sua crença na
existência de proporcionalidade directa. Um aluno propôs medir o espaço percorrido em
1 segundo e usar esse valor para multiplicar pelo tempo pretendido evitando assim mais
complicações.
Os alunos reconheceram falhas nos seus procedimentos e o surgimento de outros
factores que influenciam o movimento do robot, como quando curva ligeiramente ou
efectuam as medições em pisos diferentes. Os alunos mostraram-se dispostos a procurar
e a analisar a origem dos “erros”. A maioria dos alunos denotaram ter mais confiança no
seus raciocínios do que propriamente nas experiências e dados obtidos a partir delas. Os
grupos que obtiveram quocientes aproximadamente iguais continuaram a afirmar que
existia proporcionalidade directa, ignorando de certo modo os dados recolhidos.
Os robots surgiram como os objectos que ajudaram a atribuir significado ao conceito de
proporcionalidade directa. Os alunos reconhecem que se o robot andar sempre com a
mesma velocidade numa trajectória rectilínea, em dois segundos conseguirá
exactamente o dobro do espaço percorrido do que num só segundo. Se, eventualmente, a
definição de proporcionalidade como a relação constante entre duas variáveis tem um
carácter abstracto para os alunos, a ideia anterior permite-lhes concretizá-la e atribuir-
151
lhe um significado facilmente compreendido, como comprova a sua persistência em não
abandonar a ideia de proporcionalidade directa.
Também foi interessante a relativa facilidade com que os alunos assumiram a constante
de proporcionalidade como a velocidade do robot e completaram a expressão analítica
que traduzia a relação entre o espaço percorrido e o tempo. Proporcionou aos alunos a
oportunidade de, a partir da noção proporcionalidade directa, descobrir uma segunda
faceta do conceito de função como a relação entre duas variáveis (a primeira reporta-se
à correspondência entre conjuntos).
A tarefa ainda proporcionou aos alunos a discussão e revisão de alguns conteúdos
leccionados em anos e até ciclos anteriores como por exemplo o algoritmo da divisão e
as fracções.
Em determinados momentos era difícil definir especificamente o local de trabalho de
cada um dos grupos. Os alunos movimentaram-se livremente pela sala de aula,
trabalharam nas mesas e/ou no chão, dado que este aspecto ficava inteiramente ao seu
critério. O âmbito de trabalho dos alunos era a totalidade da sala de aula e não apenas o
tradicional lugar sentado a uma mesa.
152
No momento de experimentarem os robots os grupos adoptaram duas estratégias
diferentes para obter os valores: uns mediram 5 cm depois do ponto de partida e
colocaram aí o robot, outros, como o grupo seguinte, optaram por colocar o robot no
ponto de partida, fazê-lo avançar e aumentar 5 cm ao resultado obtido.
Confrontada com os valores obtidos, diferentes dos sugeridos por si, T. insiste no seu
raciocínio mas S. não parece convencida e sugere que façam, pela segunda vez, todas as
medições para confirmarem os valores. Esta atitude de S. talvez esteja relacionada com
a grande disparidade entre o valor obtido e o apontado pela colega de grupo. O diálogo
termina com uma intervenção de C. que põe em causa a proporcionalidade directa
assumida por T.. Repetiram as experiências para 1 e 3 segundos e como os valores das
medições continuavam muito distantes do que propunha T. e as colegas não aceitavam
o seu raciocínio, T. resolveu chamar o professor.
T.: Professor.
[O professor aproximou-se].
T.: Professor não é como o J. disse?
Prof.: Porque fazes essa pergunta?
153
C.: Nós medimos para 3 segundos e deu 24.
T.: 3 segundos não, não deram 24. Foi 1 segundo que deu 24.
C.: Em 3 deu 43. A T. fez como o J. na aula anterior e deu 72.
Prof.: Qual é a melhor forma de tirar as dúvidas?
C.: Experimentando.
No início da tarefa surgiu a ideia (proposta por C.) que não se trataria de uma situação
de proporcionalidade directa, contestada por T. a defender que deveria haver. Talvez
porque na tarefa anterior existia proporcionalidade directa e surgiram problemas com as
medições e com os robots que os levaram a aceitar quocientes de valor aproximado,
acabaram por aceitar que também agora poderia ocorrer essa situação, apesar das
grandes discrepâncias nos valores dos quocientes. No entanto, refira-se que S. não se
mostrou convicta da posição da colega e aceitou a sua proposta porque esta se mostrava
irredutível e contestava os resultados que obtinham com o robot. Note-se também que
C., responsável pela sugestão de que não se trataria de uma proporcionalidade directa,
não participou neste diálogo e manteve-se a observar as colegas.
Esta situação só foi esclarecida quando o professor se aproximou por ter constatado
alguma tensão e elevar da voz entre os elementos do grupo.
154
Prof.: E tu T.?
[T. não respondeu].
Prof.: Então se a maioria do grupo pensava que não porque optaram por estes cálculos?
155
Todos.: Este.
Prof.: Onde há intersecção entre a recta e o eixo das ordenadas?
C.: Em 5.
Os alunos pediram explicitamente ao professor para lhes explicar a questão que depois
de o professor ler pausadamente compreenderam imediatamente. Foram à tabela
numérica e calcularam os novos valores. Seguidamente, representaram a nova recta no
mesmo referencial e fizeram questão de o mostrar e explicar ao professor.
H.: Professor, fizemos todos os pontos menos 5. Ao valor que obtivemos tiramos 5 e
fizemos uma recta nova.
S.: Expressão analítica é assim. É isto [espaço percorrido] vezes isto [tempo].
T.: Do ponto de partida…
S.: Vê no gráfico. 24 e depois 42….
T.: Chega. É e = 24 × t . Não é. É 19.
C.: Aqui é 19.
S.: Pois, e = 19 × t .
T.: Fácil. Se partisse 5 à frente é e = 24 × t .
T.: E agora atrás 20 do ponto de partida…
S.: Aiii….
C.: e = 20 × t
T.: Mas não é do ponto 20. É atrás 20.
C.: Ora bem, 19 menos 20 dá -1.
156
[Escreveram y = −1x ].
157
Ri.: 45.
Prof.: Que nome dás a essa ideia que estão a utilizar?
Ri.: É a proporcionalidade directa da outra aula. Devia ser… mas não está a dar. 1 segundo
dá 19, vezes 3 dá 57 e como é que só dá 45?
[Silêncio].
H.: Já percebi. Aqui no primeiro dá 19 mas tem mais cinco que da partida e não podes
multiplicar. Não sai da partida.
[Silêncio].
H.: Vamos experimentar outra vez.
[E programaram e experimentaram]
Ri.: 1 segundo, 19.
H.: Vê. 19 tem 5 cm a mais.
Ri.: 1 segundo é 19. Então 2 segundo deve dar 38.
H.: Não pode ser assim. Os 19 já têm os 5 e mais 19 volta a ter os cinco e não pode ser. O 5
já está contado. Estás a contá-lo duas vezes.
Tal como nos grupos da outra turma, os alunos assumiram que estariam perante
grandezas directamente proporcionais e realizaram os devidos cálculos para
compararem com as medições efectuadas. Mas, neste grupo, H. percebeu a razão pela
qual os colegas não poderiam realizar esse tipo de raciocínio e tentou explicar-lhes.
Como não foi bem sucedido, experimentaram de novo e perante a insistência do colega
em realizar cálculos de proporcionalidade directa (“1 é 19 então 2 deve dar 38”)
explica-lhes claramente que ao adicionar 19 com 19 estão a contabilizar duas vezes o
avanço inicial de 5 cm, quando na experiência apenas ocorre uma só vez.
Tal como nas tarefas anteriores, os alunos movimentavam-se pela sala de aula e era
possível observar grupos a trabalhar no chão da sala. Num dos grupos que o fazia era
possível observar a participação de todos os elementos. O trabalho era partilhado: um
segurava a fita e confirmava os valores obtidos, outro apontava os valores obtidos com
o giz no chão e o último programava e transportava o robot. Este grupo registou 46, 120
e 253 cm, depois alterado para 254 cm.
Todos os grupos conseguiram construir o gráfico com os pontos registados e obtiveram
uma recta, ou aproximadamente uma recta. No entanto um dos grupos verificou que os
pontos estavam desalinhados.
158
[Depois uniram os pontos].
Ri.: Os pontos estão alinhados com a origem? Sim?
H.: Não.
T.: Não estão.
Ri.: Não estão?
H.: Então verifica.
[E traçaram a recta que passava pelos três pontos].
Ri.: Em que eixo a recta intersecta o eixo das ordenadas? [Questão 1.5].
[Fez-se silêncio e recorreram ao caderno]
Ri.: Eixo das ordenadas é este. Uns 5.
H.: Não, uns 8. É mais ou menos no meio.
T.: Eu voto no 8.
Perante a maioria que opinava 8, optaram por responder 8. Na questão seguinte (1.6),
mesmo depois de lerem duas vezes, não a conseguiam compreender. A questão que
pedia que imaginassem e traçassem, no mesmo referencial, a função para o caso do
robot ter saído do ponto de partida. Perante as dificuldades persistentes e a falta de
sugestões, os elementos do grupo ficaram a olhar uns para os outros. O professor
apercebeu-se da situação e, depois de algum tempo, resolveu intervir.
159
“Concluímos que se o robot partir do 5 cm depois a recta não passa no ponto da origem.
Mas se o robot partir do início já passa no ponto da origem”
Ri.: Fica x = 14 y.
H.: Não, o 14 é do lado do x. Fica y = 14x.
160
Após a conclusão da tarefa, para revisão e consolidação dos conteúdos abordados e sua
aplicação a outras situações, foi realizada a segunda ficha de trabalho (anexo 10) nos
dois blocos de 90 minutos. Esta ficha de trabalho sem os robots teve um duplo objectivo:
verificar se os alunos aprenderam os conceitos e proporcionar-lhes a oportunidade de
contactarem com os aspectos mais algébricos relacionados com as funções,
nomeadamente, o cálculo da imagem de determinado objecto a partir da expressão
analítica e a resolução de equações simples em que se pretende determinar o objecto
conhecida a imagem. A sua correcção foi realizada pelos alunos. Ficou a seu cargo a
leitura, discussão e registo no quadro negro das respostas que foram apresentadas.
As reacções dos alunos foram muito positivas e não revelaram dificuldades de maior
para resolver a ficha de trabalho. A resolução da ficha limitou-se à partilha de respostas
e registo das conclusões no quadro negro. No final ouvia-se os alunos dizerem que isto
era fácil e que se o teste fosse assim iriam tirar “boa nota”.
Avaliação
Síntese
161
directa. Os alunos experimentaram os robots em diversos locais (chão, mesas e em
mesas unidas) e alguns grupos experimentaram em mais do que um.
Os alunos adoptaram estratégias diferentes para a realização das medições. Uns optaram
por adiantar o robot 5 cm e colocaram-no posteriormente em movimento, enquanto
outros preferiram que o robot partisse do ponto de partida e depois adicionavam 5 cm à
distância obtida. Houve grupos que prenderam a fita métrica na parte de trás do robot
para depois verem a medida no início da mesa que consideravam como o ponto de
partida.
Também se verificaram aspectos interessantes quanto à dinâmica de grupo. Os alunos
surgem nesta tarefa com mais apetência para a cooperação e para o trabalho em grupo.
Se nuns a coordenação não precisava de ser negociada ou estabelecida, surgindo
espontaneamente, noutros discutiam-se todas as questões e quando a resposta lhes
parecia evidente procuravam sempre partilhá-la com os colegas e obter a sua opinião e
concordância, por vezes manifestada através de pequenos gestos.
É possível constatar episódios em que os alunos tentam explicar aos pares os seus
raciocínios. Foi o caso do aluno que compreendeu porque estavam numa situação que
não era de proporcionalidade directa e tentou, mais do que uma vez, explicar aos
colegas essa razão. Como os seus colegas teimavam em não compreender, o aluno pediu
para voltarem a realizar as experiências com os robots para realçar e demonstrar esse
raciocínio.
Não raras vezes, os alunos chamavam o professor propositadamente para lhe explicar o
raciocínio que tinham feito no grupo e mostrarem os resultados.
Atrás foram descritas duas situações de discussão em grupo muito semelhantes, mas que
tiveram epílogos distintos. Num primeiro grupo de três elementos, uma aluna antecipou
que não estariam perante uma situação de proporcionalidade directa e foi apoiada por
uma colega e contrariada por outra. Apesar da maioria dentro do grupo e das evidências
das medições a teoria proposta pela aluna foi “vencida” pela colega que pensava
contrariamente. Num segundo grupo, quando decidiam qual o valor da ordenada na
origem os alunos efectuaram uma espécie de votação espontânea que determinou que o
resultado a registar seria o da maioria.
Nesta tarefa foi possível constatar algumas dificuldades dos alunos em compreenderem
plenamente as questões apresentadas como demonstra a situação em que o professor
com a simples leitura pausada foi o suficiente para que os alunos iniciassem uma
discussão que os conduziu à solução.
Na turma 2 todos os grupos referiram que a situação não era de proporcionalidade
directa porque os quocientes (espaço percorrido/tempo) deram valores muito afastados.
Dois grupos da turma 1 aprofundaram mais a questão, e além de referirem os quocientes
diferentes, justificaram que a proporcionalidade directa não ocorria devido ao avanço
inicial que proporcionavam ao robot.
As intervenções do professor originaram discussões que resultaram em descobertas
(como foi o caso das escalas mal estabelecidas e a razão porque não era
proporcionalidade directa). O professor limitava-se a apoiar os grupos através de
sugestões ou da formulação de questões.
Pela primeira vez, desde o início das tarefas propostas com os robots, era possível
observar alguns alunos que começavam a manifestar cansaço e a dispersar por assuntos
não relacionados com a proposta de trabalho, apesar da maioria continuar interessada e
motivada.
162
O principal objectivo desta tarefa, a construção de novos conhecimentos a partir de
conhecimentos anteriores, foi atingido satisfatoriamente na maioria dos grupos. Apesar
dos alunos terem revelado dificuldades nas expressões analíticas das funções afim, a
situação criada e o estudo prévio realizado pelos alunos permitiu, em grande grupo,
formalizar a função afim e fazer com que os alunos atribuíssem um significado muito
próximo ao atribuído na matemática a este tipo de funções.
Todos estes aspectos parecem evidenciar que os alunos estiveram a trabalhar ao
nível do desenvolvimento de competências nomeadamente ao nível do raciocínio e do
pensamento matemático (quando decidiam se se tratava de uma proporcionalidade
directa ou não e devida justificação), de representação das entidades matemáticas (neste
caso de funções lineares e afim), de comunicação (com os colegas e com o professor), e
em instrumentos e acessórios (usaram os robots e acessórios de uma forma reflectida e
estabeleceram relações com a Matemática).
Por fim, foi aplicado um teste em duas fases (anexo 11) num bloco de 90 minutos.
Nesse bloco decorreu a primeira fase, em que os alunos resolveram o teste de avaliação
na sala de aula sem qualquer auxílio. Posteriormente a uma primeira correcção com
comentários e sugestões do professor às respostas apresentadas, os alunos dispuseram
de uma semana para rever, explorar e aprofundar as suas respostas que foram sujeitas a
nova correcção e avaliação.
Os resultados foram muito positivos. De um ponto de vista quantitativo registou-se,
ainda na primeira fase, uma melhoria significativa dos resultados. As classificações
positivas habitualmente confinadas ao intervalo 50 a 60%, subiu para os 75% na
primeira fase e posteriormente, com a segunda fase, para os 87%.
A generalidade dos alunos identificou correctamente o gráfico (questão 1) que
representava uma função e justificou adequadamente. A minoria que não o fez na
primeira fase fê-lo correctamente na segunda.
As questões 2 e 4 que sugeria uma situação de proporcionalidade directa e um gráfico
de tempo versus distância, respectivamente, registaram um índice de acerto elevado
logo na primeira fase. Na questão 2 os alunos mostraram-se bastante à vontade a
responder a questões relativas ao domínio, contradomínio, objectos, imagens, variáveis
dependentes e independentes, e expressão analítica. Em todas alíneas se verificou que os
alunos tiveram em geral o cuidado de utilizar os termos e simbologia associado às
funções. Por exemplo, quando lhes foi solicitado que indicassem a imagem do objecto
20, apesar de o professor aceitar simplesmente 80, a maioria dos alunos respondeu
f ( 20) = 80 . Também conseguiram justificar satisfatoriamente que a situação se tratava
de uma proporcionalidade directa, ou através dos quocientes entre os valores da tabela
ou através da representação gráfica da situação. O sucesso da questão 4 está certamente
relacionado com a semelhança ao trabalho que desenvolveram nas tarefas.
Na questão 3 a generalidade dos alunos realizou correctamente as representações
gráficas mas revelaram alguma dificuldade em resolver a equação f ( x) = 13
( f ( x) = −3 x + 1 ).
Os alunos revelaram bastantes dificuldades na questão 5. Esta era a questão com
carácter mais aberto e propícia a discussão e exploração posterior, isto é, na segunda
163
fase. E de facto foi isso que aconteceu. Na primeira fase as respostas foram erradas ou
manifestamente incompletas, que surgiram melhoradas e mais ponderadas na segunda
fase, como o exemplo que se segue. Na primeira fase este aluno apenas referiu que a
primeira função era constante e não apresentou a expressão analítica. Os restantes
gráficos ficaram sem resposta. Na segunda fase o aluno sugeriu as seguintes respostas
(Figura 25):
164
Capítulo 5
CONCLUSÕES
Neste capítulo, depois de recordar o problema e as questões que orientaram este
estudo, são apresentadas e discutidas algumas conclusões que entendemos poder inferir
da investigação. Seguem-se algumas recomendações relacionadas com a temática do
estudo e, a finalizar, é feita uma reflexão final acerca da investigação realizada no que
concerne as suas influências na minha prática enquanto professor de Matemática.
Esta investigação tinha como objectivo descrever, analisar e compreender como é
que os alunos aprendem matemática tendo os robots como elementos mediadores entre
o aluno e a Matemática. Para tal, formulou-se as seguintes questões: (1) Qual o papel
dos robots na resolução de problemas matemáticos envolvendo funções? (2) Como é
que os alunos aprendem funções (no 8º ano) utilizando os robots? (3) Como é que os
robots podem ajudar a desenvolver a representação de saberes matemáticos? (4) Qual o papel
dos robots no desenvolvimento de competência matemática nos alunos?
165
A descoberta por tentativa e erro foi uma característica comum a todos os grupos,
em todas as tarefas, como comprovam as constantes experiências. Tal como
preconizado pelo NTCM (2000) e por Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999), o erro foi
determinante no desenvolvimento do trabalho dos alunos, dado que se mostraram
dispostos a procurar e a analisar a origem desses “erros” ou discrepâncias que foram
surgindo entre os seus raciocínios e os resultados das experiências (em todas as tarefas).
Assim, demonstraram espírito crítico e de análise, não aceitando facilmente as soluções
propostas e tentando encontrar outras alternativas. Parecem ter adoptado como método a
análise ou retrospectiva da resolução realizada (se o problema foi resolvido ou não e se
a estratégia foi adequada), isto é, uma prática reflexiva da resolução de problemas.
Nos pequenos problemas que foram surgindo ao longo das tarefas, os alunos
adoptaram estratégias de trabalho e resolução diferentes (tarefas 0, 2 e 3). Repetiam
inúmeras vezes as experiências com os robots para se certificarem dos resultados
obtidos ou simplesmente para tirar dúvidas. Os modos como realizaram as medições
foram verdadeiros exercícios de persistência e criatividade (tarefas 2, 3 e 4).
Quando os grupos se deparavam com problemas para os quais não tinham
qualquer ideia ou sugestão de resolução, não raras vezes, procuraram informação junto
de outros grupos. A partilha de informação, de estratégias de resolução e a comparação
de resultados foi uma constante em todas as tarefas.
Quando os alunos conseguiam concluir a tarefa ou resolver problemas que se
afiguravam como difíceis era visível a sua satisfação, manifestada perante os colegas de
grupo e, outras vezes, partilhada com os grupos vizinhos (tarefa 2). Este facto sugere
que estes episódios aumentam a sua confiança a ponto de procurarem partilhar e mostrar
as suas descobertas aos colegas de outros grupos.
Na primeira tarefa os alunos revelaram-se muito tímidos, inseguros e relutantes
em iniciar a sua resolução e ficaram na expectativa do auxílio exterior, também devido
às dificuldades de interpretação das questões. Estas dificuldades iniciais repetiram-se
frequentemente nas tarefas seguintes, ultrapassadas pela explicação e orientação do
professor ou discussão da interpretação a dar à questão e delineamento do trabalho
subsequente, na ausência do anterior. Se inicialmente os alunos pareciam muito
dependentes da presença do professor para interpretarem as questões e validar as suas
propostas de resolução e soluções, começaram gradualmente a voltar-se para os grupos,
onde discutiam e aprovavam todas as propostas. As mais controversas foram fortemente
debatidas e, na falta de um consenso, as decisões foram tomadas por maioria. As
situações, questões ou problemas que se revelavam de resolução rápida e fácil eram
respondidas em voz alta para validação por parte dos colegas. Não obstante este
desenvolvimento, os alunos continuaram a insistir em mostrar os seus resultados ao
professor, mesmo quando o seu trabalho estava destinado a correcção escrita posterior
(tarefas 2).
A utilização dos robots parece ter despertado o interesse, curiosidade e sentido de
desafio destes alunos. A sua actuação pautou-se pela grande actividade, motivação e
persistência na resolução dos problemas apresentados. Os dados parecem sugerir que os
alunos tiveram uma evolução na adopção de estratégias adequadas à resolução de
problemas e à tomada de decisões acerca dos procedimentos e resultados a apresentar.
Também sugere que a sua predisposição para procurar entender a estrutura de um
problema e a sua aptidão para desenvolver processos de resolução, de analisar os erros
cometidos, de ensaiar estratégias alternativas e procurar novas soluções foi
desenvolvido.
166
As respostas registadas no inquérito realizado no final das tarefas denotam que os
próprios alunos notaram e sentiram o seu desenvolvimento e reconhecem alguns dos
processos adoptados para resolver problemas. Observaram-se respostas como as
seguintes: “Achei interessante, diferente e muito bem pensado. Fez as nossas cabeças
pensar e descobrir por nós próprios e resolver problemas”; “Gostei de resolver
problemas com os robots”; “Tivemos de pensar muito e com a ajuda dos robots às vezes
surgiam-nos ideias para os problemas e experimentavamos tudo para ver se
descobríamos a solução do problema”.
167
termos e simbologia específicos das funções foram usados com propriedade e alguma
frequência, principalmente nos registos escritos, como comprovado ao longo das aulas e
no teste de avaliação. Os termos correspondência e função tomaram um papel central na
linguagem dos alunos.
Em suma, pode dizer-se que o conceito de função foi apreendido de forma
significativa para estes alunos. A definição de função emergiu como uma conclusão do
trabalho realizado e não como um ponto de partida (Fernandes, Fermé e Oliveira, 2006,
2007). A par da compreensão do conceito de função, há a destacar o desenvolvimento
por parte dos alunos da sensibilidade para entender o uso de funções como modelos
matemáticos de situações do mundo real, em particular nos casos em que traduzem
relações de proporcionalidade directa.
168
representações, de aferir relações entre elas e proceder à mobilização de informação de
umas para as outras (Ministério da Educação, 2001).
Optou-se por uma introdução do conceito realizado a partir de uma situação
intuitiva e informal que passasse pela exploração e representação de uma situação real,
concreta, através de gráficos e diagramas, seguindo-se explorações a partir de tabelas de
valores, isto é uma aproximação de carácter numérico indicada por autores como
Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) e Ponte (1992). Seguiu-se a definição de variável
dependente e variável independente e, só posteriormente, surgiram as expressões
analíticas e, por associação, a ideia de correspondência entre duas variáveis.
Este percurso realizado pelos alunos na aprendizagem do conceito de função e das
suas representações relembra significativamente a sua evolução histórica: desde as
primeiras tabelas de valores na Babilónia, da tábua de cordas do Almagesto de
Ptolomeu em que surge “a relação que associa os elementos de um conjunto de números
com elementos de outro conjunto” (O'Pedersen, 1974, p.36, citado em Youschkevitch,
1976, p.42), à correspondência entre dois conjuntos de Galileu, à variável dependente e
variável independente de Oresme e Newton, à expressão analítica de Bernoulli e Euler,
até à ideia de correspondência entre duas variáveis de Fourier.
Outro aspecto que ressalta da evolução história do conceito está relacionado com a
sua identificação com a expressão analítica. Procurou-se que os alunos não
confundissem o conceito com uma das suas representações, nomeadamente com a
expressão analítica, como ocorreu durante muito tempo depois da definição de função
proposta por Euler, tendo surgido no trabalho dos alunos apenas como uma necessidade
de estabelecer uma relação entre as duas variáveis em questão e não com o propósito de
definir função.
O trabalho realizado com os robots proporcionou aos alunos o desenvolvimento
da compreensão do conceito de função e das facetas que pode apresentar, como
correspondência entre conjuntos e como relação entre variáveis. As tarefas
desenvolvidas mostraram que os alunos foram capazes de representar as relações
funcionais de vários modos e passar de uns tipos de representação para outros, usando
tabelas, gráficos e expressões algébricas, apesar de demonstrarem alguma dificuldade na
sua manipulação das últimas como foi possível constatar na segunda ficha de trabalho e
no teste de avaliação.
169
dos processos como um todo em termos de informação inicial e resultado final foi
significativamente atingida pela maioria dos alunos. Os alunos demonstraram que
conseguiam pensar na função como um todo, isto é, não recorriam a aspectos
particulares da função para justificar que o era. Esta fase também se traduz pela
capacidade de investigação de funções, realizada com resultados satisfatórios na tarefa 2,
e de desenhar gráficos de funções, que foi observado em todas as tarefas.
Eventualmente, apenas dois alunos poderão ter atingido a reificação do conceito,
aproximando-se da concepção estrutural, em que este surge como uma estrutura estática,
um objecto real e manipulável (Sfard, 1991, em Mourão, 2002). Esta ideia provém do
facto destes alunos não evidenciarem nenhum dos aspectos apontados por Sfard como
indicadores da não reificação do conceito, nomeadamente dificuldades em lidar com a
função constante, relutância em aceitar “correspondências arbitrárias” como funções, e
tendência para identificar o conceito com uma das suas representações. Sfard refere que
o processo de passagem de uma concepção para outra é longo e difícil e como tal não
será de estranhar que apenas dois alunos o tenham conseguido realizar.
Se considerarmos o modelo de construção apontado por Wilson (2001) podemos
afirmar que os alunos, nesta investigação, evidenciaram aspectos de três estádios:
expressão, acção e processo. No primeiro campo perceptual (primeiro estádio), referente
à percepção da função como uma expressão, os alunos mostraram-se capazes de
efectuar operações e aplicar um algoritmo na construção de um gráfico, mas não
demonstram encarar a função como uma fórmula, equação ou expressão algébrica. No
segundo campo, em que a função é uma acção, os alunos foram capazes de substituir
uma variável por números e realizar cálculos com o intuito de obter valores numéricos
(demonstrado nas fichas de trabalho e no teste de avaliação), forma capazes de
identificar as variáveis independentes e dependentes. No terceiro campo, no qual a
função é vista como um processo os alunos demonstraram ser capazes de pensar em
tomar um valor e transformá-lo noutro, de compreender a relação entre as variáveis
dependentes e independentes assim como as relações entre as diferentes formas de
representação da função.
170
isto é, para explorar situações problemáticas e pensar de maneira lógica. Ocorreram
diversas situações em que os alunos perante a possibilidade de optarem pelos seus
raciocínios ou pelos resultados das experiências, escolheram a primeira opção,
valorizando os seus raciocínios matemáticos. Também deixaram de recorrer
frequentemente ao professor para validar as suas conclusões ou respostas, denotando
que começaram a reconhecer que a validade de um raciocínio ou de uma afirmação está
relacionada com a consistência da argumentação lógica que conseguiam produzir e não
com alguma autoridade exterior.
Associado ao desenvolvimento do raciocínio matemático surgiu o
desenvolvimento dos modos matemáticos de pensamento. Os alunos contactaram e
demonstraram “dominar” o uso do conceito de função, ou seja, de entender e lidar com
os propósitos e limitações do conceito. Também conseguiram, ainda que de uma forma
simples e intuitiva, abstrair conceitos como foi o caso do conceito de função.
O tipo de trabalho desenvolvido em grupo sugeria a partilha e a discussão como
elemento essencial para o trabalho e para a aprendizagem. Na base desse trabalho está a
comunicação e a crescente necessidade que se foi criando no seio dos grupos de
comunicarem as suas ideias matemáticas ou que envolviam termos e conceitos
matemáticos, proporcionando-lhes o desenvolvimento de competências ao nível da
comunicação.
Os alunos foram confrontados com a necessidade de compreender, examinar e
interpretar textos escritos e expressões matemáticas e de se expressarem com algum
rigor e precisão de diferentes modos, (por exemplo, na descrição das viagens dos robots
ou na construção e interpretação das tabelas de valores, diagramas, representações
gráficas das funções e expressões analíticas). Este aspecto concerne à aptidão para
discutir com os outros e partilhar as suas descobertas, ideias e sugestões através de uma
linguagem, escrita ou oral, adequadas à situação.
Os alunos assimilaram e compreenderam rapidamente a simbologia característica
das funções, certamente porque surgiu como resultante de uma necessidade e de
reconhecida utilidade pelos alunos. Isto significa que os alunos trabalharam a sua
competência ao nível da simbologia e do formalismo que se traduz na aptidão para
manejar a linguagem e os sistemas formais da matemática (Niss, 2006). Os alunos
revelaram-se capazes de compreender e aplicar a linguagem matemática formal
associada às funções.
Durante a resolução das tarefas propostas os alunos fizeram uso de diversos
instrumentos ou materiais que foram parte integrante e fundamental desse trabalho
(robots, computadores, fitas métricas). Tratam-se de instrumentos e acessórios que os
alunos foram aprendendo a manipular e ganhando grande aptidão e propensão para a
sua utilização, a partir dos quais foram estabelecidas relações com aspectos da
Matemática. Os alunos tomaram conhecimento da existência e das propriedades de
diferentes instrumentos e de acessórios importantes para a actividade matemática,
nomeadamente a que eles desenvolveram, tendo noção das capacidades e limitações dos
instrumentos utilizados (como por exemplo dos robots), de modo a usá-los de forma
eficaz, adequada e reflectida.
Os alunos tiveram a oportunidade de inferirem as expressões analíticas das
situações reais verificadas com os robots, nos casos em que havia uma
proporcionalidade directa e que se tratava de uma função linear, ou seja, procuraram e
analisaram modelos matemáticos simples.
171
Além destas competências, a análise dos dados sugere claramente que os alunos
desenvolveram competência ao nível da cooperação (Fernandes, Fermé e Oliveira,
2007). Se na fase inicial o trabalho era essencialmente individual, com o decorrer das
tarefas o trabalho de grupo pautou-se pela partilha, divisão de tarefas, discussão de
propostas e validação de respostas. O fenómeno da cooperação ocorreu inclusivamente
entre os grupos, que não hesitavam em partilhar descobertas e comparar resultados e
soluções.
Em suma, estes alunos estiveram a trabalhar ao nível do desenvolvimento de
competências nomeadamente, e de acordo com Niss (2006), competência em
pensamento matemático, competência no tratamento de problemas que envolve a
formulação e resolução de problemas matemáticos, competência de raciocínio
matemático, que implica estar apto a raciocinar matematicamente, competência em
instrumentos e acessórios que implica estar apto a fazer uso e estabelecer relações com
instrumentos e acessórios matemáticos (neste caso concreto todos os artefactos usados
na aula de matemática), competência de comunicação que envolve a comunicação em,
com e sobre a matemática, competência de representação se supõe que o aluno esteja
apto a manusear diferentes representações de entidades matemáticas (os alunos
conseguiam entender e explicitar as relações entre representações diferentes de uma
mesma função) e competência de cooperação.
Não podemos dizer que com este trabalho os alunos se tornaram matematicamente
competentes porque a competência matemática não é algo que se desenvolva num
conjunto de aulas e desenvolver competências exige tempo, continuidade do trabalho e
envolvimento dos alunos em situações apropriadas. Mas podemos certamente afirmar
que a metodologia de trabalho adoptada para o estudo de funções utilizando os robots
como elementos mediadores da aprendizagem é um bom caminho para o
desenvolvimento de competências matemáticas nos alunos (Fernandes, Fermé e Oliveira,
2007).
5.4. Recomendações
172
“Aprendi matérias novas e recordei matérias anteriores”; “Ajudaram a compreender
melhor a matéria”; “Foi muito bom porque não pensava só, tinha os colegas do meu
grupo para me ajudarem e acho que assim aprendemos com mais facilidade”;
“Experiência muito divertidas e a matéria tornou-se mais fácil”; “Gosto de aprender a
brincar e foi isso que aconteceu”.
Todavia, na última proposta de trabalho era possível observar, pela primeira vez,
alguns alunos que manifestavam cansaço, desconcentrados e a dispersar mais facilmente
por assuntos extra-aula. A este acontecimento não deve ser alheio o facto de as tarefas
virem a ser aplicadas de forma ininterrupta, começando a banalizar-se e a tornar-se
rotineiras, sucedendo o mesmo que com qualquer outro tipo de tarefas, demonstrando a
importância da diversificação dos métodos de ensino.
Normalmente este tipo de tarefas são bem recebidas pelos professores mas teimam
em não aplicá-las, talvez por falta de confiança ou devido ao facto das suas
características contrastarem com a aula tradicional de matemática. Também é certo que
se tratam de materiais muito improváveis na escola, mesmo num futuro próximo, mas a
questão principal redunda não nos materiais utilizados mas no tipo de tarefas que se
propõem aos alunos e no tipo de situações de aprendizagem que um professor está
disposto a preparar e a experimentar. A aplicação da metodologia decorrente do tipo de
tarefas desenvolvido, o ambiente de aula criado e a actividade desenvolvida pelos
alunos, matemática e não matemática, contrastam abertamente com as características da
aula tradicional. Quando confrontados com este género de factos, os professores
justificam-se, geralmente, com o cumprimento do programa, relegando para último
plano o desenvolvimento de competências matemáticas, quando é aceite que este último
é um dos principais objectivos da educação matemática.
Na pesquisa e preparação efectuados no campo teórico deste trabalho, quando se
tratou do resumir algumas investigações já efectuadas neste âmbito, ficou patente a
grande propensão destes materiais para o desenvolvimento de projectos, em contexto de
aula ou extra aula (Limkilde, 2000; Miglino, Lund e Cardaci, 2000; Chella, 2002;
Colorado 2003a). Seria interessante aplicar e estudar a metodologia de projecto
utilizando os robots, principalmente se se tratasse de um projecto interdisciplinar da
Matemática com outras disciplinas como a Informática, a Física ou as Arte Visuais e
Tecnológicas. Este tipo de trabalho permitiria aos alunos um maior contacto com os
robots, permitindo-lhes potenciar as suas capacidades desde logo na construção com a
idealização do robot mais adequado e capaz para determinada tarefa.
Ainda no que concerne a possíveis futuras investigações, perante as conclusões
que emergiram deste estudo, fica de imediato a ideia de estender a presente investigação
a outras áreas da Matemática e em diferentes anos de escolaridade, nomeadamente à
geometria, à trigonometria ou às secções cónicas, estas duas últimas já apontadas, a par
das funções lineares, como investigações com grande interesse por Limkilde (2000).
Existem ainda outras áreas que não constam explicitamente dos programas do ensino
básico ou secundário que se afiguram como promissoras para realização de
investigações desta natureza como a lógica ou a introdução aos algoritmos.
173
obrigatoriamente, numa experiência única e enriquecedora para o professor. Promove a
reflexão acerca das suas práticas lectivas, essencialmente as de cariz metodológico,
impulsionando o seu desenvolvimento integral enquanto agente educativo.
Do ponto de vista do professor (investigador), a investigação realizada encetou
uma série de factores que Niss (2006) resume como um conjunto de competências que
devem estar associadas à prática de um professor de Matemática: competência em
currículos, competência pedagógica, competência na detecção de aprendizagem,
competência na avaliação, competência de colaboração e competência de
desenvolvimento profissional.
A competência em currículos pressupõe a capacidade de entender, analisar, avaliar
e implementar os currículos da Matemática e a competência pedagógica refere-se às
habilidades de propor, planear, organizar e realizar o ensino da Matemática, criar
situações de ensino/aprendizagem e seleccionar, descobrir e avaliar materiais
pedagógicos. Nestas enquadra-se a preparação e elaboração das tarefas com “novos”
materiais pedagógicos, no caso, os robots, e posterior avaliação das suas potencialidades
como material pedagógico no tema em questão.
Os registos e as observações realizados das tarefas propostas, a análise e descrição
detalhada da actividade desenvolvida pelos alunos e a tentativa de compreensão dos
seus comportamentos, percepções e experiências, integram-se no desenvolvimento da
competência na detecção de aprendizagem, que, segundo Niss (2006), diz respeito às
capacidades de descobrir, analisar e interpretar a aprendizagem dos alunos e determinar
o desenvolvimento e progressos de cada um.
A competência na avaliação concerne à identificação, avaliação, caracterização e
comunicação dos resultados da aprendizagem e das competências dos alunos,
informando e ajudando-os individualmente, também incluindo o conhecimento,
selecção, construção, análise crítica e implementação de diferentes formas e
instrumentos de avaliação. Após a preparação e elaboração das tarefas tornou-se claro
que a avaliação tradicional, o típico teste escrito de tempo limitado, não estaria de
acordo com a sequência de aprendizagens pretendidas.
Este tipo de investigação só é possível com a anuência dos encarregados de
educação dos alunos e a colaboração de colegas, da Direcção Executiva e,
inclusivamente, do técnico de informática e outros auxiliares da escola, integrando a
denominada competência de colaboração, definida como a capacidade de colaboração
do professor com os colegas e outros intervenientes no processo educacional.
Por fim, a competência de desenvolvimento profissional traduz-se na capacidade
de desenvolver a própria competência como professor de Matemática “participando de
actividades de desenvolvimento profissional, tais como cursos em serviço, pesquisa e
desenvolvimento em projectos e conferências; reflectir sobre o seu próprio ensino e
necessidade de desenvolvimento; manter-se actualizado sobre novos desenvolvimentos
e tendências na pesquisa e na prática” (Niss, 2006, p. 40). No meu entendimento, esta
poderia constar de uma definição de Mestrado em Matemática com especialização para
o Ensino.
Todavia, não se pretende afirmar que a realização deste trabalho se traduziu na
aquisição plena destas competências por parte do professor, mas, certamente, contribuiu
de forma muito relevante para o desenvolvimento de cada um dos aspectos sugeridos e,
consequentemente, para o desenvolvimento destas.
174
175
Referências
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NCTM. (1994). Normas profissionais para o ensino da Matemática. Lisboa: APM e IIE.
(Trabalho original em inglês, publicado em 1991).
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Zilli, S. R. (2004). A Robótica Educacional no Ensino Fundamental: Perspectivas e
Prática. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção. Universidade
Federal de Santa Catarina: Florianópolis.
183
Anexos
Anexo 1
Ex.ª autorização para proceder ao registo áudio e vídeo de algumas aulas de Matemática
segundas-feiras – das 8:15 às 11:35 - e quartas-feiras - das 8:15 às 9:45 e das 11:45 às
13:20). Os registos de áudio e vídeo visam a obtenção de dados num estudo relacionado
com a utilização de estratégias baseadas nas novas tecnologias, nomeadamente a robótica, que
Pede deferimento
(Rui Oliveira)
Anexo 2
Atenciosamente,
”Tarefa Introdutória”
Departamento de Matemática
e Engenharias
DROIDE
2ª Parte
Tarefas
Agora que construíram o vosso robot Tanque, devem programá-lo de forma que cumpra
correctamente as tarefas propostas. Para tal, devem usar o ambiente de programação RCX
Code que dispõem no vosso computador e que vos permite comunicar com o robot.
Para acederem ao ambiente de programação RCX Code devem seguir os seguintes passos:
1. Fazer um duplo clique em Robotics Invention System 2.0;
2. Optar por Run;
3. Seleccionar a opção Tarefa e clicar em Enter;
4. Entrar em Program;
5. Seleccionar Pick A Robot;
6. Seleccionar O Tanque e clicar em Program This Robot;
Tarefa 1
Sim.
Sim.
Na próxima semana, quando estiveres com os teus colegas, vais descrever esta experiência.
Conta-nos o que lhes dirás (o que aprenderam, o que gostaram mais, o que gostaram menos,
o que correu melhor, o que correu pior e sugestões para ajudar-nos a melhorar as tarefas, etc.)
Tarefa 0 – “Revisões”
ESCOLA BÁSICA DO 2º E 3º CICLOS DO CANIÇAL
MATEMÁTICA – 2005/06
Capítulo: Funções
Revisões
Referencial cartesiano
Quadrantes
Cada uma das quatro partes em que o plano fica dividido pelos eixos cartesianos
chama-se quadrante.
Coordenadas de um ponto
A cada ponto do plano corresponde um par de valores (x;y) que se designam por
coordenadas, onde x é a abcissa e y a ordenada.
Tarefa 0
1. Na cartolina desenhem um referencial cartesiano.
2.2. O vosso robot tem acoplado um lápis que traçará na cartolina a sua trajectória.
Programem o vosso robot de forma que desenhe a figura a partir do referencial
anteriormente desenhado. O ponto de partida do robot deverá ser a origem do
referencial cartesiano.
Anexo 5
Tarefa 1
Pedro
João
Estudem os
gráficos
apresentados pelo
Pedro e pelo João.
Descrevam a viagem
do robot
relativamente à sua
distância ao ponto de
partida (não é necessário indicar valores da distância).
Tentem programar o robot de forma que realize as viagens
propostas. Experimentem e, se possível, confirmem os resultados.
Escrevam os programas que eventualmente construíram.
0. .
2. .5
4. .
6. .
10. .
12.
14.
16.
0. .
2. .5
4. .
6. .
9. .
12.
14.
15.
Completa os espaços:
O robot iniciou a viagem do ponto de partida (a distância é 0). Qual foi a maior
distância a que o robot esteve do ponto de partida?
Consegues determinar o contradomínio desta função?
Anexo 6
Ficha de trabalho – I
ESCOLA BÁSICA DO 2º E 3º CICLOS DO CANIÇAL
MATEMÁTICA – 2005/06
Ficha de Trabalho
2.2. Completa:
2.2.1. f ( 4) = ____ .
2.2.2. f (____) = −3 .
3. Observa a correspondência
representada no gráfico.
3.1. A correspondência é uma função.
Justifica.
3.2. Indica o domínio e o contradomínio.
3.3.2. f (__) = 3
3.3.3. f ( 4) = ____
4. 28
Qual destes gráficos descreve melhor a distância percorrida por um ciclista numa
corrida de contra-relógio? Na parte inicial da prova, ele teve de subir uma grande
montanha. Justifica a tua resposta.
28
Retirado de MAT789 Inovação Curricular em Matemática, APM, 1997.
Anexo 7
Tarefa 2
• A circunferência representada
na cartolina tem 35 cm de raio;
• O robot deverá partir do ponto
A e realizar uma volta
completa;
• O robot está programado para
seguir a pista e deverá fazê-lo
no sentido contrário ao dos
ponteiros do relógio;
• O robot parará em todos os
pontos de forma que possas
determinar a sua distância ao
ponto A;
• O robot prosseguirá para o ponto seguinte quando pressionares o sensor de
toque.
1.1 Organiza uma tabela de valores onde conste os valores dos ângulos (x)
correspondentes aos pontos assinalados na cartolina e a distância do
robot (d) ao ponto A.
1.5 Atendendo às alíneas anteriores, qual dos gráficos seguintes pode ser o da
função d? Apresenta o teu raciocínio.
Anexo 8
Tarefa 3
Tempo
1 3 6
(segundos)
Espaço percorrida
Todo-terreno
1.2. Calcula o (cm)
quociente
entre o espaço percorrido e o tempo gasto.
Anexo 9
Tarefa 4
1. Imagina agora que o robot parte de uma posição adiantada à linha de partida.
Considera que o adiantamento é de 5 cm.
Tempo - t 1 3 6
(segundos)
Espaço percorrido - e
(cm)
1.2. As
grandezas
“espaço percorrido” e “tempo” são directamente proporcionais? Justifica.
1.4. Verifica que os pontos estão alinhados entre si e une-os. Os pontos estão
alinhados com a origem do referencial?
1.5. Em que ponto é que a recta que traçaram intersecta o eixo das ordenadas?
1.6. Atendendo aos dados obtidos, prevê e traça no mesmo referencial cartesiano
a função para o caso do robot ter saído do ponto de partida. O que concluis?
1.8. Qual seria a expressão analítica da função caso o robot partisse atrás do
ponto de partida 20 cm?
Anexo 10
Ficha de trabalho – II
ESCOLA BÁSICA DO 2º E 3º CICLOS DO CANIÇAL
MATEMÁTICA – 2005/06
Ficha de Trabalho – II
2.5. Escreve as equações de cada uma das rectas que contêm os pontos dos
gráficos e indica o seu declive.
4. 29
Em Janeiro, o Vítor, depois de ter vindo do
barbeiro, decidiu estudar o crescimento do seu
cabelo, registando todos os meses a sua medida.
O gráfico seguinte representa o crescimento do
cabelo do Vítor desde o mês de Janeiro (mês 0)
até ao mês de Junho (mês 5).
29
Prova de aferição de Matemática – 2004
Anexo 11
Teste de Avaliação
Escola Básica do 2º e 3º Ciclos do Caniçal
Classificação
Matemática Nome: ________________________
N.º ___ Turma: ___ 8º Ano
Teste de Avaliação Professor: ________________
Enc. Ed. ________________
Fevereiro de 2006
1 1 1 1
N.º de fotocópias 5 10 15 20
Custo (cêntimos) 20 40 60 80
2.3. Designando por x o n.º de fotocópias e por y o custo, representa a função através de
uma expressão analítica.
2.4. Se um aluno comprar 13 fotocópias, quanto terá de pagar? (Apresenta os cálculos que
realizares).
3. A função f é definida por f ( x ) = −3 x + 1 .
3.1. Determina f (1) e f ( −1) .
3.4. Sem realizar cálculos ou tabelas e tendo por base o gráfico da função f (alínea
anterior), traça no mesmo referencial o gráfico correspondente á função definida por
f ( x) = −3 x + 2 . Explica o teu procedimento.
4. O gráfico refere-se a uma viagem realizada por um robot. A distância é relativa à linha de
partida.
Distância
Linha
de
Partida
4.1. O
robot partiu da linha de partida? Justifica.
4.3. Qual foi a maior distância a que o robot esteve em relação à linha de partida?
4.4. Imagina que um amigo teu te pedia para lhe descreveres com rigor a viagem do robot.
Diz como o farias.
5. Define através de uma expressão analítica cada uma das funções representadas pelos
gráficos seguintes. Apresenta o teu raciocínio.
(A)
(B)
(C)
Bom trabalho!
Anexo 12
Inquérito
Inquérito
(Escola)
1. Gostas da Escola? Gostas de andar na Escola?
2. Consideras a escola importante? Porquê?
(Matemática)
3. O que é para ti a Matemática? (O que pensas sobre a Matemática?)
4. Gostas de Matemática? Porquê?
5. Sempre tiveste esta opinião relativamente à Matemática?
6. (Se houve mudanças) O que provocou essa (s) mudança (s)?
(Aula de Matemática)
7. Descreve o que é para ti uma boa aula de Matemática.
8. Quais são os aspectos que gostas mais de uma aula de Matemática? E que gostas
menos?
(Tarefas desenvolvidas)
9. Qual é a tua opinião sobre as tarefas desenvolvidas com os robots na aula?
10. Que aspectos consideras mais positivos nessas tarefas (do que gostaste mais)? E
aspectos negativos?
11. Quais foram as principais dificuldades que encontraste na realização das tarefas?
(Conclusões)
12. Em que é/Como é que os robots te ajudaram na aula e na Matemática?
13. Se um amigo teu te pedisse para lhe contares como foram as aulas de
Matemática com os robots, o que lhe dirias?
14. Queres referir mais alguma coisa que consideres importante? (Espaço aberto
para os alunos).