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Gonçalo Duarte Coelho

Turma B, nº 32002

Mead, Margaret 1928, Coming of Age in Samoa: A Psychological Study of Primitive


Youth for Western Civilisation, Nova York, William Morrow Company

Qual a importância da sociedade na enculturação e formação dos jovens?

Margaret Mead escreveu em 1928 o titulo Coming of Age in Samoa: A Psychological


Study of Primitive Youth for Western Civilisation, onde procurou compreender a sociedade
originária de Samoa para assim conseguir compreender o peso que essa mesma sociedade tem
na formação das crianças e dos adolescentes. Essa pesquisa foi feita com o intuito de comparar
os adolescentes dessa sociedade, bem como os seus problemas, com os problemas dos
adolescentes da América. Com essa comparação M. Mead colocou sobre grande destaque o
duelo ‘Nature vs. Nurture’, o duelo entre o peso da nature, pela hereditariedade, e a nurture,
por todos os contactos e desenvolvimentos sociais a que os indivíduos estão sujeitos.

Toda a disparidade entre a sociedade norte-americana e a sociedade samoana centra-se


no factor social pois, biologicamente, os habitantes de ambos os locais são idênticos. Assim é
natural que M. Mead tenha considerado e analisado todos os factores a que estão sujeitos os
jovens dessa ilha do Pacifico.

Para a realização deste ensaio vou-me focar essencialmente nas diferentes educações a
que estes jovens estão sujeitos, não por minimizar a importância do restante factor social mas
por considerar que as diferenças que incidem mais directamente nos jovens são mais
preponderantes para o seu desenvolvimento. Por exemplo, sei que o fono tem uma importância
elevada no seio da sociedade, no entanto parece-me óbvio que a libertinagem sexual é
muitíssimo mais preponderante para a formação dos adolescentes. Por esse motivo os tópicos
gerais que me pareceram mais importantes serem tratados são: Diferenciação do género desde
a infância; Liberdade para saírem do grupo doméstico; Aumaga & Aualuma; Liberdade sexual.

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Leitura de Textos Etnográficos I – Lorenzo Bordonaro
Em Samoa a relação parental é completamente diferente das mesmas relações no
Ocidente, o afastamento predomina, as crianças só ficam as mães durante a amamentação
sendo, depois, entregues a raparigas mais novas para que estas tomem conta delas, “Babies
sleep with their mothers as long as they are at the breast; after weaning they are usually
handed over to the care of some younger girl in the household.” (MEAD 1934: 22). Outra
diferença importante na educação destas crianças está no cuidado com que são tratadas, em
Samoa é natural recorrer-se à violência como meio de admoestar as crianças quando fazem
algo de errado ou quando incomodam os mais velhos, “If a crowd of children are near enough,
pressing in curiously to watch some spectacle at which they are not wanted, they are soundly
lashed with palm leaves, or dispersed with a shower of small stones,” (MEAD 1934: 25). Estes
dois exemplos mostram a forma como o afastamento é intensivo e como os cuidados das
crianças não são da responsabilidade dos adultos mas sim de outras crianças, essencialmente
de outras raparigas.
Esta responsabilidade surge numa idade muito jovem, é frequente entregarem-se às
raparigas com cerca seis ou sete anos outra mais nova para esta tratar. É a partir desta idade
que se começa a intensificar a diferenciação de género. Às raparigas são entregues várias
tarefas, todas elas ligadas à manutenção do lar, sendo no entanto o baby-tending a sua
responsabilidade, já os rapazes são incentivados a participarem em tarefas com os mais velhos.
Outra grande diferença entre os dois géneros está nas expectativas que são criadas e a
permissão para errar que cada grupo tem. Aos rapazes é conferida uma liberdade maior, pois
as tarefas que estes têm permitem-no, o facto de só terem que cuidar das crianças mais novas
até tenra idade permite-lhes terem tempo posteriormente para aprenderem tarefas mais
aventureiras e diversificadas. Já às raparigas é conferido um sentido de responsabilidade
pessoal muitíssimo maior, “the girls' 'education is less comprehensive. They have a high
standard of individual responsibility” (MEAD 1934: 27).
Toda esta diferenciação provoca uma divisão profunda quer na mentalidade quer nas
rotinas dos habitantes. As mulheres são, desde novas, tratadas com menos respeito que os
homens, é-lhes conferido menor importância na estrutura social, as tarefas que lhes compete
desempenhar são menos conceituadas que as dos homens, no entanto, e para a questão que
me propus a tratar, esta delimitação tão profunda nas tarefas e direitos confere aos
adolescentes uma calma imensa, a realidade é que estes praticamente não tinham que tomar

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decisões, todas as suas tarefas estavam planeadas socialmente e era praticamente mecânica a
evolução que as suas vidas iriam levar. Parece-me, portanto, que o rigor a que estavam sujeitos
era quase que agridoce, pois inibia-os de fazer algumas coisas da mesma forma que lhes aliava
a pressão de tomarem outras decisões que poderiam ser muito complicada.
Em Samoa a organização social e a entrada dos homens no fono é muito importante
para a vida dos habitantes, no entanto vou-me centrar na organização que tem mais impacto
na vida dos adolescentes, o aumaga para os rapazes e o aualuma para as raparigas.
O aumaga é o grupo dos homens sem título, que não pertencem ao fono, e dos
adolescentes. “Aumaga, the society of the young and the older men without titles, the group
that is called, not in euphuism but in sober fact, "the strength of the village." (MEAD 1934:
33,34). O aumaga tem como objectivo formar os adolescentes de forma a motivá-los a
trabalhar e a esforçarem-se para que o reconhecimento do seu trabalho os leve a ganhar um
título de matai. Desempenham várias tarefas e aprendem várias técnicas fundamentais para a
vivência na ilha. “There are also several types of activities in one of which he must specialize.
He must become a house-builder, a fisherman, an orator or a wood carver.” (MEAD 1934:35). O
aumaga é o principal mote para a aprendizagem dos adolescentes, é o que os incentiva a
serem melhores e a trabalharem melhor que os seus pares, daí a importância para o seu
crescimento social.
O aualuma é uma ‘versão menos organizado do aumaga’, é a organização com menos
importância na sociedade samoana. Quando as raparigas passam a idade da puberdade, o
matai do seu grupo, se assim entender, envia um pedido para que as raparigas passem a
contar como pertencentes ao grupo. Este grupo partilha da intenção do aumaga de conferir às
raparigas um sentido de responsabilidade, difere dele na organização.
O aumaga tem uma importância também económica pois nele integram a maioria dos
rapazes em idade de trabalho.
Este parece-me ser o ponto em que ambas as sociedades se assemelham mais. Nas
culturas do Ocidente é frequente a existência de grupos com o mesmo intuito do aumaga e do
aualuma, guarnecer os jovens de um sentido de responsabilidade para a vida adulta. À
semelhança dos grupos também o espírito de formar os seus jovens da melhor forma está
latente em ambos os espaços, mostrando-nos que, mesmo em locais completamente distintos,
alguns princípios sociais são partilhados.

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Aquando da leitura do texto outro aspecto que me pareceu absolutamente diferente e
bastante preponderante para a vida dos indivíduos: a possibilidade de todas as crianças
poderem ‘fugir’ de casa e irem viver com familiares. Esta possibilidade evita que todos aqueles
que se sintam mal com as pessoas com quem vivem sejam forçados a permanecer junto delas,
a serem ofendidos ou mesmo mal tratados, em casos extremos podem até mudar de
household! “No Samoan child, except the taupo or the thoroughly delinquent, ever has to deal
with a feeling of being trapped. There are always relatives- to whom one can flee.” (MEAD
1934: 43).
Por sua vez, nas sociedades Ocidentais, em que é assumido que uma criança tem que
viver com os pais até ter a sua própria família, esta ideia é impensável! No Ocidente, uma
criança pode ser maltratada por um familiar e mesmo assim tem de continuar a co-habitar com
ele, muitas vezes os abusos de que as crianças são alvo irão afecta-las para o resto da vida,
condicionando a forma como socializam com os outros. Se fosse possível que essas crianças
simplesmente mudassem de casa, muito sofrimento e muitos abusos seriam evitados.
De novo parece-me importante referir como as normas na pequena ilha de Samoa
possuem um carácter de beneficiar e possibilitar uma liberdade a todos os habitantes, ao
contrário das sociedades mais desenvolvidas da épocas em que os padrões sociais prevaleciam
sobre os bem estar dos cidadãos.
A descoberta da sexualidade e toda a realidade associada é sempre tida como uma fase
de descoberta, seja em que cultura for. A liberdade sexual parece-me ser o ponto em que a
ruptura entre os princípios Norte-Americanos e os princípios de Samoa é maior. Na cultura
Ocidental imperam os princípios religiosos, os quais desde a sua origem tendem a definir o acto
sexual como um meio para a procriação, em Samoa a realidade é outra absolutamente distinta.
Na ilha, devido ao afastamento que existe entre géneros desde a nascença, o
conhecimento sexual que os adolescentes partilham quanto ao sexo oposto é praticamente
nulo, assim, e durante algum tempo, os encontros não se dão apenas em situações muito
particulares, como são os casos das cerimonias da comunidade em que o contacto entre os
adolescentes não permite que se estabeleçam relações mais profundas. No entanto isto muda,
com a saída das raparigas dos age groups e com a maior atenção dispendida pelos rapazes a
estas, os encontros amorosos podem-se realizar com maior ou menor dificuldade, tendo em
conta algumas necessidades que têm que ser ultrapassadas, exemplo disso é a necessidade de

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um soa ou soafafine. No entanto, quando ultrapassados esses detalhes, a abertura da
mentalidade para a sexualidade é total e as formas mais frequentes em que se dão são os love
affairs under the palm trees,” These clandestine lovers make their rendezvous on the outskirts
of the village. "Under the palm trees" is the conventionalized designation of this type of
intrigue.” (MEAD 1934: 92). Outras formas de encontros que a autora refere é o maetolo que
consiste numa pseudo-violação já que a rapariga, geralmente, não é forçada a coisa alguma,
utilizando o pretexto de ser atacada quando descoberta pelos familiares! “The moetotolo is the
only sex activity which presents a definitely abnormal picture. (..) rape, in the form of violent
assault, has occurred occasionally in Samoa. (..) The need for guarding against discovery makes
conversation impossible and the sleep crawler relies upon the girls expecting a lover or the
chance that she will indiscriminately accept any comer.” (MEAD 1934: 93).
Esta atitude totalmente carnal que os habitantes de Samoa põem nas relações mantém-
se até ao casamento. Assim, durante toda a adolescência, a capacidade e a liberdade que
existe para estes praticarem novas experiencias é total, permitindo-lhes desenvolverem uma
paz de espírito e inibe-lhes grande parte das pressões sexuais a que estão sujeitos os seus
pares no Ocidente, pressões essas que interferem em larga medida com todo o resto da sua
existência, causando-lhes preocupações e neuroses, sintomas e problemas que em Samoa são
desconhecidos.
Assim sendo, parece-me que de todas as diferenças sociais que existem entre as duas
culturas, a abertura sexual é claramente a que maior importância tem na moldagem do espírito
e da mente destes jovens. Mesmo considerando que durante a infância o contacto entre
diferentes géneros não existia, essa falta de contacto não é em nada prejudicial. Ao não existir
contacto, toda a informação acerca do outro género será ganha já na adolescência, o que
permitirá que as relações estejam bastante limitadas a nível sentimental. A socialização prende-
se essencialmente no contacto sexual, libertando os jovens de sentimentos contrastantes que
os poderiam inibir e causar-lhes problemas de foro amoroso. Esta distância confere aos
relacionamentos um sentido prático enorme, ganhando uma base sentimental mais carregada
apenas depois. Pelo contrário, nas sociedades ocidentais inicialmente, e antes de qualquer
intimidade, é necessário existir uma base sentimental muitíssimo forte, pejada por exemplo na
aceitação do relacionamento pelas famílias. Tais preform criavam nos jovens um sentido de
obrigação e de corresponder às expectativas levantadas. o que muitas vezes era demasiado

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para aguentarem, sendo esse um motivo muito frequente para os problemas mais habituais
durante a adolescência.
Em Samoa o espírito de free love, que Margaret Mead vivenciou, devia-se à liberdade
que todos os indivíduos sentiam. Apesar das obrigações sociais que cada um tinha, no geral as
linhas traçadas pela sociedade são muito mais lineares e bem definidas que as das sociedades
Ocidentais, permitir que os jovens, por exemplo, pratiquem sexo pelo prazer do mesmo e não
para terem filhos e constituírem família como se fosse essa a única atitude correcta a tomar,
mostra muito do espírito reinante na ilha. Os Samoanos acreditam na correcção de
comportamentos, mas têm plena noção do melhor que a vida pode ter, se os limites impostos
forem mais razoáveis.

Sendo estas as considerações que me pareceram mais pertinentes na comparação feita


por Margaret Mead entre a forma como os adolescentes crescem e se formam nos Estados
Unidos da América e em Samoa, considero que o resultado do estudo feito pela antropóloga é
universal e aplicável a todas e quaisquer sociedades. A sua principal conclusão, a de que é a
enculturação quem mais favorece a formação do indivíduo a nível social, aplica-se a todos os
contextos culturais. A inferioridade que o peso da genética tem, quando comparado com o peso
da sociedade, foi outra resposta importante à qual M. Mead respondeu. Acredito e consigo
imaginar a importância que este livro teve no quotidiano da ‘western civilization’, mostrar a uma
inteira civilização que de si possui um ego enorme, que as suas normas sociais não são nem
melhores, nem piores, muitas vezes até demasiadamente complexas quando comparadas com
as de uma pequena população numa ilha no meio do Pacífico, foi certamente um choque. Em
minha opinião, mais importante até que as resposta que a autora apresentou para a questão
central de toda a obra, foi a apresentação de uma nova perspectiva da sociedade. Toda a
organização jurídica, a organização pessoal e familiar, todo o conceito de família que foi trocado
pelo conceito household, toda a diferença de valores morais e éticos, toda a nova e
fresquíssima visão que nos é mostrada das relações sexuais, toda a simplicidade associada ao
casamento, todo o afastamento que existe dos progenitores para com os seus filhos, todos
estes são os assuntos chave nas sociedades ocidentais e esta nova visão, totalmente diferente
dos nossos padrões, veio mostrar ao Ocidente que os seus padrões culturais poderiam estar
ultrapassados.

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Margaret Mead revolucionou a antropologia com os seus relatos frescos de uma
sociedade exótica que, apesar de ter uma estrutura social bem sólida, permitia uma liberdade
de espírito quase total.

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