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Sarampo

INTRODUÇÃO

O sarampo ou primeira moléstia, uma das afecções clássicas da infância, é doença


aguda e autolimitada, infecto-contagiosa, exantemática, endemo-epidêmica, de
etiologia virótica e alta transmissibilidade. Possui distribuição universal,
acometendo indiferentemente ambos os sexos, sem distinção de raça, clima ou
nível social.

O sarampo foi, durante o século, a maior doença epidêmica, especialmente na


infância, e representava das principais causas de morbi-mortalidade infantil em
todo o mundo. Nos países em desenvolvimento, apesar da introdução da
imunização ativa, a doença constituía importante causa de hospitalização,
morbidade e letalidade na infância, como causa primária ou associada. A taxa de
mortalidade está diretamente relacionada aos padrões de higiene, nutrição e
desenvolvimento sócioeconômico das populações; num mesmo país, maior
mortalidade é oriunda de classes marginalizadas, onde imperam agravos como
desnutrição, promiscuidade e falta de assistência médica. Nessas populações, a
enfermidade incide predominantemente nos três primeiros anos de vida, sendo com
freqüência fator desencadeante de kwashiorkor e diarréia. A maior gravidade do
sarampo nesses grupos populacionais é ainda acentuada por atitudes e crenças
infundadas, que determinam restrições higieno-dietéticas sérias e prolongadas para
os pacientes.

ETIOLOGIA

O vírus do sarampo foi isolado pela primeira vez em 1954, por Enders & Peebles, e
em 1960 foi desenvolvida vacina efetiva, introduzida na rotina dos Estados Unidos
em 1963. Pertence à família Paramyxoviridae e é membro do subgrupo
Morbillivirus. É grosseiramente circular, com cerca de 140 nm de diâmetro. O vírion
do sarampo é complexo, contendo lípides, ácido nucléico e proteínas. É composto
de porção interna, o nucleocapsídeo, contendo um único genoma RNA, envolto por
camada externa distinta à maneira de um envelope de material lipídico-
glicoprotéico; este é derivado em parte da membrana celular do hospedeiro,
formando a superfície externa do vírion, que aparece amorfa. Varia de tamanho, de
cerca de 1 200 a 2 800 A. O componente interno, o nucleocapsídeo, visto nas
partículas rompidas, é uma ribonucleoproteína, ou seja, contém um único RNA-
genômico circundado por proteínas viróticas. O nucleocapsídeo livre não é
infectante, sendo necessário para tanto a substância lipoprotéica envolvente. Do
mesmo modo, o envelope é o responsável pela especificidade sorológica do
vírion, com antígenos contra os quais são produzidos anticorpos
neutralizantes, inibidores de hemaglutinação, hemolisinas e fixadores do
complemento. A proteína do nucleocapsídeo também age como antígeno para a
produção de anticorpos fixadores do complemento, mas com especificidade
diferente daquela do envelope.

O vírus do sarampo não é muito resistente. Fora do organismo, sua existência é


precária. Perde 60% de sua infectividade em três a cinco dias, em temperatura
ambiente; a 37ºC, sua meia-vida é de duas horas. Sobrevive bem ao frio. É
destruído rapidamente pelos raios ultravioletas e mesmo pela luz espectral visível,
na ausência de substrato protéico. Não resiste ao éter devido a seu envelope
lipídico. À temperatura ambiente, é destruído por éter a 20% em 10 minutos, bem
como pela acetona a 50% em 30 minutos. Em formalina, na diluição de 1:4.000,
torna-se não infectante em cinco dias, sem perder, todavia, sua antigenicidade.

O vírus é antigenicamente homogêneo. A infecção com vírus vivo estimula a


produção de anticorpos; estes neutralizam a infectividade e fixam o complemento,
inibindo a hemaglutinação e hemólise de hemácias de macaco. As imunoglobulinas
IgM e IgG, estimuladas pela infecção e vacina, aparecem em torno do 12° e 15°
dias e atingem o máximo por volta do 21° ao 28° dias. Em seguida a IgG persiste
indefinidamente em quantidades mensuráveis. Em número variável de indivíduos os
níveis de anticorpos caem a títulos não detectáveis após longos períodos de
observação. Reexposição à vacina resulta em rápida resposta anamnéstica,
indicando persistência da imunidade. Assim, IgM indica infecção ou vacinação
recente, enquanto IgG indica infecção em passado distante. IgA secretória pode ser
detectável nas secreções nasais e, às vezes, naquelas do trato respiratório. A
vacina de vírus vivo produz IgA secretória, não ocorrendo o mesmo com a de vírus
morto.

EPIDEMIOLOGIA

A porta de entrada do vírus no organismo se faz pela penetração de gotículas


contaminadas, que entram em contato com as mucosas, especialmente de
vias aéreas. Existem controvérsias se a mucosa conjuntival constitui porta de
entrada efetiva do vírus.

O homem e o macaco são os únicos hospedeiros naturais. A fonte de


contágio é constituída pelos doentes, disseminando-se aos susceptíveis através do
contato direto com gotículas de secreções eliminadas pelas vias aéreas. O vírus
sobrevive 36 horas, em média, no núcleo da gota à temperatura ambiente, fato que
limita a transmissão indireta ou aérea. As secreções no sarampo são mais fluidas, o
que facilita seu raio de distribuição, sendo elas disseminadas a maiores distâncias e
sedimentadas com maior lentidão; isto resulta na propagação rápida e maciça do
vírus.

A transmissão indireta por fômite tem importância secundária. O contágio


ocorre a partir do final do período de incubação até cinco dias após o
aparecimento do exantema. Considera-se o período pré-exantemático
como o de maior contagiosidade. Para alguns autores, contudo, o
isolamento da nasofaringe tem sido limitado a um período de dois dias
anterior e posterior ao aparecimento do exantema. Já a presença do vírus na
urina pode ser demonstrada vários dias depois, sem que isso influa na transmissão
da doença.

O sarampo é uma das doenças exantemáticas mais contagiosas na infância. A


incidência da virose é variável de acordo com a idade, dependendo grandemente
das condições sócioeconômicas das populações. Nas zonas urbanas a doença,
anteriormente à implementação de estratégias para sua erradicação, possuía
caráter endêmico, com picos epidêmicos a cada dois ou três anos; estes ocorriam
quando a população de susceptíveis atingia 30 a 40%, mantendo-se até sua
redução à metade. Nas zonas rurais, esses surtos epidêmicos surgiam a cada cinco
anos, em média. Nas populações em condições inferiores de vida, a maioria das
crianças não vacinadas já tinha adquirido o sarampo antes dos três anos; nas
comunidades desenvolvidas e zona rural, a doença incidia preferencialmente em
crianças maiores de cinco anos.

Embora possa ocorrer em recém-nascidos de mães susceptíveis, o sarampo


é relativamente raro nos primeiros seis meses em decorrência da
transferência transplacentária de anticorpos maternos. Contudo, sendo sua
incidência de acordo com a idade dependente em especial das condições
sócioeconômicas das populações, notava-se elevada prevalência da virose no
primeiro ano de vida em quase todas as comunidades pobres do globo, com
número bastante significativo de casos em menores de seis meses. Embora as
explicações para esse fato sejam incompletas, dois pontos são importantes: a
maior exposição ao vírus desde os primeiros meses e a incerta imunidade passiva
transplacentária.

A literatura registra que 29% de crianças aos três meses e 60% daquelas aos cinco
meses podem já não possuir títulos de anticorpos maternos em níveis protetores
contra o sarampo. Essa queda dos anticorpos maternos será provavelmente mais
rápida nos desnutridos graves, em catabolismo prolongado.

Essa questão é aqui levantada para que se reflita sobre conceito generalizado de
que lactentes têm anticorpos maternos contra a virose até aproximadamente um
ano, conceito este que influi sobre os programas de prevenção da doença. Na
opinião dos autores, o que tornava a virose de ocorrência rara no primeiro ano, nos
países desenvolvidos e classes privilegiadas do nosso meio, era a menor
exposição ao vírus. Como isso não ocorria nas classes pobres urbanas, inclusive
porque essas crianças são hospitalizadas com muita freqüência pelo binômio
desnutrição-infecção, o sarampo as acometia muito cedo, com certa freqüência no
ambiente hospitalar.

A mortalidade dos casos não complicados, em países desenvolvidos, foi avaliada


entre 0,17 e 2 por 100 000 habitantes. Na África, a criança desnutrida com
sarampo tem taxa de mortalidade 400 vezes maior do que o seu controle eutrófico.

O sarampo no Brasil

O sarampo foi uma das principais causas de morbidade e mortalidade no Brasil,


principalmente em crianças menores de um ano de idade. Apesar de medidas
como a introdução da vacina na década de 60 e a criação do Programa Nacional
de Imunizações (PNI) em 1973, visando organizar e implementar as ações de
imunização em todo o país e o incremento das coberturas vacinais, o sarampo
comportava-se de forma endêmica; foram registrados vários surtos, com ênfase no
de 1986, que resultou numa incidência de 97,7 por 100 000 habitantes. No período
de 1992 a 1995 houve redução significativa de incidência da doença, assim como
tendência à diminuição da mortalidade e letalidade. Este impacto no número de
casos de sarampo ocorreu devido às ações do Plano Nacional de Eliminação do
Sarampo, criado em 1992 com o objetivo de estabelecer estratégias para a
extinção da doença, abordadas em seção específica desta edição.

PATOGENIA

Após a penetração do vírus no organismo humano, através do epitélio das vias


aéreas superiores ou possivelmente conjuntival, constitui-se um foco de infecção
primária nessas células, com multiplicação viral. Em seguida existe proliferação da
infecção aos tecidos linfáticos regionais, ocorrendo uma viremia primária nesses
dois a três primeiros dias. Seguindo-se à viremia inicial verifica-se intensa e
disseminada multiplicação viral, tanto no epitélio respiratório, local da infecção
inicial, como em todo o sistema retículo-endotelial, isto é, regional e em pontos
distantes. Em seguida a essa multiplicação viral instala-se a chamada viremia
secundária, que resulta no estabelecimento de infecção pelo vírus do sarampo de
modo generalizado no organismo entre o sétimo e o 11° dias. A pele, as mucosas
do trato respiratório e conjuntivas são locais de infecção óbvia, embora outros
pontos também se mostrem comprometidos. Nos próximos três dias a quantidade
de vírus no sangue, trato respiratório e outros órgãos aumenta ainda mais e chega
a seu clímax, para então começar a diminuir rapidamente e cessar em mais dois a
três dias.

Esta é a evolução que se observa nos indivíduos normais; porém, naqueles com
comprometimento da imunidade mediada por células, o vírus do sarampo nem
sempre é eliminado dos tecidos após a viremia e infecção secundária e, em
conseqüência, pode ocorrer doença progressiva e freqüentemente fatal.

O achado patológico característico do sarampo é a disseminada distribuição de


células gigantes multinucleares.

QUADRO CLÍNICO

Seguindo-se a um período de incubação de cerca de onze dias (nove a doze


dias), a doença se manifesta com pródromos de três a quatro dias de duração.
Estes se iniciam com febre, mal-estar, coriza seromucosa e, posteriormente,
mucopurulenta, tosse seca, conjuntivite com fotofobia e lacrimejamento, sendo
ocasionalmente observada na conjuntiva palpebral inferior uma linha marginal
transversal (linha de Stimson).

A febre eleva-se gradualmente, com pico máximo no início do período


exantemático; a curva térmica pode ainda ser bifásica, com elevação
inicial, declínio após 24 horas e posterior exacerbação, sendo também
máxima no início de exantema (38,5 a 40,5°C). Sua queda ocorre, em crise
ou lise, a partir do terceiro dia do exantema. Febre persistente, após o
quarto dia de exantema, impõe minucioso exame clínico à procura de
complicações bacterianas.

No final do período prodrômico e antecedendo em 24 a 48 horas, às vezes 72


horas, ao período exantemático, podem ser visualizadas as manchas de Koplik;
estas são pontos brancos-azulados localizados na mucosa bucal na região próxima
aos molares, que às vezes se estendem a toda mucosa oral. São máculas como
grãos de areia, rodeadas por halo vermelho, com fundo eritematoso difuso e que
desaparecem 24 a 48 horas após o início da erupção, corroborando com sua
presença o diagnóstico de sarampo mesmo antes do início do exantema. Durante
toda a evolução do sarampo verifica-se também hiperemia difusa da mucosa oral,
com aumento de vascularização.

Em torno do quarto dia de período prodrômico inicia-se o exantema


maculopapular de tonalidade avermelhada, começando pelo rosto, regiões
retroauricular e cervical. Como apresenta caráter descendente, atinge o tronco e
membros superiores no segundo dia e estende-se aos membros inferiores no
terceiro dia, quando pode ocorrer sua confluência no tronco e rosto.

A partir do terceiro dia o exantema adquire tonalidade castanho-acinzentada,


evoluindo para descamação no final da primeira semana do período exantemático.
Esta é habitualmente furfurácea, raramente laminar e intensa, fato que pode, às
vezes, ser verificado em desnutridos com quadro cutâneo de tonalidade mais
escura. O exantema, segundo alguns autores, decorre de manifestação de
hipersensibilidade tardia. Estando esta comprometida no desnutrido, o exantema
pode ser menos evidente, verificando-se nessas crianças padrão micropapular. Esta
observação foi feita em pacientes em uso de corticosteróides e com supressão da
imunidade celular, os quais podem adquirir sarampo sem exantema e desenvolver
pneumonia de células gigantes.
Durante o período febril do sarampo podem ser ainda observadas: adenomegalia,
estomatite, às vezes pronunciada, laringite, diarréia, ocasionalmente com muco
e sangue, e raramente esplenomegalia. Na fase exantemática, a radiografia de
tórax revela habitualmente a presença de adenopatia hilar em um quarto dos casos
e aumento da trama broncovascular, que irradia principalmente dos hilos para os
lobos inferiores.

Em resumo, a doença chega ao seu clímax no primeiro e segundo dias do


exantema, quando o quadro clínico se exterioriza mais florido: a febre eleva-se ao
máximo, o exantema torna-se exuberante, as manchas de Koplik ainda estão
presentes, as conjuntivas congestas com fotofobia e lacrimejamento, coriza
abundante e tosse produtiva. Estes achados configuram a fácies "sarampenta", já
observada no final do período prodrômico.

Nas 24 horas seguintes há queda da temperatura, melhora da coriza, da


conjuntivite e da tosse. Esta, porém, persiste por cinco a dezesseis dias após o
exantema. Além do quadro acima pode haver pneumonite alveolar virótica que,
evoluindo favoravelmente, desaparece com a queda da temperatura.

Dentre as apresentações do sarampo em situações especiais deve-se salientar que,


em crianças com câncer, principalmente sob tratamento com droga
imunossupressora e plaquetopênicas, o exantema pode ser petequial ou
purpúrico, sendo possível a ocorrência complicações graves sem associação com a
erupção (hepatite, encefalite e pneumonia) e freqüente evolução para o óbito.
Sarampo grave, não só pelo vírus selvagem mas também pelo vacinal, é relatado
em pacientes imunocomprometidos.

O sarampo hemorrágico, embora raro, é a forma clínica mais grave com que o
sarampo se manifesta. Caracteriza-se por intensa toxemia, de início súbito com
febre alta, convulsão, delírio, podendo chegar ao coma e resultar em graves
distúrbios respiratórios. Além do exantema hemorrágico surge sangramento na
boca, nariz e tubo digestivo. A coagulação intravascular disseminada parece estar
envolvida nesse processo, que se caracteriza por ser freqüentemente fatal.

O sarampo modificado ocorre em pessoas que receberam gamaglobulina entre o


quinto e o oitavo dias de incubação ou em lactentes que ainda apresentam
imunidade adquirida passivamente. O sarampo tem, então, maior período de
incubação (14 a 20 dias), sendo menor o período de duração da doença. Os
pródromos são reduzidos ou ausentes. A febre é baixa e o estado geral conservado.
As manchas de Koplik tornam-se discretas ou ausentes. A coriza, a conjuntivite e a
tosse são mínimas ou faltam por completo. A erupção é atenuada, não surgem
complicações e o contágio é mínimo.

O sarampo atípico é a apresentação clínica descrita em pessoas que haviam


recebido, vários anos antes, a vacina de vírus morto e foram, posteriormente,
infectadas pelo vírus selvagem. Foi também relatado em crianças inicialmente
imunizadas com a vacina inativada e que, numa fase posterior, receberam as
vacinas atenuadas. No período prodrômico, o paciente apresentava febre alta,
cefaléia, dor abdominal e mialgia, sendo raras as manchas de Koplik. O exantema
iniciava-se em extremidades distais, progredindo em direção cefálica, sendo
particularmente visível no punho, tornozelo e regiões palmar e plantar. Podia ser
vesicular, com freqüente edema de extremidades, sendo habituais o acometimento
pulmonar, hepatoesplenomegalia, debilidade e parestesia.

SARAMPO, DESNUTRIÇÃO E IMUNIDADE

A gravidade do sarampo em crianças desnutridas é maior e envolve mecanismos


imunitários relacionados à hipersensibilidade tardia. O mecanismo imunitário
primordialmente envolvido é do tipo celular. O alto risco de morte que se
observa no paciente desnutrido com sarampo pode ser explicado pelo fato
de que a imunidade celular, já estando deprimida neste tipo de paciente,
afeta o curso da virose e facilita as complicações bacterianas. As crianças
gravemente desnutridas, por apresentarem alterações da imunidade celular,
costumam não responder às reações características deste tipo de imunidade
(reação tardia), como acontece com a tuberculina nos desnutridos graves com
tuberculose. Contudo, a síntese de imunoglobulinas parece não estar afetada nas
formas leves e moderadas de desnutrição. De fato, no sarampo natural que
acomete crianças com desnutrição leve ou moderada, os anticorpos aparecem entre
uma e três semanas após o início do exantema. A resposta das células "B" à vacina
de vírus vivo atenuado contra o sarampo é também normal nestas crianças. Isto
sugere que a imunidade humoral não é tão importante quanto a tecidual, porque as
crianças desnutridas tendem a morrer da virose embora possam desenvolver
anticorpos normais, tanto à infecção natural como à vacina. Por outro lado, além
do comprometimento da imunidade celular que ocorre na desnutrição
grave, vários autores admitem que no sarampo esta imunidade se encontre
ainda mais deprimida, provavelmente por invasão direta das células "T"
pelo vírus. Aliás, esse mecanismo de depressão da imunidade celular pelo
sarampo pode ser verificado também em eutróficos. De fato, há mais de um século
é clássica a observação de que a resposta tardia de hipersensibilidade à tuberculina
é perdida durante o curso do sarampo.

No contexto dos conhecimentos atuais da biologia do sarampo, chama a atenção o


equilíbrio entre a proliferação viral e a mobilização das defesas do hospedeiro,
especialmente do sistema imunitário tecidual. Estando a resposta imunocelular
retardada ou qualitativamente alterada, a replicação viral pode continuar por
período mais longo, aumentando excessivamente a quantidade de vírus e células
infectadas em cada tecido. A eliminação destes vírus será então mais laboriosa e
protraída, com maior lesão tecidual. Na pele, por exemplo, onde geralmente ocorre
lesão capilar mais intensa, haverá hemorragias na derme e maior necrose epitelial,
resultando em escurecimento mais evidente e descamação em placas. Em todos os
outros órgãos infectados haverá maior inflamação e sintomas mais graves, como
nos olhos, boca, árvore traqueobrônquica e intestinos.

A eliminação prolongada de células gigantes, no sarampo, sugere dificuldade na


resposta imunitária celular, que pode ser devida à desnutrição. Esta, com sua
queda nas imunidades celular e inespecífica, agrava significativamente o
prognóstico da virose, alongando seu curso, tornando-a mesmo atípica em suas
manifestações clínicas e facilitando as complicações bacterianas. O sarampo, por
outro lado, como infecção generalizada intracelular, febril, consuntiva e de média
duração, tem grande repercussão na economia do organismo e é sem dúvida fator
de desequilibrio, gerador de desnutrição. Advêm daí os relatos de freqüente
aparecimento de kwashiorkor após epidemia de sarampo.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O sarampo clássico apresenta quadro clínico característico, não havendo, na


maioria dos casos, dificuldade para o diagnóstico diferencial com outras doenças
exantemáticas. Os principais quadros passíveis de diferenciação incluem: rubéola,
exantema súbito, eritema infeccioso, escarlatina, mononucleose infecciosa,
enteroviroses, rinoviroses, adenoviroses, toxoplasmose, rickettsioses, parvoviroses,
dengue e os exantemas tóxico-medicamentosos.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O sarampo clássico é diagnosticado clinicamente. Nestes pacientes, o diagnóstico
virológico é excepcionalmente necessário para confirmar a suspeita. Entretanto, em
alguns casos especiais, a confirmação diagnóstica por métodos imunológicos ou
virológicos se impõe, a saber:

- lactentes com idade inferior a um ano e/ou com persistência de anticorpos


maternos;
- indivíduos que receberam gamaglobulina;
- casos de sarampo atípico;
- casos nos quais ocorrem pneumonia ou encefalite não esclarecidas em pessoas
imunocomprometidas e com contato recente com sarampo.

O sarampo pode ser diagnosticado laboratorialmente pelo isolamento viral, pela


identificação de antígenos em tecidos infectados e pela resposta sorológica
ao vírus. O isolamento viral não é tecnicamente fácil, sendo utilizado em pacientes
com pneumonias fatais ou com leucemia, nos quais a resposta sorológica pode ser
mínima. Esforços para isolar o vírus têm sido realizados pela saúde pública, na
tentativa de controle e eliminação da transmissão do sarampo. A reação em
cadeia de polimerase (PCR) com transcriptase reversa pode ser empregada
com tal finalidade.

O vírus pode ser cultivado a partir de secreções nasais, orofaringe, escarro, urina,
sangue e material de necropsia; este último é utilizado em caso de morte por
pneumonia de células gigantes que, embora raramente, ocorre antes do surgimento
do exantema. Também pode ser isolado do líquido cefalorraquidiano ou cérebro de
pacientes com encefalite. Exame citológico da secreção da mucosa nasal, corado
pelo Leishman ou Giemsa, pode revelar a presença de células gigantes - células
de Tompkins. Estas células são observadas cerca de três dias antes do surgimento
do exantema e mesmo do sinal de Koplik. São bastante características da doença,
embora hoje se saiba que podem ocorrer em outras viroses. Foram descritas na
faringe, tonsilas, secreções nasais e escarro, pele, epitélio respiratório, apêndice,
cólon, linfonodos peribrônquicos e retroperitoniais e placas de Peyer.

Alguns autores afirmam que a técnica de imunofluorescêcia, com eliminação


prévia das globulinas que mascaram o antígeno nas células antes da coloração,
constitui o método mais rápido e mais sensível para o diagnóstico do sarampo,
desde o período prodrômico. Assim, podem ser utilizadas células do exsudato nasal
ou do sedimento urinário para pesquisa do antígeno, quando possível.

Os testes mais freqüentemente empregados do ponto de vista laboratorial são os


sorológicos. Uma elevação de quatro vezes nos títulos iniciais, entre os estágios
agudo e convalescente, é considerada diagnóstica para o sarampo, assim como a
presença de anticorpos IgM. Os testes disponíveis são os de neutralização,
fixação de complemento (FC), inibição de hemaglutinação (IH) e ELISA. A
técnica de neutralização, que requer propagação do vírus in vitro, é tecnicamente
difícil. A de anticorpos fixadores de complemento não é técnica sensível, mas pode
ser usada para o diagnóstico na fase aguda da doença apesar destes anticorpos
desaparecerem rapidamente do soro. A técnica de inibição de hemaglutinação é
menos sensível em relação à de neutralização, mas geralmente há boa correlação
entre os dois testes. Os anticorpos detectados pela técnica de inibição de
hemaglutinação persistem por muitos anos. A panencefalite esclerosante
subaguda pode ser diagnosticada pela demonstração de altos títulos de
anticorpos inibidores de hemaglutinação no sangue e líquor, na presença
de evidência clínica da doença.

A dosagem de IgM específica para sarampo é considerada exame sensível e


rápido, sendo o diagnóstico realizado com apenas uma dosagem; a técnica
representa uma grande contribuição ao diagnóstico da doença, principalmente nas
formas atípicas. Anticorpos IgM podem não ser detectáveis nas primeiras 72
horas do início do exantema e normalmente não o são 30 a 60 dias após o
"rash". Para correta interpretação dos resultados sorológicos é necessário
conhecer-se a data da coleta da amostra em relação ao início do exantema e as
características do método. Alguns testes para detecção de IgM podem não ser
positivos mesmo em casos confirmados e outros têm mostrado taxa relativamente
alta de resultados falso-positivos. O método de captura para IgM é considerado
pelo CDC (Centers for Disease Control), no presente momento como o teste padrão
para confirmação de casos de sarampo.

A técnica mais sensível para o diagnóstico do sarampo é a de neutralização por


redução em placas, que vem detectando atividade antiviral em níveis abaixo
daqueles obtidos por ELISA, IH ou FC; tem sido usada para avaliar a persistência
de anticorpos transplacentários, bem como a duração da imunidade em indivíduos
vacinados que têm se mostrado soronegativos pelos métodos convencionais de
avaliação.

O leucograma também pode sugerir o diagnóstico da virose, mostrando


leucopenia com neutropenia absoluta e linfopenia. Nos casos de complicação
bacteriana verifica-se leucocitose com desvio à esquerda. Alguns autores, no
entanto, consideram a linfopenia (inferior a 2.000/mm3) que surge nos dois
primeiros dias do exantema e persiste por quinze dias como sinal de mau
prognóstico, alertando que estes pacientes evoluem com maior freqüência para o
óbito ou apresentam complicações pulmonares mais graves.

A coloração dos neutrófilos pelo nitrobluetetrazolium (NBT) pode oferecer


subsídios na busca dos casos complicados. Assim, no sarampo não complicado há
leve aumento de neutrófilos formazan positivos, enquanto nas complicações
bacterianas observa-se significativo aumento na percentagem dessas células na
circulação. Para o diagnóstico e seguimento dos casos complicados, o exame
radiológico de tórax também é de utilidade.

O valor da proteína C reativa (PCR) no diagnóstico presuntivo das complicações


bacterianas do sarampo foi avaliado pelos autores em estudo realizado com 47
crianças internadas por sarampo no Centro Geral de Pediatria, Belo Horizonte, nos
anos de 1986-87. Em 39 havia evidência clínica e/ou radiológica de complicação
bacteriana, sendo que 37 apresentaram valores de PCR iguais ou superiores a
24mg%. Entre as oito crianças que não evoluíram com características clínicas e/ou
radiológicas de associação bacteriana, os níveis de PCR foram iguais ou inferiores a
12 mg%. Depreende-se, através desta observação, que a PCR é exame rápido,
seguro e sensível para confirmação ou exclusão de complicações bacterianas no
sarampo.

COMPLICAÇÕES

O sarampo pode acompanhar-se de diversas complicações devidas ao próprio vírus,


às infecções bacterianas e a causas diversas. Nestes casos desempenham papel
importante não só as características imunológicas individuais como também a idade
do paciente e a afecção associada.

Complicações respiratórias

As complicações respiratórias do sarampo incluem, entre outras, afecções como


rinite, estomatite, sinusite e mastoidite; a otite média aguda é,
provavelmente, a mais freqüente complicação da virose. Inicia-se, em geral, ao
final do período eruptivo, sendo causada pelas mesmas bactérias responsáveis pelo
acometimento em crianças na faixa etária equivalente.

Na fase catarral do sarampo existe inflamação da mucosa do aparelho respiratório,


com conseqüente destruição da mesma, em maior ou menor grau, em toda a
árvore respiratória. Especialmente nas crianças pequenas, este processo pode levar
a quadros obstrutivos graves.

A laringite pode se instalar no início da doença e, outras vezes, no final do período


exantemático. Clinicamente é anunciada por alterações no timbre da voz e da
tosse, que se tornam rouquenhas. Pode aparecer também dispnéia em graus
variáveis, acompanhada de tiragem e cornagem, que às vezes evolui de forma
muito grave, com obstrução quase completa da via aérea e necessidade de
entubação ou traqueostomia. A criança encontra-se agitada, angustiada, com
palidez e sudorese fria, além de apresentar as extremidades cianóticas. A voz e a
tosse, em certos casos, podem extinguir- -se, como na laringite diftérica.
Estreptococos, H. influenzae e estafilococos são os germes que costumam
estar associados ao quadro. Oxigênio, umidificação do ar, vaporização e
antibioticoterapia constituem a base do tratamento; os glicocorticóides, usados nos
casos mais graves por dois a quatro dias, apresentam resultados duvidosos.

Tem sido observado, nos pacientes jovens, quadro em tudo semelhante à


bronquiolite causada por outros vírus. As complicações pulmonares e
brônquicas são as mais importantes e comparecem, em ordem de freqüência, logo
após as do trato respiratório superior. Trata-se de complicações muito graves e
responsáveis por mais de 80% das mortes atribuídas ao sarampo. A noção de
acometimento pulmonar pelo vírus, especialmente sob a forma de processo
intersticial, é bastante antiga e ocorre na maioria dos casos. Radiologicamente
observa-se acentuação para-hilar, bem como hipertrofia de linfonodos e opacidade
irradiada difusamente do hilo para a periferia, indicando inflamação peribrônquica.
Opacidades micronodulares são freqüentes. Podem ocorrer ainda grandes áreas
opacas por focos reacionais maciços ou atelectasias. Em 80% dos pacientes estes
focos se desenvolvem antes da erupção ou durante a mesma, demorando uma a
três semanas para desaparecer. Sua intensidade contrasta com o pequeno
acometimento funcional.

Quando a febre e os sintomas respiratórios não cedem após o quarto dia


de exantema ou, o que é freqüente, se agravam ou recrudescem após curto
intervalo, deve-se suspeitar de complicações bacterianas. A mucosa já está
lesada pelo vírus, sendo freqüente a invasão secundária por bactérias.

A distinção radiológica não é fácil, a não ser que se tenha radiografia de tórax do
período agudo da doença. Entretanto, nas formas complicadas, o polimorfismo
radiológico habitual das pneumonites bacterianas costuma ser facilmente
encontrado. Clinicamente ocorre piora da tosse, a dispnéia aparece ou se agrava de
maneira nítida e observa-se deterioração do estado geral, com surgimento de
palidez, agitação e ansiedade. A leucocitose com predomínio dos
polimorfonucleares torna-se então evidente e de valor para a presunção
diagnóstica. As bactérias mais freqüentemente encontradas são: pneumococos,
H. influenzae, estreptococos hemolíticos e estafilococos. A pneumonia de
células gigantes representa forma grave da pneumonia intersticial; aceita-se que
seja causada por depressão na imunidade celular do paciente, impossibilitando
reação frente ao vírus, isolado por longo tempo. Quase sempre este quadro é fatal.

Complicações neurológicas

A convulsão pode ocorrer em crianças com idade inferior a dois anos, durante o
período febril ou, em especial, quando surge a erupção; geralmente está associada
à febre. O sarampo é, entre as doenças comuns da infância, uma das mais
agressivas ao sistema nervoso central, pois 30% a 50% dos casos supostamente
não complicados apresentam atividades difusamente lentas no eletroencefalograma
(EEG) durante e após a fase aguda da doença. Se o EEG permanece normal, o
prognóstico é excelente no que concerne à recuperação sem alterações no sistema
nervoso central; se está lento durante a fase aguda, o prognóstico não é tão
favorável.

A encefalite pode ocorrer e atinge, em média, um em cada 1 000 a 2 000


pacientes, em sua forma clinicamente evidente. Através de estudos
eletroencefalográficos sistemáticos demonstrou-se que as alterações no traçado,
nos casos de sarampo não complicado, ocorrem em elevado número de casos,
sugerindo a presença do vírus no sistema nervoso central (SNC). Pleocitose no
líquido cefalorraquidiano, observada em 10% dos pacientes não complicados,
parece confirmar esse fato. Nos casos de encefalite, células gigantes e o vírus têm
sido detectados nas células do SNC. É possível, portanto, que o acometimento
central seja muito mais freqüente (como mostrado no EEG), embora não
detectado, sendo muitas seqüelas neurológicas (convulsões,
panhipopituitarismo) conseqüentes a sarampo complicado por encefalite
subclínica. O quadro clínico é extremamente variado. Começa no quarto ao sexto
dia após o início do exantema; raramente pode iniciar-se no período prodrômico ou
tão tarde quanto 24 dias após. A presença de febre, vômito, cefaléia, sonolência
alternando com irritabilidade, convulsões, coma ou alterações de personalidade
devem nos levar à suspeita da afecção. Esta complicação neurológica não está
relacionada com qualquer fator definido: gravidade do sarampo, intensidade do
exantema, idade, predisposição individual, tipo de epidemia. A mortalidade oscila
em torno de 15% (varia com os autores entre 9 e 30%). Geralmente, a
maioria dos pacientes acometidos começa a melhorar após sete a dez dias de um
estado crítico. Seqüelas neurológicas ou psicológicas são observadas em 20
a 40% dos casos, especialmente convulsões.

A patogênese dessa complicação é obscura. A lesão essencial é a


desmielinização, sugerindo-se a participação de reações imunológicas na
manutenção da entidade após fase de envolvimento virótico do SNC.

A panencefalite esclerosante subaguda é doença rara (1:100 000 a 1:150 000


casos de sarampo), lentamente progressiva, quase sempre fatal, estando
relacionada à infecção por sarampo com distúrbio na proteína M da matriz do
vírus. A idade média de início é de sete anos, com significativa predominância no
sexo masculino (33:1). O curso clínico é dividido em três ou quatro fases principais.
A primeira se caracteriza por alterações mentais e de conduta, freqüentemente
imprecisas; muitas vezes, analisando-se retrospectivamente, pode-se concluir ter a
doença já alguns meses de duração. A segunda está marcada por convulsões
epilépticas e diversos transtornos da função motora, caracterizados por
movimentos mioclônicos. A terceira e quarta fases são de degeneração cerebral
progressiva, com sinais e sintomas de decorticação. A incapacidade destes
pacientes para mastigar e engolir pode levá-los à caquexia. As fases tendem a
superpor-se, sendo rara a observação de quadros bem definidos correspondentes a
cada fase. Na forma clássica o paciente evolui para o óbito em um a três anos. Em
um pequeno grupo de pacientes (10%) observa-se forma mais aguda, que produz a
morte nos três meses seguintes ao início dos sintomas; em outros 10% ocorre
evolução arrastada durante quatro a oito anos.

Acometimentos diversos

As complicações oculares podem variar desde a conjuntivite causada pelo


próprio vírus do sarampo até os casos de neurorretinite com pigmentação da retina.
Na fase aguda há rápida perda de visão, com regeneração lenta e incompleta. A
ceratite puntiforme pode se curar sem seqüela, mas se associada a infecção
bacteriana e não adequadamente tratada, pode levar à ulceração da córnea.

O envolvimento do miocárdio caracteriza-se usualmente por alterações tanto no


sistema contrátil como no excitocondutor.

Ocorrem ainda complicações renais, com quadro de glomerulonefrite transitória,


e complicações digestivas; estas correspondem, em sua maioria, a uma acentuação
de lesões intestinais e ganglionares, freqüentes no sarampo não complicado. A
adenite mesentérica pode provocar quadros dolorosos de intensidade suficiente
para sugerir diagnóstico de abdome agudo e insinuar intervenção cirúrgica. Crises
verdadeiras de apendicite e síndromes peritoneais agudas realmente podem
coexistir. Muitos pacientes apresentam diarréia na fase aguda do sarampo, com
pico de incidência no período exantemático, em sua fase descamativa. Trata-se de
diarréia de origem virótica, moderada em seu curso. O tratamento dietético se
impõe, mantendo-se a reposição de água e eletrólitos. Nos desnutridos, contudo, a
diarréia pode ser grave e duradoura. Por outro lado, fatores mantenedores da
diarréia podem estar presentes, como desnutrição, verminose, erros alimentares e
concomitância de outras doenças.

As complicações hematológicas compreendem basicamente a púrpura


trombocitopênica; a redução do número de plaquetas é discreta e quase sempre
assintomática, ocorrendo no período prodrômico e no início do exantemático. É
aceito que a causa da trombocitopenia seja a invasão direta dos megacariócitos
pelo vírus. Existe, porém, outra forma de trombocitopenia pós-sarampo, muito
rara, mas que pode se apresentar com epistaxe, sangramentos digestivos,
urinários, sufusões petequiais e intracranianas. Os fenômenos hemorrágicos podem
ter início em qualquer momento durante a evolução do sarampo, evoluindo para a
cura lentamente, em até três meses. Alguns casos são fatais. A patogênese ainda
não é totalmente conhecida, admitindo-se como mais provável a gênese de índole
imunológica. O tratamento não é diferente do proposto para as púrpuras
trombocitopênicas em geral, às vezes exigindo o auxílio de hematologista. Púrpura
fulminante pode raramente ocorrer.

Em crianças bem nutridas e bem assistidas o prognóstico do sarampo é


bom, sendo considerado doença leve. A pneumonia, quando ocorre,
responde bem aos antimicrobianos. A única complicação séria é
representada pela encefalite, felizmente uma ocorrência rara. Contudo, em
alguns países em desenvolvimento, com elevadas taxas de desnutrição na
população e inadequados serviços médicos, o sarampo é ainda doença
grave e responsável por alta mortalidade infantil.

TRATAMENTO

Não há terapêutica específica contra o vírus do sarampo e tampouco drogas


capazes de prevenir ou interromper os sintomas da doença uma vez instalados.
Entretanto, vários estudos têm observado que o uso de vitamina A em crianças
com sarampo tem se associado à redução de mortalidade e da morbidade. A
vitamina A é substrato necessário à preservação da integridade de células
epiteliais e participa da modulação imunitária. Embora a exata causa não seja
conhecida, pacientes com sarampo possuem aparentemente, pouca ou nenhuma
reserva de vitamina A; esta deficiência seria causada por possível declínio agudo
nos níveis de proteínas necessárias à sua mobilização a partir do fígado. Isto
resultaria em dificuldade de regeneração das superfícies epiteliais. O mecanismo de
ação da vitamina A na modulação imunitária também não está bem definido.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado a
suplementação de vitamina A para toda criança de áreas onde exista
deficiência dessa vitamina (nível sérico inferior a 10mg/dl) e onde a taxa
de mortalidade associada ao sarampo seja maior ou igual a 1%. A dose
recomendada é de 100 000 Ul, por via oral, para crianças menores de doze meses
de idade e de 200 000 Ul para crianças maiores de um ano. Na presença de sinais
oftalmológicos de deficiência da vitamina A, tais como cegueira noturna, mancha de
Bitot ou xeroftalmia, a OMS recomenda que a dose seja repetida em 24 horas e
novamente quatro semanas após.

A Academia Americana de Pediatria recomenda, no entanto, que a administração de


vitamina A seja feita com cautela, monitorizando-se seus efeitos colaterais
(abaulamento de fontanela, vômitos e cefaléia) e selecionando-se para a
suplementação os seguintes pacientes:

- pacientes de seis meses a dois anos de idade hospitalizados com


sarampo e suas complicações como laringite, pneumonia e diarréia. Existem
poucos estudos de avaliação de segurança e necessidade de suplementação em
lactentes menores de seis meses.

- pacientes maiores de seis meses com sarampo que tenham qualquer dos
seguintes fatores de risco e ainda não tenham recebido vitamina A:
imunodeficiência (síndrome de imunodeficiência adquirida, imunodeficiência
congênita e terapia imunodepressora); evidência oftalmológica de deficiência
de vitamina A; dificuldade de absorção intestinal (exemplo: obstrução biliar,
fibrose cística, etc.); desnutrição moderada e grave, incluindo aquela associada
com distúrbios alimentares; imigração recente de áreas com altas taxas de
mortalidade por sarampo.

As defesas naturais do organismo são, usualmente, suficientes para controlar a


doença nos casos não complicados. Uma criança com sarampo necessita mais de
cuidados de enfermagem (que podem ser prestados pelos familiares) do que de
medicamentos. É preferível evitar-se a hospitalização dos casos não
complicados, a menos que não possam ser corretamente tratados em casa.
O repouso no leito se impõe, enquanto houver febre e erupção, devendo ser
mantido o isolamento por cinco dias após o início do exantema. O repouso é
determinado pelo próprio comprometimento do estado geral da criança, devendo
ser liberado, progressivamente, com a melhora clínica.

Os líquidos devem ser oferecidos, de acordo com a preferência da criança, a curtos


intervalos. A dieta é livre, normal para idade, porém respeitando a inapetência
natural que ocorre. Os cuidados com os olhos limitam-se, na maioria das vezes, à
limpeza diária com soro fisiológico; quando há intensa hiperemia com abundante
secreção mucosa, pode ser feita limpeza com água boricada. Na presença de
conjuntivite purulenta estão indicados os colírios de antibióticos por cinco a sete
dias. Ambiente escuro é recomendado para o paciente quando a fotofobia é
intensa. A hipertermia deve ser combatida com os antitérmicos usuais. Compressas
frias são úteis, especialmente quando se deseja controlar com rapidez febre intensa
em paciente predisposto a apresentar convulsão febril. Umidificação do ar ambiente
é indicada na fluidificação das secreções, bem como no tratamento adjuvante da
laringite do sarampo. Derivados codeínicos, em pequenas doses, ou barbitúricos e
outros antitussígenos são necessários nos casos mais rebeldes.

Os antimicrobianos não possuem qualquer efeito no curso do sarampo,


nem qualquer capacidade de alterar o quadro inflamatório causado pelo
vírus. Não devem, pois, ser utilizados, a não ser nos casos com
complicação bacteriana. Prescrever antibióticos sistematicamente, visando
prevenir complicações, é inútil e até mesmo desvantajoso, pois estes são capazes
de mascarar certas complicações, como a otite, e de alterar o equilíbrio
bacteriológico das vias aéreas. Por outro lado, os antibióticos podem condicionar o
surgimento de infecções graves, por germes de tratamento mais difícil. Apesar
disso, essa conduta está muito arraigada na mente de grande número de médicos e
deve ser rigorosamente combatida.

Nas encefalites, a corticoterapia tem valor questionável, estando indicada nas


síndromes de hipertensão intracraniana que freqüentemente acompanham
esta complicação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Academy of Pediatrics, Committee on Infectious Diseases. Vitamin A


treatment of measles. Pediatrics 1993; 91: 5.

Freire LMS, Menezes FR. Sarampo. In: Tonelli E, Freire LMS, ed. Doenças
Infecciosas na Infância e Adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2000. P.
851-83

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