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Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECEN


Curso de Letras Licenciatura – Habilitação: Português
Disciplina de Fonética e Fonologia – Professor: Haroldo Bandeira
Nome: Klerianne Silva Ribeiro
Identificação: 08882P04 - 4º Período – Vespertino - 2010
Assunto: A Língua Diferente de Eulália
Referência: BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo:
Contexto, 2006, 15ºed.

A Língua Diferente de Eulália

Eulália é uma personagem cujo linguajar inspirou Irene, sua patroa, a intitular
seu projeto de livro a partir das observações e estudos sobre a variedade linguística.
Com uma estrutura de romance e de tom didático, o autor Marcos Bagno nos
apresentou quatro áreas do saber, propondo um jogo de harmonia e equilíbrio quanto
ao ensino de língua materna no país: a Linguística (Irene), Letras/Literatura (Vera),
Psicologia (Sílvia) e Pedagogia (Emília). Envolvidas numa viagem de férias, as três
estudantes fascinam-se aprendendo, sobre sua própria língua, fatos omitidos pela
própria sociedade por causa do preconceito. Assim, através do diálogo aberto,
podemos perceber uma maior troca de informações melhor absorvidas do que nos
estudos em geral.
O Português é uma língua com várias faces, assim como as outras línguas.
Temos, por exemplo, o português do Brasil e o português de Portugal (além de outros
em outros países, que o adotaram como língua oficial); o português dos séculos
passados e o português deste século; o português urbano e o português rural; o
português de uma criança, de um adolescente e de um adulto; o português de um
alfabetizado e o português de um analfabeto; o português de um dominado e o
português de um dominante; e assim por diante. Cada qual com sua variável.
A língua falada, de norte a sul no Brasil, é o português. Mas não é o somente o
português. Dentro dessa imensa extensão, percebemos mais de 200 línguas, como as
nativas, por exemplo, que ficam à margem de nossas vidas, assim como as línguas
estrangeiras propagadas pelos imigrantes que vivem espalhados pelo país, mantendo
um laço de fidelidade a sua cultura e ancestrais. E mesmo desconsiderando estes, o
país não fala somente uma única língua. Por trás deste fato, mal percebemos o mito
da unidade linguística, o qual camufla o fato de que o português é um conjunto de
variedades lingüísticas e que não há uma língua que seja uma só.
Toda língua muda e varia, não permanece em um estado inerte. Afora as
variedades históricas e temporais, temos as de geográficas, as de gênero, as etárias,
as de nível de instrução, as urbanas, as rurais, entre outras, claro. Logo, não podemos
acusar uma variedade de certa ou errada, independente da característica que
apresentar. A língua de Eulália, por exemplo, é diferente. Diferente, mas não superior
ou inferior. Já nos bastam os preconceitos que assolam nosso dia-a-dia, como o racial,
sexual, cultural e socioeconômico.
Entre Portugal e Brasil, as diferenças são grandes também. Discordam na
pronúncia (fonética); na maneira de organizar as frases e as parte que as compõe
(sintática); em léxicos que existem em um, mas não em outro (lexicais); na significação
das palavras (semântica); no uso, dependendo das conversações; e entre outros
pontos.
Basicamente, tudo depende da condição que estamos inseridos. E na verdade,
cada pessoa possui uma língua própria, não podendo deixar que se separe da
comunidade a que pertence. Entretanto, o que nos ensinam é a norma padrão, um
modelo ideal artificial e conservador que implica fatores sociais de importância,
sempre voltando à idéia de injustiça entre dominados e dominantes, da desigualdade
econômica. E como se fosse a única representante dos falantes, a língua portuguesa é
a norma-padrão que leva todo o prestígio social em detrimento das demais
variedades, com seu alto poder simbólico.
Representa para o coletivo, uma língua supostamente falada pelas camadas
sociais importantes, que detém o poder econômico e político do país. Classes
privilegiadas enxergam como sua identidade no grupo dominante, empenhando-se em
conservá-la pura, sem as corrupções daqueles mais baixos da mesma sociedade. É a
rejeição, afastamento das outras classes, deixando clara a diferença entre eles. O dito
“bom”, o “bonito”, o “certo” pertence a uma minoria reduzida de cidadãos, enquanto a
maioria não tem influência nas decisões políticas, econômicas, educacionais e
culturais. Ao invés de ser usada como instrumento para a “ascensão social”, como
alguns ingênuos costumam pensar ser a função da norma-padrão, esta serve de
mecanismo de segregação, de exclusão social.
Na realidade, fala-se certo número de variedades de português. Existe o
português-padrão (PP) e o português não-padrão (PNP), sendo que este não é
exatamente único, já que existem muitas variações que dependem de diversos
elementos linguisticos e sociais. E o português-padrão é apenas a referência ou um
critério de avaliação. Temos esse padrão como base para que todos possam ler e
compreender o que está escrito.
O PNP é a grande vítima. Sempre rebaixada e muitas vezes ridicularizada
pelos ares superiores do PP, o preconceito acaba afetando mais do que se imagina. A
escola, por exemplo, não admite essas variações e impõe o PP, renegando e
desprezando alunos que trazem essa “bagagem lingüística”, um prejuízo e injustiça
para nosso sistema educacional. Porém, não bastaria uma modificação nos métodos
pedagógicos, haveria de ser uma transformação radical na sociedade em que
convivemos. Ponderar tais fatos não é apenas trabalho de linguistas. Normalmente as
pessoas só refletem sobre as situações quando lidam ou as presenciam.
Irene, a voz lingüística desta novela didática, pretende nos dar um banho de
realidade em seus diálogos mostrando que o PNP é mais do que aparenta. E mais
ainda, propõe uma nova visão, revelando a real face do PNP: não é uma língua
“errada”, como é comumente discutida, é organizada, coerente e funcional, é aquela
que segue as tendências naturais da movimentação do português e tem lógica
histórica. Poderíamos até escrever uma gramática do PNP, mas seria um trabalho
para muitos anos e pesquisas. A professora nos leva então a uma análise das
diferenças de ordem fonética, o modo de pronunciar a língua, por ser tão evidente em
nosso cotidiano e que, logo, recebe a maior “carga” de preconceito e recusa por parte
dos conservadores.
Aquilo que é considerado erro no PNP tem sua explicação. Um erro é cometido
quando, por exemplo, se alguém falar “cafalo” querendo dizer “cavalo”, por ter tido
problemas na audição ou na pronunciação. Porém, falar “pranta” ao invés de “planta”
não se trata do mesmo caso, trata-se de um fenômeno chamado rotacismo.
Rotacismo é uma inclinação natural que tende a substituir o L pelo R nos
encontros consonantais, que ocorre nas mais variadas regiões do Brasil e participou
da formação da língua portuguesa padrão ao longo do tempo. Por isso ouvimos
“broco”, “Cráudia”, “frauta”, “ingrês”, “pruma”... Na obra “Os Lusíadas” de Camões
encontra-se palavras dessa maneira, assim como em obras de Machado de Assis e
José de Alencar. Naquela época eram aceitos, mas como a língua muda e varia, não
são mais. Na língua original, no latim, tínhamos palavras com L e na passagem para o
português, surgiu um R. Acredita-se que algumas palavras mantiveram o L para
recuperar a forma original e deixar a tendência de lado.
Ainda nessa linha, o PNP conhece apenas encontros consonantais com R,
então não possui encontros consonantais com L. Tudo está relacionado com a
tendência da língua ou da lógica histórica. Algumas características do PNP podem ser
encontradas nas variedades usadas pelos falantes que se dizem cultos, reforçando a
idéia de que as forças de transformação da língua nunca param de agir, sempre há
modificações, de forma ininterrupta e imperceptível para seus falantes. Porém, até
Camões, autor renomado português, conhecido como o “verdadeiro” inventor da nossa
língua literária, cometia os tais “erros” imperdoáveis, digno de muitos risos. E o que na
verdade acontecia era a obediência do PNP às tendências da língua. Por não ser
compreendido, classificamos como mais um problema, observado no dia-a-dia,
seguido de escárnio e de deboche no ensino da língua.
Outra tendência do PNP é ser enxuto, enquanto o PP insiste em ser
exagerado. Na verdade, insiste em ser redundante. Ao passo que o PNP é suficiente e
eficiente, o PP exige a concordância em número, que do ponto de vista lógico, é
totalmente desnecessário e excessivo. Logo a economia do PNP faz dessa variedade
uma língua mais modesta, sóbria e menos vaidosa, além de dinâmica e possuidora de
maior flexibilidade do que o PP.
O falante que adota o PP entende ao ouvir uma enunciação do plural do PNP e
muitas vezes até se utiliza dessa regra sem perceber. Depende do caso e do lugar,
mas em ambientes descontraídos de família e amigos, eles parecem relaxar e falar
mais abertamente. Essa regra, por mais que não pareça, possui uma hierarquia rígida:
a marca do plural é empregada apenas no artigo definido, e na falta de um, emprega-
se na primeira palavra do grupo, podendo ser substantivo ou adjetivo, dando a
entender que aquele grupo está no plural. Na língua inglesa e francesa acontece
parecido.
Ao eliminarmos o excesso de marcas para indicar um único fenômeno, como o
caso citado acima dos plurais, percebemos que há também o caso dos verbos. Neste,
basta a presença do pronome-sujeito para indicar a pessoa verbal. A forma do verbo
não necessita variar tanto para que o ouvinte entenda de quem se está falando e o
tempo verbal, eliminando a concordância. Um ponto interessante a ser destacado é
que existe uma forma para o pronome Eu e outra forma para os pronomes seguintes:
o Eu marca a necessidade de que todo ser humano tem que distinguir-se do eu-
coletivo.
Para o caso da contração, observamos que as palavras não são como o caso
de redundância, mas elas sofrem um encolhimento para seguir o ritmo natural do PNP,
o ritmo paroxítono, que seria um tipo de aceleração na fala, ao invés de economia.
Logo, as proparoxítonas se encontram num vocabulário mais “erudito”, que têm base
no grego e no latim.
Ser econômico não é ser preguiçoso. Para o ponto de quem fala “trabaio” em
vez de “trabalho” também tem justificativa: LH é um som que não existe nessa
variedade. Por causa da difícil pronúncia, esse som produzido com a ponta da língua
tocando o palato, perto de onde é produzida o I. Por comodidade e proximidade,
inclusive os estrangeiros falam assim por também não conhecer ou ter dificuldade de
pronunciar o som de LH. Trata-se da assimilação.
Nessa linha, ocorre também a transformação de ND (do gerúndio) em N e MB
em M. Para o primeiro caso, a justificativa é que /n/ e /d/ são fonemas dentais e por
serem produzidas na mesma zona de articulação, sofrem assimilação: “falando” >
“falanno” > “falano”. E no segundo caso, os fonemas /m/ e /b/ são fonemas bilabiais,
aproveitando que são da mesma zona de articulação, sofrem o mesmo processo:
“também” > “tammém” > “tamém”. Assimilação então é uma força que faz com que
dois fonemas diferentes, porém próximos, se tornem iguais. Teve participação
significativa na história da formação da língua portuguesa e ainda se encontra em
atividade, produzindo a língua dos séculos que estão por vir.
Historicamente, “o certo de hoje, já foi o erro de ontem”. A norma-padrão de
uma determinada época é diferente da época seguinte. As variedades empregadas
pelos falantes escolarizados sempre exprimem conservadorismo, assim como uma
boa quantidade de inovações lingüísticas. Estas é que são encaradas como “erros”
pelos normativistas. Quando as mudanças se condensam na variedade mais culta e
deixam de serem considerados “erros”, aceitos pelos falantes sem muita resistência,
essas novas formas lingüísticas unem-se à norma-padrão. Passam a adaptar-se e
acomodar-se à idéia de língua “certa” e ainda ganham status de regra. Contudo, a
norma-padrão está sempre em atraso em relação às variedades viva da língua, em
que as novas formas surgem o tempo todo concorrendo com as mais antigas.
A resposta imediata de um falante escolarizado diante do PNP é degradar com
um discurso previsível. Sempre envolve termos como “errado”, “corrompido”, “feio”,
“pobre”, “engraçado”, “deficiente”, “selvagem” e “rude”. Tal fenômeno oculta a
realidade do PNP e nos impede de poder explorar e compreender mais sobre as
variedades. E não é nada recente, pois devemos lembrar que até os gregos
repreendiam aqueles que não falavam o grego, denominando-os de bárbaros.
Repassar na memória a história da língua nos aponta que a própria permanece em
constante mudança, independente de qual seja a variedade considerada. Essa busca
no histórico pode esclarecer muitos fatos considerados “erros” pela sociedade.
Aquilo que foge do padrão e das normas, como a língua falada, são atacados e
combatidos numa implicância sem fim. Há casos em que os livros dizem que palavras
como “pouco” e “louro” possuem ditongos, o que não acontece no português do Brasil
ou de Portugal. O que se escreve ou é falado é “poco” e “loro”. Para surgir o encontro
vocálico OU, houve uma assimilação do AU vindo do latim e já sofreu nova
transformação. E a língua escrita que ainda não conseguiu acompanhar esse novo
processo, a monotongação (ou redução, para este caso).
Ao contrário do que imaginam, existem muito mais semelhanças do que
diferenças entre as variedades do português do Brasil. Por mais que essas
semelhanças sejam maiores em número, as pessoas teimam em enfatizar sempre as
diferenças. No entanto, não são as diferenças linguísticas que estão dispostos a
destacar, são as diferenças sociais. Por viver em condições mais desfavoráveis, só
por não ter acesso ao conhecimento sistemático por maioria, a língua é então taxada
de pobre, feia, errada... Contudo, pobres e carentes são aqueles que o falam e errada
é a situação de injustiça em que vivem. Não há aquele que fala “mais certo”, todos
falam igualmente certo e cada modo tem sua explicação histórica. É falar diferente,
mas não errado.
Alguns “crimes” consistem em heranças antigas e “fósseis” lingüísticos. São os
chamados arcaísmos. Sua presença é fato comum entre as línguas que foram
transferidas de uma terra para outra. E quanto mais distante é a terra de origem, mais
arcaica se torna a língua por não conseguir acompanhar as mudanças daquela. Isso
explica a relação do português rural e urbano.
Na prática de ensino, muitas das vezes nos detemos a colocações que não
correspondem a real língua viva e acabamos deixando de lado aspectos mais
interessantes e que dizem respeito a fenômenos mais próximos de nós e dos alunos.
Então, por costume, ao ensinar a gramática como uma coisa complicada, a resposta
que temos por parte do público-alvo é uma antipatia. O que devemos considerar é que
o PNP é uma língua que está ligada mais à oralidade do que a forma escrita.
Consequentemente, não existe nenhum sistema escrito apto de reproduzir fielmente a
rica língua falada. Cada língua, portanto, possui dois lados históricos: a face da língua
falada e a face da língua escrita.
O preconceito linguístico surge de uma insatisfação pessoal que reflete na
sociedade, no sentido de pertencer a algo ou algum lugar ou de ser superior e
dominante. A partir dessas desigualdades sociais, os falantes escolarizados acabam
vendo mais diferenças linguísticas do que as que realmente existem entre o PP e o
PNP. Na hora de discriminar, é a mínima diferença que conta.
O PNP tem sim regras gramaticais, diferentes das do PP, coerentemente
obedecidas e serve de material para uma literatura popular rica. Esta poderia ser mais
explorada nas escolas, até como maneira de afastar o preconceito que pesa sobre o
PNP. Isso não quer dizer que deveríamos trocar o PP nas escolas, ensinando o PNP.
É apenas um modo de chamar atenção para as diferenças que, infelizmente, são
acusadas de “erros” por não compreender a lógica por trás delas. Assim, no ambiente
escolar, é preciso que haja espaço para o máximo possível de variedades linguisticas.
Ainda no ambiente escolar, acredita-se que o ser aprendiz não tem nada a
apresentar, que é carente e deficiente de conhecimento. Por isso tratam logo de
“preenchê-lo” com a língua “boa” e “perfeita”. A partir dessa problemática podemos ver
o número impressionante de alunos que desistem da escola. Entretanto, toda pessoa
sempre tem algo de interessante ou importante a compartilhar e a transmitir aos
próximos. Com essa visão, podemos tentar esclarecer a diferença entre educar e
ensinar, passada tão erroneamente pela sociedade. Educar é por para fora as
experiências, falando por si mesmo suas particularidades e conhecimentos, enquanto
que ensinar é implantar, de fora para dentro, o saber.
O estado atual de qualquer língua falada é muito diferente do que era há algum
tempo e do que será nos próximos tempos por sempre estar a se mexer, rebelando-se
e fugindo de leis e normas estabelecidas pelos conservadores. O grau de
conservadorismo então varia de língua para língua, de acordo com os decretos que
tendem a permanecer os mesmos na passagem de tempo. O lado bom deste estado
imóvel é que, como não há muitas mudanças, facilita a nossa leitura de documentos
antigos e livros impressos há muito tempo. Logo, o papel da língua escrita é transmitir
o saber e a cultura. O que não podemos permitir é que ela atue como uma “prisão” da
língua falada.
Nem tudo o que se diz, se escreve e nem tudo que se escreve, se diz. Muitas
vezes nos deixamos levar e cobramos das pessoas para que falem o mais próximo
possível do jeito que se escreve, ainda que seja um caso impossível. A língua escrita
nada mais é que a representação simbólica da língua falada, não um retrato fiel desta.
É como uma roupa que dá a idéia de como a palavra é, e tal como roupa, esconde o
bonito e o interessante que poucos conseguem enxergar. Realmente, é mais
complexo que se possa imaginar.
A unidade ortográfica que temos deve auxiliar na leitura e compreensão daquilo
que está escrito. Até porque, como conjunto de símbolos, a língua escrita pode ser
interpretada de várias maneiras de acordo com as condições que apresenta. Por isso
uma representação única para interpretações variadas. Se for pra corrigir algo, que
corrija o inadequado, ambíguo e confuso na escrita, mas não o que é espontâneo,
harmonioso, natural na fala.
O PNP pode parecer mesmo estranho, mas resulta da ação de tendências
antigas, as quais são reprimidas pela educação formal, pelas regras da linguagem
literária, mas que são livres na boca do povo. E até o falante mais culto, escolarizado e
controlado na fala e na escrita não consegue nunca respeitar todas as regras. Não há
aproveitamento de 100% porque as variedades da língua são reais e a norma-padrão
é ideal, uma abstração. Já o falante não tão culto quando quer falar, fala e pronto. Se
seu discurso deu certo, se passou a informação que queria, ele crê que possa
acontecer de novo, em situações semelhantes. Há tanta coisa que podemos aprender
ao analisar o PNP a partir das observações dos supostos “crimes”, desde a história
desses fenômenos até seu funcionamento, conhecendo até outras línguas e
características em comum.
Diante das inúmeras variedades, lingüistas brasileiros determinaram a
classificação destas de acordo com o grau de escolaridade dos falantes. O problema é
a falta de acesso, em que uma escolaridade plena sofre com os obstáculos, como a
injustiça social e a desigualdade econômica, que mal permitem a passagem de
algumas porcentagens. Por outro lado, temos a pressão feita pelos defensores e
protetores da norma-padrão para que a mesma permaneça inalterada, cujo esforço
não vale a pena, visto que é inegavelmente impossível sua procedência. Os
conservadores tentam nos convencer que estão tentando salvar o português. Culpam
até os falantes cultos de maltratar a língua, baixando a auto-estima lingüística dele
para fazê-lo sentir como um “selvagem”.
O histórico da língua nos permite crer que não importa a intensidade dessa
pressão, a norma padrão de qualquer forma vai sofrer algum tipo de transformação. A
velocidade de tal vai depender da dinâmica social da comunidade ou do país.
De qualquer maneira, sempre haverá um desacordo entre o conservadorismo
da norma-padrão e a tendência inovadora das variedades reais. Se a norma-padrão é
realmente um ideal, algo inatingível na prática, ela poderia absorver uma série de usos
lingüísticos novos, assimilados pelos falantes cultos e já consagrados na literatura dos
melhores escritores. Com certeza, amenizaria esse abismo existente entre o padrão
lingüístico e o uso real da língua por parte dos falantes cultos. Várias pesquisas
concluíram que gramáticos tradicionalistas esforçam-se cada vez mais em impor
regras, enquanto a maioria dos linguistas quer o reconhecimento da complexidade e
dinamicidade dessa situação linguística.
Outra realidade é a exigência que cai sobre os professores para que continuem
a ensinar da mesma maneira como aconteceu nos anos passados, cobrando a mesma
nomenclatura, promovendo os mesmo exercícios e difundindo os mesmos
preconceitos contra a variação e heterogeneidade linguística. O professor de
Português tem que tomar a base teórica para praticar no ensino, sendo fundamental
que esteja atualizado quanto a pesquisas, investigações e avanços no seu campo de
estudo. Isso evita que se transforme num repetidor da doutrina conservadora e
tradicionalista e mantenha uma dinamicidade na língua.
À vista disso, é importante que o professor saiba explicar o fenômeno, mostrar
a lógica dessa variedade falada, pois também existem regras gramaticais agindo ali,
só que são regas de outra gramática, não da normativa tradicional. Não que os alunos
não saibam falar, porque eles sabem, mas pelo menos orientá-los quanto a essa
construção no contexto em que vivem. Melhor ainda se o ensino for além dessa
cobrança da norma-padrão. No caso, um ensino crítico, propondo a valorização dos
usos linguisticos variados, já que a língua faz parte da pessoa, como se fosse ela
mesma. Negar esse valor ao modo de falar de cada pessoa é o mesmo que negar seu
valor como pessoa.
Princípios como este já nos serve de base para a construção de uma nova
abordagem e de tratamento dos problemas por causa de todas essas divergências
discutidas.

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