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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Cultura e Sociedade

O Diálogo como Ponte para a Identidade

The Terminal (Terminal de Aeroporto), filme da autoria de Steven Spielberg


escolhido como complemento do assunto a ser tratado, retrata a chegada de Viktor
Novorski ao aeroporto JFK, em Nova Iorque que, com a queda do governo do seu país,
Krakozhia, perde a sua identidade1 colectiva.
Este filme compreende um conjunto de conceitos por nós abordados,
nomeadamente os conceitos de “não-lugar2”, “identidade”, “cultura3” e “diálogo4”. E
em relação a esta última temática, será interessante elaborar uma pequena reflexão
acerca da necessidade do diálogo para a construção da identidade. Neste caso
específico, a tarefa de Novorski, que se encontra sozinho e retido num aeroporto, (não-
lugar e, adaptando a citação de Marc Augé, um espaço “onde nem a identidade, nem a
relação, nem a história fazem sentido, em que a solidão se experimenta como superação
ou esvaziamento da individualidade”) não se encontra facilitada.
Graças à sua permanência imposta naquele espaço durante nove meses, verifica-
se uma clara evolução das relações entre a personagem principal e aquilo que a rodeia.
Algo que não seria possível sem a evolução do próprio diálogo. Novorski, que não
compreendia nada para além de algumas expressões básicas em inglês, acaba por
aprender a falar esta língua, passando a dominá-la de modo a conseguir comunicar,
chegando mesmo a servir de decisivo intérprete numa situação de incompreensão entre
funcionários e um passageiro. É aqui que “o cidadão de lado nenhum”, constrói uma
“nova identidade” e passa a ser conhecido como Viktor “O Bode” Novorski. O facto
de lhe ser atribuído um nome naquele momento significa que já é alguém aos olhos
dos outros, um ser que é visto e em quem os outros reparam. Esta ideia de atribuição

1
“Identity gives us an idea of who we are and of how we relate to others and to the world in which we live. Identity
marks the ways in which we are the same as others who share that position, and the ways in which we are different
from those who do not.” (Woodward, Kathryn. Identity and Difference. London: Sage Publications, 1997)
2
“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como
identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar" (Pires, Maria Laura. Teorias da
Cultura. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2004)
3
“De um modo geral, a cultura refere-se aos componentes simbólicos e aprendidos do comportamento humano, tais
como, a língua, a religião, os hábitos de vida, e as convenções. Sendo o oposto do instinto, é muitas vezes
considerada como aquilo que distingue o homem do animal. No âmbito desta perspectiva, cultura, que apenas o
Homem possui, corresponde ao desenvolvimento intelectual e a um refinamento de atitudes.” (Pires, M.ª Laura.
Teorias da Cultura. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2004)
4
“Conversa entre duas ou mais pessoas; troca de ideias para se chegar a um entendimento; alternância de dois
factores complementares um do outro” (Infopédia. Disponível em http://www.infopedia.pt/lingua-
portuguesa/di%C3%A1logo. Acesso em 14 de Novembro de 2010)

1
de uma identidade é reforçada pela imagem da sua mão a ser repetidamente copiada na
impressora e distribuída pelo aeroporto, como que mostrando a todos que a partir
daquele acto, Viktor, era alguém merecedor de uma impressão digital: tinha o direito
de existir e habitar diariamente aquela lugar, o que acaba por contrariar a ideia anterior
do aeroporto como sendo um não-lugar. Ao longo do filme, a personagem vai
demonstrando uma parte da sua identidade que é limitada pela falha da sua identidade
colectiva, o que torna complicada a análise da sua identidade individual, visto que esta
última depende também em parte da identidade colectiva de cada um. A identidade de
Novorski está assim incompleta e comprometida pela complexidade da problemática
acima referida, algo que nos leva a crer que este Viktor não é mais que alguém que se
adaptou, ou procurar adaptar, ao ambiente e aos factos que o rodeiam.

Pretendemos dar a entender que o diálogo é o fio condutor para que Viktor passe
a ter uma identidade própria, muito por causa da procura pelo conhecimento da língua
como meio de conseguir comunicar com os responsáveis e funcionários do aeroporto.
Ao passar a ser conhecido como Viktor “o Bode” Novorski muito por causa da
capacidade em conseguir dialogar com quem o rodeia, ele acaba por tornar um não-
lugar num lugar, pois aquele espaço começa a tornar-se emocional, confortável e até
caloroso, no sentido em que este começa a agir como se aquela já fosse de facto a sua
casa. Esse tipo de relação com o não-lugar advém muito do facto de Viktor ter
conseguido criar uma teia de relações humanas, através precisamente da arte de
dialogar.

Como Appadurai diz: “Ninguém pode envolver-se num diálogo sem correr
sérios riscos. Esta perspectiva contraria a do senso comum, que vê o diálogo como
casual, quotidiano, ou mesmo secundário relativamente ao funcionamento real do poder
e da riqueza”. È de facto importante salientar que dialogar envolve riscos. Por exemplo,
o do interlocutor não entender a mensagem que queremos transmitir ou de atribuir uma
outra conotação ao que lhe é dito, através da entoação dada, da expressão facial, etc. O
que nos coloca numa posição de maior vulnerabilidade, tornando-nos por vezes mais
frágeis. No entanto, para que de facto ocorra o diálogo, é necessário correr esses riscos,
tal como aconteceu com Viktor ao falar com o responsável pela segurança do aeroporto.
Mesmo não falando a mesma língua e não tendo qualquer conhecimento acerca do seu
interlocutor, arriscou na conversação para atingir o seu objectivo, que era o de poder
sair do aeroporto.

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Docente: Maria Teresa Malafaia
Outra condição essencial a focar é a da negociação que tem de haver entre ambas
as partes para que exista um consenso entre os intervenientes no diálogo. Tomemos com
exemplo um excerto do filme em que um dos trabalhadores do aeroporto faz uma
proposta a Viktor para que este o ajude a conquistar a mulher que gosta em troca de
comida. Existe assim uma troca de favores que surge do diálogo existente entre as
personagens.

Fica, portanto, claro o sentido do título do trabalho “O Diálogo com Ponte para a
Identidade” pois é através deste que todos os outros conceitos se vão articulando,
formando uma caracterização do espaço e do indivíduo.
É no entanto importante deixar uma questão: será Viktor “o bode” Navorski o
verdadeiro Viktor ou este retomará a sua identidade construída a partir dos conceitos
definidos pelo seu país?

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Docente: Maria Teresa Malafaia
Bibliografia

Augé, M. (1992) Não-Lugares - Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade.


Lisboa: 90 Graus Editora.

Pires, Maria Laura. (2004) Teorias da Cultura. Lisboa: Universidade Católica Editora

Woodward, Kathryn. (1997) Identity and Difference. London: Sage Publications

Appadurai, Arjun (2009). Podemos Viver Sem o Outro? As Possibilidades e os Limites


da Interculturalidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

Webgrafia

The Internet Movie Database. Disponível em http://www.imdb.pt/title/tt0362227/. Acesso a 14


de Novembro de 2010.

Filmografia*

“Dificuldades de Comunicação” – „03,25 min.


“Construção da Cama” – „16,16 min.
“Aprender Inglês” – „32,58 min.
“Construção da “casa” – „55,02 min.
“Viktor salva o russo / Serve de intérprete” – „1h08 min.
“Navorski é reconhecido (ganha a identidade) ” – „1h19 min.

*Nota: Por não termos conseguido retirar as cenas do filme que pretendíamos anexar em formato vídeo para ilustrar
situações presentes no texto, resolvemos indicar quais os tempos em que estas cenas decorrem.

Trabalho elaborado por:


- Cláudia Luzio, nº42030
- Carla Duarte, n.º 42031
- Joana Albino, n.º43673
- Maria Ribeiro, n.º 43671
(TP2)

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Docente: Maria Teresa Malafaia

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