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CONTRATOS INTERNACIONAIS

1. A liberdade contratual.

É através de contratos bilaterais que a vida de relação económica


normalmente se desenvolve, quer por ser o contrato, como se sabe, o
instrumento por excelência dirigido à auto-realização dos interesses
privados, quer porque, sendo bilateral, permite o encontro e o
indispensável equilíbrio de interesses, num sistema essencialmente de
auto-regulação.
Por isso, a iniciativa económica organizada - a vertente
empresarial da economia - vê no contrato, nomeadamente no contrato
bilateral, o meio adequado para modelar e estruturar juridicamente as
suas relações económicas, com o objectivo de as acomodar à realização
dos seus interesses próprios.
Para tanto, é um pressuposto basilar e essencial, do ponto de vista
funcional ou dos interesses em confronto e em realização, a existência
do princípio da liberdade contratual, consagrado no nosso direito
interno, no artigo 405º do CCIV, onde se dispõe que, dentro dos limites
da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei e de incluir
nestes as cláusulas que lhes aprouver.
A liberdade contratual traduz-se, desde logo, na liberdade de
contratar, ou seja, na faculdade de livre estabelecimento entre as
pessoas de consensos destinados a regular os seus interesses recíprocos.

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O Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado
(UNIDROIT), nos seus Princípios Relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais, faz acrescer à liberdade contratual a liberdade de forma
(artigo 1.2), prescrevendo que os Princípios “não impõem que o contrato
seja celebrado por escrito”, podendo “ser provado por qualquer meio,
incluindo a prova testemunhal”.
É essa força vinculativa do contrato que o artigo 1.3 dos referidos
Princípios Relativos aos Contratos Comerciais Internacionais
(UNIDROIT) consagra ao estabelecer que “um contrato validamente
celebrado vincula as partes contratantes”, só podendo “ser modificado
ou terminado nos termos do disposto nas respectivas cláusulas, por
comum acordo entre as partes ou ainda pelas causas enunciadas nestes
Princípios”.
Uma vez tomada a decisão de contratar, a liberdade contratual
significa a faculdade de fixar livremente o conteúdo do contrato -
faculdade da qual derivam quer a faculdade de celebrar contratos
diferentes dos previstos na lei, quer a de incluir nos contratos as
cláusulas que aprouver aos contratantes.
A estes é reconhecida, desse modo, plena liberdade para
formularem propostas contratuais e aceitarem ou rejeitarem propostas
contratuais que lhes tenham sido dirigidas - sob pena de ineficácia ou
anulabilidade do contrato, caso essa liberdade lhes seja suprimida
(coacção absoluta ou simples coacção moral).
Uma vez exercidos livremente os direitos de proposta e de
aceitação, e obtido, por conseguinte, o consenso contratual, ficam os
contratantes vinculados juridicamente à sua observância, sendo negada a

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cada um a possibilidade de, por modo unilateral, adoptar um
comportamento desconforme ao acordado.

2. A natureza internacional do contrato e a sua regulamentação.

Uma relação jurídica privada é de natureza internacional quando


entra em contacto, através de um dos seus elementos estruturais, com
mais do que uma ordem jurídica – são relações “plurilocalizadas”.
Assim, um contrato é internacional se, por um determinado dos seus
elementos, está em conexão com a ordem jurídica de mais de um
país. Para determinar qual seja esse elemento de conexão relevante, ou
seja, qual a conexão decisiva para escolha da lei aplicável, deve atender-
se, por um lado, aos fins gerais do Direito Internacional Privado e, por
outro lado, à consideração dos principais valores e interesses em causa.
Em 1994, Portugal aderiu à Convenção sobre a Lei Aplicável às
Obrigações Contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de
1980, no âmbito da então Comunidade Económica Europeia. Visou essa
Convenção, nomeadamente, prosseguir, no domínio do direito
internacional privado, a obra de unificação jurídica, designadamente em
matéria de competência judiciária e de execução de decisões, e
estabelecer regras uniformes relativamente à lei aplicável às obrigações
contratuais.
A Convenção é aplicável às obrigações contratuais nas situações
que impliquem um conflito de leis (artigo 1º), e manda (artigo 3º) que o
contrato internacional seja regido pela lei escolhida pelas Partes,
devendo essa escolha ser expressa e inequívoca. Na falta de escolha

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(artigo 4º), o contrato deve ser regulado pela lei do país com o qual
apresente uma conexão mais estreita, presumindo-se (artigo 5º) que o
contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a
Parte que está obrigada a fornecer a prestação característica do
contrato tem, no momento da celebração deste, a sua administração
central. Esta presunção não vale quanto ao contrato transporte de
mercadorias, uma vez que se deve presumir que tal contrato apresenta
uma conexão mais estreita com o país em que, no momento da
celebração do contrato, o transportador tem o seu estabelecimento
principal, se o referido país coincidir com aquele em que se situa o lugar
da carga ou descarga ou do estabelecimento principal do expedidor.

Em matéria de contrato de compra e venda, e sobre proposta da


Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional
(CNUDCI), a Conferência da Organização, reunida em Viena, aprovou,
em 11 de Abril de 1980, uma Convenção sobre os Contratos de Compra
e Venda Internacional de Mercadorias, cujo campo de aplicação se
delimita pelos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes
que tenham o seu estabelecimento em Estados diferentes quando a
Convenção esteja em vigor nesses Estados ou, quando, não se
verificando essa hipótese, as regras de direito internacional privado
conduzam à aplicação da lei de um Estado contratante (Convenção de
Viena de 1980, artigo 1º, nº1). Para os efeitos de aplicação da
Convenção é, pois, irrelevante a nacionalidade das partes, e indiferente a
natureza civil ou comercial da relação contratual.

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Em matéria de cláusulas penais, a referida CNUDCI elaborou, na
sua sessão de 24 de Maio a 3 de Junho de 1983, o texto final de Regras
Uniformes, que a Assembleia Geral da Organização veio a aprovar
como Recomendação aos Estados Membros para modelo do seu direito
interno. Ora, neste ponto, as Regras Uniformes relativas às Cláusulas
Contratuais Estipulando o Pagamento de uma Quantia em caso de
Incumprimento consideram (artigos 2 e 3) como internacional um
contrato quando as partes tiverem o seu estabelecimento, no momento
da conclusão desse contrato, em Estados diferentes - sendo, igualmente,
irrelevantes, quer a nacionalidade das partes, quer a natureza civil ou
comercial das partes ou do contrato.
Para o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado
(UNIDROIT), o carácter internacional de um contrato é definido pela
forma mais ampla possível, de modo a conduzir à interpretação mais lata
possível – o que obtém pela negativa, ou seja, considerando serem
apenas de excluir do conceito de contrato internacional as situações
contratuais em que não exista qualquer elemento internacional, ou seja,
quando os elementos relevantes do contrato em causa se relacionem
apenas com um único país.

A celebração de contratos cuja conexão ultrapassa as fronteiras de


um ordenamento jurídico é, hoje, uma situação generalizada em
consequência de as empresas estabelecerem com grande frequência
relações económicas internacionais, operando à escala de mercados cada
vez mais vastos: desde zonas economicamente integradas até ao próprio
mercado mundial.

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Esta actividade transnacional dos operadores internacionais, com a
consequente multiplicação de contratos comerciais internacionais exige
um correlativo esforço de regulamentação, em superação do recurso às
normas de conflitos de cada legislação nacional para a resolução dos
problemas que suscita.
A essa multiplicação dos contratos comerciais internacionais não
correspondeu, no entanto, o estabelecimento de regras internacionais
uniformes relativas às suas formação e conclusão que desse resposta às
exigências de regulamentação do comércio internacional, continuando a
ser em grande parte monopólio dos legisladores nacionais o regime
aplicável aos contratos internacionais, justamente por força dos
mecanismos próprios das normas de conflitos do direito internacional
privado. São, no entanto, frequentes e de extrema complexidade os
problemas suscitados em matéria de aplicação das normas de conflitos,
quer por oposição entre estas, quer pelo enfrentamento de ordens
jurídicas, quer pelas posições diversas da legislação nacional de um ou
de ambos os contraentes.
É, assim, aspiração de quem actua no comércio internacional a
existência de uma disciplina jurídica uniforme aplicável à formação e
conclusão dos contratos internacionais, baseada no princípio
generalizadamente aceite da autonomia da vontade privada e capaz de
transmitir aos contratantes a segurança que decorre do conhecimento da
regulação jurídica aplicável.
Mas enquanto não se avança mais nesse caminho, é possível
superar a diversidade de ordens jurídicas candidatas à disciplina de um
contrato comercial internacional, através da utilização:

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a) de redacções conformes a regras substantivas generalizadas ou
conformes, incluindo nos contratos padrões normativos
correspondentes a práticas e usos comerciais;
b) de remissões para ordens jurídicas nacionais ou para sistemas
de normas ou regras consuetudinárias internacionais
(INCOTERMS, lex mercatoria, Princípios Unidroit) ou para
convenções internacionais (Convenção de Viena de 1980 sobre
a compra e venda internacional de mercadorias);
c) da sujeição dos litígios emergentes do contrato de comércio
internacional a tribunais arbitrais internacionais
institucionalizados.

3. Negociação dos contratos.

3.1. Razão de ordem.

A questão a analisar respeita ao carácter vinculativo dos diferentes


estádios do processo de formação dos contratos comerciais internacionais,
desde as negociações preliminares até à sua conclusão.
Operando hoje em mercados cada vez mais amplos, que a isso
conduz a globalização económica, caracterizada pelo fenómeno da
internacionalização da economia e da interdependência dos mercados,
tendo como meta o mercado mundial e por percurso cada vez mais vastas
áreas comercialmente integradas, as empresas são confrontadas com a
necessidade de celebrar contratos que, pela sua conexão internacional,
frequentemente ultrapassam as fronteiras dos ordenamentos jurídicos

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nacionais, tornando as normas de conflitos respectivas cada vez mais
dependentes da prática contratual internacional, a considerar em todo o
processo de formação contratual.
Vamos seguir os passos principais desse processo formativo dos
contratos internacionais.

3.2. A proposta contratual.

O processo de formação do contrato inicia-se por uma proposta, ou


seja, uma declaração de vontade que revela a intenção de contratar,
constituindo, por isso, uma oferta de contrato.
Nos termos do artigo 14 da Convenção das Nações Unidas aprovada
em Viena em 1980 (sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional
de Mercadorias), para que uma proposta seja havida como oferta de
contrato deve obedecer a três requisitos: deve, em primeiro lugar, ser
dirigida a pessoa ou pessoas determinadas; em segundo lugar, deve ser
suficientemente precisa; e, por último, deve exprimir a vontade de o seu
autor se vincular juridicamente com a sua emissão.
O artigo 2.2 dos Princípios UNIDROIT (relativos aos Contratos
Comerciais Internacionais) estabelece que “uma declaração negocial
constitui uma proposta de contrato se for suficientemente precisa e
manifestar a vontade de o seu autor se vincular em caso de aceitação”.
O direito interno português não nos dá expressamente qualquer
critério para a qualificação de uma declaração negocial como oferta de
contrato. É possível, no entanto, colher do nº 1 do artigo 224º do CCIV a
conclusão da necessidade de determinação do destinatário. Por outro

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lado, a declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal,
colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do
comportamento do declarante – isto é, deve ser suficientemente
explícita para revelar uma vontade contratual, com a precisão
necessária, revelada pelo “sentido objectivo da declaração negocial”.
Para que haja, em bom rigor, uma proposta contratual, é preciso que
a declaração da parte cubra de tal modo os pontos essenciais da
negociação, que a resposta afirmativa da outra parte baste para encerrar o
acordo vinculativo por elas visado. Se na declaração negocial o autor
deixa em branco um desses pontos (v. gr., o preço da coisa que pretende
vender) é porque pretende apenas, por via de regra, convidar o
destinatário a fazer uma proposta contratual” (A. VARELA). Como
simples provocações de propostas contratuais devem ainda ser
considerados os concursos para adjudicação de empreitadas, as remessas
feitas pelos comerciantes aos seus clientes de catálogo ou prospecto de
produtos que tem à venda com os respectivos preços, etc..

3.3. Eficácia da declaração negocial.

E quando é que uma declaração negocial produz os seus efeitos?


A teoria internacionalmente mais acolhida é a teoria da recepção,
embora, por vezes, de forma mitigada ou conjugada com outras.
Segundo essa teoria, “para que a oferta ou a aceitação (quando esta
consista numa declaração), se tornem eficazes não basta, pois, que elas
sejam expedidas (afastando-se, nesta medida, a chamada teoria da
expedição), mas não se requer, por outro lado, o seu conhecimento

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efectivo pelo destinatário (como seria o caso se se tivesse adoptado a
teoria do conhecimento ou da percepção); o que se exige, em suma, é
que a declaração negocial tenha chegado à “esfera jurídica” do seu
destinatário” (M. ÂNGELA SOARES / R. MOURA RAMOS).
É a posição aceite, embora de forma conjugada, pelo artigo 24 da
Convenção de Viena de 1980, que dispõe que uma proposta contratual,
uma declaração de aceitação ou qualquer outra manifestação de intenção
chega (parvient, reach) ao seu destinatário quando:
- ela lhe é feita verbalmente;
- ela lhe é entregue pessoalmente por qualquer outro meio, no seu
estabelecimento, no seu endereço postal ou, se não tiver
estabelecimento nem endereço postal, na sua residência habitual.
É, ainda, a doutrina acolhida nos Princípios UNIDROIT (relativos
aos Contratos Comerciais Internacionais), cujo artigo 2.3 estabelece, no
seu parágrafo 1, que a proposta se torna eficaz “logo que chega ao
destinatário”, embora sem a explicitação que a Convenção de Viena faz
no seu citado artigo 24.

A nossa lei interna (CCIV, artigo 224º, nº1) consagra igualmente a


teoria da recepção conjugada com a teoria do conhecimento, ao dispor
que “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo
que chega ao seu poder ou é dele conhecida”, ressalvados imperativos
de boa-fé (CCIV, artigo 224º, nº2).

O texto da Convenção é, por razões de certeza, que com maior


força se fazem sentir no comércio internacional, mais radical e, por isso,
o princípio da recepção é, nele, menos temperado pelo acolhimento do

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princípio do conhecimento do que o texto do artigo 224º do nosso
CCIV.
Assim, o destinatário da declaração, ou seja, o declaratário, ficará
vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que esta
não lhe tenha sido entregue (teoria do conhecimento). Mas ficará
igualmente vinculado logo que – nos termos da teoria da recepção – a
declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não
tome conhecimento dela. O que importa é que a declaração seja
colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições
de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se o não
conhecer, não fica afectada a perfeição da declaração, com vista a evitar
fraudes ou evasivas por parte dele.
Chegar a proposta à esfera do destinatário é passar a estar este em
condições de a conhecer, considerando-se eficaz a declaração que não
foi recebida por culpa do destinatário – como é o caso de este se
ausentar para parte incerta, de se recusar a receber a carta ou de não a ir
levantar ao correio, se o fazia normalmente (Ac. RP, de 18.10.83, CJ,
1983, 4º - 260). De um modo geral, a declaração chega à esfera ou ao
poder do destinatário quando foi levada à sua proximidade de tal
modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em
conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v. g.,
apartado, local de negócios, casa); uma enfermidade, uma ausência
transitória de casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário
(MOTA PINTO).

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3.4. Revogabilidade da declaração negocial.

Até à recepção da proposta pelo destinatário, não havendo


quaisquer expectativas a proteger, o declarante pode desvincular-se da
proposta que efectuou. É o princípio geral que resulta da Convenção de
Viena de 1980 e, no direito interno português, do disposto no Código
Civil: a declaração de revogação da oferta é sempre possível se chegar à
esfera jurídica do destinatário ao mesmo tempo ou antes da oferta
(Convenção, artigo 15, parágrafo 2; CCIV, artigo 230º, nº2); a declaração
de revogação da aceitação é sempre possível se chegar à esfera jurídica do
destinatário (o proponente) ao mesmo tempo ou antes da declaração de
aceitação (Convenção, artigo 22; CCIV, artigo 235º, nº2).
É também a posição que resulta do parágrafo 2) do artigo 2.3 dos
Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais,
onde se estabelece que “a proposta, mesmo irrevogável, pode ser retirada
se a retractação chegar ao destinatário antes ou ao mesmo tempo que a
proposta”.

Questão diversa, mas da maior importância, é a de se saber se é


possível a revogação da proposta contratual após a sua chegada à esfera
jurídica do declaratário.
O nosso direito interno (CCIV, artigo 230º, nº1) consagra, neste
ponto, uma solução radical: “a proposta do contrato é irrevogável depois
de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida”.
Por seu turno, a Convenção de Viena de 1980, no seu artigo 16, vai
ao encontro de uma solução intermédia, que formula nos termos
seguintes: admite a revogação da proposta contratual até ao momento

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da conclusão do contrato se a revogação chegar ao destinatário antes
de este ter emitido uma aceitação; exclui, no entanto, a possibilidade de
revogação se, pela existência de um prazo para a aceitação ou por
qualquer outro modo, resultar da proposta que é irrevogável, ou se for
razoável, face às circunstâncias em que a declaração foi emitida, que o
seu destinatário lhe atribua carácter irrevogável e agiu em consequência
dessa interpretação (actuação que, de outro modo, não assumiria).
Os Princípios UNIDROIT (relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais) estabelecem uma doutrina idêntica, ao prescreverem, no
seu artigo 2.4, parágrafo 1), que “até à conclusão do contrato, a proposta
pode ser revogada, se a revogação chegar ao destinatário antes de este ter
expedido a sua aceitação”. E acrescentam, no parágrafo 2) do mesmo
artigo que a proposta não pode ser revogada: a) se nela se indicar, através
da fixação de um prazo para aceitação ou de qualquer outro modo, que é
irrevogável; b) ou se o destinatário tinha fundadas razões para crer que a
proposta era irrevogável e agiu em consequência.

3.5. Modalidades da aceitação.

O princípio geral vigente nesta matéria, válido para a generalidade


das declarações negociais, é o de que a aceitação pode ser expressa ou
tácita. No primeiro caso, a declaração de aceitação é feita por palavras,
escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade; no
segundo, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a
revelam. Consagra nesses termos esse princípio o artigo 218º, nº1, do
nosso Código Civil, solução que o artigo 18 da Convenção de Viena de

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1980 igualmente fixa ao estabelecer que “uma declaração ou outro
comportamento do destinatário que manifeste o seu assentimento a uma
proposta contratual constitui uma aceitação”, indo no mesmo sentido os
citados Princípios UNIDROIT ao considerarem, no parágrafo 1) do artigo
2.6, que “vale como aceitação qualquer declaração ou conduta do
destinatário que mostre o consenso”.
A validade do silêncio ou da inacção como expressões de uma
vontade negocial está claramente afastada, quer na nossa lei (artigo
218º do Código Civil) quer na Convenção (artigo 18, nº1), quer nos
Princípios UNIDROIT (artigo 2.6, parágrafo 1), embora utilizando esses
diplomas formulações diferentes que, na prática, podem conduzir a
diferentes resultados. Assim a Convenção considera, pura e
simplesmente, que “o silêncio e inacção, por si sós, não podem valer
como aceitação”, e os Princípios estabelecem que “o silêncio ou a inércia,
por si só, não valem como aceitação”, enquanto o Código Civil, numa
formulação positiva, admite que “o silêncio vale como declaração
negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.
É certo que a Convenção e os Princípios, ao prescreverem que o silêncio e
a inacção (ou inércia) não podem valer, por si sós, como aceitação, abrem
a porta à possibilidade de valerem como tal: basta que legal ou
convencionalmente lhes seja atribuído esse valor – mas já é mais
duvidosa a possibilidade, admitida pelo Código Civil, de o silêncio valer,
por força da invocação de um uso, como declaração negocial.

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3.6. Prazo para a aceitação.

Esta questão tem a ver com a fixação dos prazos de duração da


proposta, ou seja, com a determinação do período de tempo durante o qual
o destinatário pode fazer chegar ao proponente a sua aceitação.
Vale, em primeiro lugar, como decisivo, o prazo convencionalmente
estipulado: se esse prazo existe, deve ele por força do princípio da
autonomia da vontade, aplicar-se. Na ausência de estipulação, há que
procurar os critérios que, por via normativa, são aplicáveis.
De acordo com o nosso direito (CCIV, artigo 228º, nº1), se não for
fixado prazo para a aceitação, mas o proponente pedir resposta imediata, a
proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação
cheguem ou possam chegar ao seu destino; se não for fixado prazo e o
proponente não pedir resposta imediata, sendo a proposta feita a pessoa
ausente ou, por escrito, a pessoa presente, àquele prazo devem adicionar-
se cinco dias.
Deve entender-se por “condições normais” o tempo de comunicação
ou de transporte ou de transmissão regulares, isto é, o tempo que ao
serviço postal, ao serviço de entrega em mão, ao serviço de entrega
expresso, à transmissão via fax, à transmissão por correio electrónico,
etc., em situações e condições correntes e habituais, não afectadas por
eventos ou ocorrências inabituais, deve atribuir-se com razoabilidade
(HEINRICH HORSTER). Será de entender que o meio de comunicação a
usar pelo aceitante deve aferir-se pelo meio de comunicação usado pelo
proponente.

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Por seu turno, a Convenção de Viena de 1980, utiliza aqui (artigo
18, parágrafos 1 e 2) um critério de aferição pelo “prazo razoável, tendo
em conta as circunstâncias da transacção e a rapidez dos meios de
comunicação usados pelo autor da proposta” – sendo que se a proposta
contratual for feita verbalmente a aceitação deve ser imediata, a não ser
que as circunstâncias indiciem outra coisa.
Como derrogações a esse princípio, a Convenção admite, no
entanto, no parágrafo 3 do seu artigo 18, e quanto ao seu específico
campo de aplicação (compra e venda internacional), que, se em virtude da
proposta contratual, das práticas que se estabeleceram entre as partes, ou
dos usos, for consentido ao destinatário da proposta manifestar o seu
assentimento através da realização de um acto material (consiste, por
exemplo, na expedição das mercadorias ou no pagamento do preço), a
aceitação torna-se eficaz, sem necessidade de comunicação ao
proponente, no momento em que aquele acto é praticado – desde que o
seja no prazo estipulado ou no prazo razoável de que fala o parágrafo 2
do artigo 18.
A previsão do parágrafo 3 pode ser generalizada a outras situações
para além do contrato de compra e venda internacional.
Os Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais consideram, no seu artigo 2.7, que “a proposta deve ser
aceite no prazo fixado pelo proponente ou, se não for fixado prazo, num
prazo razoável, tendo em conta as circunstâncias, designadamente a
rapidez dos meios de comunicação usadas pelo proponente” –
acrescentando que “uma proposta verbal deve ser imediatamente aceite, a
menos que algo diferente resulte das circunstâncias do caso”.

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E quando se deve ter por iniciada a contagem do prazo para a
aceitação?
A Convenção citada (cfr. artigo 20) fixa aqui diversas soluções.
Assim, se a oferta foi feita por telegrama ou por carta, o prazo para a
aceitação fixado pelo autor da proposta contratual começa a correr no
momento em que o telegrama é entregue para expedição, ou na data que
figura na carta (se a carta não estiver datada, na data que figura no
envelope).
Tratando-se de meios de comunicação instantâneos (telefone, telex,
fax, correio electrónico), o prazo para a aceitação começa a correr no
momento em que a proposta chega ao destinatário.
Idêntica posição decorre do artigo 2.8 dos Princípios UNIDROIT
relativos aos Contratos Comerciais Internacionais.

Decorrido o prazo para aceitação sem que a proposta haja sido


aceite, opera-se a extinção da oferta, deixando o destinatário de poder
aceitar a proposta.
O mesmo efeito da extinção da oferta produz a declaração de
rejeição, como referem o artigo 17 da Convenção de Viena de 1980 e o
artigo 2.5 dos citados Princípios UNIDROIT.

3.6.1. Recepção tardia da aceitação.

A recepção tardia da aceitação pode, todavia, produzir ainda efeitos,


quer no tocante à obrigação, em certos casos, de uma tomada de posição
do proponente, como é o caso da lei interna portuguesa, quer no tocante à

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possibilidade de adquirir a sua eficácia, como admitem a Convenção de
Viena de 1980 e os Princípios UNIDROIT.
Segundo a lei interna portuguesa (artigo 229º do CCIV), no caso de
expedição tardia da aceitação, o negócio não se conclui em caso algum:
quer a aceitação tenha sido recebida tardiamente pelo proponente, não
tendo este razões para admitir a expedição tardia, quer ela tenha sido
expedida tardiamente – na verdade, o proponente só pode considerar
eficaz a resposta tardiamente recebida se ela tiver sido expedida em
tempo oportuno. Em qualquer outro caso, a formação do contrato deve
considerar-se interrompida, dependente de nova proposta e de nova
aceitação.
Resulta desse regime que, mesmo que o proponente, não obstante a
recepção tardia da aceitação, esteja na disposição de anuir à aceitação da
outra parte, ele terá de fazer chegar ao poder ou ao conhecimento desta
nova proposta, traduzida na sua disposição de concluir o negócio.
A solução adoptada na Convenção de Viena de 1980 é, nesse ponto,
diferente da consagrada na lei interna portuguesa, admitindo o seu artigo
21, parágrafo 1, a possibilidade de o proponente que recebeu tardiamente
a aceitação a considerar produtora de efeitos como aceitação
tempestiva, se, sem demora, verbalmente ou mediante um aviso com
essa finalidade, informar o destinatário de que considera a aceitação
eficaz. E o parágrafo 2 dessa disposição estabelece que, se a carta ou
outro escrito que contenha uma aceitação tardia revelar que foi expedida
em condições tais que, se a sua transmissão se tivesse operado em termos
regulares, teria chegado a tempo ao autor da proposta contratual, a
aceitação (tardia) produz efeitos como aceitação, salvo se, sem demora, o
autor da proposta, verbalmente ou mediante um aviso com essa

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finalidade, considerar o destinatário de que considera extinta a sua
proposta.
A mesma doutrina está contida no artigo 2.9 dos Princípios
UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais.

3.7. A aceitação com modificações.

A questão que se deve pôr aqui consiste, essencialmente, em se


saber se a aceitação de uma proposta contratual quando envolve
modificação desta deve ou não ser havida como rejeição.
O nosso direito interno vai, categoricamente, no sentido de
considerar que “a aceitação com aditamentos, limitações ou outras
modificações importa rejeição da proposta (...)” (CCIV, artigo 233º, nº1).
Trata-se, aliás, do corolário lógico do princípio, expresso no artigo 232º
do mesmo Código, segundo o qual “o contrato não fica concluído
enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as
quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”.
Se a aceitação contiver modificações – e se estas forem
suficientemente determinadas e precisas -, equivale a nova proposta, ou,
se se preferir, a uma contra-proposta, contanto que outro sentido não
resulte da declaração (disp. cit., nº1, 2ª parte). Tem, além de ser precisa, e
como verdadeira proposta que é, de revelar a vontade inequívoca do
declarante (aceitante) de celebrar um contrato e de revestir a forma
requerida para o contrato em causa, invertendo-se as posições dos
intervenientes, passando o aceitante a proponente e o proponente a
destinatário.

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A orientação da Convenção de Viena de 1980 e dos Princípios
UNIDROIT vai no mesmo sentido do nosso Código Civil, dispondo
expressamente o artigo 19 daquela, que “uma resposta que pretenda ser a
aceitação de uma proposta contratual, mas que contém aditamentos,
limitações ou outras modificações, é uma rejeição da proposta e constitui
uma contra-proposta” e o artigo 2.11 (parágrafo 1) destes que “a resposta
a uma proposta que pretenda ser aceitação dela, mas que contenha
aditamentos, limitações ou outras modificações importa rejeição da
proposta e constitui uma contraproposta”.
A Convenção e os Princípios excluem dessa qualificação de
declaração de rejeição “as respostas que pretendam ser a aceitação de uma
proposta contratual, mas que contém elementos complementares ou
diferentes que não alteram substancialmente os termos da proposta, a
qual deve ser havida como aceitação, salvo se o autor da proposta,
sem atraso injustificado, fizer notar verbalmente as diferenças ou
mandar um aviso com essa finalidade” (Convenção), ou “manifestar o
seu desacordo sobre esses elementos” (Princípios) – sob pena de, não o
fazendo, os termos do contrato serem os da proposta contratual, com as
modificações constantes da aceitação (artigo 19, parágrafo da
Convenção e 2.11, parágrafo 2), dos Princípios).

O problema desloca-se agora para a determinação do que seja uma


alteração substancial dos termos da proposta. E o parágrafo 3 do
citado artigo 19 da Convenção fornece-nos, para a compra e venda
internacional, o seguinte critério: devem considerar-se como tal os
“elementos complementares ou diferentes relativos nomeadamente ao
preço, pagamento, qualidade e quantidade das mercadorias, ao lugar

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e momento da entrega, ao âmbito da responsabilidade de uma parte
em face da outra ou à resolução dos diferendos”, ou seja, a aspectos
essenciais para a caracterização do contrato. Não se tratando – como se
depreende pela utilização do advérbio nomeadamente – de uma
enumeração taxativa, o critério é meramente indicativo, ficando uma
porta aberta para se poder pretender o seu alargamento a outros aspectos
essenciais do contrato. Por isso, o critério apontado, se diminui o campo
de incerteza pela referência aos aspectos expressamente contemplados,
não o elimina completamente ao admitir a não taxatividade dessa
referência.
A aceitação rígida e radical do princípio do efeito de espelho (da
chamada “mirror image rule”), isto é, do princípio de que a aceitação
deve corresponder à imagem no espelho da proposta contratual, implicaria
que mesmo diferenças insignificantes entre a proposta e a aceitação
permitiriam a qualquer das partes, numa fase posterior, questionar a
existência do contrato – o que seria oportuno se, por exemplo, as
condições do mercado se tivessem alterado em seu desfavor.
É para evitar esse resultado que se prevê, como excepção à regra
geral, (Convenção, artigo 19, parágrafo2; Princípios UNIDROIT, artigo
2.11, parágrafo 2) que, caso os elementos adicionais ou as modificações
não alterem substancialmente os termos da proposta, o contrato se
tem por concluído com essas modificações – salvo se o proponente a
tal se opuser sem atraso injustificado.

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4. Conclusão do contrato.

Sendo o contrato um negócio jurídico bilateral (ou multilateral ou


plurilateral), deve haver-se por concluído logo que obtido o consenso
entre proponente e destinatário, ou seja, logo que a aceitação da
proposta ou oferta se torne eficaz.
A determinação do momento em que a aceitação se torna eficaz
depende das circunstâncias de cada caso em concreto, sendo questão a
resolver em face das disposições legais.
A Convenção de Viena de 1980, no tocante à compra e venda
internacional de mercadorias, dispõe no seu artigo 23 que o contrato se
conclui “no momento em que a aceitação de uma proposta contratual se
torne eficaz em conformidade com as disposições da presente
Convenção” (ver acima).
Os Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais consideram, igualmente, no seu artigo 2.1, que “o contrato
fica concluído quer pela aceitação da proposta quer por uma conduta das
partes que mostre com suficiente clareza o mútuo consenso”.

5. Protecção de interesses

5.1. As negociações preliminares.

A fase de negociação dos contratos tem vindo a merecer uma


atenção cada vez maior, não só por via da sua regulamentação normativa
como, ainda, em consequência da adopção pelas partes de mecanismos
de protecção dos seus interesses nesse espaço do percurso contratual.

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5.2. A responsabilidade pré-contratual.

É, hoje, indiscutível existir, no período anterior à conclusão do


contrato, responsabilidade dos contraentes pela sua conduta ao longo
da fase de negociação – é a chamada responsabilidade civil pré-
contratual, fundada na culpa in contrahendo.
A ideia que está na base desta responsabilidade reside na verificação
de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de
lealdade, de informação, de esclarecimento, de cuidado, dignos da tutela
do direito (A. VARELA) – ideia que teve acolhimento, no direito interno
português, no artigo 227º do CCIV. Dispõe este artigo, no seu nº1, que
“quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto
nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da
boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à
outra parte”. Decorrem da transcrita disposição, as seguintes
consequências:
a) a responsabilidade pré-contratual existe tanto no período das
negociações como no momento decisivo da conclusão do
contrato – abrangendo, assim, a fase crucial da redacção final
das cláusulas do contrato;
b) a responsabilidade pré-contratual não se circunscreve à cobertura
dos danos causados apenas nas hipóteses de não conclusão ou de
invalidade do contrato, mas abrange, ainda, os danos
provenientes da violação de todos os deveres secundários (de
informação, de esclarecimento, de lealdade, de cuidado, etc.);

23
c) a sanção aplicável à parte que, com a sua conduta, se afasta do
comportamento exigível na formação de contrato é a reparação
dos danos causados à contraparte;
d) a cobertura das expectativas legítimas criada à outra parte não
passa pela execução específica do contrato, no caso de a
conduta ilícita da parte ter conduzido à frustração da sua
conclusão, preservando-se a liberdade de contratar (na verdade,
se fossemos a considerar todo o abandono de negociações como
gerador de responsabilidade, por haver contradição entre essa
conduta e anterior conduta da aceitação ou proposta de
negociações, estaríamos a violar o princípio da liberdade
negocial);
e) a indemnização devida pela parte que adoptou uma conduta
ilícita deve, em caso de ruptura das negociações, medir-se, em
regra, pelo interesse contratual negativo da parte lesada, com o
limite do interesse contratual positivo ou de cumprimento
(benefício que a conclusão do contrato traria à parte prejudicada
nas suas expectativas); em caso de violação de um dever
acessório de conduta, a determinação da indemnização depende
da natureza do dever violado(A. VARELA).

Quanto à relevância dos deveres laterais que devem estar presentes


na formação negocial do contrato, podem-se referir os deveres de
informação (por exemplo, uma das partes sabe ou deve saber que um
facto – ignorado pela outra, mas que as regras da boa fé exigem que lhe
seja revelado – pode conduzir ao abortamento das negociações, pelo que
se lhe impõe que, sem demora, preste essa informação), de lealdade (uma

24
das partes rompe arbitrária e culposamente as negociações em curso, que
eram susceptíveis de levar, dentro da normal confiança ou justa
expectativa da outra parte, à conclusão e formalização do respectivo
contrato), de esclarecimento (a falta de esclarecimento de uma parte à
outra, fez com que esta tivesse realizado uma deslocação que, noutra
circunstância não faria, suportando despesas inúteis, que a parte faltosa
tem de indemnizar), de cuidado (se em consequência da falta, a outra
parte sofreu um dano físico, são os prejuízos resultantes desse acidente
que a parte faltosa deve reparar).

A exigência de actuar, na fase de negociação do contrato, segundo


as regras da boa-fé é corrente na regulamentação internacional dos
contratos comerciais. Veja-se, nesse sentido, o artigo 2.15 dos Princípios
UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais, que
dispõe no seu parágrafo 2) que “a parte que na condução ou na ruptura
das negociações agir de má fé responde pelo prejuízo causado à outra
parte”, considerando o parágrafo 3) que “está de má fé designadamente a
parte que enceta ou prossegue negociações quando tenciona não
chegar a acordo”.
Entende-se, assim, que o direito de livre negociação dos contratos e
de livre decisão do seu conteúdo não é ilimitado, não podendo entrar em
conflito com o princípio de boa-fé, consagrado no artigo 1.7 dos
Princípios. Num processo negocial as partes podem não ser livres de
romper abruptamente e sem motivo justificado as negociações: a questão
é a de se saber quando é que esse ponto de não retorno é atingido, o que
depende das circunstâncias de cada caso concreto, designadamente de se
saber se a outra parte, em consequência da conduta da primeira, tinha ou

25
não razões para confiar num resultado positivo das negociações, bem
como da importância e do número dos aspectos do futuro contrato já
acordados pelas partes.

5.1.2. A adopção convencional de mecanismos de protecção na


formação do contrato.

A incerteza normativa que rodeia a celebração de contratos


internacionais leva os contraentes, com frequência crescente, a
estabelecerem eles próprios as regras aplicáveis e a adoptarem os
instrumentos adequados às questões que possam surgir no processo
formativo do contrato. Esse procedimento usual tem lugar, também,
durante a fase de negociação do contrato, através de meios ou
instrumentos dirigidos à disciplina desta fase – melhor: à salvaguarda da
intenção de que a negociação decorra sem pôr em perigo interesses
importantes das partes.

5.1.2.1. A carta de intenções.

O mais importante desses instrumentos é, sem dúvida, a carta de


intenção (letter of intent). Os objectivos centrais deste instrumento
consistem em um terceiro relativamente ao contrato (por exemplo, uma
sociedade dominante) dar garantias respeitantes à execução de obrigações
a contrair no termo de um processo negocial por uma das partes (uma
sociedade dominada, por exemplo) ou, no caso de contratos de

26
negociação continuada ou progressiva, em cristalizar o estado das
negociações em determinado momento.
O principal problema levantado pelas cartas de intenção consiste na
sua força ou eficácia vinculativas ou não para as partes, quer quando
estabelecem direito ou obrigações específicas para as partes, quer quando
se destinam a certificar, em certo momento, o estado das negociações.
Em regra, nas cartas de intenção, o ou os declarantes não estipulam
direitos e obrigações e daí a incerteza sobre a sua eficácia vinculativa,
dependendo a existência e o âmbito da vinculação da interpretação do
próprio texto.A carta de intenção faz nascer para o ou os subscritores uma
vinculação mais ou menos ampla cuja medida depende da análise precisa
dos termos utilizados: pode tratar-se de uma simples vinculação moral ou,
mais frequentemente, de uma vinculação contratual geradora, segundo os
casos, de uma obrigação de meios ou de resultado.
Se a carta de intenção certifica a existência de negociações em
curso, dela pode constar a inexistência de responsabilidade no caso de
ruptura das negociações, servindo para afastar a responsabilidade pré-
contratual e para justificar, internamente, o emprego de tempo e a
realização de despesas nas negociações.
Se a carta de intenção certifica a existência de acordo sobre
determinados elementos do negócio, mas confere às partes liberdade de
concluir ou não o contrato, trata-se de um mero acordo de negociações
(agreement to negotiate) do qual não decorre qualquer vinculação quanto
à celebração do contrato - devendo, ainda, embora com dúvidas para
alguns autores, considerar-se afastada a responsabilidade pré-contratual
em caso de ruptura das negociações. Pode, no entanto, a continuação das
negociações estar vinculativamente assumida: nesse caso, tal obrigação

27
induz nas partes a expectativa dessa continuação e a futura celebração do
contrato, pelo que, se as negociações forem injustificadamente
interrompidas, haverá violação da boa fé e, logo, responsabilidade pré-
contratual.
Se da carta de intenções constar a existência de acordo sobre todos
ou a generalidade dos elementos do contrato (essenciais, naturais e,
mesmo, acidentais), mas fizer depender a sua efectiva celebração de
determinadas condições, deve considerar-se que as partes quiseram
reenviar a conclusão do contrato, nos termos acordados, para um facto
futuro e incerto posterior - condições que podem estar dependentes da
vontade das partes (como a aprovação da minuta do contrato pelo órgão
executivo, a obtenção de acordo sobre algumas variáveis a inserir num
contrato quadro ou open contract, tais como o preço, quantidades ou
prazos de fornecimento) ou serem dependentes de facto de terceiro (como
a obtenção de uma autorização administrativa necessária ou a obtenção de
um financiamento junto de uma entidade financeira). Levanta-se aqui, no
entanto, a importantíssima questão de se saber se a verificação da
condição implica ou não a obrigação de celebrar o contrato.
A carta de intenções estará já próxima de um contrato efectivamente
celebrado, mas não é ainda contrato, quando reflecte acordo sobre todos
os elementos essenciais e, eventualmente, naturais e acidentais do
contrato, mas nele é inserida a cláusula subject to contract (ou subject to
a formal contract drawn up by our solicitors). Na verdade, nos direitos de
common law esta cláusula é frequente e entendida como intenção de adiar
a vinculação das partes para o momento da assinatura formal de um
documento e, portanto, à redacção assinada, o que leva a considerar
ineficaz o acordo constante dos primeiros documentos, configurados não

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como proposta contratual, mas, simplesmente como convites a contratar –
isto é: um acordo do qual conste a cláusula subject to contract é
qualificado como carta de intenções.

Deve, assim, concluir-se que a subscrição de uma carta de


intenções não retira às partes a sua liberdade de celebração do
contrato, sendo, apenas, uma fase da negociação não concluída – pelo
que, sempre que se demonstre estarem concluídas as negociações ou
excluída a liberdade de celebração do contrato, estaremos perante um
efectivo contrato ou um contrato-promessa, não perante uma carta de
intenções.
A força vinculativa destas cartas é, na opinião e na prática dos
operadores internacionais, considerada como inexistente, já que delas
não resulta a assunção de obrigações para os subscritores, continuando
estes livres de discutir também os pontos da negociação já tratados na
carta.
A relevância jurídica das cartas de intenções reside tão só na
consideração do princípio da boa fé subjacente às negociações, já que
o seu conteúdo serve como padrão para as condutas dos subscritores na
aferição daquele princípio. É que das cartas de intenção pode resultar a
proibição de determinados comportamentos específicos ou a
comprovação de um determinado nível de progresso nas negociações (que
pode levar a considerar ilegítima a sua ruptura sem motivo justificado). E
nos casos em que as cartas documentem já um acordo dependente de
condições, a ruptura das negociações, ainda que com motivo justificado,
poderá desencadear responsabilidade pré-contratual levando à
indemnização pelo interesse contratual negativo.

29
5.1.2.2. A celebração de acordos preliminares no período de
negociações.

Mesmo que ainda não tenha ocorrido a celebração do contrato,


podem as partes celebrar, para salvaguarda dos seus interesses recíprocos,
acordos juridicamente relevantes, a que poderemos chamar acordos
preliminares ou intercalares (in-between agreements), como sucede com
os acordos sobre repartição de despesas suportadas com as negociações
(tais como, deslocações, assistência técnica, económico-financeira,
jurídica, auditorias), ou, o que se revela por vezes da maior importância,
com a obrigação assumida por alguém numa negociação com várias
pessoas de dar preferência a uma delas na celebração do contrato (right of
first refusal).
São acordos vinculativos, cuja violação dá origem a uma verdadeira
responsabilidade contratual – não são cartas de intenção, mas
verdadeiros contratos.

a. Acordos de confidencialidade (confidentiality agreements).

São acordos celebrados por regra como condição de abertura de


negociações (nomeadamente nos casos de fusões ou aquisições) e
destinados a garantir o sigilo das partes quanto às informações
financeiras, técnicas e comerciais a que tem acesso no decorrer do
processo de formação do contrato. Estes confidentiality agreements,
precedendo as cartas de intenção, destinam-se também a assegurar, antes
do seu início, a disciplina do próprio percurso negocial. Por isso, são
usualmente bastante detalhados, abrangendo não só a extensão da

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obrigação de sigilo e o prazo da sua manutenção, como, ainda,
eventuais possibilidades de utilização futura da informação.

b. Acordos de exclusão de oferta pública de aquisição hostil (non


hostile takeover agreements).

Estes acordos visam, num processo negocial de aquisições, evitar


que quem tem acesso à informação relativa a uma sociedade a adquirir
não apenas não possa utilizar essa informação para intervir no mercado
accionista em violação das regras que proíbem o insider trading, como
não a possa considerar para lançar uma oferta pública de aquisição
hostil, exterior ao processo negocial em curso. A forma mais usual de
evitar o carácter hostil da oferta pública de aquisição é submeter, em
instrumento contratual preliminar, toda e qualquer oferta pública de
aquisição ao convite ou, pelo menos, à aprovação da administração da
sociedade visada.

c. Acordos de negociação exclusiva (standstill agreements ou lock-


out agreements).

Para obstar à possibilidade de, no decorrer do processo de formação


do contrato, uma das partes desenvolver simultaneamente uma
negociação paralela com um terceiro, é habitual a celebração de acordos
de negociação exclusiva, através dos quais as partes assumem a
obrigação de, durante o prazo estipulado, não desenvolverem
negociações com um terceiro e, consequentemente, durante esse
período, não celebrarem qualquer contrato com objecto similar

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àquele que se encontra a ser negociado. Tratando-se de uma verdadeira
obrigação contratual, a sanção para o seu incumprimento reside na
indemnização pelos danos causados ao credor – protecção que se mostra,
de certo modo, frágil, visto que, sendo necessário provar a existência de
prejuízos, sempre haveria de se provar que a negociação conduziria
efectivamente à celebração do contrato. Daí que, por via de regra, esta
cláusula esteja associada à estipulação de cláusulas penais destinadas a
fixar o montante exigível em caso de incumprimento (cláusula penal
como medida do dano).

6. A protecção de interesses na redacção final do contrato.

6.1. Cláusulas de salvaguarda.

É procedimento corrente a inclusão, na redacção final do contrato,


de cláusulas destinadas a salvaguardar determinados interesses dos
contratantes. O uso sistemático dessas cláusulas veio a consagrá-las como
cláusulas típicas em correspondência com um conteúdo também
tipicizado. Por isso, bastará, normalmente, a referência à designação
usual da cláusula para que o seu conteúdo se entenda integrado no
contrato.
Vejamos o conteúdo de algumas dessas cláusulas mais utilizadas.

Cláusulas “negative pledges” – cláusulas da prática anglo-saxónica,


por força da qual o devedor se obriga a não onerar mais o seu

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património, vinculando-se a não constituir novas garantias reais ou
pessoais sobre os seus bens ou sobre os seus rendimentos.
Para evitar o conteúdo genérico destas cláusulas, é habitual fazer
acompanhar a sua inclusão de excepções ao seu accionamento: situações
em que o mutuário garanta, de forma igual ou proporcional, créditos
concedidos por terceiros, ao mesmo tempo que se obriga a manter a
obrigação sujeita à cláusula; garantias que não excedam determinado
montante ou abrangendo fundos próprios (“tangible net worth”) do
mutuário; garantias constituídas pelo mutuário para assegurar uma
obrigação com determinado prazo.
Para dar consistência à eficácia meramente obrigacional desta
cláusula é habitual estipular-se no contrato que a violação do estabelecido
na cláusula negative pledge confere ao credor a possibilidade de exigir o
cumprimento antecipado da totalidade do crédito.

Cláusulas de inalienabilidade de bens – cláusulas, próximas das


cláusulas de “negative pledge”, por força das quais o devedor se obriga a
manter no seu património determinado ou determinados bens, não os
transmitindo a outrem.
Tais cláusulas tem efeitos meramente obrigacionais, não podendo
ser opostas a terceiros. Por isso, e com o intuito de lhes dar consistência,
devem ser acompanhadas de cláusulas de vencimento antecipado da
obrigação garantida no caso de violação da cláusula.

Cláusula “pari passu” – cláusula pela qual o devedor assegura ao


credor que o respectivo crédito se manterá privilegiado em relação a
outros créditos que venha a constituir ou que, sendo um crédito não

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privilegiado, a garantia do credor está e manter-se-á em igualdade de
condições com os demais credores.
Tendo a cláusula efeitos meramente obrigacionais, em caso de
violação o credor concorre com os demais ao rateio dos bens do devedor.
Por isso, também aqui, pode assegurar-se alguma consistência à
cláusula estabelecendo-se no contrato a imediata exigibilidade da
prestação antes do seu vencimento, sempre que ocorra a sua violação.

Cláusula “cross default” – cláusula pela qual se estipula que a


violação de determinadas cláusulas importa o vencimento imediato
da obrigação ou, pelo menos, a sua exigibilidade antecipada, com o
fim de proteger o credor de acções que favoreçam um outro credor.
Serve, também, como se viu atrás, para dar consistência a certas
obrigações ou cláusulas contratuais.

Cláusulas de reserva de propriedade (pactum reservati dominii) –


cláusula que suspende a transferência da propriedade da coisa que é
objecto de contrato, normalmente de compra e venda, até à realização
de uma condição que é, por via de regra, o integral pagamento da
dívida (o preço).
É habitual em contratos que implicam a transferência de
propriedade, quando o pagamento do preço do bem transferido é diferido
no tempo. Tem, pois, uma relevância considerável como meio de garantia
do pagamento do preço.

Cláusula “no material change of business” – cláusula que proíbe a


mudança material do negócio das partes contratuais a ela obrigadas.

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Cláusula “reporting requirements” – cláusula que obriga uma ou
ambas as partes contratantes à apresentação periódica de relatórios e
outros documentos.
Usa-se predominantemente nos contratos financeiros, por forma a
que a instituição financiadora possa acompanhar a evolução da situação
económico-financeira da entidade financiada.

Cláusula “notification of events of default” – cláusula que obriga


uma ou ambas as partes contratantes a avisar ou notificar a outra de
qualquer falta de cumprimento pela sua parte de uma obrigação a
que esteja vinculada.
É igualmente usual em contratos financeiros.

Cláusula “no default” – cláusula que prescreve o dever de


cumprimento das obrigações contratuais dentro dos prazos
estabelecidos, sob pena de produção de determinados efeitos.

Cláusula “no insolvency or similar” – cláusula que estabelece


consequências – nomeadamente o vencimento imediato das obrigações
contratuais e a sua consequente exigibilidade – para a situação de
cessação generalizada de pagamentos. Pode constituir o
desenvolvimento da cláusula “notification of events of default”.

Cláusula “payment default” – cláusula que estabelece as


consequências da falta de pagamento.

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Cláusula “set-off” – cláusula de compensação, que permite a uma
das partes, em caso de incumprimento da outra, reduzir a sua
prestação na medida desse incumprimento.

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