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Le monde Diplomatique (versão Portuguesa)

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UM INDICADOR DE DESINSERÇÃO SOCIAL

Viagem ao país da maternidade precoce

A sexualidade dos adolescentes não obceca apenas as televisões. Os Estados Unidos


aumentam os subsídios públicos aos movimentos que pregam a castidade. São
cortados fundos a programas de luta contra a sida em África se não incluírem um
programa de incitação à abstinência. Quando o moralismo é o princípio
orientador, nunca são a saúde pública e a solidariedade que saem vencedoras.
Testemunho disso mesmo são os resultados contrastantes de diferentes formas de
prevenção da gravidez precoce.

Por ANNE DAGUERRE e CORINNE NATIVEL *

* Especialista em políticas de saúde pública e investigadora na Universidade de Kent


(Reino Unido); economista, socióloga, consultora da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Comissão Europeia, respectivamente.

Contrariamente ao que se podia pensar estando atento aos meios de comunicação social,
as gravidezes adolescentes nos países ocidentais tendem a diminuir. Segundo o relatório
publicado pela Caixa Nacional das Prestações Familiares francesa (CNAF1), o número
de jovens mães – entre os 15 e os 19 anos – diminuiu constantemente durante os últimos
30 anos (ver caixa). Com efeito, as raparigas muito jovens e os seus companheiros
adoptam comportamentos de controlo da fecundidade comparáveis aos dos adultos e
adiam a idade de trazer uma criança ao mundo.

No entanto, tal como é assinalado pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a
Infância), “se é verdade que o número de gravidezes adolescentes diminuiu, não o é

1
menos que aumentou, em contrapartida, a percepção de que as gravidezes adolescentes
são um problema social”2. A inquietude dos poderes públicos explica-se por dois tipos
de fenómenos: por um lado, a persistência dos tabus relativos à sexualidade adolescente;
por outro, a marginalização social das jovens mães e dos seus companheiros,
nomeadamente nos países anglo-saxãos.

Nas nações ocidentais, a idade média da primeira relação sexual situa-se agora nos 17
anos. Na década de 1960, era de 20 anos para os homens e 21 anos para as mulheres. A
exposição dos adultos e dos adolescentes a mensagens com conteúdos sexuais explícitos
conduz inelutavelmente ao abaixamento da idade da primeira relação sexual. Ora, o
sistema de valores de certas sociedades torna por vezes muito difícil a aceitação deste
facto consumado. “Quanto mais uma sociedade está disposta a reconhecer o carácter
inelutável da sexualidade dos jovens, mais ela é capaz de implantar políticas eficazes
de prevenção “, assinala a UNICEF3.

A estigmatização das gravidezes precoces está intimamente ligada às percepções da


sexualidade adolescente nos diferentes países industrializados. Deste ponto de vista, o
relatório da CNAF distingue três tipos de sociedade.

A Suécia, país pioneiro

No primeiro grupo, os adolescentes devem ser preservados da sexualidade por tanto


tempo quanto possível. Estritamente reservado aos adultos, o acto sexual só é aceitável
se os indivíduos estão em condições de fundar uma família sem dependerem de apoios
sociais. Esta perspectiva inspirou os programas de abstinência sexual postos em prática
desde o fim dos anos 70 nos Estados Unidos. As mensagens emitidas pela escola e pelos
media apresentam a virgindade e a castidade de maneira extremamente positiva. Não
podendo a sexualidade desenvolver-se sem ser no quadro do casamento, ela não deve
ser desperdiçada em relações em que o amor está ausente.

A Lei sobre a Vida Familiar Adolescente (Adolescent Family Life Act), adoptada em
1978 durante a presidência de James Carter, encorajou os estados federados a
estabelecer tais tipos de programas de abstinência a fim de beneficiarem dos subsídios
do Ministério da Saúde e dos serviços à população. Nos anos 80, sob a administração

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Reagen, o Gabinete da Sexualidade Adolescente, organismo federal responsável pelas
políticas de planeamento familiar dirigidas à juventude, implantou uma rede de centros
de atendimento denominada Chastity Centers (Centros de Castidade), expressamente
destinada à promoção da abstinência sexual.

Estas medidas não foram postas em causa pelos democratas durante a presidência de
Bill Clinton, bem pelo contrário. O programa de Assistência Temporária às Famílias
Necessitadas (Temporary Assistance for Needy Families, conhecido como TANF)
refere, na exposição dos motivos, a necessidade de reduzir as gravidezes precoces
encorajando a procriação no quadro do casamento. Foi inclusivamente criado um fundo
de apoio à abstinência sexual, no montante de 50 milhões de dólares por ano. De acordo
com este programa governamental, as jovens mães devem concluir os estudos
secundários e viver na casa da família ou num ambiente supervisionado por um adulto.
Os estados têm igualmente o direito de diminuir os apoios às mulheres que continuem a
ter filhos enquanto beneficiarem dos apoios concedidos às mães solteiras – 23 estados
adoptaram estas protecções familiares (family caps). No entanto, os estados apenas
gastam, em média, 8 dólares por ano com tais programas de redução das gravidezes
adolescentes.

O regresso dos republicanos à presidência em Janeiro de 2001 assinalou uma nova


ruptura. Os mais radicais, muito influentes no círculo presidencial, desejam pôr fim ao
direito das jovens mães a receberem ajudas sociais e limitar os apoios aos casais que
contraíram matrimónio. Esta medida, apesar de inscrita na Lei de 1996, nunca tinha sido
aplicada.

No segundo grupo de países, que inclui os Países Baixos e a Grã-Bretanha, a


sexualidade adolescente continua a ser tratada como um fenómeno a combater. Os
jovens são fortemente encorajados a adiar a idade da primeira relação sexual. Apesar
disso, a sexualidade juvenil é vista como um mal inevitável que deve ser acompanhado,
uma vez que os dispositivos repressivos e a denegação provaram já ser ineficazes.

Este pragmatismo tornou-se dominante na Grã-Bretanha desde o regresso ao poder do


Partido Trabalhista em 1997. O primeiro-ministro Tony Blair escreveu, num relatório da
Unidade de Exclusão Social (Social Exclusion Unit), um organismo de reflexão no seio
do seu gabinete, o seguinte: “Não acredito que os jovens devam ter relações sexuais

3
antes dos 16 anos… Mas também sei que, pense-se o que se pensar, certos jovens
continuam a ter relações sexuais. Não devemos condenar as suas acções, mas devemos
estar prontos a ajudá-los a evitar os riscos, muito reais, que representa a sexualidade
antes da idade normal”4.

Deliberadamente alarmistas, os poderes públicos britânicos têm um discurso


“medicalizado” e pessimista, alertando para as consequências negativas das relações
não protegidas. Assim, as raparigas são avisadas de que a gravidez nem sempre é uma
boa notícia e de que um filho representa um trabalho cansativo e uma carga afectiva e
financeira que pode arruinar o futuro delas. Os jovens pais, por seu lado, são advertidos
para o dever de contribuírem financeiramente para o sustento do filho.

O terceiro grupo de sociedades abarca os países da Europa continental e escandinava,


entre os quais a França, a Suíça e a Suécia. Os poderes públicos não negam o direitos
dos jovens à sexualidade. Trata-se antes de lhes permitirem controlar os riscos dessa
sexualidade, colocando à sua disposição os meios de contracepção adequados, tendo em
conta os seus meios financeiros e necessidade de confidencialidade.

A Suécia é o país pioneiro desta concepção desapaixonada da sexualidade adolescente.


Desde 1975, os poderes públicos desenvolveram políticas de contracepção voluntária
através da criação de uma rede nacional de clínicas para os jovens, onde lhes é oferecida
informação em condições de total confidencialidade. Além disso, as raparigas podem
recorrer à interrupção voluntária da gravidez (IVG), gratuitamente e sem necessitarem
de uma prévia autorização parental. Os resultados têm sido espectaculares: de acordo
com a UNIFEC, uma década depois da implantação destas políticas a taxa de gravidezes
adolescentes diminuiu 80 por cento. O modelo sueco fez escola na Europa escandinava
e continental, onde a sexualidade é vista como uma dimensão normal da adolescência.

Um problema privado?

Em contrapartida, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha detêm, entre os países


ocidentais, o recorde das gravidezes adolescentes. As chamadas “mães-bébés”, porque
socialmente desviantes em relação ao modelo da maternidade planificada e plenamente
desejada por adultos financeiramente autónomos, suscitam uma forma de rejeição

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social. Nos Estados Unidos, a maternidade precoce é associada ao subproletariado
(underclass), com uma forte componente racial ou mesmo racista; 80 por cento das
jovens mães provêm de famílias pobres, apesar de as raparigas oriundas destas famílias
constituírem apenas 40 por cento da população adolescente. As taxas de gravidez das
raparigas de origem afro-americana atingem praticamente o dobro da média nacional5.

A Child Support Agency, estrutura de cobrança das pensões alimentares, identifica o pai
para o obrigar a contribuir para as despesas com a criança. Em alguns estados são as
próprias mães que têm de localizar o pai, sob pena de verem suprimidas parte ou a
totalidade das prestações sociais. A mensagem é clara: os adolescentes dos dois sexos
não podem conceber filhos em total impunidade. O filho é considerado um problema
essencialmente privado, devendo ficar a cargo dos pais, qualquer que seja a idade
destes. Segundo Isabel Sawhill, especialista em questões de maternidade precoce, “o
TANF diz às jovens mães: ‘Se vocês forem mães, isso não vos dispensa da obrigação de
concluírem a escolaridade e de proverem às vossas necessidades e às da vossa família,
através do trabalho ou do casamento’. Aos rapazes o programa afirma: ‘Se vocês
forem pais de um filho nascido fora do casamento, serão responsáveis pelo seu
sustento’”6.

No Reino Unido, o apoio aos adolescentes assume também um carácter condicional,


associado ao desejo de incitar os jovens casais ou as mães solteiras à constituição de
uma unidade familiar financeiramente autónoma, graças, entre outros factores, ao
emprego assalariado. Desde Abril de 2001, as mães solteiras candidatas ao apoio social
são chamadas a participar numa entrevista com um conselheiro que apoia o seu regresso
ao trabalho e que deverá determinar as suas capacidades para encontrar um emprego. Se
podem trabalhar, as jovens mães são então orientadas através do Programa de Apoio ao
Emprego para Pais Solteiros (New Deal for Lone Parents). Este programa não tem o
pendor punitivo do TANF norte-americano mas, tal como nos Estados Unidos, a agência
de cobrança das prestações familiares identifica os jovens pais demissionários, que são
obrigados a participar nas despesas com o filho.

Na Europa continental, nomeadamente na Alemanha e em França, as políticas de


responsabilização assumem, em contrapartida, uma dimensão mais global. São
articuladas no âmbito de um projecto de integração dos jovens em dificuldades. As

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jovens mães francesas beneficiam de um subsídio de mãe solteira (API, Allocation de
Parent Isolé) até o seu filho completar a idade de três anos.

Quanto ao papel dos jovens pais na paternidade precoce, continua a ser relativamente
secundário. Vitimados, segundo Hughes Lagrange7, por uma “crise da masculinidade
adolescente” associada ao declínio do patriarcado, eles confrontam-se sobretudo com
um problema de “acesso às raparigas”. De facto, as parceiras destes rapazes são,
frequentemente, mais velhas. Um estudo realizado sobre os Estados Unidos calcula que
entre 50 e 70 por cento dos pais de filhos nascidos de mães menores de idade teriam
mais de 20 anos8. Na Grécia, a diferença entre a idade média da jovem mãe e a do seu
parceiro seria de 7,5 anos. A atenção dos poderes públicos deveria concentrar-se, desde
logo, nos homens com mais idade, por serem os parceiros sexuais preferidos pelas
raparigas mais novas.

O grau de inserção dos jovens e a capacidade da sociedade de acompanhar os jovens


face à proliferação de mensagens sexuais são cruciais para a regulação dos
comportamentos de risco, tantas vezes utilizados como meios de afirmação de si, mas
também de transgressão das normas da sociedade adulta. De facto, quanto mais as
expectativas dos adolescentes pobres forem oprimidas numa sociedade tipicamente
inigualitária, mais as jovens raparigas são tentadas a optar pela gravidez como meio de
afirmar uma identidade social ou um projecto de vida… Uma das melhores maneiras de
prevenir a maternidade precoce consiste, portanto, em suscitar a esperança entre os
jovens oriundos de meios desfavorecidos.

6
1
Corinne Nativel e Anne Daguerre, “Les maternités précoces dans les pays développés: problèmes, dispositifs,
enjeux politiques”, relatório encomendado pelo CNAF (Centro de Estudos e Investigação sobre a Vida Local –
Poder, Acção Pública, Território), Sciences Po, Bordéus, Julho de 2003.
2
“Le classement des maternités adolescentes dans les pays riches”, Innocenti Report Card, nº 3, UNICEF, Paris,
Julho de 2001.
3
Op. cit.
4
Teenage Pregnancy, Social Exclusion Unit, The Stationery Office, Londres, 1999.
5
Stephanie Ventura et alii, “Trends in pregnancy rates for the United States: an update”, National Vital Statistics
Reports, nº 49 (10), National Centre for Health Statistics, Hyattsville, 2001, p. 5.
6
“What Can Be Done to Reduce Teen Pregnancy and Out-of-Wedlock Births?”, Isabel Sawhill, R. Kent Weaver,
Ron Haskins e Andrea Kane, Welfare Reform and Beyond, The Brooking Institution, Washington, 2001.
7
Les adolescents, le sexe et l’amour, Syros, Paris, 1999.
8
Carol Roye e Sophie J. Balk, “The relationship of Partner Support to Outcomes for Teenage Mothers and Their
Children: a Review”, Journal of Adolescent Health, nº 19, Orlando (Estados Unidos), 1996, pp. 86-93.

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