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Conciliando Reforma Agrária, Uso Sustentável dos Recursos Naturais e

Segurança Alimentar – O Bem-Estar do Produtor Rural na Transição


Agroecológica*

Janice Rodrigues Placeres Borges†


Luiz Antonio Correia Margarido‡

Resumo

O objetivo deste trabalho é um convite à reflexão do panorama demográfico paulista, tendo


como foco os agricultores familiares e sua situação de bem-estar, por meio da construção e
análise de um Índice de Bem-Estar para produtores em transição agroecológica. Para tanto,
tem-se como estudo de caso os agricultores do Assentamento Fazenda Monte Alegre, que
optaram pela agricultura orgânica como base produtiva, na busca por alternativas estratégicas
para a melhoria de suas condições de vida e da qualidade ambiental. Implantado pelo ITESP
na região de Ribeirão Preto, região paulista líder no país em produção de laranja e de cana,
assim como, forte no agronegócio, o Assentamento vem assistindo nos últimos anos a entrada
da monocultura da cana-de-açúcar, no modelo agrícola convencional, fruto de uma parceria
entre assentados e usineiro, ferindo o objetivo do desenvolvimento da agricultura familiar e
reforçando o modelo convencional de produção, resultando na reprodução do fracasso do
paradigma dominante de desenvolvimento, em que as estratégias convencionais, se revelaram
fundamentalmente limitadas em sua capacidade de promover um desenvolvimento com
justiça socioambiental, não trazendo melhorias nas condições de vida desses pequenos
produtores. Não sendo assim capazes nem de atingir os mais pobres, nem de resolver o
problema da fome, da desnutrição ou as questões ambientais. Somam-se ainda os problemas
no âmbito da saúde pública, ocasionados pela aplicação de insumos agroquímicos. Os
resultados apontam para uma sensível melhoria nas condições de vida dos produtores, no
manejo sustentável dos recursos naturais, implicando ainda no aumento da oferta de produtos
saudáveis. Contudo, os avanços obtidos em termos do Índice de Bem-Estar mascaram a
vulnerabilidade latente em termos de infra-estrutura (qualidade da água e esgotamento
sanitário), o que pode vir a comprometer essa produção orgânica, afetando as condições de
vida desses agricultores.

Palavras-chave: Índice de bem-estar rural; Bem-estar do produtor; Justiça socioambiental;


Condições de vida.

*
“Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-
MG – Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006”. Apoio FAPESP

Socióloga. Centro de Ciências Agrárias - UFSCAR

Eng. Agrônomo. Centro de Ciências Agrárias - UFSCAR
Conciliando Reforma Agrária, Uso Sustentável dos Recursos Naturais e Segurança
Alimentar – O Bem-Estar Rural na Transição Agroecológica

Janice Rodrigues Placeres Borges


Luiz Antonio Correia Margarido
1. Introdução

Frente a um claro e evidente desconhecimento do perfil sócio-demográfico e das


condições de vida e bem-estar dos agricultores em assentamentos brasileiros, a pesquisa que
deu origem a este trabalho iniciou-se em dezembro de 2005, no Centro de Ciências Agrárias
(CCA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), com apoio da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e baseia-se, inicialmente, em dados
quantitativos e falas de agricultores orgânicos residentes no Assentamento Monte Alegre,
visando desvendar, do ponto de vista desse grupo social, se a transição do modelo de
produção convencional§ para o agroecológico, nos últimos anos, vem modificando suas
condições de vida e bem-estar.
Implantado pelo ITESP na região de Ribeirão Bonito, região paulista líder no país em
produção de laranja e cana-de-açúcar e destacada no agronegócio, o Assentamento Monte
Alegre vive hoje um momento particular de sua história. A área vem assistindo, nos últimos
anos, a entrada da monocultura da cana-de-açúcar em seus lotes, como fruto de uma parceira
entre assentados e a Agroindústria Santa Luiza, ferindo os princípios da reforma agrária e do
desenvolvimento da agricultura familiar.
No bojo de polêmicas transformações dos ideais da reforma agrária, como essa, as
pressões dos movimentos sociais no campo, para a promoção de um modelo de
desenvolvimento rural sustentável procurando por alternativas para o atual modelo de
desenvolvimento por meio de diversas iniciativas que buscam a criação de ocupação e renda,
para a população rural, acabam por dar origem a diversas estratégias alternativas para a
manutenção e melhoria das condições de vida e bem-estar da população rural.
Organizações governamentais e não governamentais, cooperativas, associações, entre
outras formas de cooperação na agricultura familiar, apresentam “embriões” de
desenvolvimento organizacional e humano que se aproxima do conceito de socioeconomia
solidária, ou seja, “de todas as formas de organizar a produção, transformação e distribuição
com princípios solidários, onde aspectos da gestão com elementos de cooperação/interação,
ajuda mútua e motivação para a mudança com perspectivas no reposicionamento das pessoas
frente a processos e conseqüentes melhorias individuais são componentes estratégicos que
ajudam a definir e operacionalizar a socioeconomia solidária (Peraci, 2000:13-14).
Na área de estudo, cita-se a iniciativa da Associação Regar, que dá assessoria aos
produtores do Monte Alegre e a outros pequenos produtores da região com o intuito de
promover a transição agroecológica.
Dessa forma, observa-se que as condições de vida no campo, a produção agrícola e os
desafios para o desenvolvimento da agricultura familiar (reforma agrária, geração de
tecnologias adequadas, base produtiva referendada na agroecologia, entre outras), passaram a
ser vistas como processos condicionados por dimensões sociais, culturais, políticas,
econômicas e ambientais (Altieri, 2000), uma vez que, a geração de renda, financiamento da

§
Modelo derivado da chamada Revolução Verde que aliado às políticas de subsídios para o setor difundiu o uso
da mecanização e o incremento do uso de agroquímicos na agricultura, além da utilização de sementes oriundas
da Engenharia genética, revelando-se fundamentalmente limitado em sua capacidade de promover
desenvolvimento com eqüidade social e sustentabilidade, gerando sérios impactos ambientais.
produção, habitação, educação, capacitação profissional, seguro agrícola, nutrição,
associativismo, saúde, tecnologias adequadas são fatores limitantes para o bem-estar da
população rural (Borges, 2004; Peraci, 2000).
Assim sendo, espera-se que a inserção da agricultura orgânica no Monte Alegre passe
a ser uma experiência e um exemplo a ser seguido por outros pequenos produtores, visto que,
na falta de uma política agrícola para os assentamentos, a iniciativa promove a
sustentabilidade e autonomia das famílias em relação à tomada de decisões estratégicas
(escolha dos cultivos, seleção de tecnologias, contratações, etc.), além de possibilitar a
organização no lote, a organização comunitária, os marcos das relações das sociedades rurais
articuladas em torno da dimensão local, onde se encontram os sistemas de conhecimento local
e camponês, portadores do “potencial endógeno que permite reforçar a biodiversidade
ecológica e sócio-cultural” (Sevilla-Guzmán, 2006 :2), para que se atinja o bem-estar-social.

2. O Bem-Estar Rural no Contexto da Transição Agroecológica

2.1. A Teoria do Bem-Estar Social no Contexto da Transição Agroecológica

A situação de bem-estar é a síntese de uma multiplicidade de processos: do que


acontece com o ambiente que nos rodeia, com a política, a economia e com as relações
sociais. Daí, do ponto de vista objetivo, “a definição do que venha a ser bem-estar depende
das condições históricas de cada sociedade”, e do ponto de vista subjetivo, “da maneira como
cada sociedade imagina seu próprio bem-estar enquanto meta a alcançar” (Briceño-Leon,
2000:15).
No mundo contemporâneo, é muito complexo ‘medir’ uma situação de bem-estar.
Assim, nas últimas décadas, os estudos sobre o nível de saúde e bem-estar da população rural
têm colaborado para o avanço teórico-metodológico dessa linha de pesquisa com a inserção
de novas variáveis que vão do campo organizacional, ambiental ao psicológico.
Notáveis contribuições pinçadas das literaturas das mais variadas áreas expõem o
quadro complexo de se tentar medir o estado de bem-estar da população rural – mais
complexo ainda quando se trata de famílias assentadas.
Ferrante (s/d), citada por Vieira (2000), ressalta que as dificuldades se iniciam no fato
de que os assentamentos não devem ser vistos como “unidades de produção” e “não tem uma
classe social definida”. Assim, não podem ser analisados unicamente como “unidades
subordinados à lógica da acumulação capitalista”, pois existem outras dimensões, que a
simples leitura de dados quantitativos não revela. Porém, reconhece a importância das
tentativas de reconhecimento da realidade dos assentamentos da reforma no país.
Vieira (2000), em seu trabalho sobre qualidade de vida das famílias do Assentamento
Reunidas, em Promissão, SP, como sugere Ferrante, vai além da análise de dados
quantitativos e insere as falas dos assentados, nas quais são apresentadas as representações
que as famílias trazem, no “contexto da construção de um novo modo de vida”, a partir das
percepções sobre o seu viver cotidiano, sobre o vivido e o concebido.
Na área da epidemiologia social, entre outros, os trabalhos de Pereira Filho (2000) e
Veiga et al. (2001) tem em comum o fato de verificarem a situação de saúde e bem-estar em
assentamentos rurais, por meio da análise do estado nutricional de crianças e adolescentes,
advindas de variáveis antropomórficas e exames bioquímicos relacionadas a fatores sócio-
econômicos e demográficos de suas famílias. Na mesma linha, inserindo ainda variáveis sobre
condições de higiene das residências e do local e situação de saúde (taxa de glicemia,
hemoglobina, incidência de parasitos e aferições de pressão arterial), Rosa et al. (2002)
intuíram desvendar a realidade das áreas de estudo para colaborar com a melhoria da saúde e
bem-estar dos moradores dos assentamentos Monte Alegre e Bela Vista, na região de Ribeirão
Preto, SP.
Na literatura sociológica, baseados nas teorias correntes do desenvolvimento que
levam a formulação de uma teoria do bem-estar social, Viana (1979) e Alves (1986), baseiam-
se no desenvolvimento como um processo de promoção humana “que deve servir às
necessidades básicas e sociais do homem para melhorar suas condições de vida” (Vieira,
2000: 18). Esses pesquisadores, em trabalhos que caracterizam a situação de bem-estar social
de famílias de pequenos agricultores no sertão alagoano (Viana, 1979) e agreste e sertão
sergipano (Alves, 1986), optaram por pesquisar indicadores de qualidade de vida, ou seja,
índice de integração social, previdência social, índice de posse de bens básicos, condição de
habitação, condições de higiene, integração social, escolaridade e indicadores psicológicos.
Já Borges (1997), em trabalho sobre a exclusão social gerada pelo processo de
interiorização do desenvolvimento paulista, descreveu e analisou a situação de bem-estar
social entre os moradores de pequenas comunidades ribeirinhas, ao longo dos rios Tietê,
Piracicaba e Paranapanema, acrescentando em seu estudo, indicadores como grau de
associativismo, origem, religião, elementos culturais e ambientais, com destaque para
qualidade da água. Pois, corroborando com Ferreira (1986), reconhece que o bem-estar é
também produzido por elementos sociais, econômicos, culturais, políticos, religiosos e
ambientais.
Em trabalho posterior, Borges (2003) volta-se para um estudo aprofundado das
condições de vida e qualidade do saneamento ambiental em assentamentos da chamada
reforma agrária paulista, na região de Ribeirão Preto. Utilizando indicadores que vão de
doenças referidas, aspectos sócio-demográficos e econômicos, qualidade da habitação,
higiene, saneamento, gestão dos resíduos sólidos, uso de agrotóxicos, acesso à saúde, entre
outros, os resultados esboçam em quais indicadores essas famílias se encontram em estado de
vulnerabilidade.
Notáveis contribuições pinçadas das literaturas sociológica e agronômica expõem o
quadro metodológico complexo de se tentar medir o estado de bem-estar dos agricultores que
optaram pelo modelo de produção agroecológico, mais precisamente pela agricultura
orgânica. Por se tratar de um tema interdisciplinar, os trabalhos referentes ao mesmo,
apresentam variações teóricas e metodológicas, que acabam por caracterizá-las. Citam-se os
estudos de Darolt e Karan (2000), Darolt (2000) e Mapuranga et al. (2000).
Darolt e Karan (2000) apresentam uma metodologia para a elaboração de um Índice de
Qualidade de Vida Rural, tendo como referencial empírico agricultores orgânicos de área
metropolitana de Curitiba. O índice permite avaliar as condições de vida desses agricultores
na unidade de produção e no lugar onde vivem, juntamente, identificando seu acesso a
serviços oferecidos na comunidade e no município. A evolução da situação de bem-estar foi
determinada por meio de análise de variáveis representando basicamente as condições de
habitação, sistemas de drenagem (água e esgotamento sanitário), transporte (posse de
veículos), acesso a serviços (educação, saúde e transporte público), férias e lazer e integração
social (participação em atividades sociais). Resultados advindos do emprego desta
metodologia certamente podem ser considerados como um importante instrumento para
políticas públicas, permitindo, nos processos de tomada de decisões, estabelecerem
“prioridades em recurso de gestão financeira atribuídas a comunidades rurais” voltadas para
agricultura alternativa.
Em trabalho posterior Darolt (2000), apresenta a construção de uma metodologia que
intenta avaliar a sustentabilidade agrícola da agricultura orgânica, para medir-se o nível de
qualidade de vida dos produtores. Para tanto, o pesquisador analisa a sustentabilidade por
meio de diferentes dimensões (técnico-agronômica, sócio-cultural, econômica, ecológica e
político-institucional). Os resultados, entre outros, ressaltam que as propriedades voltadas
para os agricultores familiares orgânicos apresentam um maior equilíbrio entre as dimensões
da sustentabilidade em relação ao grupo de agricultores provenientes da agricultura
convencional, que se encontra em transição agroecológica. Um outro trabalho
relevante é o de Mapuranga et al. (2000), que constroem um índice de bem-estar social, para
desenvolver um estudo comparativo do estado de bem-estar social de agricultores orgânicos e
convencionais. O trabalho se baseia em variáveis tais como: produção de postos de trabalho
(contratação de mão-de-obra), renda e saúde.
Dessa forma, a apresentação desses estudos dá um quadro geral e resumido de como a
questão do bem-estar rural vem sendo pesquisada nos últimos anos e como cada um teve seu
quinhão de contribuição para o desenvolvimento teórico e metodológico de estudos
populacionais voltados para a transição agroecológica.
Este capítulo tem por objetivo aprofundar os estudos iniciados por Borges (2001), se
centrando agora nos agricultores que optaram por participar da transição agroecológica no
Assentamento Monte Alegre, com o intuito de compreender, por meio de vários indicadores
de bem-estar, se houver melhora nas condições de vida e bem-estar dessas famílias após a
adoção do modelo agroecológico – rumo à construção de um novo modo de vida, uma vez,
reconhece a agroecologia como um importante instrumento para políticas públicas voltadas
para a inclusão social dos pequenos agricultores, além de promover a prevenção da saúde de
agricultores, consumidores e do ambiente.

2.2. Agricultura Orgânica: uma das faces da Agroecologia? Desfazendo nós

Na realidade a Agricultura Orgânica têm sua origem anterior a Agroecologia. Ela


surgiu em 1923 quando o pesquisador inglês Sir Albert Howard em sua estadia em uma
estação experimental na Índia desenvolveu o método de compostagem chamado Indore. Esse
método de se fazer composto orgânico vêm sendo usado amplamente por agricultores
orgânicos no mundo inteiro, e consiste no arranjo ordenado do material a ser compostado em
montes ou medas. Já a Agroecologia como ciência, que desenvolve uma metodologia e
estrutura básica conceitual para o estudo de agroecossistemas, emergiu no início dos anos 80
do século passado (GLIESSMAN, 2000).
Existe muita confusão quando se fala sobre ambas. No Brasil, essa confusão em parte
se deve a definição do próprio Ministério da Agricultura em na lei no. 10.831, de 23 de
Dezembro de 2003 que no artigo 1, parágrafo 2, define “O conceito de sistema orgânico de
produção agropecuária e industrial abrange os denominados: ecológicos, biodinâmicos,
natural, regenerativos, biológicos, agroecologico, permacultura e outros que atendam os
princípios estabelecidos por essa lei”.Com pode se perceber, todos modelos de agricultura
chamados anteriormente de alternativos hoje são definidos pelo Ministério como Orgânicos.
Na realidade, a Agroecologia pode ser considerada uma abordagem multidisciplinar
dos sistemas agrícola ou ainda um campo de conhecimento que abrange diferentes disciplinas
e com certeza ainda está em formação como ciência, apesar de muitos pesquisadores já a
definirem como tal (Altieri, 1998).
Já a Agricultura Orgânica hoje em dia é um modelo de Agricultura que segue normas
pré-estabelecidas por um conselho, e é reconhecido no mundo inteiro. Para que um produtor
seja considerado orgânico ele deve seguir as normas da certificadora a qual está ligado.
Geralmente, estas normas definem o que é proibido utilizar (por exemplo, adubos químicos
solúveis e agrotóxicos sintéticos), o que é permitido utilizar somente com a autorização da
certificadora e o que deve se utilizar normalmente. Nessas normas estão embutidas
preocupações ambientais, sociais e econômicas, ainda que, às vezes, o peso, nestas
preocupações, não é muito eqüitativo e a força do capital costuma ser a mais forte.
Pelo parágrafo anterior, toda agricultura orgânica deveria em teoria também seguir
princípios agroecológicos, mas como ela é, antes de tudo, um modelo de agricultura que
segue normas definidas e dirigidas para o mercado isto, às vezes, pode não acontecer. Aliás,
este é um dos principais pontos de polêmica quando se discute agricultura orgânica e
agroecologia. Como se sabe, existem no mundo, grandes empresas que exploram
comercialmente o mercado dos produtos orgânicos, realizando uma agricultura nem um
pouco agroecológica, explorando a mão de obra e sem preocupações básicas com o ambiente.
Nas palavras de Sevilla-Guzmán (2003:4), em primeiro lugar, “é necessário
especificar que a agroecologia seleciona entre as técnicas e tecnologias adotadas aquelas que
não degradam significativamente os recursos naturais, como é o caso daquelas tecnologias
que não utilizam agroquímicos ou outras características da agricultura ecológica”.
Analogamente, no segundo caso (o das Ciências Sociais) “a agroecologia seleciona os
produtos científicos que não geram formas de exploração de uns grupos sobre outros que
degradam a sociedade”.
Por outro lado, fato de estarmos em um mundo globalizado vai exigir cada vez mais a
atenção do que realmente se quer. Dessa forma, num mundo capitalista, não temos como
evitar uma produção agrícola que tenha orientação para o mercado.
Uma questão crucial é a informação. Nem todos os produtos orgânicos podem ser
considerados agroecológicos, mas acreditamos que no longo prazo, somente aqueles que
seguirem os princípios agroecologicos irão permanecer, principalmente os pequenos
produtores. Para entender este ponto é preciso saber que geralmente nas atividades agrícolas,
no modelo de agricultura convencional, existe o que é chamado economia de escala ou
economias pecuniárias, o que significa que, por diversas razões que não serão aqui discutidas,
é mais barato produzir uma quantidade maior do que menor. Essa é uma das razões do
pequeno agricultor estar sendo expulso de sua terra, ele não consegue competir com o grande
produtor. Se o pequeno produtor orgânico realizar uma agricultura que seja direcionada
simplesmente para o mercado, fazendo somente uma substituição de insumos químicos para
insumos considerados orgânicos, ele vai também perder para o grande produtor que tem a
vantagem da escala. Agora, se o pequeno produtor adotar princípios agroecológicos,
trabalhando de maneira sistêmica, substituindo os inputs externos de sua propriedade por
inputs internos, ele sem dúvida terá uma vantagem comparativa e poderá inclusive ser mais
eficiente que a grande propriedade e tirar proveito disso para gerar excedentes para o
mercado, o que ocasionará um acréscimo de renda. Isto, porque não existe escala quando se
trabalha com os inputs internos e o pequeno produtor tem a vantagem de ser dono do fator
mão de obra, na qual esse modelo de agricultura é intensivo.
Esse mercado está em plena expansão tanto no Brasil como no mundo. Segundo as
estimativas do International Trade Centre o comércio de produtos orgânicos nos países da
comunidade européia movimentou cerca de US$ 25 bilhões em 2003. Um fator que está
estimulando cada vez mais o consumo de produtos orgânicos é que as pessoas estão tendo
uma maior consciência das conseqüências externas causadas pela chamada agricultura
convencional. As principais externalidades são os inúmeros casos de intoxicação de
trabalhadores rurais e mesmo de consumidores devido ao uso intensivo de agrotóxicos e é
justamente essa a principal vantagem da agricultura orgânica, já que todas as certificadoras
proíbem o uso de agrotóxicos sintéticos, permitindo somente o uso de produtos naturais que
sabidamente tem um nível de toxicidade muito inferior ao homem. Somente este fato
(proibição do uso de agrotóxicos), sem dúvida já atrai uma grande parcela de pessoas
preocupadas com a questão alimentar, mas isto não é suficiente para essa agricultura ser
agroecológica, porque simplesmente poderá estar substituindo um insumo químico usado pela
agricultura convencional por um orgânico que é permitido nas normas, ou seja, apesar de
acontecer a substituição de um produto mais tóxico por um de menor toxicidade, a maneira de
se fazer agricultura ainda é a mesma, e continua-se a fazer uma agricultura de produtos e não
de processo, que é o que se almeja quando se leva em conta os princípios ecológicos da
agroecologia. Apesar disto, não existe dúvida de que a agricultura orgânica, mesmo podendo
não seguir todos os princípios da Agroecologia, ainda é muito melhor tanto para o
consumidor que consome produtos comprovadamente mais saudáveis, como para o produtor
que além de ter uma melhor remuneração por seus produtos não tem que trabalhar com
venenos e também para o meio ambiente como um todo, porque a medida que o produtor vai
aprendendo a trabalhar de uma maneira mais sistêmica ele percebe a importância do meio
ambiente para o sucesso de sua exploração. Esse sucesso vai além da fronteira da produção de
alimentos e engloba o que hoje é chamado de multifuncionalidade da agricultura, ou seja, o
agricultor além de produzir alimentos, seria também responsável por processar e agregar valor
a estes além de gerenciar o ambiente e explorá-lo de maneira sustentável, como por exemplo,
o turismo rural ou ecológico.
Outra questão que caracteriza a agricultura orgânica é que esta é intensiva em trabalho
e este fato por si só já é uma vantagem para o agricultor familiar que é dono desse fator.
É muito comum também considerar a Agroecologia como um grande “guarda chuva”
que incorpora todos os modelos de agricultura que não usam agrotóxicos. Apesar de
conceitualmente isto não estar correto, porque conforme já dito, nem sempre uma agricultura
que está dentro das normas orgânicas estará também seguindo princípios da Agroecologia, o
que nos parece claro é que a palavra Agroecologia tem uma força bastante grande e já é usada
dessa maneira por pessoas simpatizantes com uma alimentação mais saudável e também
preocupada com questões ambientais.
Contudo, o importante será caminhar no sentido que todas as correntes de agricultura
sigam realmente os princípios Agroecológicos nas suas diversas dimensões visando uma
maior sustentabilidade do setor agrícola.
Enfim, no que concerne ao objeto de estudo desse trabalho, a questão de bem-estar do
produtor rural, fica claro que a agricultura orgânica, mesmo com normas definidas e dirigidas
para o mercado, tem muito a contribuir para o desenvolvimento rural sustentável, assim como,
para o desenvolvimento humano, visto que, é um modelo de agricultura que segue normas nas
quais estão embutidas preocupações ambientais, sociais, salutares e econômicas.
Do ponto de vista da saúde, é inegável a estreita relação entre a agricultura orgânica e
a saúde de produtores e consumidores, devido ao fato do modelo de cultivo afetar a qualidade
do solo e este o equilíbrio da planta e finalmente a planta interfere na saúde do homem e do
animal que dela se alimentam.
No que concerne à agricultura familiar, a agricultura orgânica é a base para uma
produção familiar mais racional de alimentos, pois busca a exploração de sistemas agrícolas
diversificados, preservação da biodiversidade na propriedade, áreas verdes, reflorestamento,
entre outros. Por outro lado, pode-se afirmar que o sistema familiar de produção orgânica se
enquadra no conceito da agroecologia e do bem-estar rural com abordagem de prevenção de
doenças dentro de um enfoque altamente social e ambiental, contribuindo para a segurança
alimentar.

3. Metodologia

A interdisciplinaridade da pesquisa impôs que se refletisse sobre uma metodologia


que, respeitando a especificidade de cada campo de conhecimento, desse uma unidade à
maneira como a realidade seria pesquisada.
Dessa forma, os dados agronômicos, ambientais e sanitários foram entendidos como
enriquecedores para a compreensão das realidades humanas em questão. A relevância do
modelo de produção orgânico para o bem-estar desses agricultores e suas famílias é analisada
a partir de sua interação com o ambiente e com a sobrevivência e qualidade de vida dos
mesmos. O ambiente e os grupos sociais que com ele interagem formam um sistema
ecossocial, portanto, para se entender um é necessário entender o outro.
Assim sendo, de sociólogos como Sevilla-Guzmán (2002), Ibánez (1994) vêm as
contribuições de tornar os métodos e técnicas das Ciências Sociais extensíveis à Agricultura
Orgânica e a Agroecologia. Esses autores abriram espaço na pesquisa social, para um diálogo
plural e transdisciplinar, além de epistemológico, da Agroecologia.
Para a agroecologia e agricultura orgânica, esse processo de produção de informação é
necessário, porém insuficientes. Dessa perspectiva, utiliza-se a aplicação de questionários
fechados para a obtenção de dados objetivos.
A perspectiva estrutural da pesquisa agroecológica se refere à Agroecologia como
desenvolvimento rural, quer dizer, como estratégia participativa para obter a sustentabilidade,
através de formas de ação social coletiva (Sevilla-Guzmán, 2000; 35-45). Nesta, tenta-se
explicar as relações existentes entre os fenômenos analisados, de acordo com a percepção dos
sujeitos que intervêm nos mesmos, gerando uma informação qualitativa que dota de sentido
sociocultural os processos gerados na realidade, sejam eles naturais ou sociais. Aqui, não se
ignora os sujeitos sociais vinculados ao manejo dos recursos naturais. O discurso dos atores
vinculados ao manejo dos recursos naturais é incorporado pela Agroecologia através da
entrevista e das demais técnicas da metodologia qualitativa, em conjunto ou isoladamente.
A técnica mais adequada dentro dessa perspectiva é a história oral. Através da técnica
de história oral se dá o primeiro passo para se alcançar o desenvolvimento de uma agricultura
participativa, fazendo emergir uma dimensão global de busca de melhorias no nível de vida
das comunidades rurais envolvidas, definindo este nível desde elas mesmas. (Sevilla-Guzmán,
2002:25).
Assim sendo, foi aplicado um questionário com blocos de questões fechadas e
gravadas entrevistas, em que o agricultor é estimulado a contar sua história, a história da
propriedade, seus anseios, planos, etc.
Baseando-se em Moraes (2002), os relatos orais desses agricultores, recolhidos na
referida pesquisa, foram tomados como inferências empíricas de um modo de vida construído
no dia-a-dia de um assentamento, no contexto da agricultura familiar em transição para o
modelo0 agroecológico de produção.
Na parte quantitativa, adaptando as metodologias desenvolvidas por Darolt e Karan
(2000) e Vieira (2000), foram aplicados questionários junto aos agricultores dos três lotes que
optaram pela agricultura orgânica.
A análise da situação de bem-estar foi realizada a partir de algumas variáveis
representando: 1) condições de habitação (aspecto interno e externo da casa e posse de bens
duráveis); 2) saneamento (rede de água, rede de esgoto e destino do lixo orgânico e comum);
3) locomoção (veículos); 4) acesso à serviços (educação, saúde e transporte) e sua
proximidade; 5) integração social (participação social em associações, cooperativas e outros);
6) integração cívica (posse de documentos), como se verifica no quadro 1;
Foram dadas notas de 0 a 10 para as variáveis. A nota 7 indica um limite entre as
situações consideradas como um nível favorável de bem-estar.
Os resultados obtidos foram sistematizados em tabelas e gráficos, para facilitar a
compreensão dos resultados.
Quadro 1 – Descrição e modo de avaliação das variáveis relacionadas ao índice de bem-estar rural
VARIÁVEIS NOTA NOTA NOTA NOTA
(0 a 2) (3 a 6) (7 a 9) ( 10 )
Ruim Razoável Bom Ótimo
HABITAÇÃO Aspecto casa Ruim Razoável Bom Ótimo
Bens Não possui ou Possui os Possui os Possui todos
tem até 2 básicos principais
Água S/ acesso Poço, fonte ou Rede pública Rede pública e
SANEAMENTO mina ou poço mais formas
artesiano disponíveis
Esgoto Sem tratamento Fossa seca ou Fossa séptica Rede de
negra tratamento
público
Lixo S/ tratamento Não aproveitado Coleta pública Reciclado no
Orgânico (joga em lote
LIXO terreno/rio)
Queima ou
Lixo Comum S/ tratamento enterra Recicla s/ Coleta pública
(joga em coleta pública
terreno/rio)
Veículos S/ veículo ou Mais de uma 1 veículo Mais de um
LOCOMOÇÃO formas forma veículo
alternativas de alternativa de
locomoção locomoção
Escola S/ acesso Serviço em Serviço na sede Serviço na
outro município do município localidade
ACESSO Saúde S/ acesso
A Serviço na sede
SERVIÇOS Transporte S/ acesso Serviço em do município Serviço na
outro município localidade

Serviço na sede
Serviço em do município
outro município Serviço na
localidade

INTEGRAÇÃO Atividades Não participa Participa Participa em Participa em


SOCIAL Sociais esporadicamente pelo menos em mais de uma
uma atividade atividade social
INTEGRAÇÃO Documentos Não possui Possui os Possui os Possui todos
CÍVICA básicos principais
Fonte: adaptado de Darol e Karan (2000) e de Alves (1996)

Parâmetros adotados
Aspecto da casa – relacionado ao padrão de edificação e acabamento externo e interno (conservação, pintura,
material utilizado).
Equipamento – fogão a gás, fogão à lenha, geladeira, batedeira, liquidificador, televisão, rádio, aparelho de som,
celular, telefone fixo, outros; Básicos – fogão a gás, geladeira, rádio e TV; Principais – fogão a gás, geladeira,
TV, rádio, liquidificador/batedeira.
Água – rede pública c/ tratamento de água; Outras formas – mina, fonte, poço comum e poço artesiano
Esgoto – da rede pública c/ tratamento; fossa séptica; fossa negra ou seca; s/ tratamento.
Lixo orgânico – recicla (enterra na horta como adubo orgânico e/ou faz compostagem).
Veículos - carro de passeio, veículo para transporte de mercadoria, bicicleta, carroça, cavalo, outros.
Atividade social – participação em atividades religiosas, associações, cooperativas, sindicatos.

4. A Situação de Bem-Estar dos Agricultores Orgânicos do Assentamento Monte


Alegre
A análise dos dados coligidos visa dar início a contribuição para uma compreensão mais
abrangente da situação de bem-estar dos agricultores orgânicos do assentamento Monte
Alegre. Inicialmente por meio da análise do perfil sócio-demográfico das famílias dos
agricultores orgânicos e, posteriormente, pela análise dos escores alcançados nos itens
condições de vida, acesso a serviços, qualidade do saneamento ambiental e grau de integração
social e cívica dos entrevistados, provendo suporte analítico para a formulação das estratégias
necessárias para a melhoria dessa situação nos lotes estudados.

4.1 O Perfil sócio-demográfico dos agricultores orgânicos

O perfil sócio-demográfico das famílias agricultoras orgânicas é um indicador de suma


importância não somente para se saber quem são essas famílias diante da realidade da
transição agroecológica, mas, também para a compreensão da realidade nos assentamentos da
chamada reforma agrária paulista, uma vez que, relaciona variáveis fundamentais para que se
atinja essa compreensão. O assentamento e as famílias estudadas refletem, assim, um aspecto
importante do panorama demográfico paulista.
O Assentamento Monte Alegre possui, num total de aproximadamente 500 produtores,
somente três lotes em transição agroecológica.
Em geral, em 2002, tratava-se de famílias jovens e nucleares completas (Borges e
Fabbro, 2004). Contudo, observa-se que, em dois dos lotes estudados, esse modelo de
produção, adotado nos últimos 5 anos, colaborou para a transformação do tipo de família
encontrado anteriormente. Hoje, com a introdução da agricultora orgânica, essas famílias
passaram de nucleares completas para nucleares ampliadas, assim como, a apresentar a
presença de agregados. Observa-se nas falas que a falta de oportunidades na cidade, aliada ao
trabalho familiar intenso exigido pela agricultura orgânica, fez com que esses familiares e
agregados (que sem exceção são “conhecidos” da família) migrassem de sua região de origem
para o assentamento. Essa mudança no tipo de família acarretou numa transformação nas
faixas etárias encontradas: observa-se, na atualidade, a presença de todas as faixas etárias
numa mesma família. Em 2002, observa-se a forte presença de casais com filhos (Borges e
Fabbro, 2003). Hoje, se encontram o chefe e cônjuge, seus filhos, pais e/ou sogros, irmãos,
cunhados e mais agregados.
Quanto a escolaridade, possuem o antigo curso primário completo. A baixa
escolaridade é uma característica dos assentados em todo o país. Contudo, todas as crianças e
adolescentes estudados se encontram matriculados e freqüentando as aulas na escola do
assentamento ou da sede do município.
No item origem anterior ao assentamento, todas as famílias são oriundas do meio
urbano.
Quanto a renda, Borges e Fabbro (2003), em 2002, observaram, para essas mesmas
famílias, a renda nas faixas de “menos de um salário mínimo” a “2 salários mínimos”. Hoje, a
renda citada pelos entrevistados se encontra na faixa de mais de 5 salários mínimos, para
todas as famílias pesquisadas.

4.2 O Índice de Bem-Estar Rural

Os resultados do Índice de Bem-Estar apontam para um índice “bom”, ou seja, a média da


soma do valor de cada variável adotada para compor o índice chegou a 7.7, ultrapassando o
limite mínimo (7.0) (Gráfico1 e Tabela 1).
As variáveis que colaboraram negativamente para esse escore foram água, esgoto,
veículo, lixo comum e aspecto da casa, considerados “razoáveis”. As variáveis lixo comum e
esgoto foram as que obtiveram o pior desempenho, com índice atingindo o valor de 5.0,
respectivamente (Tabela 1). Isso demonstra, no caso particular do lixo comum, que os
resíduos sólidos não estão sendo reciclados. O hábito é de queima dos resíduos, uma vez que,
a cultura da reciclagem e da coleta seletiva ficar dificultada pela falta de coleta seletiva,
aspecto comum nas áreas rurais.
Estudos vêm concluindo que os resíduos sólidos são uma externalidade de difícil gestão.
Contudo, no caso do lixo rural as dificuldades são ainda maiores. Dados do IBGE (2000),
sobre a década de 90, descreviam que a coleta de lixo atingia somente aproximadamente 13%
dos domicílios rurais. Na área de estudo, em 2003, 54% do lixo produzido era queimado ou
enterrado. Já o material orgânico produzido nos lotes poderia ser aplicado no processo de
compostagem e aproveitado como adubo orgânico. Contudo, isso não está ocorrendo. Em
alguma falas a explicação é que, de fato, o que se produz de lixo orgânico é “muito pouco”.
Tabela 1 – Valores Médios do Índice de Bem-Estar Rural Para as Variáveis Adotadas

VARIÁVEIS NOTA ÍNDICE


Aspecto da casa 6.3 Razoável
Equipamentos/bens 8.0 Bom
Água 6.0 Razoável
Esgoto 5.0 Razoável
Lixo orgânico 7.3 Bom
Lixo comum 5.0 Razoável
Veículos 6.0 Razoável
Escola 8.0 Bom
Saúde 8.0 Bom
Transporte 9.0 Bom
Integração social 8.0 Bom
Integração cívica 8.3 Bom
Melhorias/consumo 8.0 Bom
Fonte: Dados da pesquisa

Esse resíduo é diariamente “jogado no terreiro para os porcos e galinhas” ou “é jogado nos
pés de planta”.
Enfim, estudos mais aprofundados sobre a questão dos resíduos sólidos produzidos nas
áreas rurais e sua discussão são instrumentos para dar início à busca de estratégias que
minimizem o problema (Darolt, 2000).
Quanto a variável esgoto, a fossa seca ou negra, em que os dejetos fecais são lançados
diretamente no vaso, sem descarga d´água, é a usual, o que lhe valeu um escore baixo (Tabela
1). Estudos como o de Rosa et al. (2001 e 2002) e Borges e Fabbro (2003) revelaram que as
fossas foram construídas na direção dos poços, possibilitando a contaminação da água por
coliformes fecais e infestando os moradores com parasitoses. Rosa et al. (2001 e 2002), por
meio de exames da qualidade da água em poços e reservatórios do assentamento, destacou os
altos índices de incidência de contaminação das águas dos mesmos (entre 95 a 100% das
amostras) por coliformes fecais. Sabendo-se que água de boa qualidade é um fator limitante
para a produção orgânica e condicionante da saúde humana, o item água sendo classificado
como “razoável”, torna-se um fator preocupante, merecedor de atenção por parte das
autoridades competentes.
Gráfico 1 – Situação de Bem-Estar dos Agricultores Orgânicos no Assentamento Monte Alegre – SP

casa
10
melhorias bens
8
int .cívica 6 água

4
2
int . social esgot o
0

t ransport e lixo org.

saúde lixo comum

escola veí culos

Fonte: Dados da pesquisa

Borges e Fabbro (2004) constataram que quase a totalidade dos agricultores do Monte
Alegre optou pelo modelo agrícola convencional, o que traz explícito o uso de agrotóxicos,
implicando na possibilidade de contaminação desse recurso por agroquímicos – um aspecto
preocupante, uma vez que, o Assentamento fica em área de recarga do Aqüífero Guarani.
A variável “característica do domicílio”, relacionada ao material de edificação, número de
cômodos, banheiro e conservação, revelou que as mesmas se encontram pouco abaixo do
limite (Gráfico 1 e Tabela 1). Porém, comparando com os dados coletados por Borges e
Fabbro (2003), houve, em um espaço de tempo de dois anos, uma melhora significativa no
item habitação, para esses entrevistados. Verifica-se que foram realizadas melhorias em todas
as casas, tais como: reforma e/ou ampliação e pintura interna e externa. Os agricultores
atribuem essas melhorias a melhora do poder aquisitivo proporcionado pela agricultura
orgânica.

“Poxa, tudo que eu tenho hoje vem da agricultura orgânica. Tiro um bom
dinheiro por semana. Tenho até dois trabalhando pra mim” (A., agricultor
orgânico, Assentamento Monte Alegre, Motuca, SP).

No primeiro semestre de 2003, quando ainda se encontravam em conversão para a


agricultura orgânica, a renda desses agricultores variava entre “menos de um salário
mínimo” a “três salários mínimos” (Borges e Fabbro, 2003). Hoje, a renda obtida
exclusivamente por meio dos produtos orgânicos varia entre “quatro salários
mínimos” a “Mais de cinco salários mínimos”. Esse fato também se reflete, na análise
dos dados da maioria dos entrevistados, na compra ou troca de veículos, aquisição de
eletrodomésticos, celulares e compra de instrumentos agrícolas. Em contraponto ainda
há aquele que não possui veículo ou formas alternativas próprias alternativas de
locomoção (carroça, cavalo, bicicleta, etc.). Na fala do agricultor esse aspecto se
elucida:
“O ônibus passa aqui em frente. Hoje mesmo fui para Araraquara de
manhã. Acabei de chegar. E os produtos para vender na feira, o caminhão
da prefeitura vem à noite e carrega tudo e leva para nós” (M., agricultora
orgânica, Araraquara, Assentamento Monte Alegre, SP)

No item “acesso a serviços públicos”, verifica-se que as variáveis saúde e educação se


encontram acima do limite (8,0 pontos respectivamente, cada uma). Isso se dá, devido ao fato
do assentamento contar com a atenção das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF),
duas vezes por semana, e ter uma certa infra-estrutura como posto de saúde e ambulatório
ginecológico, na área 3, pertencente à Araraquara. Quando se faz necessário, os pacientes são
encaminhados para as Unidades Básicas de Saúde nos municípios sede. O Assentamento
conta também com uma “perua da saúde” (como é denominada pelos moradores locais), que
foi reivindicação atendida pelo Orçamento Participativo, via poder público do município de
Araraquara.
Na área da educação, o assentamento conta com uma escola de ensino fundamental.
Existe a falta de creche, pré-escola e ensino médio, que é uma reivindicação antiga das mães e
dos jovens.
A variável “transporte” apresenta um índice acima do limite, uma vez que, os
entrevistados disseram ter serviço de transporte na localidade, durante alguns horários do dia,
e próximo de casa.
O item “grau de associativismo” ou “integração social” aponta para um “bom”
desempenho por parte desses agricultores. Pois afirmaram participar da Associação dos
Produtores Orgânicos de Araraquara.
A respeito da variável “integração cívica”, considerada uma amostra palpável do nível
de desenvolvimento social alcançado por uma sociedade, assim como, uma condição
essencial para a continuidade desse mesmo desenvolvimento, o escore aponta para um “bom”
nível de integração. Os entrevistados possuem todos os principais documentos (certidão de
nascimento dos filhos, certidão de casamento, registro geral, carteira de trabalho, CPF),
somente um deles possui carteira de contribuição da previdência social (e contribui
mensalmente), assim como, conta bancária.

5. Conclusões

Entendendo bem-estar rural como sendo um estado produzido por elementos sociais,
ambientais, culturais, associativos, civis, econômicos, entre outros, que configuram “não
apenas as dimensões do ter e do possuir, mas também do ser, do viver em condições de
produzir, de gerir e de usufruir dos bens e serviços necessários e disponíveis na sociedade”
(Ferreira, 1986) e, reconhecendo ainda esses aspectos como a base sobre a qual se constrói a
felicidade dos indivíduos, sua realização como pessoas e sua contribuição para a satisfação e
bem-estar da coletividade, o trabalho proposto mostra que a opção desses agricultores pela
agricultura orgânica como modo de produção já é um passo em direção ao bem-estar e
desenvolvimento rural sustentável e humano, visto que, busca por índices positivos de saúde
humana e ambiental, uma vez que, a agricultura orgânica não utiliza fertilizantes químicos e
sim orgânicos, para a melhoria da fertilidade do solo e opta pela diversidade de cultivos numa
mesma propriedade (um modelo ecologicamente viável).
Visto por outro ângulo, esses agricultores caminham em direção a transição
agroecológica, pois, os mesmos se encontram organizados em uma associação que busca a
eficiência das pessoas com o meio ambiental e o meio social e a transformação social por
meio de processos coletivos e solidários - fato que os leva ao encontro de seu próprio
processo de desenvolvimento.
Do ponto de vista demográfico, ocorreram sensíveis mudanças no perfil sócio-
demográfico dessas famílias após a implantação do modelo orgânico, destacando-se as
variáveis tipo de família, renda e faixa etária de seus membros.
O trabalho ressalta que esses agricultores tiveram uma sensível melhoria em sua
situação de bem-estar e reconhecem esse avanço como fruto do novo modelo de produção em
consolidação.
Contudo, as melhorias e avanços obtidos em termos de bem-estar mascaram uma
vulnerabilidade latente, que acabou revelando-se em entraves relacionados a problemas de
infra-estrutura como saneamento básico precário, gestão dos resíduos sólidos comuns,
qualidade da água, assim como, em qualidade da moradia e alta possibilidade de deterioração
ambiental, por parte dos outros assentados que fazem inadequadamente uso de agrotóxicos.

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