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Módulo 02 – Professora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva1

Vídeo Aula 12
Qual o Papel Social da Escola
Sem dúvida, discutir o papel social da escola representa um grande debate.
Nós nos acostumamos, durante muito tempo, a achar que a escola era o local só de
transmitir conteúdos e somente alguns conteúdos, porém, nos últimos vinte anos,
vivenciamos esta modificação importante que é a ampliação do papel da escola.
É claro que o papel fundamental é o de garantir a aprendizagem para todas as
crianças e todos os jovens, e mesmo neste aspecto nós temos uma grande mudança.
Até o final dos anos 80 do século passado, nós tínhamos no Brasil um sistema
educacional seletivo e elitista. Nós nunca trabalhamos com a concepção de educação
para todos. A partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, de 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, nós temos um
rearranjo do ordenamento legal, e uma conquista dos movimentos sociais de se
garantir a educação para todos. A partir dai começamos a trabalhar com uma escola
efetivamente democrática e republicana.
Ao se discutir qual é o papel social da escola, nós não podemos restringir esta
discussão a um debate que coloque a escola como apenas um lugar de transmissão
de conhecimentos, principalmente hoje, numa época em que a comunicação é muito
rápida e ágil. As crianças e os jovens, mais do que conhecer as informações, precisam
de uma escola que os ensine e os ajude a tratar estas informações e a refletir sobre
elas.

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Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva é a atual secretária de Educação Básica do
Ministério da Educação (SEB/MEC). Professora licenciada em História e Especialista em
Gestão de Sistemas Educacionais, lecionou durante 25 anos em Minas Gerais e participou das
discussões para a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
(Fundeb). Também presidiu a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação Básica
(Undime) e foi secretária da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte.
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Foram feitas apenas as adaptações necessárias à transposição do texto falado para o texto
escrito.
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A mudança relativa ao lugar da escola é importante e positiva, mas tira a todos
nós, educadores, do lugar. Aquele lugar em que eu sabia que ia para a escola para
dar aula para poucos alunos, com um conteúdo pré-determinado e partindo de uma
premissa: Quem não aprender, não vai seguir em frente. Toda esta discussão foi feita
no final dos anos 80 e 90, e hoje nós conquistamos uma escola que é mais
democrática e republicana, porém também é mais provocadora.
Escola e Garantia de Direitos
É muito importante lembrar que, conforme a legislação brasileira, a escola é
direito público subjetivo, principalmente o ensino fundamental. Isso significa que dos
seis aos 14 anos, todas as crianças e jovens devem estar matriculados na escola. A
escola é espaço para garantir o direito à escolarização, mas também para garantir
outros direitos. Por isso a importância de conhecermos a legislação, de todos os
professores terem como leitura básica e obrigatória a Lei de Diretrizes e Bases, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o capítulo referente à educação na
Constituição Federal, porque isso reforça, para os professores e professoras, a
importância da escola neste novo ordenamento legal de direitos e de deveres das
crianças e dos jovens no Brasil.
Ao discutirmos o papel social da escola, é importante que a gente não
confunda os lugares e os papéis, ou seja, a escola não faz o papel da família na
educação mais ampla e a família também não deve fazer o papel da escola. Um
exemplo muito básico é o do dever de casa. Está comprovado em várias pesquisas,
que o dever de casa é uma das atividades da escola que mais garantem o
aprendizado. Muitos professores dizem que os alunos não fazem o dever de casa
porque as famílias não se interessam. Muitas famílias dizem, em contrapartida, que as
crianças não têm dever de casa. Esta articulação da família com o aluno, com a escola
e com o professor, sobre esta atividade muito corriqueira, que é fazer exercícios em
casa, é uma forma de se mostrar como a escola e a família devem se articular, para
garantir a aprendizagem das crianças.
Isso gera uma nova discussão, porque temos pais e mães que trabalham mais,
e que trabalham mais longe de casa. Por isso saem mais cedo e voltam mais tarde.
Temos crianças que aos sete ou oito anos, muitas vezes, são responsáveis por toda a
família, pela alimentação, pelos cuidados com os irmãos etc. É preciso que a escola
discuta com os pais a importância do exercício, que os pais perguntem aos seus filhos,
ou olhem a mochila dos filhos quando chegarem do trabalho, mas, principalmente, que
os professores corrijam este exercício. Isto pode parecer corriqueiro, pode parecer
pequeno, mas muitas escolas brasileiras têm se articulado bem com as famílias dos
seus alunos através de atividades de aprendizagem que os alunos devem fazer em
casa, e que mostram estas novas possibilidades de articulações que temos entre
família, escola e sociedade
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Qual a relação entre escola e garantia dos direitos de crianças e
adolescentes?
Este também é um grande debate. A pensadora Hanna Arendt dizia que nós
sinalizamos o que queremos de um país, dependendo da forma como tratamos as
crianças deste país. E a escola deve sinalizar o que ela quer do Brasil, mostrando
como ela trata estas crianças.
Há um debate que eu acho que nós, educadores, já superamos. Um debate
improdutivo, que é dizer que a escola tem como obrigação transmitir conteúdos e não
tomar conta das crianças. Ora, as crianças vão aprender bem e se desenvolver muito
melhor se tiverem condições, com seus direitos preservados e com um ambiente
familiar mais saudável.
É muito importante que a escola saiba garantir os direitos das crianças, se
articulando com a sociedade, para saber como fazer com que as crianças tenham
melhores condições de vida, melhores condições familiares e boas relações dentro da
escola. A escola é capaz de garantir isso, desde que ela tenha um projeto pedagógico
consistente, com foco na aprendizagem, e sabendo que a aprendizagem não se dá
apenas naquele momento da sala de aula, como se o aluno fosse, naquele momento,
uma pessoa neutra. Ele leva para a sala de aula todas as suas vivências, os seus
problemas e dramas familiares.
A escola deve ter um projeto pedagógico muito organizado, para que evite
trabalhar de maneira espontaneista. Um professor não deve sair correndo e ir ao
conselho tutelar denunciar algo. Deve existir sempre um conselho de escola que seja
atuante. Os professores devem saber identificar situações em que seus alunos
estejam mais fragilizados, e a escola deve recorrer aos órgãos que existem, e eu vou
citar o conselho tutelar como o mais importante, para que a criança tenha os seus
direitos garantidos.
A escola é muito importante, porque a convivência que nós temos dentro de
sala de aula, quatro horas, quatro horas e meia por dia, com as crianças, nos
possibilita um ambiente muito privilegiado para identificar problemas que as crianças
estejam passando e que, muitas vezes, a própria escola não consegue identificar.
Nós, professores e professoras, não podemos desmerecer o papel da escola. Ela é
fundamental e estratégica para identificar maus tratos, exploração, problemas de
relacionamento familiar. Não cabe à escola resolver sozinha estes problemas, mas
cabe a ela acionar os órgãos que existem na comunidade para que os direitos
daquelas crianças sejam preservados.

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Vídeo Aula 2
Gestão democrática da escola
É muito importante que nós, educadores, nunca nos esqueçamos que a gestão
democrática está prevista em lei. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases quanto a
Constituição Federal dizem explicitamente que a gestão da educação deve ser
democrática, ou seja, envolver a família e a comunidade.
Um detalhe importante é que quando nós falamos da comunidade, estamos
dizendo que devem participar do dia a dia da escola, mesmo pessoas que sejam
líderes comunitários e que, muitas vezes, não tenham filhos na escola. A escola é um
espaço público. É muito importante nós entendermos isso. Quando nós falamos de
república e de espaços públicos, nós estamos falando de um espaço que é de todos.
Não é mais possível aceitar que uma mãe fique no portão da escola, às vezes dez,
quinze, vinte minutos, meia hora, esperando para poder entrar e conversar com o
professor de seu filho.
A primeira questão é esta: a gestão deve ser democrática. O que significa esta
gestão democrática? Não significa que nós vamos votar tudo o que existe, porque
poderíamos cair em outro extremo, que é o do assembleísmo. Se sempre nos
reunimos e apenas vamos votando as coisas o processo se torna voluntarista. Eu volto
a repetir que é importante que a escola tenha um projeto escrito pelo coletivo da
escola, e que neste projeto estejam descritos os momentos de participação e de
envolvimento da comunidade em geral, pais, líderes comunitários, os próprios alunos,
funcionários da escola, além de professores. Todos devem se envolver. E qual é o
papel de cada um? Por exemplo, a aprendizagem... A criança, principalmente a
criança até os doze anos de idade, tem uma necessidade muito grande de criar
vínculos, e quando a família se mostra efetivamente interessada na aprendizagem isso
faz uma diferença, porque a criança se sente reconhecida.
Por outro lado nós temos instâncias na escola que possibilitam a participação
mais institucionalizada de pais e mães, e da comunidade. Eu vou citar o que eu acho o
espaço mais importante e mais estratégico da escola, que é o conselho escolar. O
conselho escolar deve se reunir, não apenas por formalidade ou por obrigação, ou
para aprovar atas e contas. O conselho escolar deve se reunir para discutir e debater
o dia a dia da escola. É neste momento, da reunião do conselho, que aparecem com
mais força, problemas de crianças que, ou a professora não identificou, ou a
professora identificou, mas ficou um pouco fragilizada por não saber como resolver.
O conselho da escola, com a participação de todos os segmentos da
comunidade escolar, é um espaço que nos deixa mais fortalecidos, que nos aponta
caminhos diferentes daqueles que nós temos sozinhos, em sala de aula, possibilitando
a efetivação do que diz a lei: A gestão democrática da educação.
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Em relação à participação da criança e do jovem, nós devemos ter uma
coerência muito grande com os nossos projetos pedagógicos. Quase todos os projetos
político-pedagógicos de escolas que eu já li, dizem explicitamente que o objetivo é
formar cidadãos críticos, ativos, participantes. A grande incoerência é que quando este
cidadão, que tem sete, oito anos, levanta o dedo e dá um palpite, muitas vezes ele é
colocado para fora de sala, porque é considerado uma pessoa muito petulante, muito
desafiadora. É muito importante que a gente saiba que este cidadão crítico não vai se
formar depois que sair da escola. É nessa participação, na possibilidade de ir para o
conselho escolar, de poder avaliar a aula da professora, ou do professor, que ele vai
se formando como um cidadão, ou como um sujeito de direitos.
Escola e Proteção Integral
Quando há a participação do aluno, da criança e do adolescente, muitas vezes
as situações ficam menos tensa, nós conseguimos distensionar, quando as crianças e
os jovens podem falar e fazer a própria avaliação deles sobre a aula da professora, e
sobre a avaliação que a professora fez sobre eles.
Em todos estes momentos um cidadão vai se formando. Aprendendo a esperar
a sua hora de falar, aprendendo que não pode fazer críticas das quais não tenha
provas, documentos ou argumentos. Isto é mais do que apenas o conteúdo de história,
matemática ou português. É neste momento que o aluno se expressa e usa o que ele
aprendeu nas aulas de português, matemática ou história e, principalmente, que ele é
reconhecido como um sujeito de direitos, que vai se fortalecer e será um cidadão,
efetivamente crítico, participativo, consciente da sociedade onde ele mora.
A escola, como eu já disse é um espaço privilegiado para que nós, professores
e professoras, possamos conhecer mais profundamente cada aluno nosso. Quando
nós saímos daquela posição de que “eu estou aqui para dar aula de história”, e eu
simplesmente passo o conteúdo de história, e quando assumo um papel mais
transformador, num sentido mais amplo, eu continuo a dar aula de história, continuo a
garantir que os alunos aprendam história, mas, principalmente eu começo a me
preocupar com a história e com a trajetória de cada aluno que eu tenho. Eu vou saber
a história do seu pai, da sua mãe, onde eles moram etc.
Nós temos, às vezes, detalhes muito pequenos de uma professora que
comenta que a letra do aluno é muito ruim, o caderno é muito amassado, e ela
descobre que este aluno não tem mesa em casa. Nessa hora, ela muda a sua relação
com esta criança, e com o caderno desta criança, porque ela conhece o ambiente, a
situação em que esta criança vive. Quando a escola efetivamente conhece cada
menino, cada menina que está ali, e suas famílias, a escola começa, no seu projeto
pedagógico, a criar situações que são situações de aprendizagem, mas que também
permitem identificar aquelas crianças que têm, muitas vezes, dificuldades de
aprendizagem, porque não têm condições mínimas de sobrevivência fora da escola.
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Se você conhece o aluno que não consegue fazer exercício de casa, porque ele cuida
de quatro ou cinco crianças, a escola pode, junto com a família e com o conselho
tutelar, organizar melhor as condições de atendimento desta criança e também
solicitar ao conselho tutelar, que tente garantir na casa da criança, melhores condições
de vida para ela.
O Ministério da Educação tem se mobilizado, nos últimos dois anos, através do
Plano de Desenvolvimento da Educação para garantir o direito de aprender para todas
as crianças. Uma das ações mais fortes que nós temos feito é uma ação de
mobilização das famílias, mostrando como elas podem conhecer melhor a escola, o
dia a dia das atividades e rotinas da escola. Para isso é muito importante que a escola
coloque no seu projeto o envolvimento destes diversos setores no dia a dia da escola3.
A escola é espaço privilegiado de garantia de direitos, desde que isso seja feito
de forma ordenada, não-voluntarista e nem individual. Eu não estou falando aqui da
atitude pessoal ou impulsiva de um professor ou de outro, eu reforço que é necessário
que a escola, ao elaborar o seu projeto pedagógico, pense em como o conselho
tutelar, as famílias, as entidades assistenciais próximas podem, junto com a escola, se
articularem melhor para garantir o ambiente propício à aprendizagem.
A gente sabe que crianças que podem dormir em camas seguras, fazer três
refeições por dia, que não tem dor de dente, ou sentem frio, que não estão com
anemia... Estas crianças têm condições de aprendizagem muito melhores do que as
outras. A escola pode identificar isso, pode garantir isso e, com estas medidas, com
este projeto, ela consegue garantir melhores condições de vida e de aprendizagem
para os seus alunos.
Construção de Protocolos de Atendimento
Eu vou reforçar mais uma vez, sem querer ser repetitiva: o projeto pedagógico
da escola guia e reforça o nosso trabalho. Eu não estou dizendo aqui daquele projeto
que é escrito por uma ou duas professoras e a diretora, e é um projeto de gaveta, mas
aquele projeto pedagógico que todos os profissionais da escola se envolvem. Quando
a escola escreve este projeto pedagógico ela pode, ali, criar protocolos de
atendimento para a garantia de direitos.
O Ministério da Educação, junto com o UNICEF, fez uma pesquisa em 33
escolas que garantem o direito de aprender. São escolas que estão em locais mais
duros, mais pobres. Não são escolas localizadas em bairros de classe média das
grandes cidades. Nós identificamos escolas que garantem o direito de aprender e, ao
fazer esta identificação, nós achamos coisas em comum em todas estas escolas.
Atitudes e medidas que são tomadas para garantir a permanência da criança e a
aprendizagem.
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Ver cartilha no site: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/cartilhafamilia.pdf
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Neste estudo, que se chama Aprova Brasil4, e para nós do Ministério da
Educação e do UNICEF não chegou a ser uma surpresa, foi muito positivo ver que em
todas estas escolas existiam diretoras e diretores muito ativos e ligados à comunidade,
professores que conheciam o projeto pedagógico, envolvimento e política organizada
de envolvimento da comunidade. Mas o mais forte, e que aparece em todas estas
escolas, é uma atitude muito positiva, o que é uma coisa subjetiva, dos profissionais
da escola em relação aos seus alunos. Nessas escolas a gente sempre escutava
comentários como: “os nossos alunos são inteligentes, os nossos alunos são bonitos,
os nossos alunos são bons”. Este clima é um clima muito interessante.
Outro dado importante destas escolas e que acontece em muitas escolas do
Brasil, são medidas muito efetivas e muito simples. Por exemplo: a criança faltou três
dias seguidos, há uma profissional da escola que vai direto à casa do aluno e pergunta
por que o aluno não foi à aula. Quando ela identifica o problema, pode ser doença,
pode ser trabalho ou descaso da família, esta profissional preenche um documento e
entrega ao conselho tutelar da cidade.
É uma medida simples, mas muito efetiva e que tem garantido a diminuição da
evasão escolar, que talvez seja um dos piores índices da educação no Brasil, pois
mostra a negação do direito à escola. Quando a criança, ou por fracassos repetidos,
ou por falta de condições materiais, abandona a escola, ela terá o seu direito a
educação, à escolarização, negado. A escola pode e deve criar protocolos de
atendimento que garantam a permanência e a aprendizagem, mas que principalmente,
garantam uma criança mais feliz e mais respeitada no dia a dia da escola.
Vídeo Aula 3
Educação e Garantia de Direitos
Quando falamos no Estatuto da Criança e do Adolescente, existe sempre uma
reação, por parte de alguns professores, contra o Estatuto. Há uma frase que eu
escuto muitas vezes, que é muito equivocada, mas que é dita por muitos professores,
como: “a criança só tem direitos, os jovens só tem direitos, as crianças não tem
deveres...
Quanto se analisa o conceito de direito, e eu gosto de repetir que não existe
direito sem dever, ou seja, a criança tem direito à escola, mas tem o dever de ir para
escola e chegar na hora. Esta é uma questão. A outra é que se a gente for analisar
detalhadamente a vida da maioria das crianças mais pobres deste país, nós vamos
reparar que é a negação do direito. São crianças que não tem direito a alimentação, à
saúde, ao lazer.

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Material disponível nas leituras complementares e no site do MEC -
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pro_cons/aprobr.pdf
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É importante que a escola se conscientize que o Estatuto da Criança e do
Adolescente não é o espaço de só ter direitos, é o espaço, principalmente, de
reconhecer a criança, o jovem e o adolescente como cidadãos, e neste sentido, várias
escolas brasileiras têm trabalhado, de uma maneira muito forte, na discussão de
direitos humanos.
Eu tenho acompanhado processos de inclusão de crianças com deficiências
nas escolas chamadas de regulares, nas escolas comuns, e eu me pergunto, e acho
que pessoas da minha geração devem ter o mesmo questionamento, por que eu, que
nasci em meados dos anos 50, só fui conhecer uma criança com Síndrome de Down
quando eu tinha doze anos de idade? A pergunta que se faz é a seguinte: Será que
naquela época não existiam crianças com Síndrome de Down? Ou será que as
crianças com Síndrome de Down daquela época ficavam trancadas em casas e em
clínicas, impedidas de vivenciar uma vida com outras crianças? E, por outro lado,
como formar crianças que conheçam a diversidade, que respeitem as diferenças, se
estas crianças não conhecem o diferente?
Quando a gente pensa em Direitos Humanos, uma forma muito interessante de
fazer esta discussão é pensar na inclusão de crianças com deficiências nas escolas
regulares. Como isso transforma a escola, como isso forma os alunos que não têm
aquelas deficiências, e modifica a forma do professor trabalhar em sala de aula. Para
mim, é muito importante que a gente pense que Direitos Humanos é um item que não
pode deixar de ser pensado diuturnamente na escola, e que pode ser trabalhado
nestes momentos.
Quando recebemos um aluno com deficiência em uma escola regular, se o
primeiro momento é de espanto, o segundo momento pode ser de transformação.
Transformação da prática do professor, da relação dos alunos com aquela criança
nova que chegou ali, e o viver, na prática, aquilo que escrevemos nos nossos projetos
pedagógicos: conhecer a diversidade, respeitar as diferenças, para sermos cidadãos
mais plurais, mais democráticos e evidentemente mais felizes
Notificação Obrigatória na Suspeita ou Agressão aos Direitos
Na escola, como os professores convivem com seus alunos quatro horas,
quatro horas e meia, principalmente os professores que tenham o projeto pedagógico
muito organizado, eles conseguem identificar, muito rapidamente, crianças que são
vítimas de maus tratos ou violência. É claro que existe um certo desconforto na escola
e um certo receio: “O que é que vai acontecer comigo se eu denunciar”. Por isso é
importante que a gente não tenha atitudes voluntaristas. Vou repetir, não é o professor
sair correndo de sala e falar em público: “o aluno tal passa por isso e por isso”.
Primeiro é preciso muita delicadeza e muita seriedade e ética no tratamento destes
problemas.

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É importante destacar que nós, professores, devemos ter um olhar sempre
atento para diferenças de comportamento, para diferenças na criança. E, caso
tenhamos alguma suspeita, ou a gente ache que aquela criança mudou muito o
comportamento, às vezes ela está mais amedrontada, às vezes mais calada, é
importante que a gente não ache que é qualquer coisa, ou que isso não tem a ver com
o nosso trabalho. Havendo esta suspeita por parte dos professores, e sempre a gente
tem um desconforto, porque a gente vê a mudança do nosso aluno, é importante que a
gente investigue, que chamemos o grupo de profissionais da escola. É importante
colocar o problema, mas é muito importante não deixar que a coisa piore, nós
professores sabemos muito bem o que é que pode estar acontecendo, e que este
grupo de profissionais pode nos ajudar a entender melhor a situação e como nós
devemos providenciar para que aquela criança seja atendida.
Nós não podemos nos calar, nós não podemos achar que denunciar não vai
fazer a menor diferença, mas nós não podemos, também, fazer isso de maneira
amadora. Primeiro porque pode ser que aquilo não tenha acontecido, por isso é
importante que o professor converse com outros colegas, com a diretora, com a
orientadora. É importante que a escola sempre tenha uma ponte muito rápida, uma
“ponte pequena” com o posto de saúde da comunidade, para que esta criança possa
ter uma conversa com profissionais da saúde
Mas eu repito, é necessário que a escola, e não o professor, procure o
conselho tutelar, e faça uma notificação, comunicando o que a escola identificou de
diferente naquela criança. Isso vai, com certeza, provocar um atendimento a esta
criança, fazendo com que ela seja mais acolhida e, o que nós, profissionais da
educação, queremos, que ela tenha melhores condições de aprendizagem
A Escola e a Lei 11.525
É importante que nós, professores, conheçamos a Lei Federal 11.525, que foi
promulgada em setembro de 2007. Esta lei diz que é preciso que nós trabalhemos o
conteúdo dos direitos da criança e do adolescente no currículo escolar. Nós não
estamos dizendo que deve haver uma disciplina sobre direitos das crianças e dos
adolescentes, mas que, em diferentes momentos da escola, é possível trabalhar o
conteúdo dos direitos das crianças e dos adolescentes, e mais do que isso é
importante lembrar que não adianta fazer uma pesquisa na aula de história, ou fazer
uma redação na aula de português, sobre os direitos das crianças e dos adolescentes,
se estas crianças não têm o direito de participar do conselho de escola, ou de avaliar a
aula da professora.
É importante lembrar, quando eu reflito sobre como eu vou trabalhar a questão
dos direitos das crianças e dos adolescentes no currículo da escola, que eu reflita com
os meus colegas de trabalho, como é que eu faço isso na prática. E esta pode ser
talvez a maneira mais provocadora de colocarmos a lei 11.525 na prática da escola,
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colocando no nosso currículo, nas nossas atividades didático-pedagógicas, mas
inserindo a discussão do direito da criança e do adolescente na prática da escola, no
projeto pedagógico da escola, na discussão de professores, na pauta do conselho de
escola. É provocador, é transformador, e meche com a nossa prática pedagógica, com
certeza.
Uma Escola Garantidora de Direitos
Eu penso que nós, como professores e professoras, temos uma grande
possibilidade e um grande desafio em mãos, que é transformar nossa escola num
espaço de garantia de direitos, numa escola que tenha um clima positivo, em que as
crianças vivenciem a possibilidade de participação, a convivência com os diferentes.
Eu tenho visto muitas experiências interessantes, muitas experiências fortes, e talvez,
uma das mais fortes, é a de uma escola na periferia de Teresina, que tem um
excelente resultado na Prova Brasil e no IDEB. Nós fomos lá conhecer porque aquela
escola garante a aprendizagem para todos os seus alunos, o que ela faz. O que mais
me impressionou foi o clima da escola, um clima que, mais do que ter só aula, aula de
reforço, momento de leitura, mais do que tudo isso, ela tinha uma acolhida muito forte
às crianças, todos os dias, Todas as crianças se sentiam pertencendo àquele lugar,
nenhuma das crianças era estrangeira naquela escola, e mais do que isso é uma
escola que escuta, que dialoga, que conversa.
E eu vou repetir, porque eu acho que isso é, talvez o mais estratégico e o mais
importante para nossa profissão: isso não era feito, como não é feito nesta escola de
Teresina, como não é feita nas outras escolas e redes que nós pesquisamos5, de
maneira individual ou voluntária. São profissionais da educação, que conhecem as
leis, as novas propostas pedagógicas, as dificuldades de cada aluno e escrevem um
projeto pedagógico que tem objetivo. Estas escolas têm intenção educativa e, o que é
mais importante, elas sabem o que devem fazer caso as crianças não aprendam, elas
não deixam “nenhum menino para trás”.
Uma escola com este clima é uma escola em que as crianças são respeitadas,
mas não é uma escola permissiva. Existem regras, e elas são assumidas por adultos,
crianças e adolescentes. Esta é uma outra característica importante nesta escola
garantidora de direitos: nós somos os adultos da escola, nós conhecemos as leis, nós
devemos fazer com que as leis do país, do estado, do município, e as regras da
escola, que eu chamaria de leis da escola, sejam respeitadas por todos. Na vivência e
na convivência com este espaço é que as crianças aprendem a praticar os direitos e
deveres, ao mesmo tempo em que aprendem a participar.

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Ver o material Redes de Aprendizagem, disponível nas leituras opcionais e no site do MEC:
ftp://ftp.fnde.gov.br/web/boas_praticas/redes_de_aprendizagem.pdf
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Eu vou dar um exemplo muito pequeno: os alunos devem entrar na escola à
7h15m da manhã, e quando eles entram às 7h20, são advertidos, pois quebraram as
regras, mas os professores também têm que entrar as 7h15, porque se os alunos têm
que entrar às 7h15 e ficam na sala esperando o professor que se atrasa, eles vão ter
uma visão um pouco deturpada daquela regra. Esta regra vale por todos ou esta regra
é só para as crianças?
Nesta convivência, neste desafio que é organizar também o nosso horário, o
nosso cumprimento destas regras, é que a escola vai se tornando um ambiente mais
democrático, porque a democracia sempre pressupõe a participação. Neste ambiente
as crianças serão confrontadas na hora em que não fazem os deveres de casa, em
que chegam atrasadas ou querem merendar fora do horário. E não é na imposição
destas regras, mas no debate e na discussão sobre a importância de um ambiente que
tem regras que as crianças se sentem respeitadas, e começam a saber direito o que é
cidadania, a entender o que é o respeito ao outro, ao espaço do outro, e a escola
consegue garantir o que nós todos queremos: Um ambiente de aprendizagem.
Ao se aprender a regra do horário de entrada, do horário de funcionamento da
biblioteca, do dia de devolver o livro, da hora de fazer a prova, do momento de
participar de um seminário, estes debates, estes pequenos rituais, são rituais que
formam a escola e que passam para todos nós um ambiente melhor. Os profissionais
vão para esta escola com mais disposição, as crianças vão mais alegres, mais
empenhadas, e nós conseguimos o que realmente queremos que é garantir para todas
as crianças brasileiras o direito de aprender. Lembrando que a queremos isso para
todas e para cada uma das crianças. Eu tenho que pensar nos 53 milhões de crianças
e jovens brasileiros, alunos, estudantes da educação básica, mas eu tenho que pensar
no José, na Maria, na Janaína, no Marcos, no Miguel... Cada um tem nome, tem sua
família, sua história, eles entram para escola e levam as suas histórias, as suas
famílias, a sua alegria para dentro da escola.
A escola que cria um clima, que é um espaço que garante direitos e respeita
direitos, é uma escola que nós sonhamos, é uma escola que já existe em diversos
lugares do Brasil, construída por pessoas reais como você, professor, que quer fazer
este curso para entender melhor todo este arcabouço legal que garante direitos e
deveres para crianças e adolescentes e, consequentemente para adultos. Que na
nossa prática, no nosso trabalho, a gente tenha este norte: “O meu trabalho é um
trabalho que garante os direitos das crianças e com certeza faz diferença na vida
desta criança, e faz diferença na realidade deste país”.

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