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Módulo 04 – Professora Maria Helena Zamora1

Professora Irandi Pereira2

Vídeo Aula 7 3
Adolescentes em Conflito com a Lei e a Escola

Maria Helena Zamora


Na abordagem sobre a questão dos adolescentes em conflito com a lei, uma
das coisas que precisam ficar claro é que eles são muito poucos, em relação ao
número de pessoas que cometem delitos. Quando vemos o universo de todos os
delitos, de todos os crimes cometidos no Brasil, percebemos que, segundo pesquisas
muito recentes, 90% deles são cometidos por adultos, ou seja, por maiores de 18
anos, sendo apenas 10% cometidos por adolescentes entre 12 e 18 anos. Esta é uma
informação importante para que nós comecemos a mudar o nosso olhar em relação a
estes adolescentes.

Irandi Pereira
Além disso, se observarmos o tipo de delito ou de ato infracional cometido por
estes adolescentes, nós vamos ver que mais de 70% estão cumprindo medida judicial,

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Maria Helena Zamora é doutora em Psicologia e professora da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Também é professora convidada da especialização em Psicologia
Jurídica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Psicologia Jurídica da Universidade
Potiguar (RN) e vice-coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção
Social (LIPIS/PUC-Rio).
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Irandi Pereira. Graduada em Pedagogia, e doutora em Educação pela USP. É docente no
mestrado profissional "Adolescente em Conflito com a Lei" da UNIBAN, foi membro do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente / CONANDA (gestão 2002-2004)
e é ativista do movimento dos direitos da criança e do adolescente.
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Foram feitas apenas as adaptações necessárias à transposição do texto falado para o texto
escrito. 1
que nós chamamos de medidas sócio-educativas, como a prestação de serviços à
comunidade, ou a liberdade assistida, que são medidas de restrição de direitos, por
envolvimento em delitos de natureza leve. Apenas 26,6% cometeram atos infracionais
de natureza grave, estando em regime de internação, ou seja, de privação da
liberdade.
Apesar desta grande diferença entre o mundo adulto e o mundo juvenil, nós
educadores, entendendo como educador todo profissional da escola, devemos refletir
sobre como colaborar para que tenhamos cada vez menos adolescentes cometendo
atos infracionais, pois para nós, se tiver um único adolescente cometendo ato
infracional, nós temos que nos preocupar. Temos que pensar que à medida que este
adolescente infraciona, ele está perdendo parte da vida que poderia ter. À medida que
ele está livre para, em tese, praticar um ato infracional, significa que está privado do
efetivo direito de estar numa escola de qualidade, em atividades de lazer, de esporte,
ou de formação profissional.
É importante verificarmos que quando os adolescentes cometem algum tipo de
ato infracional, mais de 50% deles estão fora da escola, não estão estudando naquele
momento em que estão cometendo o ato infracional. Eu acho que nossa primeira
tarefa, enquanto educadores, é trazer de volta estes adolescentes para a escola.

Maria Helena Zamora


É interessante como muitas vezes são defendidos pontos de vista sem a
reflexão necessária, frutos da desinformação. Muita gente, por exemplo, pensa que no
Estatuto da Criança e do Adolescente apenas os direitos estão assegurados, que o
adolescente não tem que co-responder, ou que o Estatuto é brando em relação aos
delitos cometidos por adolescentes, e isso é um engano. Além do que foi comentado,
sobre os adolescentes serem poucos se comparados com os adultos autores de
delitos, é preciso frisar que as abordagens sócio-educativas se baseiam em fatos
muito reais. Nós temos aqui, por exemplo, dados da Secretaria Especial de Direitos
Humanos - SEDH, que vão mostrar que em medidas sócio-educativas em meio aberto
a reincidência, ou seja, a volta ao cometimento de delitos é de apenas 15%. Já nas
medidas em meio fechado, a reincidência está entre 20% e 25%, enquanto no sistema
penal, ao sistema para o adulto, ela chega a 60%. É possível ver que, ainda que o
sistema sócio-educativo não esteja funcionando de forma ideal, a reincidência é muito
diminuída em relação ao universo penal.

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Irandi Pereira
A prática nos mostra que quando o adolescente volta a infracionar é porque, na
verdade, a sociedade não cuidou deste adolescente. Quando dizemos que a
sociedade não cuidou da sua adolescência e da sua juventude, é levando em
consideração o entendimento maior que nós temos desta sociedade, abrangendo o
Estado, a própria família e a comunidade. Na medida em que nós começamos a
abandonar a nossa adolescência e a nossa juventude, ela vai procurar outros afazeres
que não sejam os que levam esta juventude a ser criativa enquanto busca
oportunidades positivas para a sua vida.
A escola, ao receber um adolescente em cumprimento de medida, podemos
dizer um adolescente “repatriado para a instituição escolar”, precisa compreender o
que diz a lei. Hoje não dá mais para trabalharmos com crianças e adolescentes sem
que a gente compreenda que existe uma lei especialíssima, que é o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Uma lei que trata não só da política de educação para a
defesa e proteção de crianças e jovens, mas também da legislação de saúde, do
trabalho, do esporte, lazer etc.
Cabe aqui, para nós que somos da área da educação, repensar um pouco mais
o que estamos fazendo com os nossos estudantes. De fato nós estamos aplicando o
Estatuto da Criança e do Adolescente no cotidiano da nossa escola?
Independentemente se estes estudantes cometeram ou não um ato infracional? Nós
sabemos que esta é uma legislação de natureza interdisciplinar, que busca a chamada
intersetorialidade das políticas na promoção e defesa das nossas crianças e dos
nossos adolescentes.

Maria Helena Zamora


Ao tratarmos de intersetorialidade, é interessante citarmos os eixos de ação do
Sistema de Garantia de Direitos do qual a escola faz parte, porque cabe a toda a
sociedade, a comunidade, à família, é claro, e à escola, zelar pelos direitos da criança
e do adolescente. Existem instituições mais formais, governamentais e não-
governamentais, que também vão estar nestes eixos do sistema. Nós temos o Eixo da
Defesa, no qual está o sistema de justiça, e também o Eixo da Promoção, onde se
insere a escola.
Nós precisamos nos acostumar a funcionar de maneira sistêmica, a funcionar
em rede, na intersetorialidade, ligando as políticas públicas para compor para este
adolescente, muitas vezes tão espoliado e excluído, uma garantia de direitos real e
efetiva. Isto é que está em jogo e a escola cumpre um papel importantíssimo nesta
tarefa.
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Irandi Pereira
Evidentemente, porque a maioria das crianças e adolescentes no Brasil tem
como seu único espaço de socialização a educação escolar. Onde estão os
estudantes das camadas populares no Brasil? Na escola pública oficial, portanto na
escola pública estatal. Nós sabemos, de antemão, que para pensar em crianças e
adolescentes no Brasil, temos que pensar em crianças e adolescentes e escola
pública de qualidade. Se não pensarmos desse modo, nós nunca faremos com que
direitos humanos sejam garantidos para todas as crianças e adolescentes brasileiros.

Maria Helena
Estes direitos estão assegurados pela legislação e são o caminho único para
que possamos construir uma sociedade diferente. Algumas pessoas pensam que
realmente as saídas repressivas, punitivas, vingativas vão trazer alguma mudança,
mas o Brasil é um dos países, que mais mata adolescentes e jovens no mundo. Nós
temos um recorde, um nível altíssimo de mortalidade de adolescentes e jovens,
comparável ou superior a países que estão em guerra, em conflitos que já duram 60
anos.
Nós precisamos considerar uma outra realidade, fazendo aplicar um
instrumento que envolve a todos. Vale citar que o outro eixo do sistema de garantias é
o da participação, ou seja, o do Controle Social, e este controle só será efetivo com a
participação de todos. É por este caminho, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
que nós vamos construir um outro Brasil.

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