Camas
Sexualidade
Mulheres que
partidas
se casaram
inadvertidamente O amor surgiu como em um rotei-
com homossexuais ro de cinema. Ao conhecê-lo na fa-
culdade, Amanda* teve certeza que
contam à Revista
estava diante do homem da sua vida.
como reagiram Após sete anos juntos, veio o pedido
à desilusão. de casamento. A vida a dois, mesmo
Sair do armário com os problemas comuns, trazia
pode ser doloroso, mais felicidade à relação e o sexo
mas é o melhor continuava constante e prazeroso.
para ambas as Porém, depois de pôr a aliança, o
partes, dizem marido de Amanda mudou. Tornou-
especialistas se calado e irritadiço, chegava do tra-
balho e ia direto para a academia e,
dela, para o computador. Não con-
versava mais com a mulher. Quando
questionado sobre o que estava acon-
tecendo, a resposta era sempre a
mesma: “Nada”. Aturdida, Amanda
começou a evitar o sexo. Quando a
situação parecia insustentável, ele
resolveu se abrir: “Eu sou bissexual”.
A revelação teve efeito devastador.
Dúvidasquantoàsuacapacidadededar
prazer, raiva por nunca ter desconfiado
* A pedido dos dasexualidadedele,análiseprofundade
personagens, os toda a história do casal — tudo isso cul-
verdadeiros minou na criação do blog A esposa. Ne-
nomes foram
le, Amanda conta sua experiência e en-
omitidos
contraoalentodeoutrosinternautas.
“Quando isso acontece, achamos
que nosso caso é único. A forma que
encontrei de ter ajuda foi conversan-
do com mulheres que passaram ou
estão passando pela mesma situação”,
conta a blogueira à Revista.
CORREIO O assunto, porém, permanece um
BRAZILIENSE tabu. Muitos homens homossexuais e
bissexuais ainda se sentem obrigados a
Brasília, domingo,
5 de dezembro de 2010 manter um relacionamento de fachada
para fugir do preconceito. Nesses casos,
8e9 sair do armário pode ser duplamente
POR RAFAEL CAMPOS
doloroso, já que é o casal que precisa ela engravidou. O casamento parecia
superar a mudança. “As pessoas ainda ser, então, a melhor forma de dar su-
acreditam que sua homossexualidade porte ao bebê. “Mantive nossa relação
é algo apenas sexual. Não percebem por cinco anos e jamais cometi adulté-
que ela é uma identidade emergente rio. Porém sempre pautei minha vida
que, com o tempo, vai obrigá-las a criar pela verdade e vi que, naquela situa-
para si uma vida gay”, explica Joe Kort, ção, eu estava mentindo tanto para
terapeuta americano especializado em mim quando para ela. Foi aí que decidi
casais de orientação sexual mista. me separar.” Fernando nasceu em
Para Kort, enquanto não houver en- uma família extremamente católica e
tendimento de que a homossexualida- isso fez com que acreditasse que sua
de é algo normal, casos inclinação homoafetiva
como o de Amanda vão pudesse ser reprimida.
continuar a surgir. “O ho- “Minha educação não
mem gay ainda sofre de- me deixava viver minha se-
mais. A maior garantia de xualidade. Só fui ter minha
aceitação social que mui- Foi difícil primeira experiência de-
tos têm ainda é o casa- porque exige a pois da separação”, lembra.
mento, que se torna um desconstrução das Mesmo assim, contar para
pacto silencioso: preciso expectativas, das a ex não foi tarefa fácil. Ele
de você para mostrar que imagens que nós compara o processo à su-
sou macho”, analisa fazemos em peraçãodeumamorte.“Foi
Walkíria Helena Grant, relação aos nossos difícil porque exige a des-
professora do Instituto parceiros. Você tem construção das expectati-
de Psicologia da Univer- que assassinar uma vas, das imagens que nós
sidade de São Paulo. pessoa dentro de fazemos em relação aos
Segundo a pesquisa- nossos parceiros.Você tem
você e esperar que
dora, gays que se casam que assassinar uma pessoa
nutrem a esperança de,
ela nasça de novo.” dentro de você e esperar
eventualmente, “do- Fernando (nome fictício) que ela nasça de novo.”
mar” seu desejo. E nada Ele garante que, quan-
impede que o amor pe- do casado, mantinha uma
la mulher seja genuíno. Fernando*, vida sexual ativa. Esse é um dos aspec-
30 anos, não tem dúvidas que sua tos que mais causa perplexidade às
ex-companheira era “uma mulher mulheres que ser relacionaram com
perfeita”. Foi por crer que eles não homossexuais. Maria*, 32 anos, lem-
mereciam viver um relacionamento bra que o ex-marido sempre estava
de fachada que decidiu contar a ver- pronto para o sexo, nunca havia falha-
dade. “Sempre digo ao atual marido do e transava com ela em qualquer si-
dela o quanto ele é sortudo.” tuação. “Como desconfiar de um cara
Os dois eram muito jovens quando desses?”, ainda se questiona. Porém, ao