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Entre o sangue e a sensualidade

Ljana Carrion, performer e estrela dos mais sanguinários filmes catarinenses

Gabriel Luis Rosa – Junho de 2008

Enquanto a banda toca uma música suja e distorcida, Ljana Carrion dança, vestindo uma
saia e um corpete. Parece natural no palco, já que foi ela quem escolheu a música uma
semana antes, conseguindo assim o tempo necessário para ensaiar os seus passos. Em
alguns rápidos movimentos – primeiro tira a saia, depois o corpete – a performer já está
apenas de fio-dental na frente de pelo menos cem pessoas, entre homens e mulheres.
Poucos “uhul” ecoam pelo Célula, casa noturna de Florianópolis, e a maioria prefere
assistir a cena calada. Algumas pessoas no local já tinham visto Ljana nua antes em um
filme B repleto de sangue e sexo, chamado Arrombada: vou mijar na porra do seu
túmulo!!!, lançado em 2007.

Ljana Carrion pode ser considerado seu nome artístico, mesmo o tendo criado
aos quinze anos. Hoje, com vinte e dois, ela ainda o utiliza. O verdadeiro, Liana, foi
substituído por Ljana, mais próximo da língua alemã, que a dançarina estudava na
época. Já Carrion quer dizer “putrefato” em inglês, e ela tirou de uma música. O
sobrenome verdadeiro ela não revela. A sua aparência também chama a atenção: o
cabelo mais curto em cima é loiro, enquanto a parte de baixo é castanha. No nariz, dois
piercings: uma argola no meio e outra na narina direita.

Há aproximadamente um ano, Ljana fez sua primeira performance: em uma festa


em Criciúma, cidade em que cresceu, dançou para uns amigos. Estava bêbada e dançava
sem o compromisso de agradar ninguém, diferentemente da noite no Célula: “Quando
se dança para estranhos, você leva mais a sério. Não gosto de fazer isso depois de beber,
prefiro estar sempre „de cara‟”. Talvez por isso que a performer lembre, principalmente,
de “estar com a boca muito seca” na hora de entrar no palco.

Essa foi a terceira performance de Ljana. Na segunda, ainda em Criciúma, ela se


apresentou com seu corpo inteiro pintado de vermelho e chifrinhos. Já no Célula, ela
manejava duas plumas, que usava para se cobrir enquanto tirava a roupa. Mas isso é um
strip-tease? “Não. Considero a performance um exibicionismo, uma mistura de
sensualidade com o agressivo e o cômico”, responde. O organizador da festa em que

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Ljana se apresentou em Florianópolis, Leonardo Dalla Costa, do site EhRock, concorda:
“A nossa idéia não era um strip-tease como numa casa de shows “normal”. Queríamos
algo que mostrasse uma atitude rock'n'roll e a cara da Ljana”.

Ao contrário da imagem auto-confiante e dominadora que passa no palco, ela


mostrou timidez e carisma durante a entrevista. Sorriu o tempo inteiro e pensava
bastante antes de responder qualquer pergunta. Segundo Leonardo, “ela aparenta ser
uma pessoa doce, alegre, de bem com a vida” – bem diferente do perfil da “Ljana
performer erótica” que dançou no Célula. Parece fazer as coisas de maneira impulsiva,
sem pensar demais. Quando pergunto sobre o porquê das performances, a resposta é
“porque eu quis”, sem conseguir se aprofundar mais nas suas razões.

Saindo de Criciúma e vindo para Florianópolis há um ano junto com sua mãe,
Ljana encontrou uma cena um pouco mais receptiva para esse tipo de “hobbie”. Não são
todas as casas de shows que permitem uma pessoa nua no palco, e nem no Célula nunca
tinha sido feito nada parecido. Mas “tem como desenvolver isso aqui”, comenta.
Questionada se o espaço é parecido com o de outras capitais, ela ri e diz que não há nem
comparação: “As pessoas daqui são muito preguiçosas para sair à noite e conhecer
coisas novas” – por exemplo, suas performances.

Mas foi em uma cidade no extremo oeste de Santa Catarina com ainda menos
espaço para Ljana que ela se tornou a protagonista de um dos filmes mais reconhecidos
na cena do cinema trash. Palmitos, com seus quinze mil habitantes (vinte vezes menos
que Florianópolis), é a sede de uma produtora chamada Canibal Filmes. A Canibal é a
responsável por curtas com nomes como Que buceta do caralho, pobre só se fode!!! e O
nobre deputado sanguessuga.

Há um ano, Ljana entrou em contato com Petter Baiestorf, sócio e diretor da


Canibal. Segundo o próprio, em Palmitos ele é considerado “uma bizarrice” pelos seus
conterrâneos. Mas, mesmo assim, Ljana afirma que ele é admirado por toda a cena
cinéfila underground brasileira, e até no exterior. O site de relacionamentos Orkut, por
exemplo, tem uma comunidade chamada “Quero ser atriz na Canibal”, com quarenta e
oito membros. Foi através dela que os dois se conheceram.

Petter Baiestorf, com uma cerveja na mão e uma barba de trinta centímetros,
explica como a “atriz”, que nunca tinha participado de nenhuma gravação, entrou para o
elenco do novo filme da Canibal: “Foi tudo bem simples. A Ljana pediu pra participar

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de alguma filmagem comigo, mandei um roteiro e ela topou. Ela foi pra Palmitos, e
gravamos tudo em três dias”.

O roteiro de que o diretor fala é o de Arrombadas: vou mijar na porra do seu


túmulo!!!, no qual a atriz principal é seqüestrada por um senador, um médico e um
padre e depois submetida a uma longa série de estupros. Petter comenta o enredo: “No
filme, as personagens não tem nomes. O político representa todos os políticos. O padre
representa todos os padres. A garota representa toda a classe média. Ou seja, ela é a
classe média sendo estuprada”.

Contar o destino da personagem de Ljana no final do filme seria errado, se a


capa do DVD já não o fizesse: abaixo do título “ARROMBADA”, em letras maiúsculas,
a imagem é a da atriz jogada no chão, com um corte do pescoço até o umbigo e vários
órgãos expostos. “É a idéia dos filmes como os do Zé do Caixão, ou até de Ed Wood
[considerado o pior diretor de todos os tempos]. Esses diretores ressurgiram no
underground nos anos noventa, voltaram à moda, depois de décadas no esquecimento”,
explica Baiestorf.

Assim como nas obras de José Mojica Amorins – o Zé do Caixão –, na Canibal


o sexo é muito explorado. Gravado há duas semanas e em fase de edição, o novo filme
da produtora chama-se Vadias do sexo sangrento. Em uma das imagens divulgadas,
uma mulher e um homem lutam, ambos sem roupa e usando moto-serras. Em outra,
Ljana aparece deitada presa a uma cama, também sem roupa, com o corpo
ensangüentado e repleto de pontos brancos parecidos com bolinhas de isopor.

Mesmo assim, nem o diretor e nem a atriz consideram nenhum dos dois filmes
pornográficos. Petter explica que, no Arrombadas, onde parece haver sexo explícito, na
verdade sequer houve sexo. “Em uma cena onde Ljana sofre uma penetração dupla, a
maior reclamação dos dois atores foi a de que um ficava „roçando‟ no outro”. Segundo o
diretor, a produção encarregou-se de filmar a cena de ângulos que não dependessem de
sexo real para simular o estupro. Ljana Carrion diz que não faria um filme pornô se o
cachê oferecido não fosse realmente alto. Segundo Baiestorf, a atriz ganhou quinhentos
reais para filmar o Arrombadas. Já o preço da performance no Célula ela não conta.

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Produção de “Arrombada: vou mijar
na porra do seu túmulo!!!” (2007)

Performance no bar
Célula, em Florianópolis

Ljana em “Vadias do sexo


sangrento”, que ainda está em
fase de edição
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