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Entrevista com o pesquisador do cristianismo,

professor e conferecista Bart D. Ehrman

“Há muitos erros na Bíblia e, mais importante que


isso, há diferentes pontos de vista teológicos e isso
precisa ser reconhecido”.

(Uma resposta aos fundamentalistas evangélicos pentecostais)

Publicado originalmente na revista Época

O americano Bart Ehrman cresceu em uma família


religiosa e, quando adolescente, havia se tornado um evangélico fervoroso. O interesse pela Bíblia e por
sua história o acompanhou a vida toda e hoje, após 35 anos de estudo, diz ter abandonado o Cristianismo
por não acreditar que Deus poderia estar no “comando de um mundo cheio de dor e sofrimento”.

Professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, Ehrman já


escreveu 21 livros sobre religião, incluindo Verdade e Ficção em O Código Da Vinci, sobre o best-seller
de Dan Brown, e O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? – Quem mudou a Bíblia e por quê, que
figurou entre os mais vendidos na lista do jornal The New York Times. Agora, em Jesus, Interrupted (no
Brasil, Quem foi Jesus? Quem Jesus não foi?, Ed. Ediouro), que será lançado no Brasil no segundo
semestre, Ehrman tenta revelar as contradições da Bíblia, que provam, segundo ele, que o livro não foi
enviado à humanidade por Deus.

De um tempo para cá temos visto um crescimento do número de títulos com críticas às


religiões. O que está motivando os leitores?

Bart Ehrman – Há uma reação contra a direita conservadora do mundo religioso. Aqui nos
Estados Unidos há vários líderes desse tipo (televangélicos poderosos) que tiveram muita atenção da
mídia por muito tempo, e as pessoas que estão do lado esquerdo deste espectro começaram a se
incomodar. Muitos desses livros escritos por essas pessoas chamadas de “neo-ateístas” são uma
representação deste movimento.

Alguns dos principais representantes do “neo-ateísmo” são Sam Harris e Richard


Dawkins. Em um artigo recente da revista Time, o senhor reconheceu que compartilha leitores
com eles. Mas o senhor se considera parte deste movimento?

Bart Ehrman – Não me considero um ateu e não acho que estou fazendo a mesma coisa que
esses autores. Eles têm feito coisas boas, mas estão atacando a religião sem conhecer muito. Quando eu
escrevo, faço isso como alguém que já esteve profundamente envolvido com a Cristandade, mas que
agora a rejeitou. Por isso, a minha perspectiva é completamente diferente.

O que fez o senhor passar de um fiel cristão a um “agnóstico feliz”?


Bart Ehrman – Fui criado na Igreja Protestante e fui um cristão muito ativo por vários anos. Mas
eu deixei a cristandade não por conta dos meus estudos históricos sobre a Bíblia, mas por não conseguir
mais acreditar que poderia haver um deus no comando deste mundo cheio de dor e sofrimento.

Qual é o motivo de o livro se chamar Jesus, Interrupted [em tradução livre: Jesus,
interrompido] ? Quando e como ele foi interrompido?

Bart Ehrman – O título significa que há inúmeras vozes diferentes falando no Novo Testamento.
São autores diferentes, que possuem pontos de vista diferentes e que, muitas vezes, são conflitantes.
Com tantas vozes assim falando no mesmo livro, muitas vezes é impossível escutar a voz do Jesus
histórico, porque ele foi interrompido por outras pessoas.

E é possível definir qual é a maior contradição da Bíblia?

Bart Ehrman – São muitas discrepâncias, mas é possível destacar duas. O apóstolo Paulo, por
exemplo, acha que a pessoa chega a Deus apenas pela fé, e não pelo que faz. No capítulo 24 de Mateus,
no entanto, nós lemos que boas ações levam ao reino dos céus. Essas duas visões são excludentes em
um assunto determinante, que é a salvação. Também há visões diferentes sobre quem era Jesus. No
evangelho de João, Jesus é Deus, mas nos textos atribuídos a Marcos, Mateus e Lucas não há nada
sobre isso. No evangelho de Mateus fica claro que ele acredita que Jesus é um ser humano, e que é o
Messias. A Igreja acabou juntando essas duas visões, de que ele é humano e divino, e criou um conceito
que não está escrito nem em João e nem em Mateus.

O senhor acha que essas discrepâncias fazem da Bíblia uma história falsa?

Bart Ehrman – Eu diria que os diferentes autores da Bíblia tem versões diferentes da história e
por isso é errado tentar fazer com que eles digam a mesma coisa. Há muitos erros na Bíblia e, mais
importante que isso, há diferentes pontos de vista teológicos e isso precisa ser reconhecido.

Desde quando a Bíblia começou a ser questionada? De que maneira isso enfraquece a
Cristandade?

Bart Ehrman – As pessoas só começaram a notar essas diferenças na época do Iluminismo, no
século XVIII. Antes disso, os estudioso da Bíblia eram teologicamente comprometidos com ela e não
imaginavam que poderia haver erros. Essas descobertas são problemáticas especialmente para quem
acredita que a Bíblia foi entregue a nós diretamente por Deus. Se isso ocorreu, por que não temos a
Bíblia original? Por que temos apenas manuscritos escritos mais tarde e que não são iguais? Essas
diferenças mostram que não existe um livro com inspiração divina que foi entregue a nós.

E como isso afeta especificamente a Igreja Católica?

Bart Ehrman – Existem estudiosos na Igreja Católica que concordam com quase tudo o que
está escrito em Jesus, Interrupted. Mas na tradição católica a fé nunca foi sobre a Bíblia, mas sobre os
ensinamentos da Igreja e sobre acreditar que Jesus é o filho de Deus. E isso não muda se a pessoa
perceber ou não os erros da Bíblia. É bem diferente do fundamentalismo cristão que é tão poderoso onde
eu vivo, no sul dos Estados Unidos. Aqui as pessoas acham que você só poder ser cristão se acreditar
totalmente na Bíblia.
Alguns críticos do seu trabalho, especialmente o líder evangélico James White, dizem que
você quer destruir a fé cristã. O que você acha disso?

Bart Ehrman – Estou tentando destruir o tipo de fé cristã de James White! (risos). Mas na
verdade nada que eu faça pode destruir o Cristianismo. O problema é que há um certo tipo de fé cristã
que diz que a Bíblia não tem erros e é infalível, e eu não concordo com isso. Eu não sou o único que
pensa assim. As opiniões que estão descritas no meu livro são as mesmas da maioria dos estudiosos da
Bíblia há muitas e muitas décadas, mas eles não costumam falar disso em público. Meu livro apenas
pega o que os estudiosos dizem há muito tempo e torna disponível para os leitores normais.

Você recebeu muitas críticas de leitores por conta do livro?

Bart Ehrman – Recebi e-mails de pessoas bravas e sei que na internet há muita gente
contrariada. Dizem que quero destruir sua fé, que sou o anti-Cristo. Mas a maior parte dos que escreve
ficou grata pelo livro e feliz por eu ter dito essas coisas, já que suspeitavam desses erros, mas não tinham
base teológica para questionar a Bíblia.

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