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II
O retrato em sangue.
vermelho intenso, recém pincelado nas minhas artérias e veias,
ainda pulsantes, ainda vivas.
A alma vendida ao Demônio?
Não, este não é Dorian Gray.
Sou eu dessangrada, desmembrada, despedaçada. Sou eu sem mim.
Apenas o som do meu último grito.
III
IV
VI
VII
VIII
IX
Meu coração perdeu sua música suave. Era terno o pequenino, mas um dia
amanheceu sem os acordes da “ Appassionata”.
Porque os homens seguem olhando sem ver.
XI
XII
Adeus pode ser a mais bela palavra, ou a mais terrível sentença.
Qual é a verdade?
Não sei, falta coragem tanto para belas palavras,como para terríveis
sentenças.
Saudades de ti, Florbela, que sabia pronunciar ambas. E morreu por isso.
XIII
XIV
XV
A estátua dança nua no jardim daquela casa. Sinuosa e branca, espera teu
abraço furioso, para juntos ficarem imóveis na primeira valsa de Strauss.
Tempos depois, dois jovens amantes não compreendem tal dança de horror,
onde duas figuras esgazeadas choram lágrimas de cimento e cal.
XVI
XVIII
Agora caminha só
pelas noites, alucinada
E planeja meu assassinato.
XIX
XX
XXI
A terra é a mais clara das criaturas imóveis. É possível ver o brilho dos seus
torrões até mesmo no meio das tempestades. Você queria ser como ela, um
farol quase vivo, por toda a existência?
Não, prefiro as sombras, elas protegem meus olhos daquilo que temo enxergar.
XXII
XXIII
XXIV
Um nome de mulher.
Julia
Cheiro de flores invadindo meus livros. Todos eles.
Porque eles sempre cheiram a flores? Não tenho certeza.
Talvez porque houvesse outro nome de mulher. Caroline.
Era minha mãe e me embalava diariamente
No peito macio
Ela sempre cheirava a flores?
Não, nesse caso as flores é que cheiravam a ela.
XXV
XXVI
Para Luiza
XXVIII
XXIX
XXX
2) Ela tem medos mortais, de que você a deixaria ir, mesmo chorando no
peito lágrimas perdidas nos olhos castanhos.Talvez você até falasse boa
sorte, ma petite, sem notar o tremor das próprias mãos, escondidas nos
bolsos de outro terno formal.
Escuro e negro como tuas inabaláveis certezas.
3) O que você faria ao vê-la de costas, caminhando devagar para o fim,
desalinhando os negros cabelos? Gritaria forte seu nome, tão forte que
até ouvissem os anjos, ou calaria todas as dores e todos os gritos?
4) Ela não sabe as respostas e teme teu silêncio, teu controle. Ela não tem
armas fatais , nem poções envenenadas. Apenas duendes que
encontram amigos e bruxas que realizam desejos.Não tem cauda de
pavão ou estolas de raposa prateada, não nasceu em Londres ou Roma,
nem sabe comer sushi de palitinho, Mas escreve alguns versos e sabe
o caminho para outros planetas e outras histórias. Talvez até para outras
galáxias.
5) Mylord Lancelot du Lac, o mais valente dos cavaleiros , eu vos peço com
ternura,
não deixai-me tornar somente uma lembrança
nos céus de Stonehenge.
Que vossas mãos não abandonem as minhas, embora eu não seja a
doce Guinevere,
Que vossos lábios não deixem de abrir os meus, embora eu seja a
tempestuosa Morgana,
Pois eu vos amo eternamente, como apenas as bruxas podem amar,
porque nunca tiveram medo de uma entrega apaixonada.
Afinal, sempre souberam que seu destino seria o Inferno.
XXXI
As vezes eu sou outra. As vezes eu poderia ser outra. Naquela noite ela veio,
perigosamente perto, fascinantemente perto. Esperava cada golpe do chicote
com sofreguidão exata, ânsia ferina, cheiro de sangue. A dor invadiu tudo,
latejando de medo nas sombras. Cada músculo estremecia no sibilar das
cordas, precisas e sem piedade. Mas ela? Ela apenas olhava e sorria,
escorrendo líquidos e não lágrimas, impedindo que eu falasse chega.
Tenho medo dela e esse medo a impede de me tomar por completo.
Se me deixo ir, a entrega é total, completa, profunda. Ela é Lilith e não tem
medos. Nem limites.
Você a deseja?
XXXII
Ela gosta de aventuras ousadas, onde amar seja o mais simples dos gestos,
e odiar o mais normal dos sentimentos.
Seria ela anjo ou demônio?
No mundo dos homens classificar é fundamental, afinal se assim não fosse,
o que seriam dos dicionários?
Assim sendo, nem anjo, nem demônio, apenas uma interrogação.
Por enquanto.
XXXIII
Gatos e Ratos
XXXIV
XXXV
XXXVI
XXXVII
A LOJA
Na loja meu corpo foi exposto, desnudo aos olhares no espelho. Você escolheu
uma peça de classe, rosa como todos os tons do meu rosto. As miradas
famintas iam chegando perto, cada vez mais perto, mas não foi dessa vez o
castigo.
O BAR
Na rua meu corpo se ofereceu, caminhando nú debaixo do casaco, longo e
negro como as sombras da minha vergonha. Os loucos olhares nas pernas
enrubesceram todas as minhas, recortadas ao fundo da cidade-luz.
Qual delas gozou no teu carro? Não sei, afinal perdi as calcinhas.
A MATA
Uma viagem para outro planeta, surrealista e divina. Quem sabe cruel.
Você era outro, estranho e assustador, fazendo meu corpo arrepiar inteiro.
O estalo chegou depressa e bateu forte nas pernas, uma, duas três, quatro
vezes. O chicote queimou na palavra dor, enquanto mãos desconhecidas
tocavam meus seios. Grossas e ásperas, apertando, gemendo, resfolegando
como um bicho no cio. Não pude chorar, então quis me deixar escorregar para
uma escuridão abençoada, mas os golpes na vagina não deixaram, forçando
sempre a consciência total e trêmula. Agora era apenas dor, muita dor, cada
vez mais dor. De repente, acabou. Acabou mas não voltei, na ida para o hotel
não era eu. Silenciosa , não sei quem eu era. A caronista falava e falava, eu
nem sequer ouvia, apenas desejando o refúgio seguro do meu quarto e a
distância de ti, o estranho da mata. Olhei as marcas no banheiro, eram de outra
pessoa. Ainda não era eu, pensei fugir dessa outra e do estranho da mata.
Olhei lentamente para a mala no armário. Mas não sou especialista em fugas.
XXXVIII
A casa chora por ela, sua dona. Das paredes nascem humidades novas, do
chão brotam repentinos espaços. Há quadros que devem ser retirados em sinal
do fim, há cores que devem ser perdidas em sinal de luto, há espelhos que
devem ser cobertos, em sinal de respeito.
Por quem chora essa casa? Por àquela que a pariu, pedaço a pedaço, enfeite
a enfeite. Por àquela que fez dela sua extensão, quase alma gêmea de tijolo e
argamassa, de luz e de sombras.
A casa chora por ela, sabe que não está mais presente, talvez caminhe muito
longe daqui, procurando sua Terra do Nunca.