Durante a passagem das hemácias pelo baço, os macrófagos esplênicos
fagocitam somente as hemácias senescentes (que possuem mais de 120 dias) e as defeituosas. Essa função seletiva que o baço executa é denominada hemocaterese. Hemólise é a destruição prematura das hemácias na periferia, ou seja, uma queda importante de sua meia-vida. Se a eritropoese estiver normal, com estoques de ferro, ácido fólico e vitamina B12 preservados, a meia-vida das hemácias pode cair para até 20 a 25 dias sem que se desenvolva anemia. Isso pode ser explicado pela capacidade da medula em aumentar a produção de hemácias em até 8 vezes. Quando a meia-vida eritrocitária diminui para valores inferiores a 20 dias, instala-se a anemia hemolítica. Quando a meia-vida está reduzida mas não a ponto de causar anemia, diz-se de uma hemólise compensada. Na hemólise extravascular, que é o tipo mais comum, as hemácias são destruídas pelo sistema retículo-endotelial, especialmente no baço, pelos macrófagos dos cordões esplênicos de Bilroth. Pode ocorrer por diversos mecanismos, como: alterações hereditárias ou adquiridas que afetam o citoesqueleto, a membrana ou a forma dos eritrócitos, dificultando sua passagem pelas fendas sinusoidais e, portanto, aumentando o contato das hemácias com os macrófagos. O revestimento da membrana eritrocítica por IgG ou C3b permite o seu pronto reconhecimento pelos receptores macrofágicos, determinando uma destruição precoce. Na hemólise intravascular, as hemácias são destruídas na própria circulação e o seu conteúdo liberado no plasma. Na maioria das vezes, esta forma resulta de anormalidades adquiridas, podendo ser induzida por trauma mecânico, destruição imunológica pelo sistema complemento ou exposição a fatores tóxicos. Etiologia 1. Anemias hemolíticas hereditárias • Extravasculares Hemoglobinopatias: Anemia falciforme e variantes; Talassemia. Defeitos do citoesqueleto: Esferocitose hereditária; Eliptocitose hereditária; Piropoiquilocitose hereditária. Defeitos enzimáticos: Deficiência de piruvato quinase (via de Embden-Meyerhof). Outras: Abetalipoproteinemia (acantócitos); Estomatocitose hereditária; Xerocitose hereditária. • Intravasculares Defeitos enzimáticos: Deficiência de G6PD. 2. Anemias hemolíticas adquiridas • Extravasculares Anemia imuno-hemolítica: Hemólise auto-imune; Hemólise auto-imune por medicamentos; Hemólise alo-imune (reação pós-transfusional). Hiperesplenismo: Esplenomegalia congestiva. Insuficiência hepática grave: Anemia com acantócitos. • Intravasculares Hemoglobinúria paroxística noturna: Com aplasia de medula; Sem aplasia de medula. Anemia hemolítica microangiopática: Síndrome hemolítico-urêmica; Púrpura trombocitopênica trombótica; Síndrome HELLP; Hipertensão maligna; Crise renal da esclerodermia; CIVD. Outras anemias hemolíticas intravasculares: Prótese valvar cardíaca; Lesão térmica (queimaduras, etc.); Lesão osmótica (água destilada IV); Hemólise do corredor; Malária, babesiose, bartonelose; Sepse por Clostridium sp; Drogas (ex. dapsona); Envenenamentos por cobras, aranhas, etc. Quadro clínico Os sinais e sintomas são os mesmos de qualquer anemia, mas na hemólise, é comum encontrarmos os seguintes achados: leve icterícia associada à palidez, esplenomegalia, história familiar positiva de anemia, uso de medicamentos, urina avermelhada ou marrom, por hemoglobinúria. A icterícia costume ser leve, pois a hiperbilirrubinemia indireta não ultrapassa 5mg/dL, a não ser em recém-nascidos, que podem evoluir para a síndrome de kernicterus. A hiperbilirrubinemia indireta é comum, mas não obrigatória na hemólise. A presença de esplenomegalia pode indicar uma neoplasia hematológica ou uma anemia hemolítica crônica. As talassemias são as que mais aumentam o baço, dentre as anemias hemolíticas. A história familiar positiva para anemia crônica sugere as anemias hereditárias: esferocitose hereditária, talassemias, anemia falciforme. O uso prévio de medicamentos pode mostrar algum fármaco capaz de causar hemólise auto-imune (alfa-metildopa) ou não-imune (dapsona). Anemia aguda que se manifesta com urina avermelhada ou marrom pode sugerir hemoglobinúria, o que confirma o diagnóstico de hemólise intravascular. Uma crise hemolítica aguda intravascular frequentemente se manifesta com febre, lombalgia, palidez, icterícia e urina escura. Laboratório A DHL está elevada, devido à sua liberação no interior das hemácias, porém não tão elevada como na anemia megaloblástica. A haptoglobina é uma alfa-globulina sintetizada pelo fígado capaz de ligar-se à fração globina da hemoglobina. Na presença de hemólise, as cadeias de globina liberadas unem-se à haptoglobina, complexo que é rapidamente clareado pelos hepatócitos. Os níveis séricos de haptoglobina diminuem ou tornam-se indetectáveis. A apresentação mais comum de hemólise á normocítica e normocrômica, porém, em casos de hemólise grave e aguda, pode-se observar VCM elevado (macrocitose), o que se deve à liberação excessiva de shift cells no sangue periférico, que são eritrócitos de maior tamanho. No esfregaço de sangue periférico, pode-se observar policromatofilia (devido à presença de shift cells, que possuem restos de RNA ribossomal, que se coram com azul de cresil brilhante) anisocitose e poiquilocitose. Pode haver também eritroblastos no sangue periférico. A contagem de reticulócitos aumenta, devido à eritropoese aumentada pela medula óssea para compensar a anemia pela destruição prematura dos eritrócitos maduros. Aumento de bilirrubina indireta, que fica maior ou igual a 80% da quantidade total de bilirrubina, causando icterícia não conjugada pré-hepático. Ao mielograma, pode ser observada hiperplasia eritróide. Anemia hemolítica auto-imune É a mais importante anemia hemolítica adquirida, tanto pela sua freqüência quanto pela sua gravidade. A hemólise imune pode ser induzida pela ligação de anticorpos e/ou componentes do complemento à membrana da hemácia. Geralmente, ela é ocasionada por auto-anticorpos que reagem com determinados antígenos de membrana, que fazem parte dos sistemas de grupos sanguíneos. O mecanismo da hemólise na AHAI depende basicamente da opsonização. Ao revestir por completo a membrana eritrocítica, os anticorpos IgG se ligam a receptores específicos dos macrófagos esplênicos, permitindo a fagocitose das hemácias. O C3b do sistema complemento também é capaz de opsonizar as hemácias. A AHAI é composta por duas síndromes distintas. Na primeira, os auto- anticorpos IgG se ligam à superfície da hemácia na temperatura corpórea, e por isso são chamados anticorpos quentes. Eles são fracos ativadores do sistema complemento, sendo possível a ativação somente quando duas moléculas de IgG estiverem bem próximas entre si na superfície da hemácia. Na segunda, os auto-anticorpos são do tipo IgM e reagem com as hemácias em baixas temperaturas, sendo por isso chamados de anticorpos frios. Não servem como agentes opsonizantes diretos, mas são potentes ativadores do sistema complemento. Esses anticorpos frios têm pouca atividade na temperatura corporal. Cerca de 50% dos casos de AHAI por IgG não têm causa aparente, sendo denominada AHAI por IgG idiopática. O restante está relacionado com alguma causa específica. Dentre essas, pode-se citar: alfa-metildopa, LES, LLC e linfomas não- Hodgkin. A forma predominante da AHAI por IgM é a AHAI por IgM idiopática, ou Doença da Crioaglutinina. A doença pode vir relacionada a doenças linfoproliferativas, como os linfomas não-Hodgkin e a macroglobulinemia de Waldenström. O LES pode também raramente se associar a essa doença. Na prática médica, a doença das crioaglutininas frequentemente é secundária à infecção por Mycoplasma pneumoniae, no qual o paciente apresenta um quadro de pneumonia atípica evoluindo com discreta anemia e icterícia após a primeira semana da doença. Outros agentes infecciosos relacionados são EBV, caxumba, CMV. Tratamento Tratar doença de base; Nas idiopáticas: corticoterapia; Crioaglutininas: evitar frio; Suspender uso de drogas, se houver; O ácido fólico está indicado para todas as formas; Distúrbios hemodinâmicos: transfusão; Esplenectomia.