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Caracterizando a dislexia
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Quadro 12.1
Os problemas na aprendizagem
Classificaçã Características Prognóstico
o
Dificuldades passageiras,
relacionadas com metodologia de
BOM - tendem a regredir
ensino inadequada, falta de com maior esforço do
Evolutivas
assiduidade e problemas aluno ou ajuda
pedagógica.
pessoais ou familiares
temporários
Repercussão primariamente no
desenvolvimento humano em
Dificuldades de
aprendizagem geral (de ordem cognitiva,
emocional e/ou neurológica) e
secundariamente no Depende do grau de
secundárias gravidade dos quadros
desempenho escolar global. As associados.
queixas principais são de
carácter geral e referem-se à
falta de motivação, desatenção,
etc.
Transtornos da Leve e Problemas específicos na leitura, BOM com
aprendizagem da moderado acompanhamento
escrita e matemática não
leitura, escrita e terapêutico.
matemática decorrentes de
comprometimentos neurológicos,
emocionais ou sensoriais não
corrigidos. Observa-se remissão
dos sintomas com o tratamento.
A diferença entre leve e
moderado é apenas quantitativa.
Grave Gravidade dos sintomas (na RESERVADO (na
dependência do nível de
ausência de outros estressores )
QI).
e persistência ao longo da vida,
embora podendo ser atenuada,
mas não curada.
Dislexia
- Adquirida (secundária à lesão)
- Desenvolvimento (congénito)
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- A Associação Brasileira de Dislexia lança dados entre 10 e 15% da população
mundial.
- Morris (2002) reconhece que, nos Estados Unidos, cerca de 5 a 6% dos alunos de
escolas publicas têm transtorno da aprendizagem, dos quais 80% desses teriam
dislexia (ou seja, de 4 a 4,85 dessa população). Outros estudos falam que cerca de
205 da população pode ter “algum grau de dislexia”.
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relação a seus pares, em dois anos no mínimo (se a criança tem mais de 10
anos) e em um ano e meio (se tem menos de 10 anos). Esta consideração é
importante, pois condiciona a época do diagnóstico para o final da 2.ª ou
início da 3.ª série.
• É um problema persistente até a vida adulta (com atenuações), mesmo com
tratamento adequado, o que torna o prognóstico reservado. Os disléxicos
podem chegar até à universidade, mas isso exige um considerável esforço
próprio. Margie Bruck (1990), em um estudo comparativo entre disléxicos
universitários e alunos de 6ª série (não disléxicos), constatou que os
disléxicos são mais lentos para ler palavras e pseudopalavas, beneficiando-
se mais do contexto ao ler, enquanto os alunos de 6ª série evidenciam
rapidez igual para leitura de palavras isoladas e em contexto. Portanto,
apesar de um esforço continuado ao longo dos anos, os disléxicos não
automatizam plenamente as operações relacionadas ao reconhecimento de
palavras, empregando mais tempo e energia em tarefas de leitura, ou seja,
os leitores hábeis automatizam o reconhecimento de palavras, e os
disléxicos, não.
• Afecta um subconjunto, claramente minoritário, dos alunos com problemas
na aprendizagem da leitura e da escrita.
• Está presente desde os primeiros anos de escolaridade. Nos casos em que
surgir mais tarde e em decorrência de uma lesão cerebral, configura-se uma
dislexia adquirida.
• É um distúrbio com evidências genéticas que surge por estar associado a
difernças funcionais no hemisfério esquerdo.
- Um projecto realizado na Universidade de Colorado estudou a incidência de
problemas de leitura em gémeos monozigóticos e gémeos dizigóticos,
justificando a existência de uma influência genética nas habilidades
implicadas no reconhecimento de palavras (Rack; Olson, 1993). Em outras
investigações, cuja população estudada foi a de famílias com importante
número de disléxicos, os resultados encontrados definiram dois marcadores:
no cromossoma 15 (Smith e tal., 1993) e no cromossoma 6 (Cardo e tal.,
1994). Segundo Grigorenko e colaboradores (1997), o fenótipo de dislexia
que está ligada inabilidade para a leitura global da palavra (uso da rota
lexical) se relacionaria com a alteração do cromossoma 15, enquanto a
disfunção fonológica estaria ligada ao cromossoma 6. Outro importante
pesquisador da neurogenética, Galaburda (1999), em seus estudos de
anatomia, demonstrou uma simetria no plano temporal como suporte
anatómico da dislexia.
• É diagnosticada em indivíduos com capacidade intelectual normal. A maioria dos
autores
Estabelece o nível acima de 85 na escala de WISC para o diagnóstico da
dislexia, uma vez que um QI dessa cifra poderia determinar as dificuldades
nas habilidades nucleares da leitura, particularmente para a compreensão.
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Quando a capacidade intelectual for abaixo de 85, as dificuldades na leitura
e escrita são diagnosticadas como dificuldades secundárias.
• Ocorre em sujeitos que têm visão e audição normal ou corrigida e que não
são portadores de problemas psíquicos ou neurológicos graves que possam
justificar, por si só, as dificuldades escolares.
• Pode estar presente mesmo em indivíduos que tiveram escolarização
adequada, ou seja, não trocaram de escola (língua materna) mais de duas
vezes nos três primeiros anos escolares e não faltaram mais de 10% de
aulas nessa época, considerando também que estejam submetidos à
metodologia de ensino adequada (Rueda, 2003).
• Supõe, como deficit primário, inabilidade do processamento fonológico e da
memória.
- O comprometimento da linguagem dos disléxicos é específico do
processamento fonológico, enquanto outros sistemas da linguagem se
encontram relativamente intactos. Lembrando que toda a língua alfabética é
fundamentada na relação fonema -grafema, os disléxicos, ao exibirem
representações fonológicas mal especificadas, adoptam um modelo
diferente de descodificar ou representar os atributos falados da palavra.
Portanto, essa falta de sensibilidade fonológica inibe a aprendizagem dos
padrões de codificação alfabética subjacentes ao reconhecimento fluente de
palavras.
- Os problemas na representação fonológica têm como consequência a
limitação da capacidade de armazenar informações verbais na memória de
curto prazo. Os disléxicos demonstram deficiência para mapear sequências
de fonemas e letras de palavras e dificuldades de nomeação, ou seja, para
encontrar palavras que requerem um acesso rápido a um rótulo verbal ,
usando, muitas vezes por tentativa de adivinhação, palavras ligeiramente
adequadas.
• Representa, em uma linha de desempenho quantitativo para a leitura, o
extremo oposto da população de hábeis leitores. É importante salientar que
os disléxicos não diferem qualitativamente dos sujeitos normo-leitores,
• Requer um tratamento que envolve um processo lento, laborioso com as
habilidades nucleares envolvidas na leitura, conforme sugerem os dados dos
estudos longitudinais de sujeitos reabilitados (Rueda; Sanchez, 1994).
• Necessita de um equipa multidisciplinar para seu diagnóstico e tratamento,
bem como um trabalho de apoio com a família e a escola.
- Os profissionais da equipa que trabalha com um disléxico, sejam
neurologistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos e/ou psicólogos, devem
procurar uma formação específica nesta área, complementando sólido
conhecimento teórico com a prática sobre esse tema.
Tipos de dislexia
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Para classificar os tipos de dislexia, é necessário descrever as duas
vias independentes que possibilitam o reconhecimento de uma palavra
escrita.
• a via léxica, ou directa – na qual se estabelece uma conexão directa
entre a forma visual da palavra, a pronúncia e os significado na
memória lexical (como se fosse uma fotografia da palavra). Ocorre
diante palavras familiares;
• a via fonológica, indirecta, pré-léxica ou de subpalavras – é um
processo de recodificação fonológica que envolve a aplicação de um
conjunto de regras de conversão letra-som. Ocorre diante de palavras
desconhecidas.
(a) (a)
(C)
Recodificação
fonológica
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para manter uma informação na memória de trabalho, são obrigados a repetir os
sons para não perdê-los definitivamente. Como consequência, toda essa
concentração despendida no reconhecimento das palavras acarreta em dificuldades
de compreensão do que foi lido.
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comparação por meio de ditado, o que permite investigar as dificuldades
encontradas para escrever palavras eleitas pelo avaliador.
Já na Tabela 12.2, os grupos foram comparados por meio da avaliação de
uma produção textual dirigida; portanto, os sujeitos usavam seu vocabulário e
elegiam livremente as palavras que queriam escrever, dentro da temática aplicada.
Por tratar-se de uma actividade que não restringia o tamanho do texto, o número
de erros de cada criança foi transformado em percentual, considerando a
quantidade total de palavras escritas em sua redacção.
Com esses resultados, França e colaboradores (2004) consideraram que a
linguagem é um continuum, embora não afirmando que o mesmo tipo de alteração
fonológica – troca ou omissão – encontrada na fala se irá repetir exactamente na
escrita.
Assim, considerando a dislexia um transtorno linguístico e a sua
característica de persistência dos problemas da infância à vida adulta, é possível
que se descrevam manifestações nas diferentes fases, traçando o caminho (ou
descaminho) do desenvolvimento da linguagem. É importante destacar que a
presença dessas características, particularmente na pré-escola e séries iniciais, não
determina o quadro disléxico por si só. Servem, contudo de sinal de alerta para
problemas presentes ou futuros no desenvolvimento da linguagem escrita em geral.
TABELA 12.1
ERROS NO DITADO: COMPARAÇÃO ENTRE OS GRUPOS
Grupo casos Grupo controle Teste t M-W
Erros/ tipos Média± Média±
Mediana Mediana P P
dp dp
Relação fonema-
3,7± 3,0 2,0 1,8± 2,0 1,0 0,035* 0,013*
grafema
Regras contextuais 13,3± 5,1 13,0 8,8± 4,7 8,0 0,002* 0,002*
Regras arbitrárias 12,5± 6,1 13,0 8,9± 5,4 9,0 0,028* 0,032*
Total de erros 29,6± 11,6 33,0 19,5± 10,8 18,0 0,002* 0,002*
*P < 0,05, MW= Teste não-parametrico de Mann-Whitney
Figura 12.1 Representação do Modelo Dual, segundo versão de Jorm e Share (1983). (a) Via directa ou léxica. (b) e (c) via
indirecta ou fonológica.
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• dificuldade de aprender sequências comuns (dias da semana, meses do
ano):
• dificuldades em língua estrangeira;
TABELA 12.2
PERCENTUAL DE ERROS NA PRODUÇÃO TEXTAUL: COMPARAÇÃO ENTRE OS GRUPOS
Grupo casos Grupo controle Teste t M-W
Erros/ tipos Média± Média±
Mediana Mediana P P
dp dp
Relação fonema-
3,8± 4,5 2,0 1,9± 2,7 0,8 0,134 0,174
grafema
Regras contextuais 5,9± 3,9 5,6 3,5± 3,8 2,5 0,035* 0,015*
Regras arbitrárias 2,1± 2,4 0,9 1,4± 1,9 0,8 0,269 0,477
Total de erros 12,6± 8,4 9,6 7,8± 7,3 5,9 0,033* 0,033*
*P < 0,05, MW= Teste não-parametrico de Mann-Whitney
Na fase adulta :
• tendência de leitura lenta, embora alguns sejam capazes de ler correctamente;
• dificuldade com a ortografia e produção textual;
• dificuldade com língua estrangeira.
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de esforço, tipos de erros, ritmo e expressão, aproximação texto - olhos, movimento
de olhos e cabeça, sentimentos expressos durante e depois da leitura.
• Testes de escrita
A aplicação de um ditado balanceado e padronizado e um ditado de texto,
acompanhado de uma análise quantitativa e qualitativa dos erros (vacilações,
reescritas, sentimentos expressos) propõe-se a avaliar a escrita. Também se analisa
a produção textual para avaliar coerência, coesão, uso de pontuação, concordância
nominal e verbal, ortografia, etc.
Muitas vezes, é útil a análise de uma cópia de texto (máximo 5 minutos) para
observar a distância texto-olhos, porções copiadas, velocidade, tipos de erros,
qualidade do grafismo, postura, etc.
• Habilidades metafonológicas
Um teste de consciência fonológica que busca particularmente analisar
habilidades se síntese, segmentação, identificação, omissão, acréscimo,
transposição de sílabas, fonemas e unidades intrassilábicas, entre outras.
• Outros
Há necessidade de testes referentes a habilidades de seriação, memória,
fluência verbal , processamento auditivo, bem como uma análise minuciosa do
material escolar e das fichas de avaliação, desde o início da sua vida escolar.
Esse procedimento necessita ser complementado pelas avaliações neurológica,
psiconeurológica, psicodiagnóstica, entre outras, conforme a necessidade
(processamento auditivo, ortóptica, etc.).
O resultado dessa exploração, depois de discutido em equipa leva:
1) ao estabelecimento de um ou mais diagnósticos (que poderão ser provisórios,
inicialmente);
2) à determinação de prioridades de atendimento;
3) à descrição de estratégias para ler, reconhecer palavras escritas; à descrição
do modo de proceder ante textos e do nível de compreensão;
4) à valoração do contexto e, portanto, da distância entre o que é pedido à
criança para fazer e o que realmente está em condições de realizar com ou
sem ajuda;
5) à orientação pontual aos pais e à escola;
6) à possibilidade de reavaliações e mudanças de prioridades.
Quadro 12.2
ANÁLISE DA LINGUAGEM ESCRITA
Testes Observar
De sílabas, Uso das duas vias, velocidade, conversor grafema-fonema,
palavras, substituições, omissões, inversões, transposições, adições,
pseudopalavras. rectificações.
De leitura Estratégias de compreensão, compensação, uso das duas
vias, velocidade, nível de esforço, tipos de erros, ritmo e
De textos
expressão, aproximação texto-olhos, movimentos de olhos
(silenciosa e oral)
e cabeça, sentimentos expressos antes, durante e depois
da leitura, etc.
De escrita Distância texto-olhos, porções copiadas, velocidade, tipos
Cópia
de erros, qualidade do grafismo, postura.
Ditado análise quantitativa e qualitativa dos erros, vacilações,
balanceado reescritas, sentimentos expressos
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Ditado de texto Idem
Produção
Clareza e conexão entre as ideias, coesão, uso de
espontânea ou
pontuação, concordância nominal e verbal, etc
semidirigida
O disléxico na escola
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2) Proposta de acção pedagógica
• Ensinar a resumir anotações que sintetizem o conteúdo de uma explicação.
• Permitir o uso de meios informáticos e de corretores.
• Permitir, se necessário, o uso de calculadora e de gravador. Particularmente no
ensino superior, o disléxico é beneficiado ao gravar as aulas já que tem dificuldade
para ouvir e escrever ao mesmo tempo. A fita gravada lhe garantirá tranquilidade
no momento de participar da aula e, ao mesmo tempo, possibilitará ouvi-la
diversas em casa para aprender, melhor o conteúdo.
• Usar materiais que permitem visualizações (figuras, gráficos, ilustrações) para
acompanhar o texto impresso.
• Evitar, sempre que possível, a cópia de textos longos do quadro de giz, dando-lhe
uma fotocópia.
• Diminuir os deveres de casa envolvendo a leitura e escrita.
4) Avaliação escolar
• Realizar, sempre que possível, avaliações orais – conduta válida em todos os
níveis de ensino, particularmente no ensino superior.
• Prever tempo extra como recurso obrigatório, não opcional, pois a capacidade de
aprender do disléxico está intacta e ele simplesmente precisa de tempo para
acessá-la. Como o disléxico não automatizou a leitura, terá que ler pausadamente,
com muito esforço, e se apoiar nas suas habilidades mais altas de pensamento.
Ele precisa utilizar o contexto para entender o significado da palavra, um caminho
mais longo e indirecto e que requer um tempo extra.
• Evitar a utilização de testes de múltipla escolha que, pelo facto de
descontextualizarem as informações e reduzirem o tempo de execução, tornam-se
muito difíceis para o disléxico. Esses testes não são indicadores do conhecimento
adquirido por ele.
• Valorizar sempre os trabalhos pelo seu conteúdo e não pelos erros de escrita.
• Oportunizar um local tranquilo ou sala individual para fazer testes ou avaliações
para que o disléxico possa focar a sua atenção na tarefa que tem para realizar.
Qualquer barulho ou distracção atrapalhará a leitura, fazendo com que ele mude a
atenção da leitura, o que interfere na performance no teste.
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Estudos de caso
Caso 1: CRIANÇA
Daise foi encaminhada por uma psicóloga que avaliou a menina e suspeitou que
tivesse dislexia pelas dificuldades enfrentadas na alfabetização. A testagem
psicológica (WISC) evidenciou condições intelectuais adequadas. Depois de
encaminhada à neuropediatria que encontrou “quadro compatível com dislexia”, foi
sugerida avaliação de linguagem escrita para confirmação do diagnóstico.
Conforme seu histórico escolar, Daise cursou a 1.ª série em 1993 e passou para
a 2.ª com a expectativa da família e da escola de que faltasse pouco para
sedimentar a entrada no processo alfabético. Teve aulas de reforço na escola mas
foi reprovada ao final do ano. Durante o ano em que repetia a 2.ª série, iniciou um
tratamento psicopedagógico de orientação psicológica a fim de atenuar sobre
possíveis bloqueios que impediam o progresso escolar, conforme relatou a
especialista. Ao final do ano, Daise estava ameaçada de ser reprovada novamente e
a mãe conseguiu, invocando uma lei, que ela fizesse provas em Março/96. Por essa
razão, na mesma época, foi encaminhada para nova avaliação para decidir, de
facto, se ela repetiria a 2.ª série ou iria para a 3.ª.
Dos dados de anamnese, os mais significativos foram a história gestacional não-
planejada, a presença de muitas dores e a exigência de repouso; nasceu de parto
demorado, mas obteve apgar 9; custou a adaptar-se ao leite e utilizou o bico e
mamadeira até aos cinco anos; tinha alterações do sono: pesadelos e solilóquio. Na
família, a mãe teve dificuldades de fala, o pai trocava sonoras por surdas na escrita,
e o irmão de 13 anos teve dificuldades de aprendizagem e foi reprovado na 1.ª, 3.ª
e 5ª séries. A síntese da avaliação da linguagem escrita demonstrou dificuldades
significativas na evocação do nome e do som das letras e, consequentemente, na
descodificação de sílabas, palavras e pseudopalavras. Por exemplo: na leitura de
texto, na tentativa de reconhecer a palavra CUIDADO, verbalizou “su-i-do-da-do”,
para SOZINHO, “ co-ze-i-lho”. Essa descodificação, pela via fonológica e com erros
de conversor fonema-grafema, impedia o acesso ao léxico e a interpretação do
texto. Dentre as avaliações de escrita, foi apresentada a proposta de escrever a
partir do livro ilustrado “A casa mal-assombrada”. Uma cópia da sua produção
escrita é apresentada na Figura 12.2.
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Figura 12.2 Escrita espontânea de Daise a partir do livro “A casa mal-
assombrada”
Merece destaque o modo como Daise escreveu a última frase, demonstrando seu
cansaço na tarefa de associar fonema-grafema e impedindo ao leitor identificar sua
produção.
A equipe de especialistas, constituído por psicóloga, neurologista e
psicopedagoga, estabeleceu, então, o diagnóstico de transtorno grave da leitura e
escrita (ou dislexia) do tipo misto, considerando-se a sua evolução, bem como os
critérios expressos pela CID-10:
• grau clinicamente significativo de comprometimento nas habilidades
escolares de leitura e escrita bastante abaixo do esperado para uma
criança de mesma idade, nível mental e escolarização;
• comprometimento desde os primeiros anos de escolaridade;
• problemas persistentes sem evolução significativa, apesar de um
trabalho refoprçado pedagógico e tratamento psicopedagógico;
• inteligência, medida pelo WISC, com a pontuação de 98 (nível médio);
• presença de antecedentes familiares com dificuldades escolares;
• dificuldades que não sejam decorrentes de uma falta de oportunidade de
aprender, de descontinuidades educacionais (resultantes de mudanças
de/na escola), de qualquer forma de traumatismo de doença cerebral
adquirida ou de comprometimentos na inteligência global, bem como de
comprometimentos visuais ou auditivas não-corrigidos.
O ano de 1996 foi marcado por um novo tratamento psicopedagógico e a troca
de escola (de carácter mais inclusivo), onde frequentou uma classe intermediária.
Ao final do ano foi aprovada para a 3.ª série regular. A partir de 1997, houve
progresso académico apesar da persistência das dificuldades de leitura e escrita.
Periodicamente era reavaliada, e as escolas por onde passou receberam
informações a respeito da dislexia e sobre o manejo da situação.
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A Tabela 12.3 ilustra a evolução de seu perfil ortográfico e constata a
persistência do problema (embora com atenuações), o que caracteriza o portador
de dislexia. Daise foi reavaliada ao final do ano de 96, em Março de 1999 e em Julho
de 2002.
TABELA 12.3
DADOS COMPARATIVOS DAS FALHAS ORTOGRÁFICAS DE DAISE EVIDENCIADAS EM DITADO BALANCEADO
DE MOOJEN -1996 A 2002
Março/1996 Dezembro/19 Março/1999 Julho/2002
96
CONVERSOR FONEMA/GRAFEMA 80 9 6 0
Surda/sonora 1 2 0 0
Substituição aleatória 11 0 4 0
Inversão 0 0 0 0
Transposição 5 1 0 0
Omissão 63 4 1 0
Adição 0 2 1 0
REGRAS CONTEXTUAIS 18 30 16 18
r/rr; c/qu; g/gu; m/n 3 6 5 3
Transcrição da fala 2 5 1 2
Nasalização 8 11 2 4
Acentuação 5 8 8 9
REGRAS ARBITRÁRIAS 16 29 20 18
H J/g 1, li/lh 5 4 3 1
[X] 3 10 7 5
[S] 8 15 10 12
TOTAL DE FALHAS 114 68 42 36
1
Caso 2: ADULTO
Mário, 24 anos, cursando História em uma universidade do interior do Rio Grande
do Sul, procurou avaliação psicopedagógica em Junho de 2004, por suspeita de
dislexia. Está fazendo disciplinas do mestrado de Educação como aluno especial e
expressa receio em fazer a prova escrita de acesso ao curso.
Seu histórico é típico do quadro disléxico: achava-se “burro”, não entendendo
como tinha que fazer mais esforço que os demais para estudar.
Como é hábil na linguagem oral, conseguia “enrolar” os professores. Participava
dos grupos de estudo muito bem oralmente, apresentava trabalhos orais, mas
evitava escrever.
Na avaliação da linguagem escrita, foi considerado:
• dificuldade na descodificação de sílabas complexas – 11% de falhas (4%
seria o esperado para a 2.ª série, envolvendo substituições aleatórias e
trocas de sonora-surda;
• Dificuldade para descodificar palavras e pseudopalavaras: 8% de falhas.
Chama a atenção a dificuldade para descodificar a palavra “barulho”
(buraco/baralho);
• Leitura oral vacilante, inexpressiva, sem ritmo e com substituição de
palavras (egípcio/persa; espera/esperança; experiência/experimento,
entre outras). Velocidade lenta (média de 87 palavras por minuto), mas
interpretação em muito bom nível.
• Frequência significativa de erros ortográficos em ditado para adultos: 28
(média esperada para o 3.º ano do 2.º grau: 7). Chamam a atenção erros
primitivos como quimax/ clímax, susuros, auparadágima, nessecidade,
comfequição, cruucifiquiço;
• Produção textual com falhas na estruturação do texto, além dos erros
ortográficos significativos.
1
que era possível ao alcance.
Considerações finais
Por certo, muito ainda deve ser investigado, particularmente nas questões
neurológicas pertinentes à dislexia. Além disso, a escola tem de entender melhor o
quadro e organizar adaptações que façam justiça às necessidades do disléxico, não
o discriminando e promovendo sua auto-estima.
Ao analisar as políticas de educação, os disléxicos acabam se enquadrando no
que a Lei de Directrizes e Bases da Educação Nacional descreve como portadores
de necessidades especiais. Não obstante, sua situação requer pareceres específicos
com o intuito de justificar recursos materiais e humanos para implementar uma
inclusão escolar eficaz. Também devem ser incrementados recursos tecnológicos
que possam auxiliar no desempenho da leitura e escrita por meio do incentivo ao
desenvolvimento de pesquisas na área.
Os casos aqui apresentados são evidência de que muitos disléxicos não perdem
a vontade de aprender e, por isso mesmo, estão entrando nas universidades,
embora com enorme esforço pessoal. Estará o ensino superior preparado para
receber essa clientela?
Há um reconhecimento da sociedade de que a leitura e a escrita são habilidades
importantes para o sucesso profissional. Entretanto, portadores de dislexia poderão
desenvolver outras habilidades e terem sucesso profissional e social, sobretudo se
forem diagnosticados precocemente e receberem orientação adequada.
BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA
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