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Terapia familiar

Das divergências às
possibilidades de articulação dos
diferentes enfoques
Terezinha Féres Carneiro
Professora Associada do Departamento
de Psicologia da PUC/RJ

O campo da terapia familiar pode ser


dividido, de uma maneira geral, em
terapia familiar sistêmica e terapia
familiar psicanalítica. Esta divisão é,
muitas vezes, tomada rigidamente por al-
guns autores puristas de cada uma destas
abordagens, o que acaba por prejudicar a
produção teórica na área e os desenvolvi-
mentos técnicos dela decorrentes. Criam-s
assim impasses teórico-práticos a partir de
uma polêmica que pode ser muitas vezes con
siderada falsa.
Após mais de vinte anos de trabalho clí-
nico e de pesquisa com famíliase casais, mar
cados em alguns momentos por influências
predominantemente sistêmicas (Féres-Car
neiro,1983) e em outros, por influências
predominantemente psicanalíticas (Féres-
Carneiro, 1994), temos buscado, nos últimos
anos, refletir sobre as possibilidades de arti
cular, tanto no campo teorico,quanto prá-
tico, as contribuições destes dois enfoques
na área da terapia familiar e de casal (Fé¬
res-Carneiro, 1989). Para chegarmos a nos
sa proposta de articulação dos diferentes
enfoques, consideramos importante percor-
rer os caminhos do surgimento e da organi-
zação do campo das terapias de família.

miliares. Em "Fragmento da Análise de um tâncias do paciente, de seu ambiente, que


O Surgimento da Caso de Histeria" (1905), ele afirma que
devemos prestar tanto atenção às condições
interferem no processo analítico e que po-
dem explicar um grande número de fracas-
Terapia Familiar: humanas e sociais dos enfermos quanto aos sos terapêuticos. Ressalta que, muitas ve-
dados somáticos e aos sintomas patológi- zes, quando a neurose tem relação com os
Idéias Precursoras cos, ressaltando que o interesse do psica- conflitos entre os membros de uma famí-
A terapia familiar evoluiu a partir de nalista deve dirigir-se sobretudo para as lia, os membros sadios preferem não pre-
uma multiplicidade de influências tendo relações familiares dos pacientes. judicar seus próprios interesses do que co-
recebido contribuições de diferentes áreas Freud faz referência à família em vári- laborar na recuperação daquele que está
do conhecimento. Desde o início da formu- os outros momentos de sua obra. Em uma doente. Todavia, apesar da preocupação
lação da psicanálise, Freud considerou e das suas Conferências ele se refere às re- com as relações familiares e da importân-
ressaltou em seus estudos as relações fa- sistências externas, emergentes das circuns- cia que atribui a elas, Freud, como sabe¬
mos, não desenvolveu uma teoria da famí-
lia nem tampouco uma técnica de atendi-
mento familiar.
No final da primeira metade do século,
após a publicação em 1948, por Norbert
Wiener do livro Cybernetics, várias ciênci-
as começaram a enfatizar os sistemas ho¬
meostáticos com processos de retroalimen-
tação (feedback) que tornam os sistemas
autocorretivos. Assim, desenvolvimentos
teóricos da Biologia, da Sociologia, da An-
tropologia, da Informática, da Teoria Ge-
ral dos Sistemas, influenciaram significa-
tivamente as primeiras formulações da te-
oria e da técnica do trabalho terapêutico
com famílias.
Na área "psi", podemos ressaltar algu-
mas postulações teóricas de autores que co-
laboram para o surgimento da terapia fa-
miliar. Um importante precursor, sem dú-
vida, foi Adler que enfatiza, na sua teoria
do desenvolvimento da personalidade, a
importância dos papéis sociais e das rela-
ções entre estes papéis na etiologia da pa-
tologia. Influenciado pelas teorias de Ad-
ler, Sullivan coloca que a doença mental paciente não deveria ser feito. cialmente voltados para famílias com pa-
tem origem nas relações interpessoais per- Esta situação postergou a divulgação do cientes esquizofrênicas foi se ampliando,
turbadas e que um entendimento mais trabalho clínico inicial com famílias e tor- abrangendo famílias com pacientes neuró-
completo do indivíduo só pode ser alcan- nou a pesquisa, neste período, o modo mais ticos e eventualmente famílias sem patolo-
çado no contexto de sua família e de seus facilmente aceitável de se atenderem famí- gias sérias. Os trabalhos mostraram que os
grupos sociais. Sullivan coloca, assim, a lias, facilitando a aprendizagem sobre seu fenômenos descobertos nas famílias esqui-
patologia na relação, na dimensão intera¬ funcionamento e sobre as possibilidades te- zofrênicos eram elementos básicos na di-
cional. rapêuticas de atendimento conjunto. Assim, nâmica familiar. Constata-se que os mes-
Paralelamente a Sullivan, Frieda os primeiros autores importantes na área da mos princípios interacionais estavam pre-
Fromm-Reichman estuda a relação mãe-fi¬ terapia familiar, produziram conceitos teó- sentes em todas as famílias, embora em
lho como possível fonte de patologia e for- ricos relevantes sobre estrutura e dinâmica graus diferentes. A patologia não represen-
mula o conceito de mãe esquizofrenogêni¬ da família, ao longo do desenvolvimento de tava (assim como não representa no indi-
ca para explicar, em termos etiológicos, a grandes projetos de pesquisa. Esta pesquisa víduo) uma situação qualitativamente di-
relação do paciente esquizofrênico com sua inicial foi realizada com a população esqui- ferente, mas uma exacerbação de determi-
mãe. zofrênica, tendo em vista ser a esquizofre- nados padrões.
No final da Segunda Guerra, surge o nia uma doença freqüente, de longa dura-
movimento das comunidades terapêuticas, ção, com alto índice de reincidência, e mui- O Campo da Terapia
proposto por Maxwell-Jones, para a refor- to resistente aos métodos terapêuticos vigen-
mulação da assistência psiquiátrica. O con- tes. O problema social dela decorrente justi- Familiar: Enfoque
junto das relações imediatas do paciente
internado passou a ser considerado no seu
ficou a aplicação de verbas públicas na in- Sistêmico X Enfoque
vestigação desta patologia, o que ocorreu,
tratamento. A idéia fundamental é que a neste momento, sobretudo nos Estados Psicanalítico
melhora do quadro clínico do paciente vai Unidos e na Inglaterra. O Enfoque Sistêmico
ocorrer na medida em que ansiedades e Dentre os vários grupos de pesquisa Os Estados Unidos, que estão agora na
conflitos surgidos nas relações entre os que se organizaram, o grupo de Gregory terceira geração de terapeutas familiares, re-
membros da comunidade hospitalar pos- Bateson, cujo trabalho foi desenvolvido em clamam para si o pensamento sistêmico no
sam ser trabalhados. Palo Alto, tem como resultado, em 1956, a trabalho clínico com famílias. A partir da te-
Em seguida, Pichon-Rivière inclui a fa- primeira publicação na área; o artigo clás- oria geral dos sistemas e da teoria da comu-
mília na sua compreensão da doença men- sico intitulado "Toward a Theory of Schizo- nicação surgiram várias escolas de terapia
tal e desenvolve a noção de "bode expiató- phrenia" onde são postuladas as bases fa- familiar e vários institutos e centros de aten-
rio" como depositário da patologia que é miliares da etiologia da esquizofrenia e for- dimento e de formação foram criados.
de toda a família. Todos estes movimen- mulado o conceito de duplo-vínculo. Se- Para os teóricos da comunicação, qual-
tos, formulações teóricas e novas compre- gundo estes autores, para que tenha lugar quer comportamento verbal ou não verbal,
ensões da patologia propiciaram o surgi- uma situação de duplo-vínculo são neces- manifestado por uma pessoa - o emissor -
mento dos primeiros estudos no campo da sárias as seguintes condições: duas pesso- em presença de outra - o receptor - é co-
terapia familiar propriamente dita. as com um alto nível de envolvimento (em municação. Ao mesmo tempo que a comu-
No início da década de 50, ao mesmo geral a mãe e o seu bebê); um paradoxo nicação transmite uma informação, ela
tempo em que crescia, a partir da produ- infringido pela mãe ao bebê que é chama- define a natureza da relação entre os co-
ção teórica, a consciência da importância do de "vítima"; a repetição desta experiên- municantes. Estas duas operações consti-
da família no desenvolvimento e na ma- cia que passa a ser habitual; a impossibili- tuem, respectivamente, os níveis de relato
nutenção da patologia mental, a prática clí- dade da "vítima" de abandonar o campo, (digital) e de ordem (analógico) presentes
nica vigente era regida por regras que res- ou seja, escapar ao paradoxo. em qualquer comunicação. Quando estes
saltavam que o contato com a família do Aos poucos, o foco destes estudos, ini- dois níveis se contradizem, temos o para¬
doxo. A comunicação paradoxal está na
origem da patologia familiar.
A família é vista como um sistema equi-
librado e o que mantém este equilíbrio são
as regras do funcionamento familiar. Quan-
do, por algum motivo, estas regras são que-
bradas, entram em ação meta-regras para
restabelecer o equilíbrio perdido.
A terapia desenvolvida a partir deste en-
foque enfatiza a mudança no sistema fami-
liar, sobretudo pela reorganização da comu-
nicação entre os membros da família. O pas-
sado é abandonado como questão central,
pois o foco de atenção é o modo comunica-
cional no momento atual. A unidade tera-
pêutica se desloca de duas pessoas para três
ou mais à medida em que a família é conce-
bida como tendo uma organização e uma
estrutura. É dada uma ênfase a analogias
de uma parte do sistema com relação a ou-
tras partes, de modo que a comunicação ana-
lógica é mais enfatizada que a digital.
Os terapeutas sistêmicos se abstêm de
fazer interpretações na medida em que as-
sumem que novas experiências - no senti-
do de um novo comportamento que pro-
voque modificações no sistema familiar - é
que geram mudanças. Neste sentido são
usadas prescrições nas sessões terapêuti-
cas para mudar padrões de comunicação,
e prescrições, fora das sessões, com a pre-
ocupação de encorajar uma gama mais
ampla de comportamentos comunicacio-
nais no grupo familiar. Há uma certa con-
centração no problema presente, mas este
não é considerado apenas como um sinto-
ma. O comportamento sintomático é visto
como uma resposta necessária e apropria-
da ao comportamento comunicativo que o
provocou.
A partir do enfoque sistêmico, várias padrões transacionais e as fronteiras, le-
escolas de terapia familiar se desenvolve- problemas.
vanta hipóteses sobre os padrões disfunci- A visão estratégica define o sintoma
ram, entre elas a Escola Estrutural, a Es- onais e obtém assim um mapa familiar.
tratégia, a de Milão e, mais recentemente, como expressão metafórica ou analógica
a Escora Construtivista. O terapeuta deve ajudar a transforma- de um problema representando, ao mes-
ção do sistema familiar, e para isto ele se mo tempo, uma forma de solução insatis-
une à família desempenhando o papel de fatória para os membros do sistema em
Escola Estrutural líder, identifica e avalia a estrutura familiar, questão.
Minuchin é o principal teórico da Esco- e cria circunstâncias que permitam a trans- Nesta abordagem há uma orientação
la Estrutural e para ele a família é um sis- formação da estrutura. As mudanças tera- franca para o sintoma e os problemas são
tema que se define em função dos limites pêuticas são alcançadas através das opera- vistos como dificuldades interacionais que
de uma organização hierárquica. O siste- ções reestruturadoras, tais como: a delimi- se desenvolvem através da superênfase ou
ma familiar diferencia-se e executa suas tação de fronteiras, a distribuição de tare- da subênfase nas dificuldades de viver. A
funções através de seus subsistemas. fas, o escalonamentodostress e a utilização resolução dos problemas requer a substitui-
As fronteiras de um subsistema são as dos sintomas. A terapia estrutural é uma te- ção dos padrões interacionais. A abordagem
regras que definem quem participa de cada rapia de ação, e o sintoma é visto como um terapêutica é pragmática: trabalham-se as
subsistema e como participa. Para que o recurso do sistema para manter uma deter- interações e evitam-se os porquês.
funcionamento familiar seja adequado, es- minada estrutura. O principal objetivo é mudar o compor-
tas fronteiras devem ser nítidas. Quando tamento manifesto do paciente. São utili-
as fronteiras são difusas, as famílias são Escola Estratégica zadas instruções paradoxais que consistem
aglutinadas; fronteiras rígidas caracterizam em prescrever comportamentos que, apa-
famílias desligadas. Famílias saudáveis Jay Haley é um dos principais teóricos rentemente, estão em oposição aos objeti-
emocionalmente possuem fronteiras claras. da Escola Estratégica juntamente com Ja- vos estabelecidos, mas que visam a mudan-
A estrutura não é, para Minuchin ckson, Bateson, Weakland e Watzlawick. ças em direção a eles. A instrução parado-
(1974), uma entidade imediatamente aces- Para Haley (1976) o que caracteriza o xal é mais freqüentemente utilizada sob a
sível ao observador. É no processo de união sistema familiar é a luta pelo poder. Ele uti- forma de prescrição de sintoma, isto é, en-
com a família que o terapeuta obtém os liza o termo estratégico para descrever corajando-se aparentemente o comporta-
dados. A medida em que a terapia evolui, qualquer terapia em que o terapeuta reali- mento sintomático. Para Watzlawick et al
o terapeuta coloca questões, identifica os za ativamente intervenções para resolver (1967) o uso do paradoxo leva à substitui¬
Assim, os terapeutas de família da Escola nais. A neutralidade consiste numa atitu-
Construtivista passam a considerar a auto- de de imparcialidade do terapeuta que se
ção do duplo vínculo patogênico por um nomia do sistema familiar partindo do es- alia a cada membro da família, neutrali-
duplo vínculo terapêutico. tudo dos sistemas auto-organizados, da ci- zando qualquer tentativa de coalizão ou
bernética de segunda ordem, e dos siste- sedução de qualquer componente do gru-
mas autopoéticos postulados por Humber- po familiar.
Escola de Milão to Maturana (1990). O enfoque construtivista, proposto a
A principal representante deste grupo Ocorre, neste enfoque, uma ruptura en- partir de uma ótica sistêmica de segunda
é Mara Selvini Palazzoli que, juntamente tre o sistema familiar/observado e o tera- ordem, questiona portanto o poder do te-
com Boscolo, Ceccin e Prata, fundou em peuta/observador. O sistema surge como rapeuta na terapia familiar e as interven-
1967 o Centro para o Estudo da Família. construção de seus participantes. O tera- ções terapêuticas diretivas. A ênfase não é
Partindo dos mesmos pressupostos teóri- peuta estará interessado não mais no com- colocada na pergunta, mas na construção
cos da Escola Estratégica, Palazzoli et al portamento a ser modificado, mas no pro- da interação e a ação do terapeuta preten-
(1980) consideram que os problemas que cesso de construção da realidade da famí- de explorar as construções onde surgem os
emergem quando os mapas familiares não lia e nos significados gerados no sistema. problemas.
são mais adequados, ou seja, os padrões A ênfase é deslocada do que é introduzido
de comportamento desenvolvidos não são no sistema pelo terapeuta para aquilo que
mais úteis nas situações atuais. Dada a ten- o sistema permite a ele selecionar e com- O Enfoque Psicanalítico
dência à homeóstase, os problemas surgem preender. A terapia familiar de enfoque psicana-
quando as regras que governam o sistema Alguns terapeutas estratégicos podem lítico dá ênfase ao passado, à história da
são tão rígidas que possibilitam padrões de ser citados como tendo incluído posterior- família tanto como causa de um sintoma,
interação repetitivos, homeostáticos e vis- mente na sua prática o modo de pensar quanto como um meio de transformá-lo.
tos como "pontos nodais" do sistema. construtivista; entre eles, os do grupo de Os sintomas são vistos como decorrência
Um princípio terapêutico fundamental Milão. Palazzoli et al (1980) estabelecem de experiências passadas que foram recal-
para o grupo de Milão é a conotação posi- três princípios indispensáveis ao trabalho cadas fora da consciência. O método utili-
tiva dos comportamentos apresentados terapêutico: a formação de uma hipótese, zado, na maior parte das vezes, é interpre-
pela família. Quando se qualificam como a circularidade e a neutralidade. A hipóte- tativo com o objetivo de ajudar os mem-
positivos os comportamentos sintomáticos, se formulada deve ser testada ao longo da bros da família a tomar consciência do com-
motivados pela tendência homeostática do sessão; se rejeitada, o terapeuta procurará portamento passado, assim como do pre-
sistema e não os comportamentos. outras, baseando-se nos dados obtidos na sente e das relações entre eles.
Outro tipo de intervenção utilizada pelo verificação da primeira hipótese. Todas as Influenciados pelo trabalho estritamen-
grupo de Milão é o ritual familiar, ou seja, hipóteses devem ser sistêmicas, ou seja, te psicanalítico, desenvolvido na Clínica Ta-
uma ação ou uma série de ações das quais devem incluir todos os membros da famí- vistock de Londres, Pincus & Dare (1978)
todos os membros da família são levados a lia e fornecer uma conjetura que explique formulam suas hipóteses que fundamen-
participar. A prescrição de um ritual visa a função da relação. A circularidade diz tam a prática clínica com famílias e casais
evitar o comentário verbal sobre as normas respeito à capacidade do terapeuta de con- a partir de um grande interesse na trama
que perpetuam o jogo em ação. No ritual duzir a sessão baseando-se nos feedbacks inconsciente dos sentimentos, desejos,
familiar novas regras substituem tacita- recebidos da família como resposta à in- crenças e expectativas que unem os mem-
mente as regras precedentes. Para elabo- formação que solicitou em termos relacio- bros de uma família entre si e aos passa-
rar um ritual o terapeuta deve ser dos individuais e familiar.
bastante observador e criativo. O Estes autores interessam-
ritual é rigorosamente específico se particularmente pelos efei-
a uma determinada família. tos dos segredos e dos mitos
na dinâmica familiar. Ressal-
tam que os segredos podem
Escola pertencer a um membro da
família, ou serem, tacitamen-
Construtivista te, compartilhados com ou-
No final da década de 70, uti- tros; ou, inconscientemente,
lizando os conceitos da cibernéti- endossados pelos membros
ca de segunda ordem e de sua apli- da família, de geração para
cação aos sistemas sociais, surge geração, até se tornarem um
a Escola Construtivista. A partir da mito. Quando um membro da
concepção de retroalimentação família desafia um segredo
evolutiva de Prigogine (1979), familiar, a atitude dos outros
considera-se que a evolução de um membros também muda em
sistema ocorre através da combi- relação ao segredo, o conluio
nação de acaso e história em que, é rompido e novos fatos e fan-
a cada patamar, surgem novas ins- tasias vêm à tona. A partir da
tabilidades que geram novas or- prática clínica Pincus & Dare
dens, e assim sucessivamente. mostram como os segredos
Nesta perspectiva em que os sis- mais freqüentes e mais cuida-
temas vivos são considerados dosamente escondidos são
como hipercomplexos e indetermi aqueles que nascem de senti-
nados, instabilidade e a crise ga- mentos ou fantasias incestu-
nham um novo sentido no siste- osas.
ma familiar. A crise não é mais um O enfoque psicanalítico
risco, mas parte do processo de em terapia familiar é denomi-
mudanças, assim como o sintoma. nado por Ruffiot (1981) de
grupalista e é inspirado na sua teoria e na com famílias e casais. de uma tríplice chave de leitura, no traba-
sua prática, por uma representação fantas¬ É nesta possibilidade de síntese, de lho com família e casal, que passa pelo in¬
mática e grupal do indivíduo no seio de sua articulação dos dois enfoques, que esta- trapsíquico, pelo sistêmico-interacional e
família. Assim, Ruffiot formula a hipótese mos sobretudo interessados. As vezes pelo social. Para ele o fato, por exemplo,
de um aparelho psíquico familiar a partir falta a algumas abordagens psicanalíti- de o terapeuta conjugal compreender psi-
do modelo de aparelho psíquico grupai de cas conceber a família como uma uni- canaliticamente os fenômenos inconscien-
Kaës (1976). Ele estabelece uma relação dade sistêmica indivisível. É essencial tes das identificações projetivas que estão
entre aparelho psíquico do grupo familiar estudar a articulação entre o indivíduo na base da colusão narcísica do casal, não
e o aparelho psíquico primitivo do recém- e seu grupo familiar levando em conta deve impossibilitá-lo de lançar mão de de-
nascido, considerando que a natureza do as descobertas mais significativas das senvolvimentos teórico-técnicos das teori-
psiquismo primário é o fundamento do psi- abordagens sistêmicas sem se tornar pri- as sistêmicas. Ele pode, ao mesmo tempo,
quismo familiar e de todo psiquismo gru- sioneiro das teorias. trabalhar sobre a comunicação, as expres-
pai. Esta abordagem se baseia numa escu- Na perspectiva sistêmica há uma preo- sões paradoxais, os duplo-vínculos, sem ser
ta do funcionamento da fantasmática fa- cupação com o comportamento e a busca impedido de levar em conta processos ar-
miliar no aparelho psíquico da família, um de modificá-lo, o que leva a uma desaten- caicos inconscientes que estão em jogo des-
inconsciente a várias vozes que aparece na ção em relação aos processos psíquicos sub- de o estabelecimento da relação amorosa.
associação livre dos membros da família jacentes, enquanto na perspectiva psicana- Dependendo do tipo de demanda fa-
reunidos na sessão. lítica há uma preocupação em expressar os miliar, pode-se escolher um referencial
Eiguer (1984) postula que a família desejos inconscientes que estão na origem de compreensão mais sistêmico ou mais
compõem-se de membros que têm, em da disfunção familiar. psicanalítico. É importante escolher um
grupo, formas típicas de funcionamento Mas estas duas concepções teóricas e as quadro de pensamento, mas este não
psíquico inconsciente que se diferenciam práticas delas decorrentes não podem dei- deve ser rígido pois também, do nosso
do funcionamento de cada membro. Ele xar de considerar que a família e o casal são ponto de vista, a visão sistêmica e a vi-
formula o conceito de organizadores gru- grupos organizados, auto-reguladores, com são psicanalítica não se excluem mutu-
pais para explicar os investimentos recí- uma linguagem própria, regras próprias de amente.
procos que ocorrem entre os membros da funcionamento e mitos próprios. Sem dúvida, consideramos importante
família e, ressalta a fantasia original de Nicolló (1988) fala de um rigor elásti- a consistência entre teoria e prática, a coe-
castração como determinante da definição co, quer dizer, de uma atitude que requer rência com uma determinada posição epis-
de diferença sexual, derivando daí a deli- nas disciplinas psicológicas, a intuição, a temológica. Entretanto, dentro de uma
mitação dos papéis de pai, mãe, irmão, subjetividade do observador que são in- mesma posição epistemológica, incontáveis
irmã. Para Eiguer a fantasia original está substituíveis para o conhecimento, quan- modelos de atendimento são possíveis.
na base dos vínculos, sendo portanto ati¬ do discute a possibilidade de articulação Como ressalta Maturana (1990), há diver-
vadora como os investimentos narcísicos dos enfoques sistêmico e psicanalítico em sos modos de fazer terapia e estes modos
e objetais, e favorecendo o reagrupamen- terapia familiar. distintos têm a ver com as distintas carac-
to interfantasioso. Lemaire (1984) ressalta a necessidade terísticas dos terapeutas.

Articulação dos
Diferentes Enfoques
O campo da terapia familiar, como vi-
mos, apresenta um panorama muito vari-
ado e complexo, não contendo um corpo
teórico unificador ao qual fazer referência. BATESON, 6., JACKSON, D., HALEY, J. et al. Toward a theory of schizophrenia.
Os primeiros estudos que tinham como Behavioral Science, 1956. Cap. 1, p. 251-264.
ponto de partida os trabalhos sobre duplo- EIGUER, A. La thérapie familiale psychanalitique. Paris: Dunod, 1984.
vínculo realizados pelo grupo de Palo Alto FÉRES-CARNEIRO, T. Família: diagnóstico e terapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
sobre a esquizofrenia estiveram, por causa . Terapia familiar: considerações sobre a possibilidade de articular diferentes enfoques.
de seu caráter revolucionário, na origem Nova Perspectiva Sistêmica, 1989. Cap. 1, p. 19-21.
do desenvolvimento de uma oposição en- . Casais em terapia: um estudo sobre a manutenção e a ruptura do casamento.
tre modelo psicanalítico e modelo sistêmi- Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 1995. p. 67-70.
co. Estes estudos caracterizavam-se por FREUD, S. Fragmento da análise de um caso de histeria. Obras Completas.
uma abordagem pragmática da realidade,
Rio de Janeiro: Imago, 1969. v. VII.
e o modelo de psicanálise ao qual se opu-
HALEY, J. Psicoterapia familiar. Belo Horizonte: Interlivros, 1976.
nham era o modelo econômico de Freud.
KAËS, R. L'appareil psychique groupal: constructions du groupe. Paris:Dunod, 1976.
A verdadeira oposição não estava portan-
LEMAIRE, J. Thérapie familiale et thérapie du couple: convergences et divergences. Dialogue:
to entre psicanálise e teoria sistêmica, ou
entre indivíduo e família, mas sobretudo Recherches Cliniques et Sociologies sur le Couple et la Famille, 1982.75:29-40.
entre conteúdos internos e comportamen- MATURANA, H. Biologia de la congnición y epistemologia.Temuco:
tos expressos. Universidad de la Frontera, 1990.
MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
Alguns terapeutas de família propõem NICOLLÓ, A. M. C. Soigner à I'interieur de I'autre: notes sur la dynamique entre
um trabalho numa abordagem sistêmica I'individu et la famille. Roma: Mimeo, 1988.
pura como Palazzoli (1978) e Haley PALAZZOLI, M. S., BOSCOLO, L, CECCIN, G. et al. Hypothezing - circularity. Neutrality:
(1976). Outros pretendem trabalhar em three guidelines for the conductor of the session. Family Process, 1980.19(1):3-12.
terapia familiar numa abordagem psicana- PINCUS, L, DARE, O Psicodinâmica da família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.
lítica sem nenhum suporte sistêmico como PRIGOGINE, L, STENGERS, I. A nova aliança. Brasília: UnB, 1984.
Eiguer (1984) e Ruffiot (1981). Há entre- RUFFIOT, A. La thérapie psychanalitique du couple.Paris: Dunod, 1981.
tanto autores que tentam fazer uma sínte- WATZLAWICK, P., BEAVIN, J. H., JACKSON, D. D. Pragmática da comunicação humana.
se destas duas abordagens, no trabalho
São Paulo: Cultrix, 1973.

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