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Caderno de viagem

Comunicação, lugares e tecnologias

André Lemos

março de 2010
Sumário
.Agradecimento, 4
.Prefácio, 6
.Introdução, 16
.Prólogo, 20
.Edmonton, 31
.Montreal, 123
.Referências, 339
.Sobre esse livro, 351
.Sobre a Editora Plus, 352

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Agradecimento

Um agradecimento especial à Faculdade de Comunicação da UFBA, por ter me libe-


rado para o pós-doutoramento, e ao CNPq, que me concedeu uma bolsa de pesquisa no
período de setembro de 2007 a setembro de 2008. Sem estes apoios, eu não poderia ir
ao Canadá, não avançaria na pesquisa acadêmica e este livro não existiria. Devo tam-
bém agradecer a pessoas-chave de antes e durante meu período canadense.

Devo muito ao professor Rob Shields, amigo de longa data, pelo incentivo, acolhi-
mento e apoio total durante a minha estada na University of Alberta em Edmonton.
Rob demonstrou uma amizade sólida, respeito acadêmico e apoios institucional e lo-
gístico sem preços. Ao meu amigo Juremir Machado da Silva, parceiro desde os tem-
pos de Paris nos anos 1990, agradeço pelo fundamental suporte e confiança. Por últi-
mo, um reconhecimento ao amigo, professor Will Straw, pela cordialidade, atenção e
recepção na McGill University no meu período em Montreal.

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Agradeço à professora Rosanna Maule e aos queridos Priscila e Sony Sung, pro-
prietários dos meus apartamentos em Montreal e Edmonton, respectivamente. Todos,
muito mais do que proprietários, amigos sempre disponíveis. A Priscila Magaldi Neto,
devo as minha primeiras saídas sociais em Edmonton. Ela foi atenciosa, carinhosa, e
me ajudou a enfrentar a solidão nos primeiros momentos do inverno. Por último, mas
não necessariamente nesta ordem, devo agradecimentos especiais aos amigos, o ciné-
filo e montador Milton do Prado, a dançarina e professora Suzy Weber, e ao pequeno
Guto, que nos proporcionaram boas risadas, saídas e suporte inesquecíveis durante
o tempo em Montreal. Eles nos deram dicas preciosas sobre a cidade e sempre foram
muito atenciosos e prestativos.

Por fim, dedico este livro a Mari Fiorelli, minha companheira, pela paciência, tole-
rância e ajuda nesse período, a Alice, por ter ficado um tempo comigo em Edmonton e
por todo o apoio nesse período de distância. E a Bernardo, que nasceu quando estava
finalizando este livro, tendo sido gerado em Montreal. Ele é a pequena semente cana-
dense que germina no Brasil.

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Prefácio

Começo a ler estes Cadernos de viagem em uma avião, num voo entre Salvador e
São Paulo. Não podia haver lugar mais especial do que este para pensar sobre o que
dizer como introdução ao webdiário do professor e colega de Universidade Federal da
Bahia André Lemos. Um texto - em letras e imagens - que trata de comunicação, luga-
res e tecnologias. Comunicação entre lugares, conectando pessoas distantes, através
de tecnologias, as mais diversas possíveis, que ligam meios de transporte com meios de
comunicação, como já pontuou há um bom tempo atrás Rene Berger, no seu Il nuovo
Golen, que também li numa viagem de estudo como a aqui descrita.

O texto é recheado de constatações e angústias ― naturais do nosso tempo, diriam


alguns ― de um acadêmico que, não perdendo o rigor, passeia ― para ser mais coeren-
te, flana ― com os lugares, livros, sites, mapas, coisas e gentes. Esse mix, de fato, dá
charme especial ao livro, que é uma deliciosa viagem acompanhando o seu percurso
durante o seu pós-doutoramento no Canadá. Mas os passeios não se limitam àquele

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país, muito menos a apenas uma parte dele. Trata-se de uma viagem planetária, com
idas e vindas, referências, reflexões, provocações e, muitas, imagens.

Uma coisa volta subliminarmente em todo o texto. Trata-se da constatação maior de


que não temos mais tempo para nada. Alguns anos atrás, numa troca de e-mails, André
questionava: “Por que corremos tanto?”, e ele mesmo completava: “E gostamos!”

Aqui podemos continuar a conversa. Gostamos ou somos empurrados a nos con-


formar com essa correria? No nosso cotidiano universitário, pelo que vejo no Brasil
e no mundo, e também em muitas outras profissões, estamos quase que impelidos a
correr, produzir, estar na frente. E não temos mais tempo para ver. Para contemplar.
Para nos deliciarmos com o simples olhar. Bizoiar, dar uma ispiada, como se diz aqui
na Bahia.

Mas André busca dar um tempo nesse tempo e destacar esse seu momento de re-
flexão, o que, na verdade, deveria ser o trabalho cotidiano dos pesquisadores, que,
com tempo, teriam possibilidade de maturar e refletir mais sobre os conhecimentos
e as culturas. Não temos mais isso! Vivemos, nas universidades, a alucinada vida do
correr para publicar ― ou perecer! -, fazendo projetos e mais projetos para concorrer

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a editais que, se aprovados, nos possibilitarão termos um pouco de recursos para
as nossas necessidades básicas profissionais. Depois, os relatórios, as prestações de
contas e, os novos projetos. Eppur se move!

E nada do tempo para flanar!

As escritas leves, essas, foram sendo deixadas de lado por muitos. Felizmente, não
por todos.

André Lemos é um desses que não deixa de rabiscar umas linhas em seu Carnet de
notes na web, desde um tempo em que mal tinha blog. Hoje, dos seus “webescritos”,
nos oferece esses Cadernos, mantendo o estilo diário, com data marcada, anunciada
e declarada. Aqui, podemos navegar pelos textos, mapas e fotografias, retrabalhados
e re-apresentados em um formato de livro. No trato das imagens, a colaboração pre-
cisa de outro colega da UFBA, José Mamede.

Gosto de escrever sobre lugares que não conheço. Ou melhor, não conhecia, pois
com as leituras desses originais pude fazer uma bela viagem pelo tempo e pelo espaço.

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Dos muitos autores e livros referenciados, não conhecia o escritor argentino Alan
Pauls. Fiquei curioso com o fragmento que antecede a bela imagem do Parc la Fon-
taine de Montreal, refletindo sobre a inércia. Inércia que não é só o estar parado,
num mesmo lugar. Lamentavelmente poucos sabem disso (recuerdos dos meus
bons tempos de professor de física!), já que inércia pode significar movimento. Mas
este é um movimento constante o que vem a significar que ele, também, não é lá um
movimento, digamos assim, tão movimentado. É um movimento calmo, controlado
pela velocidade constante do deslocamento e dos acontecimentos. Mas, como não é
movido pelos desequilíbrios, é um movimento que, como diz Alan Pauls, “não pro-
duz mudanças”.

E são essas mudanças que nos fazem crescer. Foi o recente movimento de pós-
doutoramento que gerou esse livro. Foi nessa linha também o meu, imediatamente
depois do dele, só que na Inglaterra, na cidade de Robin Hood, Nottingham. Assim,
pensamos nós dois, deve ser o tal período sabático ― expressão que vai ser destrin-
chada lá pelo meio do livro - dos professores universitários. Isso porque não tem
coisa melhor do que viajar.

Ih! não tem não!

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Pode dizer aí, pense e diga, as coisas melhores que você conhece e faz. Todas
elas ficam ainda melhores se você estiver viajando, conhecendo novas gentes e de-
safiando-se permanentemente. O frio ou o calor, a Ópera ou o concerto ao ar livre,
o pub ou a destilaria, o carro ou o ônibus, tudo, tudo absolutamente tudo, tem o
sabor do diferente. Mesmo que hoje, com esse mundo padronizado, dê um trabalho
danado para se achar esse diferente. Mas isso é outra história e aqui, nos Cader-
nos, você vai poder ver muitas dessas histórias. Como, aliás, o fez brilhantemente
Jim Jarmush no belo filme Down by law, onde a presença do estrangeiro mexe
com o lugar. Traz nova vida e novos ânimos para aqueles que não se acomodam.
André Lemos tem estudado intensamente as questões da cibercultura, olhando mais
atentamente para os temas da mobilidade, dos territórios informacionais, dos con-
troles de fronteiras, redes virais e conexões sem fios. Conexões e redes que tomam
conta de todas as páginas e são, na verdade, as bases dos muitos mapas aqui tam-
bém apresentados. Uma conjugação perfeita entre o texto, os mapas e as imagens.
Como ele mesmo diz, “ O texto importa, mas não sem as imagens. Estas têm vida
própria e não são mero suporte dos textos.”

Desde a saída de Salvador, para Edmonton, no Canadá, um lugar onde, pelas in-
formações que ele nos dá, já foi um parque de dinossauros e hoje é uma dos maiores

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complexos de redes sem fio do mundo, ele já fazia as anotações que compõem os
Cadernos. E nessas anotações, podemos contatar que essa conectividade intensifi-
cada, também significa maiores controles sobre os nossos movimentos, o que vem
acontecendo em todo o mundo e, obvio, preocupa-nos por demais. Controles esses
sempre associados à questão que virou mantra: a segurança. Nas ruas, nas casas,
na rede, nos sistemas comunicacionais e interativos, impondo-nos um movimento
ativista intenso na luta pelas liberdades na internet, e que aqui está descrito com
detalhes em vários dos dias do diário.

Mas, claro, pensar no tema segurança lá no Canadá não tem nada a ver com o
nosso pensar em segurança aqui no Brasil. Num dos trechos do livro, descreve ele o
seu cotidiano: “Ontem no ônibus, na hora do rush (aqui é às 16h), muitos usavam
laptops, consoles de games, celulares com ou sem GPS. Só à minha volta, tinha
um rapaz com um MacBook, um outro jogando no console de games, uma mulher
na minha frente usando o GPS no celular (não consegui fotografar) e um terceiro
checando e-mail no Blackberry... Lugares de mobilidade física que são, de agora
em diante, lugares de mobilidade informacional. Ônibus, trens, aviões e navios
ou ferries seriam as novas heterotopias por excelência, para usar o termo de Mi-
chel Foucault. Voltarei mais adiante a este ponto.”

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Eu não. Acho que isso é o suficiente.

O leitor acompanhará o desdobramento dessas discussões sobre mobilidades e


segurança ao longo do diário.

As imagens, belas imagens, ajudam a descomprimir, como ele mesmo afirma. Nos
transportam para o frio, para a neve, para as ruas das cidades aqui passeadas, nos
trazendo de volta, quem sabe de maneira mais forte, a mesma pergunta levantada
por André e já referida: “Por que corremos?”

Mas corremos!

E, de corrida em corrida, o tempo vai passando e nós vamos atualizando essas


questões, transformando-as, quem sabe, em alertas para pensarmos a nossa exis-
tência.

Na sua chegada dessa viagem - eu preparando-me para a minha ida -, encontramo-


nos num debate que propus à TV Educativa da Bahia. O tema era o futuro da internet
mas, no fundo, o que queríamos era falar do futuro do planeta. Conversa ao vivo
vai, conversa ao vivo vem, e nos resta alguns segundos para os últimos comentários.

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André Lemos não pestanejou e, depois de ter escrito esse detalhado diário ao longo de
12 meses, encerrou o programa - e o papo! - com uma contundente frase-questão: “O
futuro?! O futuro, seguramente vai depender da nossa capacidade de desplugar”.

É vero, desplugar.

Quem sabe possa essa ser a atitude mais correta, concreta e mais necessária para o
momento contemporâneo.

Espero que o leitor delicie-se com os textos e as imagens, realize profundas viagens
com esses Cadernos e, assim, desplugado, relaxe para fazer esse delicioso e delirante
passeio por espaços, palavras, línguas e imagens.

O livro, portanto, é o resultado de anotações no seu moleskine (hhuuummm, mais


um viciado nos cadernos físicos, bons e belos, que acompanham os viajantes, mesmo
aqueles que, como nós, usam todos os recursos tecnológicos!), e lhe possibilitará ir
flanando pelos espaços do Canadá, da Espanha, Portugal, e tantos outros desta e de
outras viagens, com os links para os outros espaços vividos, a vero ou na imaginação.

“Estou com as malas prontas esperando o taxi”.

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Ele vai partir.

Esse período do Carnet de Notes vai se fechar e com isso, abrir inúmeras outras
possibilidades. Para o pensar. Para o discutir, refletir e escrever. Re-escrever. Na web,
nas revistas acadêmicas, nos jornais e panfletos.

O taxi está chegando. São três malas de matéria física e toneladas de bites sendo
transportados pela infoesfera de forma permanente e continua.

“Ao aeroporto!”.

O voo vai sair. Acabou o seu tempo. Acabou o meu tempo. Acabou o nosso tempo.

Paulinho da Viola:

“Olá, como vai ?


Eu vou indo e você, tudo bem ?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você ?
Tudo bem, eu vou indo em busca

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De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo.
(...)
O sinal ...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus...”

Adeus, até breve.

Boas viagens, leitor! (e não esqueça o seu moleskine! Essa conversa não pode parar).

Praia do Forte, Bahia, outubro de 2009.

Nelson De Luca Pretto


www.pretto.info

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Introdução

Para a escritora Margaret Atwood, o padrão recorrente no imaginário da literatura


canadense é a sobrevivência, Survival. Este é o título do seu livro que traça um histó-
rico da prosa e da poesia candense sustentando a tese. Embora tenha sido questionada
por diversos autores, não há como negar que o imaginário canadense é preenchido por
essa dimensão de luta contra temperaturas extremas, os povos ancestrais, os animais
selvagens... Este livro marcou meu período canadense, talvez pela minha própria bus-
ca pela sobrevivência. Li a obra nos primeiros dias da minha chegada ao Canadá para
compreender a alma canadense, o imaginário, os simbolismos da sociedade, e poder
assim melhor me inserir neste contexto. E, para isto, nada melhor do que compreender
o que falam os escritores, os poetas e romancistas.

Embora a sobrevivência seja um padrão da literatura canadense e tenha sido este


o meu primeiro desafio ao chegar nas terras do norte, não precisei de muito para so-
breviver no Canadá. Alías, viveria tranquilamente neste país para sempre. Embora em
condições difíceis – de um estrangeiro latino-americano –, tudo foi muito fácil e sem

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tensões maiores dos que às que estamos submetidos em situações parecidas (dominar
a língua, conhecer os códigos sociais, romper a solidão e fazer amigos, enfrentar as
temperaturas extremas...). Assim, entre outubro de 2007 e agosto de 2008, naveguei
entre o oeste e o leste do Canadá, entre Edmonton e Montreal, passando por Jasper,
Banff, Québec, Toronto. Não só sobrevivi, como vivi intensamente. O inverno glacial, a
dificuldade de adaptação à cultura local - mais próxima da americana do que da euro-
péia, a que eu estava acostumado -, o inglês que estudo desde pequeno mas que nunca
pratiquei; em suma, dificuldades e testes de sobrevivência. Mas a palavra sobrevivên-
cia aqui é mesmo muito forte, pois embora passar pelo inverno glacial de Edmonton
e pelas nevascas de Montreal seja efetivamente sobreviver, adorei o Canadá e tudo foi
muito fácil e prazeroso. Fui muito bem recebido e tive muita sorte em tudo, tanto pelo
lado pessoal quanto profissional.

Passando o inverno, não é difícil viver no Canadá. Muito pelo contrário. A vida é
segura (não há a violência quotidiana a que estamos expostos nas grandes cidades
brasileiras), as coisas funcionam bem, as universidades são ótimas e o dia a dia está
longe de ser estressante, ainda mais na minha condição de pesquisador visitante e em
ano sabático – oficialmente em pós-doutoramento. Meu tempo foi dividido entre lei-
turas, pesquisas, entrevistas e conversas com especialistas locais, escritas no meu blog

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“Carnet de Notes” (http://andrelemos.info), apontando resultados em progresso para
papers e congressos e andar, andar e andar. Anotei tudo que vi e prestei muita atenção
aos fenômenos comunicacionais, tecnológicos e locativos. Escrevi muito nesse biênio
e o livro que está em suas mãos é parte das minhas anotações eletrônicas no “Carnet
de Notes”. Ele é uma readaptação impressa do que escrevi e fotografei no período.
Este livro é uma mostra de textos e imagens sobre as cidades por onde passei, sobre
as coisas que gostei e também sobre as que não gostei, sobre as questões atuais a res-
peito da comunicação, as novas tecnologias, a mobilidade, o espaço, os lugares. Este
Caderno de Viagens tem como base o Canadá e as cidades de Edmonton e Montreal,
onde morei, mas também flerta com outras cidades canadenses (como Jasper, Banff,
Québec e Toronto) e algumas cidades européias que visitei no período (como Madri,
Faro e Sevilha).

Acredito que este livro possa ser de interesse para estudantes de comunicação, pes-
quisadores, flâneurs, visitantes presentes e futuros do Canadá, ou mesmo diletantes de
primeira hora e também amantes da fotografia. O texto importa, mas não sem as ima-
gens. Estas têm vida própria e não são mero suporte dos textos. O livro é escrito como
um passeio por lugares, formas comunicacionais e tecnologias digitais. Como um diá-
rio de viagem, mostra a minha visão do estrangeiro, essa figura exemplar da metrópole

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(como mostrou o sociólogo alemão G. Simmel), vivendo a anomia e o isolamento, a
imersão na massa e a solidão, vendo a cidade com um olhar espetacular. Assim foi o
meu percurso tentando criar o meu lugar, o meu “kanata”. Canadá vem do Iroquoian,
kanata, que significa “vila”, “village”, ou “settlement”, povoamento, povoado. Em Iro-
quoian, Canadá é aquilo que funda um lugar. Este livro é fruto da tentativa de fundar o
“meu” Canadá. Tudo se dá na fundação do lugar. Aprendemos, socializamos, amamos,
sofremos..., sempre de forma locativa, aqui e agora.

André Lemos

Montreal, 20 de agosto de 2008.

Salvador, maio de 2009

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Prólogo

Trilogia do tempo e da duração


Levei um tempo desde que cheguei e escrevi, já no Brasil, essa trilogia sobre a dura-
ção e sobre o ano que se inicia. Ela é reflexo de vivências nos lugares por onde passei
entre setembro de 2007 e agosto de 2008. Essa reflexão se deu na inércia da minha
“desadaptação” ao Brasil e na iminência de um novo ano que iniciava. Começo este Ca-
derno de Viagem propondo um pensamento sobre a duração e sobre o terrível tempo
cronológico, descontínuo e ilusório.

Duração 1a. Parte

Tudo muda em 2009?

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la chose et l’état ne sont que des instantanés artificiellement pris sur la transition; et cette
transition, seule naturellement expérimentée, est la durée même. Elle est mémoire, mais non pas
mémoire personnelle, extérieure à ce qu’elle retient, distincte d’un passé dont elle assurerait
la conservation; c’est une mémoire intérieure au changement lui-même, mémoire qui prolonge
l’avant dans l’après et les empêche d’être de purs instantanés apparaissant et disparaissant
dans un présent qui renaîtrait sans cesse.” Bergson, H., (Durée et simultanéité. Paris :PUF,
1968)

O ano começa e nada parece mudar. Olhamos para o lado e tudo está lá, a cidade, os
prédios, as pessoas, os vizinhos... Ligamos a TV e são os mesmos programas, as mes-
mas matérias, as mesmas notícias, os mesmos jornalistas, as mesmas guerras... Olha-
mos para as propagandas políticas nas ruas e vemos sempre os mesmos (políticos)
afirmarem a mesma coisa: que “agora vai”, que tudo será diferente. No lado pessoal,
prometemos novas ações, posturas, decisões todos os anos, para nós e para os outros,
mas temos sempre a sensação de estarmos nos repetindo, repetindo, repetindo... Há
aqui frustração, mas também um certo conforto. Nada muda realmente e não perdere-
mos nada se, por exemplo, morrermos. Tudo continua na infindável espiral do mesmo.
2009 se apresenta como 2008, 2007, 2006..., sempre o mesmo.

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Mas podemos dizer que, contra esse sentimento conformista ou pessimista, a mu-
dança está sempre aí, no fluxo das coisas, nos segundos que passam, no tempo que nos
deixa mais velhos a cada dia, nos pequenos passos que conseguimos dar em direção
a novas posturas (ilusão?) diante do mundo, de nós mesmos e dos outros. E se não
vemos isso nas grandes coisas (dada essa sensação de que tudo se repete), podemos,
se estivermos atentos, tocar e ser tocados pelas pequenas e mínimas manifestações
de abertura ao novo que emergem - sabe-se lá como - dos lentos intervalos que se
arrastam dentro do tempo descontínuo que passa. Este tenta sempre apagar os inter-
valos, chamando para si a atenção, colocando o peso nos grandes momentos fragmen-
tados em que baseamos a nossa existência (amanhã, às 18h, segunda-feira...). O tempo
descontínuo, ilusório e frustrante (já que quando chega segunda-feira, nada mudou
– tampouco às 18h, ou mesmo amanhã) tenta apagar o que pode emergir das pequenas
manifestações ínfimas do que dura, nos intervalos quase imperceptíveis, mas determi-
nantes, que agem como pequenas pérolas inovadoras dentro desse tempo devorador
de Cronos. Talvez a fonte do princípio que principia, que quase nunca vemos, esteja
não nos grandes intervalos marcantes das promessas que fazemos todos os anos (vou
ser mais feliz, vamos viver em paz, vou mudar completamente a minha maneira de

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comer e de respirar...), mas na duração, nos momentos que se arrastam entre cada se-
gundo e que nos permitem tocar sutilmente, porém substancialmente, o bom e o belo.

Não devemos nos iludir. O que muda não é visível aos grandes olhos equipados com
binóculos, computadores ou telescópios, e nem está nos grandes projetos do amanhã
(que nunca chegam). O que muda nunca chegará abruptamente pelo tempo do relógio,
do calendário ou da agenda, mas na lenta passagem entre os segundos de todos os
minutos e entre os minutos de todas as horas, na duração que se arrasta entre um ins-
tante e outro, no fluir dos pequenos instantes que crescem e se dissolvem aqui e agora.
Só podemos acreditar na mudança de olhos fechados, na imobilidade da mobilidade.

Como diz Bergson, a duração é essa multiplicidade de instantes – presa, na era mo-
derna, às grandes marcações temporais que insistimos em usar para organizar a nos-
sa vida em sociedade. A duração não é o “um” ou o “múltiplo”, não é este momento
(despedaçado), nem um conjunto destes inúmeros momentos retalhados, separados e
ligados artificialmente, mas a variação (multiplicidade) do um e do múltiplo. Só aqui
teríamos o que Bergson chama de um tempo fundamental, uma sucessão sem separa-
ção que pode apontar para um futuro (uma mudança?), construindo-se em um ema-
ranhado de instantes sem a artificial divisibilidade das horas que começam aqui e aca-

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bam acolá. Para Bergson, há duas multiplicidades: a “numérica”, que implica o espaço
(e o tempo) e a “qualitativa”, que implica a duração (e a extensão). Quando estamos
imersos apenas na dimensão numérica, a sensação é de que nada muda realmente, só,
talvez, artificialmente. Quando vivemos a duração, percebemos as pequenas e mar-
cantes diferenças que parecem mudar (à nossa revelia) cada instante, apresentando-se
como uma “nova” novidade. Se for assim, não vamos querer mais morrer, pois senti-
mos que perderemos coisas (novas?) a cada instante. 2009 só mudará em relação a
2008 se esquecermos essa marcação numérica e mergulharmos nos instantes infinitos
da duração, se nos apegarmos a essa seqüência de nadas, a esses pequenos momentos
“qualitativos” fora do rigor “numérico” das horas e dos grandes projetos.

Se for assim (mas não há garantias!), dissolve-se até a própria ânsia pela mudança,
já que, diferente do que mostramos no primeiro parágrafo, tudo muda o tempo todo.
Um futuro poderia se preparar diluindo-se nas pequenas diferenças entre o passado do
presente, o presente do presente e esse agora futuro do presente. Mas o tempo só existe
nesse presente aglutinando passado, presente e futuro. Nessa duração, de forma sutil e
imperceptível (por isso na maioria das vezes temos a impressão de que nada muda), o
que muda pode se preparar. Mas não há mesmo nenhuma garantia. É nesse tempo que
se deve “matar” a duração despercebida, engolida pelas dimensões descontínuas da

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existência quotidiana (- 13h aula, 17h, ginástica, 20h jantar...) que o devir se prepara
(memórias, pensamentos e sentimentos que emergem quando não esperamos, entre
um tempo vazio e outro, no ônibus, dormindo, andando...). Só na duração, essa mul-
tiplicidade qualitativa, e não no tempo descontínuo, numérico, das temporalidades
fragmentadas do quotidiano, podemos perceber o que pode, efetivamente, fazer uma
diferença, mudar.

Aparentemente paradoxal, é na duração que tudo pode mudar. A duração não é a


decomposição do tempo, mas a possibilidade da emergência do novo (mais uma vez
Bergson). Mergulhados nesse lento fluir do tempo, a pergunta sobre o que muda em
2009 se dissolve. No fundo, não existe isso que chamamos de “2009” (apenas uma
ilusão numérica), mas a elástica qualidade da duração. Se não for assim, se não aban-
donarmos esse “2009”, viveremos para sempre no repetitivo retorno do mesmo, espe-
rando um amanhã que nunca chega.

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Duração, 2a. Parte

Terminando um livro interminável (no bom sentido), “O Passado”, do excelente es-


critor argentino Alan Pauls (comecei em meados de 2007, ainda no Canadá, parei e
estou terminando agora em Salvador), leio este parágrafo que coloca a verdade do filó-
sofo (Bergson, acima) em estreita relação com a “verdade” do escritor (Pauls). Sempre
achei a literatura uma forma eficaz e importante de compreensão da realidade (da
sociedade, da cultura), às vezes até mais do que as ciências sociais. Mas nem sempre.
Vemos aqui como parece coincidir a argumentação filosófica de Bergson sobre a dura-
ção e a narrativa ficcional de Pauls. Por um lado ou pelo outro, essas letras podem nos
ajudar a compreender melhor o tempo e os mecanismos bastante complexos das mu-
danças, das durações, das degradações, da inércia, das entropias... É ótimo reescrever
trechos de livros, principalmente de ficção – sentir essa sensação mediúnica de fazer
do meu corpo um instrumento de uma outra voz, que poderia aqui ser a minha. Vejam
o que escreve Pauls:

A inércia não produz mudanças. Não produz nada na verdade. No máximo, dá lugar
à degradação, por exemplo, ou à entropia. A mudança sim: a mudança produz coisas
- inércia, para dar um exemplo. E então, quem se animaria a afirmar que a diferença
entre o que muda e o que degrada, entre um sinal de alteração e outro de deterioração,

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é uma diferença real? (...) No entanto, como toda força sem motor, a inércia dá lugar
a movimentos sub-reptícios, tremores que surgem, fazem-se sentir por um momento e
recolhem-se ao silêncio, até que o estímulo casual que os convocou se repete e eles
reaparecem, num ciclo cujas seqüências, tomadas cada uma em si mesma, individual-
mente, nunca chegam a mudar o mundo que afetam, mas deixam nele, ressoando, os
ecos de um murmúrio em que, com bons ouvidos, se lê a lembrança ou a profecia de
uma mudança. Assim, como o viajante indolente que dorme no convés de um barco e
de repente acorda, golpeado por uma luz ou pelo grito de um pássaro, e olha ao redor
e, no desconcerto do despertar, ao mesmo tempo que reconhece o que vê, o mar, o
horizonte infinito, o céu, pensa ver algo que mudou, algo sutil, mas indescritível, e só
depois, ao pôr-se de pé e vacilar, descobre a inclinação do piso do convés, e compre-
ende que o que mudara na paisagem não estava na paisagem, mas nesse ‘antes’ do
qual contemplava, agora afetado por uma nova instabilidade, induzida pelas ondas, que
não se lembrava de ter sentido ao adormecer, assim Rímini teve a impressão, em algum
momento, de que esse ‘estar ali’ para Nancy, por sua mera obstinação, dava lugar a
uma certa inclinação, um deslizamento que ameaçava comunicá-lo com outra coisa.”
(SP, Cosac Naify, 2007, p. 376)

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Tarde de inércia bastante
transformadora no
Parc La Fontaine
em Montreal,
2008

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Duração, Parte 3

Fechando a trilogia sobre o tempo e a duração, deixo mais uma citação literária,
agora de William Faulkner em “Palmeiras Selvagens”. Neste excerto, podemos sentir
a irrealidade do tempo ou a sua ilusão, reforçando a ênfase na duração. Aqui, fazen-
do eco e acrescentando elementos ao que foi colocado anteriormente nas duas partes
dessa digressão sobre o tempo, aparece a nossa existência, como passagens infinitas e
microtemporais entre um passado, presente e futuro, amalgamados naquilo que “é era
e será”. Vejam o que diz Faulkner:

Eu estava fora do tempo. Ainda estava ligado a ele, apoiado por ele no espaço como se
está desde quando havia um não-você para se tornar você e se estará até que haja um
fim para o não-você, graças exclusivamente ao qual você pôde existir um dia - essa é
a imortalidade -, apoiado por ele mas é tudo, apenas nele, não condutivo, como o par-
dal isolado, pelos próprios pés duros e não condutivos e mortos, do fio de alta tensão,
a corrente do tempo que corre pelo ato de lembrar, que existe apenas em relação ao
pouco de realidade (aprendi isso também) que conhecemos, ou então não existe essa
coisa que chamamos tempo. Você sabe: Eu não era. Então eu sou, e o tempo começa,
retroativo, é era e será. Então eu era e portanto não sou e assim o tempo nunca existiu.
(...) aquela condição, fato, que na verdade não existe exceto no instante em que você
sabe que a está perdendo (...) É a solidão, você sabe. Você precisa saltar em completa

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solidão e pode suportar apenas este tanto de solidão e ainda viver, como a eletricidade.
E por esses um ou dois segundos você estará absolutamente só: não antes de você ser
e não depois de não ser, porque nessas horas você nunca está sozinho; em qualquer
dos casos você está seguro e acompanhado num anonimato infindo e inextricável: num,
do pó para o pó; no outro, dos vermes fervilhantes para os vermes fervilhantes. (...)” (W.
Faulkner, Palmeiras Selvagens, p. 123, Cosac&Naif, 2003).

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Edmonton

Segunda, 03 de setembro de 2007


Me preparo para ir para Edmonton, capital do Estado de Alberta, oeste do Canadá.
Tenho certeza de que gostarei do país. No Canadá, as tensões identitárias e linguísticas
oferecem algo de vivo e dinâmico; a dimensão e a natureza do país, de extrema beleza,
além da simpatia e receptividade do povo canadense, me fazem pensar efetivamente
que é para o Canadá que eu devo mesmo ir, e assim será. Graças a dois outros amigos
e parceiros de trabalho, Rob Shields e Juremir Machado da Silva, que me ajudaram
na formalização dessa visita, estou agora preparando minha viagem para Edmonton,
onde ficarei. Farei meu pós-doutoramento na Universidade de Alberta, desenvolven-
do uma pesquisa sobre mídias locativas, comunicação, espacialização e cidades. Farei
parte do grupo “Space and Culture” do Departamento de Sociologia da Universidade
de Alberta.

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Já começo a colher informações sobre a cidade. Edmonton é a sexta maior cidade do
Canadá e capital do estado de Alberta. Como estou pesquisando o tema das tecnologias
móveis, busco informações sobre as redes de acesso sem fio à internet na cidade. Vejo
que Edmonton planeja expandir o acesso à rede sem fio aos seus cidadãos. Segundo a
matéria, “City plans to expand wireless web service”, do Edmonton Journal, a muni-
cipalidade pretende ampliar as zonas de acesso e criar mapas interativos mostrando os
hotspots da cidade.

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Amanhecer em Edmonton,
Outono de 2007

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Domingo, 14 de outubro de 2007
Passado um mês esperando o visto, estou finalmente viajando amanhã, dia 15. Hou-
ve uma demora incrível na liberação dos vistos (exames médicos demoram muito e
tudo sai do Brasil, vai a Trinidad e Tobago e volta ao Brasil, partindo do Rio ou de São
Paulo). Vou trabalhar diretamente com o professor Rob Shields (com quem tenho um
longo intercâmbio acadêmico desde 1995, quando o conheci em Paris, na época do meu
doutoramento). Colaboramos nessa ocasião no livro “Cultures of Internet” (Routledge,
1996) no qual escrevi um capítulo sobre o Minitel, sistema de teletexto francês pré-
internet. Em 2007, Rob passou 7 meses conosco como professor visitante no Grupo
de Pesquisa em Cibercidade (GPC) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA. Com os pesquisa-
dores do grupo de pesquisa “Space and Culture”, pretendo dar continuidade às pesqui-
sas sobre novas tecnologias de comunicação, cibercultura, mídias locativas, territórios
informacionais, mobilidade e espaço urbano. Vou escrever, ler, dar aulas e participar
das atividades do grupo, além de ir a congressos na área pelo Canadá, EUA e Europa.

Há alguns meses venho buscando informações sobre a cidade e me preparando para


a mudança e, principalmente, para o frio extremo do inverno (algo em tornos dos -20C

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graus em média). Sei o que é o frio da Europa, da França, mas isso é um pouco “Além
da Imaginação”. A internet ajuda muito nesse processo, não só para antecipar coisas,
como para manter o contato com o Brasil. Quando fui para Paris, em 1991, fazer meu
doutoramento, não havia internet; as notícias do Brasil eram raras e só me chegavam
por correio ou telefone (ou pelas pouquíssimas notícias na mídia local). Agora, com
a rede planetária, já até aluguei um apartamento pela craiglist e tenho encontrado
ótimas dicas nos blogs e sites. De fato, as informações mais específicas e interessantes
encontrei mesmo nos blogs, como o brasileiro “Tapioca Congelada”, no qual descobri,
além de outras coisas, que há uma “Associação Comunitária Brasileira de Alberta”. O
site tem várias informações úteis, com dicas preciosas. Há também os sites oficiais e
outros blogs muito bons, como o “Edmonton Blog”, o “Edmonton Real Estate Blog”
e o portal “City of Edmonton”, entre outros. Aprendi que foi nessa região que os fil-
mes “Brokeback Mountain” (2005) e “Legends of the Fall” (1994) foram filmados, que
há bons festivais de blues e jazz, interessantes museus, bons restaurantes e cafés na
Whyte Avenue, um bairro antigo e agitado, o Old Strathcona, além de bom transporte
público – mas que, infelizmente, é bom ter um carro.

Para a minha pesquisa, estou buscando aprofundar o conceito de “território infor-


macional”, ou seja, zonas de controle de informação eletrônica nos lugares físicos. Esse

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processo cria novas formas de espacialização (produção social do espaço). Tenho mo-
nitorado a expansão das redes sem fio, dos telefones celulares e de todas as tecnolo-
gias e serviços baseados em localização no mundo e, particularmente, no Canadá e em
Edmonton. Já localizei algumas redes Wi-Fi com mais de 60 hotspots na capital de
Alberta. Embora a cidade não tenha planos imediatos para se tornar uma cidade sem
fio (projetos similares aos das atuais “cidades digitais”), há algumas iniciativas inte-
ressantes. A mais substancial é a da Universidade de Alberta, que quer implementar
em todo o campus redes Wi-Fi até 2008. Estou mapeando os projetos em andamento,
as discussões, principalmente da “Edmonton’s Next Generation” (esse grupo tenta de-
senvolver redes Wi-Fi e pensar o futuro da cidade) e no seu blog, o “Wi-Fi Edmonton”.
Espero também ter a oportunidade de visitar o “Banff Centre”, um dos mais impor-
tantes em arte e tecnologia do Canadá e do mundo, em Banff, cidade nas Montanhas
Rochosas próxima a Edmonton.

Acabo de saber, também pela internet, que para ter uma conexão de 25MB/s (sim,
25MB!!!!) mais TV a cabo, em casa, devo pagar algo em torno de CAD $100 (menos do
que pago aqui para 600kb/s mais a Sky), e que a região foi, muito tempo atrás, um par-
que de dinossauros. Edmonton tem um dos maiores complexos de compras e de lazer
do mundo, o “West Edmonton Mall”, considerado o maior do mundo, com zonas Wi-Fi

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por todo o gigantesco empreendimento. No excelente blog “MasterMag”, de um nativo
que voltou para a cidade em 1998, podemos ter uma ideia mais precisa da cidade.

Edmonton is the sixth largest metropolitan region in Canada according to the 2006 Cen-
sus, with a population of 1,034,945. It is also the northernmost North American city with
a metropolitan population over 1 million. The population density of the Edmonton region
is just 109.9 persions per square km. This is half the population density of the Calgary
region, 1/7 of the Vancouver region, 1/8th of the Montreal region, 1/2 the Ottawa region,
and 1/8th of the Toronto region.

Edmonton is home to West Edmonton Mall, North America’s largest shopping mall, and
the third largest in the world. WEM also holds the world record for the largest car park.
Edmonton receives 2,289 hours of sunlight each year, making it one of Canada’s sun-
niest cities.

There are more than 60,000 full time post-secondary students studying at schools in the
Edmonton area. A very impressive 66,000 new jobs are projected to be created in the
Edmonton region between 2006 and 2010. Edmonton did not make the 2006 list of most
expensive cities in which to live (the list contained 150 cities). Calgary, Vancouver, To-
ronto, Ottawa, and Montreal all made the list.
Edmonton was named the Cultural Capital
of Canada for the year 2007. The annual Fringe festival is the largest alternative theatre
event in North America.

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Edmonton’s 60,000-plus elm trees make up the largest concentration of disease-free
elm trees in the world. Alberta is North America’s only rat free area (not including the ter-
ritories). Edmonton has 225 kilometers of designated bikeways, and 41 off-leash parks
to walk with your dog. 
The River Valley park system is the longest urban park in North
America, 21.7 times larger than New York’s Central Park.

Edmonton is home to five professional sports franchises, including the very successful
Edmonton Oilers and Edmonton Eskimos. Air quality in Edmonton is rated as good (the
best level) at least 90% of the time for any given year. Edmonton leads the nation in
effective waste management. For example, the city’s curbside recycling program has
reduced by 60% the waste sent to landfills.


Edmonton is down right beautiful at times, as you can see in the thousands and thou-
sands of photos available at Flickr.

A partir dos próximos dias estarei postando diretamente de Edmonton, dando notí-
cias, falando das minhas impressões da cidade e mostrando o andamento da pesquisa.

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Quinta, 18 de outubro de 2007
Cheguei. Há dois dias no Canadá, tenho praticamente tudo resolvido. Tudo funcio-
na com uma eficiência inacreditável. No dia em que cheguei, saindo do aeroporto, fui
com Rob ao supermercado, depois abri uma conta no banco. Rápido e sem burocracia.
No dia seguinte, fiz o seguro saúde, vi meu escritório na Universidade, ganhei chaves,
ID cards da Universidade. No mesmo dia, já tinha, no apartamento, internet (10 MB
e não 25 por escolha minha), telefone, luz, TV a cabo, tudo. Obviamente, nada disso
seria possível sem a ajuda e a disponibilidade absoluta de Rob Shields e do pessoal do
departamento de sociologia, que me recebeu de forma muito amigável e prestativa.

Edmonton é uma cidade plana nas pradarias canadenses, com belas regiões por
perto. Os grandes carros dominam a paisagem. Com exceção do centro da cidade, ela é
cortada de norte a sul por ruas e de leste a oeste por avenidas – todas, ruas e avenidas,
numeradas, o que faz a localização ser muito fácil, embora não haja o charme de ruas
com nomes. Bairros residenciais com casas preenchem a paisagem. Poucas pessoas nas
ruas, poucos ônibus, e é difícil ver os táxis. Assustei-me ao andar na rua hoje. Passei
por várias ruas do meu bairro, mas só cruzei pouquíssimas pessoas no meu caminho
– uma ou duas, para ser mais preciso, em 30 minutos de caminhada. O centro da ci-

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dade tem mais movimento, vários cafés, livrarias, serviços gerais, shoppings, cinemas,
prédios altos de arquitetura moderna e um certo nervosismo com o movimento dos
bancos e das instituições financeiras. O domínio é da praça central, a Churchill Square.

A Universidade de Alberta não fica longe, e é possível ir de metrô ou ônibus ou uma


conjunção dos dois. Um ticket de CAD $ 2,75 vale para qualquer trajeto dentro de 2 ho-
ras. São apenas duas estações do centro. Da minha casa, tenho que pegar um ônibus e
depois o metrô. Em 30 minutos estou lá. A universidade é pulsante, tem uma excelente
estrutura e organização. O HUB, estrutura central que mais parece um shopping, liga
as residências dos estudantes com serviços gerais, além dos diversos departamentos
e faculdades. Tudo é feito para transitar por dentro dos prédios. Agora não faz muito
sentido, já que a temperatura está amena, mas dá para compreender as ligações inter-
nas e fechadas por causa das extremas temperaturas. No ano passado, chegou a -40 C.
O frio ainda não chegou e os dias estão belíssimos, um céu azul pérola, 12 graus e sol.

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Domingo, 21 de outubro de 2007
Aqui em Edmonton circulam vários jornais gratuitos distribuídos em caixas que fi-
cam no meio da rua. Há também os pagos, que você compra com moedas. Não há ban-
cas de jornais, só livrarias, que têm áreas para revistas. Os jornais gratuitos são muito
bons, com a programação cultural da semana e matérias sobre a cidade. Os mais in-
teressantes são o “See”, “24hours” e o “VueWeekly”. Há uma forte imprensa indepen-
dente que consegue manter essas publicações circulando livremente e com qualidade.
Não há nada parecido no Brasil. Hoje peguei o “Metro” e vi uma foto do rei Pelé que
me chamou a atenção. Trata-se de uma entrevista tipo “ping-pong” para “discutir” (!)
a democracia. A pergunta é “Why democracy?”. O Metro e a CBC (gigante da televisão
e radio pública Canadense, no modelo da BBC, de longe a melhor em jornalismo na TV
local) estão fazendo esse ping-pong com 10 pessoas famosas. Já passaram pelas ques-
tões Vivienne Westwood, Boutros Boutros-Ghali, Jesse Jackson, Margaret Atwood,
Bjorn Ulvaeus, Daniel Libeskind, Ken Loach e Naomi Klein. Para Pelé, a primeira per-
gunta foi: “Who would you vote for as president of the world?”. Pelé responde: “The
president of the world for who I’d vote is God, no question”. Ele só não disse qual Deus
seria, se o dos católicos, dos muçulmanos, dos judeus, hindus, budistas... A partir daí,
o que se entende por “democracia” pode variar bastante.

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Escada para a Ravine, Edmonton, Canadá, Outubro de 2007,
depois da visita ao Museu de História Natural de Edmonton.
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Terça, 30 de outubro de 2007
Ainda sem computador, começo a trabalhar efetivamente, e mais metodicamente,
na pesquisa. A Universidade de Alberta (UA) tem uma excelente biblioteca e me ofe-
rece todas as condições de pesquisa. Só para se ter uma ideia, em minutos fiz uma
pesquisa em suas bases de dados on-line, tanto de material on-line, como dos livros
disponíveis nas prateleiras, de casa. Reservei tudo pela rede e comecei a pegá-los nas
diversas bibliotecas do Campus. A coisa funciona assim: depois de uma reserva pela
internet, os livros ficam com uma etiqueta com meu nome em uma prateleira. Passo
lá, pego o livro, coloco-o em um sistema automático de empréstimo, passo meu cartão
(“One Card”, que serve para toda a universidade e pode ser até cartão de pagamento)
e estou liberado. Quantos posso pegar? Quantos quiser. Quando a biblioteca fica aber-
ta? Todos os dias (só fecha no natal). Quanto tempo posso ficar com eles? Um mês,
renovando sempre que quiser. Se alguém solicita o livro, eu recebo um e-mail pedindo
a devolução para evitar uma renovação. Uma fantástica estrutura. Para quebrar a mo-
notonia, saio de casa e vou trabalhar na biblioteca. Achei tudo o que procurava e estou
com mais de 20 livros me esperando. Tenho lido muito e isso me faz pensar como o
nosso trabalho de pesquisador e escritor exige tempo de maturação e reflexão. Estou

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tendo esse tempo e tenho avançado muito nas minhas reflexões. Para começar, estou
trabalhando com os seguintes livros:

View from Nowhere”, de Thomas Nagel, filosofia, sobre a nossa condição no mun-
do, nossa posição diante das coisas e os limites e tensões entre a objetividade (que
identifica assim o real) e a subjetividade, que não pode ser destacada da forma obje-
tiva de ver o mundo. Acabei de ler “Mobile Technologies of the City”, de John Urry e
Mimi Sheller, uma organização com vários artigos interessantes sobre locative games,
mobilidade, vigilância, redes Wi-Fi... Estou com o vol. 1, n. 1 da revista “Mobilities”
(Routledge) com artigos que tratam da mobilidade social, neo-nomadismo, locative
games, entre outros temas sobre a mobilidade. Comecei também o clássico “Social and
Cultural Mobility”, de Sorokin, e estou formulando melhor a noção de território com
a ajuda do básico, mas muito interessante, “Territory, a short introduction”, de David
Delaney. Os outros livros estão na minha sala no Space and Culture na UA. Ao mesmo
tempo, estou escrevendo e o plano é sair com um livro sobre o assunto daqui. Bom, e
para variar e não perder o hábito, leio o ultimo romance do britânico Graham Swift,
“Tomorrow”, e estou no meio de “O Passado”, de Alan Pauls.

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Minha pesquisa é sobre a questão da mobilidade, dos territórios informacionais e
das mídias locativas em interface com processos sociais e comunicacionais. Tenho de-
senvolvido uma reflexão sobre esse tema nos meus últimos artigos (http://andrelemos.
info/artigos/artigos.html) e o objetivo é aprofundar a discussão aqui no Canadá. Celu-
lar, bluetooth, etiquetas RFID, redes Wi-Fi, GPS, wireless games, etc., estão no cardá-
pio. Minha preocupação é estudar como essas tecnologias redefinem a mobilidade, os
territórios, as cidades e a comunicação na atual fase da cibercultura. Foi sugerido, em
uma dessas últimas leituras, um novo campo de investigação que seria o “urban new
media studies” ou “cybermobilities”. Acho que estou efetivamente trabalhando nesta
área de interesse. Comecei também a fazer ensaios fotográficos sobre as fronteiras dos
territórios que encontramos no dia a dia em Edmonton. Meu objetivo com as fotos é,
em primeiro lugar, ilustrar as minhas ideias e, em segundo, ajudar a conhecer a cidade.

Fronteiras definem territórios. Fronteiras físicas delimitam o território urbano, as-


sim como as novas fronteiras eletrônicas indicam territórios informacionais. Esta é a
minha tese de fundo. Temos hoje senhas de acesso, as formas eletrônicas, invasão de
territórios informacionais com novas formas de vigilância, monitoramento e contro-
le. Territórios são zonas de controle de fronteiras através dos quais a mobilidade e os
fluxos se exercem (em diferentes velocidades, formas de acesso, poderes e amplitude),

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e a forma de controle dessa mobilidade e dos fluxos pelos territórios é o que podemos
chamar de vigilância, monitoramento, controle: códigos de acesso em portas, tickets
eletrônicos do metrô, senhas para internet etc. são barreiras de acesso a territórios es-
pecíficos, tanto em territórios físicos, como eletrônicos (automatizados, feitos por sof-
tware que “escrevem a cidade”, sem intervenção humana, projetivo, etc.). E isso sem
falar em territorialidades simbólicas como a cultura, a política, a religião, a língua...
Assim, pensar território é pensar mobilidade e fluxo e é pensar também em formas
de controle e vigilância. Tudo está diretamente interligado (aqui, a “teoria” de Latour,
a saber, a de “atores-rede”, pode ajudar a compreender este novo fenômeno técnico).
Para pensar a mobilidade e os fluxos comunicacionais, devemos levar em conta não
apenas as territorialidades físicas, mas as novas formas de territorialidade, eletrôni-
ca, potencializadas pelas tecnologias e dispositivos de comunicação, começando pela
mass media e chegando hoje a uma radicalidade maior com o que venho chamando de
mídias de função pós-massiva.

Tem sido interessante também pensar mobilidade, território informacional e con-


trole de fronteiras em meio a minha nova situação: preso em diversas imobilidades.
Edmonton é uma cidade ampla, plana, com uma baixa densidade populacional, fria,
cheia de centros comerciais onde o que poderíamos chamar de espaço público, ou se-

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mi-público, se configura. Tirando o centro da cidade, só há mesmo pessoas nos centros
comerciais. A paisagem aqui é formada pelas muitas casas, alguns prédios no downto-
wn, ruas e avenidas numeradas em cortes simétricos, tendo o horizonte marcado por
um céu azul brilhante e automóveis que passam, param e seguem. Edmonton é uma
cidade onde o automóvel cria, inscreve e desfaz os lugares. Pensar território, movi-
mento e lugar aqui só faz sentido se pensarmos como o carro se configura com a forma
de leitura e apropriação da cidade. É com o carro que os edmontonians marcam a ci-
dade. O carro é aqui o software e o hardware de inscrição da cidade. Há transportes
públicos (ônibus e metrô) e poucos táxis. Os ônibus são uma opção, já que a cidade é
bem servida, funciona, e eles são rigorosamente pontuais, mas parece que todos optam
mesmo pelo carro, e não são simples carros, mas “big trucks”. Essa é a forma mais ex-
plícita de mobilidade por aqui. Ao menos aos meus olhos, ainda estrangeiros e distan-
tes. Praticamente não há metrô, apenas uma única linha que não cobre bem a cidade,
com 5 estações. Dei sorte, já que tenho um ponto de ônibus na porta de casa que me
leva a uma estação de metrô, e desta chego a Universidade. Não há troco nos ônibus:
você pode comprar cartelas no metrô, que servem, obviamente, para os ônibus. Levo,
ao todo, 35 minutos. De carro levaria 10 min.

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Já vemos aqui formas (poderes) e mobilidades diferentes instituindo uma tensão
entre mobilidade e imobilidade. Estou pensando as mídias, a cidade e a mobilidade
(meu objeto de pesquisa) estando, em vários sentidos, imóvel, ou com pouca mobili-
dade. Para Deleuze, a desterritorialização, a mobilidade total se dá com o pensamento.
Neste sentido, com tempo, calma e focado, estou bastante móvel, pois dedico meu
tempo a pensar meu objeto de pesquisa. Mas tenho diversas limitações de movimento.
Estou limitado na minha movimentação por não ter um carro (ir ao supermercado é
uma aventura), estou limitado também por não conhecer ainda os códigos culturais
(território identitário), estou limitado na minha habilidade discursiva, já que não es-
tou completamente móvel na língua (território lingüístico), estou limitado na minha
condição de estrangeiro, estou também sem celular e sem o meu laptop (território
informacional), tendo assim pouca mobilidade informacional. Pretendo, no entanto,
criar condições para me locomover melhor em todos esses domínios em um muitíssi-
mo curto prazo. No entanto, seria possível pensar a mobilidade em plena mobilidade?
Não seria a imobilidade, ou um limite da mobilidade plena, uma condição fundamen-
tal para pensar o seu oposto?

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Sábado, 03 de novembro de 2007
Está acontecendo aqui, de 1 a 4 de novembro, o Global Vision Festival, com filmes
de várias partes do mundo. O tema central é direitos humanos, a busca identitária,
o pacifismo e o meio ambiente. Assisti hoje dois filmes canadenses e gostei do que
vi: “Aboriginality”, de Dominique Keller, e “Place Between”, de Curtis Kaltenbaugh.
Ambos me remeteram a questões territoriais e vou resenhá-los rapidamente aqui.

Os dois filmes falam, cada um ao seu modo, de fronteiras, de limites, de territórios


– territórios culturais e identitários. O primeiro filme é uma animação de 5 minutos,
muito bem realizada, mostrando um garoto assistindo a um clipe de hip hop cujo
cantor é um aborígine. Como que por mágica, o garoto é transportado através da tela
da TV para o mundo do aborígine. Ele espreita na mata o guerreiro que agora canta
sua musica ancestral. A tela da TV é aqui um portal que envia o telespectador para os
limites da cultura, fundindo tradição e modernidade, mostrando o aborígine cantan-
do hip hop (uma forma de atualização de sua musica ancestral) e, depois, o mesmo
aborígine em sua terra natal, cantando para os deuses. Vemos claramente as frontei-

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ras dos territórios culturais, da magia ao moderno, do canto ancestral ao hip hop, da
cultura pop e do videoclipe.

O segundo filme é a busca do autor para reencontrar sua família e reconstruir sua
identidade, em uma viagem para compreender a sua condição no mundo depois da
adoção por uma família americana. De origem indígena canadense, o autor foi adotado
com 7 anos por uma família americana, já que sua mãe estava envolvida com alcoolis-
mo (a relação índios e alcoolismo parece ser mesmo um problema global) e não tinha
condições de criá-lo – nem ele nem seu irmão, que também fora adotado e que na épo-
ca tinha quatro anos. O autor organiza um encontro das duas famílias em Winnipeg,
no Canadá. O filme intercala imagens externas com imagens mais subjetivas que o
autor faz com sua câmera portátil. Apesar de todas as dores, o filme mostra o encontro
emocionante das famílias, coordenado por uma espécie de xamã local. Nesse caso, o
autor busca reconstruir seu território subjetivo, sua identidade, passeando pelo espaço
in between de sua condição de índio, canadense e americano. Ele busca compreender
sua origem e seu futuro nessa fronteira entre a família de sangue e a família adotiva
que se reencontram para criar um território, nesse “lugar intermediário”.

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Sábado, 05 de
novembro de 2007

Ao lado uma zona de livre


acesso Wi-Fi em Edmonton.
A maioria dos cafés, shoppin-
gs e hotéis oferecem conexão,
mas mediante pagamento a
um provedor. Hoje, andan-
do no centro, vi esse cartaz
anunciando um hotspot pú-
blico na Churchil Square...
Não vi ninguém acessando e o
frio é mesmo desestimulante,
mas parece haver algum es-
forço da cidade nesse sentido.
Rede Wi-Fi pública e livre na
Churchil Square, centro de
Edmonton, Outono 2007

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Quarta, 07 de novembro de 2007

Salvador, Capital Cultural Global

Alguns rápidos comentários sobre a palestra de Rob Shields hoje sobre o tema “Ca-
pitais Culturais Globais, o caso de Salvador”, no Art Building da University of Al-
berta. O argumento mais interessante desenvolvido por Shields foi a relativização do
que seriam “cidades globais”. Muitos autores contemporâneos identificam as cidades
globais (NY, Tóquio, Londres) a partir do fluxo financeiro, informacional e pelo peso
de instalação de companhias globais (Sassen). Embora estes princípios estejam sem-
pre atrelados a dinâmicas sociais e culturais (não podemos dizer que Tóquio, NY, ou
Londres não sejam capitais culturais globais), pode-se levantar a hipótese de que seria
possível pensar em capitais culturais globais sem que as mesmas tenham, necessaria-
mente, a presença pesada de fluxos (financeiros, científicos, informacionais) ou em-
presas globais. Este ponto é interessante e mereceria mais investigação. Poderíamos
pensar, segundo Shields, em Viena, Buenos Aires, Moscou, Machu Pichu... nesses ter-
mos. Shields tentou, a partir daí, discutir a posição de Salvador, identificando, ao mes-
mo tempo, traços de globalização cultural e problemas de posicionamento da cidade

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em relação aos padrões de globalização. A discussão foi interessante, principalmente
por Salvador, de alguma forma, parecer recusar participar dessa dinâmica global (em-
bora os governantes e fazedores de política queiram isso a todo custo, para dinamizar
a cultura, a sociedade, o turismo, a economia etc.). Há algumas evidências dessa falta
de interesse, digamos assim, para entrar na globalização: não há turismo efetivamente
global, os serviços são ruins, o transporte deficiente, muita violência e insegurança,
não se fala inglês, não se encontram muitas informações em outras línguas (não é fácil
achar, por exemplo, na Casa de Jorge Amado, livros do próprio em inglês), etc. Talvez
isso se dê pela mistura de narcisismo e provincianismo do baiano, que, na realidade,
já se acha no centro do mundo, o berço mesmo da globalização: “cidade da alegria”, “o
baiano não nasce, estreia”, e outros clichês do gênero. Há também o lado da resistência
(embora involuntária) em participar desse “padrão de globalização”. Uma resistência
contra-cultural, no caso, contra os padrões da globalização: a cultura baiana se basta,
já que tem a melhor comida, a melhor música, as melhores praias... Não falei nada e
me limitei a apreciar, como brasileiro e morador de Salvador, a curiosidade e a visão
“global” de estrangeiros sobre a nossa cidade (visão totalmente legítima e bem verda-
deira, na minha opinião). Aproveitei para curtir o espetáculo de estar quase no pólo
norte, em Edmonton, a 2 graus com um céu cinza, cercado por canadenses, asiáticos,

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russos, ouvindo Rob falar de candomblé, do sol, das praias, do acarajé, das favelas e
dos orixás... Uma delícia! Eles viam Salvador de forma “ex-ótica”... e, da mesma forma,
eu os via! E isso não tem nada de depreciativo. Um bom papo e uma boa discussão que
me fizeram pensar no que pode significar “casa”, “lar”, “território”!

Sábado, 10 de novembro de 2007


Passei o dia todo no Art and Science Symposium. As discussões pela manhã me
cansaram, mas a tarde foi bem legal. Primeiro houve uma discussão sobre a questão do
“tangível e do intangível”, do atual, do virtual, da materialidade, da imaterialidade. De-
pois, fui até a minha sala na Universidade e cruzei com duas coisas estranhas: primeiro
um cartaz no ponto de ônibus avisando que acharam um iPod... Para devolver!!!! De-
pois me deparei com algo branco brilhando no asfalto, e, chegando mais perto, vi que
era isto. E, para relaxar, fui ver um Andy Warhol na Alberta Art Galery em exposição
sobre a Pop Art. Depois, voltando para casa, desci do ônibus bem antes do meu ponto e
fui andando pela interessante 124th Street (vários restaurantes gregos, cafés, galerias e
uma loja especialista em quadrinhos em um shopping comercial). Andando, me depa-

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rei com abajures gi-
gantes no meio de
uma passagem. Ah,
já ia esquecendo.
Ontem duas noti-
cias bizarras na TV:
uma campanha para
diminuir a violên-
cia aqui (???) com o
paradoxal nome de
“fight violence”... E
o aviso que coiotes
estão ameaçando os
corredores no vale.
Cidade bizarra!

Cream alimentando
o asfalto!

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Anotações Urbanas em Edmonton

No centro da cidade, saindo da minha aula de inglês, anotações urbanas em tapu-


mes, territorialização no espaço público.

Arte urban
nas ruas de a
Edmonton

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Domingo, 25 de novembro de 2007
Passando o primeiro mês aqui em Edmonton, ainda não me sinto muito à vontade
para fazer análises mais profundas sobre a cidade, sobre as formas de sociabilidade, o
espaço e o uso das tecnologias. Mas algo tem me chamado a atenção: a obsessão por
segurança. Tudo gira em torno disso: dirigir, atravessar a rua, comprar comida, viajar,
usar o computador, tudo... A palavra “segurança” aparece freqüentemente nas peças
publicitárias, refletindo mesmo o estado das coisas por aqui, e mesmo o supermerca-
do chama-se “Safeway” (embora seja britânico). A pré-ocupação (já que pensar em
segurança é de alguma forma estar sempre no futuro) às vezes me incomoda e chego
mesmo a sentir falta e apreciar a nossa (brasileira) completa vivência no aqui e agora,
no presente urgente, sem qualquer garantia de segurança, se arriscando o tempo todo.
Vejam só o paradoxo. Nós, que temos violência, ausência completa ou eficiente de pa-
drão de qualidade em objetos, máquinas e mesmo alimentos, não nos preocupamos
muito com a segurança. Aqui em Edmonton, onde o índice de criminalidade é baixís-
simo e os padrões de qualidade altíssimos, há uma verdadeira paranóia em relação a
esse tema.

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Lendo o jornal gratuito e cultural See, deparo-me com uma matéria sobre controle de
acesso de pessoas em bares. Agora, para entrar em alguns estabelecimentos, é obrigató-
rio o “scanning” dos documentos de identidade com o sistema “BarLink”. A discussão,
como sempre, é entre o limite legal da exigência e a segurança. Parece ser exagero reter
informação pessoal para entrar em um bar e tomar uma cerveja. Bom, segundo alguns,
a exigência seria mesmo ilegal, já que ninguém deve ser obrigado a fornecer seu nome
de família, identidade e um documento para passar em um scanner que irá reter esses
dados em bancos de dados ligados à polícia. Claro, pode-se pedir para ver a idade das
pessoas para entrar, para evitar a entrada de menores. Dizem que, se você quiser, é
possível pedir para tirar o seu nome do sistema, mandando um e-mail ou ligando para
a empresa. A questão é a segurança, e vários depoimentos na matéria ressaltam isso.
Por exemplo, a dona do Pub Druid, na Jasper Avenue - avenida que cruza o centro da
cidade que não enfrenta problemas no seu estabelecimento, pensa no futuro e diz: “just
because something hasn’t happened doesn’t mean something won’t happen. It’s a pre-
emptive planning”. Uma freqüentadora de bares concorda e afirma que ela “woundn’t
enter a establishment that didn’t have BarLink, because of safety concerns. She says
troublemakers go to clubs that don’t scan Ids”.

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Estou tocando nesse assunto porque essa questão é central para a discussão sobre
“territórios informacionais”. Busco entender esses novos territórios em relação aos
espaços de lugar das cidades e o uso das tecnologias móveis e processos com as mí-
dias locativas. Li recentemente o livro “Human Territoriality: Its theory and History”
(Cambridge University Press, Cambridge, 1986) de Robert Sack, fundamental para
compreender a territorialidade humana. Penso que as novas formas de controle eletrô-
nico de pessoas e de objetos reforçam a ideia de um território informacional ameaçan-
do a privacidade e o anonimato. Sack diferencia, em primeiro lugar, a complexidade da
territorialidade humana daquela da vida animal. A humana seria intencional, comuni-
cativa, de historicidade aberta, criadora de instituições, abstrata e vinculada ao exer-
cício do poder, sendo assim não apenas naturalmente motivada, não instintiva, mas
principalmente “socially and geographically rooted”. Para Sack, a territorialidade hu-
mana é uma “powerful strategy to control people and things by controlling area”. A
territorialidade humana é um meio indispensável para o exercício do poder em todos
os níveis. A territorialidade humana é “a control over an area or space that must be
conceived of and communicated’. Territoriality in humans is best understood as a
spatial strategy to affect, influence, or control resources and people, by controlling
area”. Aqui em Edmonton, a obsessão pela segurança é uma forma de aceitar esse exer-

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cício do controle (como Deleuze,
controle na mobilidade) de bom
grado, de se sujeitar aos novos po-
deres exercidos dentro desses ter-
ritórios informacionais. A questão
é assim social, política, estética
e tecnológica, se é que podemos
separar estes termos. A defesa
da privacidade e da segurança é
fortíssima. Para terem uma ideia,
ontem, quando fui pegar livros na
biblioteca, vi os que estavam sepa-
rados para mim e fiquei olhando
os outros livros na estante espe-
rando os outros usuários. Rapida-
Territorialidades Urbanas. mente uma bibliotecária chegou
Skatistas, não ultrapassem
esse limite
junto a mim e disse que eu não
poderia ficar olhando os livros,

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que não poderia ficar “bisbilho-
tando” o que as outras pessoas
estão pegando. Fiquei surpreso
já que só olhava os títulos e não
os nomes das pessoas que os re-
servaram. Mas gostei da defesa
da privacidade e do anonimato,
tão ameaçados hoje em dia. Na
sequência, fotos sobre os terri-
tórios, as bordas e as fronteiras
que cerceiam meus movimentos
na cidade. Esses territórios apa-
recem fisicamente e mais clara-
mente no nosso dia a dia, mas
há os menos visíveis, os eletrô-
nicos-informacionais.
Ave. of Nations, Edmonton

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Quarta-Feira, 28 de Novembro de 2007
Pensar hoje temas como comunicação, espaço, lugar e território torna-se central para
compreender o que está em jogo na interface atual entre vida social e espaço urbano mi-
diatizado pelas novas tecnologias digitais móveis. A relação do lugar com as mídias sem-
pre foi problemática, já que vários estudos apontam para a tendência das mídias de massa
para a destruição das relações sociais autênticas, do sentimento comunitário, do face a
face... elas destruiriam assim o “lugar”, essa parte socialmente construída do espaço. A
globalização e as novas tecnologias do ciberespaço estariam agora soterrando definitiva-
mente o lugar. A mobilidade (de pessoas e de informação) ameaça o lugar, já que este é
majoritariamente visto como ponto de fixação, de enraizamento (podemos colocar aqui
Tuan, Lefebvre, Harvey, Augé). Os fluxos apagam, destroem, enfraquecem os lugares.
Como podemos pensar isso hoje, nas sociedades avançadas e na era dos fluxos globais de
informação, pessoas, mercadorias e capital?

Os “lugares” só existem nesse movimento de fluxos, e isso sempre aconteceu, com todos
os lugares, em todas as épocas. Apenas uma visão mais nostálgica vê o lugar como centro
comunitário, a casa, a família (muitos estudos culturais feministas questionam essa visão
de lugar desenvolvida até meado dos anos 80). Os lugares são espaços de sentido, for-

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mados por diversas tensões e linhas de fluxo que os compõem. Vejam por exemplo os
bairros do Rio Vermelho, em Salvador, de Copacabana, no Rio de Janeiro, ou da Vila
Madalena, em São Paulo, apenas para citar o Brasil. Eles não são lugares estáticos,
de vínculo enraizado de uma comunidade, mas, pelo contrário, ganham o status de
“lugar” justamente por serem formados por uma miríade de tensões, fluxos, comu-
nicação, entrecruzamentos corporais, sonoros, visuais, étnicos, sexuais – que, embo-
ra sejam fluxos diversos, criam efetivamente a ideia de um lugar, um pertencimento
dinâmico. Embora fluxos, Copacabana, Rio Vermelho e Vila Madalena são lugares,
já que constituídos por dinâmicas sociais e históricas próprias. Podemos dizer, como
hipótese ainda, que as diversas experiências com as mídias locativas estão criando no-
vas significações no espaço urbano, produzindo novas e reforçando antigas “localida-
des”, e não simplesmente as destruindo. Esse é o interesse em se pensar o “território
informacional” como um “território” formado por fluxos eletrônicos em meio a outras
formas de territorialização que se enraízam em espaços sociais criando, transforman-
do, consolidando “lugares”. Como afirma Pred, “places are never ‘finished’ but always
‘becoming’. Place is what takes place ceaselessly, what contributes to history in a spe-
cific context through the creation and utilization of a physical setting” (Pred, 1984).

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Os lugares (e diria mesmo todos, não só os
atuais) nunca estão finalizados, acabados, “pau-
sados” como diria Tuan, mas estão sempre na
tensão entre “virtualização”, a fuga, o movimen-
to, o fluxo, e atualização, a territorialização e o
enraizamento. Ele é sempre um resultado de
mobilidades, de fluidez entre membranas, de
tensões em suas diversas territorialidades. O
lugar não é a fixação do movimento, mas uma
atualização temporária de uma virtualidade in-
findável que o transforma e o caracteriza como
“evento” (Escobar, Massey, Thrift) e não como
“ponto”. Aqui em Edmonton, vemos claramen-
te esses entrecruzamentos na White Avenue, na
Jasper Avenue no centro da cidade, em alguns
O “lugar” Old Strathcona pontos perto da Ravine. As cidades se consti-
na White Avenue,
tuem nesse fluxo de tensões territorializantes e
Edmonton
desterritorializantes.

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Café Dabbar, meu lugar na
White Avenue, primeira
neve em Edmonton

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Fluxo na noite na White Avenue,
o lugar mais dinâmico de Edmonton

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Terça, 04 de dezembro de 2007

Derivas e GPS

Pensar os lugares é pensar a mobilidade e a dinâmica dos fluxos. Começo aqui a


testar algumas derivas com GPS e mapeamento dos meus percursos com o Google
Earth e o Google Maps. Estou usando um GPS Data Logger, o WBT 100 (minúsculo,
do tamanho ou menor que um Zippo, deve ter 6 x 2,5 cm) que coloco no bolso, ligo,
saio ando e ele registra meus passos. Ele é ao mesmo tempo bússola, GPS (latitude,
longitude, altura, direção, velocidade do deslocamento) e logger, isto é, grava os dados
do deslocamento. Depois, passo esses dados (pode ser em formato para Google Maps,
Google Earth ou outros) para o laptop (por bluetooth). Posso também ir navegando em
tempo real com ele acoplado ao laptop (mas ainda não testei isso, pois não achei ma-
pas gratuitos daqui). Fiz algumas fotos do percurso (com uma Kodak M883 de 8MP) e,
com o Photo GPS Editor, indexei as fotos aos pontos – e aí está!

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Abaixo o meu percurso da Universidade de Alberta para a White Ave (a pé e de ôni-
bus), e o histórico bairro de “Old Strathcona” com algumas fotos. Este deslocamento
mapeado e geolocalizado é para mim uma forma de conhecer melhor a cidade e de
criar sentido neste lugar. Não é por acaso que inúmeros projetos com as mídias locati-
vas utilizam escritas e desenhos com GPS. Os primeiros artistas usavam justamente os
GPS (em uma apropriação de uma tecnologia militar) para desenhar (o GPS Drawing
do pioneiro Jeremy Wood, ou as derivas de alguns cidadãos no Amsterdam RealTime,
de Esther Polak). Retornamos assim a praticas artísticas que buscam fazer do andar
uma arte e criar sentido ao urbanismo racionalizante, como a deriva e a psicogeografia
dos dadaístas, surrealistas e situacionistas. Alguns projetos com as mídias locativas
parecem estar em busca do “urbanismo unitário”.

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Ciberflânerie, disponível em:
http://ciberflanerie.blogspot.com

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Old Strathcona

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Sexta, 07 de Dezembro de 2007
Ontem no ônibus, na hora do rush
(aqui é às 16h), muitos usavam lap-
tops, consoles de games, celulares
com ou sem GPS. Só à minha volta,
tinha um rapaz com um MacBook,
um outro jogando no console de ga-
mes, uma mulher na minha frente
usando o GPS no celular (não conse-
gui fotografar) e um terceiro checan-
do e-mail no Blackberry... Lugares de
mobilidade física que são, de agora
em diante, lugares de mobilidade in-
formacional. Ônibus, trens, aviões e
navios ou ferries seriam as novas he-
terotopias por excelência, para usar
Zôo em Edmonton o termo de Michel Foucault. Voltarei
mais adiante a este ponto.

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Quinta, 13 de Dezembro de 2007

Telus, World of Science,


Edmonton

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Domingo, 15 de Dezembro de 2007

Snow Valley

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Quarta-Feira, 02 de janeiro de 2008
Há alguns meses na cidade de Edmonton posso afirmar que é difícil pensar o espa-
ço público onde reina o automóvel e onde o frio coloca as pessoas sempre em zonas
comerciais fechadas, circulando por “pedways” (passagens de pedestres por pontes fe-
chadas ou lugares subterrâneos). Apesar disto, há na cidade vários hotspots (em cafés
e nos centros comerciais), uma certa cultura dos games, algumas zonas Wi-Fi livres,
celulares 3G e smartphones, – mas a cidade está longe de ser uma cidade pulsante
em termos de cibercultura ou de socialidade tout court. Ontem, os edmontonianos
bateram um record e entraram para o “Guinness” em termos de sociabilidade on-line.
Foi criado um blog onde (apenas) 100 pessoas colocavam seus desejos para a cidade
em 2008, em 3 horas. A ideia é discutir a localidade e divulgar a potência e a facilida-
de dos blogs como ferramenta informativa e de sociabilidade. A ação criou uma nova
categoria e, logo, um novo record. Não entendi muito bem qual seria o interesse, mas
a “operação” foi feita para entrar no livro e incentivar os blogs por aqui. A matéria do
“Edmonton Journal”, “Bloggers set world record to gain skills”, mostra o “feito”. Re-
fletindo sobre esta questão, post do “Space and Culture”, “Winter is Public” argumen-
ta que, aqui em Edmonton, o espaço público é o ciberespaço, já que os edmontonianos

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discutem muito a cidade em fóruns como o “Connect2edmonton”. Vejam trechos dos
posts no Space and Culture:

(...) But there is a further question - one may assume that Edmonton streets emptied by buildings
being interconnected by overhead ‘pedways’ reflect a lack of interest in the cities public spaces.
The paradox is that the public sphere is online: Edmontonians are the most vocal, engaged
and opinionated population I’ve ever encountered when it comes to the city and its spaces (...)
(R.Shields)”.

Quinta-feira, 03 de janeiro de 2008


It’s gone three A.M. It’s getting closer. Not ‘tomorow’, I can’t play that trick on myself for much
longer. Today, today: the soft drumming of the rain seems to be saying it over and over (...)
Hapiness breeds hapiness: it’s as simple as that? It’s not biology, but it’s the best and the
soundest system of reproduction...” (Graham Swift, “Tomorrow”, Random House, CA, 2007).


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Domingo, 06 de janeiro de 2008

Jasper Lodge,
congelado!
apreciando o lago

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Sábado, 12 de janeiro de 2008
Dois dias nas montanhas de Jasper ajudam a descomprimir: rios, geleiras, lagos
congelados, coiotes, renas, grutas..., realmente um lugar sublime, no sentido kantiano
do termo. Paisagens que nos arrebatam em suas belezas e dimensão e nos colocam no
nosso verdadeiro lugar; um nada na imensidão da natureza. Li uma crítica do livro
“Surfacing” (1973), de Margaret Atwood, em que ela defende a tese de que os canaden-
ses se sentem “vitimas da natureza”. Aqui dá para entender o que isso pode significar.
Vemos pequenas cristalizações sociais, pequenos lugares onde o espaço gigantesco e
ameaçador pela sua beleza radical reina. Sintomaticamente perdi meu GPS tracker!

A cidade de Jasper é pequena, cravada no pé das Montanhas Rochosas, mas simpá-


tica com toda a infraestrutura. Voltarei com certeza no verão para ver a mudança da
paisagem. Aqui foi um tempo de esqui, de conhecer o “Maligne Cagnon”, geleiras an-
cestrais, de circular pela cidade e ver os animais, como renas. Dias maravilhosos, frio
intenso, alguma neve e muita, muita alegria e contato íntimo com a natureza. Na foto
abaixo, lugares reescritos pelas práticas quotidianas, o andar como forma de escrever
o espaço (Michel de Certeau).

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Invenção do Quotidiano.
Em Jasper, passantes escrevendo
seus próprios caminhos.

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Segunda, 21 de janeiro de 2008
Mesmo no frio e com dificuldade de locomoção, fiz muitas flâneries por Edmonton.
Saía andando independente do tempo lá fora. As fotos abaixo mostram imagens de
algumas caminhadas.

Cemitério, Edmonton

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Cemitério, Edmonton

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Paisagem sublime com a Lua
em Edmonton

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Domingo, 27 de janeiro de 2008
Inverno rigoroso, frio glacial. Da minha janela, já não se veem mais as fronteiras do
jardim, da calçada e da pista. Chegando a -43oC com o Wind Chill.

Vista da janela

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Segunda, 28 de janeiro de 2008

Falling Man

Estou lendo o novo livro de Don DeLillo, “Falling Man” (NY, Scribner, 2007), sobre
os acontecimentos do 11 de setembro. É interessante como o livro parte de uma foto,
que vira uma história publicada em uma revista, que se desdobra em documentário
e que é agora personalizada em um artista-performer fictício homônimo criado por
DeLillo. Recursividade multimidiática: Fato - Foto - Ensaio para revista - Filme docu-
mentário TV - Romance. Será possível assim digerir o acontecimento?

Explico. Inicialmente, “Falling Man” é o título de um ensaio publicado na revista


“Esquire” a partir da fotografia de Richard Drew, tirada em 11 de setembro, às 9:45h.
A foto de um homem se jogando do WTC em chamas foi considerada chocante, voyeu-
rística e, posteriormente, boicotada pela imprensa americana. Essa imagem, e o ensaio
da “Esquire”, deram origem a um documentário para a TV, o “9/11: The Falling Man”,
de Henry Singer (2006). Agora, Don DeLillo vai adiante e desdobra o imaginário em
seu novo romance. Ele cria o artista performático “Falling Man” que se pendura de ca-

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beça para baixo nas ruas de Manhattan para chamar a atenção sobre as pessoas que se
atiraram das torres em chamas como um “homem aranha”: “She’d heard of him, a per-
formance artist known as Falling Man. He’d appeared several times in the last week,
unannounced, in various parts of the city, suspended from one or another structure,
always upside down, wearing a suit, a tie and dress shoes...” (p. 33).

Esse é o primeiro romance que leio sobre o 9/11 (li o “Brooklyn Follies”, de Paul
Auster, que toca no assunto, mas não de forma tão direta quanto o DeLillo). DeLillo
cria uma personagem que simboliza a vertigem desse início de século e de milênio sob
o signo do desmoronamento, do terrorismo global e do medo do futuro. Ele cria um
curto circuito entre os fatos e as diversas modalidades midiáticas que representam/
produzem o real (o fato, a TV, a foto, o ensaio, o documentário, o romance) para, quem
sabe, fornecer releituras da realidade que possam criar sentidos. Em “Falling Man” es-
tamos no centro dos acontecimentos, em meio a poeiras e fumaças que não nos deixam
ver claramente o futuro.

- What is next? Don’t you ask yourself? Not only next month. Years to come.

- Nothing is next. There is no next. This was next. Eight years ago they planted a bomb
in one of the towers. Nobody said what’s next. This was next. The time to be afraid is
when there’s no reason to be afraid. Too late now.”

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Terça, 29 de Janeiro de 2008
Passei hoje o dia trabalhando com alguns livros sobre a questão do lugar, das mídias
e das relações sociais. Revi, a partir de uma bibliografia mais atual sobre o tema, o “No
Sense of Place”, de Joshua Meyrowitz (tinha lido em 1993), que retoma a sociologia
situacionista de Goffman e cruza com a teoria das mídias de McLuhan para pensar os
novos comportamentos sociais em relação à evolução das mídias eletrônicas. Como
estou falando em “território informacional” e “territorialização”, vou no sentido con-
trário dos que pensam que o lugar perde sentido e que as cidades viram apenas fluxos
informacionais desprovidas de sociabilidade. Estou trabalhando no sentido oposto,
vendo formas de “localização”, “territorialização” e controle informacional. Meyrowitz
escreve basicamente sobre a televisão e a cultura impressa para comparar e mostrar
como as “mídias eletrônicas” (a TV, o rádio, os computadores - ele coloca tudo no mes-
mo “saco”) modificam as relações espaciais, alterando padrões de comportamento. A
discussão me é útil para pensar as mídias locativas. Sua compreensão de lugar me
parece hoje equivocada (melhor do que falar em “no sense of place”, seria dizer “new
sense of place”). Bom, o livro é de 1985, antes da popularização da internet e muito

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antes do impacto das tecnologias móveis e do surgimento de novas tensões espaço-
temporais.

Escrevi algumas páginas sobre o tema tendo como companheiros E. Goffman e M.


McLuhan. Sem saber, os fantasmas estavam bem aqui perto. Tomo coragem e saio, na
temperatura e vento glaciais, para um café com Rob Shields no centro da cidade. Con-
versávamos sobre minhas leituras e, ao mesmo tempo, navegávamos em um palm com
GPS, pelo Google Maps, quando ele me diz que a duas quadras de onde estávamos se
situa o lugar onde McLuhan nasceu, e que Goffman também nascera aqui em Edmon-
ton (na realidade Goffman nasceu em Manville, aqui próximo). Minha ignorância me
levou à surpresa, já que ambos me fizeram companhia nesta manhã gelada de -30 C.
Perguntei se havia alguma placa e a resposta foi negativa. Não há nenhuma indicação
do lugar de nascença de dois dos mais importantes pensadores da sociologia e da co-
municação contemporâneas (bom, parece que há agora um projeto para que uma “pla-
ca virtual” seja indexada aos locais no futuro). Interessante ver como personalidades
de uma cidade podem ser “esquecidas”. Talvez seja também sintomático que as ruas
não tenham nomes, elas são apenas números, como se não houvesse heróis ancestrais,
legítimos ou forjados, para serem lembrados. Curioso também constatar como uma
cidade onde prevalecem os grandes espaços vazios, a circulação automobilística e o

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frio intenso possa ter gerado dois acadêmicos que vão justamente pensar a “ecologia
da comunicação” e as relações face a face, a microsociologia do quotidiano. Esse lugar
frio e vazio ganhou para mim “a new sense of place”!

Domingo, 03 de fevereiro de 2008

Fronteiras

Ontem, andando em Old Strathcona, encontro uma pequena reunião em praça pú-
blica contra a ocupação da faixa de Gaza. Algumas faixas, pessoas subindo no palan-
que, um lindo céu azul e um frio de rachar... Remissão à questão do lugar, dos territó-
rios, das fronteiras, do espaço público, das faixas... Veja a foto acima.

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Segunda, 04 de fevereiro de 2008
Para começar a semana: “Os factos só são verdadeiros depois de serem inventa-
dos”. Crença de Tizangara no divertido e sarcástico “O último vôo do Flamingo” de Mia
Couto (Cia das Letras, 2000).

Quarta, 06 de fevereiro de 2008

Nano World!

Visitei hoje o “National Institute for Nanotechnology”. Vejam os dados para terem
uma dimensão da coisa: “the $52.2 million, 20,000 square metre building is one of
the world’s most technologically advanced research facilities and houses ultra quiet
laboratory space - the quietest such space in Canada”. O centro fica aqui na Univer-
sidade e é um dos mais importantes do mundo em pesquisas na área do infinitamen-
te pequeno. Um prédio de última geração, com equipamentos que dão abrigo a um
pool de empresas incubadoras, em parceria com a universidade e o governo, para os

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avanços nas aplicações tecnológicas nesse campo (tecidos, medicina, telecomunicação,
computadores, materiais). A visita foi no bojo das discussões do seminário coordena-
do por Rob Shields sobre “Visibilidade e Materialidade”, justamente aqui onde nada
se vê. Vimos algumas imagens que são representações e simulações dos fenômenos
nano-microscópicos e não pudemos entrar nos laboratórios por medidas de seguran-
ça e para não interferirmos nos experimentos. Aqui a matéria (e o seu status) está
em jogo no nível subatômico. A discussão do seminário ficou centrada (para resumir
grosseiramente) na economia política da nanotecnologia, na inovação científica e tec-
nológica, no domínio da ciência e da técnica sobre o mundo exterior. Trata-se de um
novo paradigma científico (teorias dos quanta, probabilidade – diferente do paradig-
ma mecânico newtoniano), mas efetivamente de uma mesma dinâmica tecnológica (a
nanotecnologia é a aplicação técnica dos princípios da nanociência), ou seja, de fazer,
no nível micro, o que a humanidade persegue no nível macro desde a sua existência:
transformação da natureza, criação de novas espécies e formas de vida, busca de po-
der, de controle e de consumação desse desejo de “sair de si”.

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Quinta, 07 de fevereiro de 2008

Fatos, Entidades e Sentimentos

Passei o dia todo lendo Alfred Whitehead para compreender melhor a dinâmica do
atual, do potencial, do fluxo e dos “afetos”. Isso pode ajudar a entender a dinâmica
sócio-comunicacional das mídias pós-massivas e das tecnologias da mobilidade nas
cidades contemporâneas. O que são os lugares, “an actual entity”, senão processos,
linhas de fluxo, “eventos”? Como percebemos, “sentimos” essas entidades atuais e a
própria dimensão do “urbano” (o virtual, a potência da concretude das cidades) hoje
com as tecnologias móveis? Como a cidade concreta, o processo das coisas atuais, é
subjetivizada na sensação (“feeling”) do urbano e como esse “feeling” influencia os
processos sociais e comunicacionais? Deixo algumas citações de Whitehead para fina-
lizar esse dia e sair para “sentir” o que pulsa lá fora!

The general principle will be termed the ontological principle. It is the principle that
everything is positively somewhere in actuality, and in potency everywhere (...). Each
actual entity is conceived as an act of experience arising out of data. It is a process of
‘feeling’ the many data, so as to absorb them into the unity of one individual ‘satisfac-

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tion’. Here ‘feeling’ is the term used for the basic generic operation of passing from the
objectivity of the data to the subjectivity of the actual entity in question. Feelings are
variously specialized operations, effecting a transition into subjectivity. (...) An actual
entity is a process, and is not describable in terms of the morphology of a ‘stuff’”(p.54).

“All actual entities in the actual world, relatively to a given actual entity as ‘subject’, are
necessarily ‘felt’ by that subject, though in general vaguely. An actual entity as felt is said
to be objectified for that subject” (p. 55)

“There is nothing in the real world which is merely an inert fact. Every reality is there for
feeling: it promotes feeling; and it is felt.” (p. 364)

(Alfred North Whitehead, Process and Reality, Collier-Macmillan, Toronto, 1969)

Quarta, 13 de fevereiro de 2008


Dias muito ocupados por aqui – preparando uma ação de “escrita invisível com
GPS”, o que estamos chamando de “Writing Edmonton - SUR-VIV-ALL” para ama-
nhã, dentro do que o Jeremy Wood chamou, desde o começo dos anos 2000, de “GPS
Drawing”. É a primeira ação desse porte por aqui. Estou fazendo o projeto para testar

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as teorias referentes ao uso das mídias locativas e do uso do espaço urbano, e também
just for fun! Na próxima semana devo colocar resultados, textos, reflexões e mais de-
talhes no Carnet de Notes.

Tomei uma decisão importante neste mês e vou passar cinco meses em Montreal
como pesquisador visitante dentro do meu programa de pós-doutorado na Faculdade
de Comunicação da McGill. Isso não estava nos planos, mas decidi visitar uma outra
universidade, expandir os contatos e conhecer melhor o Canadá, de oeste a leste. Fui
convidado pelo colega e amigo Will Straw para ficar no Departamento de Comunica-
ção dessa universidade. Já conheço Montreal (estive lá diversas vezes para participar
de eventos acadêmicos), mas nada como morar na cidade para ter uma melhor ideia
dessa região particular do Canadá, o Québec. Mas para não passar em branco o dia de
hoje, como prometido, listo uma bibliografia do que li desde que cheguei aqui na Uni-
versidade de Alberta e que desenvolverei nos próximos meses na McGill University em
Montreal. Os assuntos que mais pesquisei foram sobre “território”, “lugar”, “geografia
da comunicação” e “mobilidade”, como vocês podem ver nas referências bibliográficas.

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Quinta, 14 de fevereiro de 2008

SUR-VIV-ALL e Areias

Realizamos hoje o primeiro GPS drawing e mapeamento por “wardriving” de


hotspots (abertos e fechados) em Edmonton, SUR-VIV-ALL, tendo como base o li-
vro de Margaret Atwood, “Survival”. Vejam o site para terem uma ideia do pro-
jeto: http://andrelemos.info/survivall. Voltando para casa, depois de usar uma
parafernália tecnológica (laptops, palm com GPS, GPS tracker, mapa impres-
so, aparelhos de foto e vídeo digitais), vejo no ônibus uma foto de um plano de
ataque desenhado na areia, na fronteira do Chad com o Sudão. Locative Me-
dia High Tech versus Locative Media Low-tech ancestral e muito eficiente!

Sexta, 15 de fevereiro de 2008


SUR-VIV-ALL. Preparando os dados e mapas do projeto SUR-VIV-ALL, escrita com
GPS pelas ruas de Edmonton, realizado ontem. A ideia surgiu do cruzamento da minha

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leitura do livro de Margaret Atwood, “Survival”, com as minhas pesquisas sobre mídia
locativa, cidade, mobilidade e novas tecnologias. Como vimos, no livro “Survival”, a
autora defende a tese de que a relação com a sobrevivência é um padrão no imaginá-
rio da literatura canadense, tanto da prosa quanto da poesia: lutar contra as forças da
natureza, contra os nativos, contra os animais... Assim, a partir da minha pesquisa
sobre mídias locativas, tive o ímpeto de “escrever” a cidade com um GPS Tracker e de
mapear alguns hotspots pelo caminho. Busco aqui, além de diversão, uma forma de me
aproximar mais da cidade, de compreender e sentir seus espaços, seus lugares e suas
dinâmicas. Mas, no fundo, é uma forma de ver minha “sobrevivência” aqui. A palavra
“SURVIVAL” foi alterada para “SUR-VIV-ALL”, tentando criar sentidos diversos em
francês e inglês, línguas oficiais do Canadá, e em português, minha língua materna.
Em francês podemos ver ou inferir “SUR VIV(R)E/VIE...”, algo como um excesso e
falta de vida, justamente quando sobreviver é o recurso mínimo e último da existência.
Em português, “VIVA”, viver clamando a existência, um imperativo. Em inglês “survi-
val”, o seu sentido original, acrescido do “ALL” que chama por uma dimensão social,
pelo público e comunitário.

O que está em jogo aqui é o imaginário da cidade (e do país), a relação com tempe-
raturas extremas, o uso dos carros como padrão de deslocamento, os espaços vazios,

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a inviabilidade dos processos eletrônicos (a escrita por GPS é invisível, assim como os
hotspots Wi-Fi) em meio às estruturas aparentes do espaço público. Fizemos fotos,
vídeos que tentam captar essa relação, mas tendo como fio condutor a relação com o
mundo externo.

Abaixo alguns trechos do livro de Atwood:

The persistent cultural obsession of Canadian literature, said Survival in 1972, was sur-
vival. In actual life, and in both the anglophone and francophone sectors, this concern
was often enough a factor of the weather, as when the ice storm cuts off the electrical
power” (Preface, edition 2004, p. 8)

“The original Survival question was: Have we survived? It was a good place to end in
1972, and it’s a good place now” (Preface, edition 2004, p. 13)

“The central symbol for Canada - and this is based on numerous instances of its ocur-
rence in both English and French Canadian literature - is undoubtedly Survival, la Survi-
vance (...) a survival can be a vestige of a vanished order which has managed to persist
after its time is past, like a primitive reptile (...). But the main idea is the first one: hanging
on, staying alive.” (p. 41)

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“Let us suppose (...) that Canada as a whole is a victim, or an ‘oppressed minority’, or
‘exploited.” (p. 45)

“Canadian writers as a whole do not trust Nature, they are always suspecting sone dirty
trick. An often-encountered sentiment is that Nature has betrayed expectation, it was
supposed to be different.” (p. 59)

Andando na te
mpestade...
Sobrevivência!
Foto tirada du
rante
o Sur-viv-all

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SUR-VIV-ALL, escrita com
GPS em 40km de Edmonton

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Segunda, 18 de fevereiro de 2008

Hoje a “foto do dia” é a placa “Neighbourhood Watch”, presente em várias ruas da


cidade e que me dá mais medo do que a suposta vigilância do Google Earth ou das
câmeras de vigilância CCTV. O subtítulo da placa é aterrorizante e diz que qualquer ati-
vidade suspeita será reportada à polícia e que os vizinhos estão olhando. Isso em uma
cidade com baixíssimos índices de criminalidade. O que seria uma atividade suspeita?
Quem está olhando? Como essa pessoa que olha julga o que o outro faz? Se eu parar
para descansar ou ouvir uma música por algum tempo, isso seria suspeito? O senti-
mento de intimidação é grande e talvez até maior do que o sentido com uma câmera
CCTV apontada para o espaço público.

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Vigilância difusa...

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iPod e Espaço Urbano

Mudando de assunto, quero fazer uma reflexão sobre a relação entre os tocadores
de música portáteis, o consumo musical e o uso do espaço urbano. Ando muito pela ci-
dade, a pé ou de ônibus, e crio sempre um ambiente sonoro, um pano de fundo que me
coloca de uma maneira especial nos lugares por onde passo. Mais do que isolamento,
o iPod é para mim um dispositivo que cria um pano de fundo musical que dá sentido
aos lugares. Lembro de determinados lugares ao ouvir determinadas músicas em um
contexto totalmente diferente, por exemplo. Há alguns dias, penso na dimensão sono-
ra das cidades e como os dispositivos móveis de áudio fazem parte da paisagem urbana
contemporânea. Os tocadores de MP3, telefones celulares, palms, notebooks são todos
equipamentos que funcionam como interfaces entre o espaço urbano, o espaço infor-
macional e as redes sociais. É difícil andar na rua, entrar em ônibus ou metrô e não
ver alguém com um mp3 player (ou ainda os “enormes” CD Players), ou celulares com
esta função, ou netbooks... Os celulares e os palms ampliam ainda mais essa escuta em
mobilidade pelos espaços das cidades.

O regime visual parece estar em parte cooptado pelas estruturas organizadoras do


espaço urbano, por painéis publicitários e, principalmente hoje, pela disseminação de

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câmeras CCTV e toda uma parafernália panóptica de vigilância visual como sensores
os mais diversos. Vimos acima o “Neighbourhood Watch” como mais um exemplo nes-
se sentido. Tudo é visto e esse regime de visibilidade torna-se uma forma de controle
sobre o outro e sobre a administração da “res publica”. Mas o que dizer do som? Não
seria o som uma zona de escape ainda sem controle?

Bom, nem tanto. Um post do “Brooklyn Record” mostra um projeto de lei que visa
regular a forma de escuta sonora no espaço urbano: quem for pego atravessando a rua
com um dispositivo móvel (para o que nos interessa aqui, ouvindo um tocador de mú-
sica - iPod, celular, ou outro) poderá ser multado em US$ 100.00. Até então, o regime
sonoro, individual e fechado, em mobilidade, não era regulado (há apenas os limites
do aparelho) e permitiam formas de escape da programação das cidades. Há diversas
maneiras de escapar já que a “governamentabilidade” (Foucault) não é nunca totali-
zante: produção de experiências corporais e de desejo, imaginação a partir de diversas
formas de escrita (arte, mídia), o imaginário, mas também práticas juvenis de uso e de
temporalidades diferenciadas do espaço como o graffite, o skating - ver o excelente
“Paranoid Park” - ou o “parcour”, a leitura aberta da mídia e hoje a internet. Vejam
Amin e Thrift, “Cities. Reimagining the Urban” para uma análise mais detalhada. As
cidades são controladas, mas são também zonas de escape já que essa governamenta-

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bilidade não atinge todos os seus recônditos (lugares onde leis e regulamentos não
funcionam, regimes noturnos, etc.). Algumas formas de uso do espaço com as mídias
locativas, como venho mostrando no meu Carnet, criam temporalidades e usos fora
da norma do espaço urbano, novas (re)territorializações: anotações urbanas, GPS
drawing, location-based mobile games, smart e flash mobs, produção livre de con-
teúdo com geotags e mapeamento...

E o iPod nisso tudo? Podemos dizer que os dispositivos móveis de produção e


reprodução sonora são também criadores de zonas de escape, como uma escrita cog-
nitiva do espaço, como produção social, criando sentido de lugar. Rádio de pilha,
Walkman, iPod, ao mesmo tempo que criam um isolamento em um bolha acústica,
apontam para uma inserção sensível no ambiente visual, na “paisagem”. É como se
marcássemos um território (informacional?) controlando a “trilha sonora” da de-
ambulação quotidiana. Por exemplo, quando me exercito, às vezes intercalo andar e
correr de acordo com o tempo da música que toca no meu iPod. Isso me dá uma di-
nâmica para o exercício e uma forma de percepção do espaço a minha volta, criando
texturas não só sonoras, mas visuais. Se esquecer o iPod, eu volto, já que me é quase
impossível correr e andar sem o pano de fundo sonoro... Na realidade, acho mesmo
que corro para ouvir música! E quando saio e vou para a rua resolver coisas, muitas

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vezes vou sem o iPod, para ter uma outra imersão no ambiente a minha volta. Ou seja,
essa prática muda a minha relação, sensação e percepção do espaço ao meu redor.
Todos que usam iPod (ou outro equipamento similar) têm essa mesma sensação. Algo
remete aqui ao espetáculo - distanciamento e olhar como “testemunha” -, e é regência
ao controle da paisagem externa por uma mistura fluida de ouvir, olhar e sentir. O
que sentimos quando dobramos a esquina e nesse momento toca “aquela” música? E
se for uma outra? No fundo, fico pensando em qual seria mesmo o objetivo e o prazer
de andar ouvindo música senão o de re-significar o espaço, de sentir e ver os lugares e
as pessoas de outra forma, de criar uma zona de escape ao lugar instituído, de criar o
meu sentido de lugar. E o meu lugar aqui é um “evento” (Thrift), não a imobilidade ou
a base de um enraizamento ou isolamento.

Visitando a bela região de Castle Downs, ao norte da cidade (a parte mais ao norte
que fui no planeta), vi um imenso lago congelado e este carro de supermercado engo-
lido e congelado pelo lago. A música que toca no meu MP3 me lembrará para sempre
de Castle Downs.

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Carrinho em lago congelado

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Por falar em supermercado, ontem, passeando por Chinatown em Edmonton, en-
contrei coisas interessantíssimas no mercado chinês: manga ressecada, chips de jaca,
ovos rosa e ovos de patos negros, lagostas vivas, mas embaladas em plásticos... uma
variedade de coisas inacreditável, pessoas falando mandarim e comprando coisas que
eu não tinha a menor ideia para que servia. A presença oriental é marcante por aqui
(tanto que em uma estatística recente os nomes mais populares da cidade são, na or-
dem, Smith, Lee e Wong!) e o bairro se mistura com “Little Italy”, marcando uma
convivência pacífica de diferenças (o mesmo acontece em Vancouver, Toronto e outras
cidades canadenses). Lugares intercruzados de territorialidades bem marcantes, em
paz, como a italiana e a chinesa! Lugar não é função, é interrelação!

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Mini auto-estrada, Edmonton.
Winter, 2008

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Quarta, 20 de fevereiro de 2008
Baudelaire, Walter Benjamin, Flâneurs, Situacionistas, Michel de Certeau, artistas
desenhando e escrevendo com GPS, desenvolvendo Location-Based Mobile Games,
Locative Media... Todos esses personagens e processos colocam em evidência o andar
como arte, como forma de apreensão do espaço e como forma de produção de sentido,
criação de lugares, territórios. Não devemos romantizar muito as figuras do stroller
ou do flâneur, ou a potência das mídias locativas, mas em cidades dominadas pelos
automóveis e transportes rápidos, é sempre bom estimular a deambulação sem obje-
tivo, a mobilidade física acoplada à informacional.

Cidade e mobilidade são questões centrais para a comunicação. Elas adquirem


maior importância no século XIX e no século XX, com a expansão dos meios de trans-
porte e de comunicação surgem novas configurações hoje com as tecnologias “mó-
veis”, que aliam, pela primeira vez de forma mais radical, mobilidade física e infor-
macional. Pensem na radicalidade de trocas de SMS: textos fluindo, indo e vindo de
emissores móveis de e para qualquer lugar do mundo.

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Strollology - Caminho feito por transeuntes fora da racionalidade do
trajeto proposto pelos urbanistas

O que temos aqui são duas dimensões fundamentais da mobilidade: a mobilidade


física e a mobilidade virtual/informacional. Os estudos de comunicação têm investido
em análises sobre localização de empresas de comunicação, sobre usos e estudos de
recepção, sobre as funções noticiosas e locais das mídias, mas muito pouco na rela-
ção entre comunicação e mobilidade tendo como ponto de partida a “geografia” das
relações sociais e as configurações do espaço urbano. No entanto, todo processo de
comunicação implica movimento: saída de si no diálogo com o outro, transporte de
mensagens sendo carregadas por diversos suportes. Trata-se, efetivamente, de mobili-
dade (informacional/virtual) quando falamos em comunicação. E a mobilidade virtual
tem impactos diretos na mobilidade física e na constituição do lugar. Podemos dizer
que o telégrafo, os jornais, o telefone, o cinema, a fotografia, a TV, e hoje a internet, os
telefones celulares, configuraram e continuam a configurar o espaço urbano.

A mobilidade é o que me permite ir de um ponto a outro (fisicamente ou virtual-


mente, pelas informações), me des-locar. O “des-locar” aqui não é a negação do lugar,
do “topus”, mas a sua ressignificação. Não se trata de um “non sense of place”, mas de

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um “new sense of place”. Post do blog “Click Opera” retoma essa discussão. O autor
faz uma relação entre o documentário de 1988 sobre Richard Long, “Stones and Flies:
Richard Long in the Sahara”, o filme de Andrew Kotting, “Gallivant”, o documentário
de Patrick Keiller, “Robinson in Space” e o livro (que aconselho a leitura por ser muito
bom) “Walkscapes: Walking as an Aesthetic Practice” de Francesco Careri. Vejam
trechos:

(...) The way, in particular, walking gives you a certain perspective on landscape - a kind of alie-
nation from alienation. Walking, in these films and books, might be an adventure, an exploration,
a way of making art and architecture, an ‘intervention’, a way to approach urban planning, a
situation, even a sort of politics. In Careri’s case, we get a complete history of subversive forms
of walking as well as an aesthetics of perambulation: ‘From primitive nomadism to Dada and
Surrealism, from the Lettrist to the Situationist International, and from Minimalism to Land Art,
this book narrates the perception of landscape through a history of the traversed city’. (...) Ger-
man Wikipedia tells me that strollology is a perfectly serious science founded by the late political
economist, sociologist, art historian and planning theorist Lucius Burckhardt in the 1980s at the
University of Kassel. Also called Spaziergangswissenschaft (knowledge about moving through
space), it deals with human perception and its feedback into planning and building. (...) A blend
of sociology and urbanism, strollology attempts to correct the way technical progress, from
trains through cars to GPS, has alienated our perception of the landscapes we move through.
(...) The other mail I received yesterday was from Nick Slater, director of arts at Loughborough
University. ‘After reading today’s post on your blog’, he said, ‘I thought you might be interested
to see that gaming / walking activity has reached Loughborough. It is interesting to see how

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walking practice has taken on a new life with the advent of locative media. Roam: A Weekend of
Walking (March 15th to 17th) has tried to combine the two and have feet in both camps’. (…)”.

caminho
Marcas do GPS no nff
de Calgary para Ba

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Sexta, 22 de fevereiro de 2008
Saio de Edmonton e vou passar uma semana em Banff conhecendo a cidade e o
Banff Centre. Acima meu percurso hoje de Calgary a Banff e depois em Banff a pé... No
mapa algumas fotos. Parte do projeto “ciberflânerie” do meu Carnet de Notes. Ao che-
gar em Banff aproveito para preparar duas conferências para a semana que vem, uma
na Universidade de Alberta, no Departamento de Sociologia e outra no MediaLab Pra-
do em Madri, no começo de março. Chego no hotel e há cinco conexões wireless, com
uma aberta. E isso no meio das montanhas... Hypercity!. Abaixo foto do Banff Centre.

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Banff Centre

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Sábado, 23 de fevereiro de 2008

Banff e-history

Estou no Banff Centre (free wireless em todo o complexo), um dos mais importan-
tes centros de produção e reflexão em arte e novas mídias do Canadá e do mundo. A
infra-estrutura é fantástica com vários laboratórios, hotel, piscina, sala de recreação e
ginástica, teatros, auditórios, centro de convenções, etc. E tudo isso cravado nas mon-
tanhas do Parque Nacional de Banff. O Centro é na realidade um grande campus. Vou
visitar amanhã ou na segunda-feira o Banff New Media Institute, com especial inte-
resse no Mobile Lab. O Mobile Lab tem vários projetos com mídias locativas, dando
suporte a pesquisadores e artistas interessados nessa temática.

Conversando com pesquisadores do Media Lab de Banff, acabo de tomar conheci-


mento de um projeto com mídias locativas e crianças de sete turmas da escola pública
de Banff. O projeto “Banff e-History” começou em setembro de 2007 e será apresenta-
do na próxima primavera. O objetivo é histórico e pedagógico. O projeto tem como fi-
nalidade produzir (pelas crianças) conteúdo sobre a história da cidade utilizando GPS

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e telefones celulares. As crianças, em duplas, escolhem um “hotspot”, marcam sua lo-
calização com um GPS e escrevem e gravam o que acharam de suas pesquisas sobre
o lugar. Os áudios gravados tocarão automaticamente nos telefones celulares quando
nas localidades. Vemos aqui uma interessante aplicação usando mídias locativas para
a educação criando uma experiência de primeiro grau, gerando conhecimento do es-
paço físico real da cidade, de sua história e produzindo conhecimento (escrito, visual,
sonoro) que fica no ciberespaço e que circula nos telefones celulares.

Domingo, 24 de fevereiro de 2008


Estou no Banff Centre trabalhando em um estúdio para residências. Os estúdios são
cabanas completamente equipadas: computadores, conexão Wi-Fi, impressora, cozi-
nha, banheiro, mesas, sofá, varanda... mas não é permitido dormir aqui. E isso tudo no
meio do bosque, em um lugar exuberante. Só não tem paz de espírito e inspiração aqui
quem não quer. Aproveito para conhecer o lugar e conversar com algumas pessoas.
Bom, ao chegar ao atelier, nos deparamos com uma interessante e assustadora nota

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explicando como proceder se formos atacados por alces, pumas ou ursos. Vejam a nota
que traduzo livremente para o caso de você encontrar um urso:

Se encontrar um urso:

1. fique calmo (????)

2. não olhe nos olhos dele (!!!!!)

3. pegue o seu spray anti-urso e faça movimentos lentos (cadê o meu???)

4. ande para trás devagar e NUNCA corra (????)

5. se prepare para um blefe defensivo ou “woofing” (!!!)

5. fique parado o máximo que puder, qualquer movimento pode induzir a um ataque.

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Se for atacado:

1. deite-se no chão com o rosto para baixo, mãos na nuca e pernas abertas (como se
for detido pela polícia!!!!)

2. se o ataque durar mais que alguns minutos (??????) prepare-se para contra-ata-
car (???????) para mostrar ao urso que você não é uma presa fácil (???????)

Agora sim, estou tranqüilo e já sei como agir! A única segurança é que agora, no in-
verno, eles estão hibernando. Mas, de qualquer forma, vou chamar um segurança para
voltar ao Centro pois já é noite!

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Segunda, 25 de fevereiro 2008

Mobile Lab, Banff

Conforme previsto, visitei hoje o “Banff New Media Institute” e o “Mobile Lab”.
Fiquei o dia todo lá. De manhã visitei o “Banff New Media Institute”, à tarde trabalhei
no artigo e apresentações dos próximos dias e visitei o “Mobile Lab”. O “Banff New
Media Institute” (BNMI) fica em um dos prédios mais modernos do Campus, com uma
arquitetura que valoriza ângulos e transparência. Os ângulos se integram como parte
das montanhas e a transparência dos vidros dá uma sensação de imersão no ambiente.
O BNMI tem laboratórios de primeira nas mais diversas mídias (áudio, vídeo, TV, cave
de RV, print media, etc.). Circulei com o diretor Jim Oliver e depois me concentrei no
Mobile Media.

O “Mobile Lab” não tem nada de especial: uma sala, cinco pessoas trabalhando e
equipamentos usuais. Conversei com o Senior Mobile Researcher Angus Leech que
falou sobre os projetos em andamento. Os projetos são basicamente três, um peda-
gógico, o Banff e-History, com crianças da escola de Banff, como já reportado aqui, o

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“Trackline”, que usa GPS e celulares para produzir conteúdo sobre o fantástico am-
biente ao redor, e um mais técnico, de desenvolvimento de aplicativos para celulares.
O interesse do “Mobile Lab” está na relação natureza, locative media e mobilidade. Há
planos de trabalhos com sensores para colher dados localizados do ambiente. O Lab
desenvolve também software open-source para celulares. Todo o uso de celulares nos
projetos vem dos programas desenvolvidos e de hacks da equipe. Por enquanto, só os
celulares utilizados nos projetos podem acessar os conteúdos gerados. Há trabalhos,
pesquisadores e artistas integrados com outras áreas do Campus. Reclamei que há
pouca informação no site e pedi relatórios. Angus ficou de me enviar os documentos e
de atualizar o site.

Sexta, 28 de fevereiro de 2008


De volta a Edmonton e preparando a viagem para Montreal. Para finalizar, uma lista
de coisas que gosto e que não gosto em Edmonton:

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Gosto

O fantástico céu, azul, vermelho, amarelo;

Pessoas simpáticas e que puxam conversa a qualquer momento;

Tranquilidade e mistura de cidade provinciana com metrópole;

Alice em Edmonton;

Esquiar e patinar;

A Ravine;

A família Shields, Rob, Bodhana, Sophie;

A estrutura da University of Alberta, office, biblioteca, hub;

Sony e Priscila Sung;

Priscila Magaldi Neto;

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Rocky Montains, Banff e Jasper;

Meu bunker - meu apartamento em Edmonton, tranquilo, onde produzi muito;

White Avenue;

Jasper Avenue;

Café Java na Jasper Ave;

Café Dabar na White Ave;

Tempo para ler, escrever e pensar;

A carne de Edmonton, steaks fantásticos;

O “nosso” simpático motorista de ônibus do trajeto Shopping para Casa;

Passear de ônibus em Edmonton, do início ao fim de linha;

Croissant e cereais Fiber 1: Grappes aux Miel no café da manhã;

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Conexão de 10MB à internet em casa;

Andar pela cidade em um frio infernal;

Cinnamon Buns nos cafés;

Jornais culturais gratuitos;

Galeria Latitude 53;

Bar/Resto perto da U of A. que não lembro o nome!;

Little Italy e Chinatown, juntas.

Não Gosto

Transporte público: ônibus e apenas uma linha de metrô;

Hockey na TV;

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O frio chegando a – 40C;

Os serviços, preços e aparelhos de telefone celular;

A apologia dos grandes carros;

Ter que ter dinheiro contado e certo para o ônibus;

Barulho na tubulação do meu apartamento devido à “thermal expansion”;

Comprar bebidas alcoólicas apenas em lojas autorizadas.

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Montreal

Paisagem urbana
em Montreal

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Domingo, 02 de março de 2008
Acabo de chegar em Montreal, cansado, e parto para Madri onde participo como
palestrante do “2nd Inclusiva-net Meeting: Digital Networks and Physical Space”, no
MediaLab – Prado. Mas não poderia deixar de marcar aqui hoje os sete anos do meu
blog Carnet de Notes.

Quando comecei, em março de 2001, não havia muitos na área de comunicação e


muitos me diziam que eu não iria atualizar, que era uma moda e que passaria rápido.
Não só estou a cada dia mais ligado a essa prática, como os blogs são hoje uma reali-
dade incontornável em muitas áreas. A blogosfera não pára de crescer e me sinto orgu-
lhoso em participar dela. E lá se vão sete anos!!!

Hoje, depois de um belo sobrevôo sobre Londres a caminho de Madri (com excep-
cional vista do Palácio de Buckingham, London Bridge, Big Ben, Parlamento, a imensa
roda gigante na beira do Tâmisa e a Swiss Re Tower), passei algumas horas em He-
athrow zanzando, buscando conexões Wi-Fi (todas fechadas ou por assinatura) e li
todo o “The Guardian”. A edição de hoje destaca muitas matérias sobre IPTV, ITV, ou
seja, a televisão na era da rede, e uma nova série na BBC1, que começou ontem à noite,

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“The Last Enemy”. Trata-se de um cenário orwelliano, no qual todos são vigiados por
bancos de dados, análise de DNA, CCTV, ID-card, pervasive remote sensor, iris scan,
vehicle tracking... e os que vigiam sabem sobre nossas compras, ligações telefônicas,
movimentos... As mídias locativas podem ser, efetivamente, ferramentas de invasão
da privacidade e de violação do anonimato para fins comerciais, militares, políticos ou
policiais. O novo regime “invisível” dos bancos de dados, de localização e cruzamento
de informações, de monitoramento de perfis de consumo e dos movimentos pelo es-
paço urbano crescem na mesma medida que a liberdade de locomoção e de acesso/
distribuição de informação. Não é por acaso que estes serviços e tecnologias surgem
de pesquisas militares, prolongando a vigilância estatal, policial, comercial e industrial
desde o século XVIII. Empresas e governos têm utilizado essas tecnologias para a co-
leta de dados pessoais nem sempre realizada com o conhecimento ou o consentimento
do cidadão. Para uma ação efetiva que proteja os indivíduos de sistemas de vigilância
(estatais, militares, comerciais) que possam violar seus direitos, é necessário o reco-
nhecimento dos novos territórios informacionais. A série faz um cenário hiperbólico
da situação atual da GB, o país com o maior banco de dados de DNA do planeta e o
mais controlado por câmeras de CCTV. Como na realidade, na ficção o cenário é jus-

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tificado em nome da segurança pública, já que o risco de ataques terroristas é grande.
Não sei se há previsão de passar no Brasil, mas vale a pena ficar de olho!

Terça, 04 de março de 2008


MediaLab Prado - Estou agora no MediaLab - Prado Madrid. O prédio fica em frente
ao Museo del Prado, na Plaza de las Letras. Um bunker vasto com mesas, computado-
res e infra-estrutura de rede. Simples e com ambiente de laboratório mesmo. Na en-
trada, um sistema com uma câmera que capta a imagem do visitante e projeta em uma
tela em frente, dando a impressão de um espelho, mas não é reflexo e sim projeção de
imagem “virtual” (em ótica, imagem virtual é aquele projetada em um espelho) em
tempo real. Na chegada já entramos na “hiperrealidade”. A obra chama-se “AR_Magic
System”, de Clara Boi e Diego Diaz (Valencia, Espanha) e foi feita no workshop Magia
e Tecnologia no Interactiva 2007.

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Media Lab Prado, Madri

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Sexta,  07 de Março de 2008

La Niebla en las Palmeras

Não sei se é o fuso horário ou algum jogo do acaso, mas quase não dormi esta noite,
acordando às 4h da manhã... Tentei voltar para dormir, sem sucesso. Desisti e liguei a
TV para ver se o sono me pegava, mas, ao contrário, fui pego pelo documentário/ficção
“La niebla en las palmeras” (2005), que passava no Canal+. Um belíssimo filme, entre
ficção e realidade, colocando em relação a potência da ciência, através da física quân-
tica, da guerra, com o projeto Manhattan, da memória e do desaparecimento, através
da fotografia, dos registros pessoais, da luz. O filme ganhou a segunda edição do DIBA
(Festival Digital De Barcelona) como melhor longa metragem e como melhor direção.
Há imagens da Áustria, França, Cuba, EUA e Alemanha. O filme vai intercalando fotos
de 1900 com imagens caseiras dos anos 20 e filmes da Segunda Guerra Mundial, crian-
do uma atmosfera entre ficção científica, documentário e poesia. Há uma narradora
(acho que a filha do fotógrafo Santiago Bergson, que colaborou com o projeto Manhat-
tan) que vai descrevendo sua perda de memória, seu desaparecimento junto com o das

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imagens, no que ela chama de “luz devoradora de tempo. (...) Não há mais foto, mais
memória, só luz”. O filme mostra películas que vão se deteriorando com o tempo onde
só se vê a luz do projetor. Ela diz mais adiante: “el futuro esta demasiado lejo... no me
interessa más!”.

Algo meio onírico, fragmentado, com imagens e sons que iam brincando com o meu
estado, ao mesmo tempo em vigília e sonho. Em algum momento a narradora diz: “para
que servem as imagens se não para salvar o homem...”. Fiquei achando que acordara
para ver esse filme, mesmo sem saber, que ele me salvaria dessa noite mal dormida e
que me daria coisas para pensar, coisas sobre minhas fotos antigas, minha memória,
meus registros... Neblinas! O que aconteceu efetivamente. “Revi” fotos antigas que não
me lembrava mais, e que nem sei onde estão. O amarelado do desgaste do tempo da-
quelas imagens ativou o amarelado dos registros da minha memória (minha infância,
minha família, minha cidade de nascença...). Comecei a enxergar palmeiras através da
neblina do tempo. No site do filme podemos ler:

La Niebla en las Palmeras es probablemente la primera película cuântica de la historia


del cine: un documental experimental que tiene como elementos la memoria, la historia,
la ciencia y las imágenes. La Niebla en las Palmeras es una película histórica/ científica/
ficticia. Tres conceptos que están presentes a lo largo de toda la obra, unidos como los

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quarks, partículas elementales que no pueden ser separadas. Por este motivo La Niebla
en las Palmeras es una película fundacional, un ensayo fílmico de rigurosa ciencia-
ficción, una película sobre la historia de la ciencia, sobre la Historia como Ficción, una
película que investiga la utilidad y la manipulación de las imágenes y, por lo tanto, la
utilidad y la manipulación de la Historia. (...) Además de una investigación arriesgada,
cuidadosamente manipulada, resultado de dos años de montaje de imágenes, la pelícu-
la está plagada de emoción porque La Niebla en las Palmeras es también una historia
de amor, una historia sobre las fotografías como sustitutas de los recuerdos y sobre los
recuerdos como sustitutos del amor, un relato sobre la guerra como destructora de los
recuerdos y sobre la ciencia como un arma de doble filo, siempre peligrosa y a menudo
utilizada de modo destructivo. (…)”.

E acabou... Mudei de canal e passava “Walking Life” (2001), filme também forte em
imagens, embora em outro registro, e também sobre sono, sonhos, vigília, e a indife-
rença entre eles... Fiquei assustado. Aquilo era um pouco demais para as 5h da manhã.
Desliguei a TV e fui para a rua para saber se estava mesmo acordado.

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Sábado, 08 de março de 2008
Madri Wi-Fi. Andando pelas calles de Madri não é difícil achar conexões Wi-Fi
abertas. No hotel onde estou, vendem o acesso a 12 euros por 24h, mas tenho do meu
quarto duas redes abertas e uso esse “território informacional” para me conectar sem
passar pelo controle do hotel. Agora mesmo estou no meio da rua, sentado em uma
Taberna (La Mina) e pego várias conexões, duas abertas, de onde estou blogando ago-
ra. Cidade desplugada, com acesso que me faz aderir a determinados lugares. Este,
e outros, para além do circuito turístico, começam a ter um outro sentido para mim.
O território informacional das ruas redefine certamente os lugares. A Taberna não é
mais apenas um território lúdico e gastronômico, mas também informacional, digital.

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Rastros de Madri:
mais uma ciberflânerie
com GPS tracker...
Andando...

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Norte?
mercado
Perdido no
em Madri

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Domingo, 09 de março de 2008

Eleições Espanholas

Hoje tem eleições na Espanha. Neste domingo, realizam-se as eleições gerais, inclu-
sive para Presidente do Governo. 30 anos de eleições desde 1977, quando os espanhóis
puderam, pela primeira vez, votar em seus representantes. Até agora, 14h, (segundo o
jornal El País) o índice de participação situa-se em 40%, baixo, mas parece o normal
historicamente pelo horário. Saio às ruas e, surpreendentemente, muito diferente do
Brasil, não vi nada, nada de boca de urna, de panfletos, de sujeira, de faixas, nada.
Literalmente não vi nada e um turista desavisado nem sabe que está se desenrolando
uma eleição geral aqui. Incrível. Um domingo normal, parece. A partir das 21h, pode-
se saber do andamento da contagem no site http://www.generales2008.mir.es.

Os espanhóis votam em urnas clássicas, embora já tenha havido experiências com


voto eletrônico, inclusive pela internet, mas apenas para teste. Não haverá teste esse
ano e o voto eletrônico encontra na Espanha uma barreira legal já que ainda não tem
validade jurídica. Conta-se na mão e coloca-se os dados em 11.000 PDAs que enviam

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os dados por redes sem fio (GPRS, em canal seguro) a computadores para compilar os
dados. No entanto, os cidadãos espanhóis poderão acompanhar o resultado da conta-
gem dos votos por dispositivos móveis, enviando mensagem de texto “elec-con” e/ou
“elec-sen” ao número 7743.

Volto ao hotel, durmo e vou ao aeroporto para iniciar a minha volta para Montreal,
mas as coisas não foram tão fáceis. Tormentas. Tormentas. Tento sair de Madri, mas
não consigo. Tempestade e ventos fortes em Londres fecham Heathrow e tempestade
de neve do século em Montreal me mantém aqui. Vou ao aeroporto, mas volto, pois os
vôos para Londres foram cancelados. Volto ao hotel e não sei quando viajo... Cansado e
irritado, olho pela janela do quarto e vejo “piernas a la ventana”... Para manter o bom
humor. Saio para jantar em um restaurante cubano e acho essas inscrições bem con-
hecidas na parede. Ligo para a agência e consigo um vôo via Frankfurt de madrugada.
Agora sim, saio do hotel de Madri de volta para Montreal...

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Restaurante cubano
em Madri.
Na parede, inscrições
bem conhecidas:
“Yemanya. Olokun, Ache”!

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Chegando, encontro esse cenário na porta da minha casa na Rue de Bullion.

Montreal, Ru
e de Bullion

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Segunda, 18 de março de 2008
Hoje, no cardápio, política e internet e a obra e vida de Louise Bourgeois.

Primeiro assisti à conferência de Darin Barney, “One Nation Under the Google”,
na McGill sobre a dimensão política da internet. Barney retoma a questão da politiza-
ção da tecnologia e do potencial, ao mesmo tempo democrático e desagregador, das
novas tecnologias. Ele reconhece que a Internet oferece ferramentas para o exercício
da cidadania e do ideal democrático sem precedentes na história das mídias (o que
venho chamando de funções pós-massivas), mas que também, pelo determinismo e
pela busca da neutralidade do desenvolvimento científico e técnico, pode levar a uma
despolitização e a uma aderência cega aos novos dispositivos sem questionamento,
sem crítica. No fundo, o que ele propõe não é algo novo, mas levar em conta que a
ciência e a tecnologia são ideologias (Habermas) e que, por isso mesmo, devem ser
objetos de questionamento político desde suas bases: por que esse sistema operacional
e não outro? Por que a disseminação de câmeras de vigilância? Por que esse sistema de
TV digital e não outro? Por que esse tipo de celular e esse uso das redes? Na maioria
dos países (ele citou casos de exceção na Dinamarca), estas questões são deixadas nas
mãos dos tecnocratas, já que são “técnicas”. No entanto, elas são sempre políticas e

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atingem os cidadãos que, nessa posição, devem ser capazes de exercer um julgamento
sobre a coisa pública. Ele investe na máxima heideggeriana de que a técnica não deve
ser vista apenas como um instrumento neutro e defende a ideia de que recusar ou
aderir sem crítica ao desenvolvimento tecnológico leva ao mesmo erro: deixar a técni-
ca ao seu próprio ritmo - ou seja, nas mãos da burocracia estatal, dos cientistas e dos
engenheiros.

No domingo assisti a avant-première mundial do documentário sobre Louise Bour-


geois, “Louise Bourgeois: The spider, the mistress and the tangerine” (EUA, 2008) no
FIFA, Festival International du Film sur l’Art. Um excelente documentário, informa-
tivo, sem ser didático e buscando cumplicidade ao se aproximar da sensibilidade da
artista. A sua obra é uma depuração de sua própria história de vida. Saí apaixonado por
essa senhora com mais de 90 anos que, com humor, sarcasmo, ironia e muita simplici-
dade, consegue fazer de sua vida uma obra de arte e vice-versa. Ela diz em determinado
momento que arte não tem nada a ver com materiais (e olha que ela é uma escultora!),
mas com ideias, com emoções e com sentimentos. Lembrei muito de uma exposição do
Hélio Oiticica, “CosmoCoca”, mas não sei muito qual a relação. De qualquer forma, o
documentário é longo, mas muito bom. No release do filme podemos ler:

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(…) As a screen presence, she is magnetic, mercurial and emotionally raw. There is no
separation between her life as an artist and the memories and emotions that affect her
daily life. As an artist she has been at the forefront of a succession of artistic develop-
ments, but always on her own powerfully inventive and disquieting terms. In 1982, at the
age of 71, she became the first woman to be honoured with a major retrospective at New
York’s Museum of Modern Art. In the decades since, she has created some of her most
potent and persuasive work. The directors filmed the artist frequently between 1993 and
1998, at her Brooklyn Studio, and her work in museums in the U.S. and Europe. While
revealing her childhood sources of pain, she describes the ritualistic processes by whi-
ch her memories become embodied in sculptures and installations, whose aggressive
magic the camera explores”.

E hoje, por fim, participei da discussão “Webfilm and Citizenship”, no seminário


colaborativo entre o Centre for Research on Intermediality (CRI) e Media@McGill.
Ambiente descontraído e produtivo, com vários pesquisadores (recém doutores, pro-
fessores, mestrandos) travando discussões sobre as novas mídias e, principalmente, a
Web 2.0. A ênfase hoje foi no YouTube e no que eles chamam, erradamente, ao meu
ver, de “web-filme”. A partir daí, apareceram questões ligadas à cidadania, à censura,
à política e, claro, à linguagem das novas mídias, e também aos gêneros audiovisuais,
à narratividade, e ao novo papel dos internautas. Bom ambiente e discussões estimu-
lantes. Bom mesmo foi ver a integração de dois grupos de pesquisa, de universidades

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diferentes, que falam línguas diferentes, participarem juntos de um mesmo debate.
Isso pode servir de lição para nossos grupos no Brasil que têm grandes dificuldades de
relacionamento.

Quinta, 20 de março de 2008

Conceptual Art

Exposições interessantes no Musée d’Art Contemporain de Montréal. Gostei prin-


cipalmente do trabalho do artista canadense Geoffrey Farmer, de Vancouver, e do bri-
tânico Darren Almond. De Farmer, destaco a instalação, apresentada primeiro na Tate
Gallery, em Londres, “Nothing Can Separate US (When the Wheel Turns, Why does
a Pot Emerge?)” de 2007. Uma sala inteira com uma grande roldana propondo a ideia
de sinos de igrejas e um conjunto de espelhos, quadros, pedaços de jornais, fotos e
diversos cacarecos evocando questões relativas às mídias e à comunicação em geral:
periódicos, cinema, fotografia, perspectivas, paisagem... Ao entrar na sala, ouvimos
sons e depois percebemos um post-it com um número de celular. Ao ligar para o nú-

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mero indicado, um celular na sala recebe a ligação e aciona uma colher que bate em
uma panela como um sino. Em jogo a comunicação humana e a condição de conexão
permanente: “what can separate us”?

Interessante também a vídeo-instalação em HD (high-definition) de Almond, “In


the Between”, de 2006, que faz parte da exposição “Une image sonore”. Nessa insta-
lação, entramos em uma sala com três telões mostrando no centro monges tibetanos
sentados, entoando cantos, mantras que se repetem, e, nas duas outras telas, imagens
de trens e de paisagens gravadas a partir dos trens, mostrando movimento e, ao mesmo
tempo, a repetição. Essa instalação me levou a pensar mais uma vez como a mobilida-
de está sempre atrelada à imobilidade. No fundo, uma parece ser condição necessária
à outra. A vídeo-instalação mostra a tensão entre mobilidade física (transportes, redes
de estradas de ferro, paisagens que se desenrolam diante de nós – o espetáculo) e mo-
bilidade imaginária, informacional (os monges imóveis, sentados no centro, entoando
mantras minimalistas que dão o ritmo e criam a trilha sonora da instalação). O públi-
co, sentado ou em pé, participa dessa tensão: mobile imobile. Podemos ler no catálogo:

In the 2006 work In the Between, Almond follows the new railway line between Xining,
China, and Lhasa, Tibet. Dubbed the Celestial Road, the track crosses the Kunlun Shan
mountain range, which forms a natural boundary along the northern edge of the Tibetan

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plateau. Its construction sparked controversy. According to Chinese authorities, the train
is helping to bring Tibet out of its isolation and to encourage its development; for many
world observers, however, it poses a threat to Tibetan culture and identity. In a three-
screen projection, the 14-minute work juxtaposes images of the train and the landscapes
it crosses with scenes shot at the Samye monastery, founded by the Indian guru Pad-
masambhava, who is credited with authorship of the Bardo Thodol or The Tibetan Book
of the Dead. The chanting of the prayers and the sound of the Tibetan horns, drums and
bells give the work a remarkable acoustic dimension”.

Na saída, compro o livro “Le gout de Montréal”, coleção de pequenos textos organi-
zados por Marle-Morgane Le Moël (Mercure de France, 2008) sobre a cidade pela plu-
ma de escritores como Stefan Zweig, Michel Tremblay, Jacques Chartier, entre outros.
Destaco agora esse trecho de Alain Gerber:

C’est un rare privilège que d’être délivré de son ombre. Je laisse mon ombre à Paris,
sous belle guarde, et je déambule rue Sainte Catherine, transparent, incognito à mes
propres yeux. Montréal sait ce qui lui reste à faire. (...) Ailleurs, j’éprouve le sentiment,
sans doute injustifié (Dieu merci, la passion est injuste), que les choses se trouvent où
elles sont par la tyrannie des besoins et le calculs des avantages (…). La realité balance
entre deux chimère: ce qui n’est déjà plus et ce qui n’émerge pas encore”.

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Wilderness e McLuhan

Semana passada, a convite do Will Straw, fomos ao lançamento do livro “Beyond


Wilderness, The Group of Seven, Canada Identity, and Contemporary Art” (McGill
University Press, 2008), editado por John O’Brian e Peter White (com quem tive a
oportunidade de jantar e conversar depois do lançamento). O belíssimo livro conta a
trajetória do “Grupo dos 7”, que nas primeiras décadas do século XX, pintou as pai-
sagens do Canadá, criando tensões entre identidades, representação e dominação da
natureza. O livro tem sete capítulos em torno de temas como “What’s canadian in
canadian landscape?, Context and Controversy, The Expression of a Difference, Wil-
derness Myths, Extensions of Technology...

A obra reproduz um artigo de McLuhan de 1967, “Technology and Environment”


(publicado originalmente em “arscanada”, n. 105, p. 5-6, February, 1967), no qual o au-
tor retoma temas chaves do seu pensamento: a complexidade do ambiente midiático, a
reconfiguração das mídias, a arte tecnológica. Ele propõe, nesse pequeno e instigante
artigo, que cada nova tecnologia (de comunicação, mas não só) toma por conteúdo as
velhas formas e conteúdos das tecnologias anteriores. Aqui vemos a conhecida máxi-
ma: “o meio é a mensagem”. Ele mostra como a escrita retoma a cultura oral, a impren-

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sa, os livros medievais, o meio industrial, o rural, a cultura POP o ambiente industrial
e do consumo moderno. Segundo McLuhan: “(...) every new technology creates an
environment that translates the old or preceding technology into an art form, or into
something exceedingly noticiable...” (p. 47). Para além da visão um tanto determinis-
ta (crítica corrente a McLuhan), podemos ver hoje como as mídias digitais têm como
conteúdo os formatos midiáticos anteriores, e como o que chamo de funções pós-mas-
sivas tentam ir além das funções massivas. No entanto, nossa visão do “ambiente” é
sempre turva, impedindo de enxergar o que diferencia o velho do novo ambiente. Diz
McLuhan: “When the electric technology jacketed the machine world, when circuitry
took over the wheel, and the circuit went around the old factory, the machine became
an art form. Abstract art, for example, is very much a result of the electric age going
around the mechanical one” (p. 47). Não é à toa que as metáforas que utilizamos para
descrever o atual ambiente midiático estão ainda atreladas aos formatos e conteúdos
das mídias de massa: TV - Web-TV; jornais, jornalismo digital; filmes, web-film, filmes
em celular; fotografia, fotografia digital; rádio, podcast; diários, blogs... Isso nos leva
sempre a erros e incompreensões. Devemos compreender e aceitar a lei mcluhaniana
que afirma que os conteúdos presentes nas mídias atuais vêm das mídias anteriores
(vários autores mostram isso, como Bolter, Gruzin, Manovich). Aqui, a ideia de re-

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configuração deve ser levada em conta. Mas devemos estar atentos para perceber as
novidades e as diferenças, já que novas funções e práticas sociais emergem e não se
encaixam mais nas formas clássicas de broadcasting e de cultura de massa. Essas no-
vas funções (pós-massivas) são frutos dos princípios emergentes da cibercultura: a
“liberação da emissão”, a “conexão por diversas redes e sistemas” e a “reconfiguração
das mídias, das práticas sociais e das indústrias culturais”. Essas novas funções, junto
com as massivas (que não desaparecem), são a base do ambiente comunicacional con-
temporâneo.

O livro fala de paisagens e, para situar o debate, retomo aqui a noção de paisagem
em Anne Cauquelin (“A invenção da paisagem”, Martins Fontes, SP, 2007) que teve
como momento fundador o quadro “A tempestade” de Giorgione, de 1505. Paisagem
é uma invenção a partir da perspectiva (“per scapere” - o que se abre), que inaugura
um novo regime ótico. Não havia noção de paisagem entre os filósofos gregos, já que a
imagem era apenas um fundo para narrar, para contar “istorias” sob o signo do logos,
da razão. Não há aqui a visão do que desponta. Isso só passa a acontecer com o regime
moderno, com a perspectiva, com o ponto de fuga que permite, aí sim, que se veja a
paisagem. Ela é uma construção mental dada pela possibilidade de “ver”, criada pelo

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artifício da perspectiva. A paisagem é uma invenção de uma técnica do olhar. Segundo
Cauquelin:

(...) Vemos em perspectiva, vemos em quadros, não vemos nem podemos ver senão de
acordo com as regras artificiais estabelecidas em um momento preciso, aquele no qual,
com a perspectiva, nascem a questão da pintura e a da paisagem? (p. 79).

Esse ‘mostrar o que se vê’ faz nascer a paisagem, a separação do simples ambiente
lógico (...). A istoria e suas razões discursivas passam para o segundo plano: e, veja,
falamos de ‘planos’, de proximidade e de longe, de distância e de pontos de vista, ou
seja, de perspectiva” (p. 81-82).

É o enquadramento que inspira a ordem. A ‘janela’ que enquadra é indispensável à


constituição de uma paisagem como tal. Sua lei rege a relação de nosso ponto de vista
(singular, infinitesimal) com a ‘coisa’ múltipla e monstruosa” (p. 137).

Sobre as paisagens urbanas, afirma Cauquelin:

emolduramos, fazemos da cidade paisagem pela janela que interpomos entre sua for-
ma e nós. Numerosas vedutes, uma esquina de rua, uma janela, um balcão avançado,
a perspectiva de uma avenida. O prospecto aqui é permanente. A cidade participa da
própria forma perspectivista que produziu a paisagem. Ela é, por sua origem, natureza
em forma de paisagem” (p. 149).

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Mais ainda,

a paisagem urbana é mais nitidamente paisagem que a paisagem agreste e natural...


sua construção é mais marcada, mais constante, ainda mais coagente. Ali tudo é mol-
dura e enquadramento, jogos de sombra e de luz, clareira de encruzilhadas e sendas
tortuosas, avenidas do olhar e desregramento dos sentidos” (p. 150).

Com as novas imagens digitais, não haveria mais paisagem e voltaríamos a um re-
gistro visual pré-perspectivista, já que o que aparece como natureza é a performance
do nosso conhecimento, do protocolo, do algoritmo. Não há assim o “ver”, mas o de-
leite do conhecimento, da “istoria” dos objetos destacados de um fundo que não existe
como fundo:

temos somente a imagem, transmitida por câmeras, dados digitais em monitores, sem
ponto de fuga, e ilegível, até mesmo indecifrável para quem não estiver de sobreaviso
(...) podemos apenas perceber que intelectualmente que há, sem dúvida, ‘algo a ser
percebido’ (...) a própria noção de paisagem é desmontada” (p. 179).

Vejamos que é bem essa a sensação que temos quando apreciamos uma obra de arte
eletrônica onde o “modo de uso” deve ser explicitado para a sua fruição. Trata-se assim
de uma “segunda natureza”, o nosso “conhecimento” algorítmico e não do ver.

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A paisagem, com a imagem digital, não está mais contra natureza, isto é, em acordo
contrastado com seu fundo, não se apóia mais na verdade natural que revela ao mesmo
tempo em que oculta, dada contra, em troca de, equivalente a... É uma pura construção,
uma realidade inteira, sem divisão, sem dupla face, exatamente aquilo que ela é: um
cálculo mental cujo resultado em imagem pode - mas isso não é obrigatório - asseme-
lhar-se a uma das paisagens representadas existentes. Basta estabelecer as leis para
tanto” (p. 180-181).

Por exemplo, as imagens de síntese na arte eletrônica, ou o “Second Life”, podem


ser exemplos claros dessa ausência de paisagem (de uma “realidade inteira”). Essas
paisagens virtuais são assim “concepções” realizadas por um programa, a “autocele-
bração de nosso poder de concepção” (p. 183). Com as imagens de síntese e mundos
3D simulados, estaríamos retornando a um esquema visual semelhante ao da Idade
Média ou Bizâncio, no qual

a qualidade simbólica dos objetos representados determinava a situação, a grandeza e


as relações que eles mantinham entre si. Nenhuma ‘paisagem’ - entidade de ligação au-
tônoma - vinha preencher o espaço intersticial entre as figuras (...). Nessas condições,
a paisagem, tal como a praticamos há 500 ou 600 anos, seria um parêntese em uma
história das formas perceptivas... sob a condição, claro, de que essas ‘novas imagens’
tenham alguma chance de transformar nossa aparelhagem perceptiva” (p. 184).

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Marco da Paisagem da Ilha
de Montreal, a Geode de
Buckminster Fuller para a
Montreal World Fair (1967).

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Sexta, 21 de março de 2008

Sabbatical

Este livro é fruto do meu ano sabático aqui no Canadá. Oficialmente, não se trata de
um sabático, mas de um afastamento para um pós-doutoramento, com uma primeira
etapa no departamento de Sociologia da University of Alberta, em Edmonton e uma
segunda, no departamento de Comunicação da McGill University em Montreal. Estou
concentrado na minha pesquisa, escrevendo “work in progress” no meu blog, fazendo
contatos, visitando e conhecendo pesquisas relacionadas, lendo muito e escrevendo
um livro sobre mídia, mobilidade, cidade. Mas estou, efetivamente, em um período sa-
bático, como se chama por aqui (um direito dos professores em muitas universidades
ao redor do mundo). Mas o que significa isso? Qual a origem da palavra?

A palavra vem do grego “sabbaton”, do hebreu “shabath”, ou “o dia do descanso”.


Bom, descanso aqui deve ser visto como “ócio”, no sentido criativo da palavra (traba-
lho e produzo muito aqui), como investimento em si, no crescimento intelectual e exis-
tencial, como momento de concentração full-time à pesquisa. Normalmente se espera

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sete anos para um sabático. Nas universidades brasileiras, isso não existe e a única
possibilidade é a “rubrica” pós-doutoramento. Esperei 11 anos por essa oportunidade e
não sei quando terei uma outra. Então, o melhor é aproveitar o aqui e agora. Vejamos
algumas definições:

- sabbatical - 1645, “of or suitable for the Sabbath,” from L. sabbaticus, from Gk. sabbati-
kos “of the Sabbath” (see Sabbath). Meaning “a year’s absence granted to researchers”
(originally one year in seven, to university professors) first recorded 1886 (the thing itself
is attested from 1880, at Harvard), related to sabbatical year (1599) in Mosaic law, the
seventh year, in which land was to remain untilled and debtors and slaves released.

- Leave time with pay granted to a teacher or professor after serving for six or seven
years on the same faculty.

- A period of time (usually one semester) when a faculty member is not teaching, but
concentrating on his/her own education or research.

Mudando de assunto, vou falar agora sobre mais um interessante projeto de Es-
ther Polak, “Nomadic Shopping”, a mesma que realizou o “AmsterdamREALTime” e o
“MILKproject”. Nesse novo projeto, Polak constrói uma ficção a partir de “GPS track”,
tendo por base o “The Opzeeland Dairy Route”. Para o projeto, ela utilizou o “mashup

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website” VeoGeo.com que combina imagens do GPS tracker, Google Maps/Earth,
com vídeos do YouTube (via Network_Performance). Ao entrarmos no projeto, é
possível clicar nos “waypoints” e ver o deslocamento com o GPS e um vídeo que
conta a história... A imagem é composta de três janelas: o GPS tracking, o vídeo e
um gráfico com dados do GPS sobre o deslocamento. Acho interessante a tentativa
de ir além do simples traçado de percursos com GPS, criando uma ficção multimídia,
escrevendo invisivelmente o espaço urbano, adicionando aí outras ficções, na busca
de uma outra narratividade.

Nas discussões no MediaLab Prado em Madri, o diretor Juan Prada chamava a


atenção para projetos que dessem atenção à imobilidade, e não ao deslocamento.
Não é o caso aqui, mas nesse projeto o deslocamento ganha camadas ficcionais que
se sobrepõem à escrita invisível do GPS. Com a escrita ficcional, própria da litera-
tura, do cinema, do teatro, da música, da dança, a autora tenta “contar histórias” e
não apenas cartografar percursos. Esta escrita da cidade (e todas, desde os dadaístas,
surrealistas, situacionistas até os atuais projetos em locative media) não vai salvar,
nem redimir, seja a sociabilidade, a comunicação, o espaço urbano ou a vida nas ci-
dades. Não há, portanto, razões para otimismo ou utopias. Todos os projetos devem
ser enquadrados nesta perspectiva crítica. Temos apenas pela frente o tempo que

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tudo devora e o espaço abstrato, clamando por lugares e territórios. Nessa confluência
espaço-temporal, não nos resta muito, a não ser tentar, já que vivemos, enriquecer um
pouco mais a vida quotidiana, combater a solidão, o isolamento e o sofrimento. Escre-
ver não salva, mas ajuda!

Lendo o ótimo “Si ce livre pouvait me rapprocher de toi” (Paris, L’Olivier/Seuil,


1999) de Jean-Paul Dubois (aconselho a leitura também do seu “Une vie française”, de
2004) um dos meus escritores franceses favoritos, o narrador diz:

Et j’ai découvert que le courage dont on fait preuve pour écrire est celui-là même qui nous
fait défault dans l’existence. J’ai découvert que décliner ainsi sa vie ne la rend pas moin
miserable, qu’une existence présentable n’a pas besoin d’être mise en scène, que les
phrases ne sont jamais qu’une suite de mots complaisants. J’ai découvert que, croyant
chaque foi écrire pour quelqu’un, c’est en réalité contre moi que je plaidais” (p. 41).

Escrever não ajuda, mas, às vezes, nos salva de nós mesmos.

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Montreal High-Tech

Nesse fim de semana, sexta e sábado, visitei lugares que desenvolvem projetos
com novas mídias. Na sexta fui ao “Oboro”, centro dedicado à produção e apresenta-
ção de arte, práticas contemporâneas e novas mídias, para o lançamento da revista
hipertextual “bleuOrange 00”. Dança, música e apresentação dos projetos interati-
vos, hipertextuais e vídeo-instalações que aparecem no primeiro número da revista.
O evento foi interessante, mas me pareceu datado. Não gostei dos projetos apresen-
tados (e isso não foi por causa do meu mau humor ou do meu sarcasmo, coisas de
que sempre sou acusado). Sinceramente, me senti no começo dos anos 1990 com
toda aquela discussão sobre narratividade, literatura e hipertextos. No entanto, para
não dizer que não gostei de nada (embora não tenha achado nada muito relevan-
te), destaco o trabalho de Grégory Chantonsky, “Sodome@home”. A instalação tinha
dois telões projetando cenas de “Os 120 dias de Sodoma”, de Pasolini, e imagens do
Flickr, mostrando por um lado a radicalidade do fascismo e de outro a “banalidade”
do Flickr. Não fica claro a escolha, nem a crítica, mas o efeito é interessante.

No sábado, visitei a exposição Digital Chile, na SAT, “La Société des arts technolo-
giques”. Mais atual, mostrando projetos e instalações interativas com sons, imagens

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de síntese, vídeos, fotografia de vários artistas chilenos como Isabel Aranda, Klaudia
Kemper, Alberto Lagos, Roberto Larraguibel, Félix Lazo et Claudio Rivera-Seguel. A
pequena, mas consistente exposição desperta interesse no visitante e revela o desen-
volvimento da arte eletrônica no Chile. Tentei evitar comparações e fiquei pensando se
não seria interessante uma mostra como essa, só que com todos os países da América
Latina. Destaco o belo trabalho de Klaudia Kemper, “Body Project”. Uma estrutura no
centro de uma sala recebe imagens de vídeos em loop de quatro DVDs com fragmentos
de corpos (boca, seio, mãos, olhos...). A estrutura composta por esferas parece uma
criatura, algo parecido com um organismo. O mesmo parece ir ganhando vida com
movimentos e sons da projeção das imagens dos corpos desconstruídos nas imagens.
Os sons que ouvimos emanam das imagens dos corpos.

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Montreal, Velho Porto

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Free Hugs e Tires d’Érable

Chegando ao metrô Mont Royal, um grupo com cartazes escritos em inglês e francês
(“Free Hugs/Calin Gratuit”) distribuía abraços nas pessoas que passavam apressadas
ou taciturnas, saindo ou entrando na estação. Com um gesto simples, anticonsumo e
amigável, eles conseguiam quebrar o frio de - 15 graus e colocavam um sorriso no rosto
de todos. Recebi o meu “calin” de graça.

Depois, visita ao mercado Jean Talon para ver os produtos locais e a movimentação
de pessoas. Adoro ir aos mercados e acho que sempre podemos aprender sobre a alma
local nesses lugares. Aqui, o espaço é um lugar marcado socialmente, historicamente
na memória e no imaginário da cidade. Na entrada, uma barraquinha na qual se vende
as “tires d’érable sur neige”. Um mel, que eles chamam de xarope, é retirado da árvore
(érablier ou mapple tree – a folha é a que aparece na imagem da bandeira do Canadá)
como se extrai a borracha da seringueira no Brasil, passa por um processo térmico (co-
zinha) e depois, quente, é jogado sobre a neve, endurecendo o líquido e gerando esses
deliciosos “pirulitos”. Todos consomem essas “tiras” por aqui que são muito populares
nessa época. É gostoso, mas um pouco doce demais para o meu paladar. No entanto,
há uma variedade enorme de produtos com o érable: xarope, doces, açúcar, chocolate,
biscoitos...

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Tires d’érables sur neige no
Mercado Jean Talon

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Sábado, 22 de março de 2008
Flanando pelo velho porto, passo em uma livraria e vejo em quadrinhos o excelente,
mas difícil, “Voyage au but de la nuit” de Céline. Pego meu Moleskine e anoto para não
esquecer. Andar para mim é mesmo como viajar e sempre alimenta o espírito, ajuda o
corpo e cria inúmeras ideias. Aí vai o que diz Céline sobre as viagens:

Voyager c’est bien utile, ça fait travailler l’imagination. Le reste n’est que déception et
fatigue. Notre voyage à nous est entièrement imaginaire. Voilà sa force. Il va de la vie
à la mort. Homme, bêtes, villes et chose, tout est imaginé. C?est un roman, rien qu’une
histoire fictive. Littré le dit, qui ne se trompe jamais. Et puis d’abord, tout le monde peut
en faire autant. Il suffit de fermer les yeux. C’est de l’autre côté de la vie”. Céline (préfa-
ce, premièr edition, 1932, de “Voyage au but de la Nuit”).

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Domingo, 23 de março de 2008

Cartografia

Visitei mais uma vez a impressionante “Bibliothèque et Archives Nationales du Qué-


bec”. Um prédio com diversos serviços e setores (terei que voltar mais vezes). Aprovei-
tei e visitei a exposição “Ils ont Cartographié l’Amérique”, mostrando a importância
dos mapas e dos instrumentos de localização para a conquista da América e a consti-
tuição da Nova França, o Québec. Os mapas eram, ao mesmo tempo, instrumentos de
navegação e também um dos objetivos das expedições: produzir conhecimento “locati-
vo”, documentar tudo em imagens para aumentar as formas de conquista, de controle
e de expansão dos territórios. Mapa é mídia, com emissor, receptor, mensagem, canal.
Ele expressa uma visão da realidade, comunica essa visão e produz a realidade social.
Os mapas são sempre representações de poder, formas midiáticas de conquista e de
expansão de territórios. A exposição mostra diversos documentos com ênfase, claro,
na história do Québec. Não me foi permitido fotografar.

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Pude ver, mais uma vez, instrumentos ancestrais do GPS, como bússolas, balesti-
lhas (arbolètes) - que calculavam a latitude medindo o ângulo entre o horizonte e o sol
ao meio-dia; astrolábios - direção e latitude; tábuas de Loch - velocidade e direção;
nocturlábio - hora aproximada pela posição das estrelas, entre outros. O embate entre
a natureza, os dispositivos técnicos e o conhecimento humano me parece ser o grande
diferencial em relação aos modernos GPS, no qual a única coisa que precisamos fazer
é apertar o “power” e seguir as setas ou as vozes em simulação (agora até em 3D) do
lugar onde estamos. Não há mais o embate com o mundo externo: olhar as estrelas,
calcular a hora e a velocidade em relação a pontos no céu... Este se transforma em si-
mulação perfeitamente compreensível e controlável, uma racionalização extrema do
espaço, para controle total da natureza, agora apenas simulação. No fundo, é como se
não houvesse mais natureza, apenas a sua simulação digital, novas paisagens digitais,
como vimos. Os novos instrumentos podem até ser mais efetivos, mas, certamente, são
menos interessantes e sedutores.

Interessante ver que, assim como os mapas, esses instrumentos são também “mí-
dias”. Eles desempenhavam uma função midiática importante, já que permitiam a ex-
pansão do conhecimento do espaço, a resolução (às vezes pela violência) de problemas
de fronteiras, a permeabilidade entre membranas culturais e tensões civilizatórias en-

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tre os impérios da época, a competição, o contato e as trocas comerciais. Essa excitação
de encontrar o desconhecido nos é praticamente impossível hoje: encontrar terras, po-
vos e culturas vivas desconhecidas... Algo que só podemos sentir, mas de muito longe,
na arqueologia contemporânea, no turismo ou na conquista do espaço sideral. Tempos
de domínio total.

Os instrumentos de navegação e mapas eram, efetivamente, instrumentos de comu-


nicação. E, como instrumentos de comunicação, eram também instrumentos de loca-
lização: verdadeiros hubs imagéticos que colocavam povos e civilizações em choque e
transformavam, a cada viagem, o mundo conhecido da época. Como diz Meyrowitz, “as
mídias funcionam como um GPS mental”. Instrumentos de localização são sempre ins-
trumentos de comunicação. E o inverso também é verdadeiro. Toda mídia localiza no
espaço e no tempo sendo, ao mesmo tempo, instrumentos e processos que nos permi-
tem driblar justamente os constrangimentos do espaço e do tempo. De uma forma ou
de outra, as mídias são instrumentos de localização, pois elas permitem nos situarmos
aqui e agora, e para além do aqui e agora.

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Sábado, 29 de março de 2008

Peanuts and McLuhan

Garimpando sebos (alguns fantásticos), descobri ontem em Miles End, bairro de


Montréal, um “The Wonderful World of Peanuts” de 1958 (a primeira publicação foi
em 1952), e uma coletânea com textos, perguntas e respostas de e sobre McLuhan de
1967. $8 os dois... Deixo aqui duas citações. Uma de Peanuts:

- Charlie Brown - “you don’t like me!”. That’s always been the whole trouble. You just
don’t like me!

- Lucy - “Sure. I do, Charlie Brown...I like you. Really I do...

- Charlie Brown - “well, maybe you like me a little... But I know you don’t think I’m PER-
FECT!”

Outra de McLuhan: “is it natural that one medium should appropriate and exploit
another?”

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Map of the City, Utopia’s Ghost

Ainda no Mile End, visito a exposição “Map of the City”, na Galeria Articule, que
mostra a cidade como um livro a ser lido, como um organismo vivo em plena transfor-
mação: orgia de signos, objetos, mapas e imagens. A vídeo-instalação faz uma colagem
de objetos, mapas, livros, inscrições da antigüidade, fotografias... tentando relacionar
sua história, seus signos e símbolos passando ao espectador um patchwork de sen-
sações (com sons e seqüências de imagens fixas em duas telas). Essas sensações em
muito se assemelham ao que experimentamos no quotidiano. A instalação propõe a
imersão e o consumo de imagens como fazemos ao nos locomover pelo espaço urbano,
ou seja, de forma casual, sem prestar muita atenção, sem pensar ou interpretar aquilo
que nos interpela. O consumo que também nos consome sem nos darmos conta. Pode-
mos ler no catálogo:

Nelson Henricks recent work Map of the City, is a two-channel video installation that
explores the correlations between architecture and words. Initiated during a six-month
residency in Rome, this work sees the city as a text environment, as a kind of library that
requires both readers and writers. The video piece is a complex blend of text and images
where mundane objects take centre stage, grow and multiply, creating small evanes-
cent worlds for the viewer to actively consume. Map of the City is inspired by chapels

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and cathedrals, which act as three-dimensional, immersive representations of the Bible.
Quotes from The Gospel of Thomas and The Bible are interwoven with original text, still
photos and electronic soundscapes. The city is seen an accumulation of gestures and
desires that outstrip the life of the individual, upholding the view of the city as a living
organism”.

Outra exposição que visitei na quinta-feira, e que faz referência também à cidade,
é “Utopia’s Ghost”, no excelente Centre Canadien d’Architecture. A partir de cinco
tópicos principais: “road to nowhere”, “(In) human Scale”, “Babel/Babble”, “Islands”,
e “Worlds-within-worlds (Russian Dolls)”, os organizadores propõem reinterpretar o
período pós-moderno, que decreta o fim das utopias, e rever seus novos fantasmas. Há
projetos de Robert Venturi, Aldo Rossi, Arata Isozaki, Peter Eisenman, entre outros.
Podemos ler no site do CAC:

(...) The exhibition title wall features a photomural depicting the dramatic implosion of
the high-modernist St. Louis housing project Pruitt-Igoe designed by the architectural
firm Leinweber, Yamasaki & Hellmuth in 1950-54. This spectacular and much publicized
demolition in 1972 marked not only a public expression of the failure of certain modernist
ideologies embodied by the project, but could subsequently be interpreted as a moment
of ‘birth’ for the postmodern period. According to Reinhold Martin, much of the architec-
tural production of the past half-century has been haunted by the ghosts of modernist
utopias: ‘the projects documented in the exhibition are understood as bearers of a la-

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tent discourse that contradicts the very same anti-utopian currents that many of these
projects have been thought to represent. The exhibition draws attention to an uncanny
presence of the modernist notions that had been declared dead. The reproductions and
originals representing a selection of projects of the 1970s and ‘80s take on the character
of evidence assembled within five subject groups that trace a utopian afterlife: Babble/
Babel, Islands, Roads to Nowhere, (In)human Scale, and Worlds within Worlds. In this
reorganisation, the curators challenge the traditional understanding of postmodernism
and offer a new framework for approaching the architecture of this period. (…)”.


A primeira exposição, “Map of the City”, mostra, em vídeo e sons, o presente e a vida
quotidiana na sua trágica dimensão do “aqui e agora”. A cidade é um livro a ser lido, um
palimpsesto, um mosaico de imagens a serem consumidas com os olhos. A segunda
exposição, “Utopia’s Ghost”, apresenta uma outra forma de ler a cidade e seu imagi-
nário, lançando o olhar para o futuro em sua dimensão utópica, irrealizada. Maquetes,
pinturas e desenhos mostram projetos que tentam concretizar novas dimensões da
utopia, desse “não-lugar”, ou desse “lugar-ideal” presente desde os primórdios da aven-
tura humana. Não dá para não pensar em Barthes e seu ensaio sobre a cidade. Para
Barthes, a cidade não é apenas um texto a ser lido, mas uma língua a ser falada. Sen-
timos isso quando conhecemos uma cidade (lemos e falamos a sua língua) ou quando
somos estrangeiros ou turistas (e não sabemos nem ler nem falar e temos dificuldades
para compreender o espaço que nos cerca). É a sensação do estrangeiro. O estrangeiro
é, para Simmel, a figura suprema das cidades modernas, ao mesmo tempo anônimo e
desengajado. Quando falamos a língua das cidades, conhecemos sua dinâmica, seus

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hábitos, as pessoas, a arquitetura. Quando somos estrangeiros, tudo nos é negado e
leva tempo para aprender essa nova língua.

Barthes desenvolve uma visão erótica do espaço, partindo da raiz da palavra, da


dimensão dionisíaca da vida (desejo, excesso, contato, jogo, violência). A cidade, para
ele, é um lugar de jogo com o outro. Nas duas exposições pudemos ver a marca dessa
dimensão erótica, a busca por essa língua a ser falada ou esse texto a ser lido, seja pela
força dos objetos, das imagens e dos sons que nos envolvem (a primeira exposição
na Galeria Articule), seja pelas estruturas imobiliárias que criam o tecido urbano e
impregnam o imaginário e nossa visão do futuro (a segunda no Centro Canadense de
Arquitetura).

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Segunda, 31 de março de 2008

Geografia e Telecomunicação

Interessante a análise de Henry Bakis em “Géographie des Télécommunications”


(Paris, PUF, 1984), em 1984. Com a aceleração que vivemos hoje, a sensação é que
1984 já faz parte da pré-história. Bakis mostra como a geografia só se ocupa muito
recentemente dos efeitos das mídias. O primeiro a chamar a atenção foi o geógrafo
alemão F. Ratzel, em 1897, em sua “Politische Geographie”, na qual ele constata que
a significação mais importante da geografia é a circulação e a transmissão de infor-
mação. No entanto, os geógrafos pouco se interessaram pela questão, dando ênfase
aos transportes, principalmente pela ausência de impacto das telecomunicações na
paisagem urbana. Hoje, com a internet e as tecnologias móveis de comunicação, os
geógrafos, arquitetos e urbanistas começam a prestar atenção ao fenômeno e já pode-
mos destacar inúmeros estudos nesse campo (ver bibliografia nas referências no final
do livro). Uma atenção maior aos problemas de espacialização causados pelas mídias
começam em meados dos anos 1960 e início dos anos 1970. Neste momento, as teleco-

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municações começam a aparecer no nível da rua (cabines telefônicas, antenas de TV,
estações de rádio, linhas telefônicas aéreas...). A transformação dos lugares já começa
com as primeiras etapas da revolução das telecomunicações no século XX. Jornais e o
rádio, o telefone e a TV, depois, serão os grandes atores das transformações sociais e
espaciais do século XX. O desenvolvimento dos meios de telecomunicação exerce uma
influência marcante no desenvolvimento dos espaços urbanos.

Jean Gottmann (“The skyscraper amid the sprawl”, NY, 1967), por exemplo, mos-
tra como o telefone foi fundamental para a criação de grandes prédios, para o comércio
e instalação de empresas, para o desenvolvimento dos subúrbios e para a especializa-
ção dos centros urbanos. O mesmo podemos dizer hoje com a internet, os telefones
celulares, os GPSs... Como afirma G. Dupuy, “la suppression de la barrière de la dis-
tance dans la communication n’empêche pas le mantien, voire le développment, d’une
spatialisation des espaces urbain’”. Para Dupuy, o telefone é “‘une technique urbaine
à part entière”. Ele não dissolveu a cidade, muito pelo contrário. Podemos, talvez,
pensar o mesmo com as NTIC e, principalmente, com as tecnologias de comunicação
móveis, nas quais a mobilidade não se opõe à inércia dos imóveis que compõem as
cidades. Lembremos: cidade são fluxos, lugares, eventos em negociação com diversos
territórios, hubs e nunca ponto perene de fixação. As mídias de comunicação alteram

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as paisagens, as ruas e as relações sociais. Mostrando-se cético em relação aos serviços
oficiais de gestão, e com uma visão aguda do que estava por vir, Bakis afirma:

Peut-être l’aménagement le plus spectaculaire et le plus imprévu sera-t-il mplusé, non


par les services officiels d’aménagement du territoire, mais, de la manière la plus infor-
melle qui soit par l’action d’amateurs d’’ordinateurs individuels’, de kits de télécommuni-
cation, par des bricoleurs de la télématique”.

Mais ainda, o que parece ser verdadeiro hoje com redes sociais, blogs, software li-
vres, projetos bottom-up com as mídias locativas:

l’impact géographique des télécommunications et de la télematique pourrait bien être


celui opérer sans grande politique d’aménagement, sans formalisation peut-être mais
non sans efficacité, par des utilisateurs éclairés cherchant à améliorer leur vie quotidien-
ne, professionnelle ou culturelle”.

Abaixo, bicicleta como forma de escrita do urbano.

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Maison des Cyclistes, em frente ao
Parc La Fontaine, Montreal

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Terça, 01 de abril de 2008
As mídias contemporâneas, globais, criam novos sentidos de lugar e ajudam a ex-
pandir a percepção que temos dos outros e de nós mesmos. Como propõe George Mead,
formamos a percepção da nossa subjetividade pela percepção dos outros, esse “outro
generalizado”, em um jogo de espelhos. Goffman vai tratar desse tema depois, anali-
sando as micro-relações sociais e os papéis sociais no quotidiano. As mídias globais,
desde os jornais, o rádio, o telefone, a TV e hoje a internet e diversas mídias móveis
criam novas formas de compreensão do nosso lugar no mundo, da nossa identidade,
do self. Da mesma forma, a visão que tenho do lugar onde estou também se complexi-
fica a partir de uma visão global de todos os outros lugares (onde não estou). Isso se dá
pelas mobilidades física, informacional e imaginária. Conhecemos mais do outro e de
nós mesmos, do nosso lugar e do lugar dos outros pelo deslocamento do nosso corpo,
pelos fluxos de informações e pelo pensamento, ou seja, por uma maior mobilidade
física (transporte), por uma maior mobilidade informacional (jornais, rádio, TV, web-
sites, blogs e microblogs, mapas digitais, fotos e vídeos, etc.) e imaginária, ou mental e
cognitiva. As mídias sempre desempenharam um papel importante na constituição da
subjetividade moderna e na significação (ou falta dela) do espaço e dos lugares.

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Com as novas tecnologias da telepresença, permitindo sociabilidade a distância, e
com as novas mídias móveis e locativas amplia-se, usando a denominação de Mead, a
representação de nós mesmos por uma ampliação desse “outro generalizado”, desse
jogo de espelho não mais de proximidade física, mas de proximidade informacional,
agora planetária. O outro não está mais necessariamente “ao nosso lado”, face a face,
na nossa vizinhança ou comunidade de bairro. Ele continua na proximidade local,
mas está também distante, nas nossas relações eletronicamente mediadas em instru-
mentos da Web 2.0 como Facebook, Orkut, Twitter, Blogs, etc. As mídias, incluindo
as atuais, ampliam nossa visão dos lugares (criando novos sentidos) e de nós mes-
mos por jogos de espelho ampliados e por relações com o “outro”, ao mesmo tempo
presencial e mediado. Cria-se, assim, “new sense of places” e “new sense of selves”.
Lendo um texto do Meyrowitz (embora discorde de algumas de suas afirmações so-
bre a relação entre lugares e mídias digitais), achei essa afirmação muito interessan-
te: “These images help to shape the imagined elsewhere from which each person’s
somewhere is conceived. In that sense, all our media (...) function as mental ‘global
positionning system’” (in Nyíri, K, A sense of place, Passagen Verlag, Vienna, 2005,
p. 24). Temos efetivamente que pensar a constituição da subjetividade, da identida-
de e dos lugares em meio às mídias locativas, móveis e hiperlocalizadas.

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Quinta, 03 de abril de 2008

Cultural Studies in Canada

Estive hoje à tarde na conferência de Imre Szemán, “Between Empire. Cultural Stu-
dies in Canada”, promoção do “McGill Institute for the Study of Canada”. Szemán
faz parte da “Canadian Association of Cultural Studies”, CACS. A conferência foi na
bela sala da “Faculty Club” da McGill no centro de Montreal. Szemán esboça uma vi-
são geral dos estudos culturais e o lugar do Canadá, colocando-o na encruzilhada das
influências britânica, americana e francesa. A conferência, genérica e sem se deter nos
detalhes dos temas caros a esse campo de pesquisa (media, gênero, globalização, cor-
po, identidade...), baseia-se no livro que co-edita (com Sourayan Mookerjea e Gail
Faurschou) e que deve sair no final de 2008, “Canadian Cultural Studies: A Reader”,
Duke Press. O livro tem três partes: Origins (McLuhan, Innis, Frye...); Contempora-
ry Studies (Angus, Shields, Mackey, Straw...) e Government Documents (relatórios
governamentais sobre multiculturalismo, arte, bi-linguismo). De uma forma geral, as
questões que balizam os estudos culturais canadenses estão ligadas à identidade na-

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cional e à busca por uma maior definição do que vem a ser essa identidade (questão
que está muito presente no dia a dia, como venho constatando na minha experiência
aqui), e isso desde o domínio britânico até o multiculturalismo atual que predomina na
sociedade canadense, não sem tensões, incoerências, mas sustentado politicamente.

Para pensar no Canadá (no futuro, na sua identidade), o autor afirma que devemos
pensar que ele se parece mais com o Brasil do que com os EUA. No meu entender, a
comparação é pertinente, mas exagerada. Há várias diferenças. Uma delas é o mul-
ticulturalismo global. A sociedade canadense é composta, e continua a se constituir
já que a imigração continua, por asiáticos, ucranianos, poloneses, gregos, portugue-
ses, latinos... Nós não temos essa cultura cosmopolita, não temos imigrantes atuais e
também não migramos. Temos uma identidade plural de difícil definição (espanhola-
portuguesa - italiana e alemã, indígena, africana, mestiça...), mas autóctone. Outra
diferença é que não temos a forte influência britânica, na qual a língua, a forma de
governo, a influência intelectual são hegemônicas. Além disso, não estamos colados
nos EUA, que consideram o Canadá como um quintal rico.

O evento foi interessante para ter uma visão geral e o livro que vai sair este ano pode
ser um bom termômetro para essa discussão. Os queijos e vinhos do coquetel e o papo
depois também deram um tempero especial ao evento.
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Spring?
Cote de Neige, inverno, 4h da tarde
e já noite lá fora...

Primavera em Montreal.
Nevasca nos fundos da minha casa.
Detalhes das escadas em “colimaçon”,
típicas da cidade.

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Sábado, 05 de abril de 2008

Net Neutrality in Canada

Protestos sobre a quebra de neutralidade da rede pela Bell Canada gera protestos.
Essa é uma das questões centrais hoje no debate sobre a liberdade na internet. A inter-
net foi construída não discriminando pacotes de dados, ou seja, sendo neutra. Dados
do meu blog ou o site da Nasa trafegam como se fossem iguais. Isso qualifica a neutra-
lidade da internet. Agora, alguns provedores querem dizer que dados são mais valio-
sos do que outros e diferenciar uns dos outros, aumentado para uns a banda passante
e diminuindo a largura dessa banda para os menos importantes. Assim, o provedor
pode dizer que você vai acessar um site de uma empresa patrocinadora com toda a
capacidade de banda, mas que irá acessar o YouTube, por exemplo, a uma baixíssima
velocidade. Essa prática é considerada ilegal e pode acabar com a internet que conhe-
cemos hoje. Vejam, por exemplo, matéria do “ars technica”, “Canadians debating net
neutrality in wake of Bell throttling”, que explica o problema. Campanha de protesto
pode ser assinada na “Campaign for Democratic Media”.

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Domingo, 06 de abril de 2008
Para começar a semana, uma citação no mínimo sarcástica. Horsley, autor de “Dan-
dy of the Underworld”, barrado recentemente em aeroporto nos EUA e enviado de
volta à Londres por “crime involving moral turpitude” (crucificado em 2000, entre
outros projetos bizarros). Ele declara, em meio a produtos orgânicos, reciclagem obri-
gatória, aquecimento global, moralismo contra fumantes, culto ao corpo e ao politica-
mente correto: “The environment is everything that isn’t me. So of course I’m not in-
terested in it. And neither are you. You pretend to be because it is fashionable. Do you
think the dinosaurs were wiped of the face of the planet because they didn’t recycle?
You morrons”.

Segunda, 07 de abril de 2008


Está hoje em todos os veículos noticiosos a permissão do uso de telefones celulares no
espaço aéreo europeu. Vejam matéria da BBC “Europe clears mobiles on aircraft”, para
mais detalhes. O que quero destacar aqui é que podemos ver um excelente exemplo de
como as tecnologias da mobilidade modificam os espaços de lugar. Aqui, a mobilidade

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virtual/informacional é criada (permissão de uso de telefones celulares) em meio à mo-
bilidade física (o deslocamento do corpo no avião) criando tensões entre essas mobilida-
des e a imobilidade móvel (o confinamento no espaço que se move) que caracteriza o uso
do “lugar” avião. Não é mais o mesmo avião. Novas heterotopias (Foucault).

Podemos antever a modificação do “espaço/lugar avião” em várias frentes: as re-


lações dos passageiros entre eles e com a tripulação, a relação dos passageiros com o
mundo lá fora, a divisão em temporalidades e espacialidades distintas, a criação de bo-
lhas de isolamento e, ao mesmo tempo, invasões de espaços pessoais, etc. Os impactos
e o redimensionamento desse lugar móvel serão enormes. Vemos aqui como uma nova
mídia (como todas, aliás) faz com que a viagem, o viajante e o veículo se modifiquem.
O isolamento obrigatório nessa carcaça de aço - que leva os passageiros à leitura, ao
trabalho no laptop, a assistir filmes, a ouvir música ou a tomar um remédio para dor-
mir, ou tudo isso ao mesmo tempo - já que é difícil nos suportar sem fazer nada e
ainda mais trancado a 10km de altura - vai se alterar, abrindo possibilidades de mo-
bilidade informacional que influenciarão as relações e as práticas do objeto e da ação
de viajar. Entram em jogo aqui as policronias e as monocronias, os espaços múltiplos
e compartilhados que alterarão a experiência criando novas formas de trabalho e de
lazer, mas também criarão novos conflitos. O uso desse dispositivo técnico, o telefone

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celular, criará um “novo sentido de lugar”, um novo “avião” e uma nova experiência da
viagem. Como descreve Latour em um artigo sobre a cancela, o dispositivo, o pasto, a
ovelha e o pastor são todos “actantes”, exercendo influências nesse ambiente/sistema.
Assim o celular, o passageiro, os atendentes e o mundo lá fora participarão desse jogo
de influências, criando um “novo sentido de lugar”. Trata-se aqui de mais um exemplo
de como as tecnologias digitais de comunicação móvel possibilitam aos usuários (aqui
passageiros), a fusão da mobilidade física com a informacional com produção, emis-
são e distribuição de informação, criando novos territórios e novas práticas sociais e
comunicacionais nos aviões.

Com certeza, vai ficar muito mais difícil ler, ver um vídeo ou simplesmente dormir.
Com o celular não se trata de estar em conexão para uma comunicação urgente. O
que está em jogo é a urgência da comunicação e da conexão, a urgência em estarmos
sempre disponíveis. É um dispositivo também usado para suprir o vazio e a ausência,
a falta de sentido e a incompletude. As pessoas sozinhas lá em cima vão mesmo usar o
dispositivo para nada que seja efetivamente urgente. Bom, em um primeiro momento,
o preço deve inibir os mais faladores. De qualquer forma, o celular será usado para
ajudar a suportar a viagem. Como diz Pascal, “...tout le malheur des hommes vient
d’une seule chose, qui est de ne pas savoir demeurer en repos dans une chambre”. E
não ficarão no avião!
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Terça, 08 de abril de 2008
“Il n’y a pas plus de champs et les rue sont vides...Ces toiles d’araignées grelottent
au haut des grandes croisées”

(Mallarmé)

Montreal Wi-Fi

Montreal é uma ilha desplugada. E não é utopia, não! Tenho tido certa facilidade
para acessar a internet a partir de hotspots abertos, tanto de casa (o meu está aberto),
como de cafés, restaurantes, e até da rua. Não é o paraíso, já que a maioria dos hots-
pots que aparecem no meu computador estão fechados, mas o espectro envolve grande
parte da ilha. A maioria dos cafés e alguns restaurantes oferecem o serviço de graça.
Alguns usuários domésticos deixam a conexão aberta. Um projeto interessante, já re-
portado no Carnet de Notes, é o “Ile Sans Fil Montreal”, uma organização sem fins de
lucro que estimula e ajuda a criar hotspots abertos e gratuitos pela cidade. Podem se
associar estabelecimentos comerciais e pessoas comuns. Na próxima sexta-feira, have-

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rá um encontro em um café e vou ver de perto a experiência. Já me conectei em vários
pontos participantes do projeto (vemos um adesivo na entrada indicando o “île sans
fils”). Há projetos similares já conhecidos como Seattle Wireless, NYCWireless, Paris
Sans Fil, Wireless Toronto, British Columbia Wireless, entre outros.

Quarta, 09 de abril de 2008

Game, Wii, Place

Ontem assisti a série de conferências “Les Nouvelles frontières des Jeux Video” na
SAT, “Société des Ars Technologique”, um dos centros mais importantes do Québec
e do Canadá sobre novas mídias e arte, e um dos meus lugares favoritos em Montre-
al. O evento foi interessante por vários motivos: pela estrutura, pelas conferências e
pelo ambiente descontraído. O evento (pago – CAD $20, CAD $10 estudante) oferecia
um “comes-e-bebes” na recepção, cinco conferências e um ambiente de encontro para
debate entre os participantes, palestrantes e público, no final. Na realidade, todos os
eventos no Canadá, pelo menos os que participei, são assim: pagos mas com um exce-

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lente buffet. Ao entrar na grande sala, podemos ver computadores com jogos, alguns
telões, o buffet e mesas e cadeiras espalhadas, estimulando o encontro e a troca de
experiências. Inglês e francês eram as línguas correntes e as pessoas passavam de uma
a outra sem problema. Depois, uma fala de abertura ainda no lounge e a passagem ao
auditório para as conferências. Achei interessante o arranjo espacial e temporal do
evento, estimulando o bate-papo e o encontro em clima descontraído, quebrando a
rigidez da tradicional “conferência, perguntas e respostas”.

A primeira palestrante foi Sylvie Gagnon, falando sobre formação e competências


dos jovens para essa indústria, que se mostra uma das mais promissoras no Canadá.
Dos 10 jogos mais vendidos no mundo, 4 são feitos aqui em Montreal. Ela apresentou
dados econômicos sobre formação dos jovens, mercado de trabalho e política científica
e tecnológica. Depois seguiram-se as apresentações de Reid Schneider, da Eletronic
Arts, sobre design cooperativo a partir do jogo “Army of Two”, e de Jonathan Morin,
da Ubisoft, sobre os preconceitos dos designers de jogo e a obsessão pelo controle do
usuário e pela narrativa. No entanto, o melhor da festa foram as palestras de Bart Si-
mon, professor da Concordia, e de Phil Fish, independente, da Polytron. Fish falou so-
bre os jogos independentes, detonando as corporações em uma palestra criativa, crítica
e com ótimo bom humor. Para Fish, a indústria pode aprender com os independentes,

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já que 90% de tudo “is crap”, porcaria, e que o problema vem do tripé “money, fear
and art”. Ainda apontou a falta de inovação e o excesso de recursos, que servem mais
como pirotecnia, do que revelação de algo criativo. O incômodo dos dois palestrantes
da Ubisoft e EA eram visíveis. Ele mostrou exemplos de jogos simples e afirmou que
todo mundo pode fazer games, “com duas texturas, pixelados”. Apelou para a máxima:
“lo-fi aesthetic; less is more”.

A palestra de Bart Simon foi a que mais me interessou pelo tema da minha pesquisa.
Simon é coordenador de projetos sobre games, o Game Code e outro sobre vigilância
na Concordia University. Ele analisou a console de jogos Wii mostrando como esse
novo jogo incorpora o lugar e o corpo do usuário como interfaces. Cruzando referên-
cias de teorias dos “new media”, sociologia, teoria dos jogos e antropologia, Simon
analisou o Wii como um jogo que cria uma realidade híbrida, na qual o “espaço” do
jogo é diferente daqueles dos jogos em consoles ou em computadores, nos quais tudo
se passa na tela. Embora ele não tenha se referido ao termo, podemos dizer que o Wii
cria uma AR, “augmented reality”. O lugar importa, já que não se trata nem de jogar
para (console/PC), nem de entrar na tela (RV- Realidade Virtual), mas de jogar com
o corpo, a tela e o espaço entre eles. O console inclui esse espaço de lugar, captando o
movimento do corpo do jogador (já há aplicações na medicina, por exemplo), fazen-

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do com que o jogo não se desenvolva apenas no espaço eletrônico, mas na sala ou em
qualquer outro lugar. Assim, afirma Simon, ele não é apenas visual, mas sinestésico.
Ou seja, não dá para esquecer o corpo e o lugar onde você está.

O lugar é parte do jogo. O lugar importa e se redefine no jogo. Vejam meu comen-
tário anterior sobre o uso de celulares em aviões. O mesmo acontece com o Wii: para
jogar o lugar deve se transformar (retirar objetos, por exemplo) e passar a ser parte
atuante do jogo. Ele é agora um ator. O sistema requisita, ao mesmo tempo, o corpo do
jogador, a tela e o espaço físico entre eles. O lugar físico é uma interface ativa no pro-
cesso, como nos jogos não eletrônicos (tênis, futebol, pega-pega...). Com o Wii, o game
não mascara mais o lugar, como na rede ou nos consoles sem a sua tecnologia, impon-
do a intersecção desses mundos em um sistema único. Assim, afirmava Simon, “os
aspectos local e pessoal são revelados”. Como tenho insistido em meus últimos textos,
o lugar ganha força. Podemos, assim, pensar que o Wii é um console para “locative-
based game”, embora não tenha essa denominação e não use LBS ou LBT. Estamos
vendo, com as tecnologias móveis e digitais, a evidência do que estou chamando (e
vou desenvolver no próximo livro) de “the place turning point” dos estudos sobre co-
municação e as novas mídias digitais. Essa inflexão aponta para uma tendência muito
diferente daquela que previa o surgimento de um espaço eletrônico desconectado do

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espaço físico, que o transformaria para sempre em um “não-lugar” ou em um “lugar
sem sentido”. Estamos passando definitivamente da fase do “upload” do ciberespaço,
cujo maior emblema de decadência, hoje, é o Second Life, para a fase do “download”
do ciberespaço, a fase da internet das coisas e das mídias locativas. Voltarei a esta dis-
cussão mais adiante.

Quinta, 10 de abril de 2008

McLuhan’s Wake

“you don’t have to be everywhere to do everything” (McLuhan).

Estou agora assistindo na TV o documentário de 2002, “McLuhan’s Wake”, de Ke-


vin McMahon. O título faz uma referência direta ao ilegível “Finnegan’s Wake” (1939)
de Joyce (a obra - intraduzível - tem uma excelente tradução no Brasil pelo corajoso
Donaldo Schüler). Li os dois primeiros volumes e meu prazer estava na forma, nos
sons, nas descobertas das palavras escritas em várias línguas e cujos sons davam um

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sentido coerente em todas elas. A obra de Joyce é citada no documentário pelo próprio
McLuhan. No entanto, o filme não explora a relação óbvia do título.

Finnegan’s Wake é uma sinfonia literária, uma obra multimídia avant la lettre, uma
orgia de símbolos e de línguas, representando a cultura moderna e a emergente cultura
midiática. A relação é interessante, como se a difícil leitura do texto de Joyce fosse um
espelho da própria dificuldade que temos hoje de “ler” a nossa cultura eletrônica, cul-
tura essa, como o texto de Joyce, marcada pelo excesso de símbolos e de linguagens. O
choque entre oralidade, escrita, mídias de massa (impresso, TV, rádio), web e telefonia
móvel, que estamos vivendo hoje, seria uma materialização do Finnegan’s Wake. A di-
ficuldade em ler o livro é a mesma que temos hoje para achar uma luz na confusão em
que nos encontramos: convergência das mídias, reconfigurações da indústria cultural,
colapsos identitários, subjetivos, políticos, culturais da/pela globalização, excesso de
imagens, hiperrealidade. Como afirma McLuhan, só conseguimos enxergar o presente
e o futuro do nosso ambiente midiático olhando para as formas comunicacionais do
passado. A cibercultura seria assim o Finnegan’s Wake tecnológico em realização, ao
mesmo tempo oral, literário, audiovisual, multimídiático, telemático, sinestésico, míti-
co. Ler Finnegan’s Wake não é uma experiência apenas visual, mas total, “retribalizan-

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do o mundo” (McLuhan). Joyce convoca o leitor a entrar em um ambiente, genialmen-
te construído, de sons, imagens, línguas, mitos, uma forma de “realidade aumentada”.

O documentário mostra a emergência e a aceleração dessa nova cultura “neo-tribal”,


na qual o presente e o futuro só se compreendem com os olhos no passado. É preciso
um certo desprendimento - por estarmos tão imersos nesse ambiente, não consegui-
mos mais ver o que está lá fora. Só podemos ler Finnegan’s Wake se mergulharmos
na estrutura mítica, se nos privarmos de algumas certezas e da busca por soluções
lineares, se nos deixarmos levar pela torrente de palavras e letras complicadamente
arranjadas. Talvez o mesmo seja exigido para compreendermos a cultura midiática
contemporânea: ver o presente sem deixar de sentir o passado, olhar o futuro sem
prescrições, ver os índices da cibercultura como uma língua construída de forma com-
plexa. McLuhan foi um dos primeiros a ver o nosso Finnegan’s Wake global.

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Sexta, 11 de abril de 2008
Cheguei ao Canadá com a ilusão que iria comprar um Nokia N95 ou um iPhone a
preço de banana e que a conexão à web e outros serviços pelo celular seriam barato e
fáceis. Doce ilusão. Os serviços são caros, os telefones, simples e, tirando alguns mo-
delos da Blackberry e da HP, é impossível achar nas operadoras um telefone de ponta
como os novos Nokia ou o HTC Touch Cruiser, por exemplo (3G, GPS embarcado e
computação móvel). É possível comprar no mercado alguns desses aparelhos desblo-
queados, a preços razoáveis, mas os custos das operadoras são de assustar.

Alguns dados sobre o atraso canadense. Enquanto em países como Japão e Coréia
a telefonia 3G já está na maioria do parque de celulares, só agora ela começa a pegar
por aqui. Segundo dados da revista Convergence (n. 50), em 2006 só 1% da população
que usa celular no Canadá usava essa tecnologia, enquanto que no Japão esse número
supera os 80%. Os canadenses não usam e-mail (e pouco usam SMS) e o uso da web
é restrito pelo preço caro do tráfego de dados. Os outros serviços (caixa postal, saber
quem ligou, etc, coisas correntes no Brasil) também são caros e as operadoras pedem
contrato de 3 anos para oferecer alguma vantagem. No Japão, 85% das conexões à web
se fazem pelo celular. Hoje podemos ver por aqui celulares e serviços de acesso a sites

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sociais, como o Facebook, e telefones com “video-call”, mas ainda é bastante tímido e
caro. Não vi ninguém na rua usando o “video-call”, por exemplo. Os canadenses são os
que pagam as tarifas mais caras entre os países desenvolvidos. Alguns analistas expli-
cam que a situação é assim preocupante pelo tamanho do país e pela baixa densidade
demográfica. A taxa de penetração dos celulares é bem baixa, 56 telefones para 100
habitantes. Ele está lá pela trigésima posição no ranking mundial. Dados de 2007 in-
dicam 19 milhões de usuários. Só para comparar, no Brasil, por exemplo, já passamos
os 124 milhões. Segundo dados da Teleco, apenas em 2007, o número de telefones
móveis passou o de fixos, sendo um dos, senão o último país do mundo desenvolvido
a ultrapassar essa marca (Fonte Teleco). Não vemos por aqui serviços de pagamento
por celular para entrar no metrô, em ônibus ou para pagar o parquímetro, por exem-
plo. Apenas o uso do Blackberry é mais visível (talvez por se tratar de uma empresa
canadense). Fui a três lojas de operadoras de celular e perguntei por celulares 3G e
ninguém sabia me dizer nada sobre eles ou sobre serviços.

Um parêntese: o serviço bancário também é, em relação ao Brasil, muito atrasado,


embora o sistema financeiro seja muito mais sólido: faz-se pagamentos por cheques
enviados pelos correios, as senhas dos cartões são de apenas quatro dígitos, não há
possibilidade de tirar cheque nas máquinas (tem de pedir e leva mais de 15 dias para

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ficar pronto!) e não há chip nos cartões. No que se refere à internet, no entanto, como
já mostrei em outro post, há empresas oferecendo velocidade de 50mb/s, com TV e
telefone no pacote com preços mais baixos do que o que temos a 1MB/s no Brasil só
para a internet. Também há inúmeras redes sem fio gratuitas (Vancouver, Toronto,
Montreal), como mostrei anteriormente. Há iniciativas interessantes como o projeto
“Ile Sans Fils” em Montreal, com 400 pontos de conexão e mais de 60 mil membros.
Assim sendo, acesso sem muitas dificuldades e com uma ótima velocidade a internet
em casa ou na rua, mas continuo sem um telefone celular.

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Ciberflânerie, GPS Drawing,
Mont-Royal, Montreal, abril 2008

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Sábado, 12 de Abril de 2008
Ontem na “Société des Arts Technologique”, SAT, fui ao lançamento no Canadá do
“Tenori-On”, instrumento digital com uma interface luminosa, criado pelo artista mul-
timídia, Toshio Iwai e a Yamaha. Não se parece em nada com um instrumento e o vi-
sual é de uma caixa quadrada cheia de botões, leds, mais nada. O dispositivo foi criado
em 2001 e ficou esses anos todos sendo testado por artistas como Kraftwerk, Yellow
Magic Orchestra, Matthew Herbert, Mouse On Mars, Cornelius entre outros. Foi lan-
çado em setembro de 2007 em Londres. Na festa de lançamento por aqui, havia vários
Tenori-On disponíveis para o público e shows com músicos se revezando utilizando
o instrumento. Pude testar e depois de uma primeira dificuldade com a interface, me
pareceu bem simples e intuitivo o uso. A interface com os leds ativos e as luzes faz com
que o uso seja “natural”. Os recursos são grandes e o gadget vai fazer a felicidade de
DJ’s e produtores musicais. Esperamos agora os hackings e os “usos imprevistos” por
outros artistas e usuários. O instrumento (?) tem 256 leds, entrada SD Card, saída
Mini DN e speakers e várias funções. O folder diz: “Tenori-on is a unique 16x16 LED
button matrix performance controller with a stunning visual display....”.

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Cascada na Place des Arts,
Montreal.

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Muito comum, proibido flanar,
proibido loittering. Centro Comercial
Subterrâneo em Montreal.

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Quarta, 16 de abril de 2008

Ben X

Assisti ontem ao filme belga Ben X (2007) de Nic Balthazar. O filme mostra a vida
(baseado em fatos verídicos) de um autista (aspergiano) que sofre com o assédio dos
colegas (bulling) e se refugia em um game multi-usuários, achando aí a sua salva-
ção! Gostei e recomendo. Ele aborda um tema interessante (autismo, games e assédio)
usando uma linguagem que toca os envolvidos (jovens e autistas). Além disso, o filme
não cria um cenário de jogo, mas utiliza um jogo real, o coreano “Archlord”. E na bi-
lheteria do complexo de cinemas Ex-Centris, você compra o ingresso como se estivesse
conversando com um personagem de um filme rodando ao vivo! O vendedor aparece
em uma escotilha sendo que a imagem dele é gerada por uma câmera no interior da
bilheteira. Falamos assim com um vendedor filmado. Bizarro! Aconselho a ida ao Ex-
Centris.

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Quinta, 17 de abril de 2008

“Sujet Insécure”

Acabo de assistir a excelente palestra de Mireille Rosello, professora da Universida-


de de Amsterdã, no colóquio sobre “Insécurité linguistique et rencontres barbares”,
no Cérium da Université de Montréal. Havia lido e citado um dos seus artigos sobre
flânerie no meu “ciberflânerie” há alguns anos .

O tema inicial era sobre cinema e ela mudou na última hora, para minha sorte, para
“cultura da insegurança” na qual explora a questão do sujeito e das novas tecnologias
de vigilância, principalmente as câmeras no espaço público. Vou fazer uma síntese. Em
alguns dias a palestra estará disponível em vídeo no site do Cérium.

A palestra se desenvolveu para sustentar o conceito de “sujet insécure”. Na primeira


parte, Rosello discute a noção de “cultura da insegurança”, colocando o acento sobre a
ideia de cultura, ou seja, a dimensão na qual estamos imersos. Para ela seria hoje im-
possível nos situarmos fora dela. O sentimento de medo coletivo não é novo - a idade

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média gera mitos e narrativa sobre o assunto, mas é agora que ele ganha contornos
planetários. E um dos sintomas é que essa cultura não indica claramente um culpado.
O “modo” de insegurança passa a ser uma ontologia, uma forma de ser, de saber e de
leitura da contemporaneidade. A questão, para Rosello, é que devemos aceitar fazer
parte dessa cultura para transformá-la.

Na segunda parte, ela analisa as atuais e onipresentes câmeras de vigilância no espa-


ço público. Elas fazem parte do discurso sobre a segurança e, ao mesmo tempo, criam a
cultura da insegurança. Não há como escapar, e mesmo sistemas de desvio e apropria-
ções desses dispositivos estão enquadrados na mesma dinâmica cultural. Ou seja, elas
fazem parte da forma de estar e viver nas sociedades avançadas. Rosello desenvolve,
então, três postulados presentes, segundo ela, em todos os debates sobre a questão: 1.
há razões para ter medo; 2. o cidadão está preso entre dois medos: o medo de quem
vigiamos (perspectiva que ela chama de “direita”) e de quem nos vigiam (perspectiva
de “esquerda”) e; 3. que o sentimento de insegurança é indesejável. Isso leva à criação
de uma subjetividade vulnerável que se estabelece pelas duas posições (de esquerda ou
de direita). O sujeito quer reagir às câmeras na luta entre, por um lado o direito à pri-
vacidade e à liberdade individual, e a segurança social, por outro. Nesse debate ficamos
presos em ideologias. Rosello afirma estar cansada desse debate e que vai renunciar a

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esses argumentos e propor outro ângulo de análise. Para ela, e essa me pareceu a parte
mais interessante da conferência, a solução é encarar não as ideologias, mas a materia-
lidade do objeto, a câmera por ela mesma.

Baseada em pesquisas de autores belgas (e outras pesquisas sociais), os resultados


mostram que os usuários demonstram que a simples instalação de uma câmera cria
medo, vulnerabilidade e insegurança. A câmera estimula uma reação positiva, produ-
zindo a ideia de que há um problema de segurança no lugar. O medo se estabelece seja
no presente (a câmera está ai para proteger de algo), seja na atualização do passado
(por não ter tido medo antes), seja no futuro (o problema que virá). A angustia é assim
gerada aumentando o medo e a paranóia. A presença da câmera não cria tanto o medo
de ser vigiado, segundo pesquisas, mas a sensação de que deve haver medo já que a
câmera está lá.

Rosello vai então propor ver a câmera como um “cidadão incivilizado”, baseado em
autores que escreveram sobre formas de incivilidade na sociedade (maneiras de ocu-
par o espaço fora das normas, como a violência verbal, o desrespeito ao outro, a falta
de educação no dia a dia). Essa falta de civilidade deveria ser reprimida para não gerar
mais violência. Embora controversa, ela usa essa tese para propor que as câmeras de

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vigilância sejam vistas como “cidadãos incivilizados” já que instituem formas de que-
brar a “boa educação”, tanto pelo olhar intrusivo, como pela produção de uma sensa-
ção de observação e vigilância, causando seja um medo atual, seja o “medo de não ter
sentido medo antes”, seja o medo do futuro. De novo, se as câmeras estão aqui é por
que há algo a temer. Elas são assim “incivis” por invadir o presente, evocar um passa-
do assustador e produzir a catástrofe futura (sem resolver nada já que apenas filma).
As câmeras são consequentemente formas de “pré-mediação” vulgar, apontando para
algo que vai acontecer, já que performativa.

Na terceira e última parte, Rosello, segundo ela mesmo, vai desenvolver uma análise
mais “otimista”, afirmando que a insegurança é um sentimento indesejável e temos
que fazer tudo para diminuí-lo. Ela retoma o terceiro postulado e afirma que a insegu-
rança é fruto de um contexto cultural específico e que os eventos de 11/09 só serviram
como desculpa para tentar resolver o problema pelo viés tecnocrático ou ideológico,
instituindo diferenças, estigmas (o perigo do “outro”). Há assim alguns que devem ser
vigiados e outros não. Para Rosello é fundamental que todos possamos nos colocar
como esse “outro” e aceitar o regime de insegurança. A miséria dos “não-lugares” não
é, para ela, o excesso de olhar, mas sua falta. Se tenho medo, como humano, posso me
colocar no lugar desse outro que me assusta. O problema não é eliminar o outro, mas

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nos ocuparmos dele, reconhecermos sua vulnerabilidade que também é a nossa. Para
Rosello, a vulnerabilidade produz sociabilidade. O sujeito deve assim encarar as câme-
ras como um outro que olha, mas que também precisa de ajuda. Ou seja, não se trata
tanto de evitar o olhar, mas de reforçá-lo para poder ver não tanto as diferenças, mas
o que nos torna semelhantes. A insegurança e a vulnerabilidade podem ser formas de
aproximação ao outro, formas de reforço social.

Por isso, conclui Rosello, devemos reivindicar um “sujeito inseguro”, vulnerável, e


que se aceita assim, fundado na e pela insegurança (já que a segurança total e completa
é uma ilusão). Esse “sujeito inseguro” deve ter a capacidade de aceitar a relação de vul-
nerabilidade e de insegurança e não ficar preso às dicotomias que fazem da primeira
um aspecto individual, e da segunda um fato social. O “sujeito inseguro” sabe da ilusão
de segurança das câmeras de vigilância, sabe que elas geram o medo e a intolerância
e que, ao invés de resolver o problema, elas só o agravam, produzindo mais sentimen-
to de insegurança. Esse “cidadão inseguro” seria melhor adaptado para se locomover
nesse regime de visibilidade e denunciaria as tentativas perversas de resolução dessa
“insegurança universal”, da qual eles são vítimas.

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Nota: Ao leitor, sugiro ver a apresentação em vídeo, já que escrevo no calor da con-
ferência e, com certeza, há imprecisões e traições à autora. Mas fica o relato como um
estímulo a discussão e ao conhecimento do trabalho de Rosello.

Tires d’Erables sur neige


em uma “Cabane à Sucre”,
lugar que produz o Érable
(Mapple).

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Domingo, 20 de abril de 2008
Depois de uma dia comendo tiras de érable e visitando uma “cabana à sucre”
perto de Montreal, com direito a andar com “raquette” na neve, volto para casa e sou
informado que o SUR-VIV-ALL está no “Networked_Performance” e em destaque
no “Trópico”. Feliz com a lembrança e com o bom fim de domingo.

Terça, 22 de abril de 2008

Cellular e Badernas em Montreal

Ontem, após o jogo de hockey entre os “Canadiens de Montreal” e o “Boston”, que


classificou os Canadiens para a próxima fase da competição, houve ataques a carros
de polícia e quebra-quebra de lojas no centro da cidade. Poucos, mas ativos, holli-
gans colocaram fogo em carros da polícia e semearam violência e baderna no centro.
E olha que o time ganhou e não houve problemas entre torcidas...apenas violência
gratuita nas ruas contra policiais e estabelecimentos comerciais. Em todas as ima-

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gens que vi (na TV, no YouTube, em blogs e fotologs) há pessoas usando os celulares.
Aqui, os vândalos filmaram, pessoas comuns filmaram e todas essas imagens estão
sendo usadas pela polícia (como informado por matérias que acabo de ver na TV) para
prender outros manifestantes. Algumas pessoas presentes, incluindo aí os comercian-
tes atingidos, enviaram filmes e fotos feitas com o celular para a polícia. Vemos a força
de circulação dessas novas imagens. Até agora 16 pessoas foram presas, sendo dois
menores.

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Ponte
Jacques Cartier

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Habitat 67
de Moshe Safdie

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Quinta, 01 de maio de 2008

L’année drenière à Marienbad

Revi essa semana o filme “L’Année dernière à Marienbad”, de Alain Resnai, 1961 e
meu sentimento foi completamente diferente da última vez. Como estou pesquisando
as mídias locativas e as novas funções sociais e comunicacionais dos lugares nos espa-
ços urbanos, meu olhar foi completamente tomado por essa problemática. Sem revisar
a bibliografia já escrita sobre o filme (não sei se o que estou dizendo é uma obviedade
ou não), acho que o filme é sobre a (in)comunicabilidade e a busca de um sentido no
espaço e no tempo, ou seja a busca por um lugar no mundo.

O hotel onde se desenvolve o filme é um castelo luxuoso, onde ouvimos diálogos


circulares, diálogos em off descolados de quem fala na cena, e os três personagens cen-
trais se misturam entre outros que estão ou em movimento, ou congelados, como se o
tempo não passasse ou fosse um outro espaço-tempo. Há indícios de que o filme (rote-
rizado por Alain Robbe-Grillet) tenha se inspirado no livro “A Invenção de Moréu” de
Bioy Casares. No fundo esse espaço-tempo, que é o hotel, transforma-se em um grande

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tabuleiro labiríntico (todos os outros hóspedes estão sempre jogan-
do, sendo o jogo, aparentemente, a única forma de sociabilidade).
Como em todo labirinto, todos os lugares são iguais (e por isso nos
perdemos), o que significa que o labirinto/hotel é um “não-lugar”,
ou seja, um espaço homogêneo fora do tempo e do espaço (não há
nenhuma precisão sobre espaço e tempo, e mesmo as cenas não
deixam ao espectador muita informação sobre suas cronologias).
Mais ainda, esse hotel/labirinto é também marcado por controles e
signos (“não perturbar”, “silêncio”...) que reforça ainda mais a fun-
ção de “não-lugar”.

Os personagens não têm nomes e o enredo gira em torno de um


homem que insiste em ter conhecido uma mulher algum tempo
atrás, em algum lugar (tempo e espaço imprecisos). As cenas e falas
giram em torno do labiríntico hotel e da tentativa do homem fazer
a mulher se lembrar do suposto último encontro...O filme reforça
a ideia de um espaço circular e homogêneo (sem sentido) do labi-
rinto, a narrativa repetitiva (mítica) e a impossibilidade de ouvir o
Parque Olímpico de outro, a incomunicabilidade. Marienbad é apenas sugerido como
Montreal
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lugar do suposto encontro, mas nada é certo (há uma cidade com este nome na Re-
pública Checa). A mulher suporta toda a ambiguidade do filme (os gestos pequenos e
robotizados, os passos lentos, o olhar perdido e sem foco, fazem parecer um ser de ou-
tro mundo). Ela não se lembra de nada, embora não seja lá muito convincente quando
afirma a sua incapacidade de lembrar. Ela se contradiz frequentemente, principalmen-
te quando pede a ele para esperar um ano para novo encontro. Os personagens apare-
cem sempre no hotel, com quadros com perspectivas de um jardim ou de tabuleiros,
sempre invocando o labirinto. Essa justaposição de imagem coloca, ao mesmo tempo,
os personagens no hotel e nas imagens. O efeito visual funciona e as imagens parecem
se fundir, intercalando posições nesse grande jogo! O desencontro entre falas, perso-
nagens, a perdição nos corredores todos iguais e a falta de sentido na movimentação
do hotel indicam que o filme é, na realidade, uma discussão sobre o espaço vazio das
relações sociais, sobre a busca por um sentido que criaria nesse “não-lugar”, uma ME-
MÓRIA (problema central do casal) que resgatasse ou produzisse algum sentido sobre
esse tempo e espaço. Isso fundaria um lugar.

Abaixo vistas labirínticas da torre do Parque Olímpico de Montreal.

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Domingo, 04 de maio de 2008
Escrevo este texto no trem para Québec, onde participo de um evento, o ACFAS 2008
(como convidado de última hora). O trem tem Wi-Fi a bordo, pago - 8 dólares por 24h (o
primeiro que pego com esse serviço). Aqui, exercito ao mesmo tempo a mobilidade física
e informacional, como vimos no comentário anterior sobre o uso de telefones celulares
nos aviões. Ontem ouvi duas mesas redondas, uma sobre a literatura na era digital e ou-
tra, “espace mobile”, sobre as transformações do bd. St. Laurent na VOX.

Espace Mobile

A abertura do evento “Espace Mobile” foi coordenada por Marie-Josée Jean et Pa-
trice Loubier que apresentaram os desafios que se colocam na modificação do bairro
central, o “bairro das artes”, no centro de Montreal. Depois vieram as falas de Anouk
Belanger, professora de sociologia da Université du Québec à Montréal, sobre a “cul-
ture populaire urbaine à Montreal” e questões sobre a revitalização do bairro. Depois,
Annie Roy, da “Action terroriste socialement acceptable - ATSA”, mostrou ações con-
cretas e a necessidade de uma realização efetiva no local. Vários artistas estão reali-

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zando obras durante o evento. O mais interessante ontem foi conhecer os trabalhos do
artista francês Renaud Auguste-Dormeuil, interessado nos atuais processos de vigilân-
cia e de militarização. Vou tentar aqui, rapidamente, descrever alguns projetos e fazer
uma ponte com o problema das mídias locativas.

Ao chegar a Montreal, no aeroporto, Renaud recebeu um guia da cidade no qual são


propostos cinco percursos turísticos. Esses percursos visam mostrar uma Montreal
bela, dinâmica, multicultural, segura. O lugar é assim investido dos “mitos e sonhos”
das instituições; um lugar idealizado. Para Renaud, o papel do artista é “injetar reali-
dade” nos sonhos produzidos por aqueles que controlam o espaço urbano. Assim, ao
receber o guia, Renaud fez os mesmos percursos a pé, mas anotando todas as câmeras
de vigilância visíveis (com endereços precisos e nome dos proprietários). Depois ele
produziu um mapeamento das câmeras e colocou uma “errata” no guia gratuitamente
distribuído. Ele fez o mesmo em Paris (explicando que as autoridades locais mudaram
o nome de câmeras de “tele-vigilância” para câmeras de “tele-segurança”): visita-áu-
dio em museu para ver as obras vigiadas; destaque de desenhos da Disney nos quais
aparecem câmeras de vigilância; uso de espelhos que desviam o “olhar dos satélites”,
formas de visualização de como os GPSs monitoram as pessoas, entre outros. Um dos
mais interessantes é o projeto MABUSE, no qual o artista criou um percurso turístico

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em micro-ônibus para que “turistas” pudessem ver as câmeras de vigilância da cidade
(as mais importantes vistas e filmadas no mundo, como a do obelisco da Place de la
Concorde ou as do Hotel Ritz que pegaram as últimas imagens de Dodi e Diana...).

Esses projetos artísticos (e outros que tenho apontado no Carnet e em meus textos)
visam tornar visível o que passa despercebido na prática do uso do espaço urbano: não
só as câmeras de vigilância (visíveis), mas as mídias locativas como o telefone celular,
as redes Wi-Fi, uso de GPSs, as redes Bluetooth, as etiquetas RFID e diversos senso-
res criando situações de monitoramento, controle e vigilância de movimento. O que
podemos dizer aqui é que as obras com mídias locativas, tendo como fundo o espaço
urbano, visam trazer à tona dimensões materiais e não-materiais dos lugares. Elas
buscam, como mostram os trabalhos de Renaud e de Annie do ATSA, injetar realidade
e fazer com que o lugar assim produzido (como um não-lugar, asséptico, convivial, se-
guro) possa fazer sentido. Um percurso turístico proposto é o mesmo para todos. Um
percurso turístico alertando para os lugares onde o turista será vigiado tem uma outra
conotação. Se as câmeras produzem o sentimento (atual e futuro) de medo no “sujet
insécur” (ver comentário sobre o assunto com a palestra de Rosello), pela sua própria
materialidade, elas são também, pelo caráter normativo, produtoras de “não-lugares”.
Talvez possamos dizer que as práticas artísticas, aí incluindo as câmeras e demais dis-

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positivos de vigilância, sejam tentativas de ressignificação dos lugares pela visualiza-
ção de processos invisíveis, embora performativos, no espaço urbano, revelando o que
está oculto (na materialidade das câmeras, nos espectros de rádio de zonas Wi-Fi, celu-
lares, RFID, GPS...). Essa revelação seria uma forma de “desterritorialização”, ou seja,
de transformação desses “não-lugares” em um lugar social (zonas de envolvimento das
coisas que fazem sentido coletivamente). Aqui, mais uma vez, os projetos desses artis-
tas “injetam” o real nos ideais racionalizantes e asseptizantes do planejamento urbano,
criando um espaço socialmente produzido (Lefebvre).

Literatura Digital

A primeira mesa-redonda foi sobre a “Littérature Electronique”, no 10o Festival


Littéraire International de Montreal, com a presença de Hervé Fischer, Yannick B.
Gélinas, Bertrand Gervais, Alice van der Kei e Bruno Guglielminetti, coordenador. A
discussão ficou na temática dos anos 1990, a saber a literatura multimidiática, o hi-
pertexto, o papel do leitor, agora autor, etc. Pouca discussão sobre a atualidade do fe-
nômeno como os blogs e nada sobre os novos formatos como a literatura por telefone
celular (muito popular no Japão) ou as experiências de construção literária multimi-

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diática com as ferramentas locativas, como tenho exemplificado no Carnet de Notes.
A discussão, ao meu ver, foi interessante para um público leigo. O debate girava em
torno de falsas questões: se o meio digital suporta ou não a literatura (blog é literatu-
ra?, hipertexto é literatura?), se o novo formato vai apagar as outras formas literárias,
se será o fim da memória pela volatilidade eletrônica, se o leitor é ainda leitor ou um
interator, etc.

Toda literatura é um hipertexto, no qual o leitor é sempre ativo. Sou um leitor de


romances e me sinto parte ativa da obra e me deleito com histórias contadas por outros
sem que eu tenha que me colocar ou participar de alguma forma outra que não seja
lendo. Há diferenças, entretanto, entre os formatos (e sempre foi assim desde a inven-
ção da escrita). Com o meio digital, a rede cria possibilidade de escritas coletivas (ve-
jam o meu “Janelas do Mundo” – http://andrelemos.info/janelasdomundo). O meio
digital e as tecnologias de acesso permitem formas diferenciadas de leitura (quando,
onde e como) e a liberação da emissão abrindo as vias da distribuição a jovens escri-
tores (que normalmente têm as portas das editoras fechadas). Trata-se, na realidade,
não do fim da literatura (quem poderia decretar isso?), mas da emergência de novos
suportes e, consequentemente, de novos estilos. E “A” literatura é isso no final das
contas, um amálgama de estilos que passou por diversos suportes até a canonização do

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códex medieval. A literatura não pode ser definida pelo suporte. Ela mudou ao longo os
séculos e hoje assume uma outra forma. Há assim uma reconfiguração de estilos, mas
não o fim da literatura. A literatura não é propriedade de um suporte. Não devemos
pensar um formato contra um outro. O que vemos hoje é uma ampliação (argila, papi-
ros, pergaminhos, códex, livros, hypercard, hipertexto web, blogs, microblogs, celular,
mídia locativa...). E cada suporte tem seu charme, sua poética e seus leitores. No fundo
somos nós os multimidiáticos, não os suportes. O que vemos hoje é uma expansão de
formas expressivas da ficção e cabe aos artistas escritores definirem seus rumos. A
questão não é a morte de uma forma hegemônica, o Códex, mas a abertura e o convívio
de várias maneiras de se “contar histórias”, além da literatura.

A mesa chamava a atenção para a necessidade de se conservar a memória (supos-


tamente garantida no impresso e fragilizada com o digital) e que ainda haveria neces-
sidade de um suporte material. Ora, mais uma vez tenta-se aplicar procedimentos do
códex ao meio digital. Podemos certamente dizer que a memória que temos da litera-
tura mundial está longe de ser uma memória exaustiva do que foi produzido nas diver-
sas épocas da humanidade. Livros foram destruídos, escritores banidos, reprimidos...
(vejam o belo livro “História universal da destruição dos livros - Das tábuas sumérias
à guerra do Iraque” do venezuelano Fernando Báez). A memória que temos hoje na

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materialidade do impresso é aquela produzida por poderosos vencedores ao longo dos
séculos. Hoje a efemeridade do digital pode ser um traço do estilo... e será conservado
aquilo que mais circular, já que no digital o consumo é a circulação. Talvez esta forma
de manutenção de uma memória literária coletiva aberta seja mais interessante do que
aquela assumida por instituições que filtram e estão a mercê dos poderes constituídos.
Mais uma vez os três princípios gerais da cibercultura se aplicam aqui: emissão, cone-
xão, reconfiguração.

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Ciberflânerie em Québec.
Percurso caótico.

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Segunda, 05 de maio de 2008
Depois do evento acadêmico no Palais de Congrès pela manhã, passei o dia todo an-
dando, conhecendo a bela cidade do Québec, com certeza a mais europeia das cidades
canadenses. Aqui nasceu o Canadá, sendo descoberto em 1535 pelo francês Jacques
Cartier. Capital da província do Québec, 94% da população são de origem francesa. A
Universidade de Laval foi fundada em 1663 pelo padre Montmorency-Laval quando
só havia 600 habitantes por aqui! Andei muito e marquei meus percursos com o “GPS
Tracker”. Os mapas e as impressões imagéticas estão no “ciberflânerie”.

O interessante do “GPS Tracker” é que ele não é um localizador com mapas (como
os equipamentos de GPS tradicionais, ou os GPSs embarcados em telefones celulares),
ou seja, não sei por onde estou andando, nem o que encontrarei pela frente, nem mes-
mo o que tem ao meu redor (a não ser o que meus olhos alcançam). Descubro as coisas
andando ao acaso, ou com guias e mapas que não uso muito normalmente. Vejo coisas
de interesse “turístico”, também, mas gosto de andar e ver pessoas, mercados, ruelas
sem dar muito sentido ao percurso. O GPS não é para mim um guia, um indicador de
percurso. Ele é um instrumento de localização a posteriori para ver os desenhos que fiz
sobre o espaço urbano, desenhos pessoais, invisíveis e que me ajudam a dar sentido ao

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meu percurso. Até esqueço dele. O dispositivo é mais um instrumento para o futuro me
mostrar o passado do que um validador do presente: um instrumento mnemônico e lo-
cativo que só uso a posteriori. Praticamente, só vejo o meu percurso quando exporto os
dados como arquivo “klm” e abro no Google Earth. Só vejo o traçado quando lanço os
dados no Google Earth e ele, magicamente, aparece (com erros). Depois vou colocando
as impressões que guardei em forma de fotos, vídeos ou posts no meu ciberflânerie.

O “GPS Tracker” não é o mapa com uma voz me dizendo “vire aqui ou ali”. Ele é
assim uma ferramenta ideal para ciberflâneurs (embora totalmente dispensável), para
aqueles que não buscam a produção de um percurso eficiente ou a rentabilização ao
máximo dos custos da viagem. Para turistas objetivos buscando rentabilidade, o “GPS
Tracker” não serve para nada. Me interesso, particularmente, por essa deambulação
urbana, por essa “l’art de l’égarement”, como dizia Benjamin sobre Paris, e busco ver
como as mídias locativas podem servir mais para a desorientação, para o encontro inu-
sitado e casual, para a surpresa, do que para a localização, o monitoramento, o controle
ou a vigilância do meu espaço. Com o “GPS Tracker” refaço o passado no futuro e curto
o presente. O importante é a deriva, o nomadismo, a flânerie.

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Sobre este assunto, estou lendo agora dois livros: o de Jacques Attali sobre a história
universal do nomadismo, “L’Homme Nomade”, e um outro, mais ensaístico e ficcional,
“Éloge de la Mache”, número da revista Moebius, 116. Abaixo citações de três textos da
revista Moebius:
Ces marches sont orientées quand l’intérêt de la promenade tient tout entier dans
l’intervalle. La promenade n’inspire pourtant pas le respect qu’on accorde à la rigueur
du parcours semé d’observations exhaustives et méthodiques entre deux points. Le
parcours trace une ligne; la promenade, un cercle où le promeneur perd don chemin”
(Jean-Claude Brochu)

“...nous accueillons cette démarche (la flânerie, la promenade) comme une expérience
où l’être humain cherche à établir un équilibre entre corps et esprit (...) Appelons donc
cet état: rêvasserie” (Louise Cotnoir)
“Voici venu le temps où la marche s’arrête
immobile au milieu des souffles suspendus,
le goût de pleurer fendant seul la carcasse.
Ma carcasse. Ma car.
Rien, c’est tout.
C’est assez. Phénom
énalem...
...out.”
(André Brochu)

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Québec

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Terça, 06 de maio de 2008

Territórios

No “Musée de la Civilisation du Québec”, visitei também a exposição “Territoires”,


sobre a história da ocupação do Québec e das primeiras nações. Me deparei com defi-
nições de território que me parecem interessantes e muito próximas das que apresento
quando da discussão sobre o que venho chamando de “território informacional”. No
texto de Henri Dorion (“Un Territoire ou des Territoires?”), no catálogo da exposição
(“Territoires - Le Québec”, dirigido por Dekoninck, Marie-Charlotte, Musée de la Civi-
lisation, Edition MultiMondes, QC, 2007), podemos destacar uma citação de Christine
Chivellon e uma passagem de Dorion, respectivamente:

Il s’agit de considérer le territoire comme le résultat d’une appropriation d’un espace


offert comme champ de possible et (de) compreendre à travers ce travail opérer sur
l’espace, la mise en place d’un système sémique médiateur de la relation à l’Autre” (p. 9)

“Le território est l’espace vécu...on n’en est pas à la fin des territoires, mais plutôt à leur virtua-
lisation partielle, et surtout à leur complexification...” (p.12)..

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A primeira citação apresenta bem o que entendo como território informacional, esse
espaço de controle informacional digital, uma apropriação das camadas eletrônicas e
físicas de um espaço, criando um “lugar” no qual o que está em jogo são trocas comu-
nicacionais, ou seja, o embate com o “Outro”. A segunda citação remete a pregnância
do lugar e dos territórios frente à globalização e as tecnologias do ciberespaço. Como
estamos tentando mostrar, essas tecnologias, mais que nunca, não decretam o fim dos
territórios, dos lugares, mas suas virtualizações e complexificações.

Ainda no museu, visitei a exposição “Urbanopolis”. Sintomaticamente ela trata de


diversas questões do urbano, mas esquece completamente as mídias, os processos co-
municacionais e o impacto das telecomunicações na transformação do espaço urbano.
A exposição destaca a demografia, a poluição, os projetos futuristas, o passado das
cidades e as mudanças climáticas, mas não há nada sobre o papel das mídias. Como já
mostrei em artigos, urbanistas e arquitetos parecem ainda não absorverem a impor-
tância dos meios de comunicação na formação das cidades: a escrita, a imprensa, o
telégrafo, o rádio, o telefone, a TV e hoje as mídias digitais, incluindo as novas tecnolo-
gias da mobilidade, foram e são elementos fundamentais da construção social do espa-
ço. Para não dizer que não havia nenhuma referência, havia um projeto de estudantes

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da Université Laval para a cidade do Québec de 2108 (!). Uma maquete futurista na
qual se pode ler:

système de realité augmentée enveloppe les batiments (...) québec tisse des liens riche
et complexes entre monde réel et l’univers virtuel (...) des lieux de reencontre se forment
de façon aléatoire et spontanée à l’angle d’une rue...”.

2108???

Quarta, 07 de maio de 2008

Mobilidade Total

A conexão Wi-Fi no trem “Via Rail” de Québec para Montreal, que estou usando
agora, é um exemplo concreto da complexificação da mobilidade em direção a uma
“mobilidade total”. Aqui, temos todas as mobilidades: a física (corpo/transporte), a
informacional (acesso a informação com possibilidades de emissão e produção de con-
teúdo) e imaginária (os devaneios da minha mente em meio ao espetáculo que desfila

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pela minha janela...). Aqui, vemos essa nova heterotopia informacional de um “lugar”
que se desloca (o trem, como o navio para Foucault). Esse lugar (trem) ganha uma
nova função (heterotopia), um novo sentido, ao permitir o acesso e a produção de in-
formação, como estou fazendo agora. Há várias implicações positivas e negativas (que
não vou desenvolver agora), mas apenas indicar: várias pessoas estão, como eu, conec-
tadas, trabalhando, ao invés de estarem curtindo a viagem; não há muita conversa, a
não ser duas senhoras que estão atrás de mim e não param de falar. Temos aqui um
trem como qualquer outro, só que com novas funções, que tenho chamado de hetero-
topia do controle informacional. Vejam a análise que fiz do avião anteriormente e que
remete a esta mesma discussão.

As novas heterotopias são uma das questões mais importantes da nossa época. Mi-
chel Serres, em “Les Messages à distance” (Editions Fides, Montreal, 1995) que estou
lendo agora nesse trem (sim, deixo a conexão de lado e leio, vejo a paisagem, ouço mú-
sica...), começa o livro mostrando as mudanças na dimensão humana do trabalho e os
regimes históricos que ele associa a, primeiramente, Hercules, como a força, o artesão,
depois a Prometeu, como o fogo, a máquina industrial, e agora Hermes, a comunica-
ção, a mensagem. Estamos, segundo Serres, no regime dos “Angelos”, os mensageiros.

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Na passagem abaixo vemos bem o trabalho em meio a essa “mobilidade total”. Ele
afirma:

Considérez, le matin, lorsque vous partez au travail, la foule qui s’écoule par les rues:
combien peu de Prométhées, encore moins d’Hercules et d’Atlas, pour tant et tant
d’Archanges, partant en voyage, porteurs de messages? Nous vivons désormais dans
une immense messagerie, où nous travaillons, pour une majorité, comme des messa-
gers: partons moins de masses, allumons moins de feux, mais transportons des mes-
sages, qui, parfois, commendent aux moteurs. Messagers, messages et messageries,
voilà, en tout, le programme du travail. Aux plans de l’architecte, aux dessins industriels
succèdent réseaux et puces.” (p. 12).

Sábado, 10 de maio de 2008

Elektra

Ontem à noite, fui ver o festival internacional de artes digitais, “Elektra”, em sua
nona edição. Há uma programação extensa em locações diferentes na cidade. Na pro-
gramação de ontem no “Usine C”, instalações e performances. Vou destacar apenas

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duas obras. A instalação “Capsule Optofonica”, uma cabine que envolve o usuário com
sons e imagens (há também vibrações sentidas no chão). No interior há um palm com
tela táctil na qual se escolhe o clip e ajusta-se a altura do sistema sonoro. Interessante
a atmosfera criada e o universo sonoro e imagético acionado. O mais interessante foi
a performance TVestroy, de Thomas Quellet, Fredericks + e Danny Perreault. com
projeções e telas de tv experimentando a relação entre imagem e som. Som e imagem
emergem simultaneamente: o som é a imagem! Hipnótico e perturbador. O som faz
uma grande diferença: potente, super graves, reverberando no corpo. Uma experiência
corporal intensa...

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entrada do espaço Electra com
lustre de garrafas Pet.

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Tvestroy, Festival
Elektra, Montreal

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Vista do terraço do Montreal Museum
of Archeology and History,
Pointe-à-Callière, onde Montreal
foi fundada em 1642

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Terça-Feira, dia 21 de maio de 2008
Participei da pré-conferência “The Global and Globalizing Dimensions of Mobile
Communication: Developing or Developed?” no “International Communication As-
sociation”, ICA, aqui em Montreal. O evento foi de alto nível centrado em diversos
aspectos do uso do telefone celular. Muitos dados e poucos voos teóricos, mas bastante
interessante para ter uma visão geral dos estudos e para conhecer as micro e macro-
relações sociais com o uso do celular.

Os palestrantes mostravam suas pesquisas, os dados coletados e as análises gerais.


Nada surpreendente, mas olhares locais que ajudam a ter uma visão global dos diver-
sos usos do telefone celular: mulheres e patriarcalismo, mercados na Índia, circulo
íntimo e reforço identitário, circulação financeira, design e educação...Foi dado um
panorama dos usos do celular em vários países. As palestras praticamente não abor-
daram as experiências com as “locative media”, arte ou games. A discussão sobre o
espaço urbano é periférica.

A abertura foi com uma palestra, genérica, de James Katz. O título prometia algo
ligado à cognição, mas esse foi apenas tangencialmente tocado. Katz mostrou o celular

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como um objeto “naturalizado” (ele não usou esse termo), expondo fotos dos mais di-
versos momentos do aparelho na vida quotidiana. Mostrou o celular como artefato cul-
tural (é produzido por e produz novos hábitos, crenças e costumes). Apresentou tam-
bém algumas vantagens e desvantagens do dispositivo, sempre com dados mundiais.
Segundo Katz, há hoje uma grande dependência: 51 por cento das pessoas dizem não
poder viver sem um celular, criando o que ele chamou de “nomophobia” ou “no mobile
phone phobia”. E isso é muito presente no uso que os jovem fazem do aparelho. Sem o
celular eles se sentem fora da vida social. Além disso, se você não tem um celular, você
se torna um problema para as outras pessoas. Depois vieram as comunicações.

Kas Kalba mostrou a penetração do telefone celular no mundo e sugeriu como hipó-
tese uma correlação climática. O desenvolvimento começou nos países frios e estaria
migrando para os países quentes. Explicou a penetração da telefonia móvel na Itália
pelo pioneirismo no uso de “pay-payed phone”. As correlações são difíceis. México e
Brasil têm menos celulares que Rússia e Estônia, embora os países latinos tenham um
PIB maior que os nórdicos. Rivka Ribak, apresentou os resultados de suas pesquisa
com mulheres e adolescentes, no oriente médio. O uso do celular é universal, mas
afetado pela cultura. O global negocia com o local. Com práticas patriarcais, criam
diferentes formas de adoção e resistência do uso por adolescentes na Palestina. Ela

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realizou uma etnografia entre 2003 e 2005 com garotas de 16 a 18 anos. Apresentou
questões como: que idade é aceitável para dar um celular para meninas? O marido
pode acessar o celular da mulher, e vice-versa? Como conclusão apontou para os anta-
gonismos presentes na adoção do celular na Palestina. A tensão se dá entre tradiciona-
lismo e progresso; protecionismo e liberalismo... Já Dana Diminescu se interessa pelo
fluxo financeiro e dos migrantes e como a telefonia móvel age nesse contexto. A pes-
quisa busca entender como os migrantes desenvolvem suas relações com a mobilidade,
a conectividade e o controle. Ela centrou a discussão na relação entre migrantes e a
transferência bancária, mostrando criticamente a relação entre os “mobile operators”
e as “credit card companies” (atingem hoje 200 milhões de trabalhadores). A pesquisa
analisou a situação em países como Filipinas, Quênia, Índia e França. No entanto, o
conceito mais interessante apresentado foi o de “habitèle”, proposto por Dominique
Boullier. Habitèle é

a concrete form of connectivity. It refers to all the underpinning of our feeling of be-
longing - city, national, bank, social networks. Para Boullier, “l’habitèle désigne ainsi
ces dispositifs portables chargés d’information qui nous maintiennent en lien avec nos
mondes d’appartenance et qui ‘étendent notre bulle’ (E. Goffman) au-delà de l’espace
de co-présence. Les objets deviennent alors une part de nous-mêmes, ils deviennent
en cela très singuliers, car deux portables identiques à la production ne le restent guère

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dès qu’ils sont entre les mains de deux utilisateurs, d’autant plus facilement que le nu-
mérique les rend plastiques, transformables, paramétrables en fonction de la personne.”

Ou seja, tudo que diz respeito a acesso e pertencimento a um território informacio-


nal: senhas, códigos e poder em forma de bits e bytes. Habitèle é como uma “segunda
pele”, um novo território, um “território informacional”, uma zona de acesso informa-
cional controlada.

Já Katie Lever apresentou sua pesquisa com estudantes secundaristas nos EUA para
saber como eles usam o iPod, como eles consomem “mobile music”. Criou um grupo
focal com 43 estudantes e analisou 200 questionários na primavera de 2007. Buscou
responder perguntas como: o que o motiva a ter um MP3 player? Onde e quando usa?
Sentem-se isolados?...etc. A questão da pesquisa é se os MP3 players causam isola-
mento ou, ao contrário, criam “community building”. Há hoje 90 milhões de usuários
de iPod. Ela citou autores que abordaram o tema como Bull (público e privado), Coy-
ne (situação, não-lugar), Gergen (“absence presence theory”), Garfinkel, 1967 (“social
control” - controle sobre o ambiente). Para ela, a ideia de um “soundtrack for life”
remete ao “non-place”. A ideia é que, já que me isolo e crio o meu som, estaria produ-
zindo um “não-lugar”. No entanto, como mostrei em outro post, podemos pensar que

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o usuário apenas cria uma modulação do lugar (o som). Mudando o som, muda-se a
relação com o lugar. Conclusão: os jovens usam os players para mudar de humor, es-
capar de constrangimentos e criar outra relação com o espaço e o tempo.

Quarta feira, dia 22 de maio de 2008


Continuando as apresentações no ICA em Montreal, Andrea Kavanaugh, do Vir-
ginia Tech, HCI, explorou a relação entre o uso do celular e os iletrados. Apontou o
celular como “scaffolding technology” (scaffolding : abrigo para trabalhadores) e mos-
trou problemas e ideias para o design dos aparelhos. Ela entrou em algumas particu-
laridades e citou o “jitterbug cellphone” (telefones com apenas o pad com números,
on-off e 911) como sendo útil para pessoas analfabetas. Depois, Dawna Ballard, dos
“communication studies” da Universidade do Texas, apresentou sua pesquisa sobre
temporalidade, aqui compreendida como as relações pragmáticas como a conexão, a
conectividade, o tempo de uso, a hiperconexão (usar sem parar SMS, e-mail, blogs,
Facebook, Twitter...). Em estudo com 2400 pessoas e 17 países mostrou que quase
17% das pessoas são hoje hiperconectadas. A relação com o celular implicaria novos

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padrões globais e locais do tempo (temporalidade pensada como frequência de uso).
Noções como “perpetual contact” (Katz, et al), “space of flows” (Castells), “network
time” (Hassan), “presence-absence” (Fortunati), entre outras perpassam a pesquisa.
Há particularismos culturais. Citou também a inter-relação entre microblogging e co-
presença, dando o exemplo de um evento onde os organizadores mudaram a dinâmica
depois de discussões no Twitter, mesmo estando todos no mesmo lugar.

Já Gwen Shaffer da Temple University, Philadelphia, analisou o sistema de acesso


às rede “peer-to-peer” e apontou como este pode ajudar a diminuir o “digital divide”.
O enquadramento da discussão se deu em termos de economia política, esfera pública
e mobilização social. A solução apontada, depois de fracassos no MetroFi, Earthlink,
etc, é em sistemas peer to peer com mesh e ad hoc networking. Há problemas de mo-
delos de negócios e os sistemas abertos parecem ser uma alternativa. 54% dos usuários
dizem usar conexão de outros. Citou exemplos de mesh como Meraki, Fon, Whiser, já
mostradas no Carnet de Notes e também experiências com as “community networks”
como Upsi, Seattle Wireless, Juneau Wireless, entre outras, ou ainda as europeias
FunkFeuer, Guifi.net, Athens Wireless, Metropolitan Network, czfree.cz, usando open
source software. Os obstáculos são as ISPs (Internet Service Provider), a regulação
Federal e o medo em relação à segurança e à privacidade.

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Timo Saari, também da Temple University, discutiu o uso social e o espaço públi-
co. Como temos mostrado aqui, a “ubiquitous computing” reúne processamento de
informação, redes sem fio, sensores e dispositivos móveis, “integrated into everyday
objects and activities”. Aqui o termo é sinônimo de “pervasive computing”. Citou
o trabalho de Hiroshi Ishii e sua ideia de “ambient media”, com zonas de fachada e
de fundo (foreground x background). Mostrou vários exemplos em que o contexto
(o lugar) conta: orientation, multitasking, mobilidade, criando o que ele chamou de
“psychological sphere”! A pergunta que sua pesquisa tentou responder foi: “what is
the effect of context on our use of cellphones?” No meu caso, a questão é a mesma mas
invertida: “how te context change with the use of cellphone (microrrelacão social, no-
vas funções para antigos lugares, novas funções para novos lugares...), ou seja, como o
uso do celular muda a relação com o contexto! Afirmou que o futuro é “location embe-
dded/physical embedded” e que estaríamos ainda na era da “ubiqutous computing”,
caminhando para o “embedded universe”.

Scott Campbell da University of Michigan discutiu a relação entre “mobile com-


munication and public space”, interessado nas relações entre as tecnologias móveis
e o engajamento cívico e político. Mostrou que há duas formas gerais de relação com
o espaço público: uma informal - doméstica, pessoal, e uma outra formal, política e

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cívica, como as diversas manifestações conhecidas como “smart mobs”. Citou Castells,
Rheingold e Putnam, mostrando o declínio do capital social nos EUA. Sua pesquisa
está centrada nos usos: “information exchange / sociability / recreation”. Afirmou
que os estudos anteriores da internet estavam centrados em questões como “isolation,
alienation, less face to face”. No entanto, ele afirma que há, diz sua pesquisa, formas
de “community building”, “informal socializing” que reforçam o capital social e que
esse uso informal é importante para um uso mais formal das tecnologias. Segundo afir-
ma, a tendência é haver um aumento do engajamento civil e da participação política.

Rich Ling mostrou sua pesquisa sobre o uso do celular em círculos íntimos se per-
guntando se o dispositivo reforça ou não as relações mais íntimas. Ling fez uma pes-
quisa sobre a situação na Noruega e na Ucrânia com 2325 questionários respondidos
na Noruega e 1028 na Ucrânia. Na Noruega a situação é de uma maior penetração e
uso de SMS: todos tem celular. Na Ucrânia, apenas os mais jovens. A Ucrânia usa mais
voz que SMS, depois e-mail e IM. Na Noruega o celular tem forte penetração entre
os teens, sendo o uso de SMS bastante difundido. Já o e-mail é pouco usado, sendo
considerado uma ferramenta para “velhos”. Ling apresentou vários dados e na conclu-
são afirmou que os celulares suportam interação no “intimate space”, que os serviços
avançados (Web, IM, Microblogging, etc) “have only limited acceptance”.

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Jonathan Donner, da Microsoft Research Índia, mostrou uma tipologia do uso dos
celulares na Índia para o comércio informal. Os celulares ajudam a reduzir custos,
permitem uma comunicação de proximidade e informal com clientes e fornecedores,
na qual ele facilita as “trust-based relationships”, aumenta a produtividade e seriam
vitais “not for make but for getting money”. Citou exemplos sobre o mercado de peixes
na Índia. O celular serve aqui para: “serve costumers, get price information, coor-
dinate with trusted partners, serving existing customers, acquire new constumers,
bypass middleman, start new business”. Seria também uma forma de substituição dos
telefones fixos. O mote é a micro-coordenação e a mobilidade para pescadores, taxistas
e comerciantes, afirmou. O celular potencializa os negócios já existentes, ao invés de
transformá-los completamente. Da mesma forma, Harsah de Silva, mostrou os bene-
fícios econômicos do acesso à telefonia móvel na Índia, no Paquistão, no Sri Lanka,
Filipinas e Tailândia.

Por último, Rich Ling apresentou o trabalho de Helmersen, da Telenor, sobre a prá-
tica dos “missed calls”, ou seja o uso do celular como código sem pagar a comunicação:
uma pessoa liga e desliga antes da outra atender, deixando o numero registrado e,
consequentemente uma mensagem: “quando eu ligar, isso significa que já cheguei no
lugar do encontro”, por exemplo. Segundo a pesquisa, há problemas de congestiona-

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mento do tráfico na rede e não há lucro para as empresas, já que 2/3 do tráfico são de
“missed calls”. A pesquisa desfaz também alguns mitos: 1. que apenas as pessoas com
poucos recursos fazem esse tipo de ligação; 2. que a motivação é apenas econômica,
mostrando que isso faz parte do “teens entertainment”. Interessante pesquisa sobre
um aspecto das relações com o celular ainda pouco estudado.

Terça, dia 27 de maio de 2008


Estou concentrado revisando a bibliografia e escrevendo um artigo sobre “pervasive
games”. Os “pervasive games” são jogos na rua com tecnologias móveis e redes sem
fio. Há inúmeros exemplos e experiências de fusão do espaço eletrônico com o espaço
físico, criando um “território informacional” próprio do “lúdico”. E o lúdico sempre foi
uma maneira de socialização, de criação da cultura (ver Huizinga e Callois) e de apro-
priação das tecnologias e do espaço urbano.

No domingo passado fui ao parque Mont-Royal, a “praia” aqui, e pude ver um “role
play game” medieval onde equipes travavam batalhas de campo (roupas de época,
discussão de estratégias e táticas, batalha de campo...). Vemos aqui tudo de um street

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game: sociabilização, suspensão do espaço (público) e do tempo (objetivo, racional e
eficiente), na criação do “mundo do jogo”, apropriação e ressignificação do espaço pú-
blico. O espaço do jogo atraía pessoas que ocupavam esse espaço para ver, participar
ou apenas “estar ali” estabelecendo um sentido “temporário” do lugar. Os “pervasive
games” evocam a mesma ambiência, saindo das telas dos computadores e indo para as
ruas. Nada muito novo, mas uma nova forma de apropriação das tecnologias móveis,
de ressignificação dos lugares e de formação de redes sociais, abrindo inclusive um
leque de aplicações comerciais e artísticas para o futuro próximo.

Quarta, 28 de maio de 2008


Conversei hoje com Jason Lewis, responsável pelo Obx Labs/Concordia University,
que desenvolve há alguns anos projetos interessantes ligados a textualidade, espaço
urbano e novas tecnologias digitais móveis, principalmente celulares. Conversamos
sobre os projetos “Citispeak”, “CityWide” e “Passage Oublié”. Todos exploram a rela-
ção com o espaço das cidades, a criação de pertencimento e de vínculo social, a produ-
ção textual pública e coletiva. “Cityspeak” foi apresentado em 2006 no MobileFest em

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SP, quando conheci o projeto. A obra explora a textualidade e o uso do espaço público
já que o sistema permite que pessoas enviem SMS que serão visualizadas no espaço
público (telão), criando assim formas de publicização de textos normalmente enviados
de forma privada. “Cityspeak is ephemeral graffiti, an exploration into using private
modes of communication to drive transient public displays of commentary about a
particular location.” Já “CityWide” usa ambientes com acesso a internet sem fio, hots-
pots (aqui aqueles disponíveis pela organização “Ile Sans Fil”), para criar uma zona
de “chats” entre as pessoas que ocupam o mesmo hotspot, criando memória e micro-
comunidades.

Citywide provides a way for geographically-based micro-communities to maintain communica-


tion with one another. The application makes use of the wireless hotspots provided by groups
such as Montreal’s Île Sans Fil to create a chat-space that is local to each particular hotspot. Use
it to converse with other visitors, shout out to the cute guy in the corner, post announcements, or
explore the history of previously posted messages.”

Já o projeto “Passage Oublié” aborda a relação com não-lugares, no caso o aeropor-


to internacional de Toronto (realizado de julho 2007 a maio 2008) e os processos de
controle de pessoas pós 9/11. Os usuários são convidados a deixar suas impressões por
SMS ou através de um laptop dentro da área de cobertura Wi-Fi do aeroporto sobre a

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questão do controle, da vigilância e da invasão da privacidade e do respeito à integri-
dade física e moral das pessoas. Um mapa interativo (touch screen) mostra aeroportos
envolvidos em “rendition flights”. O usuário pode olhar, tocar e contribuir.

Passage Oublié is an interactive artwork about extraordinary rendition, the practice whe-
reby terrorist suspects are made to disappear in a global network of detention camps.
This installation takes the form of a touchscreen kiosk at Toronto’s Pearson International
Airport, July 2007 to May 2008. (...) It is in this context that Passage Oublié displays
information about rendition flights and asks travellers the following questions: Are ren-
dition flights an acceptable means of dealing with the threat of terrorism? How is a
collaborating country’s credibility as a defender of human rights affected? Does the end
justify such means when it comes to the ‘war on terror’? Are the liberal democracies
involved in this activity compromising their cherished principle that one is innocent until
proven guilty?”.

Todas as experiências mostram o potencial das tecnologias móveis para ação no


espaço público, para produção textual coletiva, para criação de redes de sociabilidade
e para a implicação política das pessoas no espaço urbano.

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Sexta, 03 de junho de 2008
A primavera chegou e embora não faça ainda calor (chove e a temperatura está en-
tre 15 e 20 graus), a cidade está em festa. A avenida Mont-Royal fecha durante 4 dias
para as pessoas. Os comerciantes colocam coisas nas ruas com descontos atraentes. É o
festival “Nuit Blanche sur Tableau Noir”. Tem-se um sentimento de comunidade forte
e essa é uma das características do Plateau (o bairro). Música, pintura, performances,
oficinas, etc., fazem parte da festa. É a 13ª edição do evento e isso cria uma memória,
um sentimento de pertencimento ao espaço corrido e comercial da avenida. O evento
(temporário) ajuda a fazer desse “espaço” um “lugar” pelo uso “tático” (De Certeau)
que as pessoas fazem da rua. O som está presente, mas sem o barulho típico do Brasil.
Temos aqui um exemplo, banal, de como as mídias produzem um sentimento de per-
tencimento, uma heterotopia. No caso em questão são as rádios-poste (como conhe-
cidas no Brasil). É mídia de massa, com função locativa, mesmo que ela não reaja ao
contexto. Como expliquei, a rádio poste produz espacialização e assim pode ser consi-
derada uma mídia locativa analógica de função massiva, diferente das mídias locativas
digitais, que interagem com o contexto e desempenham funções pós-massivas.

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Pervasive Games

Volto à discussão sobre os games. Como escrevi, estou finalizando agora um artigo
sobre jogos com mídias locativas, que estou chamando de “pervasive computacional
games” (PCG). Fiz uma pesquisa exaustiva e encontrei 73 games desde 2000 até 2008.
Fiz uma análise dos PCG por ano, país, dispositivos utilizados, tipo de PCG, tipo de
jogo e redes sem fio utilizadas. Abaixo um resumo do artigo que deverá ser publicado
em 2009.

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Av du Mont-Royal fechada para comemorar a primavera

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Os Pervasive Computacional Games (PCG) aliam tecnologias digitais móveis e sis-
temas de localização permitindo uma interface entre os espaços eletrônico e físico para
fins de jogo. O lúdico é aqui a forma de espacialização criada com os PCG. Nos in-
teressa mostrar como as novas tecnologias digitais móveis produzem espacialização,
particularmente com os PCG. A espacialização se dá pelo uso de tecnologias, sensores
e redes digitais móveis (celulares, palms, GPS, AR devices, RFID chips e redes GSM/
GPRS, Wi-Fi, Bluetooth, Radio) e do espaço físico por meio de territórios informacio-
nais. Para mostrar esse processo de espacialização, discutiremos os sistemas baseados
em localização, as funções “pós-massivas” e a criação de territórios informacionais.
O objetivo é analisar, tendo como base a história dos PCG, as formas de espacializa-
ção criadas pelos “location based services” e “location-based technologies”. Para tanto
iremos rapidamente discutir categorias como jogo, espaço, lugar e território, propor
o conceito de “territórios informacionais” e de “funções pós-massivas” e no final ana-
lisamos 73 PCG (de 2000 a 2008) buscando identificar as formas de espacialização.
Veremos que os PCG produzem territórios informacionais com fins de jogo, criando,
temporariamente, heterotopias: 1. o uso do espaço físico para o jogo (hunt e chase são
maioria); e 2. a relação entre o espaço físico e o espaço eletrônico, sendo hegemônicos
os PCG de tipo LB.

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Quinta, dia 12 de junho de 2008

Wireless Place

Um exemplo de novos significados dos lugares com o uso das tecnologias móveis e
redes sem fio é a possibilidade de acesso à internet a partir dos lugares públicos. Venho
sempre ao parque La Fontaine, no Plateau, em Montreal. Ando de bike e leio. Quando
preciso me conectar tenho que sair do parque e ir a algum café. Hoje achei um ponto
de conexão Wi-Fi aberto (há vários fechados) e estou escrevendo. De todos os lugares
do parque, esse passa a ter um novo sentido e voltarei aqui mais vezes (com certeza há
outros que descobrirei depois).

O parque é um lugar público: pessoas passeando com filhos e cachorros, gente de


patins e bike, gente ouvindo música, tomando sol ou lendo. Um território com suas
leis, regulamentos e memória. Mas uma outra dimensão junta-se a essa: a informacio-
nal - o que venho chamando de “território informacional”. E a segurança do lugar me
permite usar um laptop sem a menor preocupação. Ou seja, o lugar é uma somatória
de diversos territórios e suas funções. Agora esse lugar tem uma nova função, uma

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heterotopia de conexão, adicionando à mobilidade física, outra, informacional (posso
navegar a vontade, blogar, microblogar...). Esse lugar agora tem um outro significado
para mim e posso sempre voltar aqui para curtir o parque e, quando não estou lendo,
ouvindo música ou vendo as pessoas passearem, me conectar à internet. As redes sem
fio e tecnologias móveis de acesso permitem assim, criar novas funções nos lugares,
adicionar elementos à memória do lugar e produzir novos significados. Não é um “não-
lugar”, não é um “lugar sem sentido”. É o mesmo Parc La Fontaine, mudando. Abaixo
bikes virando parte da mobília do Parc La Fontaine.

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Bike

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Bike

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Terça, dia 17 de junho de 2008
Mais uma “ciberflânerie”, feita com o “GPS tracker”, agora pelas pontes de Montreal.
No site (http://ciberflanerie.blogspot.com) é possível navegar pelas fotos e vídeos de uma
ida e volta ao/do Parc Jean Drapeaux, de bicicleta, com direito a um Piknic Eletronic.

Mais uma “ciberflânerie”

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Sábado, 21 de junho de 2008

Speed and its Limits

La splendeur du monde s’est enrichie d’une beauté nouvelle: la beauté de la vites-


se”. Filippo Tommaso Marinetti

Participo hoje de um evento no CCA – “Canadian Centre for Architecture” que dis-
cute a “velocidade e seus limites”. Nada mais bem-vindo do que essa discussão em
tempos onde não temos tempo para nada...aliás saio correndo agora para não perder
a abertura do evento.

A velocidade era, para o futurismo, uma religião e uma moral. Desde a revolução
industrial, a velocidade está sempre associada ao desenvolvimento, à performance e
à eficiência. Ser lento é quase uma ofensa. Aqui a velocidade liga-se ao movimento,
tendo na máxima aristotélica, “movement = life”, seu princípio fundamental. Mas esse
princípio derrapou rapidamente para “more movement = more life”, equação bastante
questionável. Recentemente, conversando um professor e artista das novas tecnolo-

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gias ele me dizia estar cansado da academia por ser ela muito lenta. E ele tem razão. A
academia é lenta já que a reflexão e a crítica exigem tempo, e o tempo é o inimigo da
velocidade. Temos certamente que pensar em Bergson e na dimensão enriquecedora
da “durée” e não do tempo descontínuo que regula as nossas vidas, como vimos no
começo deste livro.

Não é natural a forma como vivemos o tempo e o movimento, mas cultural. Cultu-
ras diferentes, todos sabem, vivem diferentemente o tempo e organizam suas vidas de
forma independente dos relógios ou da agenda semanal. Hoje, em tempos de “tempo
real” e da imediaticidade da informação, o freio à velocidade se impõe como um lugar
do pensamento. A aceleração, mais do que a velocidade, é o problema. Mídia e trans-
porte aceleraram os movimentos: aqui os movimentos virtual da informação e físico
dos transportes. O século XX, e mais ainda o século XXI, são séculos da velocidade e
da aceleração física e informacional.

Imagens do século XIX mostravam trens e a máquina de escrever como emblemas


dessa nova religião da velocidade e da moral do “mais rápido”. A mobilidade é o novo
culto que emerge no século XIX. Podemos pensar em três tipos de movimentos: lentos
(aceleração decrescente), rápidos (aceleração crescente) ou estáveis (aceleração nula)

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e devemos pensar nestas dinâmicas da mobilidade para compreendermos a cultura
contemporânea em meio à revolução das tecnologias e redes móveis.

Os debates no evento “Speed and its limits” foram multidisciplinares e não vou rese-
nhar o evento, mas apenas destacar alguns pontos que me fizeram pensar sobre ques-
tões ligadas à comunicação, à tecnologia móvel digital e ao lugar.

Pierre Merlin fez uma conferência sobre os problemas acarretados pela manutenção
dos atuais ritmos de velocidade (no caso da mobilidade física) e dos movimentos em
uma perspectiva da atual crise energética. Os constrangimentos para o futuro podem
ser colocados em três grandes pilares: energia, clima e finanças mundiais. Ele mostrou
que a velocidade dos transportes vem diminuindo: os aviões são mais lentos do que
nos anos 1980, os carros são mais rápidos, mas se deslocam a uma velocidade média
também menor do que no fim do século XX, e as políticas urbanas estão limitando
cada vez mais o uso dos transportes individuais de alto consumo de energia (carros),
priorizando os transportes coletivos (ônibus e metrô) e menos poluentes (a marcha e
a bicicleta). Há assim uma tendência que aponta para uma velocidade que, nos pró-
ximos 20 anos, vai estagnar e mesmo diminuir. Uma solução apontada por Merlin
seria criar, nas cidades, zonas que favorecessem a proximidade física, evitando assim

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grandes e dispendiosos (para o planeta) deslocamentos. Deve-se então estimular uma
outra concepção das cidades e começar a produzir o que Merlin chamou de “mobilité
paresseuse”, ou seja, uma “mobilidade preguiçosa”.

Infelizmente Merlin não analisou o impacto das novas tecnologias. Apenas apon-
tou que elas podem diminuir os deslocamentos, mas que não há relação direta entre
a diminuição dos deslocamentos e as novas mídias. E não há mesmo. Pelo contrá-
rio, quanto mais as mídias evoluem, ou seja, quanto maiores são as possibilidades de
transporte de mensagens, maior também é o número de transporte de pessoas e mer-
cadorias. As pessoas hoje se deslocam mais, tanto fisica como informacionalmente
(produzindo e consumindo informação, no que chamo de funções pós-massivas). Mas
poderíamos pensar que essa mobilidade não teria que ser necessariamente acelerada,
se criarmos condições para uma mobilidade “lenta” ou “douce” que estimule a flâne-
rie, a promenade, a errance, que o culto atual da velocidade tende sempre a inibir
como “perda de tempo”. Devemos pensar mesmo mais seriamente no que seria essa
“perda de tempo”. A cultura do futuro (dos próximos 20 anos) deve levar essa questão
a sério. Robert Levine falou de uma determinada cultura na Ásia onde essa questão
não faz o menor sentido. Ela só faz sentido em uma vida projetada no futuro, insen-

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sível ao aqui e agora. Ao falar sobre a perda de tempo, Levine foi questionado por um
nativo: “como é possível perder tempo?”

Tenho mostrado como projetos de artistas com as mídias locativas tendem a es-
timular uma apropriação criativa dos espaços urbanos, a criação de novos sentidos
dos lugares, o reforço da proximidade e da comunidade. Estes projetos são, certa-
mente, minoritários, mas devemos pensar neles como “sintomas” ou, na melhor das
hipóteses, como tendências. São ideias factíveis para uma melhor vivência no espaço
urbano. Essa apropriação é, por essência, oposta ao percurso rápido, eficiente e pou-
co atento ao contexto, como fazemos diariamente ao nos deslocarmos para “resolver-
mos coisas”, ou para “não perder muito tempo”. É certo que as telecomunicações não
diminuem a mobilidade e sempre o crescimento dos transportes físicos estiveram
associados à mobilidade informacional, às telecomunicações: navios e rádios, trem
e telégrafos, carros e telefones, aviões e internet...No entanto, as possibilidades de
uso das tecnologias móveis podem estimular um deslocamento mais lento e, talvez,
resgatar a proximidade evitando o imperativo da aceleração. Essa é a ideia chave:
não instituir a imobilidade, mas desenvolver uma velocidade menos agressiva e mais
compatível com o desenvolvimento sustentável do planeta.

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Pensemos, por exemplo, no uso dos dispositivos móveis e das redes de acesso a
informações sem fio. Certamente eles não me fazem imóvel, mas me permitem um
maior controle sobre a minha mobilidade. Eles possibilitam que eu possa coordenar,
sem aceleração do movimento físico, encontros. Podemos, e já fazemos várias dessas
ações atualmente: acertar encontros com um tempo mais fluido, ajustando-o por men-
sagens de voz ou de textos com celulares ou laptops; resolver problemas por telefone,
e-mail, SMS, web ou microblogs em qualquer lugar sem que seja necessário chegar
“rápido”; acessar informações em mobilidade (por exemplo, saber onde está passando
tal filme em um cinema próximo) que me permitam chegar com menos pressa aos lu-
gares; etc. Não se trata de inibir a mobilidade, mas de torná-la, por assim dizer, mais
lenta. Alguém na plateia recuperou a fábula de La Fontaine, “A Lebre e a Tartaruga”,
mostrando que quem ganha não é aquele que tem a maior velocidade (mobilidade ace-
lerada), mas o que desenvolve uma mobilidade persistente, focada em uma finalidade.
A fábula é hoje mais do que atual. As mídias locativas, potencialmente, para além do
buzz comercial (que nos colocam como consumidores e não como agentes produtores
e transformadores da realidade), podem ser esse conjunto de instrumentos inteligen-
tes para o desenvolvimento dessa “mobilidade preguiçosa”, junto, obviamente, com
outras ações que pensem no bem estar planetário e coletivo. Mas como sempre, nada

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está dado e, infelizmente, como diz Merlin, ainda há muito petróleo, gás e carvão no
planeta que irão, ainda por muito tempo, alimentar a aceleração.

Terça, 24 de junho de 2008


O bom de estar em Montreal é poder encontrar velhos amigos. Tomava um café per-
to da “Place des Arts” quando vejo passar um velho amigo, hoje com 73 anos, mas que
não me conhece. Ele sempre esteve próximo, seja em suas músicas, poemas ou roman-
ces. Esses são os amigos imaginários e virtuais (esse é um dos efeitos da mídia de mas-
sa, nos sentimos próximos de artistas e personalidades que admiramos), presentes em
momentos alegres ou difíceis. Quando o vi passar, fui em sua direção e me apresentei:

- Hi Mr. Cohen, my name is André, an old friend from Brazil. You don’t know me,
but you always gave me support with your work.

Ele me estende a mão e sorri. Digo a ele:

- You’re going to Brazil for a concert, right?

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Ele levanta as mãos e me responde:

- Oh, you know, I don’t know, maybe one day.

E sorri calorosamente. Digo: “yes, in São Paulo”.


Ele ri de novo. Sim, ele fará um concerto em São
Paulo, mas parece não se lembrar... E fará um con-
certo hoje à noite (os ingressos esgotaram no mes-
mo dia ao preço de 180 dólares), depois de 15 anos
sem se apresentar em público. Estava andando na
rua a caminho do teatro. Passava despercebido pe-
las pessoas!

Pergunto: “Can we take a picture?” Ele diz,


“Sure”. Me aproximo timidamente e ele me abra-
ça, colocando sua mão no meu ombro. Uma pessoa
que estava com ele fez a foto. Agradeço, desejo um
excelente show e me afasto... E hoje, dia da festa
festival de Jazz de dos 400 anos do Québec aqui em Montreal, quem
Montreal ganha o presente sou eu! Obrigado Mr. Cohen!

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Festival de Jazz

O festival de Jazz de Montreal é o mais importante


festival da cidade. No verão, são inúmeros festivais e
a cidade pega fogo. Eventos de rua, para todos os gos-
tos, de graça. A cidade se transforma completamente
e fica radiante. Pegava a bike e ia todos os dias para a
rua ver shows e o movimento das pessoas nos bares e
restaurantes. Aliás a bike foi o meu meio de transporte
principal até agora em Montreal. Passando a época das
grandes nevascas e a primavera chegando, abandonei
o metrô e o ônibus e me desloquei sempre de bicicleta.
Não só era mais saudável e divertido, mas também uma
maneira de conhecer a cidade, de encontrar os meus
lugares preferidos, descobertos, muitas vezes, ao acaso.

festival de Jazz de
Montreal

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festival de Jazz de
Montreal

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Sábado, 28 de junho de 2008

Internet, Freedom and Law

Enquanto no Brasil estamos vendo os reacionários projetos contra a liberdade na


rede (como o do Senador Eduardo Azeredo), aqui no Canadá, com pressões das cor-
porações de mídia americanas, a lei C-61, ameaça a liberdade de expressão, colocan-
do também nas costas dos provedores a tarefa de vigiar os usos de seus assinantes.
Escrevi junto com Sérgio Amadeu uma petição contra o projeto do Senador Eduardo
Azeredo e esperamos que a lei não seja aprovada como está e que haja mais discussão
no Brasil. Abaixo o texto da petição que escrevemos juntos pela internet, eu aqui e o
Sérgio em São Paulo. Vemos que, de norte a sul do planeta, os dinossauros das mídias
massivas e os conservadores de vários calibres estão querendo meter a mão no bem
comum que é o ciberespaço.

Petição contra o Projeto Cibercrime do Senador Eduardo Azeredo (nota: quando


fecho este livro, a petição está agora com mais de 140 mil assinaturas).

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EM DEFESA DA LIBERDADE E DO PROGRESSO DO CONHECIMENTO
NA INTERNET BRASILEIRA

A Internet ampliou de forma inédita a comunicação humana, permitindo um avan-


ço planetário na maneira de produzir, distribuir e consumir conhecimento, seja ele
escrito, imagético ou sonoro. Construída colaborativamente, a rede é uma das maiores
expressões da diversidade cultural e da criatividade social do século XX. Descentrali-
zada, a Internet baseia-se na interatividade e na possibilidade de todos tornarem-se
produtores e não apenas consumidores de informação, como impera ainda na era das
mídias de massa. Na Internet, a liberdade de criação de conteúdos alimenta, e é ali-
mentada, pela liberdade de criação de novos formatos midiáticos, de novos programas,
de novas tecnologias, de novas redes sociais. A liberdade é a base da criação do conhe-
cimento. E ela está na base do desenvolvimento e da sobrevivência da Internet.

A Internet é uma rede de redes, sempre em construção e coletiva. Ela é o palco de


uma nova cultura humanista que coloca, pela primeira vez, a humanidade perante ela
mesma ao oferecer oportunidades reais de comunicação entre os povos. E não falamos
do futuro. Estamos falando do presente. Uma realidade com desigualdades regionais,
mas planetária em seu crescimento.

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O uso dos computadores e das redes são hoje incontornáveis, oferecendo oportuni-
dades de trabalho, de educação e de lazer a milhares de brasileiros. Vejam o impacto
das redes sociais, dos softwares livres, do e-mail, da Web, dos fóruns de discussão, dos
telefones celulares cada vez mais integrados à Internet. O que vemos na rede é, efetiva-
mente, troca, colaboração, sociabilidade, produção de informação, ebulição cultural. A
Internet requalificou as práticas colaborativas, reunificou as artes e as ciências, supe-
rando uma divisão erguida no mundo mecânico da era industrial. A Internet represen-
ta, ainda que sempre em potência, a mais nova expressão da liberdade humana.

E nós brasileiros sabemos muito bem disso. A Internet oferece uma oportunidade
ímpar a países periféricos e emergentes na nova sociedade da informação. Mesmo com
todas as desigualdades sociais, nós, brasileiros, somos usuários criativos e expressivos
na rede. Basta ver os números (IBOPE/NetRating): somos mais de 22 milhões de usu-
ários, em crescimento a cada mês; somos os usuários que mais ficam online no mun-
do: mais de 22h em média por mês. E notem que as categorias que mais crescem são,
justamente, “Educação e Carreira”, ou seja, acesso à sites educacionais e profissionais.
Devemos assim, estimular o uso e a democratização da Internet no Brasil. Necessita-
mos fazer crescer a rede, e não travá-la. Precisamos dar acesso a todos os brasileiros e

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estimulá-los a produzir conhecimento, cultura, e com isso poder melhorar suas condi-
ções de existência.

Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar


a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Se-
nador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço
das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso
à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável
criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o
projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão
transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas
serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto
é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de
instaurar o medo e a vigilância.

Se, como diz o projeto de lei, é crime “obter ou transferir dado ou informação dispo-
nível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado,
sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando
exigida”, não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já se-

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ria um crime por “cópia sem pedir autorização” na memória “viva” (RAM) temporária
do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches
de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comuns dos usuários
que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publi-
cação online em um blog, também seria crime. O projeto, se aprovado, colocaria a prá-
tica do “blogging” na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam
trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém!

Se formos aplicar uma lei como essa às universidades, teríamos que considerar a
ciência como uma atividade criminosa já que ela progride ao “transferir dado ou in-
formação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou siste-
ma informatizado”, “sem pedir a autorização dos autores” (citamos, mas não pedimos
autorização aos autores para citá-los). Se levarmos o projeto de lei a sério, devemos
nos perguntar como poderíamos pensar, criar e difundir conhecimento sem sermos
criminosos.

O conhecimento só se dá de forma coletiva e compartilhada. Todo conhecimento se


produz coletivamente: estimulado pelos livros que lemos, pelas palestras que assisti-
mos, pelas ideias que nos foram dadas por nossos professores e amigos... Como pode-

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mos criar algo que não tenha, de uma forma ou de outra, surgido ou sido transferido
por algum “dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou
em desconformidade à autorização, do legítimo titular”?

Defendemos a liberdade, a inteligência e a troca livre e responsável. Não defende-


mos o plágio, a cópia indevida ou o roubo de obras. Defendemos a necessidade de ga-
rantir a liberdade de troca, o crescimento da criatividade e a expansão do conhecimen-
to no Brasil. Experiências com Software Livres e Creative Commons já demonstraram
que isso é possível. Devemos estimular a colaboração e enriquecimento cultural, não
o plágio, o roubo e a cópia improdutiva e estagnante. E a Internet é um importante
instrumento nesse sentido. Mas esse projeto coloca tudo no mesmo saco. Uso criativo,
com respeito ao outro, passa, na Internet, a ser considerado crime. Projetos como esses
prestam um desserviço à sociedade e à cultura brasileira, travam o desenvolvimento
humano e colocam o país definitivamente para debaixo do tapete da história da socie-
dade da informação no século XXI.

Por estas razões nós, abaixo assinados, pesquisadores e professores universitários


apelamos aos congressistas brasileiros que rejeitem o projeto Substitutivo do Senador
Eduardo Azeredo ao projeto de Lei da Câmara 89/2003, e Projetos de Lei do Senado n.

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137/2000, e n. 76/2000, pois atenta contra a liberdade, a criatividade, a privacidade e
a disseminação de conhecimento na Internet brasileira.

Quinta, dia 10 de julho de 2008

My Winnipeg and Take Care of Yourself

Esta semana, assisti o filme “My Winnipeg” e visitei a exposição de “Prenez Soin de
Vous”, de Sophie Calle, duas obras interessantes pelo mecanismo mnemônico que elas
ativam e pela publicização da vida privada.

O filme “My Winnipeg”, 2007, do canadense Guy Maddin é uma narração em pri-
meira pessoa sobre sua vida e sua saída da cidade. Crítico e com muito bom humor, o
autor/personagem está em um estado de vigília e sono. Narra as suas memórias inter-
caladas com fatos marcantes da cidade. Não há praticamente diálogo entre os persona-
gens. Todo em preto e branco com imagens nervosas, o filme é como uma experiência
entre a ficção e o documentário. O diretor utiliza atores para representar membros de

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sua família, mas sua mãe não é verdadeira, e sim a atriz Ann Savage (embora o narra-
dor diga que não). Isso aponta para o jogo que o autor faz entre ficção e realidade nesse
excelente filme. O autor/personagem está sempre balançando entre o sono e a insônia
em um trem que desfila, pela janela, a saída da cidade. A imagem do trem mostra o
sono inquieto do autor e remete à dimensão do espetáculo, como o cinema, as viagens
por meios de transporte, e o sonho. Muito bom!

Já a exposição de Sophie Calle, “Prenez soin de vous”, apresentada na Bienal de


Veneza em 2007, é uma reação a um e-mail que recebeu de seu amante comunicando
o rompimento da relação. Ela enviou o e-mail à 107 mulheres (cantoras, atrizes, advo-
gadas, tradutoras, psicólogas, criminalistas, linguistas, etc.) e expôs, em diversos for-
matos, as mais variadas reações. Interessante e multimídia (mensagens escritas como
um SMS, cartas, traduções, fotos, vídeos, filmes...), a obra é uma forma de catarse da
artista. Ao compartilhar algo tão íntimo pela publicação dessa dimensão pessoal, uma
relação amorosa que só diz respeito aos envolvidos, a artista torna visível e público o
que é do regime das alcovas e do segredo. Em alguns momentos a exposição chega a
ser perturbadora pela exposição de si, do outro, mesmo anônimo, identificado por “X”,
e pelas reações analíticas ao e-mail (há análises jurídicas, criminológicas, psicológicas,
linguística, de conteúdo...). Há, na última parte da exposição, 33 telas, cada uma com

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um único plano sequência, nas quais personalidades, Laure Anderson, Jeanne More-
au, Maria de Medeiros, Victoria Abril, Miss Kittin, entre outras, comentam a missiva.
A exposição está na galeria DHC, em Montreal, e ocupa os seus quatro andares, mais
um anexo situado em outro prédio, na mesma rua.

Em uma sociedade cada vez mais voltada para a vigilância do outro (CCTV, mídias
locativas, reality shows, traços na internet, etiquetas RFID, GPS, etc), parece até es-
tranho que os artistas estejam, deliberadamente e espontaneamente, revelando suas
vidas privadas, suas memórias, como em “My Winnipeg”, e suas decepções afetivas,
como em “Prenez Soin de Vous”. Situações assim só nos indica o quanto a questão é
complexa e como a flutuação entre privacidade e vida pública está sempre por um fio.

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Sexta, 11 de julho de 2008

Algarve e Sevilla
Estou voando amanhã para a cidade do Faro, em Algarve, Portugal, para participar
da banca de um coorientando de doutorado e para ministrar um mini-curso sobre mí-
dias locativas.

Vou apresentar o resultado de minhas últimas reflexões sobre o tema, além de pro-
jetos que venho mapeando e mostrando no Carnet de Notes. A ideia é investigar a
relação das tecnologias de comunicação com o espaço urbano a fim de compreender
os processos de espacialização criados pelas mídias locativas: as novas tecnologias di-
gitais, as redes de conexão, a internet sem fio e os diversos sensores que reagem ao
contexto local de onde é produzida, consumida e distribuída informação, transformam
atualmente as bases da comunicação social e das mobilidades física e informacional.
Telefones celulares, GPSs, redes bluetooth, Wi-Fi, Wi-Max e etiquetas de radiofrequ-
ência (RFID) possibilitam trocas de informação localizadas, criando dinâmicas sociais
de apropriação, mas também de vigilância e controle, nos espaços urbanos. Uma cha-

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ve para compreensão desse fenômeno é reco-
nhecer o surgimento de um novo território: o
informacional. Emergem assim novas funções
nos lugares, novas heterotopias (Foucault).

Domingo, 13 de julho de 2008


Passei dois dias flanando pela belíssima Se-
villa que fica a apenas 2 horas de ônibus do
Faro. Visitei o Arquivo da Companhia das Ín-
dias, a Plaza de España e andei bastante. Belís-
sima cidade, com uma catedral impressionan-
te, a maior catedral gótica da Europa. Ao lado,
Sevilla
algumas fotos de Sevilla.

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Corrida pela arena,
tentando domar
um touro selvagem

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Catedral de Sevilla

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Plaza de España

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Segunda, 21 de julho de 2008

Paysages Ephemeres

De volta a Montreal. Quanto mais estudo as mídias móveis e locativas, mais me in-
teresso pelo uso das ruas, com ou sem dispositivos eletrônicos. Evento em Montreal,
Paysages Éphémères, propõe um uso temporário da rua através de diversas ações:
performances, instalações, mobiliário urbano, microesculturas... Nada de tecnologias
digitais, mas apropriação e uso das ruas buscando modificar a paisagem urbana. O ce-
nário é a avenida do Mont Royal, no Plateau, onde as obras, sem nenhuma publicida-
de, criam pequenos estranhamentos, pequenas hierofanias no cotidiano. Os visitantes
param, olham, fotografam, e se perguntam sobre a finalidade daquelas obras. O lugar
vivido e praticado ganha assim uma nova coloração. Sobre o uso temporário das ruas,
indico a leitura do interessante livro “Temporary Urban Spaces” (Hayden, Florian,
Temel, Robert. ed., Basel, Birkhäuser 2006), que apresenta vários projetos artísticos
que tomam o espaço urbano para explorações efêmeras. Os autores afirmam:

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Uses is, in any case, not a quality that is inscribed in things, buildings or spaces but
rather social relationship in the triangle of property, possession and right to use. In that
sense, use is a more or less flexible relationship within which people can make various
uses of one and the same thing or, expressed more generally, can relate to this thing in
different ways - and thus pursue different interests” (p. 26-27)

Terça, dia 22 de julho de 2008

Death of Free Internet

Já escrevi no Carnet de Notes sobre a perigosa quebra de neutralidade da rede. Na


petição que fizemos contra a lei do Senador Eduardo Azeredo, colocamos explicita-
mente essa possibilidade. Se os provedores vão monitorar as atividades dos usuários,
nada mais simples do que pensar que eles poderão, em um futuro próximo, dizer por
qual site e em que velocidade um usuário poderá passar. Essa é uma questão não ape-
nas brasileira, mas mundial. A morte da internet livre poderá ser selada nos próximos
meses no Brasil. No Canadá a coisa está feia. Coloquei no Carnet informações sobre

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as ações da Bell Canada e da Telus quebrando a neutralidade da rede e reduzindo a
velocidade das conexões em redes P2P. Há aqui a “Campaign for Democratic Media”:
Agora, texto publicado na Global Research Canada sobre o assunto, incluindo a recen-
te taxação de SMS - quem recebe paga também. Não é por acaso que o Canadá é o mais
atrasado dos países desenvolvidos na adoção de telefones celulares. Trechos do Death
of Free Internet is Imminent mostram o perigo:

(...) The free transfer of information, uncensored, unlimited and untainted, still seems
to be a dream when you think about it. Whatever field that is mentioned - education,
commerce, government, news, entertainment, politics and countless other areas - have
been radically affected by the introduction of the Internet. And mostly, it’s good news,
except when poor judgements are made and people are taken advantage of. Scrutiny
and oversight are needed, especially where children are involved. However, when there
are potential profits open to a corporation, the needs of society don’t count. Take the re-
cent case in Canada with the behemoths, Telus and Rogers rolling out a charge for text
messaging without any warning to the public. It was an arrogant and risky move for the
telecommunications giants because it backfired. People actually used Internet technolo-
gy to deliver a loud and clear message to these companies and that was to scrap the ex-
tra charge. The people used the power of the Internet against the big boys and the little
guys won. However, the issue of text messaging is just a tiny blip on the radar screens
of Telus and another company, Bell Canada, the two largest Internet Service Providers
(ISP’S) in Canada. Our country is being used as a test case to drastically change the

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delivery of Internet service forever. The change will be so radical that it has the potential
to send us back to the horse and buggy days of information sharing and access. In the
upcoming weeks watch for a report in Time Magazine that will attempt to smooth over
the rough edges of a diabolical plot by Bell Canada and Telus, to begin charging per site
fees on most Internet sites. The plan is to convert the Internet into a cable-like system,
where customers sign up for specific web sites, and then pay to visit sites beyond a
cutoff point. (referência - website: http://realitycheck.typepad.com/)

RFID, Spychip

As mobilidades física e informacional permitem desterritorializar e criar linhas de


fuga. Agora mesmo estou em um trem para Toronto, me deslocando fisicamente a
200km. Conectado via Wi-Fi, posso também me movimentar informacionalmente,
pelo ciberespaço, e posso ainda produzir informação e difundi-la virtualmente para
todo o planeta. Já escrevi muito sobre a “era da mobilidade” (leia-se, com dispositivos
digitais funcionando por redes sem fio): essa conjunção de mobilidade física e infor-
macional com produção livre de conteúdo. Já mostrei a mudança nos espaços mó-
veis, como este trem, mas também aviões, navios, ferries...com as novas tecnologias
móveis, os celulares e Wi-Fi. Mas essas mobilidades criam também novas territoria-
lizações, novas formas de controle informacional, de vigilância e de monitoramento.

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Neste exato momento meus passos no ciberespaço, assim como minha movimentação
física pelo território canadense, podem ser monitorados pelos rastros físicos e eletrô-
nicos deixados no meu caminho, meus tickets, fatura do cartão de crédito, log na rede
Wi-Fi do trem, minhas imagens em câmeras de vigilância. Não há ainda nenhuma eti-
queta RFID embarcada nem no meu corpo, nas minhas roupas, no meu Visa, no meu
passaporte e nem no bilhete do ViaRail, mas elas já estão chegando.

Sobre este assunto estou terminando o livro “Spychips” (Plume Book, NY, 2006)
das ativistas Katherine Albrecht e Liz McIntyre, da CASPIAN. O livro é de deixar qual-
quer um com os cabelos em pé. As autoras atacam empresas e protegem os consumi-
dores contra a invasão desses chips na vida privada, mostrando inúmeros atentados
em andamento e futuros contra os cidadãos, que não sabem que levam para casa essas
etiquetas. Elas mostram como essas etiquetas já estão em roupas, carros, produtos,
passaportes...O objetivo é melhorar a eficiência das empresas e a segurança dos go-
vernos, por um preço altíssimo: a nossa privacidade. Aqui alia-se mobilidade física,
de produtos e pessoas, e informacional (o chip emitindo a todo instante, à revelia do
usuário). Essa é uma das facetas mais nefastas das tecnologias e redes digitais sem
fio. Albrecht e McIntyre escrevem na primeira frase do livro: “Imagine a world of no
more privacy.”

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OCAD em Toronto

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Quinta, 24 de julho de 2008
Até sábado permanecerei na grande metrópole canadense para visitas, reuniões e
flâneries. Hoje, irei tomar café da manhã com Rob Shields para colocar assuntos em
dia e pensar nas perspectivas futuras de cooperação, visita à OCAD à tarde, e GPS tra-
cking durante todo o dia (fotos abaixo e no http://ciberflanerie.blogspot.com). Abaixo,
fotos do centro e de detalhes do Royal Museum em Toronto.

Royal
Museum
em Toronto

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Royal
Museum
em Toronto

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Royal
Museum
em Toronto

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Royal
M seum
u
em Toronto

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Sábado, 26 de julho de 2008

Meeting Place

Após três dias em Toronto, o que mais me chamou a atenção foram as diversas
e constantes marcas no chão. Não pude evitar olhá-las e tentar compreender essas
escritas urbanas. A cidade é riscada por graffitis, tags, cartazes, stickers, painéis pu-
blicitários, sinais de trânsito, avisos de controle do território reforçado das leis e re-
gulamentos, como: “essa área está sendo vigiada por câmeras de vigilância”, “proibido
ficar aqui”, “proibido flanar”, “proibido vendedores ambulantes”, entre outras. Estas
características são comuns nas metrópoles. No entanto, o que atraia mesmo o meu
olhar eram as marcas abaixo dos meus pés, os riscos pedindo para serem lidos, embo-
ra eu não tivesse, nem tenha ainda, a pedra de Rosetta para decifrar esses modernos
hieroglifos. Claro que elas são marcas para tornar mais eficiente o uso, a manutenção
e a inovação das infra-estruturas urbanas (como água, esgoto, redes de cabos de tele-
comunicações, vapor, eletricidade). Marcas visíveis das artérias desse grande artefato
técnico que são as cidades.

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O meu sentimento era o de andar sobre um mapa, na escala 1x1, onde a superfície
da cidade é o território e o suporte de inscrições e de informações. Como no “Del rigor
de la Ciencia” de Borges, o mapa aqui confunde-se com o território. As marcas no chão,
diferentes do uso tático dos graffitis nos muros e dos stickers em postes ou telefones
públicos, ou mesmo do uso comercial dos painéis publicitários, são índices visíveis de
usos estratégicos, performáticos, técnicos, para usar uma terminologia cara a Michel
de Certeau. E essas marcas estratégicas, mais do que táticas ou publicitárias, passam
despercebidas pelos habitantes da cidade. Várias pessoas me olhavam e dirigiam o
olhar para o chão quando me viam fotografando, como se percebessem os traços pela
primeira vez. O território concreto do espaço urbano é um verdadeiro palimpsesto:
marcas novas, marcas apagadas, marcas sobre outras marcas, e em várias tonalidades:
branca, verde, lilás, laranja e vermelha. Há marcas facilmente notáveis, como setas,
nomes e números, e outras só reconhecíveis por olhos técnicos e treinados: letras e
números compondo códigos ilegíveis, desenhos que mais parecem revelar a herança
de alguma civilização desaparecida.

Nesse espaço urbano marcado por grandes telões, câmeras de vigilância, redes Wi-
Fi, painéis solares em parquímetros e postes de iluminação, as marcas no chão pa-
recem anacrônicas, como os tramways que insistem em atravessar a cidade em seus

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trilhos que rasgam o asfalto. Elas parecem afirmar que os fluxogramas e esquemas
técnicos dos engenheiros e planejadores urbanos não são suficientes na hora de per-
furar o chão e mexer no corpo da metrópole. Volta-se assim à escrita analógica, se
podemos dizer assim, do grafo que tatua o corpo da cidade. Sem dúvida, trata-se de
uma mídia locativa, criando informação, veiculando mensagens indexadas a lugares
e objetos urbanos, produzindo uma memória técnica, instituída em um suporte ma-
terial bem preciso: o chão. Essas marcas são mídias de localização, criando transmis-
são e memória.

Comecei a escrever esse texto na CN Tower, a torre mais alta do mundo, e o pon-
to de observação mais próximo do céu criado pelas mãos humanas: 447 metros aci-
ma do nível do mar, e termino este escrito com os pés doendo, sentando em um café
no cruzamento da Carlton Street com Yonge Street, em Downtown, olhando pes-
soas pela janela. A mais de 400 metros do solo (e com a impressionante marca de
21 redes Wi-Fi disponíveis - abertas e fechadas, mas todas dando acesso mediante
pagamento) pude perceber o tecido e as outras marcas da cidade, muito mais visí-
veis do que as incrustadas a tinta no chão. Com uma vista de 360 graus, pode-se ver
alguns pontos da cidade, como: o lago Ontario, o porto, o aeroporto, a estrada de
ferro, os enormes prédios comerciais, os bairros a oeste com suas pequenas casas, e

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até cidades vizinhas, como Redmont, em NY, ou Niagara Fall, em Ontario. É uma
visão exuberante.

Pode-se ler pela “arqui-tetura” (“arché-techné”, a técnica “fundamental”), as di-


versas formas de construção da espacialidade. Toronto era York em 1793, funda-
da por franceses e depois tomada por loyalistas ingleses. Em 1834, York passou a
chamar-se Toronto, que significa em aborígine, “meeting place”. Hoje é a quinta ci-
dade da América, multicultural e pulsante. Vemos grandes e imponentes prédios no
centro, convertendo em altura o fluxo financeiro e o poder industrial, vemos o lago
com o porto, a estação férrea e o aeroporto, todos aglutinados, mostrando por onde
começou a cidade e como o lago estrutura esse grande hub com o mundo externo.
Em downtown, prédios gigantescos perto do porto, da Station e do aeroporto, como
se não quisessem se desprender da história e das trocas, como se quisessem, de
alguma forma, continuar ligados à fluidez das águas do grande lago. A oeste, peque-
nos prédios e casas revelando a extensão da vida social, Chinatown, Little Italy...
Dividindo os dois mundos, Yonge Street e a grande Avenida da Universidade, cul-
minando com o Parlamento, ao norte, Universidade de Toronto, a oeste. Algumas
indústrias, a leste, são visíveis também perto do porto (para beber das águas do lago
e escoar seus produtos).

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Quase 500 metros do solo, não vemos mais as marcas de tinta no chão, e sim uma
macro-escritura, construída e destruída ao longo dos séculos nessa tensa e dinâmica
construção social do espaço. Aqui, do alto, posso ler a paisagem e ver até onde meu
olhar alcança, diferente daquele que busca os detalhes, como as marcas no chão. Em-
baixo o barulho, as sirenes, as pessoas, as pequenas marcas como detalhes irrisórios
dessa grandiosidade que vislumbramos do alto. De cima, esses detalhes não são mais
do que pequenos sinais, minúsculas tatuagens no corpo desse grande organismo, pe-
quenas escritas estratégicas contracenando como traços nervosos, visíveis e invisíveis,
da vida quotidiana. O tecido urbano está sendo re-escrito, visível da torre e dos saté-
lites, ou percebido discreta ou invisivelmente no olhar que busca o detalhe do chão.
Essa construção social do espaço é produzida coletiva ou individualmente com tinta,
aço, concreto ou bits, com as diversas redes sociais, suas leis, seus movimentos e cons-
trangimentos. Ao descer, olho para todos os lados e sinto vertigens. Encaro o que está
na minha frente, para descobrir o que encontrarei no meu caminho. Olho também
para o alto, sentindo a pequenez e o estranhamento em meio à imponência e à força da
metrópole. E finalmente, volto a olhar para baixo, para o chão, para admirar, intros-
pectivamente esses traços que parecem arte e me fazem, mesmo sendo uma ilusão, ver
beleza e arte brotando do duro e quente asfalto. Ao lado e abaixo, fotos das marcas na
rua e vista da CN Tower.

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Marcas na rua

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Vista da CN Tower
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Vista da CN Tow
er

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Sunday, July 27, 2008
Ciberflânerie - Marcas invisíveis de marcas quase visíveis em 7km...

Ciberflânerie

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Terça, 29 de julho de 2008

Cybercartography

Tenho pensado sobre os mapas e suas relações com a comunicação e as novas tec-
nologias. Afirmei anteriormente que os mapas devem ser vistos como mídia. Em ar-
tigo em inglês, ainda no prelo, escrevia: “The uses of maps and mappings process are
unprecedented. With new locative media systems mapping is a new practice of place.
The use of GPS and other devices for location and location-based services puts em-
phasis on control and domination over a territory. We have also a social changing.
Technicians, governments and private companies controlled mapping. Now we have
an ownership shift because the bureaucratic power is now moving to the users, or-
dinary people. With electronicpopular mapping, the urban space is being used as a
tactic for produce sense in daily life, dealing with the constraints of rationalization
in urban modernity. We know that maps are constructions, ideologies represented in
the world and serve, always, to the constitutive powers. Today maps can be produced
to represent people, community, a more legitimate space and place that show how
people see and fell their environment. We have a button-up process of representing
the world, not mediated by the instituted powers.”

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Apresentei as marcas nas ruas de Toronto e o mapa que produzi das inscrições in-
visíveis de minhas caminhadas, através de um “GPS Tracker”. Um mapa de Toronto,
que recupera informações já disponíveis, coloca em destaque essas marcas, adiciona
o traçado do percurso através do “GPS Tracker” e adiciona fotos (exatamente o mapa
que fiz) pode muito bem ser chamado de uma “cibercartografia”. O conceito não se re-
fere a mapear o ciberespaço, mas em utilizar o potencial das novas tecnologias a fim de
criar sistemas abertos, participativos, modulares e inter-relacionados de informações
locativas sobre um determinado espaço urbano. E não está em jogo aqui uma pretensa
neutralidade técnica dos mapas, mas sim revelar o “ato” cartográfico, o cruzamen-
to de informações multimídias já disponíveis e as visões subjetivas como forma de
apropriação do espaço. Essa é uma das facetas do atual processo de espacialização das
mídias locativas. Vemos hoje uma profusão sem precedentes de construção bottom-up
de mapas, buscando apropriação social do espaço, reforço comunitário, experiências
artísticas... Vários projetos utilizam processos colaborativos e compilam informações
dispersas, no mesmo espirito do software livre e dos wikis. E é exatamente isso que
afirmam os autores Sebastien Caquard, Peter Pulsifer, Jean-Pierre Fiset e D.R. Fraser
Taylor, no interessante artigo “Introduction au concept d’acte cybercartographique :

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Genèse d’un atlas cybercartographique”, disponivel no Cybergeo, European Jornal
of Geographie. Sobre a evolução dos mapas na cibercultura:

L’évolution de ces atlas est par conséquent largement dépendante de la volonté de


communautés d’experts thématiques et de développeurs informatiques de les faire évo-
luer. Comme nous le verrons plus en détail dans la section suivante, les atlas cyber-
cartographiques ne correspondent donc pas à des atlas finis mais beaucoup plus à des
entités en perpétuelle évolution. (...) la cybercartographie correspond à une conception
interdisciplinaire de la cartographie combinant innovations technologiques, approche
scientifique et réflexion critique. Les atlas cybercartographiques qui en découlent se ca-
ractérisent notamment par leur modularité, leur évolutivité et leur interopérabilité, ainsi
que par une approche centrée sur l?utilisateur, par des artefacts multi sensoriels et par
leur perméabilité aux approches critiques. Ces atlas combinent donc différentes dimen-
sions de la cartographie contemporaine. Plus que l’une ou l’autre de ces dimensions
c’est cette approche résolument holistique qui caractérise probablement le mieux la
cybercartographie.”

Sobre o conceito de deriva, acaso, apropriação, como no meu exemplo das marcas
no chão das ruas de Toronto:

(...) C’est le concept de sérendipité - faculté de trouver quelque chose d’imprévu et


d’utile en cherchant autre chose - qu’utilise notamment William Cartwright (2004) pour
améliorer l’exploration de l’information géographique. Cette notion de sérendipité est

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fondamentale dans le domaine des sciences en général et dans celui des sciences de
l’information géographique en particulier. L’exemple le plus célèbre - même s’il n?est
pas nécessairement le plus glorieux - illustrant cette notion de sérendipité associé à la
cartographie est probablement la découverte involontaire de l’Amérique par Christophe
Colomb. (...) Déambulation et dérive caractérisent donc une même idée de résistance
aux pouvoirs structurants qu’ils soient politique, économique, idéologique ou culturel.”

Sobre a subjetividade e a visão crítica do “ato cartográfico”, inspiradas no conceito


de “ato fotográfico” de Philippe Dubois:

Détachée de tout contexte de production, la carte n’est plus une image construite de
l’espace, elle devient une miniaturisation ‘naturalisée’ de cet espace. Débarrassée de
toutes références aux choix successifs dont elle est la résultante - choix des données,
des méthodes d’analyse, de représentation, de diffusion, etc. - la carte présente sous
une forme qui semble objective la somme de choix qui sont par définition subjectifs.
La prise de conscience de l’existence de ces choix est indispensable pour bien faire
comprendre l’idée selon laquelle l’image cartographique reste une interprétation de la
réalité. Un des objectifs de la cybercartographie est donc de favoriser cette prise de
conscience ainsi que le développement d’un regard critique vis-à-vis de l’information
cartographiée. (...) Nous proposons ici d’étendre ce concept d’acte photographique à
la cybercartographie. L’acte cybercartographique souligne alors le fait qu’il ne nous est
plus possible de penser l’artefact en dehors de l’acte qui le fait être - le processus ou
genèse cybercartographique - ni de son contexte de réception. En d’autres termes, dans

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l’acte cybercartographique l’artefact est envisagé non seulement comme étant la résul-
tante d’un processus et de choix multiples et variés, mais aussi comme étant intimement
lié au contexte social et professionnel dans lequel il a été produit et dans lequel il est
utilisé.”

Sobre as experiências de artistas, as psicogeografias e derivas atuais, afirmam os


autores:

(...) Ce type d’approche marque le passage d’une cartographie du dessus, dressée par
des institutions externes, à une cartographie du dedans, dressée par ceux-là même
qu’elle représente. (...) Ces installations utilisent les capacités performatives et narra-
tives des cartes pour favoriser leur réappropriation au sein même de l’espace public.
Ces différents exemples caractérisent une même volonté d’impliquer plus largement les
individus citoyens dans le processus de production cartographique et de leur proposer
ainsi une vision différente de leur environnement à travers la carte. Le concept d’acte
cybercartographique s’inscrit dans ce contexte et pose les bases d’une cartographie
sociale débarrassée de ses prétentions d’objectivité et d’universalité, permettant aux in-
dividus et groupes culturels de mieux définir, et par conséquent s’approprier, la manière
de représenter les liens socio-spatiaux qui les concernent.”

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E na conclusão:

A travers le concept d’acte cybercartographique, c’est donc vers une ‘cartographie post-
représentationnelle’ - pour reprendre l’expression de John Pickles (2004, 160) - que
nous nous dirigeons, c’est-à-dire vers une cartographie qui ne cache plus ni ses origi-
nes, ni ses dimensions politiques, culturelles et sociales, ni les intérêts qu’elle défend.”

É interessante deixar para reflexão a possibilidade de pensarmos nos mapas tradi-


cionais como instrumentos massivos, controlados por um polo editorial, que normal-
mente são governos e a burocracia militar, servindo como instrumento ideológico, de
reforço de poderes constituídos e de alimentador das máquinas de guerra. Poderíamos
ver os novos mapas digitais como mídias de função pós-massiva, em que qualquer um
pode propor novas visibilidades do espaço urbano (mapas de crimes, mapas de esta-
cionamento de bicicletas, mapas de buracos de uma cidade), feitos de forma aberta e
colaborativa, questionando os poderes constituídos e propondo cartografias diversifi-
cadas, podendo ser uma nova forma de apropriação do espaço das cidades contempo-
râneas.

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Sábado, 02 de agosto de 2008

Nomadismo

Para terminar os trabalhos por hoje deixo três citações que tocam diretamente a
deambulação e o “nomadismo” evocados por projetos com tecnologias, sensores e re-
des de comunicação móveis. Na primeira e na segunda, viajar para reconhecer e poder
fazer um mapa cognitivo dos lugares e de si mesmo, mesmo que dentro de um quarto.
Na terceira, a definição de nomadismo como “estrutura” de vários povos. Tanto as via-
gens, como o nomadismo estrutural podem, sendo usados com parcimônia e marcan-
do suas diferenças, ser uma das chaves para compreender a sociedade contemporânea.

Xavier de Maistre em “Voyage autour de ma Chambre”:

Ma chambre est située sous le quarante-cinquième degré de latitude, selon les mesures
du père Beccaria ; sa direction est du levant au couchant ; elle forme un carré long qui
a trente-six pas de tour, en rasant la muraille de bien près. (...) Mon âme est tellement
ouverte à toutes sortes d?idées, de goûts et de sentiments ; elle reçoit si avidement tout
ce qui se présente !(...) Aussi, lorsque je voyage dans ma chambre, je parcours rare-
ment une ligne droite : je vais de ma table vers un tableau qui est placé dans un coin ;

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de là je pars obliquement pour aller à la porte ; mais, quoique en partant mon intention
soit bien de m’y rendre, si je rencontre mon fauteuil en chemin, je ne fais pas de façon,
et je m’y arrange tout de suite.”

Diderot na “Encyclopédie”: Nomadismo é o “nom génerique donnée à divers peu-


ples qui n’avaient pas de demeure fixe et qui changeaient perpétuellement pour cher-
cher de nouveaux pâturages. Ainsi, ce mot ne désigne pas un peuple particulier, mais
le genre de vie de ce peuple”.

Domingo, 03 de agosto de 2008

VR

Estou lendo “Spook Country” de W. Gibson (Berkley Books, NY, 2007), em um café
no centro de Montreal. O livro fala sobre ciberespaço, realidades aumentadas e mídias
locativas. Tudo mudou! Não existem mais as ações do “Neuromancer” no Black Ice e

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também não mais os “jardineiros” no mundo virtual. Agora é a vez do lugar, da rua, do
mapa, “grid” e não mais “matrix”! Vejam trechos:

Someone told me that cyberspace was ‘everting’. That was how she put it”. “Sure. And
once it everts, then there isn’t cyberspace, is there? There never was, if you want to look
at it that way. It was a way we had of looking where we were headed, a direction. With
the grid, we’re here. This is the other side of the screen. Right here!”.

“We’re all doing VR, every time we look at a screen. We have been for decades now.
We just do it. We didn’t need the googles, the glove. It just happened. VR was an even
more specific way we had of telling us where we were going. (...) The locative, though,
lots of us are already doing. But you can’t just do the locative with your nervous system.
(...) We’ll have internalized the interface. It’ll have envolved to the point where we forget
about it. Then you’ll just walk down the street...” (pp. 65-66)

Como diz o próprio Gibson em entrevista no SimCity ‘07, de Logan Hill no New
York Books, Aug 6, 2007:

“Well, one character says that cyberspace is inverting, turning inside out. I have a feeling
that being aware of being connected will be an anachronism, because we?ll be connec-
ted all the time. I have this inkling that the whole idea of cyberspace is going to seem
fabulously quaint in 20 or 30 years.”

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Segunda, 04 de agosto de 2008
Mais riscos invisíveis com GPS em Ciberflânerie por Montreal.

Ciberflânerie por
Montreal

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Quinta, 07 de agosto de 2008

Livros

Para matar o tempo e o tédio, indico as últimas leituras de ficção. São dicas para
esse inverno brasileiro, ou esse verão canadense, o que dá no mesmo. Agora chove e
faz 16 graus. Vamos lá.

Um dos meus escritores anglófonos favoritos, pouco conhecido no Brasil, é Russel


Banks. Já li várias obras dele, entre elas: “Continental Drift” e “Rule of the Bone”, o
meu preferido. Indico também a obra “The Darling”, Harper Collins, 2004. O livro
fala sobre uma mulher que retorna à Libéria, na África, para viver com os seus gorilas,
que ela chama de “sonhadores”.

Seguindo a mesma linha, mas agora francófonos, indico Jean-Paul Dubois, já men-
cionado anteriormente, autor de “Une vie Française”. Li recentemente “Si ce livre
pouvait me rapprocher de toi”, Editions de l’Olivier, 1999, cuja história se passa no
Quebec. O narrador busca reconstruir a sua história e a de seu pai, perto de Montreal.

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William Gibson, Spook Country, Berkley, 2007, embora não goste muito de ficção
científica, o livro não se parece muito com o gênero. Aqui ele trata das mídias locativas,
objeto de minhas pesquisas atuais. Ainda não acabei, mas estou gostando.

Por último, aconselho os livros da edição “Les Alusifs”, do Quebec, respeitada na


França e com boas resenhas nos jornais Le Monde ou Libé. Existem excelentes escrito-
res, fora do eixo EUA-GB, dando vez ao leste europeu, Oriente Médio, Europa do Norte
e América do Sul (Bolano do Chile, por exemplo). Estou lendo dois livros bem interes-
santes: “Une saison a Venice”, (2006) cuja guerra faz surgir uma Veneza bem longe da
Itália, da polonesa Wtodzimierz Odojewski e o “Newststart 2.0” (2003) do canadense
Timothy Taylor, de Vancouver, sobre um artista e um jornalista tentado compreender
a trajetória do primeiro, em Roma.

Kill Bill C-61

Ontem na entrada do show do Radiohead no Parc Jean Drapeau , ativistas distri-


buíam flyers pedindo a mobilização contra o projeto de lei C-61 que quer endurecer a
lei do copyright para conteúdos eletrônicos. A lei C-61 é muito discutida por aqui e é

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consequencia de pressões americanas, principalmente dos mamutes da indústria cul-
tural de massa. Não há uma petição, o que é uma pena, mas pedem que o cidadão envie
e-mail ao ministro da indústria, que escreva ao seu membro no Parlamento e se junte
a outros no FairCopyright Canada e no Montreal Facebook Groups.

Domingo, 10 de agosto de 2008


É domingo de sol. Entre uma leitura e outra, dirijo meu olhar para a cidade e tento
lê-la também. Na rua McGill College, há uma exposição de fotos do século XIX que se
chama: “Then and Now”, que dialoga com outras atuais. A iniciativa é da “Concordia
University”, com apoio do “McCord Museum”. Vejo um “homeless”, cercado de sa-
cos plásticos, uma calculadora e um bloco escrevendo compulsivamente. Logo mais a
frente, me deparo com marcas explícitas no chão, contra o desmatamento. Paro para
almoçar no Comensal, restaurante natural, à quilo (dica do Pierre Lévy, com quem fui
há um mês). Na sequência fui ver o festival internacional de Graffiti, “Under Pressure”,
na rua Saint Laurent, no “Quartier des Spectacles”. Tinha muita gente e toda a cultura
hip hop (graffiti, break, rap). E agora, para terminar, estou no Parc La Fontaine, na

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conexão aberta do projeto Ile sans Fil, onde já indiquei sobre os novos significados
do lugar com a possibilidade de conexão aberta e a criação de um novo território (in-
formacional) em meio às diversas outras formas de territorialização. Fotos, marcas,
graffitis, todas expressões urbanas que visam criar um enraizamento social, comuni-
tário, seja pelo prazer solitário da escrita (o homeless), seja pela memória imagética (as
fotos), seja pelos desenhos no protesto ambiental (as marcas no chão), seja pela escrita
urbana dos graffitis (junto com skate e muito hip hop) ou no corpo tatuado.

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Corpos tatuados

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Terça 12 de agosto de 2008

Identité

Esse projeto faz parte de uma trilogia sobre escritas com GPS ,ou “GPS Writing”,
nas cidades em que morei entre setembro de 2007 a setembro de 2008. O primeiro
projeto foi o SUR-VIV-ALL, escrita com GPS tracker de carro em 40 KM de Edmon-
ton, no Oeste do Canadá durante o inverno de 2007-2008. O carro é o meio de loco-
moção por excelência em Edmonton e a palavra “Survival”, foi modificada para criar
um jogo de sentidos. Sur-viv-all surgiu a partir do livro Survival de M. Atwood que
argumenta ser essa a questão que perpassa toda a literatura canadense. Vejam o site
(http://andrelemos.info/survivall ) para mais detalhes.

No atual trabalho, escrevo, de bicicleta em 14 km, e de uma só vez (ou seja sem pa-
rar e em um único arquivo .gpx), a palavra “Identité”, questão central no Canadá, mas
particularmente forte em Montreal e em toda a região do Québec. Lugar de fundação
do país, dominado por franceses, depois ingleses e depois franceses de novo, o multi-
culturalismo está presente e a tensão entre anglófonos e francófonos ainda permanece.

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Acho que essa região é que dá a tensão e a identidade canadense, além da única pos-
sibilidade de não se dissolver no vizinho do sul (os EUA). Montreal talvez seja a mais
interessante cidade do Canadá, justamente pela questão/tensão identitária. A bicicleta
é o instrumento de locomoção mais interessante (que uso diariamente) aqui e a pala-
vra só poderia mesmo ser escrita em francês. Usei o Wintec GPS Tracker, uma câmera
de 8 MP Kodak, o programa “myTracks”, para exportar o arquivo do GPS, e o “Quik-
maps” para gerar o mapa digital na Web.

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Identité, Montréal

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Quinta, 14 de agosto de 2008

Wii Space

Já escrevi anteriormente sobre a console Wii, a partir de um debate sobre games


aqui em Montreal. Mas eu ainda não tinha jogado. Vou reforçar o que foi dito no
texto anterior e ampliar um pouco a discussão (ideias preliminares, como sempre,
“work in progress”). A tese é simples: o Wii cria um espaço ampliado, o “wii space”,
fazendo com o que o lugar de onde se joga, e o movimento do corpo, tenham um
papel de destaque. De residuais como nos outros jogos eletrônicos, eles passam a
personagens centrais.

Agora estou me exercitando com o console Wii. E é essa mesma a palavra, exercí-
cio. Meus braços estão doendo, suei a camisa e me cansei jogando algumas partidas
de tênis. Viciado em futebol, nunca joguei tênis na minha vida. Agora jogo um pouco
a cada dia, mesmo sabendo que, de forma alguma, essa experiência possa ser com-
parável ao jogo de tênis “real”. Mas isso pouco importa para o meu argumento. Esse

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não é o ponto. O que quero reforçar, rapidamente, é a qualidade do console, a versati-
lidade e os papéis do “lugar” e do corpo na plataforma.

Os jogos eletrônicos, em geral, têm como espaço de jogo a tela do computador, ou


a tela dos consoles portáteis ou da TV. O lugar onde está o jogador, obviamente, não
faz parte do jogo, mas influência na jogabilidade. Procura-se uma boa posição, boa luz,
conforto, concentração, etc, para poder focar no que se passa nas telas. Ele é, por assim
dizer, residual, e deve ser esquecido para que o jogo funcione bem. No Wii, o lugar faz
parte do jogo, criando o que vou chamar aqui de “espaço Wii” (um espaço lúdico) que
prolonga o espaço das telas (que permanece, no entanto, fundamental - é um “videoga-
me”!). Literalmente, o lugar de onde se joga é incluído no jogo. Assim, não é apenas o
conforto para focar na simulação que está em marcha, mas o rearranjo e o uso do lugar
como espaço de jogo (retirar objetos, afastar móveis, se movimentar para um lado ou
outro - ou seja “criar um espaço” para jogar). Esse lugar de onde se joga não é apenas
residual, é incorporado aos games. A sala, o quarto ou qualquer outro lugar passam a
ser elementos fundamentais do jogo. Cria-se o espaço do jogo, o “espaço wii”, assim
como marcar com giz o chão cria o “espaço jogo de amarelinha”, ou desenhar ou criar
traves em um campo, o “espaço jogo de futebol”.

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Da mesma forma, a dimensão corporal só reforça esse vínculo ao espaço do jogo, já
que ele é, como o lugar, “sentido” pelo sensor do console. Em qualquer jogo eletrônico
o corpo está presente, inclinado sobre o teclado, forçando as teclas, concentrando-se
nas ações, batendo nos botões da console, etc. Mas, para o jogo, o que interessa é a
função da tecla, ou dos movimentos efetuados nas consoles ou no mouse. Aqui o corpo
é, como o espaço, residual. Nos jogos do console Wii, diferentemente, o corpo e seus
movimentos são sentidos pelo sensor e são também elementos fundamentais do jogo,
sendo incorporados ao desenvolvimento da ação. O jogo, na realidade, só acontece
com esses movimentos no espaço. Descubro assim que determinados movimentos, no
meu jogo de tênis, têm efeitos diferentes sobre o movimento da bola (estou aprenden-
do ainda) e não é à toa que médicos estão usando a console para treinamento em cirur-
gias. E ainda não usei o Wii Fit, que radicaliza ainda mais essa relação com corpo. Meu
corpo sente o jogo (estou com dores nas costas e nos braços) e o lugar foi organizado
para jogar (tive que tirar a coffee table, arrastar o sofá, tirar os objetos do alcançe das
minhas cortadas e saques...).

Corpo e lugar passam, consequentemente, de entidades residuais para entidades do


jogo, transformando-se em personagens integradas ao espaço lúdico. Podemos falar
então de “realidade aumentada”, como para os jogos pervasivos que usam o espaço ur-

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bano em relação com o espaço informacional. Vemos aqui mais um exemplo de como as
tecnologias digitais reconfiguram os lugares, criando novas funções, novas dimensões
e novas relações com o corpo. Mais do que a desmaterialização e a descorporificação
no ciberespaço, o que estamos vendo com as mídias locativas, os jogos computacionais
pervasivos e o console Wii são novas formas de territorialização, de criação de novos
sentidos do espaço físico e de tensões sentidas diretamente na carne!

Segunda, 18 de agosto de 2008


Andando para me despedir de Montreal. Fotos da tormenta se preparando.

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Tormenta

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Sexta, 22 de agosto de 2008

Twitter-Arte

Hoje twittava perguntando aos meus contatos se eles conheciam alguma forma de
“twitter-arte”, algo que quebrasse a monotonia de informações pessoais, profissionais
ou das breaking news das empresas jornalísticas. O Twitter nasceu em 2006 com a
simples ideia de criar uma rede social onde as pessoas dizem o que estão fazendo na-
quele momento (“what are you doing?”): simples, direto e efetivo. Como uma apro-
priação social do sistema, começam as dicas de sites (e as “TinyURL”), as informações
locais, as empresas da grande mídia, e os microcontos. Hoje tenho conhecimento do
primeiro concurso brasileiro de microcontos pelo Twitter. Esse tipo de concurso não
é novidade, mas é a primeira vez no Brasil. Vejam mais sobre o concurso no Twitter /
140 letras.

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Microconto

Sento no Café Second Cup da rua St. Catherine e escrevo o meu microconto no con-
curso 140 letras para o Twitter:

“Sonhava, caiu (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerron ntuonn-


thunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk) e no finn acordou.”

Sábado, 23 de agosto de 2008

Edmonton Wi-Fi

Passei metade do meu período canadense em Edmonton e tenho belas lembranças


dos amigos da University of Alberta, da família Shields e das incríveis cores e tonali-
dades do céu. No entanto, a minha experiência com o acesso à internet wireless (hots-
pots) foi decepcionante. Não pelos números de hotspots encontrados, já que há muitas
redes Wi-Fi em toda a cidade, mas pela dificuldade em acessar redes abertas, particu-

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lares ou públicas, logo, pela dificuldade em me conectar. Conseguia acessar a internet
de alguns poucos cafés que ofereciam acesso de graça (a grande maioria oferece acesso
pago). No Brasil, além de ainda não termos verdadeiras cidades desplugadas, temos
agora a lei de cibercrimes que, se passar mesmo, vai fechar completamente o acesso
livre a redes Wi-Fi no nosso país.

Brad Haines, “white hat hacker”, que faz wardriving (ir de carro localizando as
redes) e mapeia as conexões Wi-fi abertas e fechadas em Edmonton, mostra essa situ-
ação. Fizemos um mapeamento de hotspot, mas enquadrado no projeto “Sur-Viv-All”
em Edmonton, e algo próximo, no Brasil, com o “Wi-Fi Salvador”. Segundo o mape-
amento realizado por Haines, há mais de 66 mil hotspots na cidade e 30% deles não
tem nenhuma proteção, ou seja, estão abertos. Ele é um hacker “do bem” (e não um
cracker) e presta consultoria para empresas que querem manter a segurança de suas
redes. Ele se limita a fazer o wardriving (e nunca se conecta nas redes abertas en-
contradas) e chamar a atenção para as redes inseguras. Não vi discussão sobre acesso
livre, talvez por não ser esse um problema em Edmonton ou no Canadá. Para além
dessa questão, destaco esse trecho da matéria do Globe and Mail “RenderMan to the
rescue”, pela questão da imaterialidade, da dimensão dos “territórios informacionais”

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aí representada e pela atividade em si. Para mais informações sobre Haines, veja seu
site, o RenderLab.

(...) Haines understands that his is a strange passion. Most people he knows wouldn’t
want to spend hours driving or walking around with a laptop and antenna searching for
something that can’t be seen, heard, smelled or touched. When asked to describe the
appeal of wardriving, he likens it to bird watching. ‘Some people are big into bird wa-
tching, and the biggest moment for them is when they spot a specific bird,’ says Haines.
‘Most people are like, ‘That’s the stupidest sport I’ve ever heard of.’ Some people say the
same about wardriving. It makes no sense to some people, but for us, it’s neat.’ In true
geek fashion, Haines also compares his hobby to The Matrix, a film built on the premise
that our world is nothing more than a computer simulation meant to enslave humans.
Only those who have been ‘liberated’ can see ‘the Matrix’ for what it is. Wardrivers,
he says, are able to peer beyond what’s visible to the naked eye. ‘You are able to see
beyond the real. I’m sitting in my kitchen right now looking at my backyard, but I know
that just beyond my perception, the Internet is literally overlapping the physical world. To
see something others can’t is kind of a neat thing. (...)”

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Terça, 26 de agosto de 2008

140 letras

“Sonhava, caiu (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuo nn-


thunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk) e no finn acordou.”

Algumas pessoas me perguntam sobre o meu microconto e o uso da enorme onoma-


topéia da queda (com exatas 100 letras). Explico rapidamente. A onomatopeia é uma
citação do Finnegans Wake (versão inglesa) de James Joyce onde ele escreve “Fall
(bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrho
unawnskawntoohoohoordenenthurnuk).” Nesse microconto, em extrema ousadia e
sem a menor pretensão de conseguir êxito, tento resumir, em 140 letras, a monumen-
tal obra de Joyce, Finnegans Wake. O livro é como um sonho em diversas línguas,
quase ilegível, uma aporia. Nessa narrativa labiríntica, a obra mostra (?) o “despertar”
de Finnegan. Daí o jogo com “sonho”, “cair”, “acordar” e “finn”: inicio, meio e fim da
obra. Para quem quiser se aventurar na leitura, há uma excelente tradução (se é que

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isso é possível) no Brasil, do Donaldo Schüler, em vários volumes, pela Ateliê Editorial
de Porto Alegre.

Abaixo, reflexos do lago no Parc La Fontaine.

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Parc La Fontaine

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Quarta, 27 de agosto de 2008
Estou com as malas prontas esperando o táxi. Um ano no Canadá, em um período
extremamente produtivo em vários aspectos: li, escrevi, encontrei pessoas, visitei uni-
versidades e centros de pesquisa, reforcei laços de amizade, conheci o país de oeste a
leste e, mais importante, consegui dar tempo ao tempo, única forma efetiva de pensar
e de ser produtivo nesse trabalho que fazemos. O Canadá é também o lugar onde meu
segundo filho ou filha foi gerado, o que marcará para sempre este lugar.

“Vivre au Canada, c’est vivre dans quatre pays différents... un pays par saison.”
Michel Conte

Agora faltam palavras e deixo as sensações tomarem conta. Um dia belíssimo de sol,
sem uma nuvem no céu, esquilos subindo em árvores na avenida des Érables, o silên-
cio da rua em meio à metrópole, bicicletas passando e a vida que vai continuar aqui e
continuará independente de mim. Somos muito pequenos! Considero a minha missão
cumprida, embora pudesse ficar muito mais tempo aqui. O meu Carnet de Notes tem
toda a memória do tempo e este livro é um resumo deste período. Assim poderei revi-
ver um pouco as sensações que sempre perdem suas cores com esse tempo de Cronos

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que tudo devora. Mas agora é hora de voltar para casa, retomar as coisas que deixei e
compartilhar com alunos e amigos um pouco do que aprendi aqui, e em todos os sen-
tidos!.

É hora de lembranças, mas também de prospectiva, de pensar no futuro, no presen-


te que está ali na esquina. Tempo de otimismo!

I don’t consider myself a pessimist. I think of a pessimist as someone who is wai-


ting for it to rain. And I feel soaked to the skin.” Leonard Cohen

Meu táxi está chegando e, mesmo com 3 pesadíssimas malas, vou leve!

Para finalizar este livro, uma lista de coisas que gosto e que não gosto em Montreal.

GOSTO

Andar a pé e principalmente de bike. Para mim a qualidade de uma cidade é direta-


mente proporcional à possibilidade de andar a pé ou de bicicleta;

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Parc la Fontaine;

Plateau MontRoyal;

Segurança nas ruas e em casa;

Milton, Suzy, Guto;

Will Straw;

Biblioteca da Mcgill;

GPS Tracker, Identité;

Conexão Wi-Fi em todos os lugares e de graça;

As ciclovias de Montréal;

O melhor show, ever, Radiohead, no Parc Jean Drapeau;

Sistema de metrô e ônibus, bom e pontual;

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Tempo para ler, escrever e pensar;

Laika e café Pi na St. Laurent;

Casa del Popolo, St Laurent;

Eventos na SAT;

Rue de Bullion;

Av. des Érables;

Romados na Raquel, incensando o Plateau com seus grelhados;

Restaurante Gengibre, Japonês, na Av. de Pins;

Restaurante Au Pied de Cochon, na Duluth;

Restaurante Natureba La Faim du Monde, na Saint Denis;

Restaurante Natureba Comensal, na McGill Av.;

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Restaurante Chez Lien, oriental na Av. Mont Royal, 1999;

Jornais culturais gratuitos em inglês e em francês;

A rua Rachel e a sua ciclovia por onde passei muito;

Ruas Duluth e Prince Arthur para andar e comer em algum restaurante;

Cinema du Parc e Cinema ExCentris;

Encontrar, falar, abraçar e tirar uma foto com Leonard Cohen!;

Frappucino Choco-Mint nas Starbucks;

Second Ccup, na Av. du Mont Royal, 1648, um dos meus escritorios preferidos;

Hamburger na Belle Soer, rue Marie Anne;

Radio Postes espalhados pela Av. Mont Royal, anacrônico e locativo;

Pequenas livrarias e lojas de discos espalhadas pela cidade;

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Comer croissant e cereais Fiber 1 no café da manha;

Ir trabalhar de café em café, de conexão em conexão, variando lugares e gostos, de


bike ou a pé;

Comer crepe de chocolate no Julietta, na Rue Saint Denis;

iPod criando a ambiência sonora das flâneries e bike-flaneries;

Os inúmeros festivais no verão;

Escrever, andando, na Moleskine pelas ruas;

Minha casas, a primeira de um mês na Rue de Bullion e, depois, 5 meses no 4746


Rue des Érables;

Tires de Érables sur nèige;

Panquecas em casa;

Pizza Delicious, comprada no supermercado;

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A varanda dos fundos na casa da Ave. Des Érables;

As ameixas no verão;

Cachorros tomando banho no lago do Parc La Fontaine;

Beber cidra e comer crepe.

NÃO GOSTO

Muita, muita neve;

Hockey na TV;

Sistema de saúde e dificuldade para marcar um médico;

Ter que ter o dinheiro certinho para o ônibus;

Serviços, preços e aparelhos de celular;

Poutine, uma gororoba com batata frita.

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Paranoid Park, Gus van Sant, 2007

Walking Life, Richard Linklater, 2001

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Sobre esse livro

Caderno de Viagem - comunicação, lugares e tecnologias


André Lemos
ISBN 978-85-62069-33-8

Publicado pela Editora Plus em março de 2010.

Editor-geral: Eduardo Melo


Capa e diagramação: José Fernando Tavares
Revisão: Camila Queiroz, Egideilson Santana e Frederico Fagundes
Apoio: Agnes Mariano, Gabriela Rodrigues e Tiago Santos Lima
Textos e fotos: André Lemos
Edição de fotos: André Lemos e José Mamede
Tratamento de fotos: José Mamede

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Sobre a Editora Plus

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