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André Lemos
março de 2010
Sumário
.Agradecimento, 4
.Prefácio, 6
.Introdução, 16
.Prólogo, 20
.Edmonton, 31
.Montreal, 123
.Referências, 339
.Sobre esse livro, 351
.Sobre a Editora Plus, 352
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Agradecimento
Devo muito ao professor Rob Shields, amigo de longa data, pelo incentivo, acolhi-
mento e apoio total durante a minha estada na University of Alberta em Edmonton.
Rob demonstrou uma amizade sólida, respeito acadêmico e apoios institucional e lo-
gístico sem preços. Ao meu amigo Juremir Machado da Silva, parceiro desde os tem-
pos de Paris nos anos 1990, agradeço pelo fundamental suporte e confiança. Por últi-
mo, um reconhecimento ao amigo, professor Will Straw, pela cordialidade, atenção e
recepção na McGill University no meu período em Montreal.
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Agradeço à professora Rosanna Maule e aos queridos Priscila e Sony Sung, pro-
prietários dos meus apartamentos em Montreal e Edmonton, respectivamente. Todos,
muito mais do que proprietários, amigos sempre disponíveis. A Priscila Magaldi Neto,
devo as minha primeiras saídas sociais em Edmonton. Ela foi atenciosa, carinhosa, e
me ajudou a enfrentar a solidão nos primeiros momentos do inverno. Por último, mas
não necessariamente nesta ordem, devo agradecimentos especiais aos amigos, o ciné-
filo e montador Milton do Prado, a dançarina e professora Suzy Weber, e ao pequeno
Guto, que nos proporcionaram boas risadas, saídas e suporte inesquecíveis durante
o tempo em Montreal. Eles nos deram dicas preciosas sobre a cidade e sempre foram
muito atenciosos e prestativos.
Por fim, dedico este livro a Mari Fiorelli, minha companheira, pela paciência, tole-
rância e ajuda nesse período, a Alice, por ter ficado um tempo comigo em Edmonton e
por todo o apoio nesse período de distância. E a Bernardo, que nasceu quando estava
finalizando este livro, tendo sido gerado em Montreal. Ele é a pequena semente cana-
dense que germina no Brasil.
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Prefácio
Começo a ler estes Cadernos de viagem em uma avião, num voo entre Salvador e
São Paulo. Não podia haver lugar mais especial do que este para pensar sobre o que
dizer como introdução ao webdiário do professor e colega de Universidade Federal da
Bahia André Lemos. Um texto - em letras e imagens - que trata de comunicação, luga-
res e tecnologias. Comunicação entre lugares, conectando pessoas distantes, através
de tecnologias, as mais diversas possíveis, que ligam meios de transporte com meios de
comunicação, como já pontuou há um bom tempo atrás Rene Berger, no seu Il nuovo
Golen, que também li numa viagem de estudo como a aqui descrita.
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país, muito menos a apenas uma parte dele. Trata-se de uma viagem planetária, com
idas e vindas, referências, reflexões, provocações e, muitas, imagens.
Mas André busca dar um tempo nesse tempo e destacar esse seu momento de re-
flexão, o que, na verdade, deveria ser o trabalho cotidiano dos pesquisadores, que,
com tempo, teriam possibilidade de maturar e refletir mais sobre os conhecimentos
e as culturas. Não temos mais isso! Vivemos, nas universidades, a alucinada vida do
correr para publicar ― ou perecer! -, fazendo projetos e mais projetos para concorrer
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a editais que, se aprovados, nos possibilitarão termos um pouco de recursos para
as nossas necessidades básicas profissionais. Depois, os relatórios, as prestações de
contas e, os novos projetos. Eppur se move!
As escritas leves, essas, foram sendo deixadas de lado por muitos. Felizmente, não
por todos.
André Lemos é um desses que não deixa de rabiscar umas linhas em seu Carnet de
notes na web, desde um tempo em que mal tinha blog. Hoje, dos seus “webescritos”,
nos oferece esses Cadernos, mantendo o estilo diário, com data marcada, anunciada
e declarada. Aqui, podemos navegar pelos textos, mapas e fotografias, retrabalhados
e re-apresentados em um formato de livro. No trato das imagens, a colaboração pre-
cisa de outro colega da UFBA, José Mamede.
Gosto de escrever sobre lugares que não conheço. Ou melhor, não conhecia, pois
com as leituras desses originais pude fazer uma bela viagem pelo tempo e pelo espaço.
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Dos muitos autores e livros referenciados, não conhecia o escritor argentino Alan
Pauls. Fiquei curioso com o fragmento que antecede a bela imagem do Parc la Fon-
taine de Montreal, refletindo sobre a inércia. Inércia que não é só o estar parado,
num mesmo lugar. Lamentavelmente poucos sabem disso (recuerdos dos meus
bons tempos de professor de física!), já que inércia pode significar movimento. Mas
este é um movimento constante o que vem a significar que ele, também, não é lá um
movimento, digamos assim, tão movimentado. É um movimento calmo, controlado
pela velocidade constante do deslocamento e dos acontecimentos. Mas, como não é
movido pelos desequilíbrios, é um movimento que, como diz Alan Pauls, “não pro-
duz mudanças”.
E são essas mudanças que nos fazem crescer. Foi o recente movimento de pós-
doutoramento que gerou esse livro. Foi nessa linha também o meu, imediatamente
depois do dele, só que na Inglaterra, na cidade de Robin Hood, Nottingham. Assim,
pensamos nós dois, deve ser o tal período sabático ― expressão que vai ser destrin-
chada lá pelo meio do livro - dos professores universitários. Isso porque não tem
coisa melhor do que viajar.
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Pode dizer aí, pense e diga, as coisas melhores que você conhece e faz. Todas
elas ficam ainda melhores se você estiver viajando, conhecendo novas gentes e de-
safiando-se permanentemente. O frio ou o calor, a Ópera ou o concerto ao ar livre,
o pub ou a destilaria, o carro ou o ônibus, tudo, tudo absolutamente tudo, tem o
sabor do diferente. Mesmo que hoje, com esse mundo padronizado, dê um trabalho
danado para se achar esse diferente. Mas isso é outra história e aqui, nos Cader-
nos, você vai poder ver muitas dessas histórias. Como, aliás, o fez brilhantemente
Jim Jarmush no belo filme Down by law, onde a presença do estrangeiro mexe
com o lugar. Traz nova vida e novos ânimos para aqueles que não se acomodam.
André Lemos tem estudado intensamente as questões da cibercultura, olhando mais
atentamente para os temas da mobilidade, dos territórios informacionais, dos con-
troles de fronteiras, redes virais e conexões sem fios. Conexões e redes que tomam
conta de todas as páginas e são, na verdade, as bases dos muitos mapas aqui tam-
bém apresentados. Uma conjugação perfeita entre o texto, os mapas e as imagens.
Como ele mesmo diz, “ O texto importa, mas não sem as imagens. Estas têm vida
própria e não são mero suporte dos textos.”
Desde a saída de Salvador, para Edmonton, no Canadá, um lugar onde, pelas in-
formações que ele nos dá, já foi um parque de dinossauros e hoje é uma dos maiores
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complexos de redes sem fio do mundo, ele já fazia as anotações que compõem os
Cadernos. E nessas anotações, podemos contatar que essa conectividade intensifi-
cada, também significa maiores controles sobre os nossos movimentos, o que vem
acontecendo em todo o mundo e, obvio, preocupa-nos por demais. Controles esses
sempre associados à questão que virou mantra: a segurança. Nas ruas, nas casas,
na rede, nos sistemas comunicacionais e interativos, impondo-nos um movimento
ativista intenso na luta pelas liberdades na internet, e que aqui está descrito com
detalhes em vários dos dias do diário.
Mas, claro, pensar no tema segurança lá no Canadá não tem nada a ver com o
nosso pensar em segurança aqui no Brasil. Num dos trechos do livro, descreve ele o
seu cotidiano: “Ontem no ônibus, na hora do rush (aqui é às 16h), muitos usavam
laptops, consoles de games, celulares com ou sem GPS. Só à minha volta, tinha
um rapaz com um MacBook, um outro jogando no console de games, uma mulher
na minha frente usando o GPS no celular (não consegui fotografar) e um terceiro
checando e-mail no Blackberry... Lugares de mobilidade física que são, de agora
em diante, lugares de mobilidade informacional. Ônibus, trens, aviões e navios
ou ferries seriam as novas heterotopias por excelência, para usar o termo de Mi-
chel Foucault. Voltarei mais adiante a este ponto.”
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Eu não. Acho que isso é o suficiente.
As imagens, belas imagens, ajudam a descomprimir, como ele mesmo afirma. Nos
transportam para o frio, para a neve, para as ruas das cidades aqui passeadas, nos
trazendo de volta, quem sabe de maneira mais forte, a mesma pergunta levantada
por André e já referida: “Por que corremos?”
Mas corremos!
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André Lemos não pestanejou e, depois de ter escrito esse detalhado diário ao longo de
12 meses, encerrou o programa - e o papo! - com uma contundente frase-questão: “O
futuro?! O futuro, seguramente vai depender da nossa capacidade de desplugar”.
É vero, desplugar.
Quem sabe possa essa ser a atitude mais correta, concreta e mais necessária para o
momento contemporâneo.
Espero que o leitor delicie-se com os textos e as imagens, realize profundas viagens
com esses Cadernos e, assim, desplugado, relaxe para fazer esse delicioso e delirante
passeio por espaços, palavras, línguas e imagens.
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Ele vai partir.
Esse período do Carnet de Notes vai se fechar e com isso, abrir inúmeras outras
possibilidades. Para o pensar. Para o discutir, refletir e escrever. Re-escrever. Na web,
nas revistas acadêmicas, nos jornais e panfletos.
O taxi está chegando. São três malas de matéria física e toneladas de bites sendo
transportados pela infoesfera de forma permanente e continua.
“Ao aeroporto!”.
O voo vai sair. Acabou o seu tempo. Acabou o meu tempo. Acabou o nosso tempo.
Paulinho da Viola:
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De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo.
(...)
O sinal ...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus...”
Boas viagens, leitor! (e não esqueça o seu moleskine! Essa conversa não pode parar).
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Introdução
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tensões maiores dos que às que estamos submetidos em situações parecidas (dominar
a língua, conhecer os códigos sociais, romper a solidão e fazer amigos, enfrentar as
temperaturas extremas...). Assim, entre outubro de 2007 e agosto de 2008, naveguei
entre o oeste e o leste do Canadá, entre Edmonton e Montreal, passando por Jasper,
Banff, Québec, Toronto. Não só sobrevivi, como vivi intensamente. O inverno glacial, a
dificuldade de adaptação à cultura local - mais próxima da americana do que da euro-
péia, a que eu estava acostumado -, o inglês que estudo desde pequeno mas que nunca
pratiquei; em suma, dificuldades e testes de sobrevivência. Mas a palavra sobrevivên-
cia aqui é mesmo muito forte, pois embora passar pelo inverno glacial de Edmonton
e pelas nevascas de Montreal seja efetivamente sobreviver, adorei o Canadá e tudo foi
muito fácil e prazeroso. Fui muito bem recebido e tive muita sorte em tudo, tanto pelo
lado pessoal quanto profissional.
Passando o inverno, não é difícil viver no Canadá. Muito pelo contrário. A vida é
segura (não há a violência quotidiana a que estamos expostos nas grandes cidades
brasileiras), as coisas funcionam bem, as universidades são ótimas e o dia a dia está
longe de ser estressante, ainda mais na minha condição de pesquisador visitante e em
ano sabático – oficialmente em pós-doutoramento. Meu tempo foi dividido entre lei-
turas, pesquisas, entrevistas e conversas com especialistas locais, escritas no meu blog
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“Carnet de Notes” (http://andrelemos.info), apontando resultados em progresso para
papers e congressos e andar, andar e andar. Anotei tudo que vi e prestei muita atenção
aos fenômenos comunicacionais, tecnológicos e locativos. Escrevi muito nesse biênio
e o livro que está em suas mãos é parte das minhas anotações eletrônicas no “Carnet
de Notes”. Ele é uma readaptação impressa do que escrevi e fotografei no período.
Este livro é uma mostra de textos e imagens sobre as cidades por onde passei, sobre
as coisas que gostei e também sobre as que não gostei, sobre as questões atuais a res-
peito da comunicação, as novas tecnologias, a mobilidade, o espaço, os lugares. Este
Caderno de Viagens tem como base o Canadá e as cidades de Edmonton e Montreal,
onde morei, mas também flerta com outras cidades canadenses (como Jasper, Banff,
Québec e Toronto) e algumas cidades européias que visitei no período (como Madri,
Faro e Sevilha).
Acredito que este livro possa ser de interesse para estudantes de comunicação, pes-
quisadores, flâneurs, visitantes presentes e futuros do Canadá, ou mesmo diletantes de
primeira hora e também amantes da fotografia. O texto importa, mas não sem as ima-
gens. Estas têm vida própria e não são mero suporte dos textos. O livro é escrito como
um passeio por lugares, formas comunicacionais e tecnologias digitais. Como um diá-
rio de viagem, mostra a minha visão do estrangeiro, essa figura exemplar da metrópole
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(como mostrou o sociólogo alemão G. Simmel), vivendo a anomia e o isolamento, a
imersão na massa e a solidão, vendo a cidade com um olhar espetacular. Assim foi o
meu percurso tentando criar o meu lugar, o meu “kanata”. Canadá vem do Iroquoian,
kanata, que significa “vila”, “village”, ou “settlement”, povoamento, povoado. Em Iro-
quoian, Canadá é aquilo que funda um lugar. Este livro é fruto da tentativa de fundar o
“meu” Canadá. Tudo se dá na fundação do lugar. Aprendemos, socializamos, amamos,
sofremos..., sempre de forma locativa, aqui e agora.
André Lemos
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Prólogo
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la chose et l’état ne sont que des instantanés artificiellement pris sur la transition; et cette
transition, seule naturellement expérimentée, est la durée même. Elle est mémoire, mais non pas
mémoire personnelle, extérieure à ce qu’elle retient, distincte d’un passé dont elle assurerait
la conservation; c’est une mémoire intérieure au changement lui-même, mémoire qui prolonge
l’avant dans l’après et les empêche d’être de purs instantanés apparaissant et disparaissant
dans un présent qui renaîtrait sans cesse.” Bergson, H., (Durée et simultanéité. Paris :PUF,
1968)
O ano começa e nada parece mudar. Olhamos para o lado e tudo está lá, a cidade, os
prédios, as pessoas, os vizinhos... Ligamos a TV e são os mesmos programas, as mes-
mas matérias, as mesmas notícias, os mesmos jornalistas, as mesmas guerras... Olha-
mos para as propagandas políticas nas ruas e vemos sempre os mesmos (políticos)
afirmarem a mesma coisa: que “agora vai”, que tudo será diferente. No lado pessoal,
prometemos novas ações, posturas, decisões todos os anos, para nós e para os outros,
mas temos sempre a sensação de estarmos nos repetindo, repetindo, repetindo... Há
aqui frustração, mas também um certo conforto. Nada muda realmente e não perdere-
mos nada se, por exemplo, morrermos. Tudo continua na infindável espiral do mesmo.
2009 se apresenta como 2008, 2007, 2006..., sempre o mesmo.
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Mas podemos dizer que, contra esse sentimento conformista ou pessimista, a mu-
dança está sempre aí, no fluxo das coisas, nos segundos que passam, no tempo que nos
deixa mais velhos a cada dia, nos pequenos passos que conseguimos dar em direção
a novas posturas (ilusão?) diante do mundo, de nós mesmos e dos outros. E se não
vemos isso nas grandes coisas (dada essa sensação de que tudo se repete), podemos,
se estivermos atentos, tocar e ser tocados pelas pequenas e mínimas manifestações
de abertura ao novo que emergem - sabe-se lá como - dos lentos intervalos que se
arrastam dentro do tempo descontínuo que passa. Este tenta sempre apagar os inter-
valos, chamando para si a atenção, colocando o peso nos grandes momentos fragmen-
tados em que baseamos a nossa existência (amanhã, às 18h, segunda-feira...). O tempo
descontínuo, ilusório e frustrante (já que quando chega segunda-feira, nada mudou
– tampouco às 18h, ou mesmo amanhã) tenta apagar o que pode emergir das pequenas
manifestações ínfimas do que dura, nos intervalos quase imperceptíveis, mas determi-
nantes, que agem como pequenas pérolas inovadoras dentro desse tempo devorador
de Cronos. Talvez a fonte do princípio que principia, que quase nunca vemos, esteja
não nos grandes intervalos marcantes das promessas que fazemos todos os anos (vou
ser mais feliz, vamos viver em paz, vou mudar completamente a minha maneira de
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comer e de respirar...), mas na duração, nos momentos que se arrastam entre cada se-
gundo e que nos permitem tocar sutilmente, porém substancialmente, o bom e o belo.
Não devemos nos iludir. O que muda não é visível aos grandes olhos equipados com
binóculos, computadores ou telescópios, e nem está nos grandes projetos do amanhã
(que nunca chegam). O que muda nunca chegará abruptamente pelo tempo do relógio,
do calendário ou da agenda, mas na lenta passagem entre os segundos de todos os
minutos e entre os minutos de todas as horas, na duração que se arrasta entre um ins-
tante e outro, no fluir dos pequenos instantes que crescem e se dissolvem aqui e agora.
Só podemos acreditar na mudança de olhos fechados, na imobilidade da mobilidade.
Como diz Bergson, a duração é essa multiplicidade de instantes – presa, na era mo-
derna, às grandes marcações temporais que insistimos em usar para organizar a nos-
sa vida em sociedade. A duração não é o “um” ou o “múltiplo”, não é este momento
(despedaçado), nem um conjunto destes inúmeros momentos retalhados, separados e
ligados artificialmente, mas a variação (multiplicidade) do um e do múltiplo. Só aqui
teríamos o que Bergson chama de um tempo fundamental, uma sucessão sem separa-
ção que pode apontar para um futuro (uma mudança?), construindo-se em um ema-
ranhado de instantes sem a artificial divisibilidade das horas que começam aqui e aca-
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bam acolá. Para Bergson, há duas multiplicidades: a “numérica”, que implica o espaço
(e o tempo) e a “qualitativa”, que implica a duração (e a extensão). Quando estamos
imersos apenas na dimensão numérica, a sensação é de que nada muda realmente, só,
talvez, artificialmente. Quando vivemos a duração, percebemos as pequenas e mar-
cantes diferenças que parecem mudar (à nossa revelia) cada instante, apresentando-se
como uma “nova” novidade. Se for assim, não vamos querer mais morrer, pois senti-
mos que perderemos coisas (novas?) a cada instante. 2009 só mudará em relação a
2008 se esquecermos essa marcação numérica e mergulharmos nos instantes infinitos
da duração, se nos apegarmos a essa seqüência de nadas, a esses pequenos momentos
“qualitativos” fora do rigor “numérico” das horas e dos grandes projetos.
Se for assim (mas não há garantias!), dissolve-se até a própria ânsia pela mudança,
já que, diferente do que mostramos no primeiro parágrafo, tudo muda o tempo todo.
Um futuro poderia se preparar diluindo-se nas pequenas diferenças entre o passado do
presente, o presente do presente e esse agora futuro do presente. Mas o tempo só existe
nesse presente aglutinando passado, presente e futuro. Nessa duração, de forma sutil e
imperceptível (por isso na maioria das vezes temos a impressão de que nada muda), o
que muda pode se preparar. Mas não há mesmo nenhuma garantia. É nesse tempo que
se deve “matar” a duração despercebida, engolida pelas dimensões descontínuas da
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existência quotidiana (- 13h aula, 17h, ginástica, 20h jantar...) que o devir se prepara
(memórias, pensamentos e sentimentos que emergem quando não esperamos, entre
um tempo vazio e outro, no ônibus, dormindo, andando...). Só na duração, essa mul-
tiplicidade qualitativa, e não no tempo descontínuo, numérico, das temporalidades
fragmentadas do quotidiano, podemos perceber o que pode, efetivamente, fazer uma
diferença, mudar.
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Duração, 2a. Parte
A inércia não produz mudanças. Não produz nada na verdade. No máximo, dá lugar
à degradação, por exemplo, ou à entropia. A mudança sim: a mudança produz coisas
- inércia, para dar um exemplo. E então, quem se animaria a afirmar que a diferença
entre o que muda e o que degrada, entre um sinal de alteração e outro de deterioração,
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é uma diferença real? (...) No entanto, como toda força sem motor, a inércia dá lugar
a movimentos sub-reptícios, tremores que surgem, fazem-se sentir por um momento e
recolhem-se ao silêncio, até que o estímulo casual que os convocou se repete e eles
reaparecem, num ciclo cujas seqüências, tomadas cada uma em si mesma, individual-
mente, nunca chegam a mudar o mundo que afetam, mas deixam nele, ressoando, os
ecos de um murmúrio em que, com bons ouvidos, se lê a lembrança ou a profecia de
uma mudança. Assim, como o viajante indolente que dorme no convés de um barco e
de repente acorda, golpeado por uma luz ou pelo grito de um pássaro, e olha ao redor
e, no desconcerto do despertar, ao mesmo tempo que reconhece o que vê, o mar, o
horizonte infinito, o céu, pensa ver algo que mudou, algo sutil, mas indescritível, e só
depois, ao pôr-se de pé e vacilar, descobre a inclinação do piso do convés, e compre-
ende que o que mudara na paisagem não estava na paisagem, mas nesse ‘antes’ do
qual contemplava, agora afetado por uma nova instabilidade, induzida pelas ondas, que
não se lembrava de ter sentido ao adormecer, assim Rímini teve a impressão, em algum
momento, de que esse ‘estar ali’ para Nancy, por sua mera obstinação, dava lugar a
uma certa inclinação, um deslizamento que ameaçava comunicá-lo com outra coisa.”
(SP, Cosac Naify, 2007, p. 376)
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Tarde de inércia bastante
transformadora no
Parc La Fontaine
em Montreal,
2008
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Duração, Parte 3
Fechando a trilogia sobre o tempo e a duração, deixo mais uma citação literária,
agora de William Faulkner em “Palmeiras Selvagens”. Neste excerto, podemos sentir
a irrealidade do tempo ou a sua ilusão, reforçando a ênfase na duração. Aqui, fazen-
do eco e acrescentando elementos ao que foi colocado anteriormente nas duas partes
dessa digressão sobre o tempo, aparece a nossa existência, como passagens infinitas e
microtemporais entre um passado, presente e futuro, amalgamados naquilo que “é era
e será”. Vejam o que diz Faulkner:
Eu estava fora do tempo. Ainda estava ligado a ele, apoiado por ele no espaço como se
está desde quando havia um não-você para se tornar você e se estará até que haja um
fim para o não-você, graças exclusivamente ao qual você pôde existir um dia - essa é
a imortalidade -, apoiado por ele mas é tudo, apenas nele, não condutivo, como o par-
dal isolado, pelos próprios pés duros e não condutivos e mortos, do fio de alta tensão,
a corrente do tempo que corre pelo ato de lembrar, que existe apenas em relação ao
pouco de realidade (aprendi isso também) que conhecemos, ou então não existe essa
coisa que chamamos tempo. Você sabe: Eu não era. Então eu sou, e o tempo começa,
retroativo, é era e será. Então eu era e portanto não sou e assim o tempo nunca existiu.
(...) aquela condição, fato, que na verdade não existe exceto no instante em que você
sabe que a está perdendo (...) É a solidão, você sabe. Você precisa saltar em completa
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solidão e pode suportar apenas este tanto de solidão e ainda viver, como a eletricidade.
E por esses um ou dois segundos você estará absolutamente só: não antes de você ser
e não depois de não ser, porque nessas horas você nunca está sozinho; em qualquer
dos casos você está seguro e acompanhado num anonimato infindo e inextricável: num,
do pó para o pó; no outro, dos vermes fervilhantes para os vermes fervilhantes. (...)” (W.
Faulkner, Palmeiras Selvagens, p. 123, Cosac&Naif, 2003).
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Edmonton
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Já começo a colher informações sobre a cidade. Edmonton é a sexta maior cidade do
Canadá e capital do estado de Alberta. Como estou pesquisando o tema das tecnologias
móveis, busco informações sobre as redes de acesso sem fio à internet na cidade. Vejo
que Edmonton planeja expandir o acesso à rede sem fio aos seus cidadãos. Segundo a
matéria, “City plans to expand wireless web service”, do Edmonton Journal, a muni-
cipalidade pretende ampliar as zonas de acesso e criar mapas interativos mostrando os
hotspots da cidade.
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Amanhecer em Edmonton,
Outono de 2007
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Domingo, 14 de outubro de 2007
Passado um mês esperando o visto, estou finalmente viajando amanhã, dia 15. Hou-
ve uma demora incrível na liberação dos vistos (exames médicos demoram muito e
tudo sai do Brasil, vai a Trinidad e Tobago e volta ao Brasil, partindo do Rio ou de São
Paulo). Vou trabalhar diretamente com o professor Rob Shields (com quem tenho um
longo intercâmbio acadêmico desde 1995, quando o conheci em Paris, na época do meu
doutoramento). Colaboramos nessa ocasião no livro “Cultures of Internet” (Routledge,
1996) no qual escrevi um capítulo sobre o Minitel, sistema de teletexto francês pré-
internet. Em 2007, Rob passou 7 meses conosco como professor visitante no Grupo
de Pesquisa em Cibercidade (GPC) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA. Com os pesquisa-
dores do grupo de pesquisa “Space and Culture”, pretendo dar continuidade às pesqui-
sas sobre novas tecnologias de comunicação, cibercultura, mídias locativas, territórios
informacionais, mobilidade e espaço urbano. Vou escrever, ler, dar aulas e participar
das atividades do grupo, além de ir a congressos na área pelo Canadá, EUA e Europa.
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graus em média). Sei o que é o frio da Europa, da França, mas isso é um pouco “Além
da Imaginação”. A internet ajuda muito nesse processo, não só para antecipar coisas,
como para manter o contato com o Brasil. Quando fui para Paris, em 1991, fazer meu
doutoramento, não havia internet; as notícias do Brasil eram raras e só me chegavam
por correio ou telefone (ou pelas pouquíssimas notícias na mídia local). Agora, com
a rede planetária, já até aluguei um apartamento pela craiglist e tenho encontrado
ótimas dicas nos blogs e sites. De fato, as informações mais específicas e interessantes
encontrei mesmo nos blogs, como o brasileiro “Tapioca Congelada”, no qual descobri,
além de outras coisas, que há uma “Associação Comunitária Brasileira de Alberta”. O
site tem várias informações úteis, com dicas preciosas. Há também os sites oficiais e
outros blogs muito bons, como o “Edmonton Blog”, o “Edmonton Real Estate Blog”
e o portal “City of Edmonton”, entre outros. Aprendi que foi nessa região que os fil-
mes “Brokeback Mountain” (2005) e “Legends of the Fall” (1994) foram filmados, que
há bons festivais de blues e jazz, interessantes museus, bons restaurantes e cafés na
Whyte Avenue, um bairro antigo e agitado, o Old Strathcona, além de bom transporte
público – mas que, infelizmente, é bom ter um carro.
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processo cria novas formas de espacialização (produção social do espaço). Tenho mo-
nitorado a expansão das redes sem fio, dos telefones celulares e de todas as tecnolo-
gias e serviços baseados em localização no mundo e, particularmente, no Canadá e em
Edmonton. Já localizei algumas redes Wi-Fi com mais de 60 hotspots na capital de
Alberta. Embora a cidade não tenha planos imediatos para se tornar uma cidade sem
fio (projetos similares aos das atuais “cidades digitais”), há algumas iniciativas inte-
ressantes. A mais substancial é a da Universidade de Alberta, que quer implementar
em todo o campus redes Wi-Fi até 2008. Estou mapeando os projetos em andamento,
as discussões, principalmente da “Edmonton’s Next Generation” (esse grupo tenta de-
senvolver redes Wi-Fi e pensar o futuro da cidade) e no seu blog, o “Wi-Fi Edmonton”.
Espero também ter a oportunidade de visitar o “Banff Centre”, um dos mais impor-
tantes em arte e tecnologia do Canadá e do mundo, em Banff, cidade nas Montanhas
Rochosas próxima a Edmonton.
Acabo de saber, também pela internet, que para ter uma conexão de 25MB/s (sim,
25MB!!!!) mais TV a cabo, em casa, devo pagar algo em torno de CAD $100 (menos do
que pago aqui para 600kb/s mais a Sky), e que a região foi, muito tempo atrás, um par-
que de dinossauros. Edmonton tem um dos maiores complexos de compras e de lazer
do mundo, o “West Edmonton Mall”, considerado o maior do mundo, com zonas Wi-Fi
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por todo o gigantesco empreendimento. No excelente blog “MasterMag”, de um nativo
que voltou para a cidade em 1998, podemos ter uma ideia mais precisa da cidade.
Edmonton is the sixth largest metropolitan region in Canada according to the 2006 Cen-
sus, with a population of 1,034,945. It is also the northernmost North American city with
a metropolitan population over 1 million. The population density of the Edmonton region
is just 109.9 persions per square km. This is half the population density of the Calgary
region, 1/7 of the Vancouver region, 1/8th of the Montreal region, 1/2 the Ottawa region,
and 1/8th of the Toronto region.
Edmonton is home to West Edmonton Mall, North America’s largest shopping mall, and
the third largest in the world. WEM also holds the world record for the largest car park.
Edmonton receives 2,289 hours of sunlight each year, making it one of Canada’s sun-
niest cities.
There are more than 60,000 full time post-secondary students studying at schools in the
Edmonton area. A very impressive 66,000 new jobs are projected to be created in the
Edmonton region between 2006 and 2010. Edmonton did not make the 2006 list of most
expensive cities in which to live (the list contained 150 cities). Calgary, Vancouver, To-
ronto, Ottawa, and Montreal all made the list.
Edmonton was named the Cultural Capital
of Canada for the year 2007. The annual Fringe festival is the largest alternative theatre
event in North America.
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Edmonton’s 60,000-plus elm trees make up the largest concentration of disease-free
elm trees in the world. Alberta is North America’s only rat free area (not including the ter-
ritories). Edmonton has 225 kilometers of designated bikeways, and 41 off-leash parks
to walk with your dog.
The River Valley park system is the longest urban park in North
America, 21.7 times larger than New York’s Central Park.
Edmonton is home to five professional sports franchises, including the very successful
Edmonton Oilers and Edmonton Eskimos. Air quality in Edmonton is rated as good (the
best level) at least 90% of the time for any given year. Edmonton leads the nation in
effective waste management. For example, the city’s curbside recycling program has
reduced by 60% the waste sent to landfills.
Edmonton is down right beautiful at times, as you can see in the thousands and thou-
sands of photos available at Flickr.
A partir dos próximos dias estarei postando diretamente de Edmonton, dando notí-
cias, falando das minhas impressões da cidade e mostrando o andamento da pesquisa.
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Quinta, 18 de outubro de 2007
Cheguei. Há dois dias no Canadá, tenho praticamente tudo resolvido. Tudo funcio-
na com uma eficiência inacreditável. No dia em que cheguei, saindo do aeroporto, fui
com Rob ao supermercado, depois abri uma conta no banco. Rápido e sem burocracia.
No dia seguinte, fiz o seguro saúde, vi meu escritório na Universidade, ganhei chaves,
ID cards da Universidade. No mesmo dia, já tinha, no apartamento, internet (10 MB
e não 25 por escolha minha), telefone, luz, TV a cabo, tudo. Obviamente, nada disso
seria possível sem a ajuda e a disponibilidade absoluta de Rob Shields e do pessoal do
departamento de sociologia, que me recebeu de forma muito amigável e prestativa.
Edmonton é uma cidade plana nas pradarias canadenses, com belas regiões por
perto. Os grandes carros dominam a paisagem. Com exceção do centro da cidade, ela é
cortada de norte a sul por ruas e de leste a oeste por avenidas – todas, ruas e avenidas,
numeradas, o que faz a localização ser muito fácil, embora não haja o charme de ruas
com nomes. Bairros residenciais com casas preenchem a paisagem. Poucas pessoas nas
ruas, poucos ônibus, e é difícil ver os táxis. Assustei-me ao andar na rua hoje. Passei
por várias ruas do meu bairro, mas só cruzei pouquíssimas pessoas no meu caminho
– uma ou duas, para ser mais preciso, em 30 minutos de caminhada. O centro da ci-
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dade tem mais movimento, vários cafés, livrarias, serviços gerais, shoppings, cinemas,
prédios altos de arquitetura moderna e um certo nervosismo com o movimento dos
bancos e das instituições financeiras. O domínio é da praça central, a Churchill Square.
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Domingo, 21 de outubro de 2007
Aqui em Edmonton circulam vários jornais gratuitos distribuídos em caixas que fi-
cam no meio da rua. Há também os pagos, que você compra com moedas. Não há ban-
cas de jornais, só livrarias, que têm áreas para revistas. Os jornais gratuitos são muito
bons, com a programação cultural da semana e matérias sobre a cidade. Os mais in-
teressantes são o “See”, “24hours” e o “VueWeekly”. Há uma forte imprensa indepen-
dente que consegue manter essas publicações circulando livremente e com qualidade.
Não há nada parecido no Brasil. Hoje peguei o “Metro” e vi uma foto do rei Pelé que
me chamou a atenção. Trata-se de uma entrevista tipo “ping-pong” para “discutir” (!)
a democracia. A pergunta é “Why democracy?”. O Metro e a CBC (gigante da televisão
e radio pública Canadense, no modelo da BBC, de longe a melhor em jornalismo na TV
local) estão fazendo esse ping-pong com 10 pessoas famosas. Já passaram pelas ques-
tões Vivienne Westwood, Boutros Boutros-Ghali, Jesse Jackson, Margaret Atwood,
Bjorn Ulvaeus, Daniel Libeskind, Ken Loach e Naomi Klein. Para Pelé, a primeira per-
gunta foi: “Who would you vote for as president of the world?”. Pelé responde: “The
president of the world for who I’d vote is God, no question”. Ele só não disse qual Deus
seria, se o dos católicos, dos muçulmanos, dos judeus, hindus, budistas... A partir daí,
o que se entende por “democracia” pode variar bastante.
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Escada para a Ravine, Edmonton, Canadá, Outubro de 2007,
depois da visita ao Museu de História Natural de Edmonton.
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Terça, 30 de outubro de 2007
Ainda sem computador, começo a trabalhar efetivamente, e mais metodicamente,
na pesquisa. A Universidade de Alberta (UA) tem uma excelente biblioteca e me ofe-
rece todas as condições de pesquisa. Só para se ter uma ideia, em minutos fiz uma
pesquisa em suas bases de dados on-line, tanto de material on-line, como dos livros
disponíveis nas prateleiras, de casa. Reservei tudo pela rede e comecei a pegá-los nas
diversas bibliotecas do Campus. A coisa funciona assim: depois de uma reserva pela
internet, os livros ficam com uma etiqueta com meu nome em uma prateleira. Passo
lá, pego o livro, coloco-o em um sistema automático de empréstimo, passo meu cartão
(“One Card”, que serve para toda a universidade e pode ser até cartão de pagamento)
e estou liberado. Quantos posso pegar? Quantos quiser. Quando a biblioteca fica aber-
ta? Todos os dias (só fecha no natal). Quanto tempo posso ficar com eles? Um mês,
renovando sempre que quiser. Se alguém solicita o livro, eu recebo um e-mail pedindo
a devolução para evitar uma renovação. Uma fantástica estrutura. Para quebrar a mo-
notonia, saio de casa e vou trabalhar na biblioteca. Achei tudo o que procurava e estou
com mais de 20 livros me esperando. Tenho lido muito e isso me faz pensar como o
nosso trabalho de pesquisador e escritor exige tempo de maturação e reflexão. Estou
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tendo esse tempo e tenho avançado muito nas minhas reflexões. Para começar, estou
trabalhando com os seguintes livros:
View from Nowhere”, de Thomas Nagel, filosofia, sobre a nossa condição no mun-
do, nossa posição diante das coisas e os limites e tensões entre a objetividade (que
identifica assim o real) e a subjetividade, que não pode ser destacada da forma obje-
tiva de ver o mundo. Acabei de ler “Mobile Technologies of the City”, de John Urry e
Mimi Sheller, uma organização com vários artigos interessantes sobre locative games,
mobilidade, vigilância, redes Wi-Fi... Estou com o vol. 1, n. 1 da revista “Mobilities”
(Routledge) com artigos que tratam da mobilidade social, neo-nomadismo, locative
games, entre outros temas sobre a mobilidade. Comecei também o clássico “Social and
Cultural Mobility”, de Sorokin, e estou formulando melhor a noção de território com
a ajuda do básico, mas muito interessante, “Territory, a short introduction”, de David
Delaney. Os outros livros estão na minha sala no Space and Culture na UA. Ao mesmo
tempo, estou escrevendo e o plano é sair com um livro sobre o assunto daqui. Bom, e
para variar e não perder o hábito, leio o ultimo romance do britânico Graham Swift,
“Tomorrow”, e estou no meio de “O Passado”, de Alan Pauls.
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Minha pesquisa é sobre a questão da mobilidade, dos territórios informacionais e
das mídias locativas em interface com processos sociais e comunicacionais. Tenho de-
senvolvido uma reflexão sobre esse tema nos meus últimos artigos (http://andrelemos.
info/artigos/artigos.html) e o objetivo é aprofundar a discussão aqui no Canadá. Celu-
lar, bluetooth, etiquetas RFID, redes Wi-Fi, GPS, wireless games, etc., estão no cardá-
pio. Minha preocupação é estudar como essas tecnologias redefinem a mobilidade, os
territórios, as cidades e a comunicação na atual fase da cibercultura. Foi sugerido, em
uma dessas últimas leituras, um novo campo de investigação que seria o “urban new
media studies” ou “cybermobilities”. Acho que estou efetivamente trabalhando nesta
área de interesse. Comecei também a fazer ensaios fotográficos sobre as fronteiras dos
territórios que encontramos no dia a dia em Edmonton. Meu objetivo com as fotos é,
em primeiro lugar, ilustrar as minhas ideias e, em segundo, ajudar a conhecer a cidade.
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e a forma de controle dessa mobilidade e dos fluxos pelos territórios é o que podemos
chamar de vigilância, monitoramento, controle: códigos de acesso em portas, tickets
eletrônicos do metrô, senhas para internet etc. são barreiras de acesso a territórios es-
pecíficos, tanto em territórios físicos, como eletrônicos (automatizados, feitos por sof-
tware que “escrevem a cidade”, sem intervenção humana, projetivo, etc.). E isso sem
falar em territorialidades simbólicas como a cultura, a política, a religião, a língua...
Assim, pensar território é pensar mobilidade e fluxo e é pensar também em formas
de controle e vigilância. Tudo está diretamente interligado (aqui, a “teoria” de Latour,
a saber, a de “atores-rede”, pode ajudar a compreender este novo fenômeno técnico).
Para pensar a mobilidade e os fluxos comunicacionais, devemos levar em conta não
apenas as territorialidades físicas, mas as novas formas de territorialidade, eletrôni-
ca, potencializadas pelas tecnologias e dispositivos de comunicação, começando pela
mass media e chegando hoje a uma radicalidade maior com o que venho chamando de
mídias de função pós-massiva.
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mi-público, se configura. Tirando o centro da cidade, só há mesmo pessoas nos centros
comerciais. A paisagem aqui é formada pelas muitas casas, alguns prédios no downto-
wn, ruas e avenidas numeradas em cortes simétricos, tendo o horizonte marcado por
um céu azul brilhante e automóveis que passam, param e seguem. Edmonton é uma
cidade onde o automóvel cria, inscreve e desfaz os lugares. Pensar território, movi-
mento e lugar aqui só faz sentido se pensarmos como o carro se configura com a forma
de leitura e apropriação da cidade. É com o carro que os edmontonians marcam a ci-
dade. O carro é aqui o software e o hardware de inscrição da cidade. Há transportes
públicos (ônibus e metrô) e poucos táxis. Os ônibus são uma opção, já que a cidade é
bem servida, funciona, e eles são rigorosamente pontuais, mas parece que todos optam
mesmo pelo carro, e não são simples carros, mas “big trucks”. Essa é a forma mais ex-
plícita de mobilidade por aqui. Ao menos aos meus olhos, ainda estrangeiros e distan-
tes. Praticamente não há metrô, apenas uma única linha que não cobre bem a cidade,
com 5 estações. Dei sorte, já que tenho um ponto de ônibus na porta de casa que me
leva a uma estação de metrô, e desta chego a Universidade. Não há troco nos ônibus:
você pode comprar cartelas no metrô, que servem, obviamente, para os ônibus. Levo,
ao todo, 35 minutos. De carro levaria 10 min.
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Já vemos aqui formas (poderes) e mobilidades diferentes instituindo uma tensão
entre mobilidade e imobilidade. Estou pensando as mídias, a cidade e a mobilidade
(meu objeto de pesquisa) estando, em vários sentidos, imóvel, ou com pouca mobili-
dade. Para Deleuze, a desterritorialização, a mobilidade total se dá com o pensamento.
Neste sentido, com tempo, calma e focado, estou bastante móvel, pois dedico meu
tempo a pensar meu objeto de pesquisa. Mas tenho diversas limitações de movimento.
Estou limitado na minha movimentação por não ter um carro (ir ao supermercado é
uma aventura), estou limitado também por não conhecer ainda os códigos culturais
(território identitário), estou limitado na minha habilidade discursiva, já que não es-
tou completamente móvel na língua (território lingüístico), estou limitado na minha
condição de estrangeiro, estou também sem celular e sem o meu laptop (território
informacional), tendo assim pouca mobilidade informacional. Pretendo, no entanto,
criar condições para me locomover melhor em todos esses domínios em um muitíssi-
mo curto prazo. No entanto, seria possível pensar a mobilidade em plena mobilidade?
Não seria a imobilidade, ou um limite da mobilidade plena, uma condição fundamen-
tal para pensar o seu oposto?
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Sábado, 03 de novembro de 2007
Está acontecendo aqui, de 1 a 4 de novembro, o Global Vision Festival, com filmes
de várias partes do mundo. O tema central é direitos humanos, a busca identitária,
o pacifismo e o meio ambiente. Assisti hoje dois filmes canadenses e gostei do que
vi: “Aboriginality”, de Dominique Keller, e “Place Between”, de Curtis Kaltenbaugh.
Ambos me remeteram a questões territoriais e vou resenhá-los rapidamente aqui.
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ras dos territórios culturais, da magia ao moderno, do canto ancestral ao hip hop, da
cultura pop e do videoclipe.
O segundo filme é a busca do autor para reencontrar sua família e reconstruir sua
identidade, em uma viagem para compreender a sua condição no mundo depois da
adoção por uma família americana. De origem indígena canadense, o autor foi adotado
com 7 anos por uma família americana, já que sua mãe estava envolvida com alcoolis-
mo (a relação índios e alcoolismo parece ser mesmo um problema global) e não tinha
condições de criá-lo – nem ele nem seu irmão, que também fora adotado e que na épo-
ca tinha quatro anos. O autor organiza um encontro das duas famílias em Winnipeg,
no Canadá. O filme intercala imagens externas com imagens mais subjetivas que o
autor faz com sua câmera portátil. Apesar de todas as dores, o filme mostra o encontro
emocionante das famílias, coordenado por uma espécie de xamã local. Nesse caso, o
autor busca reconstruir seu território subjetivo, sua identidade, passeando pelo espaço
in between de sua condição de índio, canadense e americano. Ele busca compreender
sua origem e seu futuro nessa fronteira entre a família de sangue e a família adotiva
que se reencontram para criar um território, nesse “lugar intermediário”.
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Sábado, 05 de
novembro de 2007
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Quarta, 07 de novembro de 2007
Alguns rápidos comentários sobre a palestra de Rob Shields hoje sobre o tema “Ca-
pitais Culturais Globais, o caso de Salvador”, no Art Building da University of Al-
berta. O argumento mais interessante desenvolvido por Shields foi a relativização do
que seriam “cidades globais”. Muitos autores contemporâneos identificam as cidades
globais (NY, Tóquio, Londres) a partir do fluxo financeiro, informacional e pelo peso
de instalação de companhias globais (Sassen). Embora estes princípios estejam sem-
pre atrelados a dinâmicas sociais e culturais (não podemos dizer que Tóquio, NY, ou
Londres não sejam capitais culturais globais), pode-se levantar a hipótese de que seria
possível pensar em capitais culturais globais sem que as mesmas tenham, necessaria-
mente, a presença pesada de fluxos (financeiros, científicos, informacionais) ou em-
presas globais. Este ponto é interessante e mereceria mais investigação. Poderíamos
pensar, segundo Shields, em Viena, Buenos Aires, Moscou, Machu Pichu... nesses ter-
mos. Shields tentou, a partir daí, discutir a posição de Salvador, identificando, ao mes-
mo tempo, traços de globalização cultural e problemas de posicionamento da cidade
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em relação aos padrões de globalização. A discussão foi interessante, principalmente
por Salvador, de alguma forma, parecer recusar participar dessa dinâmica global (em-
bora os governantes e fazedores de política queiram isso a todo custo, para dinamizar
a cultura, a sociedade, o turismo, a economia etc.). Há algumas evidências dessa falta
de interesse, digamos assim, para entrar na globalização: não há turismo efetivamente
global, os serviços são ruins, o transporte deficiente, muita violência e insegurança,
não se fala inglês, não se encontram muitas informações em outras línguas (não é fácil
achar, por exemplo, na Casa de Jorge Amado, livros do próprio em inglês), etc. Talvez
isso se dê pela mistura de narcisismo e provincianismo do baiano, que, na realidade,
já se acha no centro do mundo, o berço mesmo da globalização: “cidade da alegria”, “o
baiano não nasce, estreia”, e outros clichês do gênero. Há também o lado da resistência
(embora involuntária) em participar desse “padrão de globalização”. Uma resistência
contra-cultural, no caso, contra os padrões da globalização: a cultura baiana se basta,
já que tem a melhor comida, a melhor música, as melhores praias... Não falei nada e
me limitei a apreciar, como brasileiro e morador de Salvador, a curiosidade e a visão
“global” de estrangeiros sobre a nossa cidade (visão totalmente legítima e bem verda-
deira, na minha opinião). Aproveitei para curtir o espetáculo de estar quase no pólo
norte, em Edmonton, a 2 graus com um céu cinza, cercado por canadenses, asiáticos,
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russos, ouvindo Rob falar de candomblé, do sol, das praias, do acarajé, das favelas e
dos orixás... Uma delícia! Eles viam Salvador de forma “ex-ótica”... e, da mesma forma,
eu os via! E isso não tem nada de depreciativo. Um bom papo e uma boa discussão que
me fizeram pensar no que pode significar “casa”, “lar”, “território”!
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rei com abajures gi-
gantes no meio de
uma passagem. Ah,
já ia esquecendo.
Ontem duas noti-
cias bizarras na TV:
uma campanha para
diminuir a violên-
cia aqui (???) com o
paradoxal nome de
“fight violence”... E
o aviso que coiotes
estão ameaçando os
corredores no vale.
Cidade bizarra!
Cream alimentando
o asfalto!
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Anotações Urbanas em Edmonton
Arte urban
nas ruas de a
Edmonton
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Domingo, 25 de novembro de 2007
Passando o primeiro mês aqui em Edmonton, ainda não me sinto muito à vontade
para fazer análises mais profundas sobre a cidade, sobre as formas de sociabilidade, o
espaço e o uso das tecnologias. Mas algo tem me chamado a atenção: a obsessão por
segurança. Tudo gira em torno disso: dirigir, atravessar a rua, comprar comida, viajar,
usar o computador, tudo... A palavra “segurança” aparece freqüentemente nas peças
publicitárias, refletindo mesmo o estado das coisas por aqui, e mesmo o supermerca-
do chama-se “Safeway” (embora seja britânico). A pré-ocupação (já que pensar em
segurança é de alguma forma estar sempre no futuro) às vezes me incomoda e chego
mesmo a sentir falta e apreciar a nossa (brasileira) completa vivência no aqui e agora,
no presente urgente, sem qualquer garantia de segurança, se arriscando o tempo todo.
Vejam só o paradoxo. Nós, que temos violência, ausência completa ou eficiente de pa-
drão de qualidade em objetos, máquinas e mesmo alimentos, não nos preocupamos
muito com a segurança. Aqui em Edmonton, onde o índice de criminalidade é baixís-
simo e os padrões de qualidade altíssimos, há uma verdadeira paranóia em relação a
esse tema.
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Lendo o jornal gratuito e cultural See, deparo-me com uma matéria sobre controle de
acesso de pessoas em bares. Agora, para entrar em alguns estabelecimentos, é obrigató-
rio o “scanning” dos documentos de identidade com o sistema “BarLink”. A discussão,
como sempre, é entre o limite legal da exigência e a segurança. Parece ser exagero reter
informação pessoal para entrar em um bar e tomar uma cerveja. Bom, segundo alguns,
a exigência seria mesmo ilegal, já que ninguém deve ser obrigado a fornecer seu nome
de família, identidade e um documento para passar em um scanner que irá reter esses
dados em bancos de dados ligados à polícia. Claro, pode-se pedir para ver a idade das
pessoas para entrar, para evitar a entrada de menores. Dizem que, se você quiser, é
possível pedir para tirar o seu nome do sistema, mandando um e-mail ou ligando para
a empresa. A questão é a segurança, e vários depoimentos na matéria ressaltam isso.
Por exemplo, a dona do Pub Druid, na Jasper Avenue - avenida que cruza o centro da
cidade que não enfrenta problemas no seu estabelecimento, pensa no futuro e diz: “just
because something hasn’t happened doesn’t mean something won’t happen. It’s a pre-
emptive planning”. Uma freqüentadora de bares concorda e afirma que ela “woundn’t
enter a establishment that didn’t have BarLink, because of safety concerns. She says
troublemakers go to clubs that don’t scan Ids”.
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Estou tocando nesse assunto porque essa questão é central para a discussão sobre
“territórios informacionais”. Busco entender esses novos territórios em relação aos
espaços de lugar das cidades e o uso das tecnologias móveis e processos com as mí-
dias locativas. Li recentemente o livro “Human Territoriality: Its theory and History”
(Cambridge University Press, Cambridge, 1986) de Robert Sack, fundamental para
compreender a territorialidade humana. Penso que as novas formas de controle eletrô-
nico de pessoas e de objetos reforçam a ideia de um território informacional ameaçan-
do a privacidade e o anonimato. Sack diferencia, em primeiro lugar, a complexidade da
territorialidade humana daquela da vida animal. A humana seria intencional, comuni-
cativa, de historicidade aberta, criadora de instituições, abstrata e vinculada ao exer-
cício do poder, sendo assim não apenas naturalmente motivada, não instintiva, mas
principalmente “socially and geographically rooted”. Para Sack, a territorialidade hu-
mana é uma “powerful strategy to control people and things by controlling area”. A
territorialidade humana é um meio indispensável para o exercício do poder em todos
os níveis. A territorialidade humana é “a control over an area or space that must be
conceived of and communicated’. Territoriality in humans is best understood as a
spatial strategy to affect, influence, or control resources and people, by controlling
area”. Aqui em Edmonton, a obsessão pela segurança é uma forma de aceitar esse exer-
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cício do controle (como Deleuze,
controle na mobilidade) de bom
grado, de se sujeitar aos novos po-
deres exercidos dentro desses ter-
ritórios informacionais. A questão
é assim social, política, estética
e tecnológica, se é que podemos
separar estes termos. A defesa
da privacidade e da segurança é
fortíssima. Para terem uma ideia,
ontem, quando fui pegar livros na
biblioteca, vi os que estavam sepa-
rados para mim e fiquei olhando
os outros livros na estante espe-
rando os outros usuários. Rapida-
Territorialidades Urbanas. mente uma bibliotecária chegou
Skatistas, não ultrapassem
esse limite
junto a mim e disse que eu não
poderia ficar olhando os livros,
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que não poderia ficar “bisbilho-
tando” o que as outras pessoas
estão pegando. Fiquei surpreso
já que só olhava os títulos e não
os nomes das pessoas que os re-
servaram. Mas gostei da defesa
da privacidade e do anonimato,
tão ameaçados hoje em dia. Na
sequência, fotos sobre os terri-
tórios, as bordas e as fronteiras
que cerceiam meus movimentos
na cidade. Esses territórios apa-
recem fisicamente e mais clara-
mente no nosso dia a dia, mas
há os menos visíveis, os eletrô-
nicos-informacionais.
Ave. of Nations, Edmonton
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Quarta-Feira, 28 de Novembro de 2007
Pensar hoje temas como comunicação, espaço, lugar e território torna-se central para
compreender o que está em jogo na interface atual entre vida social e espaço urbano mi-
diatizado pelas novas tecnologias digitais móveis. A relação do lugar com as mídias sem-
pre foi problemática, já que vários estudos apontam para a tendência das mídias de massa
para a destruição das relações sociais autênticas, do sentimento comunitário, do face a
face... elas destruiriam assim o “lugar”, essa parte socialmente construída do espaço. A
globalização e as novas tecnologias do ciberespaço estariam agora soterrando definitiva-
mente o lugar. A mobilidade (de pessoas e de informação) ameaça o lugar, já que este é
majoritariamente visto como ponto de fixação, de enraizamento (podemos colocar aqui
Tuan, Lefebvre, Harvey, Augé). Os fluxos apagam, destroem, enfraquecem os lugares.
Como podemos pensar isso hoje, nas sociedades avançadas e na era dos fluxos globais de
informação, pessoas, mercadorias e capital?
Os “lugares” só existem nesse movimento de fluxos, e isso sempre aconteceu, com todos
os lugares, em todas as épocas. Apenas uma visão mais nostálgica vê o lugar como centro
comunitário, a casa, a família (muitos estudos culturais feministas questionam essa visão
de lugar desenvolvida até meado dos anos 80). Os lugares são espaços de sentido, for-
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mados por diversas tensões e linhas de fluxo que os compõem. Vejam por exemplo os
bairros do Rio Vermelho, em Salvador, de Copacabana, no Rio de Janeiro, ou da Vila
Madalena, em São Paulo, apenas para citar o Brasil. Eles não são lugares estáticos,
de vínculo enraizado de uma comunidade, mas, pelo contrário, ganham o status de
“lugar” justamente por serem formados por uma miríade de tensões, fluxos, comu-
nicação, entrecruzamentos corporais, sonoros, visuais, étnicos, sexuais – que, embo-
ra sejam fluxos diversos, criam efetivamente a ideia de um lugar, um pertencimento
dinâmico. Embora fluxos, Copacabana, Rio Vermelho e Vila Madalena são lugares,
já que constituídos por dinâmicas sociais e históricas próprias. Podemos dizer, como
hipótese ainda, que as diversas experiências com as mídias locativas estão criando no-
vas significações no espaço urbano, produzindo novas e reforçando antigas “localida-
des”, e não simplesmente as destruindo. Esse é o interesse em se pensar o “território
informacional” como um “território” formado por fluxos eletrônicos em meio a outras
formas de territorialização que se enraízam em espaços sociais criando, transforman-
do, consolidando “lugares”. Como afirma Pred, “places are never ‘finished’ but always
‘becoming’. Place is what takes place ceaselessly, what contributes to history in a spe-
cific context through the creation and utilization of a physical setting” (Pred, 1984).
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Os lugares (e diria mesmo todos, não só os
atuais) nunca estão finalizados, acabados, “pau-
sados” como diria Tuan, mas estão sempre na
tensão entre “virtualização”, a fuga, o movimen-
to, o fluxo, e atualização, a territorialização e o
enraizamento. Ele é sempre um resultado de
mobilidades, de fluidez entre membranas, de
tensões em suas diversas territorialidades. O
lugar não é a fixação do movimento, mas uma
atualização temporária de uma virtualidade in-
findável que o transforma e o caracteriza como
“evento” (Escobar, Massey, Thrift) e não como
“ponto”. Aqui em Edmonton, vemos claramen-
te esses entrecruzamentos na White Avenue, na
Jasper Avenue no centro da cidade, em alguns
O “lugar” Old Strathcona pontos perto da Ravine. As cidades se consti-
na White Avenue,
tuem nesse fluxo de tensões territorializantes e
Edmonton
desterritorializantes.
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Café Dabbar, meu lugar na
White Avenue, primeira
neve em Edmonton
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Fluxo na noite na White Avenue,
o lugar mais dinâmico de Edmonton
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Terça, 04 de dezembro de 2007
Derivas e GPS
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Abaixo o meu percurso da Universidade de Alberta para a White Ave (a pé e de ôni-
bus), e o histórico bairro de “Old Strathcona” com algumas fotos. Este deslocamento
mapeado e geolocalizado é para mim uma forma de conhecer melhor a cidade e de
criar sentido neste lugar. Não é por acaso que inúmeros projetos com as mídias locati-
vas utilizam escritas e desenhos com GPS. Os primeiros artistas usavam justamente os
GPS (em uma apropriação de uma tecnologia militar) para desenhar (o GPS Drawing
do pioneiro Jeremy Wood, ou as derivas de alguns cidadãos no Amsterdam RealTime,
de Esther Polak). Retornamos assim a praticas artísticas que buscam fazer do andar
uma arte e criar sentido ao urbanismo racionalizante, como a deriva e a psicogeografia
dos dadaístas, surrealistas e situacionistas. Alguns projetos com as mídias locativas
parecem estar em busca do “urbanismo unitário”.
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Ciberflânerie, disponível em:
http://ciberflanerie.blogspot.com
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Old Strathcona
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Sexta, 07 de Dezembro de 2007
Ontem no ônibus, na hora do rush
(aqui é às 16h), muitos usavam lap-
tops, consoles de games, celulares
com ou sem GPS. Só à minha volta,
tinha um rapaz com um MacBook,
um outro jogando no console de ga-
mes, uma mulher na minha frente
usando o GPS no celular (não conse-
gui fotografar) e um terceiro checan-
do e-mail no Blackberry... Lugares de
mobilidade física que são, de agora
em diante, lugares de mobilidade in-
formacional. Ônibus, trens, aviões e
navios ou ferries seriam as novas he-
terotopias por excelência, para usar
Zôo em Edmonton o termo de Michel Foucault. Voltarei
mais adiante a este ponto.
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Quinta, 13 de Dezembro de 2007
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Domingo, 15 de Dezembro de 2007
Snow Valley
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Quarta-Feira, 02 de janeiro de 2008
Há alguns meses na cidade de Edmonton posso afirmar que é difícil pensar o espa-
ço público onde reina o automóvel e onde o frio coloca as pessoas sempre em zonas
comerciais fechadas, circulando por “pedways” (passagens de pedestres por pontes fe-
chadas ou lugares subterrâneos). Apesar disto, há na cidade vários hotspots (em cafés
e nos centros comerciais), uma certa cultura dos games, algumas zonas Wi-Fi livres,
celulares 3G e smartphones, – mas a cidade está longe de ser uma cidade pulsante
em termos de cibercultura ou de socialidade tout court. Ontem, os edmontonianos
bateram um record e entraram para o “Guinness” em termos de sociabilidade on-line.
Foi criado um blog onde (apenas) 100 pessoas colocavam seus desejos para a cidade
em 2008, em 3 horas. A ideia é discutir a localidade e divulgar a potência e a facilida-
de dos blogs como ferramenta informativa e de sociabilidade. A ação criou uma nova
categoria e, logo, um novo record. Não entendi muito bem qual seria o interesse, mas
a “operação” foi feita para entrar no livro e incentivar os blogs por aqui. A matéria do
“Edmonton Journal”, “Bloggers set world record to gain skills”, mostra o “feito”. Re-
fletindo sobre esta questão, post do “Space and Culture”, “Winter is Public” argumen-
ta que, aqui em Edmonton, o espaço público é o ciberespaço, já que os edmontonianos
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discutem muito a cidade em fóruns como o “Connect2edmonton”. Vejam trechos dos
posts no Space and Culture:
(...) But there is a further question - one may assume that Edmonton streets emptied by buildings
being interconnected by overhead ‘pedways’ reflect a lack of interest in the cities public spaces.
The paradox is that the public sphere is online: Edmontonians are the most vocal, engaged
and opinionated population I’ve ever encountered when it comes to the city and its spaces (...)
(R.Shields)”.
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Domingo, 06 de janeiro de 2008
Jasper Lodge,
congelado!
apreciando o lago
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Sábado, 12 de janeiro de 2008
Dois dias nas montanhas de Jasper ajudam a descomprimir: rios, geleiras, lagos
congelados, coiotes, renas, grutas..., realmente um lugar sublime, no sentido kantiano
do termo. Paisagens que nos arrebatam em suas belezas e dimensão e nos colocam no
nosso verdadeiro lugar; um nada na imensidão da natureza. Li uma crítica do livro
“Surfacing” (1973), de Margaret Atwood, em que ela defende a tese de que os canaden-
ses se sentem “vitimas da natureza”. Aqui dá para entender o que isso pode significar.
Vemos pequenas cristalizações sociais, pequenos lugares onde o espaço gigantesco e
ameaçador pela sua beleza radical reina. Sintomaticamente perdi meu GPS tracker!
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Invenção do Quotidiano.
Em Jasper, passantes escrevendo
seus próprios caminhos.
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Segunda, 21 de janeiro de 2008
Mesmo no frio e com dificuldade de locomoção, fiz muitas flâneries por Edmonton.
Saía andando independente do tempo lá fora. As fotos abaixo mostram imagens de
algumas caminhadas.
Cemitério, Edmonton
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Cemitério, Edmonton
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Paisagem sublime com a Lua
em Edmonton
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Domingo, 27 de janeiro de 2008
Inverno rigoroso, frio glacial. Da minha janela, já não se veem mais as fronteiras do
jardim, da calçada e da pista. Chegando a -43oC com o Wind Chill.
Vista da janela
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Segunda, 28 de janeiro de 2008
Falling Man
Estou lendo o novo livro de Don DeLillo, “Falling Man” (NY, Scribner, 2007), sobre
os acontecimentos do 11 de setembro. É interessante como o livro parte de uma foto,
que vira uma história publicada em uma revista, que se desdobra em documentário
e que é agora personalizada em um artista-performer fictício homônimo criado por
DeLillo. Recursividade multimidiática: Fato - Foto - Ensaio para revista - Filme docu-
mentário TV - Romance. Será possível assim digerir o acontecimento?
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beça para baixo nas ruas de Manhattan para chamar a atenção sobre as pessoas que se
atiraram das torres em chamas como um “homem aranha”: “She’d heard of him, a per-
formance artist known as Falling Man. He’d appeared several times in the last week,
unannounced, in various parts of the city, suspended from one or another structure,
always upside down, wearing a suit, a tie and dress shoes...” (p. 33).
Esse é o primeiro romance que leio sobre o 9/11 (li o “Brooklyn Follies”, de Paul
Auster, que toca no assunto, mas não de forma tão direta quanto o DeLillo). DeLillo
cria uma personagem que simboliza a vertigem desse início de século e de milênio sob
o signo do desmoronamento, do terrorismo global e do medo do futuro. Ele cria um
curto circuito entre os fatos e as diversas modalidades midiáticas que representam/
produzem o real (o fato, a TV, a foto, o ensaio, o documentário, o romance) para, quem
sabe, fornecer releituras da realidade que possam criar sentidos. Em “Falling Man” es-
tamos no centro dos acontecimentos, em meio a poeiras e fumaças que não nos deixam
ver claramente o futuro.
- What is next? Don’t you ask yourself? Not only next month. Years to come.
- Nothing is next. There is no next. This was next. Eight years ago they planted a bomb
in one of the towers. Nobody said what’s next. This was next. The time to be afraid is
when there’s no reason to be afraid. Too late now.”
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Terça, 29 de Janeiro de 2008
Passei hoje o dia trabalhando com alguns livros sobre a questão do lugar, das mídias
e das relações sociais. Revi, a partir de uma bibliografia mais atual sobre o tema, o “No
Sense of Place”, de Joshua Meyrowitz (tinha lido em 1993), que retoma a sociologia
situacionista de Goffman e cruza com a teoria das mídias de McLuhan para pensar os
novos comportamentos sociais em relação à evolução das mídias eletrônicas. Como
estou falando em “território informacional” e “territorialização”, vou no sentido con-
trário dos que pensam que o lugar perde sentido e que as cidades viram apenas fluxos
informacionais desprovidas de sociabilidade. Estou trabalhando no sentido oposto,
vendo formas de “localização”, “territorialização” e controle informacional. Meyrowitz
escreve basicamente sobre a televisão e a cultura impressa para comparar e mostrar
como as “mídias eletrônicas” (a TV, o rádio, os computadores - ele coloca tudo no mes-
mo “saco”) modificam as relações espaciais, alterando padrões de comportamento. A
discussão me é útil para pensar as mídias locativas. Sua compreensão de lugar me
parece hoje equivocada (melhor do que falar em “no sense of place”, seria dizer “new
sense of place”). Bom, o livro é de 1985, antes da popularização da internet e muito
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antes do impacto das tecnologias móveis e do surgimento de novas tensões espaço-
temporais.
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frio intenso possa ter gerado dois acadêmicos que vão justamente pensar a “ecologia
da comunicação” e as relações face a face, a microsociologia do quotidiano. Esse lugar
frio e vazio ganhou para mim “a new sense of place”!
Fronteiras
Ontem, andando em Old Strathcona, encontro uma pequena reunião em praça pú-
blica contra a ocupação da faixa de Gaza. Algumas faixas, pessoas subindo no palan-
que, um lindo céu azul e um frio de rachar... Remissão à questão do lugar, dos territó-
rios, das fronteiras, do espaço público, das faixas... Veja a foto acima.
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Segunda, 04 de fevereiro de 2008
Para começar a semana: “Os factos só são verdadeiros depois de serem inventa-
dos”. Crença de Tizangara no divertido e sarcástico “O último vôo do Flamingo” de Mia
Couto (Cia das Letras, 2000).
Nano World!
Visitei hoje o “National Institute for Nanotechnology”. Vejam os dados para terem
uma dimensão da coisa: “the $52.2 million, 20,000 square metre building is one of
the world’s most technologically advanced research facilities and houses ultra quiet
laboratory space - the quietest such space in Canada”. O centro fica aqui na Univer-
sidade e é um dos mais importantes do mundo em pesquisas na área do infinitamen-
te pequeno. Um prédio de última geração, com equipamentos que dão abrigo a um
pool de empresas incubadoras, em parceria com a universidade e o governo, para os
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avanços nas aplicações tecnológicas nesse campo (tecidos, medicina, telecomunicação,
computadores, materiais). A visita foi no bojo das discussões do seminário coordena-
do por Rob Shields sobre “Visibilidade e Materialidade”, justamente aqui onde nada
se vê. Vimos algumas imagens que são representações e simulações dos fenômenos
nano-microscópicos e não pudemos entrar nos laboratórios por medidas de seguran-
ça e para não interferirmos nos experimentos. Aqui a matéria (e o seu status) está
em jogo no nível subatômico. A discussão do seminário ficou centrada (para resumir
grosseiramente) na economia política da nanotecnologia, na inovação científica e tec-
nológica, no domínio da ciência e da técnica sobre o mundo exterior. Trata-se de um
novo paradigma científico (teorias dos quanta, probabilidade – diferente do paradig-
ma mecânico newtoniano), mas efetivamente de uma mesma dinâmica tecnológica (a
nanotecnologia é a aplicação técnica dos princípios da nanociência), ou seja, de fazer,
no nível micro, o que a humanidade persegue no nível macro desde a sua existência:
transformação da natureza, criação de novas espécies e formas de vida, busca de po-
der, de controle e de consumação desse desejo de “sair de si”.
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Quinta, 07 de fevereiro de 2008
Passei o dia todo lendo Alfred Whitehead para compreender melhor a dinâmica do
atual, do potencial, do fluxo e dos “afetos”. Isso pode ajudar a entender a dinâmica
sócio-comunicacional das mídias pós-massivas e das tecnologias da mobilidade nas
cidades contemporâneas. O que são os lugares, “an actual entity”, senão processos,
linhas de fluxo, “eventos”? Como percebemos, “sentimos” essas entidades atuais e a
própria dimensão do “urbano” (o virtual, a potência da concretude das cidades) hoje
com as tecnologias móveis? Como a cidade concreta, o processo das coisas atuais, é
subjetivizada na sensação (“feeling”) do urbano e como esse “feeling” influencia os
processos sociais e comunicacionais? Deixo algumas citações de Whitehead para fina-
lizar esse dia e sair para “sentir” o que pulsa lá fora!
The general principle will be termed the ontological principle. It is the principle that
everything is positively somewhere in actuality, and in potency everywhere (...). Each
actual entity is conceived as an act of experience arising out of data. It is a process of
‘feeling’ the many data, so as to absorb them into the unity of one individual ‘satisfac-
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tion’. Here ‘feeling’ is the term used for the basic generic operation of passing from the
objectivity of the data to the subjectivity of the actual entity in question. Feelings are
variously specialized operations, effecting a transition into subjectivity. (...) An actual
entity is a process, and is not describable in terms of the morphology of a ‘stuff’”(p.54).
“All actual entities in the actual world, relatively to a given actual entity as ‘subject’, are
necessarily ‘felt’ by that subject, though in general vaguely. An actual entity as felt is said
to be objectified for that subject” (p. 55)
“There is nothing in the real world which is merely an inert fact. Every reality is there for
feeling: it promotes feeling; and it is felt.” (p. 364)
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as teorias referentes ao uso das mídias locativas e do uso do espaço urbano, e também
just for fun! Na próxima semana devo colocar resultados, textos, reflexões e mais de-
talhes no Carnet de Notes.
Tomei uma decisão importante neste mês e vou passar cinco meses em Montreal
como pesquisador visitante dentro do meu programa de pós-doutorado na Faculdade
de Comunicação da McGill. Isso não estava nos planos, mas decidi visitar uma outra
universidade, expandir os contatos e conhecer melhor o Canadá, de oeste a leste. Fui
convidado pelo colega e amigo Will Straw para ficar no Departamento de Comunica-
ção dessa universidade. Já conheço Montreal (estive lá diversas vezes para participar
de eventos acadêmicos), mas nada como morar na cidade para ter uma melhor ideia
dessa região particular do Canadá, o Québec. Mas para não passar em branco o dia de
hoje, como prometido, listo uma bibliografia do que li desde que cheguei aqui na Uni-
versidade de Alberta e que desenvolverei nos próximos meses na McGill University em
Montreal. Os assuntos que mais pesquisei foram sobre “território”, “lugar”, “geografia
da comunicação” e “mobilidade”, como vocês podem ver nas referências bibliográficas.
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Quinta, 14 de fevereiro de 2008
SUR-VIV-ALL e Areias
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leitura do livro de Margaret Atwood, “Survival”, com as minhas pesquisas sobre mídia
locativa, cidade, mobilidade e novas tecnologias. Como vimos, no livro “Survival”, a
autora defende a tese de que a relação com a sobrevivência é um padrão no imaginá-
rio da literatura canadense, tanto da prosa quanto da poesia: lutar contra as forças da
natureza, contra os nativos, contra os animais... Assim, a partir da minha pesquisa
sobre mídias locativas, tive o ímpeto de “escrever” a cidade com um GPS Tracker e de
mapear alguns hotspots pelo caminho. Busco aqui, além de diversão, uma forma de me
aproximar mais da cidade, de compreender e sentir seus espaços, seus lugares e suas
dinâmicas. Mas, no fundo, é uma forma de ver minha “sobrevivência” aqui. A palavra
“SURVIVAL” foi alterada para “SUR-VIV-ALL”, tentando criar sentidos diversos em
francês e inglês, línguas oficiais do Canadá, e em português, minha língua materna.
Em francês podemos ver ou inferir “SUR VIV(R)E/VIE...”, algo como um excesso e
falta de vida, justamente quando sobreviver é o recurso mínimo e último da existência.
Em português, “VIVA”, viver clamando a existência, um imperativo. Em inglês “survi-
val”, o seu sentido original, acrescido do “ALL” que chama por uma dimensão social,
pelo público e comunitário.
O que está em jogo aqui é o imaginário da cidade (e do país), a relação com tempe-
raturas extremas, o uso dos carros como padrão de deslocamento, os espaços vazios,
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a inviabilidade dos processos eletrônicos (a escrita por GPS é invisível, assim como os
hotspots Wi-Fi) em meio às estruturas aparentes do espaço público. Fizemos fotos,
vídeos que tentam captar essa relação, mas tendo como fio condutor a relação com o
mundo externo.
The persistent cultural obsession of Canadian literature, said Survival in 1972, was sur-
vival. In actual life, and in both the anglophone and francophone sectors, this concern
was often enough a factor of the weather, as when the ice storm cuts off the electrical
power” (Preface, edition 2004, p. 8)
“The original Survival question was: Have we survived? It was a good place to end in
1972, and it’s a good place now” (Preface, edition 2004, p. 13)
“The central symbol for Canada - and this is based on numerous instances of its ocur-
rence in both English and French Canadian literature - is undoubtedly Survival, la Survi-
vance (...) a survival can be a vestige of a vanished order which has managed to persist
after its time is past, like a primitive reptile (...). But the main idea is the first one: hanging
on, staying alive.” (p. 41)
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“Let us suppose (...) that Canada as a whole is a victim, or an ‘oppressed minority’, or
‘exploited.” (p. 45)
“Canadian writers as a whole do not trust Nature, they are always suspecting sone dirty
trick. An often-encountered sentiment is that Nature has betrayed expectation, it was
supposed to be different.” (p. 59)
Andando na te
mpestade...
Sobrevivência!
Foto tirada du
rante
o Sur-viv-all
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SUR-VIV-ALL, escrita com
GPS em 40km de Edmonton
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Segunda, 18 de fevereiro de 2008
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Vigilância difusa...
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iPod e Espaço Urbano
Mudando de assunto, quero fazer uma reflexão sobre a relação entre os tocadores
de música portáteis, o consumo musical e o uso do espaço urbano. Ando muito pela ci-
dade, a pé ou de ônibus, e crio sempre um ambiente sonoro, um pano de fundo que me
coloca de uma maneira especial nos lugares por onde passo. Mais do que isolamento,
o iPod é para mim um dispositivo que cria um pano de fundo musical que dá sentido
aos lugares. Lembro de determinados lugares ao ouvir determinadas músicas em um
contexto totalmente diferente, por exemplo. Há alguns dias, penso na dimensão sono-
ra das cidades e como os dispositivos móveis de áudio fazem parte da paisagem urbana
contemporânea. Os tocadores de MP3, telefones celulares, palms, notebooks são todos
equipamentos que funcionam como interfaces entre o espaço urbano, o espaço infor-
macional e as redes sociais. É difícil andar na rua, entrar em ônibus ou metrô e não
ver alguém com um mp3 player (ou ainda os “enormes” CD Players), ou celulares com
esta função, ou netbooks... Os celulares e os palms ampliam ainda mais essa escuta em
mobilidade pelos espaços das cidades.
Bom, nem tanto. Um post do “Brooklyn Record” mostra um projeto de lei que visa
regular a forma de escuta sonora no espaço urbano: quem for pego atravessando a rua
com um dispositivo móvel (para o que nos interessa aqui, ouvindo um tocador de mú-
sica - iPod, celular, ou outro) poderá ser multado em US$ 100.00. Até então, o regime
sonoro, individual e fechado, em mobilidade, não era regulado (há apenas os limites
do aparelho) e permitiam formas de escape da programação das cidades. Há diversas
maneiras de escapar já que a “governamentabilidade” (Foucault) não é nunca totali-
zante: produção de experiências corporais e de desejo, imaginação a partir de diversas
formas de escrita (arte, mídia), o imaginário, mas também práticas juvenis de uso e de
temporalidades diferenciadas do espaço como o graffite, o skating - ver o excelente
“Paranoid Park” - ou o “parcour”, a leitura aberta da mídia e hoje a internet. Vejam
Amin e Thrift, “Cities. Reimagining the Urban” para uma análise mais detalhada. As
cidades são controladas, mas são também zonas de escape já que essa governamenta-
Visitando a bela região de Castle Downs, ao norte da cidade (a parte mais ao norte
que fui no planeta), vi um imenso lago congelado e este carro de supermercado engo-
lido e congelado pelo lago. A música que toca no meu MP3 me lembrará para sempre
de Castle Downs.
(...) The way, in particular, walking gives you a certain perspective on landscape - a kind of alie-
nation from alienation. Walking, in these films and books, might be an adventure, an exploration,
a way of making art and architecture, an ‘intervention’, a way to approach urban planning, a
situation, even a sort of politics. In Careri’s case, we get a complete history of subversive forms
of walking as well as an aesthetics of perambulation: ‘From primitive nomadism to Dada and
Surrealism, from the Lettrist to the Situationist International, and from Minimalism to Land Art,
this book narrates the perception of landscape through a history of the traversed city’. (...) Ger-
man Wikipedia tells me that strollology is a perfectly serious science founded by the late political
economist, sociologist, art historian and planning theorist Lucius Burckhardt in the 1980s at the
University of Kassel. Also called Spaziergangswissenschaft (knowledge about moving through
space), it deals with human perception and its feedback into planning and building. (...) A blend
of sociology and urbanism, strollology attempts to correct the way technical progress, from
trains through cars to GPS, has alienated our perception of the landscapes we move through.
(...) The other mail I received yesterday was from Nick Slater, director of arts at Loughborough
University. ‘After reading today’s post on your blog’, he said, ‘I thought you might be interested
to see that gaming / walking activity has reached Loughborough. It is interesting to see how
caminho
Marcas do GPS no nff
de Calgary para Ba
Banff e-history
Estou no Banff Centre (free wireless em todo o complexo), um dos mais importan-
tes centros de produção e reflexão em arte e novas mídias do Canadá e do mundo. A
infra-estrutura é fantástica com vários laboratórios, hotel, piscina, sala de recreação e
ginástica, teatros, auditórios, centro de convenções, etc. E tudo isso cravado nas mon-
tanhas do Parque Nacional de Banff. O Centro é na realidade um grande campus. Vou
visitar amanhã ou na segunda-feira o Banff New Media Institute, com especial inte-
resse no Mobile Lab. O Mobile Lab tem vários projetos com mídias locativas, dando
suporte a pesquisadores e artistas interessados nessa temática.
Se encontrar um urso:
5. fique parado o máximo que puder, qualquer movimento pode induzir a um ataque.
1. deite-se no chão com o rosto para baixo, mãos na nuca e pernas abertas (como se
for detido pela polícia!!!!)
2. se o ataque durar mais que alguns minutos (??????) prepare-se para contra-ata-
car (???????) para mostrar ao urso que você não é uma presa fácil (???????)
Agora sim, estou tranqüilo e já sei como agir! A única segurança é que agora, no in-
verno, eles estão hibernando. Mas, de qualquer forma, vou chamar um segurança para
voltar ao Centro pois já é noite!
Conforme previsto, visitei hoje o “Banff New Media Institute” e o “Mobile Lab”.
Fiquei o dia todo lá. De manhã visitei o “Banff New Media Institute”, à tarde trabalhei
no artigo e apresentações dos próximos dias e visitei o “Mobile Lab”. O “Banff New
Media Institute” (BNMI) fica em um dos prédios mais modernos do Campus, com uma
arquitetura que valoriza ângulos e transparência. Os ângulos se integram como parte
das montanhas e a transparência dos vidros dá uma sensação de imersão no ambiente.
O BNMI tem laboratórios de primeira nas mais diversas mídias (áudio, vídeo, TV, cave
de RV, print media, etc.). Circulei com o diretor Jim Oliver e depois me concentrei no
Mobile Media.
O “Mobile Lab” não tem nada de especial: uma sala, cinco pessoas trabalhando e
equipamentos usuais. Conversei com o Senior Mobile Researcher Angus Leech que
falou sobre os projetos em andamento. Os projetos são basicamente três, um peda-
gógico, o Banff e-History, com crianças da escola de Banff, como já reportado aqui, o
Alice em Edmonton;
Esquiar e patinar;
A Ravine;
White Avenue;
Jasper Avenue;
Não Gosto
Hockey na TV;
Paisagem urbana
em Montreal
Hoje, depois de um belo sobrevôo sobre Londres a caminho de Madri (com excep-
cional vista do Palácio de Buckingham, London Bridge, Big Ben, Parlamento, a imensa
roda gigante na beira do Tâmisa e a Swiss Re Tower), passei algumas horas em He-
athrow zanzando, buscando conexões Wi-Fi (todas fechadas ou por assinatura) e li
todo o “The Guardian”. A edição de hoje destaca muitas matérias sobre IPTV, ITV, ou
seja, a televisão na era da rede, e uma nova série na BBC1, que começou ontem à noite,
Não sei se é o fuso horário ou algum jogo do acaso, mas quase não dormi esta noite,
acordando às 4h da manhã... Tentei voltar para dormir, sem sucesso. Desisti e liguei a
TV para ver se o sono me pegava, mas, ao contrário, fui pego pelo documentário/ficção
“La niebla en las palmeras” (2005), que passava no Canal+. Um belíssimo filme, entre
ficção e realidade, colocando em relação a potência da ciência, através da física quân-
tica, da guerra, com o projeto Manhattan, da memória e do desaparecimento, através
da fotografia, dos registros pessoais, da luz. O filme ganhou a segunda edição do DIBA
(Festival Digital De Barcelona) como melhor longa metragem e como melhor direção.
Há imagens da Áustria, França, Cuba, EUA e Alemanha. O filme vai intercalando fotos
de 1900 com imagens caseiras dos anos 20 e filmes da Segunda Guerra Mundial, crian-
do uma atmosfera entre ficção científica, documentário e poesia. Há uma narradora
(acho que a filha do fotógrafo Santiago Bergson, que colaborou com o projeto Manhat-
tan) que vai descrevendo sua perda de memória, seu desaparecimento junto com o das
Algo meio onírico, fragmentado, com imagens e sons que iam brincando com o meu
estado, ao mesmo tempo em vigília e sonho. Em algum momento a narradora diz: “para
que servem as imagens se não para salvar o homem...”. Fiquei achando que acordara
para ver esse filme, mesmo sem saber, que ele me salvaria dessa noite mal dormida e
que me daria coisas para pensar, coisas sobre minhas fotos antigas, minha memória,
meus registros... Neblinas! O que aconteceu efetivamente. “Revi” fotos antigas que não
me lembrava mais, e que nem sei onde estão. O amarelado do desgaste do tempo da-
quelas imagens ativou o amarelado dos registros da minha memória (minha infância,
minha família, minha cidade de nascença...). Comecei a enxergar palmeiras através da
neblina do tempo. No site do filme podemos ler:
E acabou... Mudei de canal e passava “Walking Life” (2001), filme também forte em
imagens, embora em outro registro, e também sobre sono, sonhos, vigília, e a indife-
rença entre eles... Fiquei assustado. Aquilo era um pouco demais para as 5h da manhã.
Desliguei a TV e fui para a rua para saber se estava mesmo acordado.
Eleições Espanholas
Hoje tem eleições na Espanha. Neste domingo, realizam-se as eleições gerais, inclu-
sive para Presidente do Governo. 30 anos de eleições desde 1977, quando os espanhóis
puderam, pela primeira vez, votar em seus representantes. Até agora, 14h, (segundo o
jornal El País) o índice de participação situa-se em 40%, baixo, mas parece o normal
historicamente pelo horário. Saio às ruas e, surpreendentemente, muito diferente do
Brasil, não vi nada, nada de boca de urna, de panfletos, de sujeira, de faixas, nada.
Literalmente não vi nada e um turista desavisado nem sabe que está se desenrolando
uma eleição geral aqui. Incrível. Um domingo normal, parece. A partir das 21h, pode-
se saber do andamento da contagem no site http://www.generales2008.mir.es.
Volto ao hotel, durmo e vou ao aeroporto para iniciar a minha volta para Montreal,
mas as coisas não foram tão fáceis. Tormentas. Tormentas. Tento sair de Madri, mas
não consigo. Tempestade e ventos fortes em Londres fecham Heathrow e tempestade
de neve do século em Montreal me mantém aqui. Vou ao aeroporto, mas volto, pois os
vôos para Londres foram cancelados. Volto ao hotel e não sei quando viajo... Cansado e
irritado, olho pela janela do quarto e vejo “piernas a la ventana”... Para manter o bom
humor. Saio para jantar em um restaurante cubano e acho essas inscrições bem con-
hecidas na parede. Ligo para a agência e consigo um vôo via Frankfurt de madrugada.
Agora sim, saio do hotel de Madri de volta para Montreal...
Montreal, Ru
e de Bullion
Primeiro assisti à conferência de Darin Barney, “One Nation Under the Google”,
na McGill sobre a dimensão política da internet. Barney retoma a questão da politiza-
ção da tecnologia e do potencial, ao mesmo tempo democrático e desagregador, das
novas tecnologias. Ele reconhece que a Internet oferece ferramentas para o exercício
da cidadania e do ideal democrático sem precedentes na história das mídias (o que
venho chamando de funções pós-massivas), mas que também, pelo determinismo e
pela busca da neutralidade do desenvolvimento científico e técnico, pode levar a uma
despolitização e a uma aderência cega aos novos dispositivos sem questionamento,
sem crítica. No fundo, o que ele propõe não é algo novo, mas levar em conta que a
ciência e a tecnologia são ideologias (Habermas) e que, por isso mesmo, devem ser
objetos de questionamento político desde suas bases: por que esse sistema operacional
e não outro? Por que a disseminação de câmeras de vigilância? Por que esse sistema de
TV digital e não outro? Por que esse tipo de celular e esse uso das redes? Na maioria
dos países (ele citou casos de exceção na Dinamarca), estas questões são deixadas nas
mãos dos tecnocratas, já que são “técnicas”. No entanto, elas são sempre políticas e
Conceptual Art
In the 2006 work In the Between, Almond follows the new railway line between Xining,
China, and Lhasa, Tibet. Dubbed the Celestial Road, the track crosses the Kunlun Shan
mountain range, which forms a natural boundary along the northern edge of the Tibetan
Na saída, compro o livro “Le gout de Montréal”, coleção de pequenos textos organi-
zados por Marle-Morgane Le Moël (Mercure de France, 2008) sobre a cidade pela plu-
ma de escritores como Stefan Zweig, Michel Tremblay, Jacques Chartier, entre outros.
Destaco agora esse trecho de Alain Gerber:
C’est un rare privilège que d’être délivré de son ombre. Je laisse mon ombre à Paris,
sous belle guarde, et je déambule rue Sainte Catherine, transparent, incognito à mes
propres yeux. Montréal sait ce qui lui reste à faire. (...) Ailleurs, j’éprouve le sentiment,
sans doute injustifié (Dieu merci, la passion est injuste), que les choses se trouvent où
elles sont par la tyrannie des besoins et le calculs des avantages (…). La realité balance
entre deux chimère: ce qui n’est déjà plus et ce qui n’émerge pas encore”.
O livro fala de paisagens e, para situar o debate, retomo aqui a noção de paisagem
em Anne Cauquelin (“A invenção da paisagem”, Martins Fontes, SP, 2007) que teve
como momento fundador o quadro “A tempestade” de Giorgione, de 1505. Paisagem
é uma invenção a partir da perspectiva (“per scapere” - o que se abre), que inaugura
um novo regime ótico. Não havia noção de paisagem entre os filósofos gregos, já que a
imagem era apenas um fundo para narrar, para contar “istorias” sob o signo do logos,
da razão. Não há aqui a visão do que desponta. Isso só passa a acontecer com o regime
moderno, com a perspectiva, com o ponto de fuga que permite, aí sim, que se veja a
paisagem. Ela é uma construção mental dada pela possibilidade de “ver”, criada pelo
(...) Vemos em perspectiva, vemos em quadros, não vemos nem podemos ver senão de
acordo com as regras artificiais estabelecidas em um momento preciso, aquele no qual,
com a perspectiva, nascem a questão da pintura e a da paisagem? (p. 79).
Esse ‘mostrar o que se vê’ faz nascer a paisagem, a separação do simples ambiente
lógico (...). A istoria e suas razões discursivas passam para o segundo plano: e, veja,
falamos de ‘planos’, de proximidade e de longe, de distância e de pontos de vista, ou
seja, de perspectiva” (p. 81-82).
emolduramos, fazemos da cidade paisagem pela janela que interpomos entre sua for-
ma e nós. Numerosas vedutes, uma esquina de rua, uma janela, um balcão avançado,
a perspectiva de uma avenida. O prospecto aqui é permanente. A cidade participa da
própria forma perspectivista que produziu a paisagem. Ela é, por sua origem, natureza
em forma de paisagem” (p. 149).
Com as novas imagens digitais, não haveria mais paisagem e voltaríamos a um re-
gistro visual pré-perspectivista, já que o que aparece como natureza é a performance
do nosso conhecimento, do protocolo, do algoritmo. Não há assim o “ver”, mas o de-
leite do conhecimento, da “istoria” dos objetos destacados de um fundo que não existe
como fundo:
temos somente a imagem, transmitida por câmeras, dados digitais em monitores, sem
ponto de fuga, e ilegível, até mesmo indecifrável para quem não estiver de sobreaviso
(...) podemos apenas perceber que intelectualmente que há, sem dúvida, ‘algo a ser
percebido’ (...) a própria noção de paisagem é desmontada” (p. 179).
Vejamos que é bem essa a sensação que temos quando apreciamos uma obra de arte
eletrônica onde o “modo de uso” deve ser explicitado para a sua fruição. Trata-se assim
de uma “segunda natureza”, o nosso “conhecimento” algorítmico e não do ver.
Sabbatical
Este livro é fruto do meu ano sabático aqui no Canadá. Oficialmente, não se trata de
um sabático, mas de um afastamento para um pós-doutoramento, com uma primeira
etapa no departamento de Sociologia da University of Alberta, em Edmonton e uma
segunda, no departamento de Comunicação da McGill University em Montreal. Estou
concentrado na minha pesquisa, escrevendo “work in progress” no meu blog, fazendo
contatos, visitando e conhecendo pesquisas relacionadas, lendo muito e escrevendo
um livro sobre mídia, mobilidade, cidade. Mas estou, efetivamente, em um período sa-
bático, como se chama por aqui (um direito dos professores em muitas universidades
ao redor do mundo). Mas o que significa isso? Qual a origem da palavra?
- sabbatical - 1645, “of or suitable for the Sabbath,” from L. sabbaticus, from Gk. sabbati-
kos “of the Sabbath” (see Sabbath). Meaning “a year’s absence granted to researchers”
(originally one year in seven, to university professors) first recorded 1886 (the thing itself
is attested from 1880, at Harvard), related to sabbatical year (1599) in Mosaic law, the
seventh year, in which land was to remain untilled and debtors and slaves released.
- Leave time with pay granted to a teacher or professor after serving for six or seven
years on the same faculty.
- A period of time (usually one semester) when a faculty member is not teaching, but
concentrating on his/her own education or research.
Mudando de assunto, vou falar agora sobre mais um interessante projeto de Es-
ther Polak, “Nomadic Shopping”, a mesma que realizou o “AmsterdamREALTime” e o
“MILKproject”. Nesse novo projeto, Polak constrói uma ficção a partir de “GPS track”,
tendo por base o “The Opzeeland Dairy Route”. Para o projeto, ela utilizou o “mashup
Et j’ai découvert que le courage dont on fait preuve pour écrire est celui-là même qui nous
fait défault dans l’existence. J’ai découvert que décliner ainsi sa vie ne la rend pas moin
miserable, qu’une existence présentable n’a pas besoin d’être mise en scène, que les
phrases ne sont jamais qu’une suite de mots complaisants. J’ai découvert que, croyant
chaque foi écrire pour quelqu’un, c’est en réalité contre moi que je plaidais” (p. 41).
Nesse fim de semana, sexta e sábado, visitei lugares que desenvolvem projetos
com novas mídias. Na sexta fui ao “Oboro”, centro dedicado à produção e apresenta-
ção de arte, práticas contemporâneas e novas mídias, para o lançamento da revista
hipertextual “bleuOrange 00”. Dança, música e apresentação dos projetos interati-
vos, hipertextuais e vídeo-instalações que aparecem no primeiro número da revista.
O evento foi interessante, mas me pareceu datado. Não gostei dos projetos apresen-
tados (e isso não foi por causa do meu mau humor ou do meu sarcasmo, coisas de
que sempre sou acusado). Sinceramente, me senti no começo dos anos 1990 com
toda aquela discussão sobre narratividade, literatura e hipertextos. No entanto, para
não dizer que não gostei de nada (embora não tenha achado nada muito relevan-
te), destaco o trabalho de Grégory Chantonsky, “Sodome@home”. A instalação tinha
dois telões projetando cenas de “Os 120 dias de Sodoma”, de Pasolini, e imagens do
Flickr, mostrando por um lado a radicalidade do fascismo e de outro a “banalidade”
do Flickr. Não fica claro a escolha, nem a crítica, mas o efeito é interessante.
No sábado, visitei a exposição Digital Chile, na SAT, “La Société des arts technolo-
giques”. Mais atual, mostrando projetos e instalações interativas com sons, imagens
Chegando ao metrô Mont Royal, um grupo com cartazes escritos em inglês e francês
(“Free Hugs/Calin Gratuit”) distribuía abraços nas pessoas que passavam apressadas
ou taciturnas, saindo ou entrando na estação. Com um gesto simples, anticonsumo e
amigável, eles conseguiam quebrar o frio de - 15 graus e colocavam um sorriso no rosto
de todos. Recebi o meu “calin” de graça.
Depois, visita ao mercado Jean Talon para ver os produtos locais e a movimentação
de pessoas. Adoro ir aos mercados e acho que sempre podemos aprender sobre a alma
local nesses lugares. Aqui, o espaço é um lugar marcado socialmente, historicamente
na memória e no imaginário da cidade. Na entrada, uma barraquinha na qual se vende
as “tires d’érable sur neige”. Um mel, que eles chamam de xarope, é retirado da árvore
(érablier ou mapple tree – a folha é a que aparece na imagem da bandeira do Canadá)
como se extrai a borracha da seringueira no Brasil, passa por um processo térmico (co-
zinha) e depois, quente, é jogado sobre a neve, endurecendo o líquido e gerando esses
deliciosos “pirulitos”. Todos consomem essas “tiras” por aqui que são muito populares
nessa época. É gostoso, mas um pouco doce demais para o meu paladar. No entanto,
há uma variedade enorme de produtos com o érable: xarope, doces, açúcar, chocolate,
biscoitos...
Voyager c’est bien utile, ça fait travailler l’imagination. Le reste n’est que déception et
fatigue. Notre voyage à nous est entièrement imaginaire. Voilà sa force. Il va de la vie
à la mort. Homme, bêtes, villes et chose, tout est imaginé. C?est un roman, rien qu’une
histoire fictive. Littré le dit, qui ne se trompe jamais. Et puis d’abord, tout le monde peut
en faire autant. Il suffit de fermer les yeux. C’est de l’autre côté de la vie”. Céline (préfa-
ce, premièr edition, 1932, de “Voyage au but de la Nuit”).
Cartografia
Interessante ver que, assim como os mapas, esses instrumentos são também “mí-
dias”. Eles desempenhavam uma função midiática importante, já que permitiam a ex-
pansão do conhecimento do espaço, a resolução (às vezes pela violência) de problemas
de fronteiras, a permeabilidade entre membranas culturais e tensões civilizatórias en-
- Charlie Brown - “you don’t like me!”. That’s always been the whole trouble. You just
don’t like me!
- Charlie Brown - “well, maybe you like me a little... But I know you don’t think I’m PER-
FECT!”
Outra de McLuhan: “is it natural that one medium should appropriate and exploit
another?”
Ainda no Mile End, visito a exposição “Map of the City”, na Galeria Articule, que
mostra a cidade como um livro a ser lido, como um organismo vivo em plena transfor-
mação: orgia de signos, objetos, mapas e imagens. A vídeo-instalação faz uma colagem
de objetos, mapas, livros, inscrições da antigüidade, fotografias... tentando relacionar
sua história, seus signos e símbolos passando ao espectador um patchwork de sen-
sações (com sons e seqüências de imagens fixas em duas telas). Essas sensações em
muito se assemelham ao que experimentamos no quotidiano. A instalação propõe a
imersão e o consumo de imagens como fazemos ao nos locomover pelo espaço urbano,
ou seja, de forma casual, sem prestar muita atenção, sem pensar ou interpretar aquilo
que nos interpela. O consumo que também nos consome sem nos darmos conta. Pode-
mos ler no catálogo:
Nelson Henricks recent work Map of the City, is a two-channel video installation that
explores the correlations between architecture and words. Initiated during a six-month
residency in Rome, this work sees the city as a text environment, as a kind of library that
requires both readers and writers. The video piece is a complex blend of text and images
where mundane objects take centre stage, grow and multiply, creating small evanes-
cent worlds for the viewer to actively consume. Map of the City is inspired by chapels
Outra exposição que visitei na quinta-feira, e que faz referência também à cidade,
é “Utopia’s Ghost”, no excelente Centre Canadien d’Architecture. A partir de cinco
tópicos principais: “road to nowhere”, “(In) human Scale”, “Babel/Babble”, “Islands”,
e “Worlds-within-worlds (Russian Dolls)”, os organizadores propõem reinterpretar o
período pós-moderno, que decreta o fim das utopias, e rever seus novos fantasmas. Há
projetos de Robert Venturi, Aldo Rossi, Arata Isozaki, Peter Eisenman, entre outros.
Podemos ler no site do CAC:
(...) The exhibition title wall features a photomural depicting the dramatic implosion of
the high-modernist St. Louis housing project Pruitt-Igoe designed by the architectural
firm Leinweber, Yamasaki & Hellmuth in 1950-54. This spectacular and much publicized
demolition in 1972 marked not only a public expression of the failure of certain modernist
ideologies embodied by the project, but could subsequently be interpreted as a moment
of ‘birth’ for the postmodern period. According to Reinhold Martin, much of the architec-
tural production of the past half-century has been haunted by the ghosts of modernist
utopias: ‘the projects documented in the exhibition are understood as bearers of a la-
A primeira exposição, “Map of the City”, mostra, em vídeo e sons, o presente e a vida
quotidiana na sua trágica dimensão do “aqui e agora”. A cidade é um livro a ser lido, um
palimpsesto, um mosaico de imagens a serem consumidas com os olhos. A segunda
exposição, “Utopia’s Ghost”, apresenta uma outra forma de ler a cidade e seu imagi-
nário, lançando o olhar para o futuro em sua dimensão utópica, irrealizada. Maquetes,
pinturas e desenhos mostram projetos que tentam concretizar novas dimensões da
utopia, desse “não-lugar”, ou desse “lugar-ideal” presente desde os primórdios da aven-
tura humana. Não dá para não pensar em Barthes e seu ensaio sobre a cidade. Para
Barthes, a cidade não é apenas um texto a ser lido, mas uma língua a ser falada. Sen-
timos isso quando conhecemos uma cidade (lemos e falamos a sua língua) ou quando
somos estrangeiros ou turistas (e não sabemos nem ler nem falar e temos dificuldades
para compreender o espaço que nos cerca). É a sensação do estrangeiro. O estrangeiro
é, para Simmel, a figura suprema das cidades modernas, ao mesmo tempo anônimo e
desengajado. Quando falamos a língua das cidades, conhecemos sua dinâmica, seus
Geografia e Telecomunicação
Jean Gottmann (“The skyscraper amid the sprawl”, NY, 1967), por exemplo, mos-
tra como o telefone foi fundamental para a criação de grandes prédios, para o comércio
e instalação de empresas, para o desenvolvimento dos subúrbios e para a especializa-
ção dos centros urbanos. O mesmo podemos dizer hoje com a internet, os telefones
celulares, os GPSs... Como afirma G. Dupuy, “la suppression de la barrière de la dis-
tance dans la communication n’empêche pas le mantien, voire le développment, d’une
spatialisation des espaces urbain’”. Para Dupuy, o telefone é “‘une technique urbaine
à part entière”. Ele não dissolveu a cidade, muito pelo contrário. Podemos, talvez,
pensar o mesmo com as NTIC e, principalmente, com as tecnologias de comunicação
móveis, nas quais a mobilidade não se opõe à inércia dos imóveis que compõem as
cidades. Lembremos: cidade são fluxos, lugares, eventos em negociação com diversos
territórios, hubs e nunca ponto perene de fixação. As mídias de comunicação alteram
Mais ainda, o que parece ser verdadeiro hoje com redes sociais, blogs, software li-
vres, projetos bottom-up com as mídias locativas:
Estive hoje à tarde na conferência de Imre Szemán, “Between Empire. Cultural Stu-
dies in Canada”, promoção do “McGill Institute for the Study of Canada”. Szemán
faz parte da “Canadian Association of Cultural Studies”, CACS. A conferência foi na
bela sala da “Faculty Club” da McGill no centro de Montreal. Szemán esboça uma vi-
são geral dos estudos culturais e o lugar do Canadá, colocando-o na encruzilhada das
influências britânica, americana e francesa. A conferência, genérica e sem se deter nos
detalhes dos temas caros a esse campo de pesquisa (media, gênero, globalização, cor-
po, identidade...), baseia-se no livro que co-edita (com Sourayan Mookerjea e Gail
Faurschou) e que deve sair no final de 2008, “Canadian Cultural Studies: A Reader”,
Duke Press. O livro tem três partes: Origins (McLuhan, Innis, Frye...); Contempora-
ry Studies (Angus, Shields, Mackey, Straw...) e Government Documents (relatórios
governamentais sobre multiculturalismo, arte, bi-linguismo). De uma forma geral, as
questões que balizam os estudos culturais canadenses estão ligadas à identidade na-
Para pensar no Canadá (no futuro, na sua identidade), o autor afirma que devemos
pensar que ele se parece mais com o Brasil do que com os EUA. No meu entender, a
comparação é pertinente, mas exagerada. Há várias diferenças. Uma delas é o mul-
ticulturalismo global. A sociedade canadense é composta, e continua a se constituir
já que a imigração continua, por asiáticos, ucranianos, poloneses, gregos, portugue-
ses, latinos... Nós não temos essa cultura cosmopolita, não temos imigrantes atuais e
também não migramos. Temos uma identidade plural de difícil definição (espanhola-
portuguesa - italiana e alemã, indígena, africana, mestiça...), mas autóctone. Outra
diferença é que não temos a forte influência britânica, na qual a língua, a forma de
governo, a influência intelectual são hegemônicas. Além disso, não estamos colados
nos EUA, que consideram o Canadá como um quintal rico.
O evento foi interessante para ter uma visão geral e o livro que vai sair este ano pode
ser um bom termômetro para essa discussão. Os queijos e vinhos do coquetel e o papo
depois também deram um tempero especial ao evento.
editoraplus.org info 179
Spring?
Cote de Neige, inverno, 4h da tarde
e já noite lá fora...
Primavera em Montreal.
Nevasca nos fundos da minha casa.
Detalhes das escadas em “colimaçon”,
típicas da cidade.
Protestos sobre a quebra de neutralidade da rede pela Bell Canada gera protestos.
Essa é uma das questões centrais hoje no debate sobre a liberdade na internet. A inter-
net foi construída não discriminando pacotes de dados, ou seja, sendo neutra. Dados
do meu blog ou o site da Nasa trafegam como se fossem iguais. Isso qualifica a neutra-
lidade da internet. Agora, alguns provedores querem dizer que dados são mais valio-
sos do que outros e diferenciar uns dos outros, aumentado para uns a banda passante
e diminuindo a largura dessa banda para os menos importantes. Assim, o provedor
pode dizer que você vai acessar um site de uma empresa patrocinadora com toda a
capacidade de banda, mas que irá acessar o YouTube, por exemplo, a uma baixíssima
velocidade. Essa prática é considerada ilegal e pode acabar com a internet que conhe-
cemos hoje. Vejam, por exemplo, matéria do “ars technica”, “Canadians debating net
neutrality in wake of Bell throttling”, que explica o problema. Campanha de protesto
pode ser assinada na “Campaign for Democratic Media”.
Com certeza, vai ficar muito mais difícil ler, ver um vídeo ou simplesmente dormir.
Com o celular não se trata de estar em conexão para uma comunicação urgente. O
que está em jogo é a urgência da comunicação e da conexão, a urgência em estarmos
sempre disponíveis. É um dispositivo também usado para suprir o vazio e a ausência,
a falta de sentido e a incompletude. As pessoas sozinhas lá em cima vão mesmo usar o
dispositivo para nada que seja efetivamente urgente. Bom, em um primeiro momento,
o preço deve inibir os mais faladores. De qualquer forma, o celular será usado para
ajudar a suportar a viagem. Como diz Pascal, “...tout le malheur des hommes vient
d’une seule chose, qui est de ne pas savoir demeurer en repos dans une chambre”. E
não ficarão no avião!
editoraplus.org info 184
Terça, 08 de abril de 2008
“Il n’y a pas plus de champs et les rue sont vides...Ces toiles d’araignées grelottent
au haut des grandes croisées”
(Mallarmé)
Montreal Wi-Fi
Montreal é uma ilha desplugada. E não é utopia, não! Tenho tido certa facilidade
para acessar a internet a partir de hotspots abertos, tanto de casa (o meu está aberto),
como de cafés, restaurantes, e até da rua. Não é o paraíso, já que a maioria dos hots-
pots que aparecem no meu computador estão fechados, mas o espectro envolve grande
parte da ilha. A maioria dos cafés e alguns restaurantes oferecem o serviço de graça.
Alguns usuários domésticos deixam a conexão aberta. Um projeto interessante, já re-
portado no Carnet de Notes, é o “Ile Sans Fil Montreal”, uma organização sem fins de
lucro que estimula e ajuda a criar hotspots abertos e gratuitos pela cidade. Podem se
associar estabelecimentos comerciais e pessoas comuns. Na próxima sexta-feira, have-
Ontem assisti a série de conferências “Les Nouvelles frontières des Jeux Video” na
SAT, “Société des Ars Technologique”, um dos centros mais importantes do Québec
e do Canadá sobre novas mídias e arte, e um dos meus lugares favoritos em Montre-
al. O evento foi interessante por vários motivos: pela estrutura, pelas conferências e
pelo ambiente descontraído. O evento (pago – CAD $20, CAD $10 estudante) oferecia
um “comes-e-bebes” na recepção, cinco conferências e um ambiente de encontro para
debate entre os participantes, palestrantes e público, no final. Na realidade, todos os
eventos no Canadá, pelo menos os que participei, são assim: pagos mas com um exce-
A palestra de Bart Simon foi a que mais me interessou pelo tema da minha pesquisa.
Simon é coordenador de projetos sobre games, o Game Code e outro sobre vigilância
na Concordia University. Ele analisou a console de jogos Wii mostrando como esse
novo jogo incorpora o lugar e o corpo do usuário como interfaces. Cruzando referên-
cias de teorias dos “new media”, sociologia, teoria dos jogos e antropologia, Simon
analisou o Wii como um jogo que cria uma realidade híbrida, na qual o “espaço” do
jogo é diferente daqueles dos jogos em consoles ou em computadores, nos quais tudo
se passa na tela. Embora ele não tenha se referido ao termo, podemos dizer que o Wii
cria uma AR, “augmented reality”. O lugar importa, já que não se trata nem de jogar
para (console/PC), nem de entrar na tela (RV- Realidade Virtual), mas de jogar com
o corpo, a tela e o espaço entre eles. O console inclui esse espaço de lugar, captando o
movimento do corpo do jogador (já há aplicações na medicina, por exemplo), fazen-
O lugar é parte do jogo. O lugar importa e se redefine no jogo. Vejam meu comen-
tário anterior sobre o uso de celulares em aviões. O mesmo acontece com o Wii: para
jogar o lugar deve se transformar (retirar objetos, por exemplo) e passar a ser parte
atuante do jogo. Ele é agora um ator. O sistema requisita, ao mesmo tempo, o corpo do
jogador, a tela e o espaço físico entre eles. O lugar físico é uma interface ativa no pro-
cesso, como nos jogos não eletrônicos (tênis, futebol, pega-pega...). Com o Wii, o game
não mascara mais o lugar, como na rede ou nos consoles sem a sua tecnologia, impon-
do a intersecção desses mundos em um sistema único. Assim, afirmava Simon, “os
aspectos local e pessoal são revelados”. Como tenho insistido em meus últimos textos,
o lugar ganha força. Podemos, assim, pensar que o Wii é um console para “locative-
based game”, embora não tenha essa denominação e não use LBS ou LBT. Estamos
vendo, com as tecnologias móveis e digitais, a evidência do que estou chamando (e
vou desenvolver no próximo livro) de “the place turning point” dos estudos sobre co-
municação e as novas mídias digitais. Essa inflexão aponta para uma tendência muito
diferente daquela que previa o surgimento de um espaço eletrônico desconectado do
McLuhan’s Wake
Finnegan’s Wake é uma sinfonia literária, uma obra multimídia avant la lettre, uma
orgia de símbolos e de línguas, representando a cultura moderna e a emergente cultura
midiática. A relação é interessante, como se a difícil leitura do texto de Joyce fosse um
espelho da própria dificuldade que temos hoje de “ler” a nossa cultura eletrônica, cul-
tura essa, como o texto de Joyce, marcada pelo excesso de símbolos e de linguagens. O
choque entre oralidade, escrita, mídias de massa (impresso, TV, rádio), web e telefonia
móvel, que estamos vivendo hoje, seria uma materialização do Finnegan’s Wake. A di-
ficuldade em ler o livro é a mesma que temos hoje para achar uma luz na confusão em
que nos encontramos: convergência das mídias, reconfigurações da indústria cultural,
colapsos identitários, subjetivos, políticos, culturais da/pela globalização, excesso de
imagens, hiperrealidade. Como afirma McLuhan, só conseguimos enxergar o presente
e o futuro do nosso ambiente midiático olhando para as formas comunicacionais do
passado. A cibercultura seria assim o Finnegan’s Wake tecnológico em realização, ao
mesmo tempo oral, literário, audiovisual, multimídiático, telemático, sinestésico, míti-
co. Ler Finnegan’s Wake não é uma experiência apenas visual, mas total, “retribalizan-
Alguns dados sobre o atraso canadense. Enquanto em países como Japão e Coréia
a telefonia 3G já está na maioria do parque de celulares, só agora ela começa a pegar
por aqui. Segundo dados da revista Convergence (n. 50), em 2006 só 1% da população
que usa celular no Canadá usava essa tecnologia, enquanto que no Japão esse número
supera os 80%. Os canadenses não usam e-mail (e pouco usam SMS) e o uso da web
é restrito pelo preço caro do tráfego de dados. Os outros serviços (caixa postal, saber
quem ligou, etc, coisas correntes no Brasil) também são caros e as operadoras pedem
contrato de 3 anos para oferecer alguma vantagem. No Japão, 85% das conexões à web
se fazem pelo celular. Hoje podemos ver por aqui celulares e serviços de acesso a sites
Ben X
Assisti ontem ao filme belga Ben X (2007) de Nic Balthazar. O filme mostra a vida
(baseado em fatos verídicos) de um autista (aspergiano) que sofre com o assédio dos
colegas (bulling) e se refugia em um game multi-usuários, achando aí a sua salva-
ção! Gostei e recomendo. Ele aborda um tema interessante (autismo, games e assédio)
usando uma linguagem que toca os envolvidos (jovens e autistas). Além disso, o filme
não cria um cenário de jogo, mas utiliza um jogo real, o coreano “Archlord”. E na bi-
lheteria do complexo de cinemas Ex-Centris, você compra o ingresso como se estivesse
conversando com um personagem de um filme rodando ao vivo! O vendedor aparece
em uma escotilha sendo que a imagem dele é gerada por uma câmera no interior da
bilheteira. Falamos assim com um vendedor filmado. Bizarro! Aconselho a ida ao Ex-
Centris.
“Sujet Insécure”
O tema inicial era sobre cinema e ela mudou na última hora, para minha sorte, para
“cultura da insegurança” na qual explora a questão do sujeito e das novas tecnologias
de vigilância, principalmente as câmeras no espaço público. Vou fazer uma síntese. Em
alguns dias a palestra estará disponível em vídeo no site do Cérium.
Rosello vai então propor ver a câmera como um “cidadão incivilizado”, baseado em
autores que escreveram sobre formas de incivilidade na sociedade (maneiras de ocu-
par o espaço fora das normas, como a violência verbal, o desrespeito ao outro, a falta
de educação no dia a dia). Essa falta de civilidade deveria ser reprimida para não gerar
mais violência. Embora controversa, ela usa essa tese para propor que as câmeras de
Na terceira e última parte, Rosello, segundo ela mesmo, vai desenvolver uma análise
mais “otimista”, afirmando que a insegurança é um sentimento indesejável e temos
que fazer tudo para diminuí-lo. Ela retoma o terceiro postulado e afirma que a insegu-
rança é fruto de um contexto cultural específico e que os eventos de 11/09 só serviram
como desculpa para tentar resolver o problema pelo viés tecnocrático ou ideológico,
instituindo diferenças, estigmas (o perigo do “outro”). Há assim alguns que devem ser
vigiados e outros não. Para Rosello é fundamental que todos possamos nos colocar
como esse “outro” e aceitar o regime de insegurança. A miséria dos “não-lugares” não
é, para ela, o excesso de olhar, mas sua falta. Se tenho medo, como humano, posso me
colocar no lugar desse outro que me assusta. O problema não é eliminar o outro, mas
Revi essa semana o filme “L’Année dernière à Marienbad”, de Alain Resnai, 1961 e
meu sentimento foi completamente diferente da última vez. Como estou pesquisando
as mídias locativas e as novas funções sociais e comunicacionais dos lugares nos espa-
ços urbanos, meu olhar foi completamente tomado por essa problemática. Sem revisar
a bibliografia já escrita sobre o filme (não sei se o que estou dizendo é uma obviedade
ou não), acho que o filme é sobre a (in)comunicabilidade e a busca de um sentido no
espaço e no tempo, ou seja a busca por um lugar no mundo.
Espace Mobile
A abertura do evento “Espace Mobile” foi coordenada por Marie-Josée Jean et Pa-
trice Loubier que apresentaram os desafios que se colocam na modificação do bairro
central, o “bairro das artes”, no centro de Montreal. Depois vieram as falas de Anouk
Belanger, professora de sociologia da Université du Québec à Montréal, sobre a “cul-
ture populaire urbaine à Montreal” e questões sobre a revitalização do bairro. Depois,
Annie Roy, da “Action terroriste socialement acceptable - ATSA”, mostrou ações con-
cretas e a necessidade de uma realização efetiva no local. Vários artistas estão reali-
Esses projetos artísticos (e outros que tenho apontado no Carnet e em meus textos)
visam tornar visível o que passa despercebido na prática do uso do espaço urbano: não
só as câmeras de vigilância (visíveis), mas as mídias locativas como o telefone celular,
as redes Wi-Fi, uso de GPSs, as redes Bluetooth, as etiquetas RFID e diversos senso-
res criando situações de monitoramento, controle e vigilância de movimento. O que
podemos dizer aqui é que as obras com mídias locativas, tendo como fundo o espaço
urbano, visam trazer à tona dimensões materiais e não-materiais dos lugares. Elas
buscam, como mostram os trabalhos de Renaud e de Annie do ATSA, injetar realidade
e fazer com que o lugar assim produzido (como um não-lugar, asséptico, convivial, se-
guro) possa fazer sentido. Um percurso turístico proposto é o mesmo para todos. Um
percurso turístico alertando para os lugares onde o turista será vigiado tem uma outra
conotação. Se as câmeras produzem o sentimento (atual e futuro) de medo no “sujet
insécur” (ver comentário sobre o assunto com a palestra de Rosello), pela sua própria
materialidade, elas são também, pelo caráter normativo, produtoras de “não-lugares”.
Talvez possamos dizer que as práticas artísticas, aí incluindo as câmeras e demais dis-
Literatura Digital
O interessante do “GPS Tracker” é que ele não é um localizador com mapas (como
os equipamentos de GPS tradicionais, ou os GPSs embarcados em telefones celulares),
ou seja, não sei por onde estou andando, nem o que encontrarei pela frente, nem mes-
mo o que tem ao meu redor (a não ser o que meus olhos alcançam). Descubro as coisas
andando ao acaso, ou com guias e mapas que não uso muito normalmente. Vejo coisas
de interesse “turístico”, também, mas gosto de andar e ver pessoas, mercados, ruelas
sem dar muito sentido ao percurso. O GPS não é para mim um guia, um indicador de
percurso. Ele é um instrumento de localização a posteriori para ver os desenhos que fiz
sobre o espaço urbano, desenhos pessoais, invisíveis e que me ajudam a dar sentido ao
O “GPS Tracker” não é o mapa com uma voz me dizendo “vire aqui ou ali”. Ele é
assim uma ferramenta ideal para ciberflâneurs (embora totalmente dispensável), para
aqueles que não buscam a produção de um percurso eficiente ou a rentabilização ao
máximo dos custos da viagem. Para turistas objetivos buscando rentabilidade, o “GPS
Tracker” não serve para nada. Me interesso, particularmente, por essa deambulação
urbana, por essa “l’art de l’égarement”, como dizia Benjamin sobre Paris, e busco ver
como as mídias locativas podem servir mais para a desorientação, para o encontro inu-
sitado e casual, para a surpresa, do que para a localização, o monitoramento, o controle
ou a vigilância do meu espaço. Com o “GPS Tracker” refaço o passado no futuro e curto
o presente. O importante é a deriva, o nomadismo, a flânerie.
“...nous accueillons cette démarche (la flânerie, la promenade) comme une expérience
où l’être humain cherche à établir un équilibre entre corps et esprit (...) Appelons donc
cet état: rêvasserie” (Louise Cotnoir)
“Voici venu le temps où la marche s’arrête
immobile au milieu des souffles suspendus,
le goût de pleurer fendant seul la carcasse.
Ma carcasse. Ma car.
Rien, c’est tout.
C’est assez. Phénom
énalem...
...out.”
(André Brochu)
Territórios
“Le território est l’espace vécu...on n’en est pas à la fin des territoires, mais plutôt à leur virtua-
lisation partielle, et surtout à leur complexification...” (p.12)..
système de realité augmentée enveloppe les batiments (...) québec tisse des liens riche
et complexes entre monde réel et l’univers virtuel (...) des lieux de reencontre se forment
de façon aléatoire et spontanée à l’angle d’une rue...”.
2108???
Mobilidade Total
A conexão Wi-Fi no trem “Via Rail” de Québec para Montreal, que estou usando
agora, é um exemplo concreto da complexificação da mobilidade em direção a uma
“mobilidade total”. Aqui, temos todas as mobilidades: a física (corpo/transporte), a
informacional (acesso a informação com possibilidades de emissão e produção de con-
teúdo) e imaginária (os devaneios da minha mente em meio ao espetáculo que desfila
As novas heterotopias são uma das questões mais importantes da nossa época. Mi-
chel Serres, em “Les Messages à distance” (Editions Fides, Montreal, 1995) que estou
lendo agora nesse trem (sim, deixo a conexão de lado e leio, vejo a paisagem, ouço mú-
sica...), começa o livro mostrando as mudanças na dimensão humana do trabalho e os
regimes históricos que ele associa a, primeiramente, Hercules, como a força, o artesão,
depois a Prometeu, como o fogo, a máquina industrial, e agora Hermes, a comunica-
ção, a mensagem. Estamos, segundo Serres, no regime dos “Angelos”, os mensageiros.
Considérez, le matin, lorsque vous partez au travail, la foule qui s’écoule par les rues:
combien peu de Prométhées, encore moins d’Hercules et d’Atlas, pour tant et tant
d’Archanges, partant en voyage, porteurs de messages? Nous vivons désormais dans
une immense messagerie, où nous travaillons, pour une majorité, comme des messa-
gers: partons moins de masses, allumons moins de feux, mais transportons des mes-
sages, qui, parfois, commendent aux moteurs. Messagers, messages et messageries,
voilà, en tout, le programme du travail. Aux plans de l’architecte, aux dessins industriels
succèdent réseaux et puces.” (p. 12).
Elektra
Ontem à noite, fui ver o festival internacional de artes digitais, “Elektra”, em sua
nona edição. Há uma programação extensa em locações diferentes na cidade. Na pro-
gramação de ontem no “Usine C”, instalações e performances. Vou destacar apenas
A abertura foi com uma palestra, genérica, de James Katz. O título prometia algo
ligado à cognição, mas esse foi apenas tangencialmente tocado. Katz mostrou o celular
Kas Kalba mostrou a penetração do telefone celular no mundo e sugeriu como hipó-
tese uma correlação climática. O desenvolvimento começou nos países frios e estaria
migrando para os países quentes. Explicou a penetração da telefonia móvel na Itália
pelo pioneirismo no uso de “pay-payed phone”. As correlações são difíceis. México e
Brasil têm menos celulares que Rússia e Estônia, embora os países latinos tenham um
PIB maior que os nórdicos. Rivka Ribak, apresentou os resultados de suas pesquisa
com mulheres e adolescentes, no oriente médio. O uso do celular é universal, mas
afetado pela cultura. O global negocia com o local. Com práticas patriarcais, criam
diferentes formas de adoção e resistência do uso por adolescentes na Palestina. Ela
a concrete form of connectivity. It refers to all the underpinning of our feeling of be-
longing - city, national, bank, social networks. Para Boullier, “l’habitèle désigne ainsi
ces dispositifs portables chargés d’information qui nous maintiennent en lien avec nos
mondes d’appartenance et qui ‘étendent notre bulle’ (E. Goffman) au-delà de l’espace
de co-présence. Les objets deviennent alors une part de nous-mêmes, ils deviennent
en cela très singuliers, car deux portables identiques à la production ne le restent guère
Já Katie Lever apresentou sua pesquisa com estudantes secundaristas nos EUA para
saber como eles usam o iPod, como eles consomem “mobile music”. Criou um grupo
focal com 43 estudantes e analisou 200 questionários na primavera de 2007. Buscou
responder perguntas como: o que o motiva a ter um MP3 player? Onde e quando usa?
Sentem-se isolados?...etc. A questão da pesquisa é se os MP3 players causam isola-
mento ou, ao contrário, criam “community building”. Há hoje 90 milhões de usuários
de iPod. Ela citou autores que abordaram o tema como Bull (público e privado), Coy-
ne (situação, não-lugar), Gergen (“absence presence theory”), Garfinkel, 1967 (“social
control” - controle sobre o ambiente). Para ela, a ideia de um “soundtrack for life”
remete ao “non-place”. A ideia é que, já que me isolo e crio o meu som, estaria produ-
zindo um “não-lugar”. No entanto, como mostrei em outro post, podemos pensar que
Rich Ling mostrou sua pesquisa sobre o uso do celular em círculos íntimos se per-
guntando se o dispositivo reforça ou não as relações mais íntimas. Ling fez uma pes-
quisa sobre a situação na Noruega e na Ucrânia com 2325 questionários respondidos
na Noruega e 1028 na Ucrânia. Na Noruega a situação é de uma maior penetração e
uso de SMS: todos tem celular. Na Ucrânia, apenas os mais jovens. A Ucrânia usa mais
voz que SMS, depois e-mail e IM. Na Noruega o celular tem forte penetração entre
os teens, sendo o uso de SMS bastante difundido. Já o e-mail é pouco usado, sendo
considerado uma ferramenta para “velhos”. Ling apresentou vários dados e na conclu-
são afirmou que os celulares suportam interação no “intimate space”, que os serviços
avançados (Web, IM, Microblogging, etc) “have only limited acceptance”.
Por último, Rich Ling apresentou o trabalho de Helmersen, da Telenor, sobre a prá-
tica dos “missed calls”, ou seja o uso do celular como código sem pagar a comunicação:
uma pessoa liga e desliga antes da outra atender, deixando o numero registrado e,
consequentemente uma mensagem: “quando eu ligar, isso significa que já cheguei no
lugar do encontro”, por exemplo. Segundo a pesquisa, há problemas de congestiona-
No domingo passado fui ao parque Mont-Royal, a “praia” aqui, e pude ver um “role
play game” medieval onde equipes travavam batalhas de campo (roupas de época,
discussão de estratégias e táticas, batalha de campo...). Vemos aqui tudo de um street
Passage Oublié is an interactive artwork about extraordinary rendition, the practice whe-
reby terrorist suspects are made to disappear in a global network of detention camps.
This installation takes the form of a touchscreen kiosk at Toronto’s Pearson International
Airport, July 2007 to May 2008. (...) It is in this context that Passage Oublié displays
information about rendition flights and asks travellers the following questions: Are ren-
dition flights an acceptable means of dealing with the threat of terrorism? How is a
collaborating country’s credibility as a defender of human rights affected? Does the end
justify such means when it comes to the ‘war on terror’? Are the liberal democracies
involved in this activity compromising their cherished principle that one is innocent until
proven guilty?”.
Volto à discussão sobre os games. Como escrevi, estou finalizando agora um artigo
sobre jogos com mídias locativas, que estou chamando de “pervasive computacional
games” (PCG). Fiz uma pesquisa exaustiva e encontrei 73 games desde 2000 até 2008.
Fiz uma análise dos PCG por ano, país, dispositivos utilizados, tipo de PCG, tipo de
jogo e redes sem fio utilizadas. Abaixo um resumo do artigo que deverá ser publicado
em 2009.
Wireless Place
Um exemplo de novos significados dos lugares com o uso das tecnologias móveis e
redes sem fio é a possibilidade de acesso à internet a partir dos lugares públicos. Venho
sempre ao parque La Fontaine, no Plateau, em Montreal. Ando de bike e leio. Quando
preciso me conectar tenho que sair do parque e ir a algum café. Hoje achei um ponto
de conexão Wi-Fi aberto (há vários fechados) e estou escrevendo. De todos os lugares
do parque, esse passa a ter um novo sentido e voltarei aqui mais vezes (com certeza há
outros que descobrirei depois).
Participo hoje de um evento no CCA – “Canadian Centre for Architecture” que dis-
cute a “velocidade e seus limites”. Nada mais bem-vindo do que essa discussão em
tempos onde não temos tempo para nada...aliás saio correndo agora para não perder
a abertura do evento.
A velocidade era, para o futurismo, uma religião e uma moral. Desde a revolução
industrial, a velocidade está sempre associada ao desenvolvimento, à performance e
à eficiência. Ser lento é quase uma ofensa. Aqui a velocidade liga-se ao movimento,
tendo na máxima aristotélica, “movement = life”, seu princípio fundamental. Mas esse
princípio derrapou rapidamente para “more movement = more life”, equação bastante
questionável. Recentemente, conversando um professor e artista das novas tecnolo-
Não é natural a forma como vivemos o tempo e o movimento, mas cultural. Cultu-
ras diferentes, todos sabem, vivem diferentemente o tempo e organizam suas vidas de
forma independente dos relógios ou da agenda semanal. Hoje, em tempos de “tempo
real” e da imediaticidade da informação, o freio à velocidade se impõe como um lugar
do pensamento. A aceleração, mais do que a velocidade, é o problema. Mídia e trans-
porte aceleraram os movimentos: aqui os movimentos virtual da informação e físico
dos transportes. O século XX, e mais ainda o século XXI, são séculos da velocidade e
da aceleração física e informacional.
Os debates no evento “Speed and its limits” foram multidisciplinares e não vou rese-
nhar o evento, mas apenas destacar alguns pontos que me fizeram pensar sobre ques-
tões ligadas à comunicação, à tecnologia móvel digital e ao lugar.
Pierre Merlin fez uma conferência sobre os problemas acarretados pela manutenção
dos atuais ritmos de velocidade (no caso da mobilidade física) e dos movimentos em
uma perspectiva da atual crise energética. Os constrangimentos para o futuro podem
ser colocados em três grandes pilares: energia, clima e finanças mundiais. Ele mostrou
que a velocidade dos transportes vem diminuindo: os aviões são mais lentos do que
nos anos 1980, os carros são mais rápidos, mas se deslocam a uma velocidade média
também menor do que no fim do século XX, e as políticas urbanas estão limitando
cada vez mais o uso dos transportes individuais de alto consumo de energia (carros),
priorizando os transportes coletivos (ônibus e metrô) e menos poluentes (a marcha e
a bicicleta). Há assim uma tendência que aponta para uma velocidade que, nos pró-
ximos 20 anos, vai estagnar e mesmo diminuir. Uma solução apontada por Merlin
seria criar, nas cidades, zonas que favorecessem a proximidade física, evitando assim
Infelizmente Merlin não analisou o impacto das novas tecnologias. Apenas apon-
tou que elas podem diminuir os deslocamentos, mas que não há relação direta entre
a diminuição dos deslocamentos e as novas mídias. E não há mesmo. Pelo contrá-
rio, quanto mais as mídias evoluem, ou seja, quanto maiores são as possibilidades de
transporte de mensagens, maior também é o número de transporte de pessoas e mer-
cadorias. As pessoas hoje se deslocam mais, tanto fisica como informacionalmente
(produzindo e consumindo informação, no que chamo de funções pós-massivas). Mas
poderíamos pensar que essa mobilidade não teria que ser necessariamente acelerada,
se criarmos condições para uma mobilidade “lenta” ou “douce” que estimule a flâne-
rie, a promenade, a errance, que o culto atual da velocidade tende sempre a inibir
como “perda de tempo”. Devemos pensar mesmo mais seriamente no que seria essa
“perda de tempo”. A cultura do futuro (dos próximos 20 anos) deve levar essa questão
a sério. Robert Levine falou de uma determinada cultura na Ásia onde essa questão
não faz o menor sentido. Ela só faz sentido em uma vida projetada no futuro, insen-
Tenho mostrado como projetos de artistas com as mídias locativas tendem a es-
timular uma apropriação criativa dos espaços urbanos, a criação de novos sentidos
dos lugares, o reforço da proximidade e da comunidade. Estes projetos são, certa-
mente, minoritários, mas devemos pensar neles como “sintomas” ou, na melhor das
hipóteses, como tendências. São ideias factíveis para uma melhor vivência no espaço
urbano. Essa apropriação é, por essência, oposta ao percurso rápido, eficiente e pou-
co atento ao contexto, como fazemos diariamente ao nos deslocarmos para “resolver-
mos coisas”, ou para “não perder muito tempo”. É certo que as telecomunicações não
diminuem a mobilidade e sempre o crescimento dos transportes físicos estiveram
associados à mobilidade informacional, às telecomunicações: navios e rádios, trem
e telégrafos, carros e telefones, aviões e internet...No entanto, as possibilidades de
uso das tecnologias móveis podem estimular um deslocamento mais lento e, talvez,
resgatar a proximidade evitando o imperativo da aceleração. Essa é a ideia chave:
não instituir a imobilidade, mas desenvolver uma velocidade menos agressiva e mais
compatível com o desenvolvimento sustentável do planeta.
- Hi Mr. Cohen, my name is André, an old friend from Brazil. You don’t know me,
but you always gave me support with your work.
festival de Jazz de
Montreal
E nós brasileiros sabemos muito bem disso. A Internet oferece uma oportunidade
ímpar a países periféricos e emergentes na nova sociedade da informação. Mesmo com
todas as desigualdades sociais, nós, brasileiros, somos usuários criativos e expressivos
na rede. Basta ver os números (IBOPE/NetRating): somos mais de 22 milhões de usu-
ários, em crescimento a cada mês; somos os usuários que mais ficam online no mun-
do: mais de 22h em média por mês. E notem que as categorias que mais crescem são,
justamente, “Educação e Carreira”, ou seja, acesso à sites educacionais e profissionais.
Devemos assim, estimular o uso e a democratização da Internet no Brasil. Necessita-
mos fazer crescer a rede, e não travá-la. Precisamos dar acesso a todos os brasileiros e
Se, como diz o projeto de lei, é crime “obter ou transferir dado ou informação dispo-
nível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado,
sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando
exigida”, não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já se-
Se formos aplicar uma lei como essa às universidades, teríamos que considerar a
ciência como uma atividade criminosa já que ela progride ao “transferir dado ou in-
formação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou siste-
ma informatizado”, “sem pedir a autorização dos autores” (citamos, mas não pedimos
autorização aos autores para citá-los). Se levarmos o projeto de lei a sério, devemos
nos perguntar como poderíamos pensar, criar e difundir conhecimento sem sermos
criminosos.
Esta semana, assisti o filme “My Winnipeg” e visitei a exposição de “Prenez Soin de
Vous”, de Sophie Calle, duas obras interessantes pelo mecanismo mnemônico que elas
ativam e pela publicização da vida privada.
O filme “My Winnipeg”, 2007, do canadense Guy Maddin é uma narração em pri-
meira pessoa sobre sua vida e sua saída da cidade. Crítico e com muito bom humor, o
autor/personagem está em um estado de vigília e sono. Narra as suas memórias inter-
caladas com fatos marcantes da cidade. Não há praticamente diálogo entre os persona-
gens. Todo em preto e branco com imagens nervosas, o filme é como uma experiência
entre a ficção e o documentário. O diretor utiliza atores para representar membros de
Em uma sociedade cada vez mais voltada para a vigilância do outro (CCTV, mídias
locativas, reality shows, traços na internet, etiquetas RFID, GPS, etc), parece até es-
tranho que os artistas estejam, deliberadamente e espontaneamente, revelando suas
vidas privadas, suas memórias, como em “My Winnipeg”, e suas decepções afetivas,
como em “Prenez Soin de Vous”. Situações assim só nos indica o quanto a questão é
complexa e como a flutuação entre privacidade e vida pública está sempre por um fio.
Algarve e Sevilla
Estou voando amanhã para a cidade do Faro, em Algarve, Portugal, para participar
da banca de um coorientando de doutorado e para ministrar um mini-curso sobre mí-
dias locativas.
Vou apresentar o resultado de minhas últimas reflexões sobre o tema, além de pro-
jetos que venho mapeando e mostrando no Carnet de Notes. A ideia é investigar a
relação das tecnologias de comunicação com o espaço urbano a fim de compreender
os processos de espacialização criados pelas mídias locativas: as novas tecnologias di-
gitais, as redes de conexão, a internet sem fio e os diversos sensores que reagem ao
contexto local de onde é produzida, consumida e distribuída informação, transformam
atualmente as bases da comunicação social e das mobilidades física e informacional.
Telefones celulares, GPSs, redes bluetooth, Wi-Fi, Wi-Max e etiquetas de radiofrequ-
ência (RFID) possibilitam trocas de informação localizadas, criando dinâmicas sociais
de apropriação, mas também de vigilância e controle, nos espaços urbanos. Uma cha-
Paysages Ephemeres
De volta a Montreal. Quanto mais estudo as mídias móveis e locativas, mais me in-
teresso pelo uso das ruas, com ou sem dispositivos eletrônicos. Evento em Montreal,
Paysages Éphémères, propõe um uso temporário da rua através de diversas ações:
performances, instalações, mobiliário urbano, microesculturas... Nada de tecnologias
digitais, mas apropriação e uso das ruas buscando modificar a paisagem urbana. O ce-
nário é a avenida do Mont Royal, no Plateau, onde as obras, sem nenhuma publicida-
de, criam pequenos estranhamentos, pequenas hierofanias no cotidiano. Os visitantes
param, olham, fotografam, e se perguntam sobre a finalidade daquelas obras. O lugar
vivido e praticado ganha assim uma nova coloração. Sobre o uso temporário das ruas,
indico a leitura do interessante livro “Temporary Urban Spaces” (Hayden, Florian,
Temel, Robert. ed., Basel, Birkhäuser 2006), que apresenta vários projetos artísticos
que tomam o espaço urbano para explorações efêmeras. Os autores afirmam:
(...) The free transfer of information, uncensored, unlimited and untainted, still seems
to be a dream when you think about it. Whatever field that is mentioned - education,
commerce, government, news, entertainment, politics and countless other areas - have
been radically affected by the introduction of the Internet. And mostly, it’s good news,
except when poor judgements are made and people are taken advantage of. Scrutiny
and oversight are needed, especially where children are involved. However, when there
are potential profits open to a corporation, the needs of society don’t count. Take the re-
cent case in Canada with the behemoths, Telus and Rogers rolling out a charge for text
messaging without any warning to the public. It was an arrogant and risky move for the
telecommunications giants because it backfired. People actually used Internet technolo-
gy to deliver a loud and clear message to these companies and that was to scrap the ex-
tra charge. The people used the power of the Internet against the big boys and the little
guys won. However, the issue of text messaging is just a tiny blip on the radar screens
of Telus and another company, Bell Canada, the two largest Internet Service Providers
(ISP’S) in Canada. Our country is being used as a test case to drastically change the
RFID, Spychip
Sobre este assunto estou terminando o livro “Spychips” (Plume Book, NY, 2006)
das ativistas Katherine Albrecht e Liz McIntyre, da CASPIAN. O livro é de deixar qual-
quer um com os cabelos em pé. As autoras atacam empresas e protegem os consumi-
dores contra a invasão desses chips na vida privada, mostrando inúmeros atentados
em andamento e futuros contra os cidadãos, que não sabem que levam para casa essas
etiquetas. Elas mostram como essas etiquetas já estão em roupas, carros, produtos,
passaportes...O objetivo é melhorar a eficiência das empresas e a segurança dos go-
vernos, por um preço altíssimo: a nossa privacidade. Aqui alia-se mobilidade física,
de produtos e pessoas, e informacional (o chip emitindo a todo instante, à revelia do
usuário). Essa é uma das facetas mais nefastas das tecnologias e redes digitais sem
fio. Albrecht e McIntyre escrevem na primeira frase do livro: “Imagine a world of no
more privacy.”
Royal
Museum
em Toronto
Meeting Place
Após três dias em Toronto, o que mais me chamou a atenção foram as diversas
e constantes marcas no chão. Não pude evitar olhá-las e tentar compreender essas
escritas urbanas. A cidade é riscada por graffitis, tags, cartazes, stickers, painéis pu-
blicitários, sinais de trânsito, avisos de controle do território reforçado das leis e re-
gulamentos, como: “essa área está sendo vigiada por câmeras de vigilância”, “proibido
ficar aqui”, “proibido flanar”, “proibido vendedores ambulantes”, entre outras. Estas
características são comuns nas metrópoles. No entanto, o que atraia mesmo o meu
olhar eram as marcas abaixo dos meus pés, os riscos pedindo para serem lidos, embo-
ra eu não tivesse, nem tenha ainda, a pedra de Rosetta para decifrar esses modernos
hieroglifos. Claro que elas são marcas para tornar mais eficiente o uso, a manutenção
e a inovação das infra-estruturas urbanas (como água, esgoto, redes de cabos de tele-
comunicações, vapor, eletricidade). Marcas visíveis das artérias desse grande artefato
técnico que são as cidades.
Nesse espaço urbano marcado por grandes telões, câmeras de vigilância, redes Wi-
Fi, painéis solares em parquímetros e postes de iluminação, as marcas no chão pa-
recem anacrônicas, como os tramways que insistem em atravessar a cidade em seus
Comecei a escrever esse texto na CN Tower, a torre mais alta do mundo, e o pon-
to de observação mais próximo do céu criado pelas mãos humanas: 447 metros aci-
ma do nível do mar, e termino este escrito com os pés doendo, sentando em um café
no cruzamento da Carlton Street com Yonge Street, em Downtown, olhando pes-
soas pela janela. A mais de 400 metros do solo (e com a impressionante marca de
21 redes Wi-Fi disponíveis - abertas e fechadas, mas todas dando acesso mediante
pagamento) pude perceber o tecido e as outras marcas da cidade, muito mais visí-
veis do que as incrustadas a tinta no chão. Com uma vista de 360 graus, pode-se ver
alguns pontos da cidade, como: o lago Ontario, o porto, o aeroporto, a estrada de
ferro, os enormes prédios comerciais, os bairros a oeste com suas pequenas casas, e
Ciberflânerie
Cybercartography
Tenho pensado sobre os mapas e suas relações com a comunicação e as novas tec-
nologias. Afirmei anteriormente que os mapas devem ser vistos como mídia. Em ar-
tigo em inglês, ainda no prelo, escrevia: “The uses of maps and mappings process are
unprecedented. With new locative media systems mapping is a new practice of place.
The use of GPS and other devices for location and location-based services puts em-
phasis on control and domination over a territory. We have also a social changing.
Technicians, governments and private companies controlled mapping. Now we have
an ownership shift because the bureaucratic power is now moving to the users, or-
dinary people. With electronicpopular mapping, the urban space is being used as a
tactic for produce sense in daily life, dealing with the constraints of rationalization
in urban modernity. We know that maps are constructions, ideologies represented in
the world and serve, always, to the constitutive powers. Today maps can be produced
to represent people, community, a more legitimate space and place that show how
people see and fell their environment. We have a button-up process of representing
the world, not mediated by the instituted powers.”
Sobre o conceito de deriva, acaso, apropriação, como no meu exemplo das marcas
no chão das ruas de Toronto:
Détachée de tout contexte de production, la carte n’est plus une image construite de
l’espace, elle devient une miniaturisation ‘naturalisée’ de cet espace. Débarrassée de
toutes références aux choix successifs dont elle est la résultante - choix des données,
des méthodes d’analyse, de représentation, de diffusion, etc. - la carte présente sous
une forme qui semble objective la somme de choix qui sont par définition subjectifs.
La prise de conscience de l’existence de ces choix est indispensable pour bien faire
comprendre l’idée selon laquelle l’image cartographique reste une interprétation de la
réalité. Un des objectifs de la cybercartographie est donc de favoriser cette prise de
conscience ainsi que le développement d’un regard critique vis-à-vis de l’information
cartographiée. (...) Nous proposons ici d’étendre ce concept d’acte photographique à
la cybercartographie. L’acte cybercartographique souligne alors le fait qu’il ne nous est
plus possible de penser l’artefact en dehors de l’acte qui le fait être - le processus ou
genèse cybercartographique - ni de son contexte de réception. En d’autres termes, dans
(...) Ce type d’approche marque le passage d’une cartographie du dessus, dressée par
des institutions externes, à une cartographie du dedans, dressée par ceux-là même
qu’elle représente. (...) Ces installations utilisent les capacités performatives et narra-
tives des cartes pour favoriser leur réappropriation au sein même de l’espace public.
Ces différents exemples caractérisent une même volonté d’impliquer plus largement les
individus citoyens dans le processus de production cartographique et de leur proposer
ainsi une vision différente de leur environnement à travers la carte. Le concept d’acte
cybercartographique s’inscrit dans ce contexte et pose les bases d’une cartographie
sociale débarrassée de ses prétentions d’objectivité et d’universalité, permettant aux in-
dividus et groupes culturels de mieux définir, et par conséquent s’approprier, la manière
de représenter les liens socio-spatiaux qui les concernent.”
A travers le concept d’acte cybercartographique, c’est donc vers une ‘cartographie post-
représentationnelle’ - pour reprendre l’expression de John Pickles (2004, 160) - que
nous nous dirigeons, c’est-à-dire vers une cartographie qui ne cache plus ni ses origi-
nes, ni ses dimensions politiques, culturelles et sociales, ni les intérêts qu’elle défend.”
Nomadismo
Para terminar os trabalhos por hoje deixo três citações que tocam diretamente a
deambulação e o “nomadismo” evocados por projetos com tecnologias, sensores e re-
des de comunicação móveis. Na primeira e na segunda, viajar para reconhecer e poder
fazer um mapa cognitivo dos lugares e de si mesmo, mesmo que dentro de um quarto.
Na terceira, a definição de nomadismo como “estrutura” de vários povos. Tanto as via-
gens, como o nomadismo estrutural podem, sendo usados com parcimônia e marcan-
do suas diferenças, ser uma das chaves para compreender a sociedade contemporânea.
Ma chambre est située sous le quarante-cinquième degré de latitude, selon les mesures
du père Beccaria ; sa direction est du levant au couchant ; elle forme un carré long qui
a trente-six pas de tour, en rasant la muraille de bien près. (...) Mon âme est tellement
ouverte à toutes sortes d?idées, de goûts et de sentiments ; elle reçoit si avidement tout
ce qui se présente !(...) Aussi, lorsque je voyage dans ma chambre, je parcours rare-
ment une ligne droite : je vais de ma table vers un tableau qui est placé dans un coin ;
VR
Estou lendo “Spook Country” de W. Gibson (Berkley Books, NY, 2007), em um café
no centro de Montreal. O livro fala sobre ciberespaço, realidades aumentadas e mídias
locativas. Tudo mudou! Não existem mais as ações do “Neuromancer” no Black Ice e
Someone told me that cyberspace was ‘everting’. That was how she put it”. “Sure. And
once it everts, then there isn’t cyberspace, is there? There never was, if you want to look
at it that way. It was a way we had of looking where we were headed, a direction. With
the grid, we’re here. This is the other side of the screen. Right here!”.
“We’re all doing VR, every time we look at a screen. We have been for decades now.
We just do it. We didn’t need the googles, the glove. It just happened. VR was an even
more specific way we had of telling us where we were going. (...) The locative, though,
lots of us are already doing. But you can’t just do the locative with your nervous system.
(...) We’ll have internalized the interface. It’ll have envolved to the point where we forget
about it. Then you’ll just walk down the street...” (pp. 65-66)
Como diz o próprio Gibson em entrevista no SimCity ‘07, de Logan Hill no New
York Books, Aug 6, 2007:
“Well, one character says that cyberspace is inverting, turning inside out. I have a feeling
that being aware of being connected will be an anachronism, because we?ll be connec-
ted all the time. I have this inkling that the whole idea of cyberspace is going to seem
fabulously quaint in 20 or 30 years.”
Ciberflânerie por
Montreal
Livros
Para matar o tempo e o tédio, indico as últimas leituras de ficção. São dicas para
esse inverno brasileiro, ou esse verão canadense, o que dá no mesmo. Agora chove e
faz 16 graus. Vamos lá.
Seguindo a mesma linha, mas agora francófonos, indico Jean-Paul Dubois, já men-
cionado anteriormente, autor de “Une vie Française”. Li recentemente “Si ce livre
pouvait me rapprocher de toi”, Editions de l’Olivier, 1999, cuja história se passa no
Quebec. O narrador busca reconstruir a sua história e a de seu pai, perto de Montreal.
Identité
Esse projeto faz parte de uma trilogia sobre escritas com GPS ,ou “GPS Writing”,
nas cidades em que morei entre setembro de 2007 a setembro de 2008. O primeiro
projeto foi o SUR-VIV-ALL, escrita com GPS tracker de carro em 40 KM de Edmon-
ton, no Oeste do Canadá durante o inverno de 2007-2008. O carro é o meio de loco-
moção por excelência em Edmonton e a palavra “Survival”, foi modificada para criar
um jogo de sentidos. Sur-viv-all surgiu a partir do livro Survival de M. Atwood que
argumenta ser essa a questão que perpassa toda a literatura canadense. Vejam o site
(http://andrelemos.info/survivall ) para mais detalhes.
No atual trabalho, escrevo, de bicicleta em 14 km, e de uma só vez (ou seja sem pa-
rar e em um único arquivo .gpx), a palavra “Identité”, questão central no Canadá, mas
particularmente forte em Montreal e em toda a região do Québec. Lugar de fundação
do país, dominado por franceses, depois ingleses e depois franceses de novo, o multi-
culturalismo está presente e a tensão entre anglófonos e francófonos ainda permanece.
Wii Space
Agora estou me exercitando com o console Wii. E é essa mesma a palavra, exercí-
cio. Meus braços estão doendo, suei a camisa e me cansei jogando algumas partidas
de tênis. Viciado em futebol, nunca joguei tênis na minha vida. Agora jogo um pouco
a cada dia, mesmo sabendo que, de forma alguma, essa experiência possa ser com-
parável ao jogo de tênis “real”. Mas isso pouco importa para o meu argumento. Esse
Twitter-Arte
Hoje twittava perguntando aos meus contatos se eles conheciam alguma forma de
“twitter-arte”, algo que quebrasse a monotonia de informações pessoais, profissionais
ou das breaking news das empresas jornalísticas. O Twitter nasceu em 2006 com a
simples ideia de criar uma rede social onde as pessoas dizem o que estão fazendo na-
quele momento (“what are you doing?”): simples, direto e efetivo. Como uma apro-
priação social do sistema, começam as dicas de sites (e as “TinyURL”), as informações
locais, as empresas da grande mídia, e os microcontos. Hoje tenho conhecimento do
primeiro concurso brasileiro de microcontos pelo Twitter. Esse tipo de concurso não
é novidade, mas é a primeira vez no Brasil. Vejam mais sobre o concurso no Twitter /
140 letras.
Sento no Café Second Cup da rua St. Catherine e escrevo o meu microconto no con-
curso 140 letras para o Twitter:
Edmonton Wi-Fi
Brad Haines, “white hat hacker”, que faz wardriving (ir de carro localizando as
redes) e mapeia as conexões Wi-fi abertas e fechadas em Edmonton, mostra essa situ-
ação. Fizemos um mapeamento de hotspot, mas enquadrado no projeto “Sur-Viv-All”
em Edmonton, e algo próximo, no Brasil, com o “Wi-Fi Salvador”. Segundo o mape-
amento realizado por Haines, há mais de 66 mil hotspots na cidade e 30% deles não
tem nenhuma proteção, ou seja, estão abertos. Ele é um hacker “do bem” (e não um
cracker) e presta consultoria para empresas que querem manter a segurança de suas
redes. Ele se limita a fazer o wardriving (e nunca se conecta nas redes abertas en-
contradas) e chamar a atenção para as redes inseguras. Não vi discussão sobre acesso
livre, talvez por não ser esse um problema em Edmonton ou no Canadá. Para além
dessa questão, destaco esse trecho da matéria do Globe and Mail “RenderMan to the
rescue”, pela questão da imaterialidade, da dimensão dos “territórios informacionais”
(...) Haines understands that his is a strange passion. Most people he knows wouldn’t
want to spend hours driving or walking around with a laptop and antenna searching for
something that can’t be seen, heard, smelled or touched. When asked to describe the
appeal of wardriving, he likens it to bird watching. ‘Some people are big into bird wa-
tching, and the biggest moment for them is when they spot a specific bird,’ says Haines.
‘Most people are like, ‘That’s the stupidest sport I’ve ever heard of.’ Some people say the
same about wardriving. It makes no sense to some people, but for us, it’s neat.’ In true
geek fashion, Haines also compares his hobby to The Matrix, a film built on the premise
that our world is nothing more than a computer simulation meant to enslave humans.
Only those who have been ‘liberated’ can see ‘the Matrix’ for what it is. Wardrivers,
he says, are able to peer beyond what’s visible to the naked eye. ‘You are able to see
beyond the real. I’m sitting in my kitchen right now looking at my backyard, but I know
that just beyond my perception, the Internet is literally overlapping the physical world. To
see something others can’t is kind of a neat thing. (...)”
140 letras
“Vivre au Canada, c’est vivre dans quatre pays différents... un pays par saison.”
Michel Conte
Agora faltam palavras e deixo as sensações tomarem conta. Um dia belíssimo de sol,
sem uma nuvem no céu, esquilos subindo em árvores na avenida des Érables, o silên-
cio da rua em meio à metrópole, bicicletas passando e a vida que vai continuar aqui e
continuará independente de mim. Somos muito pequenos! Considero a minha missão
cumprida, embora pudesse ficar muito mais tempo aqui. O meu Carnet de Notes tem
toda a memória do tempo e este livro é um resumo deste período. Assim poderei revi-
ver um pouco as sensações que sempre perdem suas cores com esse tempo de Cronos
Meu táxi está chegando e, mesmo com 3 pesadíssimas malas, vou leve!
Para finalizar este livro, uma lista de coisas que gosto e que não gosto em Montreal.
GOSTO
Plateau MontRoyal;
Will Straw;
Biblioteca da Mcgill;
As ciclovias de Montréal;
Eventos na SAT;
Rue de Bullion;
Second Ccup, na Av. du Mont Royal, 1648, um dos meus escritorios preferidos;
Panquecas em casa;
As ameixas no verão;
NÃO GOSTO
Hockey na TV;
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