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LÓGICA BÁSICA PARA A CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

ANTÔNIO CARLOS DA ROCHA COSTA

1. Conceito de Sistema Lógico


Definição 1. Um sistema lógico é uma estrutura dotada de quatro componentes:
(1) uma linguagem e sua gramática
– quer dizer, um conjunto de regras de escrita que permitem escrever todas,
e apenas, as fórmulas bem formadas da linguagem do sistema lógico
(2) um conjunto de teoremas e um sistema de dedução de teoremas
– quer dizer, um conjunto de regras de dedução que permitem demonstrar
todos, e apenas, os teoremas válidos do sistema lógico
(3) um conjunto de fórmulas válidas e um sistema de avaliação de fórmulas –
quer dizer, um conjunto de regras de avaliação que permitem determinar
se uma dada fórmula é verdadeira ou falsa
(4) uma indicação de como o conjunto de teoremas e o conjunto das fórmulas
válidas se relacionam, do ponto de vista da inclusão de um dentro do outro
(p.ex., se toda fórmula válida é um teorema).
Vale observar o seguinte, sobre essa definição:
• Uma fórmula é uma seqüência de sı́mbolos, tirados de um alfabeto pré-
determinado.
• Um teorema é uma fórmula que pode ser provada através de uma seqüência
de aplicações de regras de dedução.
• Uma dedução é uma seqüência de aplicações de regras de dedução, que
inicia por um conjunto de fórmulas chamadas hipóteses e termina por uma
fórmula chamada de conclusão da dedução.
• As regras de escrita da gramática definem indutivamente o conjunto de
todas as fórmulas bem formadas da linguagem.
• As regras de dedução do sistema de demonstração definem indutivamente
o conjunto de todos os teoremas.
• As regras de avaliação determinam recursivamente todas as fórmulas válidas.
• As relações entre teoremas e fórmulas válidas determinam se o sistema
lógico tem duas caracterı́sticas importantes:
– se o sistema lógico é coerente:
isto é, se todas as fórmulas que podem ser demonstradas como teore-
mas são fórmulas válidas
– se o sistema lógico é completo (isto é, se todas as fórmulas válidas
podem ser demonstradas como teoremas).

Enderço: Escola de Informática - UCPel, Pelotas, RS, Brasil.


Email: rocha@atlas.ucpel.tche.br
Trabalho parcialmente financiado pela FAPERGS e pelo CNPq.
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1.1. Linguagem e Gramática de um Sistema Lógico. A linguagem de qual-


quer sistema lógico é constituı́da por um conjunto de fórmulas.
As fórmulas são compostas por seqüências de sı́mbolos, tirados de um conjunto
de sı́mbolos, denominado alfabeto.
A gramática da linguagem das fórmulas é um conjunto de regras de escrita de
fórmulas que determina quais seqüências de sı́mbolos são consideradas bem for-
madas (bem escritas), e quais são consideradas mal formadas.
A lı́nguagem de um sistema lógico é, então, o conjunto de todas as fórmulas bem
formadas, tal como determinado pela gramática da linguagem.

1.2. Sistema de Dedução de um Sistema Lógico. Uma dedução em um sis-


tema lógico é uma seqüência de fórmulas, cujas fórmulas iniciais são chamadas
de hipóteses, e cujas fórmulas intermediárias são chamadas de conclusões interme-
diárias. A última conclusão intermediária de uma dedução é chamada de conclusão
final.
As hipóteses de uma dedução são assumidas como sendo fórmulas verdadeiras,
para o fim da realização da dedução. Elas podem ser quaisquer fórmulas bem
formadas.
As fórmulas intermediárias de uma dedução também precisam ser fórmulas bem
formadas, mas não é qualquer fórmula bem formada que pode ser colocada como
fórmula intermediária em uma dedução. Para poder ser incluı́da como fórmula
intermediária em uma dedução, uma fórmula precisa ser conseqüência lógica de
uma ou mais fórmulas já escritas anteriormente na seqüência da dedução.
Uma fórmula é uma conseqüência lógica de uma ou mais fórmulas quando ela é
o resultado da aplicação de uma regra de dedução àquelas fórmulas.
As regras de dedução de um sistema lógico são, então, o mecanismo fornecido
pelo sistema lógico para a montagem das seqüências de fórmulas que constituem as
deduções. Cada fórmula da seqüência ou é uma hipótese (uma fórmula inicial) ou é
uma conclusão intermediária obtida através da aplicação de uma regra de dedução
a fórmulas que já tinham sido escritas antes, na seqüência da dedução.
As regras de dedução de um sistema lógico deve ser escolhidas de forma a
serem coerentes, isto é, a garantirem que as conclusões que elas permitem tirar
são fórmulas verdadeiras, sempre que as fórmulas anteriores, às quais as regras se
aplicaram, também são verdadeiras.
Em outros termos, as regras de dedução de um sistema lógico devem ser coerentes
no sentido de que devem preservar a verdade das fórmulas às quais se aplicam,
produzindo sempre uma conclusão verdadeira se todas as fórmulas operadas pela
regra também forem verdadeiras.
Como cada fórmula em uma dedução ou é suposta verdadeira (porque é uma
hipótese da dedução) ou é obtida através da aplicação de uma regra de dedução
que preserva a verdade das fórmulas, o resultado é que a conclusão final de uma
dedução é sempre verdadeira, se as hipóteses da dedução também o forem.

1.3. Conjunto de Teoremas de um Sistema Lógico. Se uma fórmula está


relacionada com um conjunto de fórmulas de modo que essa fórmula é verdadeira
sempre que todas as fórmulas do conjunto também o forem, então se diz que a
fórmula é uma conseqüência lógica desse conjunto de fórmulas.
Diz-se, então, que uma dedução é uma prova de que a sua conclusão final é uma
conseqüência lógica das hipóteses adotadas na dedução.
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Um teorema de um sistema lógico é uma fórmula do sistema lógico para a qual é


possı́vel encontrar uma prova cuja conclusão final seja essa fórmula, e cujas fórmulas
iniciais sejam elas próprias teoremas do sistema lógico.
Esse conceito de teorema não é, contudo, completamente correto, porque se
seguı́ssemos a seqüência de raciocı́nio que ele indica, verı́amos que nunca chegarı́amos
a um ponto estável em que pudéssemos dar partida ao processo de construção de
uma prova: para qualquer teorema que quiséssemos provar, seria preciso encon-
trar fórmulas iniciais que já fossem teoremas provados; mas para isso, terı́amos
de provar cada uma delas, o que exigiria encontrar novas fórmulas iniciais que já
fossem teoremas provados, o que exigiria...
Então, para que esse processo de regressão ao infinito não ocorra, os sistemas
lógicos costumam assumir que um determinado conjunto de fórmulas são consid-
erados como teoremas por definição. As fórmulas de um sistema lógico que são
consideradas como teoremas por definição são chamadas de axiomas do sistema
lógico.
Todo sistema lógico precisa definir, então, juntamente com o seu conjunto de
regras de dedução, que permite provar teoremas no sistema, um conjunto de ax-
iomas que são os teoremas que podem ser sempre usados como fórmulas iniciais de
qualquer dedução, sem que se precise demonstrar que esses axiomas são fórmulas
verdadeiras.
Do ponto de vista matemático, toda essa construção do conjunto de teoremas de
um sistema lógico significa que esse conjunto de teoremas do sistema lógico é um
conjunto definido por indução:
• o conjunto de axiomas do sistema lógico é a base do processo indutivo que
define o conjunto de teoremas
• as regras de dedução do sistema lógico são as regras de definição indutiva
do conjunto de teoremas, produzindo novos teoremas a partir de teoremas
já provados anteriormente.
• somente as fórmulas que são conclusões finais de deduções montadas com
axiomas e regras de dedução são consideradas teoremas do sistema; fórmulas
para as quais não existem provas montadas nessas condições, não são teo-
remas do sistema.

1.4. Valores-lógicos e Fórmulas Válidas. Os sı́mbolos de um sistema lógico


podem ser de diversos tipos:
• sı́mbolos constantes
– quer dizer, sı́mbolos que tem sempre o mesmo significado, qualquer que
seja a situação em estejam sendo considerados. Eles são divididos em dois
subtipos:
– sı́mbolos de operadores
– quer dizer, sı́mbolos que representam operações lógicas constituintes
do sistema lógico
– sı́mbolos de operandos
– quer dizer, sı́mbolos que representam elementos operados pelos oper-
adores do sistema lógico e que são associados a valores fixos, isto é, que
não dependem da situação em que o sı́mbolo está sendo considerado
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• sı́mbolos variáves
– quer dizer, sı́mbolos cujo valor varia, conforme a situação em que estão
sendo considerados
• sı́mbolos separadores
– quer dizer, sı́mbolos que não tem significação especial e que são usados
apenas como elementos de separação entre os componentes de uma fórmula
O valor de uma fórmula depende, assim, dos sı́mbolos que a compõem e, em
geral, da situação em que a fórmula esteja sendo considerada.
Dado o caráter lógico dos sistemas lógicos, o valor de uma fórmula é sempre um
valor-lógico, também chamado valor-verdade.
Há diferentes concepções sobre quais são os valores-lógicos que devem ser ado-
tados em um sistema lógico. Essas concepções diferem em função de questões de
ordem teórica (por exemplo, a questão do significado da palavra verdade: “O que
é a verdade?”) e em função de questões de ordem prática (por exemplo, a questão
da menor quantidade de valores lógicos que permite dar conta de todas as interpre-
tações pretendidas para as fórmulas do sistema numa particular aplicação que está
sendo considerada).
Na chamada Lógica Clássica, que é a lógica que resultou do processo de matem-
atização da Lógica, realizado por filósofos e matemáticos tais como Boole, Frege,
Wittgenstein, Russell e muitos outros, o conjunto de valores-lógicos que se utiliza
é um conjunto de dois valores, chamados respectivamente de Verdade e Falsidade,
que representaremos por 1 e 0, respectivamente.
Então, dada uma fórmula e uma particular situação em que a fórmula está sendo
considerada, essa fórmula pode ser verdadeira nessa situação (quer dizer, o valor da
fórmula é o valor-lógico 1), ou a fórmula pode ser falsa nessa sistuação (quer dizer,
seu valor é o valor-lógico 0).
Desse ponto de vista, o conjunto de todas as fórmulas de um sistema lógico fica
dividido em três classes distintas:
• as fórmulas válidas
– quer dizer, as fórmulas que são verdadeiras em todas as situações possı́veis
• as fórmulas contingentes
– quer dizer, as fórmulas cujo valor-lógico depende da situação considerada:
em algumas situações a fórmula é verdadeira, em outras ela é falsa
• as fórmulas contraditórias
– quer dizer, as fórmulas que são falsas em todas as situações possı́veis
As fórmulas válidas são também chamadas de leis lógicas, porque sua verdade
não depende das circunstâncias concretas em que a fórmula está sendo avaliada,
mas sim deriva da estrutura lógica da fórmula, quer dizer, do modo como estão
combinados dentro dela os operadores lógicos que a compõem.
Devido a isso, as fórmulas válidas são as fórmulas mais importantes de um sis-
tema lógico, quando esse sistema é estudado em si mesmo, quer dizer, independen-
temente de sua aplicação como estrutura lógica subjacente de uma teoria particular
(por exemplo, uma teoria cientı́fica).
Quando um sistema lógico é utilizado como estrutura lógica subjacente a uma
teoria particular, então o aspecto mais importante do sistema lógico é o seu sistema
de dedução, porque é o sistema de dedução que permite organizar logicamente os
teoremas da teoria, vinculando uns aos outros através da relação de conseqüência
lógica.
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1.5. Relações entre Teoremas e Fórmulas Válidas. Um teorema é uma fórmula


para a qual há uma prova no sistema lógico, construı́da utilizando-se as regras de
dedução do sistema. Uma fórmula válida é uma fórmula que é verdadeira em todas
as situações em que se pode considerar (interpretar ) a essa fórmula.
Em todo sistema lógico, é importante saber, então, como os teoremas e as
fórmulas válidas se relacionam. Esse relacionamento é determinado pelas diver-
sas caracterı́sticas do conjunto de regras do sistema de dedução.
A principal caracterı́stica que o conjunto de regras de dedução de um sistema
lógico devem ter é a caracterı́stica da coerência (também chamada de sanidade),
quer dizer, a capacidade das regras de, numa determinada situação, só deduzirem
conclusões verdadeiras, a partir de fórmulas que acontece serem verdadeiras nessa
situação.
A coerência garante que nunca o sistema lógico vai permitir construir uma de-
dução que tira uma conclusão falsa a partir de um conjunto de hipóteses que são
consideradas verdadeiras.
Igualmente, a coerência garante que nunca o sistema lógico vai permitr provar
teoremas falsos a partir de um conjunto de axiomas assumido como verdadeiros,
porque a coerência das regras garante que toda conclusão é conseqüência lógica das
fórmulas a partir das quais foi obtida.
A coerência estabelece, portanto, a primeira relação importante entre os teore-
mas e as fórmulas válidas: se todos os axiomas assumidos no sistema forem fórmulas
válidas (isto é, fórmulas que são sempre verdadeiras), então todos os teoremas que
puderem ser provados vão ser, também, fórmulas válidas.
Essa relação é importante, porque é uma indicadora básica da utilidade de um
sistema lógico: um sistema lógico que não é coerente, isto é, que permite provar
teoremas que não são conseqüências lógicas dos axiomas que foram assumidos, é
simplesmente inútil como instrumento de organização do raciocı́nio, em qualquer
teoria em que esteja sendo utilizado.
A segunda relação importante entre teoremas e fórmulas válidas resulta da per-
gunta: “Será que, num dado sistema lógico, todas as fórmulas válidas podem ser
provadas como teoremas do sistema?”
Se todas as fórmulas válidas de um sistema lógico podem ser provadas como
teoremas a partir de um conjunto de axiomas que são fórmulas válidas, então o
conjunto de regras de dedução do sistema lógico é dito ser completo para a prova
de fórmulas lógicas (ou, é dito ser completo, simplemente).
Essa caracterı́stica, de sistema de dedução de um sistem lógico ser completo,
também tem importância prática fundamental. Ela permite que a determinação
da validade de uma fórmula seja feita através da construção de uma prova (que é
sempre uma construção finita, porque parte de um conjunto de axiomas e chega na
conclusão final através de um número finito de aplicações de regras de dedução).
Já a determinação direta da validade de uma fórmula, examinando-se cada um
dos valores-lógicos que ela assume em cada uma das situações possı́veis em que a
fórmula pode ser considerada, é um processo que potencialmente é infinito, se o
conjunto de situações possı́veis é ele próprio um conjunto infinito.
Nesse caso, o processo de determinação direta da validade de uma fórmula não
teria sentido prático, porque não terminaria nunca. Já a construção de uma prova
é um processo que garantidamente termina num tempo finito, e isso torna prática
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a verificação da validade de uma prova através da prova de que ela é um teorema


do sistema.
Claro, a construção de uma prova de um teorema é um processo engenhoso, que
requer prática e habilidade (como o processo de construção de um programa de
computador). Isso significa que nem sempre é fácil “fazer” a prova de um teorema
(como nem sempre é fácil fazer um determinado programa de computador).
A propriedade de o sistema lógico ser completo, porém, é a garantia de que toda
fórmula válida pode ser provada e, portanto, se uma fórmula é válida, com certeza
é possı́vel construir (por mais difı́cil que seja) uma prova para ela.
A situação, em relação à completeza do sistema lógico, é análoga à situação
da computabilidade das funções matemáticas, na Teoria da Computação: a com-
putabilidade de uma função é a propriedade da função que garante a existência de
um algoritmo (um programa de computador) capaz de realizar o cálculo do valor
da função para qualquer um dos argumentos em que a função está definida.
Isso garante que, se uma função é computável, com certeza existe um programa
capaz de computá-la em um computador adequado. Pode acontecer de ser muito
difı́cil fazer esse programa corretamente, mas a computabilidade da função garante
a existência de pelo menos um programa com essa capacidade de computar essa
função.
Em resumo, coerência e completeza são as duas principais caracterı́sticas de um
sistema lógico. A coerência é mandatória (ao custo de tornar o sistema inútil, se
ele não for coerente).
A completeza é uma caracterı́stica muito desejável, mas não obrigatória: se um
sistema não for completo, vai acontecer de haver fórmulas válidas cuja validade
não vai poder ser provada no sistema, mas isso não significa que o sistema não
possa ser útil em aplicações que não envolvam essas fórmulas (exatamente como
um computador não deixa de ser útil só porque não se consegue rodar nele todos
os programas que se pode imaginar em uma dada linguagem de programação).

Referências

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