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O sinhô do nordeste

| 01.11.2007

A história de Johnny Wei, o descendente de chineses que transformou uma das


regiões mais pobres do Brasil em prioridade mundial para a Nestlé

Raul Junior

Publicidade

Por Melina Costa

EXAME Comparar a Região Nordeste do Brasil à China pode ser diagnosticado como um caso de
miopia crônica -- daqueles em que a pessoa não consegue enxergar a diferença entre um pato
laqueado, orgulho da culinária chinesa, e uma buchada de bode. As dessemelhanças entre
sociedades tão díspares podem ser observadas em todas as áreas: da política à infra-estrutura, da
gastronomia à agricultura. Nada é coincidente. Mas em se tratando de economia, com todas as
óbvias diferenças de escala, existe um ponto de aproximação entre China e Nordeste. Graças ao
crescimento acelerado e à inclusão de novos consumidores, esses dois mercados tornaram-se
especialmente atraentes para o mundo dos negócios. A China exerce um fascínio em escala global.
O Nordeste, descontada mais uma vez a brutal desigualdade de volume, é foco de atenção das
empresas brasileiras e das multinacionais instaladas no país. Vender mais em uma das regiões
que mais crescem no país tornou-se uma obsessão para a maioria das fabricantes de bens de
consumo. "O Nordeste é a China brasileira", costuma dizer Márcio Utsch, presidente da São Paulo
Alpargatas. A questão é que poucas companhias conseguiram, até agora, entender e explorar de
forma eficiente esse mercado. Está nas mãos de um brasileiro descendente de chineses, fluente
em mandarim e com nome de caubói de faroeste, a operação tida como a mais bem-sucedida na
tarefa de conquistar o Nordeste. O "Sinhô do Nordeste", como alguns o apelidaram, chama-se
Johnny Wei e trabalha na subsidiária brasileira da Nestlé.

Aos 34 anos, 13 deles na Nestlé, Wei (pronuncia-se "uei") é o diretor de regionalização da


multinacional suíça. Sob seu domínio estão os mercados do Norte e do Nordeste do Brasil. Quando
assumiu as regiões, há dois anos, esses mercados representavam cerca de um quarto do
faturamento total da empresa no país, algo como 2,9 bilhões de reais. Hoje, são responsáveis por
mais de 30% das vendas da empresa, ou o equivalente a 3,4 bilhões de reais. Desde que passou a
mandar na operação do Nordeste, Wei conseguiu um crescimento nas vendas de quase 20% e
transformou a região num exemplo a ser seguido por todas as unidades da Nestlé -- no Brasil e lá
fora. Com esses resultados, Wei ganhou novo status na corporação. Ele tem, por exemplo,
liberdade de criar campanhas publicitárias exclusivas para o mercado nordestino. "Para atender a
esse público, mudamos a nossa forma de pensar, o formato dos produtos, as embalagens, o preço
e até a maneira de anunciar", diz ele.

Johnny Wei, diretor de regionalização e de baixa


renda da Nestlé

Idade 34 anos
Formação Engenharia mecânica pela
Universidade de São Paulo

Nacionalidade Brasileiro, filho de chineses

Família Casado

Carreira Começou na Nestlé há 13 anos como


estagiário no setor industrial. Passou pelas áreas
comercial e de internet até chegar à direção

Principais feitos Reestruturou unidades


industriais da Nestlé no México e nos Estados
Unidos e conduziu a implantação da fábrica em
Feira de Santana, na Bahia

WEI, NA VERDADE, FEZ O QUE POUCOS executivos de empresas de sucesso têm a coragem de
fazer: adaptou o negócio ao mercado. Essa adaptação começa com a mudança nos produtos e vai
até a forma de abordar o consumidor. Nos últimos dois anos, além de usar as formas tradicionais
de publicidade, ele colocou nas ruas carros de som para divulgar produtos e promoções, anunciou
em velas de barcos e patrocinou eventos regionais como as festas de São João. Mas sua maior
inovação foi lançar produtos específicos para o Nordeste brasileiro. Em geral, com preços mais
baixos e embalagens menores. O melhor exemplo é o leite Ideal, lançado em 2005. Sua fórmula é
semelhante à do leite Ninho, uma das principais marcas da Nestlé. A diferença é que, em vez da
lata, o produto vem num sachê, com metade do conteúdo e um preço em geral muito mais em
conta. Hoje, o Ideal está entre os dez produtos mais vendidos pela Nestlé no Nordeste, com a
inacreditável taxa de crescimento de 135% em um ano. Além de adaptar os produtos ao bolso do
consumidor local, houve um esforço na criação de produtos alinhados ao gosto regional, como o
caldo sabor carne-seca, produto inspirado no Nordeste que hoje é vendido em todo o Brasil.

Paralelamente às mudanças na fabricação e na comunicação, Wei fez ajustes também no processo


de distribuição dos produtos. Ele aumentou a presença da empresa em estabelecimentos de
pequeno e médio porte -- responsáveis pela maior parte das vendas de produtos alimentícios na
Região Nordeste -- e mudou a relação com os distribuidores. A idéia era atingir um número maior
de pontos-de-venda (incluindo padarias, farmácias e até salões de beleza) com maior variedade
de produtos. Num primeiro momento, a Nestlé elaborou uma lista para determinar quais itens
poderiam seduzir o consumidor nordestino com renda em ascensão. Chegou-se a uma relação de
140 produtos, basicamente alimentos que já existiam havia anos no Brasil, mas que tinham pouca
penetração no mercado local -- como cereal e macarrão instantâneo. Em seguida, a empresa
treinou os distribuidores. Eles deveriam oferecer os novos itens aos comerciantes -- mesmo que
eles não pedissem.

O desempenho ímpar da Nestlé no Nordeste -- um mercado em ebulição que puxa os resultados


do resto do país -- deve-se em grande parte à instalação da fábrica da empresa em Feira de
Santana, na Bahia. Com investimento de 100 milhões de reais, a unidade emprega 2 000 pessoas,
entre empregos diretos e indiretos, e foi crucial para reduzir os custos logísticos para abastecer o
mercado nordestino. No passado, um produto da Nestlé custava em média 5% mais caro quando
saía do Sudeste para as redes de distribuição no Nordeste. Hoje essa economia pode ser
repassada para o preço final do produto. Inaugurada em fevereiro, a fábrica é hoje parte de uma
operação analisada de perto pela matriz da Nestlé, na Suíça. O mercado brasileiro é uma das
prioridades de Paul Bulcke, próximo presidente mundial da empresa, decisão que ganhou força
desde que o país subiu da quinta para a quarta posição entre os maiores mercados da companhia.
Recentemente, Paul Polman, diretor financeiro global da Nestlé, anunciou que deve dobrar os
investimentos na fábrica de Feira de Santana. Atualmente, a unidade opera em sua capacidade
máxima. "O Nordeste tornou-se uma área em evidência no grupo. Vivo recebendo visitas de
executivos de todas as partes do mundo", diz Wei.

Sob medida para a baixa renda


Mudanças nas embalagens e nas quantidades dos
produtos permitiram à Nestlé reduzir os preços(1)
nas regiões Norte e Nordeste

Produtos exclusivos
Produtos nacionais
para norte e nordeste

Leite em pó

Sachê plástico com 200 Lata de alumínio com 400


gramas gramas
R$3,50 R$6,69

Café solúvel

Sachê plástico com 50


Vidro com 100 gramas
gramas
R$7,00
R$1,65

Mingau de arroz

Sachê plástico com 230 Lata de alumínio com 400


gramas gramas
R$2,69 R$6,69

(1) Preços médios cotados em supermercados e


distribuidores
Fonte: empresa

Nascido em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, Wei tem pai e mãe chineses. Ambos
fugiram do país após a Revolução Cultural, que endureceu o regime de Mao Tsé-tung na década
de 60. Sua mãe, que pertencia à família de militares Yung, contrária à revolução, só sobreviveu
porque refugiou-se em Taiwan antes de vir para o Brasil. O pai de Wei chegou ao país trazido por
um parente, dono de uma empresa de óleos vegetais em São Paulo. Apesar de ligado à cultura
chinesa, Wei viajou a Taiwan apenas uma vez, durante a adolescência, para conhecer familiares.
Sua carreira na Nestlé começou após um programa de estágio. Ele havia se formado em
engenharia mecânica pela Universidade de São Paulo e foi selecionado para trabalhar como
técnico nu ma das fábricas da Nestlé em São Paulo. Sua ascensão foi rápida. Em alguns anos, já
estava liderando projetos de aumento de produtividade industrial no México e nos Estados Unidos.
Desde que Ivan Zurita assumiu o comando da Nestlé no Brasil, em 2001, Wei passou a atuar
como um de seus principais interlocutores. Graças aos resultados conseguidos no Nor deste, Wei
foi promovido recentemente à direção de uma unidade chamada "base da pirâmide", tornando-se
responsável pelas vendas para consumidores de baixa renda de todo o país. Seu novo desafio
agora é aplicar tudo o que aprendeu no Nordeste em outras partes do Brasil. O próximo alvo do
"Sinhozinho" do Nordeste agora é o Sul.

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