You are on page 1of 68

A GRANDE BATALHA

PREFÁCIO .................................................................................................................................................................. 1

I. EVOLUÍDO E INVOLUÍDO ................................................................................................................................. 2

II. ENCONTRO DE LEIS E PLANOS DE VIDA ................................................................................................... 9

III. O VERDADEIRO TRIUNFO ........................................................................................................................... 18

IV. INVERSÃO DE VALORES .............................................................................................................................. 24

V. O PODER DO ALTO .......................................................................................................................................... 28

VI. O EVANGELHO POSTO À PROVA ............................................................................................................... 34

VII. DUAS PSICOLOGIAS E MÉTODOS DE AÇÃO ......................................................................................... 40

VIII. A CAMINHO DA ORGANICIDADE ........................................................................................................... 45

IX. A GRANDE BATALHA .................................................................................................................................... 50

X. A VITÓRIA DO AMOR ...................................................................................................................................... 55

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................página de fundo


Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 1
terreno prático da conduta humana, orientando-a com uma ótica
A GRANDE BATALHA inteligente e racionalmente demonstrada, positiva, levada em
contato com a realidade biológica, onde o homem aparece co-
mo de fato ele é, e não como sonha ou desejaria ser. Continua-
PREFÁCIO mos assim a desenvolver, em forma mais prática e aderente à
realidade, a nossa tarefa de preparar a formação de um mundo
O presente livro é o primeiro da segunda trilogia da minha novo, baseado nos valores espirituais.
II Obra de 12 volumes, que chamei de brasileira porque escri- A luta aqui explicada foi vivida por um homem sem os re-
ta no Brasil, depois da minha chegada a este país no fim de cursos do mundo, materialmente desprovido, armado só dos
1952, enquanto que chamei de italiana à minha I Obra, tam- poderes espirituais do amor evangélico, sozinho, contra um
bém de 12 volumes, que foi escrita na Itália e depois traduzida mundo poderoso no seu plano e bem armado com os recursos
para o português. da força e da astúcia. Neste livro, estudamos o desenvolvi-
Esta II Obra se iniciou com o volume Profecias, já publica- mento desta luta, experiência que se dilata aqui, adquirindo
do, que começa com uma introdução intitulada: “Gênese da II um significado universal, porque ela não representa senão um
Obra”. Ali, o leitor poderá ver como nasceu esta nova obra, no caso particular, mas positivamente vivido, do fenômeno cós-
meu primeiro período de vida brasileira. Esta descida no mundo mico da luta entre os dois termos do dualismo universal, os
foi para mim uma experiência importante para entrar em conta- dois polos opostos da existência: espírito e matéria, bem e
to com a realidade da vida, uma realidade dura, sob um aspecto mal, positividade e negatividade, Deus e anti-Deus, Sistema e
que ainda não conhecia. Então, o mundo me apareceu não co- Anti-Sistema. Esta é a titânica luta do homem evangélico que
mo ele deveria ou poderia em teoria ser, mas sim como ele ver- enfrenta o mundo. Veremos aqui, colocando frente a frente as
dadeiramente é. Desse estado nasceu um choque, e do choque armas do espírito e as da matéria, quais são as mais poderosas
nasceram reações, centelhas de pensamento e situações espiri- e quem, no fim, é o vencedor.
tuais que resumi neste volume, A Grande Batalha.
Assim, as teorias dos livros A Grande Síntese, Deus e Uni-
A tempestade da qual nasceu este livro passou-se nos anos
verso e O Sistema estão sujeitas a controle experimental e são
de 1953, 54 e 55, meus primeiros três anos brasileiros. Ela foi
por ele corroboradas, constituindo por fim, no conjunto, um to-
contada no volume Profecias, na referida introdução, assinada
do orgânico único, em que os princípios gerais resultam con-
no Natal de 1955. Neste período, foram escritos os livros Pro-
firmados e fortalecidos, porque provados até às suas últimas
fecias e Problemas Atuais. No ano de 1956 foi escrito o livro
consequências práticas, num mesmo plano geral, onde se mani-
O Sistema.
festa a Lei, que é o pensamento de Deus. Por isso foi possível
O volume atual, A Grande Batalha, e o que se lhe segue,
aqui desenvolver, explicar e dar aplicação às afirmações feitas
Evolução e Evangelho, nasceram no ano de 1957. Só então, de-
em A Grande Síntese: Cap. XLII – “A nossa meta, a nova lei” e
pois de acalmado aquele período de luta, foi possível meditar
Cap. XCI – “A lei social do Evangelho”.
sobre esta experiência, para dela compreender o significado
moral e tirar o fruto espiritual. Na hora dura da tempestade, não Desse modo, o resultado final da luta contra o mundo foi
era possível senão tomar notas apressadas, correndo atrás dos atingir, no terreno prático e com um exemplo vivido, uma de-
acontecimentos, preso às necessidades materiais da luta. Só de- monstração de que o espírito é mais forte que a matéria e o
pois, no ano de 1957, foi possível organizar em um livro estes Evangelho é o método mais poderoso para vencer. Assim, no
breves rascunhos, fundindo com a lógica do seu desenvolvi- plano teórico, as provas experimentais confirmam a verdade
mento os conceitos registrados, surgidos na mente como lampe- das teorias sustentadas nos meus livros. Aqui, já estamos longe
jos de um pensamento que só agora se revelava em unidade. Só dos sofrimentos pessoais da luta; o problema se afasta do caso
depois de ter esgotado o assunto básico do volume O Sistema, particular; subimos a um plano mais alto e universal, em que
desenvolvendo a teoria da queda e resolvendo os problemas triunfam o espírito e, com sua vitória, o domínio dele sobre a
fundamentais, era possível entrar no terreno prático do controle matéria. Não nos interessa mais a história dos choques e dores
experimental das consequências e aplicações, para estudar e humanas, mas apenas o triunfo do Evangelho. A primeira parte,
compreender o sentido profundo da experiência vivida, julgan- humana e negativa, já foi por nós rapidamente frisada na referi-
do com mais serenidade e saindo dos limites do caso particular, da introdução ao volume Profecias. Para nós, agora, interessa
para atingir o entendimento do seu valor universal. mais de perto mostrar a parte positiva e criadora, que prova a
Este livro, A Grande Batalha, foi iniciado exatamente em superioridade e o vitorioso poder das forças espirituais. Então o
janeiro de 1957, seguido, ainda neste ano, pelo volume Evolu- que aconteceu foi bom, pois sofrimentos e provas também são
ção e Evangelho. O segundo, terminado nos primeiros meses úteis e podem gerar bons frutos. Tudo está na mais perfeita or-
do ano de 1958, completa o primeiro. Logo depois, na Páscoa dem, porque é dirigido por Deus, perfeição que aparece quando
deste ano, foi iniciado em São Paulo um curso de dois meses, colocamos cada coisa no seu devido lugar.
sobre este volume. Para mim, o maravilhoso resultado experimental foi a apro-
A respeito desta obra, repito as palavras da já mencionada ximação cada vez maior da presença de Cristo, uma presença
introdução em Profecias: “A nossa finalidade é dar uma lição viva, percebida, seja no desenvolvimento dos acontecimentos
útil de moral, trabalho este que será executado em duas fases. A por Ele dirigidos, seja como sensação da Sua vizinhança espiri-
primeira, mais breve, representada pelo presente capítulo (In- tual. O resultado mais tangível destes choques foi uma renova-
trodução), explicará um caso vivido e suas consequências. A ção de pensamento, um contato mais vivo e direto com a fonte
segunda, mais ampla e com a mesma finalidade, irá demonstrar de inspiração e, com isso, uma nova obra, com mais 12 volu-
e desenvolver, sobre bases experimentais, a teoria da defesa mes. Assim, tudo se resolveu na continuação lógica do plano
com o método evangélico da não resistência, onde a luta não é preestabelecido e inviolável que “Sua Voz” me havia anuncia-
travada com armas humanas, mas somente com o potencial do do antes da minha saída da Itália, para eu desenvolver no Bra-
conhecimento e da bondade. Esta segunda fase será desenvol- sil. Chegava então o selo de confirmação de todo o passado,
vida no volume A Grande Batalha”. demonstrando com isso que nada estava errado, porque aquele
Aqui está o livro para cumprir aquela promessa. Assim, impulso originário de “Sua Voz”, com o fato de conhecermos
aqueles choques foram providenciais, porque geraram no meu agora o triunfo sobre todos os obstáculos, dava a prova concreta
trabalho uma renovação e dirigiram o meu pensamento para o de sua verdade, com um exemplo positivo de vitória.
2 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
O mundo, que estava olhando, precisava de um exemplo uma pode ser a reação do mais adiantado: ajudar os outros a
concreto, realizado nos fatos, em que as teorias encontrassem subir. Substituir o método da força e da astúcia pelo da sinceri-
aplicação num teste, saindo vencedoras. Dentro do próprio am- dade, compreensão e amor; ao invés de agredir e lutar, unificar
biente humano, onde só vale o mais forte, porque vence, era onde tudo está dividido, para colaborar fraternalmente. Este é o
necessário demonstrar, com os fatos, que Cristo é o mais forte. caminho que vai para Deus.
Era necessário um exemplo, mas um exemplo de vitória, por- Assim, o nosso trabalho está completando-se nas suas três
que o homem apenas aceita como verdade o que haja dado pro- fases: 1a) O trabalho inspirativo para registrar por escrito os
va de saber vencer e, só por isso, o segue. De outro modo, o conceitos fundamentais da orientação no plano geral, chegando
despreza. Explica-se assim como o cristianismo precisou de um à solução teórica dos problemas. 2 a) O trabalho de controle ra-
triunfo material, com o imperador Constantino, para se fixar na cional, desenvolvido nos livros, para provar a verdade das teo-
Terra e conseguir trazer o Evangelho até nós. rias afirmadas. 3a) O trabalho experimental, onde tivemos de
Esta experiência evangélica, que narramos aqui em sua colocar tudo na bancada do laboratório da vida, para cumprir o
substância, aliada ao fato de haver sido ela bem sucedida, teste prático ou controle efetivo daquelas teorias, para ver se
constituía o acontecimento mais necessário neste ponto do de- correspondem à realidade dos fatos. Nesta fase, realizou-se a
senvolvimento da missão, a fim de afastar as acusações de descida do céu à terra, do absoluto ao relativo, do universal ao
utopia por parte dos práticos, que consideram o Evangelho um particular, do abstrato ao concreto, pois, só assim, o nosso tra-
absurdo irrealizável. Aqui temos fatos que provam o contrário. balho podia ser completo, em todos os níveis do conhecimen-
A lógica, a razão e os acontecimentos em concordância deram to. Só através de tais provas, podíamos possuir a certeza da
confirmação da verdade que havia sido recebida por inspira- verdade das teorias sustentadas. O conhecimento da verdade
ção, tudo convergindo para demonstrar que a lei do mereci- atingida só podia ser completo, se o fruto da inspiração se tor-
mento vence, porque está acima das leis da força e da astúcia, nasse depois uma experiência vivida.
que vigoram no mundo. Então o Evangelho não é só uma teo- Concluímos com as palavras da introdução ao volume Pro-
ria, um método de vida reservado apenas para os santos; não é fecias, intitulada “Gênese da II Obra”: “Assim nasceu esta nova
na pratica um absurdo irrealizável, como se acredita; mas é a Obra, que desenvolve um tema novo, com estilo novo, duro, ter-
lei da maior utilidade individual e coletiva, para ser vivida reno, positivo, para os práticos, um estilo de batalha adaptada ao
também na realidade do nosso mundo. mundo no qual a missão deve cumprir-se... para construir na
O presente livro, portanto, representa a fase da realização Terra, com as pedras das provas evidentes, o novo edifício do
prática da missão, que de pensamento se torna ação. Chegou Evangelho vivido e da nova civilização do Terceiro Milênio”.
assim a contrapartida que faltava: a realização prática das teori-
as. Em resposta às necessidades da pesquisa, tudo isto tomou São Vicente, Páscoa de 1958.
valor de experiência, significando um controle positivo. E não
há nada melhor que a concordância com os fatos, para demons- I. EVOLUÍDO E INVOLUÍDO
trar que uma teoria é verdadeira.
Um dos aspectos novos desta II Obra está no fato de se ha- Constitui fato de aceitação universal a existência de diferen-
ver aqui levado as teorias mais em contato com a realidade da ça no desenvolvimento dos variados tipos humanos. Esse fato é
vida e as leis do atual nível de existência humana. Há muito de verificação fácil devido ao fenômeno da evolução, em cujo
tempo que andava observando como funciona este estranho desenvolvimento os diversos indivíduos vêm a encontrar-se em
animal que é o homem. A conduta dele me parecia tão contra- posição mais ou menos adiantada, conforme o caminho que ha-
producente para a sua própria vantagem, que eu não podia jam percorrido. É assim que, no plano humano, encontramos
acreditar que se tratasse de um ser sensato. Para chegar a com- tanto quem está mais avançado como quem está mais atrasado,
preender tal absurdo e a lógica da sua presença, tive que desar- e sabemos a causa disso. Vai-se, desse modo, do gênio ao san-
mar os castelos e desfazer os emaranhados das filosofias, das to, ao super-homem e, mais para baixo, até ao delinquente, ao
revelações religiosas, das teorias econômico-sociais e políticas, selvagem e ao primitivo, próximo do símio.
dos sistemas éticos e jurídicos, das ilusões psicológicas e dos Natural é, pois, que cada um desses tipos apresente, na vida,
instintos, frutos do subconsciente, esclarecendo os problemas comportamento correspondente ao nível evolutivo alcançado.
até às suas primeiras origens teológicas na criação realizada por Os instintos, ou seja, a origem dos seus movimentos, hão de ser
Deus. Então tudo se tornou claro. E somente nesta pesquisa teó- diversos de indivíduo para indivíduo, conforme a sua própria
rica podiam ser encontrados os pilares para sustentar a interpre- maneira de entender a vida. Cada qual a viverá de acordo com a
tação e nos dar a explicação dos fatos que, depois, em nossa sua própria filosofia, que forma o seu particular ponto de vista,
experimentação, encontramos na realidade da vida. provinda de sua própria natureza, da qual decorre o seu modo
Explica-se assim a prática do fingimento, o uso do método de conceber, julgar e agir.
antiutilitário da força e da astúcia, o absurdo da procura da feli- Eis, então, que, dada a convivência em sociedade entre in-
cidade pela semeadura do sofrimento. Explica-se porque o ho- divíduos de grau de evolução diferente, existem antagonismos
mem, devido à sua involução, prefere seguir a lei da animalida- entre os vários tipos biológicos, isto é, contrastes entre os
de, com todas as suas duras consequências. Ele é como um mais e os menos evoluídos, pois trata-se de indivíduos que,
menino ignorante e teimoso, que está sofrendo por não conhe- em seus instintos e modo de agir e de entender a vida, podem
cer quais são os caminhos para atingir a tão almejada felicida- achar-se nos antípodas. Pode-se, assim, chegar a uma inconci-
de. Mas ela está ao alcance das suas mãos, e ele poderia agarrá- liabilidade absoluta, como se verifica com os selvagens, com-
la, bastando que soubesse movimentar-se com inteligência, de pletamente inadaptados à vida civil, e com os criminosos, ba-
modo certo. É para preparar tempos melhores, de menor sofri- nidos de nossa sociedade pelas leis. Todavia, entre esses ex-
mento para todos, que estamos aqui gritando aos surdos e dei- tremos, há uma infinidade de gradações menores, das quais
xando tocar os fatos aos cegos, num desesperado esforço de decorrem maiores ou menores incompatibilidades a serem so-
clareza para ser entendido, para que seja compreendida a vanta- fridas pela comunidade na vida social.
gem do sistema evangélico, afastando assim a causa da dor. No Disto podem originar-se diferenças geradoras de contrastes,
entanto, às vezes, esta paixão e compaixão é julgada orgulho, atritos e lutas, derivadas da maior ou menor evolução dos indi-
pregação cansativa, absurdo utopista. Contra esta realidade, só víduos. Assim, aqueles ainda imergidos no passado não estão
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 3
harmonizados com os que, por terem progredido mais, perten- vencido cabem todos os deveres. Com isto, não pretendemos
cem ao futuro. Então, no mesmo terreno da convivência social, condenar, efetuamos apenas verificações com a finalidade de
o passado e o futuro da evolução se encontrarão em luta, cada estudo. A este tipo biológico, regido pelos seus instintos, filhos
um querendo impor ao outro o seu método de vida. do passado, e não pelo conhecimento, que a grande massa hu-
Entre esses dois extremos, a sociedade humana equilibrou-se mana ainda não possui, o denominaremos: involuído, para dis-
numa posição intermediária de compromisso, adaptada à média, tingui-lo do outro tipo.
constituída pela maioria, que formou assim uma ética com usos, Com isto, procuramos personificar o ser humano em duas
costumes e leis ajustados aos instintos dominantes, à sensibili- formas de biótipo bem definido, para alcançarmos maior clare-
dade geral, ao comum entendimento da vida. E é natural que as- za de conceitos e para podermos, com a contraposição de mo-
sim, dentro dessa ética, dessas leis e desses costumes, encontrar- delos opostos, obter o contraste entre claro e escuro que faça
se-ão em dificuldade tanto os menos como os mais evoluídos, os ressaltar melhor e com maior nitidez aqueles conceitos, tornan-
primeiros por deficiência, os segundos por excesso. A escala do-os assim mais vivos, porque apresentados como personifica-
com que se mede tudo é diferente para todos eles, por isso o seu ções da psicologia e modos de comportamento dos dois tipos.
enquadramento no esquema geral torna-se dificílimo. Isto não quer dizer que todos sejam exclusivamente de um
É interessante observar este contraste, pois ele nos mostrará ou de outro tipo. As gradações, na prática, são inúmeras. Na
a arquitetura do fenômeno da evolução a par dos diversos esti- maioria dos casos, nunca se encontra o indivíduo evoluído ou
los em movimento nos diferentes planos em que o homem ca- involuído absoluto, mas há sempre tipos intermediários, em que
minha. Aparecerão, dessa observação, dois mundos diversos, predominam, em porcentagens diversas, as características de
um baixo e outro alto, que nos darão a visão do progresso, indo um ou do outro. Este estudo, pois, não é uma acusação, mas
do primeiro ao segundo. Deixaremos de lado os menores graus quer ser objetivo, e tem a finalidade de compreender o nosso
da evolução, dado pelos selvagens e criminosos, pois tal exame mundo. Poderemos vê-lo, então, com outros olhos, fazendo-o
em nada poderá contribuir para o nosso objetivo, que é cami- aparecer como se fosse observado de um ponto mais alto na es-
nhar para o alto. Ocupar-nos-emos mais com o estudo da mino- cala da evolução, condição utilíssima para podermos colher a
ria situada no polo oposto, nos maiores graus da evolução, por- orientação de que carecemos, vendo defeitos e erros que o nos-
que, sendo ela mais evoluída, poderá oferecer-nos novas moda- so mundo está pagando com a moeda caríssima da dor. Com-
lidades de pensamento e de ação. Útil se nos afigura conhecê- preendendo como a nossa conduta seja quase sempre errônea,
las, pois representam formas de vida mais elevadas, onde se en- estaremos aptos a encontrar a saída para evitar os incontáveis
contra a solução de muitos dos nossos problemas, que a socie- desastres que, até agora, estamos fabricando com nossas pró-
dade atual, com a sua forma mental, não conseguiu resolver. Is- prias mãos pela nossa ignorância das leis da vida.
to nos oferece, assim, a possibilidade de eliminar muitos desas- No decorrer desse nosso trabalho, o leitor poderá julgar-se
tres, evitando as incontáveis dores oriundas de nosso errado do lado do evoluído ou do involuído, usando a auto-observação.
modo de pensar e de agir, filho de nossa ignorância das leis da Não somos nós que podemos julgar, mas somente as ideias e
vida nos planos superiores. ações de cada um. E, mesmo que todos os leitores queiram colo-
Será este o argumento que desenvolveremos neste volume. car-se no campo do evoluído, julgando, nesse caso, como invo-
A sua base é positiva e científica: o fenômeno da evolução, luídos todos os outros, isto não constituirá um mal, uma vez que
universalmente aceito. Estudá-lo-emos, procurando em especial se encontrarão na obrigação de efetuar, por legítimo amor pró-
e particularmente o seu telefinalismo último, que é conduzir tu- prio, o esforço necessário para se comportarem como evoluídos
do para formas de vida ainda não enxergadas pelo materialismo e, dessa forma, aprenderão a evoluir, procurando assim, por res-
científico, formas espiritualizadas, nas quais verificaremos co- peito a si mesmos, educar-se para formas de vida mais elevadas.
mo, depois da evolução darwiniana, o processo ascensional da O encontro entre os dois tipos biológicos supracitados não
vida pode encontrar a sua única possível continuação. Percor- é por nada pacífico, por isto o denominamos “a grande bata-
rendo os mesmos caminhos da ciência, conseguiremos, assim, lha”, nome que adotamos como título deste volume. O embate
levá-la ao terreno da ética, da filosofia e das religiões, para al- não é apenas hipotético ou teórico, mas absolutamente real,
cançar uma nova moral mais evoluída, com base em uma nova tornando atual o tema aqui versado, que todos estamos tratan-
concepção positiva da vida. do em nossa vida diária e do qual não se pode fugir, já que ele
Para tornar mais evidente o nosso estudo, colocaremos em constitui a nossa própria vida e a sua evolução. Se os exempla-
confronto dois tipos biológicos nitidamente individuáveis. De res evoluídos constituem exceção, isto não quer dizer que eles
um lado, o biótipo mais adiantado, que vive em planos de evo- não influem na vida de todos, pois o homem atual, pelo fenô-
lução mais elevados que a média, o homem que, guiado pelo meno da evolução, está vivendo exatamente numa fase de tran-
conhecimento que lhe vem da inteligência e da espiritualidade, sição do plano biológico do involuído ao do evoluído. Mesmo
vive na ordem, por ter alcançado a consciência da lei de Deus. sendo raros na Terra, os homens superiores deixaram e deixam
Biótipo não comum, mas que já tem aparecido muitas vezes na marcas próprias nas religiões, na arte e no pensamento filosó-
Terra, onde hão é totalmente desconhecido. Denominaremos fico e científico. Eles são continuamente representados pelos
este tipo: evoluído. ideais que semearam como guias da evolução da humanidade,
De outro lado, colocaremos o biótipo comum, menos adi- de que representam o porvir.
antado, que, não obstante estar envernizado de civilização, Esse encontro ou embate de tipos biológicos tem, pois, uma
ainda vive no plano animal, do qual vemos aflorar nele os ins- significação mais profunda do que parece à primeira vista. Po-
tintos, que continuam a formar a base da sua personalidade; demos observar nele como funciona o fenômeno da evolução,
homem ainda submetido à lei animal da luta pela seleção do especialmente com referência ao homem atual, que se encontra
mais forte, dirigido acima de tudo pelos instintos da fome e do suspenso entre dois planos evolutivos, amadurecendo para pas-
amor, individualista e egocêntrico, ainda inepto ao enquadra- sar do inferior ao superior, isto é, da animalidade à verdadeira
mento numa ordem coletiva para viver na forma de sociedade humanidade civilizada. A significação mais profunda da vida
orgânica. Homem regido em substância, além das aparências, de nosso mundo é dada exatamente pela elaboração dolorosa
por uma moral que, na realidade, é formada por interesses ego- desta passagem da fase de involuído à de evoluído. E a conse-
ístas e por uma tábua de valores em cujo ápice encontra-se o cução deste grande resultado é a única coisa que pode justificar,
vencedor, a quem pertencem todos os direitos, enquanto ao pela sua finalidade de bem, tantas lutas e tantas dores.
4 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Desse modo, o nosso tema adquire dimensões muito mais zer, interessa-nos, isto sim, a luta entre o anjo e a besta, entre a
amplas, que nos mostram como ele esteja conexo até com os luz de Deus e as trevas de Satanás, entre o espírito e a matéria,
princípios gerais que regeram a gênese de todas as coisas em entre o Evangelho de Cristo e o egoísmo do mundo, para che-
sua primeira origem no absoluto. Em outros termos, o argu- gar aos resultados definitivos de nossa melhora, o que significa
mento da “grande batalha”, desenvolvido no presente volume, dizer de nossa felicidade.
enquadra-se plenamente, como uma particularidade que nos Descreveremos esta grande batalha individuando-a num
toca mais de perto, no plano geral do universo, já exposto em campo bem definido, para nos dar um meio melhor de fixar as
nosso volume O Sistema. Não representa, pois, o que iremos ideias que, na progressão da exposição, irão surgindo. Desse
aqui desenvolver uma concepção arbitrária, alicerçada no vá- modo, em lugar de fazer uma dissertação teórica com um sim-
cuo, mas uma visão sustentada pela solução de uma avultada ples e árido desenvolvimento de conceitos, tornar-se-á mais
quantidade de outros problemas e logicamente situada no seio compreensível e convincente, na primeira parte do volume,
de um sistema orgânico. É assim que a nossa vida diária vem a acompanhar o fio condutor de uma narração, confiando a ela o
ser colocada em contato com os princípios gerais da lei de papel de reger e guiar o desenvolvimento dos conceitos que
Deus, que tudo rege; é desse modo que se compreende justifica irão, assim, brotando qual comentário da própria vida e, dessa
e explica tudo que lhe diz respeito. forma, serão mais vivos, reais e evidentes.
Chegando, assim, a verificar que toda nossa luta e sofrimen- ◘ ◘ ◘
to têm a finalidade de superar as mais baixas formas de vida, Em certa ocasião havia um homem, que era julgado estra-
para alcançar outras mais elevadas, onde a vida encerre menos nho porque, de certo modo, era diferente da maioria, sendo, por
dores e mais felicidade, ultrapassamos a visão do simples fe- isto, condenado pelo mundo.
nômeno biológico e ingressamos no âmbito dos princípios e A maioria, que faz a verdade na Terra, não conseguia encon-
normas da Lei, formadoras do impulso íntimo que anima e sus- trar nele suas próprias qualidades, para exaltá-las, nem seus pró-
tenta tal fenômeno. O contraste entre os dois tipos biológicos, prios defeitos, para tolerá-los. Para o tipo corrente, reproduzido
que iremos estudar aqui, assume então o significado de contras- em série como as formigas, ele representava um modelo inacei-
te entre dois planos de vida, entre as diferentes leis que os re- tável, pois diverso da série normal, e constituía um escândalo,
gem, entre o novo que quer nascer e o velho que não quer mor- porque, havendo escapado à lei comum, representava uma subs-
rer. Aqui o fenômeno se dilata, uma vez que, se permanece tancial subversão de valores. Mas como? Se na Terra, certo ou
imergido na animalidade, no seu lado mais baixo, atinge e in- errado, o que mais vale, conforme a convenção em vigor, é a ri-
veste, na sua parte mais elevada, os problemas que pertencem queza, o poder e o domínio sobre tudo e sobre todos; se a vitória
ao mundo ético, religioso e espiritual, constituintes de grande alcançada nesse terreno é a medida do valor e, portanto, da esti-
parte da nossa vida. Eis como, mesmo usando de uma psicolo- ma e do respeito a que se tem direito; se esta é a lei desse mundo
gia positiva, aderente à concepção científica de evolução bioló- e se esse mundo havia, durante dois mil anos, congregado ingen-
gica, é possível alcançar, por novos caminhos, a compreensão tes esforços para dobrar e entortar os ideais afirmados pelo
do Evangelho. Adquire-se então este novo poder em nossos es- Evangelho, a fim de evitar alterações daquela lei, como tolerar
píritos, com nova responsabilidade e significado inédito: a lei então esta tão incômoda loucura daquele homem, que teimava
de um plano biológico mais elevado, que a evolução não poderá em tomar a sério e viver de fato aquele Evangelho?
deixar de alcançar no futuro. O Evangelho será, desse modo, Eis como se esboça imediata a adversidade entre os dois ti-
confirmado, e a ciência não poderá negá-lo, porque ele resultará pos biológicos e suas formas mentais. Aquele homem se encon-
cientificamente compreensível e justificável também de acordo trava fora da Terra, como se nela houvesse nascido por engano,
com a forma mental do positivismo científico. num ambiente que não era o seu, e perguntava-se desde criança
Também se poderá compreender aí o que significa a luta en- se os outros eram seus semelhantes e se ele era semelhante aos
tre Cristo e o mundo, qual a razão do Seu desafio e o que repre- outros, tão diversos e irreconciliáveis eram os impulsos que
senta a Sua vitória. Tudo isto, então, sai do terreno fideístico e movimentavam suas vidas. Tudo que as religiões e leis procu-
adquire o valor positivo de superação evolutiva. Cremos que ravam proibir a todos, com ameaças e sanções, ele era incapaz
seja vantagem avizinharmo-nos dessas grandes coisas também de fazer, sentindo-se espontaneamente conduzido a cumprir
com esta psicologia, porque esta é a única via pela qual pode aqueles deveres, exigidos por elas.
ingressar e chegar até elas aquele que possui apenas a forma Não conseguia compreender duas coisas: 1o) como era pos-
mental do cético materialista. sível atuar na vida apenas em razão do temor do próprio mal, e
É assim que o fenômeno objeto de nosso estudo, da luta en- não por convicção e dever; 2o) por que o homem possuía tão
tre os dois biótipos, involuído e evoluído, poderá ser concebido grande desejo de fazer tudo que, com tanta energia, religiões e
em função de fenômenos imensamente mais amplos, qual um leis vetavam. Seriam tão diversos dos seus os instintos de seus
momento da luta entre Cristo e o mundo, entre as forças do bem semelhantes? Viu-se, então, obrigado a começar um estudo, pa-
e as do mal, como um momento da evolução, que, do caos à or- ra compreender como era formado aquele diferente tipo bioló-
dem, do Anti-Sistema ao Sistema, reconduz o ser para Deus. gico que constituía o seu próximo, da mesma forma como se
Desse modo, o nosso esforço de todo dia resulta situado, racio- estuda um exemplar de uma raça desconhecida, da qual se não
nalmente, na visão cósmica do universo e da salvação final. Por conhecem as qualidades e os hábitos.
vias racionais e positivas, será possível, assim, alcançar a con- Por outro lado, aquele homem, que agia com honestidade e
cepção de uma ética biológica, com uma moral positiva, estabe- bondade, não agredia ninguém e perdoava, encontrava louvores
lecida pelas próprias leis da vida, moral que verificaremos dos outros, mas isto porque, desse modo, podia ser utilizado
coincidir com a do Evangelho e que, desse modo, o confirma e melhor para os interesses deles. Certamente, para quem mais
demonstra. Chegar-se-á, assim, à conclusão de que a ciência da procura tomar do que dar, torna-se vantagem lidar com quem
vida não mais poderá prescindir do Evangelho, uma vez que ele procura mais dar do que tomar. Mas, quando ele chegou a pon-
significa a lei do porvir civilizado – objetivo para o qual tende a to de não se defender do agressor e oferecer a outra face, até
evolução – constituindo a moral de uma humanidade que já al- mesmo ajudando o seu inimigo, então, ainda que de forma en-
cançou um mais elevado nível de vida. coberta, julgaram-no com desprezo um débil, covarde e inepto,
Esta é a grande batalha que descrevemos aqui. Não nos inte- que os mais fortes têm o direito e quase o dever de eliminar. Na
ressa a luta comum para riqueza, honras, orgulho, poder e pra- vida prática, porém, o que se pode fazer de um homem consti-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 5
tuído assim, ao inverso? Desse modo, o mundo o considera O que fazer então? É impossível fugir ao dever da vida sem in-
como um doente mental e o tolera, compadecido dele na melhor cidir em maior dano. Devendo aceitar a vida e tendo de vivê-la
das hipóteses, como se olhasse para quem nasceu estropiado. nessas condições, o nosso personagem não podia fazer outra
Era perdoado porque não fazia dano a ninguém. Chegaram até a coisa a não ser transformá-la em missão, sofrendo tudo pelo
exaltá-lo, quando podia ser explorado. bem alheio e ajudando no caminho da evolução. Vida de sacri-
De seu lado, ele sentia que não lhe era possível prostituir fícios. Mas quem mais possui não pode possuir somente para si;
sua inteligência em lutas mesquinhas, considerando seu dever a quem está na frente compete o dever de fazer com que os ou-
usá-la toda para o bem do próximo e para as coisas superiores tros também se adiantem. Se ele, no seu passado, havia experi-
do espírito, antes que usá-la em seu interesse egoístico. Não mentado e vivido de larga forma o Evangelho, se o havia assi-
conseguia encerrar-se no seu próprio egoísmo, sem nele incluir milado e dele constituído para si, pela repetição constante,
e abraçar todos os seus semelhantes. Não o conseguia. Parecia aqueles automatismos que formam os instintos, competia-lhe
ter nascido com uma doença incurável, sem remédio. Em face agora guiar os outros no mesmo trabalho de assimilação. O que
do mundo, ele se apresentava como um aborto, um biótipo er- representava para ele o seu passado, constituía o porvir dos ou-
rado, como uma contradição biológica, desprezado por todos. tros, e a esse futuro é preciso chegar.
Na corrida geral para a vida, todos o expulsavam e o deixavam Eis que era inevitável o choque no encontro entre instintos
de lado. Quem tinha razão? Ele ou o mundo? Era ele o estran- completamente diversos, onde se embatem duas fases de evolu-
geiro em terra alheia, o fora da lei, aquele que não possui direi- ção e suas respectivas leis. Trabalho duro, de combate tanto
to à vida, que era direito de todos. mais difícil, porque, pelo menos de um lado, devia ser mantido
Que fazer? O antagonismo e a inconciliabilidade eram insa- sem armas. Quem, então, defenderia esse homem contra o mun-
náveis. Não podia renunciar a ser ele mesmo. O seu mundo inte- do? Este lhe opunha os próprios métodos, dizendo-lhe: “Quem
rior, que expressava a sua verdadeira natureza, clamava dentro esperas que venha em sua defesa, se não sabes defender-te por ti
dele, e ele não conseguia silenciá-lo. É mais fácil remover uma mesmo? Pior para ti, se, por amor ao Evangelho, renuncias à
montanha do que mudar um tipo de personalidade, fruto de guerra! De certo, os gênios, os heróis e os santos já fizeram tudo
quem sabe quantos milênios de vida. O seu mal era congênito e isto, e o mundo os admira. Mas admira-os hoje, porque, de al-
fazia parte de sua própria natureza. Não havia remédio que o guma forma, deram prova de haver sabido vencer, e o mundo
pudesse curar. Encontrava-se ele numa espécie de incapacidade respeita o vencedor em qualquer campo, porque vencer significa
de adaptação à lei biológica com a qual se deparava, que, para ser o mais forte. Por isso é que agora são aclamados. Mas, antes
ele, era de animalidade e que, por isso, não conseguia aceitar de que aqueles grandes conseguissem afirmar-se, antes de serem
modo nenhum. Melhor seria renunciar à vida, antes que reduzir- admirados, foram desprezados e condenados”.
se àquele nível. Sua natureza rebelava-se e recusava-se a se ocu- Alcançamos o ponto crucial da questão. Delineado está o
par das habituais astúcias, para tirar benefícios concretos. Não conteúdo de A Grande Batalha. Eis os dois tipos biológicos que
aspirava alcançar o tão admirado sucesso, muitas vezes obtido se defrontam e se empenham na luta, com armas desiguais.
em prejuízo do próprio semelhante, nem conseguir a vitória que Quem vencerá? Eles representam dois mundos. Quem é o mais
esmaga o próximo, não obstante o mundo considere isto como forte? Quem triunfará? Eis o que iremos ver neste volume. A ba-
prova de valor. Os valores que almejava conseguir eram de natu- talha se desenvolve em dimensões diversas, entre dois planos de
reza completamente diversa, e ele não conseguia ocupar-se se- evolução sobrepostos. É a batalha que conduz o homem a um
não destes. Sentia uma invencível repugnância contra as vitórias plano biológico mais elevado, da animalidade à espiritualidade;
do mundo e as rejeitava com nojo. Ele as havia analisado e as a batalha da superação, do verdadeiro progresso. Atrás da luta,
conhecia, não sendo bastante ignorante para se deixar iludir. que, para maior clareza, personificamos em dois tipos biológi-
Procurava os valores eternos, que não se tornam ilusões. cos, há uma luta mais profunda de princípios e de métodos. An-
Aquele homem havia identificado os seus ideais e instintos tepusemos aqui dois tipos de homens, mas, ao longo do cami-
no Evangelho. Se a sua natureza era uma doença, podia ser de- nho, a exposição se tornará cada vez mais despersonalizada, até
nominada a doença do Evangelho. Este, desde que seja lido, se tornar o encontro de duas ideias. Deixaremos então que a vida
comentado, pregado e repetido pacificamente, sem incomodar, fale, para nos revelar os segredos dos seus planos superiores. A
sem deslocar nada da própria vida, normalmente alcança, assim evolução nos revelará a sua técnica ascensional, que é a escada
como tantas mentiras convencionais, plena aprovação do mun- com a qual o homem pode alcançar o céu. Adquirir o conheci-
do. Mas é considerado doença, quando alguém pretende vivê-lo mento e possuí-lo significa ser mais forte e alcançar o triunfo.
seriamente, praticá-lo deveras, nos fatos, não como coisa apli- Isto é quanto procuraremos fazer, ou seja, aprender a conhecer
cada na superfície da pele, mas fundida no sangue, como parte mais elevados, dignos e poderosos métodos de luta, para vencer.
da própria vida. Torna-se então um escândalo, mesmo entre os ◘ ◘ ◘
crentes, quando se faz as coisas de verdade, sobretudo depois No combate entre evoluído e involuído, assistimos a uma lu-
de tanto trabalho e esforço de adaptação para se conseguir al- ta entre os representantes de dois planos biológicos diversos.
cançar um resultado feliz, onde todos concordam plenamente Assim é que cada um dos dois combatentes se comporta diver-
que bastaria apenas um consentimento formal exterior. Esta é a samente, conforme os diferentes princípios de seu próprio plano.
linha traçada pelos costumes do mundo, esta é a lei consagrada As motrizes psicológicas que movimentam o involuído são
pelo uso, consolidada pela prescrição. Desobedecer a esses cos- os instintos. Ele ainda não possui o conhecimento para orientá-
tumes constitui um incômodo muito grande para os bem- lo na ação, iluminando-o acerca das consequências de seus
pensantes, implica uma espécie de revolução no meio de todas próprios atos. Não formou ainda uma consciência para se au-
as adaptações tão bem destiladas, produto de esforços secula- todirigir com inteligência no seio das leis que regem o univer-
res. Por certo que os gênios, os heróis e os santos levaram a so e, portanto, sua própria vida. Debate-se, por tentativas, num
efeito estas revoltas, mas quem pensa em imitá-los? Eles estão mundo do qual desconhece a estrutura íntima, as razões da
no alto, sobre os pedestais dos monumentos, nos altares, lá em existência e as finalidades a alcançar. É ainda um menino que
cima, fora da vida prática, que possui bem outras exigências. E, procura e experimenta. Mas, se não conhece o caminho, como
se viveram, isto se deu quem sabe onde ou quando, por certo pode ele dirigir-se? Então se deixa conduzir pelos instintos, que
bem longe das nossas férreas necessidades de todo dia, ou mais representam a consciência elementar adquirida no passado, na
longe ainda, depois de fugirem para os seus inacessíveis céus. fase evolutiva precedente, de animalidade. Nos casos onde o
6 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
indivíduo não alcançou ainda uma autonomia consciente de si do mais prepotente, do dominador egoísta, do destruidor antis-
mesmo, suficiente para que possa dirigir-se de per si, é a cons- social do bem alheio; não mais se trava para nos fortalecer na
ciência da vida que funciona para ele, dirigindo-o, como se faz animalidade, mas para ultrapassá-la e dela sair para formas de
com os meninos. Ele ainda não toma parte nas diretivas da vi- vida mais elevadas. A luta, nesse caso, não existe para satisfazer
da, como fará depois, quando estiver suficientemente maduro; os instintos, mas para submetê-los; não é usada para obter domí-
ainda não é operário de Deus, colaborador orgânico no funcio- nio, mas para domar a própria animalidade; não é empregada na
namento do universo. Da mesma forma como as plantas e os conquista de poder para exclusiva vantagem pessoal, mas para a
animais não podem deixar de fazer, pois lhe falta conhecimen- coordenação orgânica de todos, exercendo, quando necessário,
to, ele também apenas segue e cumpre aquelas diretivas. Obe- também o poder, mas como missão em favor de todos. Neste
dece à sabedoria da vida, que o manobra através dos instintos, plano, a tábua dos valores é diversa e o melhor tipo, o modelo
fazendo ele executar aquilo que deve ser feito, para alcançar os que a vida quer produzir, é outro, porque, mudando as posições
fins que devem ser atingidos. ao longo do caminho da ascensão, as finalidades que devem ser
O homem atual acredita estar mandando. Mas como pode alcançadas agora são diferentes. Toda fase de evolução possui as
fazê-lo quem ainda não conhece a máquina que deve dirigir? suas leis, o seu trabalho construtivo a efetuar, os seus planos
Quando o homem acredita mandar, na verdade obedece aos particulares a serem realizados, tudo em função do grande plano
próprios instintos; quando grita que deseja liberdade, busca de geral da lei de Deus e da reconstrução completa do ser.
fato, sem sabê-lo, apenas a liberdade de obedecer àqueles ins- Quando a nossa ciência fala de leis biológicas, acredita falar
tintos. Eles representam as molas para a continuação da vida: a de leis universais e absolutas, mas estas são apenas as leis do
fome, para a conservação individual, o amor, para a conserva- nosso plano de evolução, e não dos outros. Cada um deles pos-
ção da espécie, e o instinto de expansão e progresso, para a sui suas próprias leis. Assim, podemos dizer que existem diver-
evolução do ser, tudo isso vivido conforme a lei biológica da sas biologias, sendo que, no caso que estamos estudando mais
luta, que tende à seleção do mais forte. É este o tipo que a evo- de perto, consideramos apenas duas delas: a do involuído e a do
lução quer produzir naquele plano, sendo por isso, naquele ní- evoluído. Nesta segunda, as leis da primeira não têm mais valor.
vel, o melhor, o valor máximo, ainda que depois, com o deslo- Isto desloca completamente o juízo que na Terra se pode fazer
camento da escala dos valores evolutivos para outros planos de do biótipo do evoluído, que nela pode nascer excepcionalmente.
vida, ele possa representar um involuído retrógrado e ser consi- A biologia terrestre possui um modelo cunhado com a estampa
derado o pior. Estamos ainda, em grande parte, no plano ani- do involuído e toma como irregular, não o reconhecendo como
mal, onde dominam os instintos. Se elementos éticos superio- modelo superior, o biótipo do evoluído. A ciência, por ser ag-
res, por vezes, aparecem neste nível, ele permanece, contudo, nóstica e ignorar os últimos fins do transformismo da vida, não
sempre terreno dos instintos, que religiões e leis procuram dis- consegue reconhecer naquele tipo o porvir da evolução.
ciplinar, canalizando-os, mas, ainda assim, respeitando-os, por- Estudando a seguir, neste volume, o desenvolvimento as-
que constituem a base naqueles planos de vida. censional humano, verificaremos como corresponde ao desen-
Do outro lado, encontramos o tipo biológico do evoluído. volvimento dos planos evolutivos da vida, por força dos fins
Os impulsos que o movem são diversos. Ele continua possuin- supremos que ela se propõe alcançar, o gradual ingresso do atu-
do seus instintos, filhos de sua passada animalidade, mas os al tipo biológico em uma zona de sempre maior e intensa espiri-
conhece e, sabedor de suas finalidades, domina-os e os dirige. tualização, entendida não só como desenvolvimento de sensibi-
Havendo alcançado o conhecimento, pode agora mandar, em lidade e inteligência, mas também de consciência ética, que é
vez de obedecer. É um iluminado, que avalia as consequências indispensável para quem se destina a conviver no grande orga-
de seus próprios atos; tornou-se um piloto, que pode dirigir seu nismo futuro da humanidade. A lei que, nesta nova fase de evo-
navio. Não é mais um menor de idade, ignorante, mas um lução, regerá o mundo biológico não será, então, aquela reco-
adulto que conhece as leis da vida e nelas sabe mover-se inte- nhecida hoje pela ciência, mas será o Evangelho. Dessa forma
ligentemente. O evoluído alcançou a verdadeira liberdade, que se dará, com um completo revolvimento de valores, a passagem
somente o conhecimento pode outorgar. É a liberdade de se do reino do involuído ao do evoluído. Podemos, desse modo,
autodirigir conscientemente, e não aquela de obedecer aos começar a imaginar qual será a nova biologia do porvir, que
próprios instintos. A consciência alcançada o conduz ao uso compreenderá o significado positivo e construtor dos ideais,
dessa liberdade na espontânea adesão à lei de Deus, tornando- possuirá entre os seus valores também a ética das religiões e
se seu operário, para colaborar no funcionamento do universo. marchará para a seleção de um tipo biológico diferente, pro-
Este será o tipo de homem que a evolução produzirá no futuro, pondo-se alcançar o melhor com a formação do mais justo, e
um homem que não só saberá dirigir conscientemente e com não mais, como agora, do mais forte ou do mais esperto. Biolo-
conhecimento a sua vida, mas também poderá tomar as diretri- gia nova, corretamente orientada, que formará para seu modelo
zes do fenômeno da evolução no seu planeta. O seu progresso um ser regido por uma forma mental diversa, com uma inteli-
ascensional leva para uma sempre maior conquista de liberda- gência mais aguçada, não desperdiçada em inúteis competições
de e de comando. As leis da vida estão ávidas para nos conce- contra o seu semelhante, mas utilizada para as conquistas da ci-
der tudo isto, mas, por força da incapacidade e da falta de pre- ência, para o domínio sobre as forças da natureza, para o apro-
paro do homem atual, inabilitado para exercer tão delicadas fundamento do conhecimento das leis da vida e, com isto, da
funções de elevada responsabilidade, são impedidas de fazê-lo. consciência de cidadãos do universo.
Como conceder tão grandes poderes a quem, não oferecendo Então, aquelas antecipações da evolução, que hoje, para
nenhuma garantia de saber usá-los bem, é imediatamente leva- nos libertar da animalidade, são confiadas às religiões e às suas
do, pelo contrário, em tudo que seu conhecimento pode alcan- éticas normativas da conduta humana – ditadas por superiores
çar, como já verificamos em relação à descoberta da energia tipos evoluídos, como princípios éticos destinados à direção do
atômica, a fazer deles um meio de destruição? Para ter o direi- gênero humano ao longo do caminho da ascensão – não serão
to de mandar, é preciso possuir muita inteligência e muita mais acessíveis apenas pelos caminhos nebulosos da fé, único
bondade. No entanto verificamos diariamente qual o uso que meio possível para as crianças, que ainda não podem compre-
em geral se faz na Terra de toda forma de poder. ender tudo, mas poderão ser alcançadas pela maioria de forma
Neste plano superior, a luta subsiste, mas toma formas e fi- racional e demonstradas pelo positivismo científico. Somente
nalidades diferentes. Não mais se destina a selecionar o biótipo então será possível compreender o profundo significado do
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 7
Evangelho e entender como ele, em suas simples palavras e seu desenvolvimento moral e mental, completamente acima da
neste seu íntimo sentido, possa mostrar, a quem possua olhos animalidade, dela separados por qualidades que esta absoluta-
para ver, que foi ditado por quem conhecia plenamente a solu- mente não possui. E estes super-homens tomaram o mesmo
ção dos problemas mais árduos da ciência e da filosofia, ainda corpo do involuído, submergido na animalidade, mesclaram-se
desconhecidos por nós. Em outras palavras, verificar-se-á que com ele na mesma vida, submetidos aos mesmos instintos e
a fonte possuía o conhecimento, porém, pela nossa incapacida- funções, ensinando-lhe muitas coisas que ele não conhecia e
de de compreensão, não nos foi possível senão aprender as úl- que, sozinho, não teria conseguido conhecer. Com a palavra,
timas, simples, práticas e necessárias conclusões para bem vi- os escritos e os exemplos, eles deixaram ideias e normas de vi-
ver. Mas quem consegue analisar os elementos dos quais deri- da, um patrimônio precioso, que a animalidade jamais poderia
varam aquelas conclusões, não pode deixar de perceber que produzir, descido de mais elevados planos de evolução, um pa-
elas descem da mais profunda sabedoria. Esta será a maneira trimônio acessível pela fé, a ser assimilado para a ascensão, e
pela qual se avizinhará do Evangelho o homem do futuro, que, que foi chamado revelação.
de modo inteligente, deverá aderir espontaneamente, quando Na humanidade existe esta semente, esta lição a ser apre-
convencido pela evidência, pois ela não pode deixar de alcan- endida, como guia para evoluir, que não é encontrada na ani-
çar quem tudo compreendeu. Mas, para alcançar isto, é neces- malidade. Na Terra, apareceram os profetas, os gênios, os he-
sário um novo tipo humano, evoluído, que possua, como dis- róis, os mártires do ideal, os santos. Iluminam a animalidade
semos, conhecimento e consciência. dominante, deixando atrás deles uma esteira de luz. Andando
◘ ◘ ◘ sobre esta esteira, a humanidade se moveu para superar a pró-
As observações que vamos fazendo nos permitem compre- pria animalidade. Deu-se, assim, início a um caminho novo,
ender qual seja a atual posição do homem ao longo da escala da desconhecido na fase animal anterior, o caminho da superação
evolução e qual seja a função biológica que, em sua vida, repre- da animalidade. É assim que, desta fase, o involuído sobe, pas-
sentam os princípios ideais da ética e das religiões. so a passo, até ao nível do evoluído.
A atual fase do homem corresponde ao ser que está cum- Eis a posição atual do homem. Constitui tarefa dos poucos
prindo os primeiros passos para sair da animalidade. Por isso, seres superiores que nascem no seio da humanidade, como pio-
com relação ao tipo excepcional, que já saiu da animalidade e, neiros do porvir, antecipar as futuras bases da evolução. Estes
algumas vezes, aparece na Terra, denominado por nós de evolu- pioneiros apareceram, traçaram o caminho e indicaram a meta,
ído, o outro tipo, o mais comum, é representado por aquele que que significa o terreno a ser alcançado.
chamamos de involuído. Trata-se de maior ou menor trajeto O homem está, pois, na fase de transformação, ao longo da
percorrido, de diferentes posições no caminho da evolução. senda que o conduz do animal ao verdadeiro homem. Os instin-
Mas todos permanecem irmanados num organismo único, em tos são animalescos, mas a eles sobrepõem-se religiões, leis e
que os poderes maiores dos mais adiantados importam em mai- ideais, estabelecendo normas éticas disciplinadoras da conduta,
ores deveres em benefício dos mais atrasados. Todavia o tipo um mundo desconhecido pela animalidade. Mesmo em estado
verdadeiramente homem, no sentido de já se haver distinguido embrionário, aguardando desenvolvimento, há no homem a in-
completamente da animalidade, é representado pelo evoluído, teligência, a espiritualidade. O homem é um ser que, embora
enquanto, do outro lado, abaixo da média, o selvagem e o de- possua muitos pontos comuns com o animal, todavia pensa,
linquente representam o tipo que ainda permanece quase total- acredita em princípios, olha para os ideais, coloca problemas e
mente no plano da animalidade. efetua pesquisas para conquistar o conhecimento.
Notamos, pois, as seguintes graduações: 1o) o ser exclusi- Achando-se em fase de transição, é natural que o homem,
vamente animal, que precede evolutivamente o aparecimento no âmbito de sua vida, encontre os princípios de duas diferen-
do homem ao longo da escala zoológica; 2o) o tipo selvagem ou tes leis: a da animalidade e a da espiritualidade. E o terreno
o delinquente, representando o ser que, não obstante ser morfo- humano é exatamente onde estes princípios se chocam, dispu-
logicamente parecido com o homem, permaneceu ainda subs- tando o domínio do homem. Há a lei da animalidade, força de
tancialmente no estado animal; 3o) o tipo humano dominante, um passado que não quer morrer, e há a lei da espiritualidade,
que representa uma transformação, mais ou menos adiantada, representando o porvir, ao qual pertence a vida. A evolução
do animal em homem; 4o) o tipo hoje super-humano, excepcio- arrasta o homem do primeiro ao segundo mundo. E é para
nal, que constituirá, porém, o tipo normal humano do porvir, chegar até lá que o homem vive, luta, sofre, experimenta e
representando a transformação completa do animal em homem. aprende. A grande massa da humanidade está a caminho, e os
É destes dois últimos tipos que nos ocupamos aqui, denomi- indivíduos, embora estejam uns mais adiante e outros mais
nando involuído o terceiro e evoluído o quarto. atrasados, estão todos na mesma senda. Oscilando entre os
Eis a posição do homem atual. Não se pode deixar de reco- dois planos de vida e entre as duas leis que os regem, ora se
nhecer que ele é guiado pelos instintos, o que o coloca na posi- lançam num, ora no outro; ora ouvem e escutam a voz do bem
ção biológica da animalidade. Nisto ele acompanha quase au- e efetuam o esforço da subida, ora se abandonam às forças in-
tomaticamente o que a sabedoria da vida impõe aos primitivos feriores e retrocedem. Às vezes propendem para o Anti-
ignorantes, para fazê-los cumprir o que corresponde aos seus Sistema, outras vezes para o Sistema, e isto até que consigam
fins. Neste terreno, o homem obedece como os animais, sem emergir da animalidade, tornando-se verdadeiros homens, in-
saber as razões e sem perceber os fins daquilo que faz. Todavia, gressando no reino do evoluído. Neste ponto, então, as religi-
embora isto seja verdadeiro, é preciso reconhecer que este não é ões serão seguidas espontaneamente, dispensando as conde-
o homem total. As ciências médicas e biológicas, vendo nele nações ao inferno, as leis serão obedecidas sem a necessidade
somente a parte física, o estudam como um animal. Não obstan- de sanções, a vida será finalmente vivida como a viveram os
te isto, há no homem ainda alguma outra coisa além do corpo, seres superiores descidos na Terra para iluminá-la, a atual fase
alguma coisa a mais, que não permite classificá-lo, nem mesmo de transição estará superada e o homem poderá então situar-se
o tipo que chamamos involuído, entre os animais. É alguma definitivamente num plano superior da evolução.
coisa que os animais não possuem e que dá ao homem, ainda A grande batalha que tratamos neste volume toma precisa-
que involuído, o direito de distinguir-se deles. mente em consideração o encontro, no terreno humano, entre
No seio da raça humana, nasceram, embora excepcional- animalidade e espiritualidade. A primeira toma sua expressão
mente, seres superiores, super-homens evoluídos, situados, por com uma orientação materialista epicurista, a segunda mani-
8 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
festa-se no sentido espiritual idealista. Estes dois polos são, a brutalidade; é tão ingênuo, que acredita ser possível vencer
efetivamente, os norteadores do pensamento humano: ciência e com a força. E, quando usa a astúcia, a sua míope vista não al-
fé, poder civil e poder religioso, estado e igreja, que corres- cança senão poucos metros de distância. É simplista e alia a
pondem aos dois elementos fundamentais do ser humano: cor- muita força poucas ideias. Parece que uma coisa esteja em re-
po e espírito, o primeiro, filho da animalidade do passado, e o lação inversa da outra.
outro, conquista do porvir. A grande batalha é travada entre os No evoluído, encontramos o contrário, mas é natural que,
dois: o corpo animal, atrasado, e o espírito, avançado. A fun- na luta, cada qual se manifeste como é e ponha em ação as
ção das normas, das leis e das religiões, promulgadas como qualidades que possui: o involuído, a força; e o evoluído, a in-
nossos guias por seres evoluídos superiores, é exatamente a teligência. O primeiro, seguindo um impulso elementar, arre-
cortar as presas da besta, para levantá-la, educando-a em for- messa-se a abrir caminho com a violência e não se da conta
mas de vida mais civilizadas. Torna-se claro, imediatamente, das, embora longínquas e lentas, inevitáveis reações aos seus
que essas normas se dirigem ao tipo involuído, sendo este o atos, nem da complexidade da rede de forças da vida em que
homem que pressupõe em suas diretrizes. Usam, de fato, para se movimenta. Acontece, então, que este, com toda a sua for-
alcançar a obediência, a psicologia do dano pessoal, por sabe- ça, pratica uma série de erros, dos quais não poderá eximir-se
rem que o involuído é sensível somente a isto. Disto decorrem de sofrer as reações. Isto resulta de sua ignorância, que o faz
os infernos e as sanções civis e penais, sem as quais, qualquer acreditar ser lícito e possível praticar tudo, conquanto a força
norma espiritual ou material ficaria sem efeito. Tudo sempre à olho permita. Ele ainda deve aprender que se está movendo
base de punições, e não de convicção. Isto revela precisamente dentro de um organismo de leis e de forças poderosíssimas, a
o mundo do involuído. Tais constrições, no entanto, desapare- serem seguidas com inteligência e obediência, e que é absurdo
cem tão logo se alcance o plano do evoluído, onde não teriam aquele seu sistema de querer impor-se a tudo e a todos. As-
mais sentido. Este último tipo não precisa mais ser educado, sim, ele bate a testa continuamente contra as paredes, com o
uma vez que já o é; não tem necessidade de ameaças para ser resultado não de derrubá-las como acredita possível, mas de
induzido a obedecer, pois já assimilou em si aquelas normas e quebrar a cabeça, porque, entre os dois, a sua vontade e a Lei,
as possui como seus instintos.
a mais forte é sempre esta última. O resultado de tudo isto é
Assim, podemos compreender tanto a posição atual do que o involuído há de pagar e, como verificamos de fato em
homem ao longo da escala da evolução como a função bioló-
nosso mundo, ele está sempre pagando. E jamais poderá con-
gica dos princípios ideais da ética e das religiões. Isto nos
cluir o pagamento enquanto não parar de semear erros, alcan-
permite atribuir ao Evangelho – verdadeiro código religioso
çando a compreensão da constituição e funcionamento do
da civilização ocidental – além das suas significações comuns,
universo. Assim é que o homem sofre e paga. Isto, entretanto,
também um sentido biológico, que estabelece para ele um va-
não quer dizer que tudo não esteja perfeitamente no seu pró-
lor especial no próprio terreno científico, definindo sua posi-
prio lugar. O homem sofre e paga, mas, pagando, aprende, e é
ção ao longo do caminho da evolução. Biologicamente, o
este, precisamente, o processo da evolução humana. Quem es-
Evangelho representa o futuro e, algum dia, portanto, haverá
tá rico de força, mas pobre de inteligência, como se dá com o
de tornar-se realidade. Eis, então, que esta visão pode fornecer
primitivo, utiliza a força para chegar à conquista da inteligên-
uma prova racional de que os princípios do Evangelho irão
vencer, e isto não para o triunfo desta ou daquela religião ou cia. Com o viver, a quantidade se transforma em qualidade, a
partido, mas por lei de evolução, que é a lei da vida para to- rude energia vital se torna pensamento, readquire-se no espíri-
dos. Vamos aqui desenvolver o conceito apontado um pouco to o que se perde no corpo, conquista-se em poder espiritual o
antes. O Evangelho, assim, valoriza-se também em face da ci- que se perde de força material.
ência, tomando uma nova significação positiva, como expres- Quanta diferença há entre a beleza escultural do corpo de
são de um fenômeno social biológico, fatalmente ligado ao um atleta, de face obtusa e frente achatada, e o corpo frágil e
desenvolvimento do fenômeno da vida. Desse modo, em sua esbelto de um sensitivo, de olhar profundo e fronte espaço-
substância, o Evangelho eleva-se ao valor de fenômeno bioló- sa! Eis a transformação que chega a mostrar-se até no plano
gico universal, que haverá de verificar-se não somente entre físico! Este é, precisamente, o trabalho da evolução: trans-
este ou aquele povo, mas em todo lugar onde haja vida. formar a força em inteligência. É dessa forma que se explica
Em outras palavras, podemos dizer que, chegando a um a inversão de posição entre o involuído e o evoluído, isto é,
mais alto grau de maturação, a vida se evangeliza no sentido como, no primeiro, prevalece a força e escasseia a inteligên-
de reordenar-se e reorganizar-se conforme os princípios ensi- cia, e como, no segundo, domina a inteligência e diminui a
nados pelo Evangelho, constituindo um processo universal, força física. Assistimos, sem dúvida, a um processo de espi-
que, nas diversas formas, próprias de cada religião, poderá ve- ritualização, cujo verdadeiro sentido é este, amplíssimo, de
rificar-se, igual em sua substância, em todos os povos, uma desenvolvimento evolutivo.
vez que o processo de amadurecimento da vida não pode dei- Se o primitivo possui a força, isto não se dá para a continu-
xar de ser substancialmente igual para todos. Eis, pois, que ação do mau uso dela, mas sim com a finalidade de produzir
uma biologia mais ampla, abrangendo não só o passado e o um resultado de valor, em benefício do ser. É assim que nas-
presente, mas também o futuro, não poderá deixar de ter em cem a inteligência, a sensibilização, o conhecimento, a consci-
conta a reorganização a ser realizada nas formas sociais da vi- ência e todas as qualidades próprias do espírito. Este fato, ob-
da humana pelos princípios do Evangelho. servamo-lo como produto do progresso para toda a humanida-
O involuído representa a matéria prima da vida, ainda no de, na formação das elites e na ascensão das classes sociais.
seu estado bruto. Não é possível negar que o primitivo seja um Dissemos que, entre os instintos fundamentais da vida, não há
forte. A primeira lei de seu plano é a seleção do mais forte. E, apenas a fome e o amor, mas também o instinto de progresso.
para ele, o ser forte constitui tudo. Esta sua prepotência, que Em todos há uma tendência ao refinamento, tão logo haja a
alcança a ferocidade, constitui aquela matéria prima a ser refi- possibilidade de uma melhoria nas condições de vida. A ten-
nada através da experiência, até transformar-se em inteligência dência a civilizar-se é o resultado deste instinto. Há não só
e bondade. Aquela força, para refinar-se, deve ser forjada na vontade de viver e reproduzir-se, mas também de progredir, o
bigorna da dor, efeito da ignorância e do erro. O primitivo é for- que, afinal, é lógico, pois, de outro modo, viver e reproduzir-se
te, mas é ignorante, e procura suprir a falta de inteligência com não teriam finalidade e de nada serviriam.
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 9
II. ENCONTRO DE LEIS E PLANOS DE VIDA As proposições do raciocínio do involuído são muito sim-
ples: ataque e defesa, baseadas totalmente na força e quase na-
Procuremos observar, sempre mais de perto, o encontro en- da na inteligência. O que faz uma fera quando alguém se avi-
tre involuído e evoluído na vida real do nosso mundo. zinha dela? Recebe-o com suas garras. Da mesma forma, os
O embate não é, por nada, pacífico e desenvolve-se no ter- selvagens, se um estrangeiro chega ao seu território, recebem-
reno de uma luta desapiedada, de todos contra todos, do mesmo no a flechadas. E, em nosso mundo, usa-se de grande cautela
modo como ocorre, embora em outra forma, entre as feras da com o desconhecido, supondo-se nele um inimigo. As leis re-
floresta. Em nosso mundo, prevalece a lei do involuído, por ligiosas e civis tratam o indivíduo como um rebelde a ser indu-
força da qual o modelo ideal, que tem o maior valor, é o mais zido à obediência. É por isso que todas as suas normas são
forte. Não se trata exatamente do tipo mais forte em musculatu- acompanhadas da respectiva sanção penal, sem a qual não sur-
ra, presas ou garras, como na floresta. Aqui, a força se refina na tiriam efeito. E é assim que não se consegue ainda conceber
astúcia e a ferocidade pode esconder-se sob uma veste hipócrita um estado sem exército, um governo sem polícia, uma religião
de bondade, mas o princípio permanece o mesmo, tornando a sem inferno. Isto é compreensível e justificável precisamente
vida ainda mais desapiedada e difícil, debaixo de uma aparên- pelo fato de estarmos ainda no reino do involuído.
cia que esconde a verdadeira natureza da realidade. Nestes planos inferiores, a vida pensa concretamente. As
Pode-se com isto dizer que a vida é dura, mas não que seja proposições do seu raciocínio são golpes materiais. Não po-
ilógica. A vida é sempre coerente e justa. E como poderia dei- dendo utilizar a mente, ainda não desenvolvida, usam-se os
xar de ser dura, quando se trata de planos de vida inferiores, meios físicos. É pelo uso reiterado destes que a inteligência se
cuja finalidade é colocar solidamente as bases da vida, que, an- desenvolve. A sensibilização é ainda escassa, e é necessária
tes de ser boa e sapiente, deve ser forte? No plano do involuí- uma sólida experimentação para fazê-la aparecer. As experiên-
do, devem ser plantados os alicerces do edifício biológico, fase cias do ser aperfeiçoado, de planos mais elevados, não seriam
em que ainda não é possível cuidar dos embelezamentos e re- percebidas, por serem demasiado sutis. Não obstante o que a
finamentos das superelevações posteriores. Nesta etapa ele- fera e o selvagem pensem, porque toda ação é resultado de um
mentar de evolução, a vida ainda não cuida de construir o ho- pensamento, suas ações são preponderantes sobre o pensamen-
mem orgânico das grandes unidades coletivas, tipo que será o to, enquanto, no evoluído, o pensamento prepondera sobre a
componente de uma futura humanidade disciplinada e pacífica. ação. Decorre disto que, enquanto, no primeiro caso, a ação é
Este trabalho se dará na fase posterior, do evoluído, pois na uma tentativa incerta, por não ser guiada pelo conhecimento,
atual, do involuído, a vida quer alcançar outras finalidades, no segundo caso, a ação, com muito menor esforço e gasto de
quer produzir outro fruto, quer criar o indivíduo forte, matéria energia, alcança maiores resultados, já que, focalizada por um
prima para as criações posteriores, mais complexas. O indiví- pensamento preponderante, atinge exatamente o objetivo, em
duo representa o bloco de pedra de cuja multiplicidade será vez de seguir ao acaso como acontece inevitavelmente com
possível, depois, elevar o edifício futuro. quem não tem conhecimento e não sabe pensar.
No seu trabalho de reconstrução, a vida deve enfrentar uma O primitivo é rápido em suas decisões porque pensa pouco e
infinidade de problemas e os vai resolvendo sucessivamente. O age muito. Este seu muito agir constitui todo o seu pensar O
trabalho a ser executado num plano de existência não pode ser evoluído é lento na ação por ser ponderado, pois suas conclu-
efetuado num outro. O ser que começa a existir num ambiente sões derivam de uma quantidade muito maior de fatores. Por is-
hostil deve, em primeiro lugar, aprender a se manter nele, im- so é que, enquanto o primitivo parece efetuar grandes trabalhos,
pondo-se com a força. Neste plano, a bondade, qualidade precio- uma vez que se agita muito e não sabe pensar senão dessa for-
sa quando se trata de conviver socialmente, constitui uma verda- ma, fisicamente, o evoluído, por sua vez, cumpre um trabalho
deira fraqueza, um defeito, um valor negativo, daninho e contra- interior, invisível, mas de grandes resultados, embora possa pa-
producente. Há, pois, razão justa quando, nos planos inferiores, a recer que nada faça.
vida deixa que o débil seja desprezado, antes que ajudado, fazen- No plano do involuído, quem mais desfere golpes vence e
do que o instinto do mais forte seja de esmagá-lo, para eliminá- vive; quem mais os recebe, perde e morre. Tudo gira em torno
lo. Ainda que seja diferente em outros níveis, esta é a lógica da- deste motivo fundamental. Orientar-se, compreender por que
quele plano de evolução. Também a floresta possui as suas leis, e se age, propor-se os problemas do conhecimento e atormen-
tanto os selvagens como as feras obedecem-nas. Se isto toma tar-se para resolvê-los, tudo isto não interessa, é considerado
formas ferozes, esta é a sua justiça; se isto, para quem se encontra inútil, porque não produz resultado imediato, que é exatamen-
mais no alto, parece anarquia e caos, aquela é a sua ordem. te a necessidade do primitivo, pois ele não enxerga mais nada
Nesse mundo de egocentrismos rivais, onde tudo é inimigo, no caos em que a sua ignorância lhe dá a sensação de viver. É
matar produz vida, porque libertar-se de um perigo significa um cego que, nas trevas, agarra tudo o que pode, deixando es-
conquistar espaço vital. Onde tudo é inimigo, destruir corres- capar as coisas distantes de sua compreensão. Sua inteligência
ponde à vitória sobre todos os rivais. De outra forma, por que nem mesmo consegue concebê-las, por isso ele não pode pen-
teria a natureza dotado todos os seres com suas próprias e ade- sá-las e abarcá-las. Então ele considera um teórico sonhador,
quadas armas de ataque e defesa? E por que, em contraste, tão um ser inútil, quem se ocupa de resolver primeiro o problema
logo o mundo começa a civilizar-se, nascem aquelas soluções do conhecimento, que se encontra fora daquela vida prática e
evangélicas, aparentemente absurdas, pois invertem aqueles positiva, sua verdadeira realidade, que é tudo para ele. No en-
princípios, com a pretensão de destruir aquelas armas, que tanto a civilização e o progresso da humanidade são devidos
eram anteriormente a garantia das bases da vida? Será que en- em grande parte ao trabalho destes teóricos sonhadores, que,
tão, não obedecendo mais às suas medidas habituais de lógica com o lançamento de novas ideias e descobertas científicas,
e prudência, a vida teria enlouquecido? Não podemos acreditar fazem o mundo avançar.
nisto. A razão está em que a evolução, para levar o ser a outro A compreensão, pois, entre o involuído e o evoluído é difí-
plano e aí trabalhar, quer dele outro comportamento, segundo cil. O primeiro é um domador que procura dominar o próximo
os princípios de uma lei diversa. A vida não pode deixar de para reduzi-lo à escravidão; o segundo procura dominar a sua
permanecer lógica e coerente em todos momentos. Eis como e própria animalidade e as leis da natureza para elevar-se acima
porque, enquanto o primitivo, pelas razões ditas, chega a ponto delas qual seu dono. O evoluído tem consciência da lei de
de encontrar gozo em matar, um dos primeiros mandamentos Deus, que dirige o universo, e sabe que a felicidade somente é
de Deus, promulgados por Moisés, é o “não matarás”, que vem alcançável com uma aproximação cada vez maior ao Sistema e
a ser, em Cristo, o “ama o teu próximo”. consequente distanciamento do Anti-Sistema. Por isso a sua
10 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
maior ânsia é saber funcionar na ordem, obedecendo discipli- Continuemos a analisar o encontro entre o involuído e o
nadamente à vontade de Deus. Ele é o biótipo social, a célula evoluído em nosso mundo. Este estudo nos permitirá compre-
que tende espontaneamente à unificação, possuidor de sentido ender muitas coisas e a razão para elas se verificarem entre nós.
altruísta e apto a fundir-se organicamente com o próximo, que Fazemos isto não com a finalidade de condenar, o que é com-
ele ama como a si mesmo, de acordo com o Evangelho. pletamente inútil, dado não possuirmos o poder de nada modi-
O involuído não possui nenhuma consciência de uma lei di- ficar, mas sim para esclarecer e tornar compreensíveis muitas
retora. Acredita somente em sua própria força, convencido de coisas, pelo menos aos inteligentes, permitindo assim evitar o
que pode impor-se a todos e a tudo e alcançar a felicidade por próprio dano, que é sempre consequência de práticas erradas.
esse caminho. Por isso a sua maior ânsia é revoltar-se contra a Nas grandes linhas, para as massas, compete ao tempo e à his-
ordem, para substituí-la pelo próprio eu, indisciplinadamente, tória, guiada por Deus, amadurecer o desenvolvimento da vida.
desobedecendo à lei de Deus. É o biótipo antissocial, protozoá- Estamos aqui para explicar este processo, para verificar e com-
rio unicelular individualista, que tende a viver separado dos preender o que acontece, deixando ser dado a cada um aquilo
próprios semelhantes, contra os quais luta encerrado no próprio que merece. Não estamos aqui para refazer o mundo, o que
egoísmo, isolado do próximo, em oposição à vontade do Evan- compete só a Deus, e não a nós. Estamos apenas demonstrando
gelho. Para induzir esse tipo a seguir normas éticas de vida, não que recebemos de acordo com o nosso merecimento. Enquanto
há outro meio senão o medo do próprio dano. Por isso forma- quisermos ter esse ou aquele comportamento, nada nos resta
ram-se os terrores da sanção punitiva do inferno, e isto não tan- senão receber as consequências de nossos atos, pois não é pos-
to como fruto de um espírito de domínio da casta sacerdotal, sível, conforme a justiça, acontecer de outra forma. Aqui esta-
mas sobretudo por uma necessidade psicológica imposta pela mos para provar, mais uma vez, que tudo é regido por leis invi-
própria natureza humana. oláveis, dentro das quais estamos enquadrados sem possibilida-
O evoluído é um ser mais adiantado, que vive, quer viver e de de escapar, ainda quando nos rebelamos à sua ordem sobe-
não pode deixar de viver o Evangelho. A grande batalha é tra- rana. Procuramos aqui confirmar tudo isto, descendo dos prin-
vada para ele conseguir vivê-lo no ambiente involuído, que é cípios gerais daquelas leis, estudo já feito em outros volumes,
bem aguerrido e usa todos os recursos do seu plano. O Evange- até às consequências práticas e particulares que se verificam em
lho torna-se, assim, um novo tipo de luta dentro da comum luta nosso mundo, considerando o caso específico do nosso plano
pela vida, um Evangelho vivido e sofrido a todo momento, en- de existência. Será possível, assim, ver como aquelas leis con-
xertado na realidade da vida que nos circunda. Assim, os dois tinuam dominando também a realidade da nossa vida comum,
planos biológicos se tocam e se interpenetram. Gradualmente, o que, embora possa tornar-se desordenada e errada, não pode
caos se reordena na ordem, a revolta se disciplina na obediên- subtrair-se aos princípios de ordem, que tudo regem.
cia, o separatismo individualista se organiza na unificação. Se o mundo do involuído funciona do modo que observa-
Desse modo, acentuam-se cada vez mais as qualidades dos pla- mos, isto se deve exatamente ao fato de ser este o mundo do
nos mais elevados e atenuam-se as dos planos mais baixos. A involuído, pois, se não o fosse mais, deixaria de funcionar
exceção vai ganhando terreno e normaliza-se cada vez mais. como está funcionando. O estado das coisas, qual o verifica-
Avizinhamo-nos, assim, sempre mais dos estados futuros, até se mos na Terra, depende, pois, de nossa posição e grau de ama-
tornarem presente. As antecipações caminham para se tornar durecimento evolutivo, de nossas qualidades atuais, das quais
realidade; a exceção para se transformar em regra; a minoria, deriva nosso modo de agir. Tudo depende da concepção de
maioria; a tentativa, qualidade assimilada; o esboço, uma forma vida e da consequente modalidade de comportamento. Quan-
definitiva. Então, os princípios do Evangelho coincidirão com do o homem entender todas estas coisas, ainda não compreen-
as qualidades instintivas das massas, sobre cujas medidas de- didas, e, com isto, passar a pensar de modo diferente, então
vem adaptar-se as leis, se quiserem tomar-se aplicáveis. Assim, procederá de outro modo e tudo se transformará ao seu redor,
a maioria poderá impor estes princípios e sobre eles organizar a também ele mesmo, único artífice do seu destino. O universo
humanidade em novas formas. contém infinitas possibilidades e formas de vida, e cada uma
Até isto se realizar, o evoluído será minoria, respeitado não pode deixar de permanecer naquela que lhe pertence, con-
apenas excepcionalmente e, em geral, somente depois da mor- forme ela é. Há liberdade para escolher a própria casa, mas
te, quando ele houver dado prova de muita força, por haver (aqui intervém a Lei) não é possível morar senão na casa
sabido sobrepujar todos os obstáculos que sempre são contra- apropriada, correspondente às qualidades de cada um. Assim,
postos a qualquer um que deseje criar o novo. Estamos no ter- o homem somente poderá habitar a casa do super-homem
reno do involuído, onde impera o mais forte, onde manda quando esta lhe for apropriada. De certo, seria cômodo ocupá-
quem, por possuir maior poder, haja provado que sabe vencer. la imediatamente, porque é mais bonita, mas isto não é possí-
Sobre esse terreno, o gênio, herói ou santo é exaltado somente vel, enquanto não forem, antes, adquiridas as qualidades ne-
quando, de alguma forma, ele tenha sabido vencer. Deixado cessárias. Um selvagem sujo e feroz não pode morar num
pelas sábias leis da vida cair no mundo dos involuídos, para apartamento moderno, feito para um homem civilizado.
civilizá-los, o evoluído é, no entanto, constrangido a suportar O fato de ser regido pela lei da luta pela seleção do mais
suas leis, e totalmente seu deve ser o esforço de enfrentá-las forte, prova que nosso mundo está situado ainda no plano ani-
para modificá-las, uma vez que é esta exatamente a tarefa da- mal-humano do involuído. Tal mundo baseia-se no princípio do
da a ele pela vida. Compete a ele arrastar para diante a massa egocentrismo individualista, que conduz ao estado inorgânico,
inerte da maioria, que se limita, por sua vez, a se deixar arras- funcionando com o método da rebelião. Isto não é um erro da
tar, extraindo do seu esforço e, muitas vezes, de seu martírio vida, mas uma característica deste seu nível de evolução. A vi-
aquilo que lhe serve para o progresso e isto, frequentemente, da quer, antes de tudo, viver, seja qual for o plano de desenvol-
depois de havê-lo condenado, pisado e atormentado. É triste a vimento por ela alcançado. Assim, ela atinge a sua finalidade
sua sorte na Terra, pois raramente lhe chega ajuda de seus fundamental, pois, de outro modo, não poderia alcançar ne-
semelhantes, sorte tanto mais dura, porquanto, depois de ha- nhum dos seus outros fins, e busca esta meta com os recursos
ver sido combatido e perseguido em vida, o mundo o exalta que possui naquele plano, conquistando-a diferentemente em
depois, na glória dos monumentos, muitas vezes tão-somente planos superiores, onde pode utilizar meios mais aperfeiçoados,
para fazer dele a insígnia de seus próprios grupos ou partidos conquistados pelo ser naqueles planos mais elevados. Desse
e poder, depois, praticar melhor suas obras de exploração à modo, seja com garras e presas, no plano animal, seja com a
sombra de tais bandeiras. força e a astúcia, no plano humano, ou seja com a coordenação
◘ ◘ ◘ dos indivíduos num organismo coletivo, no plano do evoluído,
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 11
a vida alcança a sua imprescindível finalidade, que é viver. Os tra a própria conservação constitui absurdo biológico, admis-
métodos e os resultados são proporcionais ao estado de evolu- sível somente na mente do primitivo ignorante, que desco-
ção, isto é, ao grau de compreensão e inteligência alcançadas. nhece as leis da vida e acredita ser possível impor-se também
Explica-se, desse modo, por que a vida aceita no plano do a ela. Por outro lado, contudo, é lógico que a vida dê ao evo-
involuído o estado de revolta egoísta, uma vez que, nesse plano, luído o instinto da obediência, quando existe uma ordem e a
esta condição representa um ato de defesa da própria vida, sen- disciplina traga vantagem.
do portanto legítimo. Dada a conformação do ambiente, se o Na oposição entre os dois diversos mundos, podem formar-
animal não possuísse presas e garras, como defenderia sua vi- se julgamentos diferentes, conforme se trate do involuído, que,
da? Se o homem não usasse força e astúcia, como conseguiria de baixo para o alto, julga o mundo do evoluído, ou se trate do
sobreviver? E, se o evoluído não usa tudo isto, é porque não evoluído, que, do alto para baixo, julga o mundo do involuído.
precisa mais destes recursos para preservar sua vida, que é pro- Para o involuído, quem se submete por motivo de ordem e de
tegida no seu plano pelos meios civis da organização social. A disciplina não é um virtuoso, mas sim um covarde que aceita a
vida é lógica. A natureza é lógica. Para que serviria continuar a servidão, um vencido merecedor de desprezo. Teórica e ofici-
usar o método de ataque e defesa, quando este foi superado e, almente, a palavra de ordem é diversa, mas isto não evita que
portanto, não é mais necessário para garantir a vida? esta seja a substância dos instintos humanos. Para estes, o que
Eis como, em nosso mundo, onde aquele método ainda não conta é o homem forte, capaz de rebelar-se, impor-se, dominar,
foi superado, explica-se e justifica-se o seu uso. Compreende- vencer. Alcançar o sucesso é o que é apreciado. Quem vence
se também por que o evoluído, quando nasce na Terra, vem a tem razão pelo fato de haver provado que sabe vencer.
ser reprovado. Ao vê-lo enquadrar-se espontaneamente na or- Na história, a vitória legitima tudo, porque é o vencedor
dem, disciplinado e obediente às leis, formando com isto o que constrói a verdade, naturalmente sempre para sua vanta-
seu valor e a sua força, o involuído o julga um imbecil inca- gem e glória. De um mundo como este, onde os instintos e os
paz de conseguir sua própria vantagem. Os dois tipos não métodos são todos endereçados à exaltação do mais forte e à
conseguem compreender-se, uma ver que possuem mentalida- aniquilação do bom e do honesto, o que é possível esperar se-
des completamente diversas. não um estado de insegurança e de luta contínua? E não de-
O evoluído desdenha prostituir sua inteligência e suas ener- pende tudo, como havíamos dito, da forma mental dominante?
gias numa luta inútil contra o seu semelhante, seu companheiro Tudo decorre de nossos instintos e de nossa atuação, conforme
de vida, em quem ele enxerga a si mesmo. No seu plano, a or- a respectiva psicologia.
dem é realizada, e isto basta para garantir a vida na forma ne- A obediência e a disciplina possuem significados completa-
cessária, num plano em que a atividade deve ser utilizada para mente diferentes para o involuído e o evoluído. Para o primeiro,
trabalhos e conquistas superiores. É por isso que o seu espontâ- representa um dano; para o segundo, uma vantagem. O primeiro
neo ato de defesa consiste no enquadramento na ordem e esta procura ser obedecido, o outro, obedecer. Para o involuído, o
ordem constitui toda a sua força de indivíduo orgânico. homem ideal, em qualquer campo, é aquele que mais consegue
Para o involuído, as coisas são diversas. Se ele abandona submeter os outros e menos se deixa dominar por eles. Eis por-
por um momento a luta contra o seu semelhante, este o esma- que, quanto mais involuído, tanto mais se considera valoroso re-
ga e o elimina. No seu plano, a ordem não existe e ninguém belar-se à ordem. Tanto que, em alguns países, ainda está em
garante a sua vida, que ele precisa garantir por si mesmo. Se uso a blasfêmia, num atrevimento para desafiar até a própria Di-
não sabe defender-se, ninguém o defende, uma vez que cada vindade, pretendendo alardear uma prova de coragem. E onde
um tem a sua luta e não pode pôr a seu cargo a luta dos ou- esta é admirada, admira-se também a revolta, como prova de
tros. A inteligência e as energias devem ser usadas primeira- força. Como é possível pretender que, nesse mundo, as religiões
mente para esse fim, o mais urgente, e quem as utiliza para não busquem sua sustentação no terror da punição? Com tal ins-
outras finalidades é julgado um sonhador, vivendo fora da tinto de revolta, se Deus não fosse apresentado como poderoso e
realidade. O enquadramento na ordem, método de defesa ado- vingativo, os homens, se pudessem, o devorariam.
tado pelo evoluído, não tem sentido no plano do involuído, É assim que se explica a psicologia da antiga religião mo-
uma vez que não existe aí uma ordem verdadeira, mas apenas saica, apresentando um Deus modelado sobre a mentalidade da
algumas tentativas de esboço dela. Ainda longe disto, o mun- época, destinado a um homem muito mais involuído do que ho-
do não possui senão alguns grupos egocêntricos e imperialis- je. Devia, pois, ser proporcionada a ele a imagem de Deus, para
tas, constituídos em torno dos mais fortes, que usam o poder, que falasse conforme a psicologia dominante, já que, de outra
antes de mais nada, para si ou para os interesses do grupo. forma, não seria compreendido nem respeitado. Daí a figura de
Tudo isto não serve para garantir a vida, mas apenas para or- um Deus ciumento de todos os outros deuses, bem armado com
ganizar a luta em maior escala. Aceitar uma tal ordem signifi- punições para conseguir obediência, um Deus cuja primeira
ca tornar-se servo de um determinado chefe, que, por ser o qualidade é a força, sem o que ninguém o teria temido. Ainda
mais forte, construiu a sua ordem para si. Em geral, nesse pla- hoje, o cristianismo é forçado a buscar apoio nos terrores do in-
no de evolução, o poder, para quem está submetido a ele, é ferno, caso contrário não seria ouvido por muitos. Nas nature-
suportado como um peso, enquanto, para quem o possui, é zas inferiores, o temor é muito mais percebido do que o amor.
exercido como uma vantagem. De fato, na Terra, com o sis- Os governos absolutistas e terroristas, de fato, são possíveis
tema representativo, as massas procuram defender-se contra a somente nos povos menos civilizados.
inerente opressão existente no poder absoluto. É assim que o Quando Moisés desceu do Sinai e encontrou o seu povo
cidadão moderno, começando a evoluir, procura defender-se adorando o Bezerro de Ouro, conforme relata a Bíblia, o seu fu-
contra um poder que tem sua origem histórica no estado de ror, em que expressou a ira de Deus, foi tremendo. Por isso,
opressão, onde o mais forte acreditava ser seu direito oprimir chamando entre seu povo aqueles que haviam permanecido fi-
aqueles mais débeis que havia conseguido subjugar. Estamos éis, ordenou-lhes que, em nome de Deus, matassem todos os in-
no plano do involuído e, enquanto permanecermos nele, toda fiéis: “Cada um cinja a sua espada sobre a coxa. Passai e tornai
forma de vida não poderá deixar de manifestar-se a não ser a passar de porta em porta pelo meio do arraial, e cada um mate
com o sistema da luta característica deste plano. a seu irmão, e cada um a seu companheiro, e cada um a seu vi-
Como é possível pretender da vida que seja dado ao invo- zinho. Fizeram os filhos de Levi conforme a palavra de Moisés;
luído o instinto da obediência, quando esta não lhe traz van- e caíram do povo naquele dia quase três mil homens”.
tagem alguma? Para ele, será preferível a rebelião, quando Se a Bíblia, na sua singeleza, parece não se aperceber da
esta lhe for mais útil para a vida. Exigir que a vida ande con- terrível contradição, isto não nos exime do dever de procurar
12 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
compreender as razões do fato. Se pensarmos bem, aquela car- segundo, o Anti-Sistema, exatamente para reerguê-lo à condi-
nificina foi determinada por Moisés, em nome de Deus, para ção de Sistema. Explica-se, desse modo, por que, na conduta
sustentar aquela lei que a Bíblia declara ter sido escrita pelo humana, aquilo que se pratica não representa senão uma fração
próprio dedo de Deus no monte Sinal, lei que, em um dos seus do que se prega, representando isso a lei de um plano superior
mandamentos fundamentais, determina: “não matar”. Aqui não em luta para se realizar na Terra.
procuramos condenar, mas apenas explicar um acontecimento Quando o mandamento de Deus diz: “não matar”, isto
que apanharia Moisés em plena contradição. Como pode ter-se quer dizer: “nunca matar ninguém”. Mas, se este mandamen-
verificado isto e que forças obrigaram Moisés a tão flagrante to, quando desce na Terra – onde o melhor é quem, em seu
contraste consigo mesmo, coisa que não é possível admitir fos- favor, sabe eliminar o maior número de inimigos – quiser
se deliberadamente querida por ele? subsistir em tal condição, então deve deixar algum lugar à lei
O que obrigou Moisés a agir de maneira oposta àquela de- desse ambiente e transformar-se, adaptando-se a ele. Na prá-
terminada pela lei por ele trazida foi, sem dúvida, a própria tica, desse modo, o mandamento vem a se exprimir assim:
forma mental dos homens aos quais aquela lei devia ser aplica- “não me mates e ajuda-me a matar os meus inimigos”. De fa-
da. O escopo daquela lei era ensinar. Contudo não é possível to, foi nesse sentido que Moisés não pôde deixar de entender
ensinar a um involuído, pretendendo que ele aprenda o que de- e aplicar aquele mandamento, logo que desceu do monte e
ve aprender, apenas com demonstrações e exortações, apelando encontrou-se frente à realidade da vida. Foi uma espécie de
para uma inteligência ou bondade que ele não possui ainda. necessidade moral e também espiritual, porque, de outra for-
Sendo assim, resta infelizmente apenas um sistema: deixar que ma, a idolatria sairia vencedora.
o violador da lei sofra o dano resultante de seu erro. Isto por- Posteriormente, com o desenvolvimento da evolução, a lei
que, naquele nível de evolução, somente é possível aprender à do Sistema, fazendo pressão, tornou-se cada vez mais atual, até
própria custa. Se a finalidade a ser alcançada é que o indivíduo aos tempos modernos, em que se chega quase à condenação
aprenda de fato, é imprescindível deixá-lo pagar, em forma de das guerras, coisa inconcebível nos tempos de Moisés. Mas foi
sofrimento, o respectivo custo. daquele modo então que se chegou – certamente não por culpa
Somente assim é possível explicar uma outra contradição dele, mas da dominante psicologia involuída – à estranha con-
semelhante, na qual Deus, que é infinitamente bom e nos ama clusão de que, para defender a lei de Deus, foi preciso deixar
irrestritamente, parece encontrar-se em pleno contraste com de aplicá-la. Para tornar válido o mandamento “não matar” e
estas suas qualidades, quando verificamos que Ele nos deixa possibilitar sua transmissão a outras gerações, para que o pu-
sofrer impiedosamente. Tal conflito é resolvido, se observar- dessem aplicar depois, foi necessário primeiro violá-lo, matan-
mos que, mesmo desse modo, o homem nem sempre aprende, do uma porção de gente.
sendo forçoso concluir que, certamente, ele jamais aprenderia Assim, desde que apareceu pela primeira vez, a lei ética te-
nada, se não tivesse que suportar as consequências dos pró- ve de levar em conta a realidade do mundo. A primeira coisa
prios erros. A causa, pois, desse procedimento, aparentemente que Moisés teve de demonstrar com fatos, ao descer do Sinai,
absurdo, não está na contradição de Deus, mas na forma men- foi a inaplicabilidade imediata da lei que proclamara. Para fa-
tal da criatura, que, mesmo quando o desejo é alcançar o seu zê-la descer ao plano humano e depois educar o homem, ensi-
bem, impõe esse método. Então, para o bem da criatura, que nando-lhe a aplicá-la, Moisés teve de cair, inicialmente, numa
compreende apenas a dura linguagem da dor, Deus é obrigado contradição, que permanecerá através dos séculos, pois, para
a se tornar desapiedado. Não é possível fazer de outro modo, poder aplicar a lei que proíbe a força, usou-se a força. Para
quando se quer, respeitando-lhe a liberdade, salvar um ser aplicar a lei, faz-se justamente o que ela proíbe. Em vez de
que, sem saber agir senão com a forma mental do rebelde, faz mostrar moralmente a aplicabilidade da lei, seguindo-a ele
todo o seu valor consistir na força, para rebelar-se contra a mesmo em primeiro lugar e educando com o exemplo, é o pró-
Lei, e não na inteligência, para obedecê-la. A causa da dor, prio legislador que, inicialmente, prova a inaplicabilidade dela
por isso, não está em Deus, o que é inadmissível, mas sim na pelo fato de não aplicá-la a si mesmo, quando, exigindo obedi-
psicologia e na conduta erradas do ser. ência, afirma na realidade o princípio oposto ao da obediência
Bastaria compreender isto, para poder eliminar essa psico- determinada pela lei, isto é, o princípio do próprio mando. Eis
logia e também a dor que dela deriva. Mas, infelizmente, é exa- o que a ética deve tornar-se, quando desce em um mundo onde
tamente esta psicologia de egoísmo e de revolta que nos impede o problema fundamental, sempre presente, é ser o mais forte e,
de deixarmos de ser, nós mesmos, a causa primeira do mal. E, assim, impor-se para não ser devorado. É desse modo que en-
desse modo, a dor permanece. Mas também é lógico que, al- contramos na Terra uma ética de contradições, onde parece
cançada por evolução uma outra forma mental, em planos de que a lei deve valer só para os sujeitos que precisam ser edu-
vida mais elevados, a dor desapareça, não tendo mais que cum- cados, e não para os educadores, que ficam desobrigados de
prir os anteriores fins educativos, que são sua única explicação aplicá-la, embora devessem ser os primeiros a fazê-lo. É uma
e justificação no seio do amor, bondade e justiça de Deus. Seria ética de contradição, porquanto, determinando obediência, pra-
absurdo e blasfêmia admitir que Deus tenha construído as ca- tica a dominação. É uma ética de coação, que impõe a ordem
deias da dor simplesmente para que devamos permanecer sem- pela força das sanções, isto é, faz a paz usando a guerra, quer
pre amarrados a elas. Estas cadeias são devidas ao estado de in- atingir a não-reação usando a reação.
volução e devem desaparecer com a evolução, cuja tarefa é pre- É assim que a ética ensina a não matar, matando; a renunci-
cisamente corrigir e sanear tudo, reconduzindo-nos à perfeição ar, mantendo a posse; a obedecer, mandando. O próprio mora-
do Sistema. A dor existe para eliminar a si mesma. lista está imerso no plano humano, não consegue colocar-se
A forma mental a ser corrigida é precisamente aquela do acima de seus dependentes e desce com estes, mesmo em nome
cidadão revoltado do Anti-Sistema, para que se estabeleça no de altos princípios éticos, para a luta no mesmo nível.
lugar dela a forma mental do cidadão obediente do Sistema. Somente Cristo permaneceu em Seu plano mais alto. So-
Trata-se de endireitar o que foi invertido, isto é, de reconduzir mente Cristo praticou a não-reação pregada pela ética. Ele não
ao estado de ordem aquela psicologia de revolta. É deste con- desceu para pactuar com o mundo, estabelecendo compromis-
traste, dado pelo embate entre os dois métodos opostos, que sos. Por isso, porque ele não quis usar a força, o mundo o ma-
deriva aquela moral de contradição, comentada aqui por nós. tou, usando a força. Se as outras autoridades, que se dizem ba-
Esta contradição encontra a sua justificação lógica no contraste seadas na ética, puderam sobreviver, foi porque, diante da mo-
entre Sistema e Anti-Sistema, porque é o primeiro que desce ral pura de Cristo, elas representavam uma posição híbrida de
do Alto, para impor a sua ética, mais evolvida, no terreno do comprometimento. Assim, assistimos na Terra a um estranhís-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 13
simo espetáculo, onde, em nome da ética, proíbe-se a reação elevada. Se Moisés tivesse falado a linguagem de Cristo, feita
punitiva individual, permitindo-se somente a da autoridade. Es- de amor e perdão, teria falado fora de tempo, com demasiada
ta diz ao indivíduo: “Não usarás mais a violência para defender antecipação, e o seu povo apenas concluiria tratar-se de um
teus interesses; só eu posso usá-la para defender os meus. Eu, Deus bastante débil, ao qual seria possível destruir, rebelando-
porque sou o chefe, que venceu como mais forte, nego a ti o di- se a ele impunemente, como de fato aconteceu, quando Cristo
reito de matar por teus próprios meios, para que somente eu se fez cordeiro. E destruir o próprio Deus, nesse caso, signifi-
possa usá-lo, visando meus próprios fins”. Na verdade, o que cava devorar os seus ministros e a casta que o representava.
cada governo faz, logo de inicio, é desarmar o cidadão, repri- Estamos num plano em que a inteligência é usada não para
mindo-lhe a violência, para armá-lo contra os próprios inimi- seguir a ordem e a lei, mas para escapar-lhe; num plano, pois,
gos, premiando-lhe com honras a mesma violência. onde a primeira qualidade exigida do chefe é a força capaz de
Na prática, a ética se resume em arrancar os poderes da impedir esta evasão; num plano em que saber evadir-se, rebe-
massa em favor de poucos dirigentes, fato que se justificaria, lando-se à imposição e escapando de qualquer sanção, é repu-
se feito com finalidades educativas ou para o bem da coletivi- tado como o maior valor do súdito. Resultados outros não se
dade, o que nem sempre se verifica, já que, às vezes, tais pode- podem obter num plano em que o indivíduo não age senão pelo
res podem ser usados pelos dirigentes só para vantagem pesso- desejo de uma vantagem ou pelo medo de um dano. Dada essa
al. Assim a ética constitui a primeira violação de si mesma, psicologia, não se pode usar senão o método do prêmio ou do
porque os homens que a representam fazem, na prática, exata- castigo. Eis o inferno e o paraíso. O método da livre aceitação
mente o que ela proíbe. Desse modo, não só os princípios con- por convicção não pode funcionar ainda. É preciso apoiar-se
tinuam como teoria, mas também permanece, no plano huma- sobre o instinto fundamental da vida, que é viver, evitando a
no, o fato de que, sobrepondo-se força a força, não se alcança dor e procurando a alegria. Enquanto se permanece no plano do
justiça. Enquanto se aceitarem os métodos do mundo, tal con- involuído, não há outros meios de induzi-lo a agir conforme a
dição não pode ser superada. lei, porque ele não obedece a outros moventes.
Destarte, quisemos somente explicar o estado de contradi- ◘ ◘ ◘
ção em que se encontra a moral humana, contradição que pode Evoluído e involuído permanecem frente a frente, cada qual
parecer mentira, mas nem sempre é desejada com tal propósito. com sua psicologia, suas armas e suas finalidades. Cada um
Ela pode ser aceita como uma necessidade transitória, de adap- possui sua lei, e, assim como eles, que as personalizam, as duas
tação dos princípios superiores às exigências de um mundo in- leis – a do Evangelho e a do mundo – também são inimigas e se
ferior, onde também eles devem aplicar-se. De qualquer modo, excluem reciprocamente.
esta contradição é fatalmente destinada a desaparecer com o O primeiro artigo do código do mundo poderá ser enuncia-
progresso evolutivo, quando os princípios da ética vierem a ser do desse modo: “A maior culpa é ser débil, pobre, honesto. A
verdadeiramente aplicados em favor da educação do homem, maior virtude é ser poderoso, rico, astuto. Poderá haver perdão
ensinando-lhe a viver num plano de vida mais alto. para as outras culpas, mas não para aquela. A vida, na Terra,
Na realidade prática, a substância do incidente relatado pe- pertence aos fortes, e não aos fracos; estes devem ser elimina-
la Bíblia é que, na ausência de Moisés, uma outra casta sacer- dos. Bondade e retidão refreiam a força, paralisam a luta, de-
dotal se havia apossado do poder, então político e religioso ao vem, pois, ser evitadas e condenadas, por serem daninhas e an-
mesmo tempo. O problema se tornara um só: destruir os rivais tivitais. Os indivíduos afetados por esta moléstia devem ser se-
com energia implacável, uma vez que, de outro modo, eles te- gregados e expulsos, não tendo o direito de permanecer no ter-
riam destruído Moisés. Naquele plano de vida, quem possui o reno da vida, que é campo de batalha”.
poder não tem outra alternativa: se não quer ser morto, deve Todos sabem como o Evangelho ensina e preceitua diver-
matar, ou, como dizia a Rainha Elizabeth da Inglaterra, com samente. E podemos, facilmente, imaginar quão desastrosas
referência a sua rival, Maria Stuart, da Escócia: “se não se condições de vida o mundo apresenta àqueles que quiserem
mata, se é morto”. É preciso, pois, matar. Estamos no reino da vivê-lo verdadeiramente, isto é, não apenas como teoria apre-
força, onde não há coisa que não seja regida pelo princípio da goada, mas como vida vivida. As variadas legislações religio-
força, onde mesmo as religiões, a moral, as metas ideais e a sas e civis, em vez de enfrentarem o princípio da luta, para
própria ação de Deus estão baseadas na força. Não se obedece destruí-lo, como faz o Evangelho, apenas procuraram disci-
aos homens nem a Deus, senão enquanto se está em face de plinar esta luta, determinando-lhe limites e estabelecendo al-
alguém mais forte e capaz de fazer pagar caro a desobediên- gumas regras, tal como a cavalaria fez no duelo e o direito ci-
cia. Nesse reino, a primeira preocupação de quem está no po- vil e penal fez nas relações entre os indivíduos, ou como pro-
der, seja o Deus das religiões ou qualquer chefe humano, é cura fazer o direito internacional na guerra. Trata-se sempre
eliminar todos os rivais, exatamente aqueles que constituem a de vantagens que não suprimem a luta e deixam de pé a força
maior ameaça ao próprio poder. Isto significa quase um medo e a astúcia como bases da vida. Trata-se apenas de uma pri-
contínuo de perdê-lo tão logo aquela força, base de tudo, ve- meira ordenação dos impulsos do plano biológico do involuí-
nha a faltar, e isto porque, seja no terreno político como no re- do, sem, no entanto, sair dele para viver no do evoluído. Estes
ligioso, presume-se o instinto da revolta, pronto a explodir retoques representam um princípio de começo para ingressar,
nos súditos e nos fiéis, tão logo aquela força não os mantenha depois, neste plano, superando o atual plano inferior. E é justo
submissos. Estamos no plano de vida do involuído, onde não que não se possa subir senão por graus, por lentas e sucessivas
há manifestação que possa sair desta atmosfera e tomar outra aproximações, mas também é fato que, assim, ainda se per-
cor, inclusive também as mais elevadas manifestações da manece no plano do involuído.
ideia de Deus, sempre interpretações humanas do absoluto. A posição do Evangelho é completamente diferente. Ele re-
Um plano biológico jamais pode estar acima do seu próprio presenta um grande impulso para diante, na escada da evolução,
grau de evolução. Assim é que, em nosso nível humano, não e coloca-se decididamente, logo e em cheio, num outro plano
se consegue, se não dificilmente, superar a psicologia da luta de vida; inverte as posições, cria uma nova escala de valores e
para a seleção do mais forte, lei dominante. coloca no alto deles o que, no plano inferior, estava em baixo, e
O involuído não pode conceber senão um Deus proporcio- ao contrário. Um dia, há dois mil anos, desceu na Terra um ser
nado à sua capacidade de concepção. O Deus de Moisés é o que não pertencia à raça humana, para ensinar-lhe um novo
Deus do involuído; um Deus que, de outra forma, não seria modo de viver, a ser aprendido lentamente, através da contínua
compreendido nem obedecido; um Deus menos adaptado a nós, e longuíssima experimentação da vida. Trata-se de um impulso
que Dele pudemos, com Cristo, alcançar uma concepção mais novo, extraterreno, que o mundo haverá de assimilar quem sabe
14 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
em quantos milênios. Trata-se de um novo rumo que a inteli- planos biológicos, do involuído e do evoluído, e também nesse
gência diretora do todo quer dar à vida em nosso planeta. E a caso há luta entre eles, querendo cada um vencer e impor-se in-
humanidade, compreendendo o que podia, dado o que era, e condicionalmente sobre tudo. Nas religiões, dá-se o mesmo en-
mais ou menos esperneando, assim mesmo encetou a marcha. contro de planos biológicos entre animalidade e espiritualidade,
Está ainda nos primeiros passos, bem longe do ponto de chega- verificado no indivíduo, no qual a espiritualidade deve lutar
da assinalado pelo Evangelho, e sabe-se lá quando o alcançará. contra a animalidade até conseguir destruí-la no fim.
Este é como uma estrela no céu, a muitos anos-luz, só definiti- A pedra é a organização humana que serve como duro reci-
vamente alcançável depois de incidirem quem sabe quais expe- piente, para conter, proteger e, desse modo, conservar e transmi-
riências sobre a natureza humana, para fazer que ela decida su- tir a ideia recebida. Por isto as religiões tendem a ser conserva-
perar a sua animalidade. Neste caminho, vamos subindo passo a doras, zelosas do seu patrimônio, e disto decorre o seu dogma-
passo, elevando-nos de degrau em degrau. Se, por vezes, nos tismo. Mas, em face desta exigência, há uma outra oposta, com a
escandalizamos ao vermos que o Evangelho é ainda, na prática, qual a primeira deve equilibrar-se: a exigência da vida, que quer
letra morta, isto quer dizer que há alguém começando a imagi- avançar, e a efervescência do dinamismo do espírito, que não
nar o que se deveria fazer e quanto poderíamos ser diferentes. pode apodrecer encerrado na pedra, de onde procura extravasar
As grandes massas são terrivelmente resistentes a qualquer a todo o momento. Há o impulso irrefreável do espírito, que
movimento novo. Podemos, assim, compreender quais obstácu- quer transformar-se em vida e realizar-se, uma vez que desceu à
los se antepõem aos indivíduos que se esforçam no sentido de re- Terra exatamente com esse fim; e há também a evolução do
alizar na Terra as ideias novas do futuro, e como é árdua a tarefa pensamento, progredindo, por sua própria conta, fora das Igre-
das religiões, a quem cabe cumprir esse trabalho. Elas são feitas, jas. Nos grandes momentos, nas voltas da história, nascem até
necessariamente, com material humano, que deve elevar outro novos profetas, que ultrapassam todos os que os precederam.
material humano, todos, entretanto, pertencentes ao mesmo plano Então as velhas pedras, tendo exaurido a sua função, são
de evolução. Os seres superiores constituem exceção. O que se lançadas fora e caem à margem da estrada da evolução, para
pode esperar nestas condições? É natural que, possuindo a adap- aí morrerem de velhice. Representam uma casca vazia, recu-
tação certos limites, a maioria, ainda não preparada para o novo sada pela vida, porque já não mais lhe é útil. Lutaram até en-
alimento, procure todos os meios para adaptá-lo a si, a fim de tão, fortes, somente pela forma, lutando desesperadamente pa-
poder engoli-lo, ainda que não consiga digeri-lo e assimilá-lo. ra sobreviver. Mas o espírito, uma vez desenvolvido, fugiu da
Desse modo, explicam-se, embora não se justifiquem, as tão la- velha casa, tornada insuficiente, e fez para si outra morada
mentáveis acomodações, que possuem, no entanto, a função de mais adaptada. Em todo este movimento, o que permanece es-
tornar atuável, embora em porcentagem exígua, o Evangelho, tável é o espírito, fio condutor da evolução Explicam-se, as-
que não seria aplicável em sua totalidade, dada a atual natureza sim, e compreendem-se as diversas posições e as variadas
humana. Assim mesmo, passo a passo, no tempo, com a evolu- exigências de cada momento da história em relação à evolu-
ção e a adaptação, aumenta a percentagem com que o Evangelho ção do pensamento humano.
é vivido e, gradualmente, são destruídas, num contínuo processo ◘ ◘ ◘
de purificação, as acomodações iniciais. O tempo traz evolução As finalidades que a vida se propõe alcançar nos dois dife-
e, com isto, o distanciamento do plano animal em direção ao es- rentes planos de evolução são completamente diversas. No ní-
piritual, para a realização mais integral do Evangelho. Será assim vel do involuído, ela tende ao individualismo. A construção bi-
que, no próximo milênio, daremos um grande passo avante. ológica que busca realizar aí é o homem forte, rebelde contra
Disto tudo, podemos obter a compreensão da grandeza da todos, o homem que vence subjugando o mundo. Do trabalho
função representada pelas religiões na economia da evolução criador da evolução no plano do involuído não pode surgir se-
humana, de fixar na Terra os ideais que antecipam o futuro, não um ser prepotente, forte e bem construído, apto ao domínio,
devendo realizar isto no duro terreno da animalidade humana. mas isolado de tudo que está fora do seu eu.
Devemos ter um conceito progressivo da verdade, evolucionis- No nível do evoluído, a vida tende ao coletivismo. A cons-
ta, se quisermos compreender como se realiza a inserção do trução biológica a ser valorizada é o estado orgânico, que todos
ideal na Terra. Este processo, para incidir na evolução biológi- abraça e funde em colaboração numa única unidade, onde o in-
ca, deve atravessar variadas fases. Aparece antes, na Terra, o divíduo funciona disciplinadamente, numa ordem útil para to-
Ser superior, que anuncia a nova doutrina. O movimento re- dos. Do trabalho criador da evolução no plano do evoluído,
percute, e forma-se uma corrente que arrasta alguns. Mas a nasce uma humanidade forte e bem construída, feita de eus uni-
primeira reação da animalidade, de acordo com os princípios dos no mesmo organismo, capaz de um domínio mais amplo,
do seu próprio plano, é a agressão para destruir o ser superior, alcançando a vitória não mais de um indivíduo contra os outros,
pertencente a um outro plano de vida. Depois, aquilo que se mas de toda a coletividade sobre as forças naturais do planeta.
salvou desta destruição, transforma-se em relíquia preciosa, A vida evolui não somente para a espiritualidade – como
conservada religiosamente. Primeiro mata-se o profeta; depois, veremos a seguir, verificando que o telefinalismo da evolução é
ele é santificado e venerado. Mas a semente caiu na terra e uma sensibilização nervoso-psíquico-espiritual cada vez mais
começa o lento trabalho de assimilação. inteligente – mas também para a formação de unidades orgâni-
O ideal começa, então, a tomar corpo na matéria, na forma cas sempre mais amplas e complexas. Isto segundo o princípio
dos organismos terrenos das igrejas constituídas. Elas represen- das unidades coletivas, demonstrado alhures (A Grande Sínte-
tam a ponte de união entre a Terra e o céu, ponte necessária, cu- se), e conforme o plano geral de reconstrução do universo, pelo
ja verdadeira natureza podemos assim compreender; se de um qual a evolução conduz do separatismo à unificação, do caos à
lado devem ter suas elevadas ramificações no céu, não podem, ordem, da rebelião à disciplina, do Anti-Sistema ao Sistema,
de outro lado, deixar de ter suas raízes na Terra. “Tu és Pedro e como demonstramos nos volumes Deus e Universo e O Siste-
sobre esta pedra edificarei minha Igreja”. E toda Igreja não po- ma. Explica-se, assim, como a construção levada a efeito pelo
de deixar de possuir uma pedra de apoio na Terra, isto é, de plano inferior é sempre mais individualista e separatista, menos
possuir os defeitos da pedra. Como pode ela ser espiritual? Mas unitária que a realizada nos planos superiores, representando
cabe ao seu conteúdo espiritual fazê-la tornar-se tal cada vez estas um estado de maior fusão, por colaboração e amor. Eis
mais espiritual, isto é, cada vez menos pedra. No entanto é na- porque, num dado momento da evolução biológica, desponta o
tural que as Igrejas, situadas no meio, como organismos huma- Evangelho. Eis a sua significação cada vez maior, até atingir
nos, entre a pedra e o espírito, possuam as qualidades de uma e sua máxima e completa manifestação, quando, com o retorno a
de outro. São esses os dois extremos representados pelos dois Deus, estará reconstruída toda a ordem que, com a revolta e a
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 15
derrocada do Sistema no Anti-Sistema, foi destruída e que a senta para o involuído somente um germe em formação, uma
evolução agora está reconstruindo e reconduzindo ao Sistema. possibilidade ideal futura, ainda sem consistência real.
Este é o profundo significado do movimento da evolução. Explica-se assim, porque o evoluído, quando aparece em
Decorre disto que, se o evoluído, na Terra, pode atualmente nosso mundo, com sua psicologia própria, é tomado como um
parecer anacrônico, fora de fase, passível até de findar no mar- teórico, um ingênuo desconhecedor da vida. De fato, para o in-
tírio, todavia pertencem a ele, e não ao involuído, o futuro e a voluído, a vida é uma coisa completamente diversa, que não
vida. A evolução está preparando não o estado antissocial e obedece, por nada, aos impulsos que movimentam o evoluído.
desorganizado do primitivo, mas o estado orgânico da socie- Este fala de amor ao próximo, vendo nele a si mesmo, mas o
dade dos civilizados. involuído bem sabe que o próximo é inimigo e que, se não es-
Hoje, a razão está com o involuído, e a culpa com o evoluí- magá-lo, será por ele esmagado. O evoluído fala de disciplina
do, mas esta condição é temporária, válida somente enquanto a espontânea na ordem, e isto num mundo em que a obediência
vida permanecer atrasada no atual nível. Tão logo o sobrepuje, se obtém somente com a ameaça de uma punição. Aqui, tudo é
tudo mudará, e o involuído, a quem hoje pertence a razão, será regido por uma cadeia de proposições logicamente conexas:
expulso das sociedades mais civilizadas do futuro. Se ele não se egoísmo, separatismo, individualismo, funcionamento possível
civilizar, ficará atrasado e, nessa condição, será rejeitado para tão-só por força de dois impulsos, medo do dano e desejo de
planos inferiores, único ambiente onde poderá viver, porque vantagem. Dada sua natureza, o involuído não pode funcionar
será adaptado a eles. Com sua atual vitória, ele traz consigo a de outro modo, sendo sensível somente ao seu caso individual.
própria condenação: ser um involuído, incapaz de funcionar de Não importa para ele que todos os seus semelhantes sejam des-
outra forma, constrangido a permanecer encerrado na animali- truídos, a menos que lhe sobrevenha um dano pessoal. Como os
dade, seu plano de vida, com todas as suas consequências. animais na floresta, cada um pensa em si próprio. A utilidade
Dá-se o contrário com o evoluído. Será, ele, por enquanto, coletiva, de sumo interesse para quem vive numa sociedade or-
um deslocado e um mártir na Terra. Os crucificadores poderão gânica, ideia sensibilizadora para o indivíduo organizado, re-
gargalhar o quanto quiserem ao pé da cruz, como fizeram com presenta algo que o involuído não consegue perceber, conside-
Cristo, mas, da mesma forma que aconteceu para Ele, cada rando até contraproducente cogitar dela.
um volta depois ao seu lugar, no seu próprio plano de vida. Desta forma mental deriva logicamente toda a estrutura do
Cristo sofreu e deixou que o matassem, mas a conclusão final nosso mundo atual. A ordem não é espontânea, compreendida,
foi Ele retornar ao seu céu, enquanto ficaram na Terra os ho- mas é uma sobre-estrutura imposta à animalidade, permanecen-
mens ferozes que o crucificaram, com toda a sua raça de invo- do seus instintos na base do edifício. O ponto de partida é sem-
luídos, para continuar a se matar reciprocamente e sofrer to- pre a desordem, atmosfera natural do egoísmo separatista. As-
das as dores consequentes. sim, evolutivamente, o nosso mundo representa uma luta para
Presentemente, em nossa humanidade, os dois mundos vi- endireitar a animalidade, luta vivida para subir do plano do invo-
vem, porém um morrendo e o outro nascendo, num atrito de- luído ao do evoluído. Procura-se, com o instituto da proprieda-
monstrativo de sua transformação. Nesta posição, estão em vi- de, disciplinar a voracidade do lobo; com o matrimônio, refrear
gor duas opostas tábuas de valores, uma em via de extinção, e a avidez sexual do macho; com as leis e as suas sanções, frear
outra em processo de formação. É assim que os ideais (em vir- pela ordem os rebeldes; com as religiões, amansar a ferocidade
tude de virem a ser adaptados, na prática, à oposta realidade da do animal, impondo normas de vida moral. A primeira preocu-
vida) aparecem numa retorcida forma de mentira. É assim que pação do legislador é proibir o ilícito, por ser isto a tendência da
as mesmas palavras podem tomar significados e valores diver- natureza humana. Trata-se de um trabalho de correção, que con-
sos. Para o evoluído, a Lei representa a ordem, sendo vantagem firma exatamente a natureza do fundo sobre a qual ele atua.
para todos segui-la; significa a disciplina necessária para o fun- Este é o tipo das engrenagens com as quais funciona o
cionamento do organismo, que é a vida de cada um e de todos. nosso mundo. Seja de cima ou de baixo, eis que todos, domi-
Para o involuído, a Lei representa o comando do mais forte, nantes e dominados, vivem os mesmos princípios, no seio do
que, por ter vencido, sente-se no direito de ser obedecido por mesmo plano biológico. Teoricamente, os chefes deveriam ser
todos, visando com isso não a utilidade coletiva, mas apenas os todos evoluídos. Mas, num mundo onde tudo, principalmente
próprios fins egoístas. Por isso, no mundo do involuído, uma o poder, é resultado da luta, e onde não é possível conquistá-
vez que a Lei significa a imposição somente do interesse do lo e mantê-lo senão por uma contínua vitória sobre todos os
vencedor, interesse que não é o do vencido, a vida impele o in- rivais, o evoluído, homem evangélico, esquecido do próprio
divíduo não para uma posição de obediência disciplinada, mas interesse pessoal, não lutará nessa forma e, portanto, não con-
sim de revolta. Não é possível impedir a vida de ser utilitária e seguirá chegar e permanecer no poder. Seus métodos o impe-
de procurar, por isso, em primeiro lugar a própria defesa. dem, suas qualidades o tornam inclinado a perder, e não a
Para abolir o sistema da luta e o consequente regime de vencer nesse ambiente. Mesmo se, por acaso, fosse guindado
permanente inimizade, torna-se necessário abolir o sistema do ao poder, não teria o ataque e a defesa como sua primeira pre-
egoísmo separatista, próprio do plano do involuído. É necessá- ocupação, sendo prontamente eliminado. É tanta a incompati-
rio inverter aquele egoísmo separatista em altruísmo unificador, bilidade entre evoluído e involuído, que o primeiro não pode
é preciso passar da lei do mundo à lei do Evangelho. É natural aparecer na Terra senão como mártir.
que o ser procure a posição que melhor lhe garanta a vida. Ora, Entre os dois há um contínuo mal entendido a respeito da
se a força do evoluído está na ordem, onde é possível afirmar- significação das palavras. O involuído, dada a sua forma men-
se altruisticamente, a força do involuído está na desordem, por- tal, entende a autoridade como uma vantagem para quem con-
que somente aí existe a possibilidade de afirmar-se egoistica- seguiu alcançá-la, como uma posição que representa o prêmio
mente. Assim é natural que cada um procure afirmar-se con- legítimo pelo esforço e riscos sofridos para alcançar a vitória. É
forme a sua lei: o evoluído, altruisticamente, na ordem; e o in- assim que o poder toma o significado não de função coletiva e
voluído, egoisticamente, na desordem. Não é possível pretender missão, mas de vitória pessoal na luta para a seleção do mais
que o evoluído possa confiar-se ao caos, para ele destrutivo, as- forte. E os dependentes, quando obedecem a autoridade, não o
sim como não se pode pretender que o involuído possa confiar- fazem como colaboradores, no sentido do bem comum, mas
se à ordem, para encontrar nela a sua defesa, coisa para ele sem sim porque ele é a expressão da vitória do mais forte, merece-
sentido, uma vez que, para ele, a ordem que o defenda ainda dor de respeito, por haver dado prova de saber vencer. Outros
não existe. Aquilo que, para o evoluído, mais adiantado no ca- resultados não são alcançáveis num sistema alicerçado sobre o
minho da evolução, representa uma força real em ação, repre- princípio do egoísmo e da exploração recíproca.
16 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Esta é a íntima estrutura da nossa humanidade. O restante Como é possível pretender que, num mundo desses, seja
permanece na superfície, proclamado em alta voz, para escon- possível atuar a justiça econômica? Ela não poderá realizar-se
der a dura e triste verdade, que constitui escândalo revelar, co- senão quando os deserdados derem prova de força para saber
mo fez Maquiavel. Disto decorre uma encenação social fictícia, impor, eles mesmos, em sua própria vantagem, essa justiça. In-
externamente bela, mas interiormente desapiedada e feroz; re- felizmente, não há outra via. Eis que, depois de dois mil anos de
vestida formalmente de nobres mantos, mas substancialmente pregação, a justiça do Evangelho ficou, em grande parte, qual le-
apoiada nas primitivas leis da animalidade. Existem, desse mo- tra morta. A imposição por parte dos deserdados seria desneces-
do, duas leis: a do passado e a do futuro, correspondendo a duas sária, se o Evangelho houvesse sido praticado. Como é possível
morais: aquela que todos aceitam e deve ser proclamada, e obter justiça em nosso mundo, senão com a força? Isto dizemos
aquela sabida e praticada por todos na realidade. Há, então, o não para justificar a violência, mas para nos darmos conta de
que se diz e o que se faz. Existe no exterior um mundo aparen- qual seja o triste mundo em que vivemos. É inútil distinguir en-
te, em que só os simples podem acreditar, mundo interiormente tre grupos humanos para lançar a culpa em cima dos outros. A
minado por uma realidade bem diferente. Assim é o grande edi- culpa é de todos, e, de fato, todos pagamos juntos, dominantes e
fício construído pela humanidade, quase sempre com um con- dominados. Os oprimidos não são melhores que os opressores,
teúdo bem diferente daquele que aparenta e deseja fazer acredi- nem os opressores são melhores que os oprimidos, e todos jun-
tar. E como é triste o reverso da medalha! Mas, dada a forma tos somos envolvidos pela agressão recíproca na mesma pena.
mental do involuído, como poderiam existir na Terra os princí- Como é possível esperar que nesse mundo, assim construí-
pios do mundo do evoluído, senão na forma de mentira? do, correspondam os fatos às palavras, a aparência à realidade,
Enquanto se proclamam em altas vozes os nobres ideais, a forma à substância? Como impedir a hipocrisia e a possibili-
subterraneamente ferve a luta feroz pela vida. Mas a realidade dade de tudo ser falsificado pela mentira? Como evitar que os
está em que o engano, continuamente praticado com dano para ideais sejam explorados e que as coisas mais belas sirvam para
o próximo, constitui uma escola permanente para acordar, ainda bem outras finalidades? Como esperar nesse mundo que tam-
que nos graus mais inferiores, a inteligência, tanto mais porque bém a tão proclamada caridade não se faça para si próprio, an-
é eliminado quem não aprende. Saber defender-se é a primeira tes que para os beneficiados? Como exigir que toda religião, fé
coisa que todos devem saber fazer, sob pena de morte. Estamos e ideal não se industrializem na Terra, onde devem operar?
ainda muito pouco acima da esperteza do animal, inteligência Como pretender que a propriedade seja entendida como função
primária a serviço da vida material, distanciada mil milhas da social, também para utilidade de todos, e não com fim egoístico
inteligência especulativa, dirigida ao conhecimento das causas individual, para vantagem pessoal exclusivista? É justo que a
primárias e da formação da espiritualidade. Esses produtos rare- lei garanta a propriedade. Mas podemos explicar como e por-
feitos não são ainda percebidos nem têm serventia no plano do que surgem revoltas para a destruição desta instituição, quando
involuído, onde o mais importante é a ciência do ataque e da pensamos que, multas vezes, esta propriedade pode ser também
defesa. Nesse plano, enquanto não se houver aprendido a ser o fruto de tudo quanto se conseguiu agarrar com qualquer meio.
forte para mandar, é preciso servir. De certo que isto serve para Como justificar esta instituição, quando ela também é utilizada
desenvolver a inteligência, mas que qualidade de inteligência? para legitimar um furto? E como impedir isto num mundo que
Quanto caminho há ainda a ser feito antes de chegar à inteli- se alicerça na luta? Os que invocam justiça, desejando, em no-
gência consciente do funcionamento do universo! Todavia, no me dela, destruir o instituto da propriedade, agem assim por-
plano do involuído, é necessário começar pela inteligência ele- que, sendo da mesma raça dos vencedores, querem fazer igual,
mentar, pois a outra ainda não pode ser compreendida. Naquele isto é, praticar o mesmo furto que os outros, mais afortunados,
plano, antes de olhar para o céu, é preciso lutar na Terra. Muito conseguiram levar a efeito em vantagem própria. Assim, em
dura é a condenação de ser involuído! nome do direito e da justiça, com novas ideologias, continua-se
◘ ◘ ◘ em novas formas a mesma e velha batalha, onde cada um busca
De que serve, nesse ambiente, pertencer a este ou aquele tomar o mais que puder. De ambos os lados, as causas são as
grupo humano, quando os homens que os constituem são mais mesmas, pois os indivíduos são do mesmo nível evolutivo.
ou menos iguais, e quando os instintos e as paixões que movi- Nesse plano de vida, o individualismo egoísta conduz ao prin-
mentam o mundo são os mesmos? Para que serve, então, mu- cípio de que a propriedade serve para vantagem pessoal exclu-
dar de partido, de religião ou de ideais? No fundo, a realidade siva, sem preocupação com os outros. Este é o instinto do invo-
verdadeira, escondida sob as aparências, é sempre uma outra. luído, e não há ideologia ou sistema moral que possa modificá-
Exteriormente, tudo aparece perfeito, mas, subterraneamente, lo. A verdadeira reforma do mundo não pode advir de reformas
ferve a hipocrisia, a rivalidade, a luta pelo domínio. O que é exteriores, mas tão só do interior, modificando-se o homem, pa-
natural no plano do involuído aparece como algo de monstruo- ra que seu comportamento se torne diverso. De outro modo,
so no plano do evoluído. O ser inferior é protegido pela sua in- embora mudando vestimentas e atitudes, o homem continuará a
sensibilidade e ignorância, que não o deixam perceber a sua in- praticar as mesmas coisas, movido pelos mesmos impulsos.
ferioridade. O animal não sabe que é animal. A fera não sabe Proclamar ideologias é fácil. O mundo apresentou muitas
que é feroz e continua sendo assim, inocentemente. Sem con- até hoje! Mas tudo tende a permanecer sempre o que era antes.
traste não há possibilidade de percepção, e o contraste somente De nada serve mudar de vestimenta, quando o comportamento
se torna possível quando se pode fazer a confrontação, isto é, permanece igual. O problema não está em pertencer a este ou
quando se está num plano diverso. aquele grupo humano, seja religião, partido, ideologia etc., mas
O próprio conceito de justiça também se transforma, confor- sim em deixar de ser involuído, pois este não sabe viver senão
me seja visto de um plano ou do outro. No plano animal, é justo e com os princípios e instintos do seu plano. O mal é profundo,
legítimo direito do mais forte estraçalhar o mais débil, que pela enraizado na própria natureza humana, e não pode ser curado
mesma justiça deve ser esmagado. O próprio Cristo, descido na com sistemas políticos ou reformas sociais, dentro das quais o
Terra para lançar um mais elevado ideal de vida, teve de se sub- homem permanece o que é. O problema é biológico, é muito
meter a esta lei, tendo sido sacrificado depois de ser julgado por mais amplo que o fenômeno social, porque interessa a toda a
diversos tribunais constituídos legitimamente. E, após ser prega- evolução da vida em nosso planeta, de que o fenômeno social é
do na cruz, os seus crucificadores lhe pediram, com desprezo, apenas uma particularidade.
que desse prova de sua força, salvando-se a si mesmo. Isto por- Nosso mundo atual é dominado por esta realidade, que é o
que o valor de um homem está em dar prova de força, e não de seu plano de vida, realidade que penetra e arrasta tudo e todos,
bondade, para salvar a si mesmo, e não aos outros. instituições, religião, moral, ideais, porque tudo é entendido e
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 17
vivido conforme este nível de vida. Qualquer ideal superior formadas pelo material humano comum, dado não haver na
que desça de planos mais altos à Terra, vem a ser adaptado à Terra outra coisa, é natural que, para se tornar possível sua
natureza humana, transformado, retorcido, esmagado, até se existência na Terra, essas religiões devam apoiar-se também
reduzir às medidas que a Terra exige, porque, de outra forma, nos métodos humanos. Explica-se assim, como isto aconteceu
se não for assim limitado, a Terra não o pode conter. Qualquer na história e ainda se verifique. Explica-se, mas não se justifica
teoria, para ser vivida, conquanto seja elevada e bela, tem que Porém, embora não se justificando, isto não quer dizer que seja
entrar na forma mental do ser que a deve viver. É ele quem a possível eliminar imediatamente o fato. A eliminação poderá
usa e se apropria dela, que nele se torna vida. Quando uma dar-se gradualmente, de acordo com a possibilidade suportada
ideia superior desce à Terra, trava-se uma luta entre ela e o pela natureza humana, conforme o nível evolutivo alcançado.
homem, cada qual querendo vencer, impondo-se um ao outro. Verifica-se desse modo um processo de progressiva purificação
É assim que, em dois mil anos, o Evangelho lutou para trans- das religiões, em que a doutrina vai cada vez mais se enxertan-
formar o homem, e o homem lutou para transformar o Evange- do na natureza humana, até que todas as escórias da involução
lho. Disto resultou uma adaptação a meio caminho, que, se venham a ser eliminadas e, finalmente, do involuído nasça o
deitou água no vinho, diluindo-o, permitiu, todavia, que uma evoluído. O fato positivo é que, em torno do fulcro da própria
certa porcentagem dele viesse a ser absorvida, sem o que a be- doutrina, toda religião vai evoluindo, desmaterializando-se e
bida teria sido rejeitada, por ser demasiado forte para ser aceita espiritualizando-se cada vez mais, isto é, subindo sempre mais
pelo estômago de um ser como o homem atual. da animalidade à fase humana e super-humana.
Quem escreve um livro não possui força bastante para influ- Assim é que, se tudo em nosso mundo é dominado por uma
ir; no desenvolvimento de fenômenos tão grandes. Nada mais realidade biológica de plano evolutivo inferior, tudo, no entan-
podemos fazer do que observar como espectadores o que acon- to, vai subindo lentamente para um plano de vida superior. Ob-
tece. Podemos, porém, alcançar o resultado de fazer com que servemos a evolução do instinto da família, primeiro núcleo da
alguns possam orientar-se corretamente e, assim, mover-se me- sociedade humana. Retrocedendo para os estados mais primiti-
lhor na vida, dando aos seus fatores um valor mais equilibrado, vos, verificamos que é mais dura a luta e, com isto, mais feroz
orientado por ter compreendido devidamente estas observações. a vida. A mulher é a escrava que deve trabalhar, obedecer e
Alcança-se, assim, menor motivo de escândalo e de condena- servir. A evolução conduz a uma sempre maior proteção dos
ção, porque, compreendidas as causas do que acontece, encon- fracos, exatamente porque leva o ser fora do plano do involuí-
tra-se a explicação de que, em última análise, tudo é conse- do, onde vigora a lei do mais forte. Libertar-se, com a ascensão
quência lógica dos elementos que se possuem e das forças pos- da vida, desta lei de prepotência, significa caminhar cada vez
tas em ação. Para quem observa e vê todos os fatores do pro- mais da fase de força à de justiça, onde há sempre mais lugar
blema, tudo reentra no âmbito de uma lógica perfeita. para os fracos, que eram antes inexoravelmente condenados.
Se toda doutrina que aparece na Terra não tomasse corpo Paralelamente, torna-se cada vez mais importante o problema
numa casta dirigente e no grupo social que a representa, quem a da defesa e educação dos filhos, problema antes inexistente.
sustentaria? Quem defenderia e conservaria aquele patrimônio, No estado mais primitivo, a natureza deixa gerar com toda
se a ele não se ligassem os interesses materiais daqueles que prodigalidade, submetendo depois os filhos à seleção natural,
devem efetuar este trabalho? Estamos na Terra, onde não se de maneira que somente os mais fortes sobrevivem e os outros
pode esquecer, em momento algum, que estamos sujeitos às ne- perecem. Mulher escrava e filhos largados às suas próprias
cessidades resultantes desta condição. Depreciam-se as rivali- forças, esta era a condição primitiva.
dades entre as religiões, no entanto, dada a natureza do homem Uma das maiores obras da evolução humana é a redenção
atual, como não reconhecer sua utilidade quando, para um ser da mulher. Atualmente, o matrimônio garante a ela a proteção e
construído de luta e para quem a vitória sobre o próximo é o a posição social do marido. Em outros tempos, porém, todos os
que mais interessa, a rivalidade é o impulso que mais o estimu- direitos eram do macho, porque era o mais forte, conforme a lei
la a ocupar-se de problemas pelos quais, de outro modo, não te- que imperava nos planos de vida inferiores. Passando do reino
ria nenhum interesse? Quando atrás da doutrina existem os pró- da força ao da justiça, os pesos, como é justo, começam a ser
prios interesses materiais, quão mais calorosamente ela é de- transferidos dos ombros dos mais fracos aos dos mais fortes.
fendida! Quando o descrédito em que ela possa cair significaria Eis, então, que ao macho não compete mais somente o direito
a ruína da própria posição social, como se aguça a inteligência de ser servido, mas também o dever de proteger e trabalhar para
para descobrir e sustentar o valor dos seus ideais! prover o necessário. A mulher não é mais a escrava, e sim a
É assim que o Evangelho se tornou a bandeira defensiva de companheira. Os filhos não são largados à seleção natural, mas
uma casta que procurou viver à sua sombra. Mas, em nosso devem ser criados, educados e acompanhados até que atinjam
plano biológico, esse Evangelho tornou-se uma espécie de gai- uma posição própria na sociedade. A família passa a tomar um
ola de ferro para o homem, à qual ele, assim fechado nela, teve aspecto ético superior, representa uma função social, torna-se
que se adaptar, aprendendo a viver conforme a lei de um plano uma missão a ser cumprida. Neste processo, tocamos com a
de vida mais elevado! Que forma de disciplina para todos, tan- mão a transformação a que o ser é submetido com a passagem,
to ministros como fiéis, tornou-se aquele código! É assim que, por evolução, do plano do involuído ao do evoluído. O estado
constituindo castas, com posições terrenas bem delimitadas, as de egoísmo separatista é reabsorvido, cada vez mais, num esta-
religiões fixam na Terra, através destas organizações, também do de amplexo fraterno; o caos torna-se ordem; a força, justiça;
uma disciplina de vida. O fato é biologicamente importante, a revolta transforma-se em disciplina. Inicia-se, assim, come-
porque a fixação de uma norma de conduta importa na sua çando do primeiro núcleo, que é a família, aquele processo de
longa repetição, incidindo na natureza humana, para transfor- reconstrução que conduz do estado caótico do individualismo
má-la, porque é a repetição que estabelece os automatismos separatista ao estado orgânico, que, como já dissemos, é o esta-
formadores dos novos instintos. É por esse caminho que o do das mais evoluídas sociedades futuras.
Evangelho se enxertará na carne e no sangue do ser humano, Com as observações que vamos fazendo, nos foi possível
transformando-o de involuído em evoluído. dar conta não só do plano evolutivo em que está situada a hu-
Compreende-se, pois, porque as religiões tiveram de se manidade atual, mas também observar a transformação que nela
apoiar nos ricos e nos poderosos. É verdade que sua força deve- se verifica com a subida do plano biológico do involuído ao do
ria ser toda espiritual, desdenhando os expedientes humanos, evoluído. Pudemos, assim, alcançar a explicação dos vários as-
mas isto constituiria uma igreja perfeita, formada por santos, o pectos da realidade dos fatos, que confirmam, por sua vez, as
que não é possível na Terra. Sendo, entretanto, as religiões teorias desenvolvidas.
18 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
III. O VERDADEIRO TRIUNFO de ataque e de defesa, a sua reação foi o perdão. Num mundo
em que é o mais forte quem vale, este sistema é a maior tolice,
Já manifestamos claramente que não nos move, no estudo considerado, com desprezo, como impotência dos fracos. Nes-
que vamos fazendo, o intuito de acusar para condenar quem tas páginas, entretanto, iremos estudando cada vez melhor a
quer que seja. A psicologia da condenação e da polêmica é técnica desta estratégia, para demonstrar que ela, ao invés de
própria da mentalidade do involuído, e queremos exatamente representar uma tolice ou impotência dos fracos, é a maior sa-
superar essa atitude costumeira. É neste plano de vida que é bedoria e poder dos fortes. Verificaremos, de fato, que, com es-
usual sobrepujar o próximo, constituindo-se em seu juiz, para te método, o nosso protagonista, sem usar as armas humanas,
nele encontrar e demonstrar os defeitos, a fim de vencê-lo. na ausência da quais o tipo comum sente-se desarmado e perdi-
Contrariamente, procuramos assumir o ponto de vista do evo- do, conseguiu vencer plenamente, evitando todos os danos im-
luído, usando a sua psicologia, que não é vencer, coisa que, plícitos nas vitórias humanas. Explicamos e continuaremos a
naquele plano, não faz sentido. Para compreender, procura- explicar as respectivas razões.
mos observar o mundo de um plano mais elevado, onde os Estamos no mundo humano, mundo predominantemente do
instintos e os métodos são diferentes. Desse modo, pensamos involuído, dirigido não pela inteligência, bondade e justiça, mas
com uma forma mental em que não interessa a própria supre- pelos instintos da animalidade. Baseado no princípio da vitória
macia, mas sim a compreensão; onde não importa e nada sig- do mais forte, nele torna-se natural e contínua a luta para o
nifica a luta para vencer; onde é de muito maior valia saber triunfo desse mais forte. O estado normal é, pois, de guerra de
coordenar-se na harmonia da Lei. Mundo este bem estranho, todos contra todos, numa tentativa de sobrepujamento recíproco
muito diferente do nosso; mundo onde não há necessidade de para vencer, sendo, por isso, um estado armado, em que a paz é
discutir contra os outros para ter razão e provar que eles estão condição excepcional e a agressão torna-se possível a todo o
errados. Naquele plano, a verdade não é um produto individu- momento. E, de fato, a paz não é senão a trégua entre duas
al a ser imposto, mas é uma substância universal, situada na guerras, um descanso para a preparação de outra. Isto é verda-
Lei e acessível a todos, já que, para quem tem olhos, a Lei sa- deiro tanto para as nações como para os indivíduos.
be mostrar-se de per si, e todos quantos possuam intelecto po- O que permanece é o fato da agressividade contínua. Como
dem compreendê-la. Então, quando alguém erra, mesmo con- se comportam em face desse fato os dois tipos, o involuído e o
tra nós, a sua condenação ou punição de nossa parte, além de evoluído? O primeiro se mantém permanentemente armado,
não ter sentido, ainda é contraproducente, pois, para esse tra- calcula o poder do vizinho e procura superá-lo, armando-se ca-
balho de endireitamento, existe a Lei, que o sabe fazer muito da vez mais. Entre as nações, é bem conhecida a corrida arma-
melhor, visto ser mais poderosa e mais sábia do que nós. mentista. De forma semelhante, entre os indivíduos, cada um
Condenar torna-se contraproducente para nós, porque, estando procura superar o vizinho em poder econômico, posição social
fora do reino da força e dentro do reino da justiça, se quiser- etc. Neste plano, o ser conta exclusivamente consigo mesmo,
mos usurpar à Lei as suas funções próprias de justiça, que não pois sabe que, se não conseguir defender-se por si mesmo, nin-
nos compete mais, violamos a ordem, lei desse plano, e fica- guém o defenderá e estará perdido. Esta é a consequência natu-
mos, portanto, sujeitos a sofrer as consequências da violação. ral do princípio do separatismo vigente neste plano.
Devemos compreender que o plano do evoluído é o plano or- A posição do evoluído é completamente diversa. Se, de
gânico, onde tudo funciona bem, bastando que cada um per- acordo com o ensinamento do Evangelho, ele jogou fora todas
maneça plenamente disciplinado em seu lugar. Isto, repetimo- as armas humanas, todavia mantém consigo, para sua defesa,
lo, em plena divergência com nosso plano, onde o próprio lu- uma arma diferente e bem mais poderosa. O ponto fraco do in-
gar, nesse regime de individualismo desorganizado, cada um voluído está no seu separatismo, que o torna um ser isolado,
deve conquistar por si mesmo, de modo que a posição do in- circundado em toda parte de inimigos e perigos. O ponto forte
divíduo não exprime sua função no organismo, mas apenas a do evoluído está em sua organicidade, que o torna um indivíduo
força que ele possui e com a qual conseguiu afirmar-se. unitário, circundado em todos os lados por amigos e auxílios.
Assim é que, no plano do evoluído, em face da ofensa, rea- Ele não possui o egoísmo para separá-lo do próximo, e este não
ge-se com o perdão, tal como aconselha o Evangelho, que é é seu inimigo, mas seu amigo. Assim, aquele estado de guerra,
próprio daquele plano. O involuído acredita que, se ele perdoar, que torna a Terra um inferno, cai por si só, como também caem
então ficará sem defesa e, pensando assim, erra por causa de a necessidade de viver sempre armado em luta permanente e
sua miopia. No entanto perdoar é a melhor defesa, poder-se-ia todas as suas consequências. Eis, então, como se torna possível
dizer até mesmo a maior vingança, porque então, ao deixarmos o abandono de todas as amas, que é aconselhado pelo Evange-
tudo nas mãos de Deus, intervém a Lei, e não há poder ou astú- lho e que, para o mundo, parece loucura.
cia humana, nem tempo algum, que possam fazê-la parar. E O que acontece em face de uma agressão? Como se com-
quem conhece a Lei sabe muito bem que a justiça será feita, portam os dois diferentes tipos? O involuído aponta todas as
sem nenhuma possibilidade de escapar. Será esta exatamente a suas armas e apresta-se para a batalha. É o momento de desen-
conclusão e a moral da história que começamos a contar. So- volver ao máximo todo o seu poder destrutivo, para aniquilar
mente a ignorância dos primitivos pode supor que o sistema do fisicamente a parte adversa. Do egoísmo separatista não pode
Evangelho deixe o indivíduo sem defesa e que, quando este não nascer senão esta revolta contra a vida, continuação da primeira
recorre aos seus próprios meios, está abandonado e perdido. Is- revolta, causa da queda. A batalha cria uma atmosfera de des-
to pode acontecer nos planos inferiores, onde reina a desordem, truição, de onde emerge o grande vencedor, pronto para conti-
mas não nos superiores, onde reina a ordem e a justiça. nuar lançando-se contra outros, menos fortes do que ele, para
Retomaremos mais adiante a narrativa do nosso protagonis- destruí-los. E, desse modo, o bonito jogo continua ao infinito,
ta, que deixamos momentaneamente em suspenso, para enqua- nesse plano de vida. O sistema da luta não resolve a luta, e ven-
drá-la na amplitude dos problemas maiores, nos quais se encai- cer não significa afirmação de paz. O mundo tem sempre aca-
xa como parte. Eram necessárias estas explicações para justifi- bado uma guerra para recomeçar com outra.
car sua conduta, condenada por um mundo ignaro, de acordo Qual é, ao invés, o comportamento do evoluído? Como po-
com uma ou outra psicologia. Somente assim, estudando-lhe as de ele vencer, reagindo com o perdão? Qual a significação da
razões profundas, podemos explicar o significado e a lógica do não resistência? Se for verdadeiro que o mal deve ser destruído
seu comportamento aparentemente estranho. Em face da luta pelo acréscimo de um mal maior, como pode ser de maior van-
própria do plano humano, da qual decorre um estado contínuo tagem o sistema de não resistir ao mal? O fogo apaga-se com a
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 19
água, e não com outro fogo. O mal é uma dívida humana que é bientes, e a distancia espacial não pode impedir que eles perma-
preciso pagar, e as dívidas não se extinguem criando-se novas neçam espiritualmente seus vizinhos. Ele se mantém em comu-
dívidas, com as quais, ainda quando se alcança uma prorroga- nhão com estas grandes coletividades espirituais, e é deste mun-
ção, a dívida aumenta e não se resolve. Um estado qualquer não do mais elevado que descem as forças para defender o evoluído,
pode ser eliminado senão por uma ação contrária. O mal é ca- tornado inerme por haver deitado fora todas as armas. O mundo
rência de bem, o ódio é carência de amor. Quando caímos no se ri dele, tal como fizeram os crucificadores de Cristo ao pé da
negativo, por inversão do positivo, não conseguiremos sair des- sua cruz. Ri-se dele por vê-lo desarmado e fraco, mas não sabe
sa condição continuando a inverter o positivo no negativo, mas que ele é o mais armado de todos, a quem, depois das várias pe-
tão-somente iniciando o caminho oposto, do negativo ao positi- quenas vitórias dos involuídos, destinadas à eliminação recípro-
vo. É, pois, absurdo acreditar que o mal possa ser curado com ca, pertence exclusivamente a última vitória. A ignorância do
um mal maior. O mal só pode sarar com o bem; o ódio não po- involuído é tamanha, que ele além de ser capaz de acreditar que
de sarar com mais ódio, mas tão-só com o amor. o homem evangélico seja um débil – quando, em vez disso, ele é
Eis como nos encontramos, no mesmo caso, com duas solu- o mais forte, o único e verdadeiro vencedor – também supõe que
ções completamente diferentes: a reação para o involuído e a a vida seja tão pobre de meios e de tão reduzida inteligência, que
não resistência para o evoluído. O primeiro método corresponde deixa os seus pontos mais vitais desprotegidos, à disposição da
ao sistema elementar dado pelo principio da ação e reação, fun- prepotência dos menos evoluídos.
cionando no campo dos elementos isolados pelo seu separatis- Devíamos fazer estas considerações, não só para explicar a
mo, que não lhes permite conhecerem-se um ao outro. Eles têm estranha conduta de nosso protagonista, mas também para com-
ações independentes, agindo e reagindo nos recíprocos embates, preender como, por caminhos tão inusitados, ele pode alcançar a
com simplicidade, ignorando qualquer técnica mais complexa. vitória. Este estudo conduz à compreensão da significação pro-
O método do evoluído corresponde ao sistema mais elevado, funda do Evangelho e da estranha estratégia usada por ele para
dado pelo princípio da reabsorção, que se torna possível onde os vencer a batalha da vida. Nossa tarefa não é apenas contar uma
elementos estão fundidos no mesmo campo, num estado orgâni- história, mas, acima de tudo, compreender os elementos sobre os
co onde todos se conhecem bem um ao outro. Não agem eles in- quais ela se apoia, as forças que a movem e a sustêm, a lógica
dependentemente, ignorando-se reciprocamente, mas vivem que a guia e a sua profunda significação moral e espiritual.
numa contínua interdependência recíproca, na posição de ele- Continua a grande batalha entre involuído e evoluído. A his-
mentos comunicantes, própria do estado orgânico. Sua vida, tória que iremos contar é a de um cordeiro que anda entre os
evoluindo do estado fragmentário, coordenou-se no estado uni- lobos e vence, sem armas, com o perdão e o amor. O involuído
tário. Decorre disto que, sendo cada um parte do mesmo orga- responde: “Não, não é possível. Sei, por minha experiência,
nismo, desferir um ataque contra o vizinho não importa em ferir que, se ainda estou vivo, devo isto ao fato de ter sabido defen-
um estranho, mas a si mesmo, porquanto golpeia-se um outro der-me. Sei, ainda, que, se quiser continuar a viver, não há ou-
elemento do mesmo organismo constituído por si próprio, de cu- tro meio senão continuar com o mesmo sistema”. O raciocínio
ja vida total é formada também a própria vida particular. permanece verdadeiro, enquanto se tratar de involuídos. Se um
A grande diferença entre involuído e evoluído, da qual todo deles passar a se fazer cordeiro, é natural que venha a ser devo-
o resto depende, é o estado de separatismo individualista no rado, porque esta é a lei do plano a que pertence. Mas isto não
primeiro caso, e de coordenação unitária no segundo. Dados es- quer dizer que deva se dar o mesmo com o outro tipo, o evoluí-
tes dois princípios opostos, é lógico que deles decorram conse- do, em cujo plano a lei é diferente e pode permitir que ele ven-
quência opostas, isto é, o método da reação para o involuído, e ça lá, onde o outro perde, quando usa os mesmos sistemas.
o método da compaixão e perdão para o evoluído. É lógico, no Vimos como se comportam os dois biótipos, o involuído e
primeiro caso, considerarem-se inimigos os estranhos, como o o evoluído, em face do problema do ataque e da defesa. Con-
é, no segundo, considerarem-se amigos os membros da própria tinuemos a observar as diversas atitudes psicológicas e modos
família. Tudo depende da atitude mental dada pela própria psi- de comportamento que, em face também de outros problemas,
cologia, inerente ao plano biológico em que se vive. A diferen- decorrem para estes dois tipos de tão diversa natureza e forma
ça está no fato de que o involuído considera os seus problemas mental. A vida, observada do lado do evoluído, não pode pa-
isolados dos outros, enquanto o evoluído os considera todos recer a mesma daquela observada do lado do involuído. Os
fundidos, cada um como parte do mesmo problema de todos. É dois modos podem inclusive conduzir a conclusões opostas,
este diferentíssimo comportamento dos dois tipos a razão pela especialmente quando, encontrando-se os dois tipos a convi-
qual eles, não podendo compreender-se um ao outro, vivem em ver no mesmo terreno, surge entre eles o problema do relacio-
posições antagônicas na Terra, excluindo-se reciprocamente. namento, onde os julgamentos tomam características de reci-
Assim é que o involuído permanece irremediavelmente separa- procidade. Todos julgam: o evoluído julga o involuído e o in-
tista, enquanto o evoluído permanece orgânico unitário. voluído julga o evoluído, cada um com a sua tábua de valores
Dir-se-á, no entanto: como é possível que este último, sendo e moralidade, naturalmente condenando o outro, uma vez que,
na Terra uma exígua minoria, seja organicamente unitário, como por coerência e interesse, condena-se tudo o que está fora das
é afirmado constantemente? Onde se encontra esta unidade or- próprias unidades de medida.
gânica, que é inexistente na Terra? É preciso antes recordar que Em nosso mundo, na Terra, é reconhecida oficialmente e
a Terra não é todo o universo, que as formas terrestres de vida vigora uma ética padronizada para a medida média, adaptada à
não são todas as formas de vida e que o evoluído é um exilado sensibilidade e exigências da maioria. Acima desta média, no
na Terra, pertencente a outros grupos étnicos, situados em outros alto, há os santos, os gênios, os heróis; embaixo, os primitivos,
planos, com outra forma de vida. Este, nascendo na Terra, traz os selvagens, os delinquentes. Uns e outros estão fora do pa-
consigo os métodos de sua raça, métodos que não são os do nos- drão de referência. Esta média forma para si uma ética adaptada
so mundo. Se, neste nosso mundo, aqueles métodos não vigoram à sua sensibilidade e às exigências de sua vida, sem alcançar,
e são mal recebidos, isto não exclui que, alhures, eles não dei- porém, estes pontos extremos. Sendo inumeráveis as gradua-
xem de funcionar plenamente. Devem existir, pois, mundos de ções do desenvolvimento evolutivo pessoal e estando cada um
maior progresso, em que o Evangelho, com os seus princípios de situado em diferentes pontos da escada, há, por isto, um contí-
convivência fraterna, deve constituir uma posição já alcançada, nuo trabalho de adaptação do próprio caso particular àquela éti-
uma realidade vivida, e não uma meta longínqua a alcançar, uma ca geral. Então acontece de fato que, enquanto a ética geral
realidade futura. Os companheiros do evoluído estão nesses am- procura enquadrar todos nas suas normas, todo indivíduo, por
20 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
sua vez, procura adaptá-la o mais possível ao próprio tempera- nião de um homem possa pesar em fenômenos históricos de tal
mento, defendendo-se contra aquelas normas e buscando ser o amplitude. Procuramos somente compreender o que um homem
menos possível incomodado por ela. O moralista, que dita as poderia fazer, uma vez que isto pode ser útil para explicar o fe-
leis da conduta humana, deve fazer suas contas com esta resis- nômeno e verificar que, se as coisas assim se desenvolveram e
tência por parte do material vivo sobre o qual aquelas leis de- a vida as permitiu, esta, que é inteligente, deixou acontecer as-
vem incidir. Se as leis, porque as contas estão erradas e a resis- sim porque, naquele determinado momento, devia satisfazer ou-
tência é demasiado forte, exigirem mais do que a maioria pode tras exigências, ainda que inferiores e transitórias. Dadas as
dar, então é o legislador e a sua ética que vão para o ar. Poderão condições relativas de um determinado momento, dão-se alguns
ser descuradas as minorias, que terão de resolver por si mesmas vezes, face aos desenvolvimentos futuros, certos males, para
os seus problemas, mas não se poderá pretender possuir a força cumprir suas funções criadoras de bem.
de dobrar as massas, exigindo delas o que não podem dar. É interessante observar como acontece o fenômeno da des-
O mundo está repleto de leis religiosas e civis, de costumes cida dos ideais na Terra. Um evoluído cidadão de outras huma-
sociais, de normas de todo quilate, que estabelecem qual deve nidades toma o seu corpo na Terra. Os homens, observando que
ser a conduta do indivíduo. Deixando de lado o evoluído, pois a ele possui um corpo igual ao seu, o julgam um seu semelhante.
exceção não faz número, a massa vem a se encontrar em face de Mas, embora tudo apareça igual externamente, não o é interi-
uma série de imperativos éticos que encerram como num torno a ormente, onde habita uma alma de outro tipo. Começa esta a
sua natureza animal inferior, para impeli-la a evolver. Por isto, manifestar-se pela palavra e pela ação. Como se verificou com
então, as massas anelam a liberdade. No entanto a liberdade que S. Francisco, os normais condenam imediatamente, julgando-o
elas invocam não cria seres livres, mas sim escravos, pois o que um louco. Mas ele insiste, procura fazer compreender a sua es-
elas desejam, de fato, é somente livrar-se do esforço que lhes é tranha linguagem, que não é a do mundo; continuando firme-
imposto pelas normas éticas para evolver, estando ansiosas para mente no seu modo de agir, demonstra uma força que os nor-
continuar a refestelar-se na animalidade. O moralista, como le- mais começam a perceber e que, como toda força, induz ao res-
gislador que se propõe a ditar normas de vida, nunca deve es- peito. Mas, depois, eis que as massas o acompanham por um
quecer a natureza involuída do tipo biológico a quem elas se di- sentimento que é muito mais que o temor gerado pela força: é
rigem e de quem se exige adesão. Em nosso plano de vida, tudo estima, veneração, amor. Por que isto? É que nos equilíbrios
é luta, também entre as leis e o indivíduo, entre os princípios e a das forças biológicas em ação, manifesta-se também o poder do
sua atuação, entre a teoria e a prática. Em nosso mundo, a inteli- ideal, que, na vida, tem, por certo, a sua função. O evolver é
gência não é usada para aderir ao ideal e imitar os modelos apre- mesmo uma das fundamentais exigências da existência. Dos
sentados à humanidade, mas sim para refinar-se cada vez mais planos mais elevados, desce, para os mais baixos, uma atração,
na arte de evadir-se ao peso da disciplina, reduzindo e até mes- uma espécie de fascinação, que move a inconsciência instintiva
mo invertendo tudo em seu próprio favor. como um convite e um impulso a obedecer aquela atração. As-
Eis então que, quando um evoluído desce na Terra, trazendo sim, a vida move o ser, por meio destes seus fios misteriosos,
aqui, do seu mais elevado plano de vida, novas normas de con- para arrastá-lo para onde ela quer. Igualmente acontece no mis-
duta para guiar a humanidade, educando-a e impulsionando-a tério da atração sexual, a que se obedece sem saber o porquê.
ao progresso, assistimos ao estranho fenômeno onde, em vez de Mas é bastante que o saiba a vida, que tudo dirige.
uma adesão consciente, na vantagem própria de evolver, verifi- Desse modo, as massas seguem o homem superior, a quem
ca-se a procura de escapatórias para subtrair-se àquelas normas, a natureza confere uma fascinação que lhe é indispensável para
que representam, no entanto, um convite para se elevar. Eis executar o trabalho que lhe confia, como confere fascinação à
como são recebidos na Terra os ideais descidos do mundo do mulher, por lhe ser esta indispensável para cumprir a sua fun-
evoluído. Tudo é sempre luta, e, uma vez que os ideais atacam ção, a de gerar. Assim, as massas seguem o evoluído. São dois
a animalidade para superá-la, sempre surge dela a reação para termos opostos e, como o macho e a fêmea, são, por isto, con-
sobreviver. Então, a inteligência, em lugar de ser usada para duzidos ao abraço. A massa humana representa a fêmea, o ele-
evolver, é empregada para não evolver. mento negativo que recebe a marca, dobrando-se, por ser mais
Será interessante, ao lado do estudo da ética, estudar parale- débil, diante do outro elemento, que é mais poderoso. Eis então
lamente as escapatórias encontradas pelo homem para subtrair- que, na última fase do desenvolvimento do fenômeno, assim
se à pressão das normas dessa ética. Tais subterfúgios represen- como o macho submete a fêmea, o homem superior imprime o
tam muitas vezes primorosas obras primas da astuciosa arte da seu sinete de fogo nas carnes de seus seguidores. Como se deu
evasão, como no Maquiavelismo e no Jesuitismo, verdadeiras com Cristo e o cristianismo, as massas, depois, rebelar-se-ão,
escolas e sistemas de evasão. Assim, por exemplo, quando São procurarão evadir-se com astúcias inumeráveis. O abraço inici-
Francisco, como biótipo evoluído, quis transferir para a Terra, al, todavia, continua e, como todo abraço, será uma forma de
pelo menos na sua ordem religiosa, uma aplicação integral do luta. Mas, na luta, Cristo, para vencer o mundo, e o mundo, pa-
Evangelho, os seus seguidores próximos, seus contemporâneos, ra destruir Cristo, os dois estão abraçados. O elemento negativo
resistiram àquilo que lhes parecia excessiva rigidez da regra da oferecerá todas as resistências, mas está nas leis da vida que ele
Ordem e procuraram refazê-la, para adaptá-la numa forma de seja dominado e fecundado pelo elemento positivo, que é o
maior comodidade. Depois disto, as três ordens franciscanas, mais forte. A luta continua e continuará, mas a semente foi
dos Menores, dos Conventuais e dos Capuchinhos, mesmo di- imersa no terreno que havia de recebê-la. Continuará a luta,
vergindo em algum ponto, conseguiram todas se evadir do voto mas o germe fecundador aí está ativo, gerador do feto que é a
fundamental de São Francisco, que era a pobreza, contornando a alma do homem novo e representa o biótipo do evoluído; e o
questão no sentido de nada possuir individualmente, mas po- processo não poderá parar até que aquele novo ser nasça.
dendo possuir coletivamente, como Ordem. De fato, os Conven- ◘ ◘ ◘
tuais vieram a ser denominados assim porque eram proprietários Eis como se verifica o fenômeno da descida dos ideais na
dos maiores conventos da ordem. A própria Igreja de Roma, que Terra. Trata-se de um processo que lembra o da fecundação, pe-
proclama o Evangelho, dizendo: “Se quiseres ser perfeito, vá e lo qual é sempre o elemento positivo, mais poderoso porque es-
dê tudo”, frase que somente São Francisco viveu literalmente, tá a testa do caminho da evolução, que agarra e arrasta consigo
ainda hoje possui muito, e tanto possui, que se constituiu em po- o elemento negativo, que, como mais fraco, é arrastado e dessa
der temporal durante séculos, ao lado de outras castas reinantes. forma conduzido para frente. Evoluído e involuído são os dois
Porém não condenamos. Seria infantil pretender que a opi- termos desta união.
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 21
São três as grandes finalidades da vida, que as alcança atra- Cada qual age conforme a própria natureza e, com isto, re-
vés de três formas de união; pondo no ser, para esse fim, instin- vela-se. Continuemos a observar o comportamento diverso
to adequado. 1o) a conservação do indivíduo, pelo que este se dos dois tipos, de modo que cada um possa reconhecer-se de
une ao seu alimento, impelido pelo instinto da fome. 2 o) a con- per si. Colocado diante de seus próprios defeitos, o evoluído
servação da espécie, pelo que o macho se une à fêmea, impeli- não se sente ofendido, mas procura corrigi-los, uma vez que
do pelo instinto no amor. 3o) A ascensão do tipo inferior, pelo seu escopo é o de melhorar. Se observa defeitos dos outros,
que o evoluído se une ao involuído, impulsionado pelo instinto procura advertir particularmente, para aconselhar e melhorar,
da evolução. Três finalidades a alcançar, três uniões a serem não para acusar, procurando o bem do próximo e não uma
efetivadas, três instintos a serem saciados. Em cada caso há um ocasião para desacreditá-lo. Aviso que é aceito, por trazer o
redobramento do mais para o menos, estendendo a mão, aju- bem e ser feito com amor.
dando-o a levantar-se para o alto. E, então, o menos torna-se Contrariamente, o involuído, posto em face de seus defeitos,
instrumento do mais, como meio para sua realização. Isto mos- ofende-se e não procura corrigi-los; justifica-os e defende-os,
tra-nos como a vida é una, não obstante os seres se distanciem uma vez que seu escopo é o seu triunfo egoísta, a afirmação do
nos seus diversos planos. Mostra também como, dividida nos eu; se encontra defeitos nos outros, procura acusar o próximo,
seus particulares, permanece compacta por ser regida por prin- sem buscar compreender a sua fraqueza, a sua luta para melho-
cípios uniformes, que estabelecem uma rede universal de rela- rar, as dificuldades para superar a própria animalidade; acusa-o,
ções que entrelaçam tudo a tudo. por estar em culpa e defeito contra os grandes ideais, exaltando-
Estamos no reino do relativo, em que todo ser é um frag- os, assim, ao negativo, como meios de agressão e condenação
mento e, como tal é incompleto, sendo, por isso mesmo, conti- Nenhum aviso particular oferece para ajudar a melhorar e cor-
nuamente impelido à procura do seu termo complementar, do rigir, mas escandaliza-se, como é direito dos puros, dos juízes,
qual necessita para completar-se. O termo complementar do a cujo lado o involuído gosta de colocar-se. Na sua astúcia, ele
evoluído é o involuído. Por isto, Cristo amou, mais do que to- gosta de tomar a veste de integérrimo, porque isto o situa na
dos, os humildes, os pecadores, a ovelha perdida. Este é o des- posição privilegiada de defensor do ideal e o autoriza à conde-
tino fatal dos mais adiantados: o de se sentirem atraídos pelos nação, em que o seu eu triunfa, erigindo-se em modelo para o
mais atrasados, por ser esta exatamente a função biológica do esmagamento do próximo. É o completo triunfo do instinto
evoluído, isto é de os fazer progredir. É esta atração que explica egocêntrico, oposto ao instinto altruísta do evoluído. Desse
o seu instinto de sacrifício em prol dos piores, os que, exata- modo, revela-se o involuído.
mente, mereceriam menos tal sacrifício. A vida é lógica, eco- Seu terreno, como havemos dito, é a luta, em função da qual
nômica e utilitária. Se ela cumpre este contrassenso, havemos se desenvolvem seus pensamentos e atos. Encontrando-se em
de presumir que ela possui seus bons motivos, que, aliás, são os ambiente hostil, que o mantém continuamente na necessidade
acima referidos. Podemos, assim, compreender também racio- de ataque e defesa, o problema de melhorar-se é sobrepujado
nalmente porque Cristo tomou sobre si os pecados do mundo e pelo problema mais premente de lutar pela sobrevivência. Neste
o que isto significa em face dos princípios positivos da vida. ambiente de rivalidade, deixar que outro descubra os seus de-
De outro lado, o termo complementar do involuído é o evolu- feitos significa pôr a descoberto o ponto fraco a ser tomado por
ído. Aquele persegue este, mata-o, depois rebela-se, mas o seu alvo pelo próximo, pronto para agredi-lo. Explica-se assim por-
ponto de referência, seja mesmo em forma negativa, é sempre que, em nosso mundo, seja tão difundida e instintiva a mentira,
aquele, o evoluído. Quem blasfema contra Cristo, afirma sua tornando-se uma arma de primeira necessidade para a defesa
existência e poder. Esta é a manifestação do inferior, ávido de própria. Condena-se este comuníssimo espírito da mentira, mas
destruição. É com a agressão que ele pode manifestar o seu maior é forçoso reconhecer que isto é uma consequência lógica, ou até
grau de interesse. Sendo inferior, submergido no Anti-Sistema, o mesmo necessária, do espírito de agressividade que o gerou,
involuído é negativo e, sendo tal, assim como ama bestialmente, sem o que a mentira não teria finalidade e, portanto, nenhuma
com a violência, assim mesmo une-se com a revolta. É a sua ma- razão de existir. É lógico, por parte da vida, que ela, ao ser co-
neira de expressão, conforme a sua natureza. O mundo está unido locada em perigo pela agressividade, defenda-se com todos e
a Cristo para enganá-lo, traí-lo, explorá-lo, mas, mesmo assim, a mais adequados meios, de acordo com a elevação do plano em
seu modo, está unido a Ele, que permanece sempre, para todos, que tenham de funcionar. A mentira, de fato, desaparece espon-
tanto para quem o ama, como para quem o odeia, o termo de re- taneamente no plano do evoluído, onde o domínio do espírito
ferência, a unidade de medida dos valores, o farol que indica o de sinceridade elimina automaticamente o espírito da mentira,
caminho, também para os que não querem andar. que cai por si mesmo, não havendo mais para ele, naquelas
Agora, podemos dizer que temos sob as nossas vistas a exata condições, nenhuma necessidade de continuar a existir.
posição do evoluído e a do involuído em face das leis da vida. É assim que a luta torna o plano de vida do involuído um
Podemos compreender suas diversas atitudes em frente aos ide- terreno repleto de traições, uma rede de enganos, um fingimen-
ais, que representam o futuro da evolução. Encontrando-se os to contínuo. Para melhor se enganar, protesta-se sinceridade. A
dois tipos em posições opostas, é natural que seja oposto o seu convivência social, num regime que, embora não aparente, é
comportamento. Situados em face desses ideais, o evoluído é le- substancialmente feito de luta, continuamente educa e obriga a
vado espontaneamente a vivê-los; o involuído, contrariamente, este fingimento. Isto permite a possibilidade de múltiplas inter-
procura escapar-lhes. Este o índice revelador da natureza do in- pretações dos aspectos bifrontes de todos nossos atos, levando à
divíduo. Na posição avançada dos ideais, o involuído encontra- formação de uma segunda personalidade, fictícia, sobrepondo-
se deslocado, enquanto o evoluído encontra-se bem, no seu am- se à verdadeira, para escondê-la. Essa segunda personalidade é
biente natural. A natureza do indivíduo é imediatamente mani- a mais considerada, porque, aparecendo por fora, é a base para
festada claramente pela atitude por ele tomada em face desses o julgamento da opinião pública, que estabelece em nosso
ideais, positiva para o evoluído, negativa para o involuído. O mundo o valor do indivíduo. Trata-se, porém, de um juízo in-
primeiro procura subir, para melhorar-se cada vez mais, é leva- consciente, derivado da explosão de instintos elementares e ir-
do, por isto, a praticar mais do que pregar, mais a querer ser, do racionais, quase sempre egoístas e agressivos. Assim, mesmo
que querer aparecer. O involuído procura submeter os outros sob incompetente para julgar, pois ignora as verdadeiras causas, a
o peso de todas as virtudes, impor aos outros o esforço da ascen- opinião pública está sempre pronta e ávida para fazê-lo, embo-
são, que a ele não interessa; é, por isso, levado mais a pregar do ra, pela própria ignorância, esteja exposta a ser enganada pela
que a praticar, a querer aparecer mais do querer ser. astúcia dos mais espertos e menos honestos.
22 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
A vida é utilitária, e, neste ambiente, convém mais aparen- eles, julgando-se fortes e astutos por terem sabido esmagar o
tar, o que produz estima e confiança, do que realmente ser. No evoluído, que se sacrificou por eles, perdem a oportunidade que
ambiente do evoluído, demonstrar as próprias debilidades não lhes foi oferecida para se evadir e permanecem submergidos no
significa receber desprezo e condenação, mas sim compaixão e pântano de seus males. Os perseguidores de Cristo acreditaram
ajuda, por isso é possível aí a sinceridade. Mas é natural que, conseguir vantagem, mas fizeram seu próprio dano. Desse
num ambiente aonde se vai à procura das fraquezas do próxi- mesmo modo, todos os que põem entraves à missão dos ho-
mo, para delas fazer alvo, a vida se afaste da sinceridade, que se mens superiores acreditam ser vencedores, mas são vencidos;
torna perigosa para ela. Seria absurdo pretender que a vida ande imaginando alcançar ganhos com a liquidação de um inimigo,
contra si mesma. No plano do involuído, o egocentrismo isola- deslizam cada vez mais para trás, para a ignorância e a dor.
cionista dominante separa cada indivíduo do outro, encerrando- ◘ ◘ ◘
o nos seus problemas pessoais e fazendo-o ignorar os proble- Continuemos a observar as diversas posições do evoluído e
mas dos outros. Aí, os defeitos e respectivos males dos outros do involuído em todos os seus aspectos. Ocupar-nos-emos mais
não são os próprios. Torna-se, por isso, legítimo desinteressar- adiante da moral em modo particular, procurando encontrar
se deles ou então persegui-los, quando disto pode resultar um uma, racional, que se eleve sobre bases positivas. Queremos,
acréscimo de si mesmo com o esmagamento do próximo. O aqui, observar somente o comportamento dos dois biótipos em
contrário se dá no plano do evoluído, em que o estado orgânico face das normas propostas como guia da conduta humana.
dominante une todos os indivíduos um ao outro, situando-os A natureza predominantemente egocêntrica e isolacionista
como parte cointeressada na boa solução dos problemas do do involuído, devido à sua posição retrógrada ao longo da esca-
próximo. Neste plano, os defeitos e respectivos males dos ou- la da evolução, mais próxima do Anti-Sistema, manifesta-se em
tros valem como os próprios, sendo, assim, necessário e útil in- toda sua atitude, assim como a natureza predominantemente or-
teressar-se em eliminá-los, uma vez que representam defeito e gânica e unitária do evoluído, devido à sua posição mais avan-
mal para todo o organismo de que se é parte e, portanto, tam- çada, mais próxima do Sistema, igualmente manifesta-se em
bém para todo elemento componente. É natural, então, que o todo seu ato. Assim é que a moral do involuído é predominan-
modo de se comportar dos dois tipos biológicos seja completa- temente egocêntrica; começa de seus próprios direitos em rela-
mente diferente, quando o problema da vida nos dois planos es- ção aos outros e dos deveres dos outros para consigo. O regime
tá estabelecido de modo completamente diferente. de luta em que vive o involuído não pode deixar de aparecer a
Tudo tem sua razão de existir e está no seu justo lugar. De- todo seu passo. Disto segue que a sua, porquanto externamente
vemos ter em conta o fato de que, no plano do involuído, domi- envernizada com a mentira de nobres ideais, é substancialmente
nam a insensibilidade e a ignorância. É para se poder efetivar a uma moral de agressão. O que distingue e revela o involuído é
evolução nestas condições, em pleno regime de separatismo e de exatamente o espírito de agressividade, enquanto o que distin-
luta, que se tornam necessários os duros golpes que os involuí- gue e revela o evoluído é o espírito de amor. Verificamos os
dos se desferram reciprocamente, já que é nesta reciprocidade princípios gerais expostos nos volumes Deus e Universo e O
agressiva que eles cursam a escola necessária. Este é o duro e Sistema alcançarem aqui, no terreno humano em que todos vi-
indispensável pão para a dureza dos dentes dos involuídos. A vemos, suas últimas consequências.
escola da evolução deve usar meios proporcionados à sensibili- Dada a posição do involuído ao longo da escala da evolução,
dade dos alunos. Tratá-los com um espírito de autossacrifício é natural que a sua seja uma moral de luta, uma moral em que o
poderia, em determinados casos, representar para eles um convi- problema de vencer sobre tudo constitui o elemento fundamen-
te à inércia e à exploração. Muitas vezes, a condenação da opi- tal. Assim é que os conceitos das morais pregadas vêm a tomar
nião pública, na feroz acusação do vizinho, de quem se ressente uma significação completamente diverso. Num ambiente em que
o malefício, representa o único meio capaz de se fazer sentido e tudo é luta, qualquer coisa que venha a cair nele não pode deixar
percebido pela insensibilidade dominante. Quantos, deixando-se de ser transformada e utilizada como instrumento de luta. Não se
arrastar, não procuram explorar o sacrifício de Cristo? Mas, com pode dizer que, no plano do involuído, não existam ideais, reli-
isto, não se pode enganar a vida. O resultado, então, é que o giões, morais, princípios de todo gênero. Leis não faltam. Mas
mundo, recusando os argumentos da bondade, foi colocado pela tudo isto não representa a realidade biológica, vivida neste pla-
vida sob o látego dos comuns e duros argumentos conhecidos no, mas a realidade biológica de planos superiores, a serem al-
por todos, o único modo adaptado à sua sensibilidade. cançados no futuro, mas, hoje, ainda longínquos. Sua prática na
Cada coisa está em seu lugar na ordem universal. Quando o Terra é forçada, obtida somente por meio da ameaça das san-
evoluído anunciou a sua verdade, deu o exemplo e completou o ções. Nada tem da espontaneidade instintiva que aqui gozam os
seu sacrifício, então basta. A sua tarefa está cumprida. Cabe a atos da animalidade. Os princípios superiores aparecem na Terra
cada um o esforço da própria evolução, pois não é possível ex- com um capuz imposto mais ou menos à força, sobre a natureza
plorar o esforço dos outros, fazendo-os evoluir em nosso lugar. humana, que, sendo bem diversa, procura rebelar-se, lançar lon-
Se, depois, o involuído quiser subir, deve pôr-se em movimento ge o pesado fardo e, para evadir, tenta toda contorção possível.
com as próprias pernas. Na justiça da Lei, cabe a cada um o Enquanto o desejo primordial do evoluído é o de aderir à
próprio trabalho. Ao evoluído compete dobrar-se em missão de Lei, o primeiro desejo da involuído é o de dobrá-la a si mesmo.
sacrifício sobre os mais atrasados, ensinando e guiando, mas, Em nosso mundo, tudo é consequência lógica da posição retró-
depois, pertence ao involuído efetuar o esforço para se trans- grada ocupada pelo involuído ao longo da escala da evolução. É
formar, seguindo os passos dos mestres. Se não quiser fazê-lo, uma série de elementos conjugados em corrente: revolta contra
o dano será todo seu, e o martírio dos evoluídos que se sacrifi- a ordem, estágio de desorganização, separatismo, isolamento
caram por ele, ficará inutilizado para ele, uma vez que não quis egocêntrico, egoísmo, luta, agressividade, contra-agressívidade
colher o fruto oferecido. Os involuídos podem até martirizar os por necessidade de defesa. Torna-se desse modo um regime de
evoluídos que descem a Terra em missão, pois, sendo este o incompreensão e de antagonismos que arrasta a todos. Para cor-
modo pelo qual os primitivos tomam conhecimento das coisas, rigir os últimos efeitos, tornar-se-ia necessário remontar com a
a Lei o permite. Mas, depois, se eles não aceitarem e não segui- correção até as causas primeiras, estabelecidas pela natureza
rem este conhecimento, ninguém poderá constrangê-los a isto mesma do biótipo do involuído. Tão logo este conseguisse
nem fazer o respectivo trabalho em seu lugar, trabalho necessá- evolver até um mais elevado plano de vida, ingressar-se-ia num
rio para alcançar com a evolução a própria felicidade. Assim, regime de compreensão, que, com o reconhecimento dos direi-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 23
tos alheios, pacificaria todos os antagonistas. Mas, na situação este aproveitará de sua bondade, para esmagá-lo. Tudo isto,
atual, como pretender que a critica alheia, se esta é movida não evolvendo, cai de per si, por ser contrário à lógica da vida no
por amor e para melhorar, mas sem amor e para acusar, venha a plano orgânico do evoluído, onde tudo isto não tem mais razão
ser recebida de boa mente, sem que haja, em quem a receba, a de existir. Entretanto, é lógico que a lógica da vida seja diversa
explosão do espírito de agressividade de que aquela está reple- no plano do involuído isolacionista.
ta? Quem é que não estaria pronto a aceitar e agradecer a inter- Neste plano, os princípios descidos do plano do evoluído na
venção do próximo, quando isto fosse feito a fim de bem? Co- forma de ideais, religiões, normas morais, leis sociais etc., re-
mo podemos pretender que a vida dê ao indivíduo o instinto presentam um fardo que a animalidade procura alijar de si. Esta
contraproducente de aceitar o que lhe resultaria em dano, por anela permanecer na plenitude de seu estágio e não se quer mu-
ser movido por espírito de agressividade? E como podem ser tilar com a evolução, que procura destruí-la. Todo progresso
diversas a crítica e a reação que ela provoca, quando se vive para o alto, no plano da animalidade, representa uma renúncia à
num regime de luta? Quando nos encontramos em face de tais vida. Nesse mundo de rivalidade, é natural que cada qual pro-
reações, a culpa estará em quem as cumpre ou em quem as pro- cure fazer com que a renúncia seja praticada pelo próximo, o
voca, colocando a outra parte na necessidade de defender-se? seu rival, antes de ver-se constrangido a praticá-la ele mesmo.
Por vezes, acontece, nestes casos, de usar-se um Evangelho Assim é que se explica, em muitos casos, a exaltação dos ide-
invertido. Este, de fato, prega a paciência e o perdão, desar- ais, uma vez que estes representam um meio para induzir o
mando o homem no terreno humano. Coisa ótima para quem se próximo a esta renuncia, a qual, limitando o seu espaço vital,
move contra aquele, no mesmo terreno. Levanta-se então a aumenta o nosso. Com isto, não se quer dizer que não haja sin-
bandeira do Evangelho por ser este o melhor meio para desar- ceros afirmadores dos ideais, mas o fato é que, se disto não de-
mar o inimigo. E, se este não se deixa assim desarmar, aceitan- corresse alguma vantagem, muitos não os sustentariam. Nesses
do ser esmagar, pode-se encontrar nisto uma nova razão para casos, exige-se que as renúncias sejam vividas pelos outros em
condená-lo, frente aos nobres e santos ideais que este, com, nome dos princípios ideais, porque, limitando os apetites,
grande escândalo dos seus críticos, demonstra evidentemente quando não eliminam um rival, conseguem distanciá-lo como
não respeitar. Então, em nosso mundo, onde tudo pode ser in- concorrente do mesmo prato, onde preferimos comer sozinhos.
vertido e falsificado, alcança-se este “esplêndido” resultado: o Para o evoluído, tudo corre de modo completamente diver-
de que as virtudes e os ideais, que deveriam tornar o homem so. Uma vez que o seu centro vital está situado em outro plano,
melhor, vêm a ser usados como termo de confronto para mos- é natural que a vida alcance os seus objetivos em outra forma;
trar os defeitos do próximo e para acusá-lo em causa disto. Tal no caso do involuído, em forma egocêntrica, no do evoluído,
é a natureza do involuído, tal é o seu instinto, que ele procura em forma orgânica unitária, exatamente porque o primeiro está
satisfazer, tal é o caminho para o qual o impele o espírito de situado mais perto do Anti-Sistema, que possui aquelas caracte-
agressividade de que está saturado o seu ambiente, pelo que tu- rísticas, e o segundo, contrariamente, está situado mais perto do
do, em suas mãos, torna-se arma de luta para vencer e dominar. Sistema, que possui as opostas. De fato, no plano do primeiro, a
Quem procura verdadeiramente a virtude, a procura em si plenitude da vida alcança-se com o triunfo da animalidade, en-
mesmo, e não nos outros e, se a possui, não a exibe para hon- quanto, no plano do evoluído, alcança-se com o triunfo da espi-
rar-se. Quando assim fosse, não seria mais virtude, mas explo- ritualidade. Para o involuído, contra as vantagens oferecidas pe-
ração da virtude, e quem a procura somente nos outros, dela faz la prática dos ideais e das virtudes, interpõe-se a barreira repre-
um meio para figurar esplendidamente, enquanto está esma- sentada pelo esforço necessário à subida até aquele plano, em
gando o próximo. Este método é muito usado para conseguir que o evoluído, que o alcançou, colhe naturalmente aquelas
honra de virtuoso, é muito barato, causa muito incômodo alheio vantagens. Assim é que, no plano deste, as virtudes que tanto
mas bem pouco para si. O involuído é prático e utilitário, e é pesam para o involuído, são praticadas espontaneamente, sem
parte de sua lógica conseguir fruto de tudo. Pode-se tornar este esforço, como se verifica com todas as qualidades adquiridas
método mais seguro e proveitoso, acrescentando a pregação da no estado de instinto. Para o evoluído, as virtudes representam
virtude, o escandalizar-se com quem não a pratica, distancian- uma norma de vida das quais experimentou a utilidade, uma
do-se, até mesmo com repugnância, dos pecadores. disciplina que valoriza o que a segue, uma lição bem assimila-
Analisamos esta psicologia, para explicarmo-nos a sua exis- da. Para o involuído, em vez disso, as virtudes representam uma
tência. Tudo decorre sempre do primeiro fato, isto é, viver o in- norma nova, que pretende inverter o seu mundo, a fim de cons-
voluído num regime de luta em que a agressividade para o ata- truir um outro, prometendo resultados com uma utilidade que
que e a defesa é uma condição necessária para a conservação da ainda não se experimentou, para obtenção dos quais, no entan-
vida. Num ambiente constituído de egocentrismos rivais, esma- to, ele conhece bem o peso do sacrifício necessário. Assim é
gar o próximo representa uma vantagem, a libertação de um que, enquanto o evoluído, em face dessas normas, encontra-se
concorrente, espaço vital conquistado. Para o involuído, ideais na posição de aceitação natural, o involuído se acha em posição
e virtudes constituem um impedimento nesta luta. Como, pois, de rebelião e de defesa. Desse modo, este último se defende
deixar de procurar, dada a psicologia utilitária dominante, de contra as normas superiores da ética, da mesma forma como se
jogar este impedimento sobre os ombros do vizinho, para amar- defende contra todos os outros perigos que o ameacem, sendo
rá-lo o mais possível, se isto constitui vantagem própria? Tudo esta a atmosfera do seu ambiente.
é lógico na natureza. Por que não teremos a coragem de olhar Entretanto o mundo está repleto de harmonias maravilho-
de frente esta lógica, se isto não é senão a última consequência sas, cuja compreensão é fonte de imensas alegrias; repleto de
das reais premissas representadas pela natureza do involuído? potencialidade gratuita para quem for digno de possuí-la, do
Por que acrescentar-lhe a hipocrisia, para encarar a realidade mesmo modo como os espaços estão cheios de energia, que,
sob aparências diversas? É mais honesto sermos sinceros. Es- gratuitamente, move massas incomensuráveis de matéria. Tais
tamos no plano do involuído, onde predominam ainda os instin- harmonias e alegrias são desconhecidas pelos primitivos, que
tos da animalidade. Por que dever-se-ia renunciar, neste plano, vivem submergidos num mundo de agressão recíproca e, por-
a vencer o próximo, quando isto representa conquistar para si tanto, de perigo e ansiedade contínuas. Aqui, a potência é dis-
um acréscimo de vida? Estamos, aqui, situados num terreno putada e fragmentada, porque os seres não são dignos de pos-
onde reina o egoísmo separatista. Cada um por si. E, se o indi- suí-la. Também assim, na Terra, onde tudo está acorrentado à
víduo não aproveitar a fraqueza do vizinho, para sobrepujá-lo, atração, propriedade da matéria, torna-se custosa, por isso, to-
24 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
da energia necessária para movimentar qualquer pequena mas- IV. INVERSÃO DE VALORES
sa. O evoluído é como um bólide que, liberto da atração mate-
rial da Terra, pode livremente viajar pelos espaços, usufruindo Continuemos a observar as qualidades e as atitudes que ca-
da energia gratuita a que tem direito todo aquele que se tornou racterizam os dois biótipos opostos: o evoluído e o involuído. O
digno de captá-la. Então, o mundo, que, para os primitivos, es- que distingue o primeiro é a sua afirmação unitária, como eu
tá repleto de terrores, manifesta-se sob um aspecto totalmente coletivo. O que individualiza o segundo é a sua afirmação sepa-
diferente, como um mundo de ordem e de harmonias, em que a ratista, como eu isolado. O evoluído não se interessa pelo pró-
vida é garantida por um Deus não mais iracundo e vingativo, prio eu individual, concebido como isolado do próximo, e com
mas verdadeiro pai de todos. Então, a nossa grande habilidade este sente-se uma parte do organismo coletivo da humanidade.
de saber vencer o próximo, para usufruir neste inferno uma vi- Não nutre qualquer ciúme da supremacia alheia, constituindo
da bem dura, torna-se um esforço sem sentido, uma condena- esta, para ele, a própria supremacia. Contrariamente, um dos
ção reservada aos inferiores, embora necessária para acordá- efeitos que mais caracteriza o involuído é exatamente esta ciu-
los de sua insensibilidade e ignorância. meira de qualquer um que venha a emergir em seu lugar. Isto
O erro psicológico do involuído está em acreditar que a porque ele faz do próprio eu o centro do universo, cuja existên-
disciplina das normas superiores constitui uma restrição da cia ele pretende que seja função daquele seu eu.
vida, quando, na realidade, esta disciplina representa somente O instinto do involuído é reproduzir o egocentrismo funda-
o esforço necessário para alcançar condições de vida mais mental do Sistema, mas em posição emborcada, isto é, não no
elevadas e melhores. A ignorância do primitivo está em não centro, mas na periferia, onde ele está situado. E, de fato, o ego-
compreender que a luta para sobrepujar o próprio semelhante ísmo se manifesta no involuído a cada passo, em todo seu ato. O
não produz senão resultados imediatos e transitórios, enquan- sistema do universo é unitário, enfeixado em torno de um centro
to a verdadeira luta que deveria ser travada é pela superação único, no entanto o involuído pretende erigir-se em centro autô-
do próprio plano de evolução, por ser esta a única luta capaz nomo no Anti-Sistema. De fato, o seu valor máximo é o triunfo
de produzir resultados decisivos, embora longínquos. Perma- pessoal do seu eu, separado de todos os outros, admitidos a coe-
necer encerrado na própria psicologia constitui a maior con- xistir somente em posição de submetidos. Contrariamente, o va-
denação do involuído, mas este é o natural e inevitável efeito lor máximo do evoluído é o triunfo coletivo da maior humani-
de sua ignorância. Esta é própria do seu plano, de onde ele dade da qual ele faz parte, na qual ele está fundido com todos os
não poderá sair, enquanto não souber efetuar o esforço para outros, coexistentes com ele em posição de colaboradores.
supera-la. Em face da disciplina que deseja coordená-lo num As posições dos dois biótipos constituem a inversão uma da
sistema orgânico, ele se sente prisioneiro, rebelando-se como outra. Para o involuído, o que constitui o ideal é o seu triunfo
faria uma fera colocada para viver num dos nossos apartamen- individual, elevado sobre não importa quais ruínas do próximo,
tos. Enquanto o homem civilizado se acha muito melhor na é a conquista do ápice dos valores sociais, base da estima, ou
casa do que na floresta, o primitivo sente-se aí engaiolado e seja, o sucesso. Perante o vencedor, todos se inclinam, e a vitó-
praticará todos os esforços para evadir-se. Para este, permane- ria justifica tudo. Condena-se o ladrão porque representa um
cer nesse ambiente civilizado representa algo fora do seu con- perigo, mas, quando este, através de furtos cometidos com bas-
cebível. Ele está inexoravelmente amarrado à lei do seu plano, tante astúcia, de modo a escapar da lei, tornou-se rico e podero-
e os seus esforços se desenvolvem conforme esta lei. Para ele, so, então todos o respeitam. Condena-se o assassino, porque re-
sua posição relativa tem valor absoluto. Não compreende que presenta uma ameaça, mas, quando um condutor de exércitos
o ato de querer encerrar o próximo, em vez de si próprio, na nos guia para a vitória, matando milhões de pessoas pela gran-
gaiola das virtudes – pregando em vez de praticar – não cons- deza de nossa pátria, então ele é um herói.
titui astúcia em seu favor, mas prejuízo para si próprio. Se Todos detestam a guerra, mas todos admiram o vencedor.
quisermos verdadeiramente ganhar, cada um de nós deverá Agir como o evoluído, em sentido coletivo colaboracionista,
tomar o seu fardo e carregá-lo, para evoluir. procurando não só o triunfo próprio ou do grupo, mas o de to-
dos, significa, para o involuído, abdicar-se e autodemolir-se em
Tão-somente para o primitivo ignorante, projetado para o
favor dos rivais, que somente procuram sobrepujá-lo.
Anti-Sistema, o mundo pode parecer um caos, onde a vida per-
O evoluído oferece tudo para o bem alheio, por ser este
tence ao mais prepotente, que sabe impor-se. Tudo é regulado,
também o seu próprio bem. O involuído procura agarrar o mais
também nos planos inferiores, pela lei de Deus, que é ordem e
que pode para o bem próprio, uma vez que o bem dos outros
justiça. Somente quando se progride ao longo da escala da evo-
serve somente para reforçar os seus inimigos e o perigo que es-
lução, começa-se a compreender isso, porque, subindo, o ser
tes representam para ele.
avizinha-se do Sistema.
O que acontece, então, quando os dois tipos encontram-se?
Eis no que se torna o mundo do evoluído, quando transferi- Enquanto o evoluído procura dar, o involuído procura tomar.
do para o plano do involuído. Eis porque o produto das religi- Tudo, então, tende para o empobrecimento e, com isto, para a
ões e dos ideais está feito, na prática, mais por pregadores de liquidação do evoluído. Será, então, este o problema que ire-
virtude do que por virtuosos. Eis como as normas de uma vida mos estudando: como sobreviverá o evoluído, com que novas
superior, movimentadas pelos astutos, servem muitas vezes pa- armas a vida defenderá este seu produto precioso, cuja criação
ra apanhar os ingênuos, os honestos e todos os fracos que não custou tanto trabalho, como salvará o evangélico desarmado?
sabem defender-se. Mas Deus não pode ser enganado e Ele vê Ele está feito para viver num ambiente de reciprocidade, em
também atrás dos bastidores. Assim é que, pela Sua lei de jus- que tudo é compensado. Onde falta esta reciprocidade, quem
tiça, a humanidade sempre pagou, está pagando e pagará os for generoso trabalha em plena perda. Terá, então, de ser liqui-
seus erros. Somente depois de haver feito a diagnose do mal, é dado? Mas isto significaria a falência da vida num dos seus
possível compreender qual deve ser a cura. Tão-somente de- pontos de maior valor e significaria também que o Evangelho é
pois de haver compreendido quais os erros perpetrados, pode- mentiroso, por aconselhar coisas impraticáveis, que conduzem
se ver quão justas e merecidas são as suas consequências, que à destruição. A lei da justiça de Deus não defenderá nesse caso
a humanidade está suportando. o inerme? Mas antes de enfrentar este problema conclusivo,
Sem condenar e muito menos pretender reformar, quisemos continuemos ainda na observação.
chegar à compreensão destes fenômenos, sobre os quais boa O que acontece quando os dois sistemas opostos encontram-
parte de nossa vida individual e social está alicerçada. se? Quando os ideais do evoluído caem na mão do involuído,
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 25
este os usa para os seus fins. Trata-se de um contínuo trabalho tos imitadores, sufocados pelas virtudes, já expulsos da luta em
de adaptação a si mesmo da tudo o que se encontra na vida. benefício do próprio espaço vital.
Tudo é utilizado conforme a própria psicologia, necessidade e Muitos atos humanos não são tão simples como podem pa-
temperamento. Tal como os pássaros servem-se das árvores pa- recer à primeira vista e, muitas vezes, resultam de um entrela-
ra seus ninhos, outros animais, para nelas subirem, esconderem- çamento de operações psicológicas com as quais se consegue o
se e defenderem-se, assim o homem é levado a procurar nas re- fenômeno da inversão. Indicamos estas manobras, não para
gras da ética geral aquela norma que aprove, justifique e valori- acusar, mas para prevenir aqueles que caem nelas, acreditando-
ze o seu eu e, então, enaltece esta parte, pondo-a em foco e si- se astutos, mostrando-lhes que o jogo não é tão fácil como pode
lenciando sobre todas as outras que, em lugar de sustentá-lo, o parecer. Se continuamos a navegar nessa charco das mentiras, é
poriam em falta. Desse modo, o temperamento dinâmico dirá: para ensinar a sair delas. Se desnudamos o mal, não é para nos
trabalhai! O preguiçoso procurará esconder a sua preguiça atrás deleitarmos na critica, mas para mostrar no fim os caminhos do
da sua honestidade; se frígido, tornar-se-á propugnador da pu- bem, é para educar, demonstrando ser de maior vantagem se-
reza; mas, se for um sentimental, sustentará as virtudes do guir estes do que aqueles.
amor, seja mesmo espiritualmente sublimado; enquanto, se do Uma forma de inversão dos ideais a podemos encontrar num
tipo oposto, sustentará a virtude da disciplina e do dever. Isto tipo de caridade em moda na sociedade moderna: a beneficência.
não ocorre de outra forma para o involuído, se a sua natureza o Em vez de dar de si mesmo, diretamente, em obras e sentimento,
leva, antes de tudo, à exaltação do próprio eu. Paralelamente, irmanando-se para ajudar, organizadores, repletos de santo altru-
procurar-se-á silenciar tudo o que pode marcar a própria conde- ísmo, com a ajuda da propaganda, dão-se à nobre indústria do re-
nação. Assim, por exemplo, quem possuir, guardar-se-á bem de colhimento de fundos. Alcançam-se assim diversas utilidades,
lembrar as páginas do Evangelho acerca da pobreza, e quem for que constituem a causa da divulgação destes sistemas:
ávido de riquezas nunca falará do Evangelho da renúncia. A 1) Descarrega-se o nobre esforço da virtude de caridade so-
posição do involuído é sempre a mesma: a de situar o próprio bre os ombros alheios, antes que sobre os próprios.
eu como centro do universo e de tudo conceber, até Deus, em 2) Formando muito barulho para o bem do próximo, mos-
função de si mesmo. Assim, cada qual procura interpretar e do- tra-se a própria virtude, satisfazendo o orgulho.
brar todo ato e pensamento alheio à própria maneira e utilidade. 3) Com a santa pregação dos ideais e o sacrifício obtido dos
Enquanto a lei de Deus quer transformar o involuído a seu mo- outros, declarando doar, consegue-se, em vez, receber, o que,
do, este procura transformá-la de modo próprio. E, muitas ve- no terreno prático deste mundo, é sempre considerada a coisa
zes, alguma norma encontra sucesso, exatamente porque este mais importante.
conseguiu transformá-la desse modo. Não se afirma que isto se verifique sempre. Mas, dado o tipo
Na Terra, tudo pode ser alterado e invertido, para fazer-se do involuído que aprendemos a conhecer na sua verdadeira natu-
uso completamente diverso do preestabelecido. Que coisa reza, não serão estas as últimas consequências lógicas de todo o
mais digna de admiração do que estar carregado de virtudes. seu procedimento psicológico? E, dada a predominância deste
Como, pois, impedir que quem for sedento de admiração, para tipo em nosso mundo, tipo eminentemente egocêntrico, qual
satisfazer o seu orgulho, procure mostrar possuí-las todas, fa- significação se pode dar a tamanha difusão da tão desinteressada
zendo-se acreditar santo? Pode então acontecer que seres de- porfia para beneficiar o próximo, senão a de tirar alguma utili-
sejosos de emergir, escolham este caminho por achá-lo fácil dade para quem a praticar? E que outra coisa se haveria de pre-
(no entanto bem perigoso) e arrisquem-se, desse modo, a to- tender desse tipo, condenado a viver num ambiente de luta feroz
mar posições insustentáveis, de renúncia e martírio, das quais de todos contra todos? Se esta é a forma que a vida toma no seu
não avaliaram o peso demasiado grave para o tipo que não plano, como pretender que ele renuncie a esta, que, para ele, é
nasceu evoluído. Embrenham-se, assim, por sendas desconhe- toda a vida? Impedir às feras de serem ferozes importa em tirar-
cidas, cuja significação substancial não está na superfície dos lhes o único meio de sobrevivência. O único meio possível é ci-
fatos que em geral os biógrafos dos santos anotam, fatos cuja vilizá-las, para conduzi-las a um plano biológico mais elevado.
imitação formal não constitui, por nada, a santidade. Gera-se Este jogo de inversão dos ideais toma inúmeros aspectos.
assim uma imitação grotesca, feita somente de práticas exteri- Na luta entre evoluído e involuído, cada um quereria anular o
ores, constituindo apenas uma aparência, enquanto a substân- mundo do outro, para substituir-lhe o próprio. De um lado o
cia, que é de natureza completamente espiritual, está além separatismo egoísta, de outro o sentido unitário altruísta. Es-
destas representações externas. Há quem possa crer que a san- forço e luta de ambos os lados, porque nenhum dos dois quer
tidade de S. Francisco constituiu-se no dormir no chão e ves- aceitar a verdade do outro plano, que , para cada qual, torna-se
tir-se de saco, e há quem creia que seja possível alcançar a um sofrimento, por não corresponder aos próprios instintos.
santidade imitando-o nisto. Mas a sua santidade consistia não Esforço do evoluído para libertar o mundo da animalidade e
nessas últimas consequências, mas em sua causa primeira, ou fazê-lo evolver até a espiritualidade. Esforço do involuído para
seja no incêndio espiritual que ardia naquela grande alma e conseguir satisfazer seus interesses sob as aparências do ideal,
que se não alcança com imitações formalísticas. isto é, para neutralizá-lo e torná-lo inócuo na prática, anulando
Dá-se, então, que, quando os normais, desprovidos dessas a ação que procura paralisar as necessidades da vida no plano
qualidades de exceção, pretendem, por outras razões, encami- animal. Esforço de astúcias, a fim de parecer o que deveria ser;
nhar-se por aquelas sendas, não possuindo a força para dominar esforço necessário para alcançar os fins que a lei do evoluído
as reações da vida (tanto mais fortes contra tão radicais nega- condena, mas que o involuído acha fundamentais para a sua
ções da animalidade), acontece então que se vêm a encontrar na existência. Para ele, o ideal é uma história inventada, que ele
necessidade de retroceder frente às dificuldades, cujo alcance, sente não corresponder às medidas de sua vida. Ele não pode
com leviandade, não haviam medido. Então, para os imitadores deixar que seu valor consista no deixar-se enganar, como lhe
incautos, surge a necessidade de retroceder e, com isto, a queda parece, pelos ideais, mas no de saber rebelar-se, para defender-
das virtudes e o respectivo escândalo. Nesse manifesta-se o ins- se do que lhe parece uma limitação. Usará, por isto, todos os
tinto de agressão do próximo, que, ciumento da veneração que seus recursos mentais neste sentido, alcançando, assim, a con-
aqueles imitadores haviam conquistado, sente-se feliz de demo- quista daquela forma de inteligência inferior, que é tudo aquilo
li-la, encontrando-os em falta e, isto, naturalmente, por santo que o seu plano de vida pode produzir.
zelo, em nome da virtude. E é feliz com essa demolição tanto Luta, pois, em todo lugar e sempre luta. Luta entre involu-
mais quanto fica desiludido no seu desejo de ver naqueles san- ídos, para sobrepujar-se, luta entre luz e trevas, entre futuro e
26 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
passado, entre evoluído e involuído, entre planos de evolução e ilusão. Enxergar o caminho é o primeiro ato necessário para
os biótipos que os representam. Tudo na Terra existe em função percorrê-lo. É preciso armar o involuído com o conhecimento
da luta: a paz em função da guerra, o amor em função do ódio. necessário para subir a um plano de vida superior. O Evangelho
A fraternidade nasce e é mantida compacta, acima de tudo, não diz apenas “sede simples como as pombas”, mas acrescen-
quando a união é imposta por um inimigo comum, contra o qual ta: “astutos como as serpentes”. Isto quer dizer, puros e hones-
há o interesse de lutar. Os conceitos de universalidade e impar- tos como os evoluídos, mas ainda conhecedores de todas as ve-
cialidade representam uma descentralização do egocentrismo lhacarias humanas, para não ser suas vítimas. A fé de olhos es-
que, na sua luta, pode resultar antivital Transplantando-os do seu cancarados é muito mais sólida do que a de olhos fechados.
plano, que é o do evoluído, para aquele do involuído, estes con- Deus não nos quer quais néscios credulões, mas crentes ilumi-
ceitos são rejeitados ou contorcidos e invertidos, para adaptá-los nados. Para praticar o bem, é preciso conhecer também o jogo
a um ambiente onde tudo é diferente. Dá-se, então, que o uni- do mal. Trata-se de guerra, e, em toda guerra, é necessário sa-
versalismo e a imparcialidade vêm a ser compreendidos e admi- ber como funcionam as armas do inimigo e ensinar aos próprios
tidos somente como um novo partido, pronto, como os outros, a soldados a usar as próprias. Assim é que demonstraremos neste
lutar contra todos: o partido dos universalistas imparciais! volume que as armas do evoluído evangélico são mais podero-
Assim é que o amor para com o próximo, na Terra, prefere sas e, assim, tornam-no o mais forte, apto, como Cristo disse de
nascer em função da luta, isto é limitado ao grupo onde se en- si, a vencer o mundo. Isto é quanto, pelos meios da razão, pro-
contra o interesse próprio contra todos os outros. Trata-se de um curamos fazer compreender ao tipo corrente do plano humano,
amor restrito, que deve ser, antes de mais nada, útil a cada um a fim de que este, depois de haver compreendido a grande van-
dos componentes do grupo, o que significa contra os de fora, os tagem que representa o subir a um plano de vida superior, deci-
da parte contrária. Isto tudo não representa acusações, mas a ló- da-se, no próprio interesse, a efetuar, para evolver, um esforço
gica consequência dos princípios de egocentrismo separatista e, do qual será, depois, largamente compensado.
pois, de luta, vigentes no plano do involuído. Amor, somente pa- ◘ ◘ ◘
ra o próprio semelhante, isto é, aquele que se encontra nas nos-
Continua a luta, que abarca também as relações entre o legis-
sas próprias condições e, portanto, tem interesse em ser nosso
lador e os seus súditos. O primeiro parte do princípio de que o
aliado na luta contra todos os outros que se encontram em outras
homem é um involuído cujos instintos inferiores é preciso domar.
condições de vida. Amor que esconde o ódio, paz que oculta a
Os pontos de referência terrenos da ética humana são a animali-
guerra. O amor da própria família implica a necessidade de de-
dade e os instintos egocêntricos de revolta. O pressuposto natural
fendê-la contra todas as outras famílias, o amor da pátria presu-
do moralista é que o homem é um pecador a ser corrigido. Cristo
me o dever de fazer a guerra contra as outras nações.
não veio à Terra para redimir a humanidade? Esta era, então, uma
Os simples acreditam na existência de uma única moral, a
pecadora, carregada de culpas. Mas por quê? Não é possível dar a
proclamada oficialmente, e que a sua não observância importa
isto outra explicação razoável, senão a de involução. A finalidade
em culpa. Mas por que, então, o homem deveria preferir a cul-
do legislador de normas éticas deve ser, pois, a de fazer emergir
pa? Ninguém é mau sem razão, tão só pelo gosto de sê-lo. Se o
homem escolhe este caminho, dado o fato de que é guiado por do estado de involução, isto é, o de guiar o homem ao longo do
um principio utilitário, quer dizer que nisto encontra uma van- caminha da evolução, com uma ética progressiva, adaptada ao
tagem. Torna-se esta vantagem ilusória por ser apenas imediata. grau de desenvolvimento que paulatinamente vai alcançando. O
Dela, depois, derivará um dano. Mas, para ele, que não sabe Novo Testamento, que reforma o Velho sem destruí-lo, mas le-
enxergar mais longe, não há melhor maneira de criar a própria vando-o para frente, confirma este conceito.
utilidade. Pôr-se a proferir condenações significa permanecer Exatamente para fazer evolver é que o legislador se dirige,
na psicologia da luta, isto é, dar prova de pertencer ao plano do em primeiro lugar, a combater a animalidade. Os próprios
involuído, cujos métodos continuaria a usar. Deste modo, seria mandamentos de Moisés são tão aderentes à natureza humana,
satisfeito um instinto, mas não se resolveria o problema. Não há que permanecem ainda em vigor. Combatem, antes de qual-
cura para os doentes com os cárceres ou o inferno. Isto possibi- quer coisa, os instintos do involuído, de revolta e de egoísmo
lita cumprir funções defensivas de uma casta ou de determina- em dano do próximo. Os pais ensinam a seus filhos a não se
dos princípios, mas deixa-nos permanecer no campo da luta. E, rebelarem contra Deus, não matar, não cometer adultério, não
não obstante todas as ameaças do inferno, suas portas permane- furtar, não mentir, não desejar as coisas ou a mulher alheia.
cem escancaradas, com entrada contínua. Antes de mais nada, não fazer aquilo a que o instinto esponta-
A complicação do problema está em que, na Terra, não há neamente conduz. E este instinto, a que leva? A rebelar-se con-
uma lei única e uma moral só, mas leis e morais de planos de tra todos, a matar, a trair, a furtar, a mentir, a tomar as coisas e
vida diferentes, cada qual invocando os seus direitos e exigên- a mulher alheia. Como é claro, os pontos de referência estão
cias imprescindíveis. Há guerra também neste sentido: a guerra no plano do involuído, são suas próprias qualidades, definidas
de Cristo contra o mundo. E não se pode satisfazer uma lei sem pelo próprio Moisés: as da animalidade. O discurso é dirigido
violar a outra. O homem está entre dois fogos, impelido pelos ao involuído, com a linguagem dele, a que pode compreender
ideais a sacrificar-se para subir, mas, ao mesmo tempo, retido porque é a sua, e não se dirige ao evoluído, possuidor de outras
pelas necessidades férreas da sua vida material, em que é preci- qualidades. Os mandamentos não dizem: faça o que faz o evo-
so tudo calcular, uma vez que não há margem para o que não luído e seja como ele. O involuído não o poderia compreender,
produz uma utilidade imediata. Assim é que têm explicação as eis que lhe faltam os pontos de referência no plano do evoluí-
tão lamentadas adaptações, que, porquanto exerçam o papel de do. Assim é que Moisés não podia dizer “seja evoluído”, por-
freios da evolução e embora escandalizem como contorções dos que ninguém o teria compreendido. Mas teve de dizer: “não
ideais, se existem, isto quer dizer que há uma sua razão, uma seja involuído”, uma vez que o seu povo não conhecia outro
vez que, na sabedoria da vida, nada há existente sem finalidade. tipo senão este, que constituía a ele próprio. E se os manda-
Quem procura, antes de mais nada, compreender, não pode mentos permanecem ainda os mesmos, quer dizer que os povos
condenar. Ser-lhe-á possível, em vez disto, chorar sobre tanta permaneceram mais ou menos os mesmos e que o quadro que
miséria humana, devida ao atraso no grau de evolução em que a Moisés nos oferece do involuído, permanece ainda plenamente
mundo ainda se encontra. Mas a compreensão do ambiente em fiel. Todo mandamento quer corrigir e, por isto, nos diz o que
que nos encontramos, torna-se necessária para poder sair do está escrito na natureza do involuído. Descrição melhor não
charco. Calar representaria um convite para permanecermos na poderia ser feita num documento de maior valor.
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 27
Assim é que legisladores e moralistas tiveram que se er- mas vezes impelidos pelo mesmo desejo de evasão. Isto tende a
guer, antes de tudo, contra o instinto humano de revolta e or- fazer prevalecer, no fim, o desejo dominante de toda a massa,
denar: “não faça”. E o “faça” corresponde ao comando dirigi- dos dirigentes e dirigidos, desejo instintivo e inconsciente de se
do a um rebelde, para que faça o que ele não quer fazer. Esta porem de acordo nas acomodações que, aliviando o peso dos
cor policial de uma ética armada de sanções, indica, claramen- ideais, constituem o supracitado processo de degradação, que,
te, tratar-se de um mundo de involuídos. Naturalmente, isto se- depois, torna necessária a intervenção direta de outro iniciador,
rá percebido somente por quem observa com o olhar do evolu- para injetar nas veias da humanidade nova dose de ideais, for-
ído, porque o involuído está tão certo que a sua natureza e as necendo, assim, ao mundo, um novo impulso de superação ao
respectivas sanções estão assim estabelecidas, que não pode longo do caminho da evolução.
sequer pensar seja possível diversamente. Há duas maneiras de responder ao apelo do ideal: o de acei-
Assim, em nosso mundo, tudo é lógico e proporcionado. De tá-lo, submetendo-se aos respectivos sacrifícios que ele impõe,
um lado, o involuído rebelde, com os seus instintos, pronto a ou o de aguçar as defesas da animalidade, para evadir-se das
não se deixar dobrar por ninguém. De outro, a lei moral bem suas limitações e sobreviver. No primeiro caso, o ser usa suas
munida com suas sanções, por saber que se dirige a um rebelde, energias num investimento a longo prazo e, no seu cálculo utili-
cuja resistência é calculada e prevista e em cujas reações foram tário, de ampla previsão, põe-se a cumprir o esforço fatigante
exatamente formuladas as normas. Luta também entre legisla- de evolver, sacrificando, para esse fim, a sua animalidade. No
dor e povo. Tudo qual lógica consequência dos princípios que segundo caso, o ser usa suas energias para reduzir a virulência
regem o plano de vida do involuído. Os dois impulsos contrá- do assalto dos ideais contra a sua vida, feita de animalidade, pa-
rios presumem-se reciprocamente e equilibram-se. A dosagem ra defender-se das limitações que a disciplina impõe.
de impulso evolutivo emitido naquele grau de desenvolvimen- Este segundo fim pode ser alcançado por duas vias: ou com
to, está proporcionada às capacidades receptivas e de assimila- a força ou com a astúcia. Poucos são os que dispõem da força,
ção do tipo biológico ao qual aquele impulso é dirigido. A veste pois trata-se de possuir a inteligência suficiente para construir-
da lei com a qual o legislador cobre o seu povo deve ser feita se uma moral própria, que tenha o valor e o poder de pôr-se
sob medida, e, quando a lei tem que disciplinar instintos primi- contra a corrente geral, desafiando-a e vencendo-a. É preciso,
tivos e ferozes, deve adaptar-se ao material humano de que de- pois, ter também a coragem de cumprir esse desafio e a força
ve tratar. Explicamo-nos, desse modo, como a própria Bíblia, para alcançar esta vitória contra todos. É, por isso, mais fácil
abertamente, declara com ingenuidade plena, como coisa justa recorrer aos meios oblíquos da mentira, meios de menos fati-
diante de Deus, sem qualquer sentido de vergonha ou de terror, gante atuação, por estarem lubrificados na superfície e que, por
qual sentida hoje diante de fato semelhante, que Moisés, em isto, não produzem aquela reação imediata e inevitável como
nome de Deus, descendo do Monte Sinai, fez trucidar três mil quando se transmite um choque.
homens. Aquela era a psicologia de tempos dos quais todos Eis-nos no terreno das acomodações. Este é o método mais
eram parte, legislador e povo. Agir daquele modo, que hoje difundido de evasão, por ser aquele que está situado na linha do
produz escândalo, representava o único raciocínio verdadeira- mínimo esforço, que é mesmo uma das leis da vida, a qual es-
mente convincente, por basear-se na força, único valor que in- colhe a via da menor resistência.
cutia respeito, e no dano pessoal, que era aquilo a que mais se Olhemos corajosamente de frente os problemas. É melhor
era sensível. Método que, numa sociedade civil, produz efeito sermos duros e sinceros do que doces e não verdadeiros. Em
contrário, mas que, naqueles tempos e condições, era necessário teoria, na mente de quem os concebe, os ideais estão repletos de
e, em proporção ao grau de evolução alcançado, era também nobres e santas intenções, tudo para o bem dos homens. Mas é
justo. Tudo é relativo ao próprio plano de vida. preciso ver o que acontece depois, quando estes ideais descem
Deixaremos de nos escandalizar quando pensarmos que, na- na Terra, onde domina bem outra psicologia. Na Terra, a luta,
quele plano, onde tudo é luta, se o legislador se torna débil, os que impera sobre todos, impõe desde logo um dissídio entre o
involuídos, que ele deve guiar e que obedecem somente à força, legislador e a natureza humana, que não aceita a rédea. No dis-
estão prontos a rebelar-se e liquidá-lo. Assim funciona a vida sídio, o mais forte vence. Mas, dado que o legislador é um forte
naquele plano. O legislador é um ser superior que aparece ex- de exceção e a maioria é fraca, esta não o enfrenta constituindo-
cepcionalmente e que, depois, desaparece. Ao seu impulso he- se uma outra moral, para o que não possui a coragem, porque
roico sucede, então, o trabalho da ordinária administração, con- seria a da animalidade, mas procura enganar o legislador, dan-
fiado aos tipos comuns que, com maior ou menor diligência, do-se ao trabalho da evasão por vias oblíquas. Esta é uma das
procurarão executar as normas regulamentares. Desaparecido o ocupações das massas, que não possuem a força nem a coragem
iniciador, permanecem os discípulos, seguidores e ministros, de rebelar-se para conseguir libertar-se da disciplina.
que dirigem em seu nome; os executores, que manejam a lei, Esta é a maneira de interpretar os ideais que descem na Ter-
submergidos no próprio plano, até a garganta. A competição ge- ra, quando estes são vistos com o olhar bem diverso da anima-
ral tende a nivelar todos à altura evolutiva da lei de seu plano lidade. Isto pode chegar a ponto de excitar uma espécie de ciú-
biológico, que não é o do iniciador. Assim o seu trabalho é sub- me contra os mais astutos, que melhor conseguiram se evadir e
metido a um processo de degradação, que, porém, é condição da que disto gozam as vantagens, ciúme que os menos astutos, que
assimilação alheia, processo que exige, em certo momento, que permaneceram atrás, renunciadores forçados, procuram expan-
desça outro iniciador para reconstruir um edifício novo no lugar dir contra quem pratique qualquer mínima contravenção à lei,
do outro, envelhecido e ameaçando ruína, e assim seguindo, pondo em evidência qualquer seu defeito, para amarrar todos
quando também este se tiver tornado velho e ameaçar ruir. àquela disciplina que pesa tanto, que, por isto, trará satisfação
Neste processo, os administradores, não obstante tudo, quando todos a suportem. Quantas vezes a justiça humana de
cumprem a função de avizinhar o ideal ao homem, humanizan- caráter público não é posta em movimento somente por finali-
do um alimento que, de outra forma, não seria digerido, trazen- dades particulares, sem o que não se movimentaria? Santifica-
do a lei de um plano mais elevado para um plano mais baixo. se, assim, o instinto da agressividade, tão natural no plano do
Cumprem eles, também, a função de defender e conservar. Mas involuído, onde reina o regime de luta. Este é o instinto que ex-
toda medalha tem o seu reverso. Isto quer dizer também crista- plica as guerras santas, a santa inquisição, e outros casos em
lizar, significa adaptar e transformar os princípios conforme os que se procura santificar o que nada mais é senão a comum luta
próprios instintos e as necessidades do próprio plano biológico. pela vida. Fazer a própria luta, que todos deveriam fazer a des-
Os ministros são homens da mesma natureza dos outros, algu- coberto, fazê-la protegida pelos ideais, pela justiça, em nome de
28 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Deus, representa uma defesa e um apoio. E por que a vida, no que, sem dúvida, é deveras importante para o homem. Quando
plano animal, onde não existe senão um rudimento de moral, falamos do evoluído, da sua psicologia e métodos de ação, tra-
haveria de renunciar a uma própria vantagem? tamos precisamente deste futuro, e isto porque, no amanhã, o
A vida é utilitária e utiliza-se de tudo, para alcançar o seu homem terá de ser um evoluído, ingressando neste mais eleva-
primeiro objetivo, que é viver. Por isto, quando a incomodam, do plano biológico, para agir com outra psicologia e com outros
rebela-se contra os ideais, desafoga-se contra os que se evadem métodos. O homem prático poderá sorrir de tudo isto, mas,
para escapar aos seus pesos, irrita-se contra os zelosos que que- quando falamos de ideais, tratamos do que deveremos vir a ser
reriam impor-lhe, com o seu exemplo, o esforço da imitação, amanhã, uma vez que o progresso é lei de vida e ninguém pode-
permanece indiferente para com os virtuosos que tomam sobre rá fazer parar a evolução.
si o peso, sem incomodá-la na sua animalidade e, quando se en- O ser situado em nosso plano biológico, que é o da animali-
contra com um ser superior, o toma por bandeira do seu próprio dade, não sabe perguntar se, no lugar da lei da luta pela vida e
grupo, o exalta nos altares e monumentos, porque, também com pela seleção do mais forte, há possibilidade de usar outras leis
isto, a vida pode tirar a sua utilidade. menos duras; se, em vez agir com o método de egocentrismo
Uma ética biológica completa deveria ter em conta todos separatista, que nos torna maus, não é possível funcionar com o
esses jogos de ilusões psicológicas. A difícil escada dos ideais de um altruísmo unificador que nos torne todos amigos, em
pode ser galgada solidamente, tão só se tivermos conta da es- paz. Entretanto, não se pode afirmar que o sistema em vigor se-
trutura e dos justos direitos da vida. Somente assim poder-se-á ja o ideal. Quanto mal, quantas injustiças, quanto veneno de
abolir, neste terreno mais eleito, a triste necessidade da luta e ódio, quantos aleijados e desesperados produz este sistema da
da mentira. O mundo tem necessidade de uma moral mais am- luta pela seleção do mais forte, quantas reações ferozes por par-
pla e iluminada, mais lógica e sincera, que, por ser demonstra- te da vida, que não quer morrer! Quão diversas condições de
da racionalmente, possui o direito de ser tomada totalmente a vida poderia gozar o mundo se a cada qual estivesse garantido o
sério. É necessário respeitar os direitos da vida em todo seu que lhe é indispensável material e espiritualmente para viver, se
plano, porque o imperativo de evolver, nunca poderá violá-los, a vida não estivesse obrigada a esta luta e, por força da vitória
sem, com isto, dificultar a própria consecução daquilo que é o do mais forte, a tantas reações desesperadas! A vida exalta o
seu fim principal: subir. É preciso compreender a significação mais forte, mas, nem por isto, aceita morrer no mais fraco, e
de todas as forças que agem na vida, para chegar a uma moral adapta-se a sofrer em escuridão, sob o tacão do vencedor, ape-
sem ilusões, aderente à realidade, honestamente utilitária e, por nas temporariamente, à espera da ocasião oportuna para rebe-
isso, não redutível à mentira. É necessário alcançar uma moral lar-se. Então a vitória deste não é vitória, mas apenas um meio
biológica, racional, científica, que não possa ser invertida, que para incitar os mais fracos a fortificarem-se em agressividade e
tenha base não em sanções penais, mas na compreensão e con- ferocidade, para fazer a guerra e destruir o mais forte, substi-
vicção, que não asfixie, mas que, em vez de obrigá-la a rebe- tuindo-o. Naturalmente, desta luta, surgirão outros vencidos a
lar-se, encoraje a vida a subir. É necessária uma moral que seja continuarem o jogo da revolta, para destruir o vencedor, substi-
de todos, e não somente para os vencedores e a sua vantagem, tuindo-se ao mesmo, e assim, andando, ao infinito. Mas será
uma moral que não renegue a vida para os vencidos, deixando- possível que o homem queira, com este sistema, fabricar para si
a somente aos que tiverem a força de rebelar-se. Uma moral um inferno verdadeiramente eterno?
boa, que ajude, oriente, explique e guie com inteligência, e não O evoluído não aceita esta forma de vida, à qual não mais se
por meio de condenações; uma moral amiga, que não constitua adapta, do mesmo modo como um civilizado não saberia mais
uma forma de luta, mas faça-as superar todas e para sempre. viver como selvagem. Facílimo é, pois, imaginar que sofrimen-
Esta será a moral do porvir. to pode representar para um evoluído o descer para viver na
Terra. Disto resultaria que nenhum evoluído deveria descer à
V. O PODER DO ALTO Terra. Como é, então, que se explica o fato de que seres superi-
ores, de outra raça, venham, de quando em quando, viver em
O encontro entre evoluído e involuído apresenta significa- nosso mundo? Por que eles fazem isto, o que é que os impele,
ção profunda, que deve ser estudada cada vez melhor, e que qual a lei deste fenômeno?
pode iluminar e completar os postulados da biologia moderna, Tudo isto decorre do fato, que já explicamos, do evoluído
especialmente no seu aspecto evolucionista, em relação aos de- viver num mundo orgânico, unitário, onde não impera a lei da
senvolvimentos futuros da vida. Não se trata apenas do embate luta, mas a do amor. O seu método está nos antípodas do da
entre dois biótipos, mas, ainda, de dois planos biológicos e das agressividade e do esmagamento. Contrariamente, ele é levado,
duas leis que os regem. Esse estudo torna-se interessante não só pela lei do seu plano, definidora de sua natureza, a dobrar-se
para orientação individual e social, mas para a ciência também, sobre os irmãos menores, que considera tanto mais deserdados
porque nos conduz à concepção de uma biologia muito mais e necessitados de ajuda quanto mais inferiores. Duas forças o
ampla, abarcando não apenas a atual, a animalidade e a huma- impelem a isto: o amor e o sentido orgânico unitário, dois im-
nidade, mas a sua futura espiritualidade, uma biologia compre- pulsos tanto mais poderosos quanto mais se é evoluído, isto é,
ensiva também dos valores morais, que, por isso, pode assumir quanto mais se sobe do Anti-Sistema, reino do involuído, ao
a tarefa excelsa de construir uma ótica biológica, racional e po- Sistema, reino do evoluído.
sitiva, da qual o mundo ressente a falta e de que tem necessida- A vida adianta-se compacta, do Anti-Sistema ao Sistema,
de para resolver muitos problemas até agora insolúveis, larga- procurando realizar, cada vez mais, a atuação daquelas duas
dos, hoje, no instinto das massas. Com este estudo, enfrenta- forças, amor e unificação, características do Sistema. Para ir
mos, além da biologia já conhecida, uma outra biologia, a do cada vez mais para a unificação em que se realiza o amor, a vi-
evoluído, com outras leis e finalidades. Chegamos, assim, a co- da serve-se da utilização dos seus elementos mais progredidos
nhecer uma biologia muito mais ampla, também no sentido de em vantagem dos que o forem menos. Por isto, ela confia ao
ser não a de um só plano de vida, uma biologia estática e fe- evoluído a importantíssima função biológica de dobrar-se sobre
chada no âmbito de um dado plano de evolução, mas dinâmica, os involuídos para levantá-los até si. Esta é, assim, a atitude na-
em movimento, uma biologia em evolução, da qual a nossa atu- tural que, no entrelaçamento das diversas posições na escala da
al é apenas uma fase existente em função das precedentes e das evolução, compete ao evoluído e é assim que os planos biológi-
subsequentes. A ciência ocupou-se muito, até agora, do passado cos podem pôr-se em contato e sobrepor-se numa simbiose que
da vida em nosso planeta, mas muito pouco do seu futuro, o os mantém compactos. Desse modo, a descida dos evoluídos
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 29
não é um capricho, mas é fruto de uma fatalidade lógica, que Eis, pois, em conclusão, como se desenvolve a mecânica do
segue os planos de reconstrução para reconduzir o Anti-Sistema fenômeno da descida do evoluído, ultimando com a crucifica-
decaído ao estado orgânico unitário do Sistema. ção. Esta é a consequência natural do encontro entre as leis de
O que acontece do lado oposto, qual é a atitude natural do in- dois planos diversos. Conforme o sistema vigente no seu nível,
voluído como resposta ao ato de amor e de sacrifício com que o o evoluído desce com espírito de unificação e de amor, para
evoluído vai ao seu encontro? É evidente que este nunca desceria colaborar e, naturalmente, transportara na sua ação esta sua
à Terra para sua satisfação e que, se ele enfrenta tal sofrimento, é psicologia e métodos, agindo em plena conformidade com es-
por ser sua missão. Esta é que explica e justifica a sua presença tes. O involuído, por sua vez, não poderá deixar de recebê-lo,
em nosso mundo. Ora, missão quer dizer oferecimento completo senão comportando-se conforme ele é, isto é, com a sua psico-
de toda a própria atividade e sacrifício para o bem alheio. Cada logia e métodos respectivos. Estes são os da luta e da agressão,
qual age conforme sua natureza. Assim o evoluído comporta-se manifestados desde logo, uma vez que o involuído, conforme o
de acordo com a lei do seu plano, lei de amor e de unidade. Mas seu sistema, exige, em primeiro lugar, de qualquer um que en-
o que é que podemos, então, esperar do involuído, se a lei do seu tre no seu plano, a prova do seu valor, de conformidade com a
plano é egocentrismo e separação, é luta e revolta? sua tábua de valores, isto é, no terreno da luta para o ataque e a
Eis, pois, que a resposta natural do involuído é a crucifi- defesa. O que pediram a Cristo os seus crucificadores, senão
cação do evoluído. Do exame do fenômeno resulta que isto é que Ele desse uma prova de força, salvando a si mesmo?
uma lei biológica natural, fatalmente consequente de todos os Quem não oferece esta prova, de nada vale, e merece ser des-
elementos que o compõem. O próprio Cristo teve que se truído. Eis o choque. O recém-chegado é um intruso e, para ter
submeter a esta lei, como lhe ficam submetidos quantos des- direito de viver no plano a que desceu, deve provar saber viver
cem à Terra em missão. O que significará, então, o tão repe- conforme as leis deste. O involuído está em sua casa, numa ca-
tido conceito de Cristo ter vindo ao mundo e sofrido a sua sa feita para ele, em que se acha bem ambientado, e sente-se
paixão para redimi-lo, tomando sobre si os pecados deste? A com força e direito de expulsar os estranhos se estes não obe-
evolução é um processo de fatigante ascensão com que o ser, decem aos usos vigentes naquela casa, talvez primitiva, mas da
decaído, por sua revolta, no Anti-Sistema, deve, por meio de qual acha-se dono. O evoluído, lá dentro, não tem razão e, se
sua própria experimentação dolorosa, retomar o caminho da não souber adaptar-se e obedecer, deve voltar para sua casa. Is-
evolução até reintegrar-se na ordem do Sistema. Decorre dis- to é, de fato, o que o involuído procura fazer desde logo, de-
to que o ser está automaticamente condenado ao sofrimento, sembaraçando-se dele, liquidando-o. O que deve acontecer
porque o retomar o caminho não é fácil nem gratuito. O so- nessas condições, quando a natureza do evoluído é, ao contrá-
frimento, assim, constitui a chave da evolução. rio, a da bondade e do amor, é fácil prever, por ser uma conse-
Eis que, agora, poderemos compreender muitas coisas. Se- quência fatal dos elementos do fenômeno. A conclusão, pois, é
gundo a lógica do processo que observamos, Cristo não podia a liquidação do evoluído, que, com o seu sacrifício, paga a sua
descer à Terra senão em missão, e esta missão não se podia de- imperdoável culpa de querer amar os inferiores.
senvolver senão culminando na forma de paixão. E a paixão, por Falamos de Cristo e de redenção. Eis como, também, os
sua vez, constituía o que mais valorizava a missão, porque, co- maiores fenômenos religiosos podem ser explicados e enqua-
mo já dissemos, o sofrimento é a chave da evolução. Assim é drados no seio de uma mais ampla ciência da vida, numa biolo-
que se realizava a missão, cuja finalidade não podia deixar de gia que abarque também o seu vir-a-ser evolutivo.
ser senão a de melhorar o mundo, ou, em outras palavras, fazê- ◘ ◘ ◘
lo evolver. Cristo, pois, quis ser um pioneiro neste duro caminho Chegados a este ponto, tudo parece resolvido Mas o drama
da dor, porque, sendo este um meio de evolução, também é meio acabou somente nas aparências, continuando na substância.
de redenção. O cristianismo não o explica, mas torna-se evidente Não é possível, com a liquidação material, fazer parar o desen-
que a redenção não se pode realizar, no seio da mais ampla bio- volvimento de todas as forças postas em jogo como partes do
logia que explicamos, senão por meio da evolução. E qual a sig- fenômeno. O mártir morre. Mas, das duas leis, qual é a mais
nificação de haver Cristo, para redimir o mundo, tomado sobre poderosa e a qual delas pertence a vitória final? O homem po-
Si os seus pecados? Quer dizer que Ele, inocente, aceitou a dor derá liquidar materialmente o evoluído, destruindo o seu corpo
necessária para evolver, dor que não pertencia a Ele, que não era físico, mas, com isto, não é possível anular a lei de um plano de
um decaído, uma vez que Ele nada devia pagar, porque nunca se vida e o poder que o faz funcionar. Em sua ignorância, o invo-
havia rebelado contra a ordem. Ele, que não havia descido na luído pode acreditar que se trata de encontro de homens, uma
involução, não devia redimir a Si mesmo e, por isso, não estava vez que não sabe enxergar além da forma exterior. Mas, aqui,
sujeito à pena da evolução. Todavia Ele sofreu. Entretanto, o so- trata-se de embate de ideias, e as ideias não podem ser mortas.
frimento é necessário para redimir-se e, se Ele nada tinha do que Aqui, acha-se empenhada a lei que rege o universo na sua evo-
se redimir, eis que Seu sofrimento não podia ser senão para a re- lução, e a nenhum ser é dado sequer abalá-la.
denção dos outros. Eis em que sentido Cristo tomou sobre Si os As duas leis estão face a face. Sobrevivem elas, indestrutí-
pecados do mundo, isto é, Cristo sofreu a fim de se realizar a veis, aos episódios em que se manifestaram. De um lado, a lei da
evolução alheia, pondo-se à testa dos outros neste duro caminho, força, de outro, a lei do amor. Qual das duas é mais poderosa: a
com o exemplo e o ensinamento, tomando sobre Si o nosso far- da força ou a do amor? Trata-se de uma luta, não entre os indi-
do de dor não Seu, levando-o Ele por primeiro, com o fim de ser víduos do mesmo plano, para sobrepujarem-se usando a mesma
seguido pelos outros. Depois, por aquela psicologia das acomo- estratégia e permanecendo no mesmo sistema, mas entre indiví-
dações de que já falamos, pela preguiça do mundo, achou-se duos de planos diversos, para combinarem-se, usando estratégias
mais cômodo acreditar que Cristo houvesse tomado sobre Si os diferentes, filhas de sistemas diversos. É uma luta, de um lado,
nossos pecados, para pagá-los em nosso lugar. Isto, entretanto, de seres que odeiam para destruir, com seres que, do outro lado,
lesaria a justiça da lei de Deus e estaria em contradição com as amam para criar. O abraço, em que não podem deixar de se es-
leis da vida. Seguindo o exemplo e o sacrifício de Cristo, desci- treitarem todos os lutadores, é de rivalidade exclusiva de um la-
do entre nós para nos ajudar, mas não para nos substituir, uma do, de amor fraterno do outro. De um lado, a violência destrui-
vez que o amor não pode chegar até à injustiça; seguindo-o, te- dora do egoísmo, de outro, o poder construtivo do amor.
remos de enfrentar a nossa paixão, pois que, sem sacrifício, não Atrás da luta dos seres que o representam, há uma luta de
há evolução e, sem evolução, não há redenção. Para ser nossa a princípios que os sustentam. Qual é mais poderoso, a quem per-
evolução, há de haver uma paixão nossa. tence a vitória? À força do egoísmo que dá vida apenas a um eu
30 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
separado, semeando a morte para todos os outros, ou à força do mentânea, da qual permaneceu apenas uma sua história de ver-
amor que dá a vida a todos juntos, semeando, em colaboração, gonha que, sem Cristo, ficaria desapercebida como tantas ou-
vida para todos? O primeiro impulso acredita ser mais poderoso tras. Contrariamente, a vitória de Cristo, que eles venceram, é
por estar contraído em si mesmo, concentrado num eu só, mas vitória de milênios. Levantado na cruz, Cristo venceu o mundo
representa um impulso de morte para os demais, como é lógico, que o havia crucificado em nome do egoísmo e do ódio, ven-
por estar mais vizinho do separatismo destruidor do Anti- ceu-o com o poder do sacrifício e do amor.
Sistema. Outro impulso parece mais débil por estar se expandin- Com este estudo queremos, também, demonstrar e dar-nos,
do além de si mesmo, descentrado em todos os outros seres, mas com isto, a alegria de compreender, que o amor é mais forte do
representa um impulso de vida para os demais, como é lógico, que o egoísmo e que, na luta entre a força e a bondade, vence a
por estar mais perto do colaboracionismo reconstrutor do Siste- bondade, por ser esta mais forte do que a força. Deus, que é vi-
ma. O involuído parece o mais forte por estar armado até os den- da, por meio desta, rechaça todas as forças negativas que quere-
tes, mas é, tão só, mais violento e feroz. Com todo esse arma- riam destruí-la. Esta, de fato, tão logo alcançados os fins da luta
mento de guerra, ele procura em vão suprir a sua fraqueza fun- pela seleção do mais forte, inicia imediatamente outra luta entre
damental, representada pela sua posição de indivíduo isolado e evoluído e involuído, a fim de que o primeiro vença o segundo
desorganizado. O evoluído parece mais fraco, por estar indivi- num terreno bem diverso: o do amor. Quem se prende ao amor
dualmente desarmado, mas a sua força é muito maior que a de é o mais forte, por que se prende à força central e vital do todo,
um ser que está sozinho e consiste no fato de não estar ele nem prende-se a Deus. O triunfo final não pertence aos prepotentes
isolado, nem desorganizado. Isto quer dizer que, enquanto o in- dominadores, mas àqueles que mais amam, porque quem ama
voluído não pode contar senão com suas próprias armas e forças, dá vida e quem domina oprime.
permanecendo isolado de todo o restante, o evoluído está jungi- O último ato de todo o drama daquela grande paixão do
do, por relações estreitas de colaboração, com as forças positivas universo, que se denomina a evolução, é o ilimitado abraço de
do universo. Estas são as que provêm de Deus, as que querem a amor. É no amor que, através do sacrifício, o universo encon-
vida, o triunfo de todos, integrados na ordem do Sistema. O evo- trará a sua redenção. Subir o Gólgota significa, também, uma
luído está deste lado, e isto constitui a sua força maior, porque, ascensão para o céu. O levantamento da cruz é, também, um
com isto, está ao lado da vida e de Deus. O involuído, ao contrá- levantamento acima do plano inferior da vida do mundo. É
rio, está ao lado do Anti-Sistema, e isto constitui a sua maior com o amor que se reabsorve o ódio, se reorganiza a desor-
fraqueza, porque isto significa estar do lado da negação da vida dem, se reconstrói a vida. É no triunfo do amor que se ultimará
e de Deus, isto é da morte e das forças negativas da destruição. este nosso volume de estudo de tantas misérias humanas, a par
O embate entre involuído e evoluído não é somente encon- da história que iremos expondo.
tro de dois tipos biológicos e de dois planos de vida, mas tem O triunfo do amor constitui a última fase da paixão do evo-
uma profunda significação cósmica. Atrás deste encontro, que luído que desce à Terra em missão de sacrifício, para salvar os
não é senão um episódio, está a maior batalha do universo, seus irmãos mais atrasados. Aqui, também, trata-se de uma lei
constituída pelo enfrentar-se do Sistema com o Anti-Sistema; geral, à qual está sujeito o ser, toda vez que se põe a percorrer
encontro apocalíptico, em que todo o Sistema, em que está estes caminhos. Chegado à última fase em que o fenômeno
Deus e a parte incorrupta da criação, empenha-se a fundo para a amadurece, dá-se a inversão da lei do plano inferior na do plano
redenção do Anti-Sistema, em que se precipitou toda a parte re- superior, esta vencendo a outra, substituindo o amor ao egoís-
belde e caída em ruína. Temos, pois, de um lado, o exército dos mo. Assim o evoluído impõe a sua lei no lugar da do involuído,
poderes positivos, aliados na reconstrução; de outro, o dos po- sendo este vencido. Este é o epílogo de todo o processo, isto é,
deres negativos, tendentes à destruição. a apoteose do evoluído vencedor e a catarse biológica dos invo-
Entretanto, é lógico que os primeiros sejam os mais pode- luídos que, assimilada a lição, conseguem transformar-se em
rosos, já que com eles está Deus, que não pode deixar de ser o evoluídos. Assim triunfa o bem, a alegria, a vida. Este é o gran-
mais poderoso porque, se não o fosse, ruiria toda a lógica e to- de milagre que o amor realiza na Terra, quando desce do alto.
da a lei que rege o universo. Mas as forças positivas do Siste- Milagre de transubstanciação, em que do ódio nasce o amor.
ma, que querem a vida, devem ser mais poderosas também Milagre de contínua reconstrução, o qual deixou pensar que a
porque a elas está, precisamente, confiado todo o trabalho de criação seja contínua. Tal criação, aparentemente contínua, é
reconstrução, no Sistema, do universo decaído no Anti- devida a este processo contínuo de reconstrução, pelo qual as
Sistema. Sem esta sua maior potencialidade, que, desde o iní- forças positivas do Sistema só terão descanso quando houverem
cio, estabelece que elas devem ser vencedoras, não seria possí- reabsorvido e corrigido, com a redenção, todas as forças nega-
vel a salvação por evolução, que elas dirigem, e que nunca po- tivas do Anti-Sistema. Assim é que a contínua presença de
deria ser levado a efeito pelas forças negativas da destruição. Deus, também no Anti-Sistema, continuamente corrige-o, re-
A conclusão está em que, se o involuído fosse mais poderoso dime-o, salva-o, até sará-lo e, deste modo, reabraçá-lo depois
que o evoluído, Deus ficaria vencido pela revolta das suas cria- de havê-lo reconduzido todo ao Seu seio.
turas rebeldes, e o Seu universo, na queda, ficaria insanável, a Eis o grande liame de amor que une entre eles os diversos
testemunhar a inaptidão de Deus, provada pela falência da Sua planos da evolução. Eis como, por este liame, para efetuar a
obra. Mas sendo da lei de Deus que tudo se reconstitua com a salvação dos mais atrasados e elevá-los ao alto, o evoluído des-
evolução, poderemos concluir que o princípio ao qual é desti- ce ao plano inferior ao involuído. Eis o destino dos mais adian-
nada a vitória, por ser o mais poderoso, não é o da força com tados, de sacrifício por amor, destino escrito na lei de Deus, que
que se arma o involuído, mas o do amor com que o evoluído quer a salvação de todos. Eis como, por meio do amor, realiza-
tende a reconstruir. Faz parte de todo o plano da criação que se o milagre da redenção do mundo.
deva triunfar a vida, e não a morte, e a vida está do lado do Observamos todas as fases da batalha: a condição deplorá-
Sistema, isto é, do evoluído, e não do lado do Anti-Sistema, is- vel dos involuídos e a sua lei de egoísmo e de luta; depois, a lei
to é, do involuído. Isolar a vida, contraindo-a no egoísmo do de amor que impera nos planos mais elevados, em cuja obedi-
próprio eu, é ir contra a vida, contra o Sistema, contra Deus. ência o evoluído deve descer à Terra, em missão para ajudar e,
Por isto, o evoluído deve vencer. Contra todas as aparências, é, finalmente, a resposta tremenda dos involuídos com a crucifi-
pois, o involuído o mais débil e o evoluído o mais forte. cação. Liquidação material do evoluído. Ele morreu, mas, nem
Confirmação disto encontramos no caso de Cristo. A vitória por isto, a sua lei extinguiu-se. É ela lei de amor e de vida, a
dos seus crucificadores foi uma vitória fechada no tempo, mo- própria lei de Deus, que rege o universo e, como tal, não pode
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 31
deixar de ser a mais forte e de vencer a grande batalha. Assim é blema não de um só, mas de todos, porque, não obstante os
que, no fim, o evoluído, com o amor, vence sem outras armas o particulares sejam multíplices e diversos para cada um, todos
armadíssimo involuído e o conduz, do plano da luta e da força, vivemos e não podemos deixar de mover-nos senão dentro do
ao da união e do amor. Eis como se desenvolve todo o processo âmbito da mesma lei comum a todos.
com que se reduz a grande fratura do universo decaído; eis a O destino é este trilho que quer nos levar numa determinada
forma com que o Sistema se redobra sobre o Anti-Sistema, para direção. Ser-nos-á possível corrigi-la, mas sempre na base da-
redimi-lo da queda e reconduzi-lo ao estado perfeito originário quele impulso precedente, que foi nosso, livre, e que continua
de Sistema; eis como se realiza, através da dor e do amor, aque- nosso fatalmente. Assim, por este seu passado, grande parte de
le tremendo esforço da subida, que se chama evolução. nossa vida já está traçada. O impulso fundamental, o colorido
Amor e dor. Amor é a lei de Deus, com que, na origem, es- geral, o tipo de trabalho a realizar e de experimentações a de-
tava feita a criação. Dor é impulso oposto, negativo, introduzi- senvolver, já estão prefixados, dados pelo modo conforme o
do pela criatura rebelde com a sua revolta. Constituem eles as qual quisemos construir nossos instintos e qualidades, consti-
duas leis opostas, do Sistema e do Anti-Sistema. São seus sím- tuindo exatamente o trilho sobre o qual não podemos deixar de
bolos as duas traves que formam a cruz: a horizontal, estática, continuar a ir por diante. No passado, semeamos os germes que,
negativa em face da ascensão, feita para apoiar-se, represen- agora, hão de se desenvolver, dos reclamos nossos, para as for-
tando a dor, lei do Anti-Sistema; a vertical, dinâmica, positiva ças boas ou más, os germes das nossas atrações e reações, de
como ascensão, feita para subir em direção ao céu, represen- que dependerão nossos encontros e nossa conduta.
tando o amor, lei do Sistema. Os dois encravam-se unidos na Até agora, apenas iniciamos a história de nosso protagonista
mesma cruz, firmando o que é a inexorável lei da evolução: e dela nos distanciamos para analisar mais amplos problemas,
sacrifício. Por isto, sobre o mundo rebelde, eleva-se a cruz surgidos de suas particularidades. Volvamos à narrativa, para
como símbolo de salvação, porque só com a própria crucifica- segui-la mais de perto. Também aquele protagonista estava
ção a humanidade poderá salvar-se. jungido ao seu destino particular. Definido para ele desde a sua
◘ ◘ ◘ meninice, continuou a arrastá-lo na mesma direção, para fazer
As leis que observamos são as que marcam o caminho da passar a sua vida através de determinados pontos fundamentais.
existência dos vários tipos biológicos conforme sua natureza. É um destes pontos que constitui o episódio que queremos ex-
Isto é o que forma o destino próprio de cada um, mas, acima por, por representar um exemplo confirmador da tese sobre o
de tudo, do evoluído. Evangelho, sustentada neste volume.
Destino! Pode este constituir o drama de uma vida, drama A sua vida havia sido um desenvolvimento lógico, de que
tanto maior quanto mais for titânico aquele destino. Há desti- os fatos vividos constituíam as sucessivas proposições. Dores e
nos simples, cinzentos, insípidos, que se arrastam terra a terra, alegrias, condições de ambiente e dificuldades a superar, ten-
presos a pequenas coisas. Mas há, também, destinos tremen- dências e realizações alcançadas, tudo convergia para o fato
dos, apocalípticos, feitos de dores, alegrias e conquistas pode- central que constituía a maior realização daquela vida. Tal rea-
rosas, de dimensões gigantescas; destinos em que se embatem lização, conteúdo fundamental daquele destino, consistia no
o céu e a terra, numa luta que arrasta e esmaga o indivíduo cumprimento de uma missão de progresso espiritual.
numa tempestade cósmica. Há destinos constituídos de poucas Para este fim, os acontecimentos daquela existência havi-
ideias, de realizações elementares, que não vão além das dores am-se desenvolvido, todos mirando a um mesmo objetivo.
e das conquistas suportáveis por um menino. Mas há, outros- Ambiente, educação, qualidades, dificuldades, eventos, dores,
sim, destinos em que se agitam os maiores problemas do uni- tudo tinha tido uma função principal: a de preparar aquele ho-
verso, em que, através de grandes paixões, devem realizar-se mem para o cumprimento da sua missão. Em seu devido tem-
as maiores conquistas, e, no meio das maiores dores, é preciso po, haviam-se-lhe tirado todas as satisfações materiais que po-
saber dar escalada ao céu. Destinos feitos de tormenta criativa diam induzi-lo a permanecer ligado à vida terrena, a fim de in-
para os titãs do coração e do pensamento. Destinos de tormen- citá-lo a aprofundar-se introspectivamente, dentro de si, mais
to proporcionado àquela potência, em que a dor bate duramen- do que se distrair projetando-se para fora, na vida comum de
te sobre a bigorna daquelas almas, para fazer emergir aquela superfície. Havia-se, assim, podido realizar em silêncio a con-
potencialidade em centelhas que iluminem o mundo. Assim, centração e o amadurecimento daquela alma, para torná-la apta
conquista-se o porvir por obra dos pioneiros do progresso, os ao cumprimento do seu destino.
mártires da evolução. Executam eles o grande esforço, acima Aconteceu, então, no seu desenvolvimento, que, depois de
de tudo, para os outros, sua maior paixão é fazer subir o ho- tanta preparação íntima, soou a hora em que ele devia dar o seu
mem, para seu próprio bem. O mundo responde, muitas vezes, fruto exterior e em que aquele homem devia sair da solidão e
com a inveja e perseguição em vida, com a crucificação em do silêncio, fase apenas preparatória, para entrar na fase das re-
morte e com a exploração depois da morte. alizações, trabalhando no mundo, sem o que a missão não se
Destino, enigma de toda alma! Inexoravelmente acorrenta- poderia cumprir. Foi assim que, quando ele estava bem amadu-
da, a alma o vai desenvolvendo em sua vida, cada alma o tem recido e a hora chegou, o destino o tomou pelos cabelos e o
como carne de sua carne e o não conhece; indaga, buscando a lançou na pré-escolhida terra longínqua, mais adaptada para ne-
revelação do seu mistério. Tudo, entretanto, está escrito no li- la poder-se cumprir a missão.
vro do destino, mas a alma não sabe ler. E cada um permanece Aqui começa a história que interessa à nossa tese evangéli-
com o seu. Mil destinos encontram-se na vida, tocam-se, influ- ca. Por isto, procuramos, agora, focalizar aquele período signi-
em reciprocamente, mas não é possível nem permutá-los, nem ficativo daquela vida. Nós o contaremos, observando-o em pro-
destruí-los. São como tantos trilhos traçados, sobre os quais tu- fundidade, como foi vivido. Não aparecem pessoas, mas as
do tende a correr pela vida toda. causas de seus movimentos, representados pelas forças que as
Por que? Quem construiu este trilho? Por que são tão diver- fizeram agir, muitas vezes sem sabê-lo, como cegos instrumen-
sos de homem para homem? Conhecemos a lei que nos diz ser tos. As pessoas não interessam, mas sim, e apenas, o funciona-
consequência de nosso passado, continuar o trilho que have- mento da Lei, que se oculta atrás delas e explica os seus atos.
mos construído nas vidas precedentes, vivendo conforme qui- Além da forma, interessa a substância; mostraremos, por isso, a
semos viver. Mas como, de fato, isto aconteceu, as formas, as realidade que move as aparências, permanecendo aderentes
particularidades, a realidade como foi por nós vivida, tudo nos mais às causas do que aos efeitos. Poderemos, desse modo, es-
escapa e aprofunda-se nas trevas insondáveis do mistério. Pro- tudar a técnica conforme a qual desenvolve-se uma missão, ver
32 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
como se dá o fenômeno da descida das forças do Alto, oferecer, lidades, funções diversas. Trata-se muitas vezes de vontades
enfim, uma prova experimental das verdades do Evangelho, humanas ignaras de tudo isto e rebeldes, encerradas no seu ego-
que parecem as mais irrealizáveis. Procuraremos, no caso parti- ísmo. É preciso, pois, induzi-las à ação necessária, fazendo-as
cular, o que tem valor universal, o que pode interessar a qual- mover-se por meio de fios aos quais elas sabem obedecer, isto é,
quer um que venha a encontrar-se em iguais ou semelhantes seus instintos e miragens, sem o que o seu concurso não poderia
condições de vida. Nossa finalidade é tornar compreensível o ser obtido. Não há outro modo para induzir a trabalhar para o
valor moral da narrativa, fazendo ressaltar os ensinamentos be- ideal, quando o seu concurso é necessário, seres habituados a
néficos que dela possam ser deduzidos. mover-se apenas para o próprio interesse. Começamos, assim, a
Eis que, em certo dia, aquele destino estava maduro para perceber como é complexa a arquitetura do trabalho necessário a
que, depois de uma longa e dolorosa preparação interior, saísse levar a bom termo o cumprimento de uma missão. Disto faz par-
para o mundo e alcançasse a sua realização. O sujeito havia sido te a direta intervenção das forças do Alto, que, em determinado
experimentado como fidelidade ao ideal, preparado como sensi- momento, é necessidade absoluta.
bilização, purificado o mais possível dos piores instintos da No desenvolvimento de nossa narrativa, chegamos agora a
animalidade, como o orgulho, o egoísmo, o instinto de domínio. um estado de amadurecimento, pelo qual aquela intervenção
A adaptação é uma das fundamentais leis biológicas, necessária do Alto torna-se indispensável, pois que, de outro modo, fica-
para garantir a sobrevivência. E a vida do sujeito, no plano físi- ria comprometido o fruto de toda a preparação anterior. Antes
co, havia-se adaptado, ganhando assim qualidades para os traba- de escrever estas páginas, procuramos estudar, com o método
lhos espirituais, mas por nada aptas a vencer no plano humano, da observação, a estratégia e a técnica desta intervenção do Al-
no qual, entretanto, sua missão deveria exercer-se. Eis, pois, que to ou descida das forças espirituais, e isto é quanto agora ve-
surge, no desenvolvimento da lógica daquele destino, a necessi- remos. O fenômeno da realização de uma missão nunca para,
dade de que um indivíduo especializado em direção espiritual, anda sempre impelido pelo seu dinamismo. Antes, deve ama-
inepto, por isso, a lutar como se usa na vida prática, recebesse, durecer aquele que a deve cumprir. As forças do Alto ocupam-
para realizar a sua missão, as ajudas de que precisava. se, antes de tudo, dele, e não lhe deixam descanso. Por vezes,
O desenvolvimento de uma missão representa um trabalho golpeiam com o chicote da dor, para excitar suas reações; por
complexo, em que devem concorrer muitos elementos, combi- outras, isolam-no no silêncio, a fim de que se concentre e, in-
nando-se no momento e na medida justa. Para produzi-los, são trospectivamente, olhando para o profundo, compreenda; por
precisas tantas qualidades diversas, inclusive opostas, que um vezes, impõem provas de absoluta fidelidade e de obediência
homem sozinho não pode possuir. São Francisco lançou espiri- cega e, por outras, o circundam de luz, para aprender a ver e,
tualmente a sua obra, mas, depois, teve de ceder a outros, do- depois, ensinar aos outros a ver. Depois, quando aquela alma
tados de qualidades bem diversas, a direção e disciplina da sua estiver bem moldada para os fins desejados, aquelas forças do
Ordem. Como, então, reunir o tão diverso material humano e Alto lançam-na no mundo ambiente, totalmente diverso, onde
espiritual necessário para poder completar a obra até o final? imperam outras lutas e psicologias.
Deve, para isto, intervir ostensivamente a inteligência superior Este é o momento crítico do fenômeno, em que se cumpre o
que dirige todo o procedimento, sem o que este não poderia re- aferimento em contato com a realidade de nosso mundo. Neste
alizar-se. As causas são, sem dúvida, espirituais, mas devem, ponto, convergem todos os impulsos do passado, como tantos
neste caso, descer para agir, fixando-se na Terra, com efeitos raios luminosos focalizados no mesmo ponto, para acender o
concretos. Momento interessantíssimo, porque é nele que estopim que deve gerar o incêndio. Superou ele todas as fases
aquele mundo espiritual, quase sempre escondido no mistério, da preparação. O Alto está interessado neste amadurecimento,
vem a manifestar-se em nosso plano de vida, de modo que po- preparado por ele, cujos efeitos fazem parte do desenvolvimen-
demos vê-lo aparecer e funcionar, permitindo-nos, assim, diri- to de seus planos. O momento é crítico e resolutivo. Então,
gir a nossa observação também para esse mundo de mistério. aquelas forças do Alto tomam posse daquele homem, que com
Mundo este das causas, escondido na profundeza impenetrável elas havia livremente aceito de conjugar-se, o fundem com a
ao nosso olhar, mas que, neste momento, é obrigado a tomar missão e lançam-no agora para o seu fatal cumprimento.
forma exterior, tornando-se perceptível. Chegados a este ponto, esta mecânica de forças dá ao desen-
Eis, então, que nossa narrativa começa a tomar corpo na hora volvimento da missão uma característica de fatalidade. Agora, o
da madureza do destino que estamos observando, porque as for- homem que a aceitou está lançado e não se pode mais retrair.
ças que o dirigem encontram-se na necessidade de sair do misté- Não é que não seja livre, mas é a própria velocidade, que quis
rio e pôr-se a agir de modo manifesto, descendo a colaborar com tomar e de que ora vive, que não lhe permite mais parar e, muito
as forças que agem em nosso plano, a fim de que aquele destino menos, retroceder. As forças que o guiaram até aqui o sabiam,
se cumpra como elas exigem. O chamado de um destino para tanto que podem agora confiar nele Eis, então, um homem arras-
cumprir uma missão não é a costumeira invocação verbal de tado por sua própria velocidade, amarrado por fim a um impulso
nossas preces. Os fins a alcançar são de caráter universal e inte- que já é mais forte do que ele, impulso fatal também por estar
ressam à vida no seu maior trabalho, que é o da evolução. Ade- empenhado com um determinismo implícito no desenvolvimen-
mais as forças do alto, havendo preparado e conduzido tudo até to de todo o fenômeno, em que se comprometeram as forças do
este ponto, assumiram uma velocidade própria e um empenho de Alto, que, há tempo, tudo estavam preparando para o êxito certo.
continuação do desenvolvimento lógico daquele destino, na di- O resultado positivo da ação de todas estas forças está em que
reção já iniciada. Tudo isto constitui uma necessidade de inter- tudo, finalmente, deve cumprir-se até o fim, não havendo poder
venção, uma inevitabilidade na descida das ajudas do Alto. Es- humano que possa fazer parar o seu desenvolvimento.
ses destinos, planejados pelas forças espirituais, não podem Tal estado de fato resulta bem claro para nós porque, olhan-
prescindir de sua direção e assistência contínuas, a qual os deve do até o fundo, podemos ver a natureza e o movimento das for-
acompanhar na sua transformação, providenciando as diversas ças que estão em campo, como, também, o seu lógico desen-
necessidades de todo momento, uma vez que o cumprimento de volvimento até este momento decisivo. Podemos, pois, dar-nos
uma missão representa a construção de um edifício complexo, conta racionalmente desta característica de irresistibilidade no
em que entram materiais de forma e natureza diversas. E cada cumprimento da missão. Natural é, porém, que o mundo, vi-
coisa deve estar em seu lugar, executar seu trabalho no momento vendo com outra psicologia e, por isso, não tomando em conta
preciso, utilizando as capacidades específicas de tipos diversos, essas coisas, haja cometido um grande erro em face de tal mis-
chamados cada um a seu turno para efetuar, conforme suas qua- são; erro de não haver compreendido a existência de uma mis-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 33
são e, ainda quando a admitia, de haver acreditado possível do- Que molas movimentam o homem comum, submergindo
brá-la, adaptando-a a fins particulares, enquanto tudo já estava no plano biológico da animalidade, quisemos esclarecer antes,
situado além de todo poder humano. Desta fundamental incom- nos capítulos precedentes, para ter pronta agora a chave que
preensão nasceu e desenvolveu-se, na realidade vivida, aquele nos explica o funcionamento desta técnica. No presente caso,
embate que observamos entre evoluído e involuído, isto é, entre para que a missão se pudesse realizar, o Alto devia servir-se
as forças do Alto, focalizadas na missão e nos indivíduos que precisamente de seres comuns, do biótipo involuído, dotado de
deviam executá-la, de um lado, e o mundo, que, sem nada com- instintos e qualidades comuns, dada a necessidade de servir-se
preender, resistia-lhes, para rejeitá-las. do material corrente.
Aqui se reproduz, em proporções humanas, em forma mais Para fazer agir este material, com o fim de um trabalho su-
próxima de nós, mais particular, mais viva, a batalha que, nas perior que ele não compreende, é lógico que não há outro meio
suas grandes linhas, vimos no encontro entre diversos planos de senão a via indireta. Vimos como esse biótipo se comporta em
vida. É para melhor compreender esta história que aqui conta- face dos ideais. Se, para movimentar esses seres, colocarmos
mos, que antecipamos aquele estudo acerca do encontro de bió- diante de seus olhos o verdadeiro fim para o qual devem agir,
tipos e de níveis evolutivos. Já ingressamos no culminar da ba- isto é, um fim espiritual superior, nada se conseguiria. Vimos
talha; as premissas expostas farão com que melhor a possamos suas características e quais os impulsos a que eles respondem. É
compreender. Estudaremos sua estratégia e técnica, mas, dado o necessário inserir-se no seu egocentrismo, oferecer-lhes a ideia
mecanismo de todo o fenômeno e os elementos de que ele re- de uma vantagem pessoal, a satisfação daqueles instintos, so-
sulta composto, é fácil prever, ainda antes do início da batalha, mente aos quais eles respondem. É inútil, pois, revelar-lhes a
qual deverá ser a sua conclusão. Dada a necessidade do cum- verdadeira função de instrumentos em relação ao cumprimento
primento da missão e a resistência, naturalmente imposta por de uma missão. Eles não desejam obedecer e fariam mau uso de
incompreensão, de todos os obstáculos, também as maiores po- qualquer conhecimento, utilizando-o para evadir-se de sua tare-
tencialidades que se levantaram contra, despedaçaram-se, como fa, que, entretanto, deve ser absolutamente executada. Dado
era lógico e, em vez de vencerem, como acreditaram firmemen- que eles também são instrumentos necessários, dado que eles
te, por não haver compreendido nada, foram vencidas. são bem munidos com todas as armas humanas, das quais são
◘ ◘ ◘ mestres, não há outro modo para fazê-los funcionar em serviço
Continuemos a estudar a técnica do desenvolvimento de de uma missão senão deixá-los em sua ignorância.
uma missão e, especialmente, como se verifica o fenômeno da Se eles compreendessem, poder-se-ia dizer-lhes a verdade.
descida das forças do Alto. Na amplitude do movimento, o pro- Mas eles não podem compreender a lei de seu plano, que é di-
tagonista desaparece como um dos elementos entre tantos, in- versa, pensam de acordo com ela e a ela querem reduzir tudo.
vestidos pelos impulsos que movem a missão. Deixemos de la- Nem é possível transformar o seu biótipo e destino, tanto mais
do, por um momento, o indivíduo, para ocuparmo-nos do mo- que se trata, para eles, de dar somente uma contribuição mo-
vimento geral em que funcionam os outros elementos menores. mentânea, acessória, ainda que necessária para realizar a mis-
Colocando-nos diante do fenômeno da intervenção do Alto, es- são. Como, então, fazê-los agir, respeitando, como é necessário,
tudemos qual é a técnica usada por estas forças para descer na sua liberdade? Há um meio: a miragem. Desse modo, as forças
Terra e arrastar assim os seus instrumentos, para fazê-los agir do Alto os farão se moverem, fazendo nascer diante deles aque-
de conformidade com os fins prefixados. la imagem que pode interessá-los, atrás da qual irão correr. A
Nunca vemos Deus intervir diretamente, manifestando-se imagem é fictícia e, como todas as miragens e ilusões da vida,
nos eventos humanos, mas sempre através do concurso inter- cairá em breve, mas faz movimentar aqueles instrumentos, para
posto por pessoas. Para poder descer do Alto, as forças espiri- executar aquela parte de trabalho mecânico exterior necessário
tuais necessitam de processos de transformação, de redução, para a realização dos fins do Alto.
que lhes permitam manifestarem-se em nosso plano de vida. Tudo isto permanece dentro da justiça. Ninguém pode ob-
Deus, que é a causa imaterial de tudo, não pode manifestar-se ter mais do que merece. O que fazem eles para o ideal? Se
diretamente no nível sensório de nosso mundo. Ele é causa e, soubessem estar sendo utilizados como instrumentos para fins
como tal, não pode descer no terreno dos efeitos, mas somente não próprios, o que fariam? Estamos no plano do egocentris-
manobrá-los da profundeza onde Ele está situado. Estes seus mo, em que não se aceita esforço senão para a própria utilida-
agentes exteriores que descem no campo da matéria, denomi- de. Então, dado que é difícil, aliás, seria daninho para a mis-
nam-se instrumentos. Mas como Deus os movimenta? O que são, dar-lhes compreensão, porque, se compreendessem, nada
agora nos interessa conhecer é a técnica desta ação de Deus na mais fariam, torna-se justo sejam mandados quais cegos, gui-
Terra, por meio desses instrumentos. ados por quem sabe ver. Assim, eles executam o trabalho útil
Para o cumprimento de uma missão, são precisos instrumen- para a missão, mas, conforme a justiça, não colhem nenhum
tos de todo gênero, e cada um é utilizado conforme suas qualida- merecimento, porque aquele trabalho não o fazem para a mis-
des. Aqueles que devem executar a parte mais elevada, espiritual, são, mas somente tendo em vista a sua miragem. Como agir
são adestrados, amadurecidos com treino preciso, como o são os diversamente se sua obra é necessária e, sem a miragem, eles
primeiros atores de uma ópera. Os outros são comparsas, aos nada fariam? E o que se pode pretender sejam as miragens se-
quais são confiadas as partes secundárias, não de conceito direti- não ilusões? E o que mais se pode achar nesse plano de vida
vo, mas de execução material, assim mesmo necessárias para o inferior? Assim, o resultado final é que estes instrumentos são
cumprimento da missão. Para os primeiros atores, é necessária a utilizados para finalidades de que é impossível dar-lhes com-
compreensão do trabalho respectivo que lhes é oferecido e que preensão, utilizados por ser o seu concurso necessário, tudo
eles aceitam por livre adesão. Mas, para os outros, ainda não isto sem a sua vontade, sem sua adesão e sem merecimento.
amadurecidos e incapazes de compreensão, isto não é possível. Disto segue que, de seu lado, eles recebem uma utilidade ma-
Como, então, fazê-los agir? Para movimentá-los, é preciso terial proporcional ao trabalho executado, como é justo, mas,
falar-lhes não com a linguagem espiritual, que não compreen- com isto, recebem a sua paga na moeda de seu mundo. Depois
dem, mas na fala terrena comum. É preciso ver como são feitos disto, é justo, também, que sejam distanciados de uma obra da
e, então, para fazê-los agir, tocar as teclas às quais se sabe que qual nada compreenderam e que sejam liquidados. Não podem
eles obedecem, pôr a alavanca sobre os instintos que os fazem ter o direito de ingressar no giro dos méritos eternos e de
mover. Somente assim poder-se-á obter a sua colaboração, e manter a própria posição de instrumentos estáveis, juntos a
conseguir deles, em resposta, as reações desejadas. uma missão a que permaneceram estranhos.
34 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Eis, então, como, no cumprimento da missão que aqui esta- sar todos os ataques e de derrubar todos os empecilhos. As
mos observando, comparecem, para trabalhos acessórios, mate- forças do bem são as mais fortes, e as do mal não podem pre-
riais necessários a ela. Depois, eles desaparecem quando o tra- valecer contra elas. Não é possível modificar isto, por estar
balho está terminado, como figuras secundárias, chamadas, escrito na lógica da lei de Deus.
dentro do plano maravilhoso do desenvolvimento da obra, a Assim, no momento decisivo em que o êxito da missão era
executar a sua parte em posição subordinada. Podemos, desse ameaçado de ficar comprometido, as forças do Alto tiveram de
modo, explicar o caso que estamos contando. Assim, tão logo se manifestar claramente também em nosso plano humano e,
este ingressou na fase prática de realização terrena, aparece podemos dizer, em forma milagrosa, isto é, excepcional, abso-
uma espécie de conflito: de um lado, uma missão verdadeira, lutamente fora do comum, do sistema habitual, conforme o
querida por Deus, longamente preparada, tornada fatal, e irre- qual costumam acontecer as coisas. Na Terra, de fato, não é
sistivelmente lançada para o seu cumprimento; de outro lado, normal que os débeis e os inermes vençam. Assistimos ao en-
miragens terrenas, queridas pelo homem para fins particulares, contro entre duas estratégias: a da força e a da ideia. Venceu a
que dizem respeito somente ao interesse particular dos indiví- segunda. Os lutadores da primeira foram vencidos pelo seu
duos que as vislumbraram. O resultado final não podia ser se- próprio erro, o de acreditar que a estratégia da força e da astú-
não aquele cujas razões explicamos aqui, isto é, liquidação, tão cia, que, na Terra, se demonstra a mais poderosa, sempre o
logo aqueles instrumentos houvessem completado a sua função. fosse de modo absoluto, ainda contra as forças do céu. Mas es-
Esta é a conclusão lógica do encontro entre as forças em tas, ainda quando descem à Terra, são sempre regidas por ou-
ação, conforme sua natureza. Liquidação dos instrumentos, tras leis. É raro que a mão de Deus se manifeste abertamente
porque era necessário distanciá-los de uma obra que não havi- na Terra. Mas certo é que ela é muito pesada e que os meios
am compreendido, mas que, todavia, procuraram pôr a serviço humanos nada podem opor-lhe.
de seus fins particulares, por haver ingressado nela momenta- Prosseguiu, desse modo, o desenvolvimento da missão, que
neamente; distanciá-los porque, esgotada a sua função, eles po- continuou fatalmente o seu caminho. Mais uma vez, ninguém
diam tornar-se nocivos à missão, já que, ao invés de ajudá-la, conseguiu paralisá-la, e o trabalho de construção retomou o seu
seriam levados a submetê-la às próprias diretivas diversas, as- ritmo regular conforme os planos preestabelecidos. Como em
senhoreando-se da obra, desse modo fazendo-a deslocar-se das todos os momentos decisivos para a construção da obra, apare-
finalidades estabelecidas na missão. cera a figura salvadora de Cristo, desta vez para acalmar a tem-
Neste momento, eles feriam um dos pontos nevrálgicos pestade e conduzir a nave ao porto. E a missão salvou-se.
mais sensíveis da lei de evolução, procurando, por finalidades
particulares, paralisar o seu funcionamento. Natural é, pois, que VI. O EVANGELHO POSTO À PROVA
uma lei de tão alta potencialidade, haja reagido inexoravelmen-
te, esmagando todos os obstáculos que os instrumentos procura- Observamos, no capítulo precedente, como se desenvolve o
ram opor à realização da missão. Eis como se explica que seres fenômeno da descida do evoluído no terreno do involuído, e
poderosos e armados de todos os meios, hajam sido definitiva- como o choque entre as duas leis opostas resulta na crucifica-
mente afastados, não por um homem que nada pode, mas mila- ção, que representa uma terceira lei, a do sacrifício, exigência
grosamente, pela irresistível intervenção das forças do Alto. suprema da evolução. Observamos, depois, como amadurece
Passaram eles, deste modo, perto de uma obra e de uma um destino, para poder cumprir uma missão, e a técnica de seu
missão, sem vê-la; deram sua contribuição sem compreendê-la desenvolvimento. Colhemos, assim, ou, poder-se-ia mesmo di-
e, no fim, recaíram no giro das coisas do seu plano de vida zer, surpreendemos a manifestação das forças espirituais que
normal. Desapareceram, assim, da cena, onde nada mais lhes dirigem essa missão, no momento crítico em que elas, sempre
restava fazer. Eliminação por eles mesmos provocada, porque, encerradas no mistério, eram obrigadas a aparecer em nosso
de meios, se haviam transformado em força negativa contra a mundo, para nele agir, e, desse modo, pudemos vê-las funcio-
missão. Ela, entretanto, não devia dobrar-se, nem podia adap- nar, finalmente, a descoberto. Ocupamo-nos, por fim, dos ins-
tar-se, razão pela qual eles desejariam destruí-la. É perigoso de- trumentos menores, dos seus métodos e sua liquidação final.
safiar o Alto, porque este é o mais poderoso. O erro deles con- Retornamos agora a história do nosso protagonista, que, pa-
sistiu no parar à superfície e não ver na profundeza, no acreditar ra tratarmos destes outros aspectos do problema, havíamos
estar tratando com um homem, e não com o instrumento de momentaneamente deixado de lado. A questão, no seu conjun-
uma missão. O que vale e pode um só homem? Isto era tanto to, é ampla e complexa e, para compreendê-la em profundeza,
mais verdadeiro neste caso, em que se tratava do mais inerme, deve ser examinada detalhadamente, em todas as suas perspec-
desprovido de meios e de qualquer poder, inimigo de lutas, de- tivas. É por isto que vamos continuamente mudando o ponto de
sejoso somente de amar e abraçar. E foi mesmo esta sua fra- vista. Não se trata de contar aqui a história particular de um
queza humana que os induziu em erro. Entretanto, um homem a homem, mas de explicar a sua significação; significação bioló-
quem está confiada uma missão não é de ser considerado sozi- gica de conflito entre as leis de planos de vida diversos, em que
nho, porque, atrás dele, movem-se invisíveis, mas poderosas, essa história representa o eco da luta cósmica do Sistema contra
forças espirituais, que querem alcançar seus fins e contra as o Anti-Sistema para a redenção do universo. Encontramo-nos
quais é loucura lutar, não havendo forças humanas que as pos- em face do amadurecimento de um destino cujo desenvolvi-
sam vencer. Assim, em sua cegueira, não compreenderam por mento havemos de compreender, e do cumprimento de uma
nada o que eles estavam enfrentando, isto é, forças e planos que missão, fenômeno do qual estudamos a técnica. Havemos de
a ninguém, na Terra, é dado dobrar. Ataque perigoso, porque, analisar os métodos usados pelas forças espirituais, para desce-
depois, ricocheteia sobre o agressor, tanto mais violentamente rem e se manifestarem na Terra, e, enfim todas as repercussões
quanto mais forte o ataque. Se não houvesse este sábio jogo de secundárias ambientais etc.
forças, não haveria na Terra nenhuma defesa para quem se ocu- Voltemos, agora, ao centro da batalha, onde está situado o
pa das coisas do espírito. E, então, como se realizariam as mis- protagonista, para estudar o centro da estratégia da mesma,
sões? A ação do Alto, então, ficaria paralisada na Terra, à mer- porque é exatamente naquele ponto vital que se desferram os
cê da vontade humana. No conflito, Deus seria vencido, e às maiores ataques e mais ferve a luta. Trata-se aqui do ponto
forças do mal seria concedido fechar-lhe o caminho. mais vital da missão, e não de elementos acessórios, que, repre-
Tudo isto faz parte da técnica usada pelas forças espiritu- sentando funções secundarias, podem, sem prejuízo, ser facil-
ais para descer à Terra. Nelas está inserido o poder de parali- mente substituídos ou liquidados. O que constitui o verdadeiro
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 35
fulcro da missão, da batalha e da sua estratégia, é um centro es- tantas coisas humanas, onde encontrar algo verdadeiramente
piritual que esta além do instrumento terreno, mero executor digno, com que preencher a vida? Cada qual, na própria ativida-
material. Este centro é o Evangelho, e, atrás do Evangelho, está de, quer realizar a si mesmo, de acordo com o que é, e não pode
Cristo, que, nos momentos decisivos, intervém e resolve, ofere- renunciar a esta realização da própria personalidade.
cendo-nos aquele maravilhoso fenômeno que vamos estudando, De outro lado, seria forçoso ser cego para não ver o contras-
da descida à Terra das forças do Alto. te existente na Terra entre a teoria, representada por um Evan-
De tudo isto decorre um fato relevante, isto é, que o cum- gelho proclamado e pregado, e uma prática, feita com a sua ne-
primento da missão tem uma significação, sobretudo, cristã, gação continua. Qual dos dois teria razão? Cristo ou o mundo?
evangélica. Trata-se de um experimento vivido, levado a efeito, Por que não tentar esta suprema experimentação? Ver, pois, nos
para observar a tão discutida aplicabilidade real do Evangelho fatos, se o Evangelho é verdadeiro, aplicável na realidade de
na prática de nossa vida. Experimentação vital para o nosso pro- nossa vida humana, e os motivos e resultados. Caminho de pes-
tagonista, que, porém, tem importância amplíssima, por ter uma quisa, que, se conduzido com critérios racionais e objetivos,
significação de interesse geral. Enfrentaremos agora, por isso, o deveria conduzir à descoberta do mecanismo íntimo e vital do
problema da grande batalha que estamos estudando, debaixo Evangelho, explicando a sua posição lógica no funcionamento
deste seu outro aspecto, da experimentação evangélica, isto é, de das leis da vida e da evolução, revelando enfim o segredo da
missão cumprida também para demonstrar que, contra todas as sua estranha técnica para vencer na vida, sem armas. Fascinante
aparências, o Evangelho é aplicável completamente em nosso tornava-se estudar seriamente uma tão difundida loucura e veri-
terreno humano e, ainda que isto pareça absurdo, com muita ficar por que, não obstante tão pregada, é tão pouco aplicada.
vantagem. Assim é que esta experiência pode ser utilizada como Tornava-se preciso controlar diretamente, com a experiência
exemplo para a demonstração de uma verdade pouco aceita e pessoal, quem teria razão entre os dois opositores: Cristo, com
que, entretanto, é utilíssimo conhecer. É por isto que relatamos suas afirmações enunciadas em nome ao Pai e confirmadas com
aqui esta experimentação evangélica, conduzida seriamente, o martírio, ou o mundo, que acha sábio fazer pouco caso, rindo-
com as regras da observação positiva, no laboratório da vida. se de Cristo e acreditando de fato no contrário.
Veremos, assim, os fatos conduzirem-nos à conclusão de que o A experimentação era muito mais interessante que outras
Evangelho é verdadeiro e que sua palavra, de fato, se realiza. com que é costume preencher a vida: riqueza, poder, sensualida-
Procuraremos, desse modo, dar ao involuído aquele poder de, orgulho etc. Como acreditar ainda nestas coisas, cair dentro
que torna mais forte o evoluído, evangelicamente desarmado. delas somente para perceber depois que tudo é vaidade e ilusão?
Para utilidade dos mais atrasados neste caminho, procuraremos Oceano de enganos, em que gostam de navegar os primitivos
estudar e explicar os segredos desta nova estranha estratégia inexperientes, para colher desilusão. Quanto, em vez disso, vale-
que o mundo tão pouco conhece. Ir adiante pelo caminho retilí- ria, também para os outros, como exemplo, mas, acima de tudo,
neo da sinceridade, significa chegar muito antes do que toman- para si, possuir uma prova experimental própria acerca de argu-
do a estrada da mentira e do engano. Muitos preferem esta úl- mento tão escaldante, que abarca toda a conduta humana!
tima por parecer um atalho, mas é um atalho em que se escor- Desde jovem, o nosso protagonista havia compreendido, por
rega a cada passo e que, por isto, exige mais tempo para ser instinto, o truque das coisas humanas. Então, sem esperar o fim
percorrido que a via mais comprida da honestidade, onde não se da vida, para compreendê-lo e para chorar sobre a vaidade das
escorrega, porque se coloca o pé não na lama, mas sobre a pe- coisas, instintivamente rebelde contra a aceitação da vida como
dra firme. Trabalhar à luz da inteligência, de onde nasce o co- o fazem os demais, certo dia ele tomou na mão o Evangelho e
nhecimento, exclui a incerteza da tentativa e do erro, fornece a disse: “quero pô-lo à prova, experimentando-o sobre minha
calma, a oportunidade e a segurança da ação, o que conduz ao própria vida. Se é verdadeiro, Cristo ajudar-me-á. Se não o for,
bom fim. Contrariamente, quem trabalha com as forças do mal, então tudo há de cair comigo. Uma das duas: ou o Evangelho
trabalha nas trevas da ignorância, que, não lhe fornecendo o tem razão e, assim, este não me matará, mas, em vez, salvar-
conhecimento, deixa-no em poder da tentativa e do erro, o con- me-á. Não sei como isto possa dar-se, mas, por certo, este será
duzem a uma pressa repleta de orgasmo, à inopotunidade e in- um prodígio como o seria o do cordeiro vencer os lobos indo
certeza na ação, o que arrasta para a falência. desarmado a abraçá-los. Ou, contrariamente, o Evangelho não
Não basta a afirmação teórica que o bem é o mais forte e tem razão, tendo-a o mundo, e matar-me-á. Mas, nesse caso,
triunfa. É preciso explicar como se desenvolveu a experimenta- não terei morrido pelas estúpidas e comuns malvadezas huma-
ção que prova ser isto verdadeiro; é necessário penetrar sua téc- nas, mas por algo digno, por haver querido seguir a Cristo. Te-
nica, o método de desenvolvimento, observar a oposição entre rei, nesse caso, a grande vantagem de não ter morrido pela mi-
as psicologias e estratégias do evoluído e do involuído, obser- nha imbecilidade ou malvadez, mas inocentemente, por haver
var por quais defeitos este é levado a perder, e por quais quali- crido em Cristo, e Sua será a responsabilidade”. Solução, tam-
dades o outro é levado a vencer. bém esta, de elevado interesse. Como comportar-se-ia o Alto,
O esquema da narrativa é simples. Trata-se do caso de um seja no deixar realizar-se um caso semelhante, seja, depois, no
homem decidido a viver o Evangelho até o fim. Através dessa julgá-lo, permitindo as respectivas consequências?
narrativa, cada qual que se encontre nas mesmas condições pode Tudo isto representava uma espécie de desafio ao Alto, a
enxergar a si mesmo. Explicamos no começo do volume, onde a fim de que se manifestasse diretamente, uma exigência de pro-
narrativa iniciou-se e vem, depois, a ser desenvolvida em outra vas evidentes, aptas a fornecer um testemunho experimental ir-
direção, as razões de seu comportamento tão estranho, que de- repreensível da verdade do Evangelho. Estas provas, depois,
nominamos a doença do Evangelho. Questão de tipo de persona- poderiam sobrepujar o caso particular, próprio do experimen-
lidade, fruto de quem sabe qual seu passado, por isso, questão de tador, para elevar-se como exemplo coletivo de significação
destino, com o resultado de lhe não ser possível aceitar a vida universal, para todos. E, quem sabe, essa experimentação inu-
senão como uma missão. Esta é a experimentação evangélica de sitada viesse a fazer parte integrante daquela missão que esta-
que estamos tratando, experimentação árdua, mas decisiva. Se mos expondo, como uma prova positiva demonstrativa e con-
esta não tivesse êxito, aquele homem teria tido o direito de dizer firmativa da sua verdade!
a Cristo que ele teria naufragado por haver tomado a sério Suas Certo é que o mundo de hoje não pode mais se satisfazer
palavras. Lógica de honestidade e fidelidade, levada até suas úl- com uma fé cega e tem necessidade de provas convincentes.
timas consequências. De resto, dado o biótipo, não restava outra Para os homens positivos, práticos, que, com a ação, dirigem o
escolha. No meio da invencível repugnância pela estupidez de mundo e que são a maioria, é preciso abrir uma janela para ou-
36 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
tros mundos superiores, que, para eles, não pareçam utopia. Se foi vivido na sua parte negativa: renúncia, aceitação, dor. Assim,
não fizermos entrar esses novos elementos no mundo para a a ele tinha sido devido adaptar-se a sofrer em solidão e silêncio.
sua salvação, não restará hoje senão o desespero, ou a destrui- Vida triste, redobrada toda para o interior, para onde aquela al-
ção recíproca. No estado de inércia mental dos séculos anterio- ma era rechaçada pelo contínuo desferrar dos golpes de todos
res, estes problemas não surgiam, e era possível adormecer em quantos, como lobos cheirando o cordeiro, encetavam os primei-
paz, encobrindo-os com a tradicional mentira. Mas, hoje, o ros passos para o banquete. Mas, enquanto para estes se tratava
acicate da dor bate nos ombros do homem moderno, e a este apenas da banal manifestação de instintos, nele a inteligência
tudo é permitido, fora adormecer. A dor impõe novas pergun- afinava-se na amargura e a introspecção aprofundava-se cada
tas e respostas e obriga a inteligência a desvendá-las. Chegou a vez mais. Era duro e difícil, mas havia nisto um grato sabor de
hora dura do destino do mundo, para impor a todos, bons ou poder naquele Evangelho que lhe exigia saber viver como cor-
maus, viver seriamente, enfrentando e resolvendo os proble- deiro entre os lobos, largando todas as armas, tendo presente a
mas, num sentido ou noutro, mas sempre à luz da razão, dan- alegria dos lobos antegozando o banquete daquele que, havendo-
do-se conta e assumindo a responsabilidade do que se fizer. A se feito cordeiro, podia ser devorado impunemente. Que convite
bela comédia dos séculos transcorridos, com que tranquila- agradável para eles. Para ele, apenas o martírio da maceração e
mente o mundo havia se acostumado a zombar de Deus e da do amadurecimento. A forma de evolução com que se realizava
Sua lei, está tornando-se hoje uma tragédia, uma nova experi- a redenção Evangélica teria, então, que se realizar por via da
ência dura, em que entra em jogo a própria vida. crucificação? É esta, então, a primeira fase da técnica da ascen-
Também por estas razões, o nosso homem entregou-se à ex- são para o involuído, isto é a destruição da animalidade?
perimentação. Ressentia-se ele mesmo deste estado d’alma ge- Assim perdurou por diversos anos. A opinião pública, consi-
ral, de uma necessidade absoluta de clareza e sinceridade em derando-o um vencido, estava contra ele e o definia: o imbecil.
qualquer caminho, ainda que fosse aquele que os antepassados E ele começava a resignar-se a morrer, aceitando a segunda das
denominaram do mal; viver de olhos abertos, sabendo as razões duas soluções, isto é, a de que o Evangelho, ainda que teorica-
e as consequências da própria conduta; compreender e saber as mente justo, não era, na prática, aplicável na Terra. Qualquer
razões tanto do bem como as do mal, e, escolhendo-se as sendas outro, em seu lugar, chegando a este ponto, teria abandonado a
deste último, nunca fazê-lo cegamente, por instinto, como os experimentação, seguindo o caminho mais seguro, o do mundo,
primitivos, mas vendo bem claramente, por haver feito o cálculo em que os efeitos são imediatos. Mas o nosso era um homem es-
exato das vantagens da própria escolha. Se o bem então é verda- tranho, que não aceitava aquele caminho e aquele tipo de vida.
deiramente bem, este deve revelar-se à razão como o caminho Não lhe restava outra escolha senão a de ir até o fim, tanto mais
mais conveniente, por ser o que conduz à nossa maior utilidade. que uma experimentação conduzida até a metade não o autori-
Se nos for vedado enfrentar os problemas morais e religiosos zava a tirar qualquer conclusão. De outro modo, sua seria a cul-
com esta franqueza honesta, quer dizer que a solução oferecida pa se a prova não tivesse êxito e, na sua morte, ele não teria ne-
hoje ao mundo é um artifício que esconde algo que não se quer nhum direito de afirmar ter sido destruído por ter crido no Evan-
descobrir. Numa hora de geral revisão de todos os valores hu- gelho, que o teria induzido a engano. Decidiu, pois, continuar
manos, a experimentação que o nosso protagonista impunha a si até o fim e deixar-se matar, mas somente por Cristo e unicamen-
mesmo correspondia não só às suas condições particulares, mas, te por haver querido sempre seguir o Evangelho.
outrossim, a exigências de ordem geral. Evidentemente, a dor, Entretanto ele havia compreendido uma coisa. Se o mundo
chave da evolução, está despertando a inteligência do mundo, afirma que o Evangelho não é praticável na Terra, isto podia ter
para encaminhá-lo a um novo amadurecimento. sua razão exatamente neste cansaço prematuro, da parada no
◘ ◘ ◘ meio do desenvolvimento do fenômeno, cujo decurso havia de
Assim, ele decidiu a grande experimentação. Qualquer que ser bem mais longo. É preciso ir cautelosamente no julgar e não
viesse a ser o resultado dela, ele teria procurado utilizar a vida ter tanta pressa em liquidar assim leviana e superficialmente um
para finalidades mais elevadas que não as baixamente estúpidas fenômeno de tal monta como o evangélico, em torno do qual
de tantos outros. Pô-la a serviço de instintos animais, guiando- gira a humanidade. Uma das razões que induziram o nosso ex-
se por estes, e não pela inteligência, era método impróprio ao perimentador a continuar em suas indagações, a todo custo, foi
seu biótipo. Sua natureza era diversa e o levava a uma espécie precisamente a de que devia haver alguma outra causa pela qual
de inconciliabilidade com os métodos dominantes. Procurava o Evangelho continuava a apresentar-se nesta sua forma inver-
adaptar-se com um sentido de respeito aos sistemas do próxi- tida, que induz a maioria a abandoná-lo. Devia haver uma espé-
mo, mas deste seu respeito o próximo se aproveitava para im- cie de barreira do som a ser ultrapassada para que tudo, depois,
por-se a ele. Enquanto ele procurava colaborar, os outros avizi- mudasse radicalmente. O problema estava em possuir a resis-
nhavam-se para dominar. Sacrificara-se para coadjuvar e en- tência necessária a superar aquele limite.
contrava quem só queria explorá-lo. O que, afinal, queriam de- A maioria para às primeiras tentativas, que, naturalmente,
le? Era possível que, para viver naquele plano, fosse necessária dão resultado negativo, e, com isto, tira conclusões. Feita uma
a revolta e que fosse esta a resposta exigida por ser a única que primeira experimentação, pelo fato de não terem obtido um su-
os outros podiam compreender? cesso decisivo e imediato, sentem-se autorizados a sustentar que
Assim foi que aquele homem estranho começou a viver o o Evangelho não é aplicável. Dizem: “Experimentem. Sistema
Evangelho. A experimentação, pelos perigos implícitos e por impossível. Se não tivesse reagido, defendendo-me por mim
suas consequências, assim como pelas conclusões a que condu- mesmo, ter-me-ia perdido”. Coloca-se, por isto, o Evangelho de
zia, devia ser efetuada com seriedade e precisão, como uma lado, entre as muitas mentiras convencionais de que é repleta a
pesquisa de laboratório, observando exatamente todas as condi- nossa sociedade, uma vez que se julga ter o direito de concluir,
ções e reações. Como se desenvolveria uma vida guiada por tão com a prova na mão, que o Evangelho não pode ser vivido.
estranhas diretrizes? Era necessário conduzir a experimentação Tudo isto é explicável. Ultrapassar a barreira do som, neste
com inteligência, para não errar nas conclusões. Assim foi que caso, significa chegar a pôr em funcionamento no plano do in-
se desenvolveu a grande aventura. A prova realizou-se obser- voluído as leis próprias do evoluído. Do mesmo modo como,
vando todas as regras da arte, foi controlada racionalmente, es- superado um dado limite de velocidade, modificam-se as leis
tudada positivamente, para dela tirar conclusões certas. do movimento, que então deve ser conduzido com princípios
Desenvolveu-se desse modo a vida do nosso protagonista. O diversos, assim, passando do plano de vida do involuído ao do
caminho foi longo e duro. Por um grande período, o Evangelho evoluído, mudam-se as leis de vida e os métodos para defendê-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 37
la. Viver, então, de acordo com a estratégia evangélica da não Eram necessárias estas considerações, para a compreen-
resistência, significa transferir, em própria defesa, as formas de são dos acontecimentos que estamos narrando. Para comple-
movimento que se adotam nas velocidades ultrassônicas para o tar a experimentação até o fim, o nosso homem fora obrigado
terreno humano, onde se anda a pé, ou pouco mais. Eis porque a adaptar-se numa posição de aceitação que o colocava num
aqueles sistemas, na Terra, para o viandante inexperto, não fun- estado de sofrimento, que, a longo andar, terminaria matan-
cionam e, por isto, este os acha inaplicáveis ou, melhor, perigo- do-o. Quem segue o Evangelho, na Terra, coloca-se, com is-
sos. Mas isto não quer dizer que para o viandante esperto que to, na posição de carneiro entre os lobos; não pode, pois, dei-
saiba utilizá-los, que conheça a técnica deles, aqueles sistemas xar de acabar como mártir, por eles devorado. Continuando
de movimento em velocidade ultrassônica, não possam repre- assim, o mundo teria vencido sobre Cristo. Havia-se chegado
sentar uma indiscutível superioridade sobre quem sabe apenas ao ponto crucial do fenômeno.
andar a pé ou pouco mais. Esta é a posição do homem evangé- Seria possível a derrota do Evangelho? Se não acontecesse
lico, consciente das mais elevadas e poderosas leis do seu plano algum fato novo que não estava em poder daquele homem pôr
em face do homem comum, que as desconhece e permanece em em movimento, a doutrina de Cristo haver-se-ia demonstrado
poder das leis de próprio nível, menos poderosas, por serem um engano. Em outras palavras, havia chegado o momento em
menos evoluídas. Poder-se-ia objetar: mas porque, então, se o que as forças do Alto deviam manifestar-se e entrar em ação.
mundo é feito, a este respeito, de analfabetos, exigir atitudes de Isto era o que impunha a lógica do desenvolvimento do expe-
graduado em nível universitário? Mas isto não tolhe que todos rimento, sem o que este teria falido. O experimentador havia,
procurem superar os cursos inferiores, para chegar à universi- de seu lado, posto em ação todos os elementos que dele depen-
dade, por saberem das vantagens que disto decorrem. diam. Agora, deviam ser movimentados todos os elementos
Desenvolver, vivendo-o, o tema evangélico é trabalho ainda que dependiam da outra parte.
demasiado difícil para muitos alunos terrestres. Para esses, Ele continuava em observação. Como o astrônomo que, de-
acontece o que se daria com um selvagem a quem se entregasse pois de haver achado, com os seus cálculos, que, num determi-
um aparelho radiofônico; depois de observá-lo por todos os la- nado ponto do firmamento, há de existir um novo astro, verifica
dos, julgando-o com o seu cérebro, o desprezaria por imprestá- com o telescópio que, de fato, lá está ele, assim o nosso perso-
vel. Usar o Evangelho significa pôr em movimento leis com- nagem estava observando, para verificar se, na realidade, ocorre-
plexas e forças profundas, de grande potência, de efeitos a lon- riam aqueles acontecimentos que os cálculos feitos com a lógica
go prazo, e não fenômenos de superfície, de resultados diminu-
do Evangelho indicavam que deveriam dar-se naquele momento.
tos e que, por imediatos, são os que o homem comum melhor
Deu-se então a maravilha: os cálculos do nosso experimentador
percebe e mais aprecia. Assim é que, enquanto os outros efeitos
de fenômenos espirituais no laboratório da vida, postos em con-
escapam-lhe, ele só aceita estes.
fronto com os fatos, demonstravam-se exatos como os do astrô-
Assim é que, enquanto a maioria para na metade, chegando
nomo descobridor de estrelas. Assim foi que aconteceu o fato
a conclusões erradas, o nosso protagonista quis continuar a ex-
novo, decisivo, que inverteu a situação. Foi, então, possível di-
perimentar o Evangelho, como deve fazer quem quer estudar
zer que o experimento havia tido pleno êxito, dando razão, por
um fenômeno seriamente. Tratando-se de leis complexas e for-
último, ao Evangelho, ainda que, no começo, tivesse parecido o
ças profundas, era lógico que este estudo reclamasse tempo e
perseverança e, com isto, muita fé, de que sempre deve estar contrário. Contra todas as aparências do momento, Cristo era
munido o cientista que quer escancarar as portas do mistério, fé verdadeiramente o mais forte e havia vencido.
que, no fundo, constitui aquele merecimento sobre o qual se ba- Acompanhemos, entretanto, o curso dos acontecimentos, pa-
seia o nosso direito de colher o fruto de nossos esforços. Era ra bem compreender esta história no seu momento mais signifi-
preciso continuar, custasse o que custasse. O que se diria do ci- cativo. Independentemente da vontade de nosso personagem,
entista que quisesse tirar conclusões das experimentações de impulsos interiores, situados no fenômeno, chegando certo dia
seu laboratório apenas depois de algumas primeiras provas ma- ao amadurecimento, vieram então a produzir uma grande mu-
logradas? Perguntar-se-ia: a experimentação foi completa? Foi dança, dando à sua vida um curso completamente diverso. Cir-
conduzida com todas as cautelas e inteligência devidas? cunstâncias imperceptíveis e, de começo, inadvertidas, agiganta-
Assim o nosso personagem continuou a pesquisa. Entretanto ram-se paulatinamente, movidas por uma espécie de força ínti-
ele possuía um dado de fato, que, embora pequeno, era positivo: ma, até dominar preponderantemente. Como um feto que se vai
por haver seguido o Evangelho, ainda não havia sido aniquilado. formando, no começo, era apenas uma vontade de desenvolvi-
Naquelas condições bem difíceis, do cordeiro entre lobos, ter si- mento, materializada em pequeninos elementos materiais. Diri-
do, até então, pisado, mas não devorado, representava algo de gidos, porém, por aquela potência interior, como os componen-
incomum. Havia, entretanto, na mente do experimentador, uma tes do feto, se multiplicaram e reforçaram, conforme um plano
dúvida. Este fenômeno da salvação, que já parecia milagroso, certo, preordenado e dirigido para fins precisos. Como se dá
continuaria e verificar-se no amanhã? Que elementos faltavam com o feto, que, desse modo, vem a nascer completo; como
para condicionar plenamente o desenvolvimento do fenômeno? acontece com a avalanche, em que o movimento de um punha-
Seria talvez parte da lógica do seu desenvolvimento, este retar- dinho de neve, rodando, agrega outros elementos até alcançar a
damento da demonstração plena da potencialidade do Evange- massa que pode destruir tudo o que encontra no caminho, tudo
lho? Tratava-se, certamente, de pôr em movimento forças titâni- dependendo do impulso interior do fenômeno; do mesmo modo,
cas. Talvez fosse preciso um esforço proporcional, aquele em aquela tenacidade evangélica amadureceu o destino daquele
face do qual todos param, para depois rejeitar o Evangelho como homem e, por nele haver colocado o seu impulso, deu àquele
inaplicável. Talvez fosse indispensável uma prova absoluta de fé destino uma direção toda própria. As células que se agrupam ao
e fidelidade, daquela coragem de quem salta com o paraquedas, redor das primeiras do feto, os flocos de neve que aderem aos
a coragem dos navegadores dos mares inexplorados ou das au- primeiros que geram a avalanche, são atraídos e guiados pela lei
dazes pioneiros dos territórios desconhecidos. E quais as terras do fenômeno. Assim, também neste caso, outros elementos fo-
mais desconhecidas que as do espírito? Seria esta uma indispen- ram atraídos e guiados em redor daquele primeiro, que se torna-
sável condição do fenômeno? E, se o era, como excluí-la “a pri- ra centro por haver superado a barreira ultrassônica do experi-
ori” e não aceitá-la? Todo fenômeno tem suas leis e suas condi- mento evangélico. Estes elementos, como já explicamos, foram
ções. Também neste caso, era preciso aceitá-las. tomados neste movimento de forças sem que o compreendes-
◘ ◘ ◘ sem, já que, com sua forma mental, não o podiam. Vieram, des-
38 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
se modo, a ser utilizados como instrumentos cegos, postos em firme. Ele estava construído por um destino amadurecido à luz
movimento por miragens próprias, sendo estas o único meio que do Evangelho, até tornar-se, agora, em missão, até o ponto de
podia movimentá-los. Assim, pois, é que eles puderam cumprir se dever manifestar a intervenção das forças do Alto, se não
a função necessária, seja mesmo em forma acidental, de passa- quisesse que a doutrina do Evangelho viesse a ser desmentida
gem, para, afinal, cumprida sua função, serem eliminados. neste caso. Estas, as forças interiores que determinaram e regi-
A mutação que se verificou no destino de nosso protagonista am todo aquele movimento de pessoas, de meios materiais e de
foi relevante. Ingressamos na fase mais importante da história acontecimentos exteriores. O Evangelho preparava-se para dar,
que estamos expondo, aquela em que o fenômeno amadurece até em verdade, uma prova experimental da sua plena atuabilidade
o ponto em que torna indispensável a manifestação da interven- também no plano humano de nosso mundo. É este fato o que dá
ção das forças do Alto, a fim de que o conflito em curso, entre valor de exemplo à história que estamos expondo e, somente
Cristo e o mundo, seja resolvido em favor do primeiro. A modi- por isto, é que aqui a contamos, isto é, para demonstrar que,
ficação operada por aquelas forças foi profunda, constituiu uma contrariamente a quanto se crê e afirma, o Evangelho, como
verdadeira inversão. O sujeito foi lançado longe, aos antípodas, com este caso podemos provar experimentalmente, não é utopia
não só geograficamente, mas ainda com relação a todos os hábi- irrealizável na Terra, mas, contrariamente, é o melhor sistema
tos da sua vida anterior. À palidez de isolamentos estagnantes, de vida, e que deveria ser preferido, no seu próprio interesse,
de introspecções profundas, substituiu-se o torvelinho de uma pelas pessoas inteligentes.
grande corrida pelo mundo, imprevisível lance para uma mila- ◘ ◘ ◘
grosa afirmação. A manifestação das forças espirituais do Alto Procuremos compreender melhor a técnica usada neste ca-
aparecia bem evidente. Estas, situadas no íntimo das coisas, ma- so pelas forças do Alto, para descer no ambiente humano. O
nobravam tudo dentro do mundo das causas, gerando aquele que mais impressiona é a observação da organicidade do mé-
turbilhão em que, chegada a hora, e como efeito exterior, o nos- todo na execução do plano. Tantas pessoas de temperamento,
so personagem foi tomado, sem que nada houvesse preparado, posição social e recursos materiais diversos contribuíam, per-
nem imaginado. Ele estava desprovido de tudo, e aquelas forças seguindo cada qual fins diferentes, muitas vezes desconhe-
tudo providenciaram. Por elas foram chamados todos os elemen- cendo-se uma à outra! Todas estas pessoas, no entanto, funci-
tos imprescindíveis e foram postos em função como instrumen- onam alinhadas em perfeita colaboração, seguindo, sem saber
tos perfeitos, a fim de que, atraídos por suas miragens, realizas- e sem querer, as diretrizes de um plano orgânico que não co-
sem os fins superiores para os quais, sem que o soubessem, ha- nheciam e ao qual, se o tivessem conhecido, ter-se-iam rebe-
viam sido chamados. Cada qual, embora perseguisse aparente- lado, por ser contrário a suas finalidades. Estas pessoas apare-
mente seus próprios planos, marchava enquadrado ordenada- ciam em cena no momento certo, para executar o trabalho par-
mente noutro plano que não conhecia, tornando-se, sem sabê-lo, ticular para elas designado e desaparecer logo depois, logo
colaborador involuntário de outro trabalho bem diverso. que sua presença se tornava inútil aos fins do plano geral. A
Desse modo, movido e guiado pelo Alto, pôs-se em movi- observação destes fatos não podia conduzir senão à conclusão
mento a grande engrenagem, em cujo centro aquele pobre ho- de que, como causa de um desenvolvimento tão ordeiro do fe-
mem, até então tão atormentado, se encontrou. Tudo isto podia nômeno, não se poderia aceitar o acaso, nem a vontade dos
parecer um conjunto de ilusões fantasmagóricas, convergentes elementos que nele trabalhavam. O plano era vasto e comple-
apenas para fins temporários e particulares. Mas, atrás dessas xo, desconhecido, por ser diverso daquele em que os execu-
aparências, que constituíam tudo o que o mundo percebia, se tantes acreditavam, desconhecido até pelo seu principal ator, o
estava realizando um plano orgânico, dirigido por aquelas for- nosso protagonista, que nada programava e só corria, como
ças do Alto, plano que viria a manifestar-se só mais tarde, por eles arrastado, atrás dos acontecimentos.
quando, completada sua função de lançamento material, os Quem, pois, dirigia tudo? Quem encontra diante de si um
elementos convocados a efetuá-la, seriam repelidos por se ha- efeito, deve presumir que este derive de uma causa e que esta
verem tornado contraproducentes. seja da mesma natureza e qualidade do efeito. Neste caso, ela
Ia, assim, cumprindo-se, em completa lógica, o desenvol- devia ser inteligente, e, dado que não era encontrável na Terra,
vimento do destino do protagonista. Antes, longo período de era preciso procurá-la alhures. Ora, em outro lugar, uma causa
duras provas, para experimentar sua resistência e conduzi-lo à de tal natureza, inteligente, não podia ser encontrada senão no
maturação, período escuro de maceração interior. Depois, lan- mundo espiritual. E, como já demonstramos antes, estava na
çamento na arena da realidade concreta do mundo, para colher lógica de todo um sistema de forças que, neste momento, fos-
o fruto daquela preparação. Mudando-se nesta outra fase todo o sem as dos mundos superiores as que deveriam manifestar-se,
trabalho a ser efetuado, deviam realizar-se condições diversas tornando-se ativas no plano da vida humana.
de vida, e, para isso, são chamados à cena elementos outros, Assim, tudo se torna claro. Tudo acontecia conforme a ló-
necessários no momento. Não se conhecem um ao outro, traba- gica das teorias desenvolvidas acima, que, nos fatos, encon-
lham para fins próprios e, no entanto, escalonam-se, sem sabê- tram plena confirmação. Para os céticos irredutíveis podere-
lo, para colaborar ordenadamente, em fila, para um único fim. mos dizer: os fatos são estes aqui expostos. Se não existe outra
A maior maravilha desta fase é esta organicidade da colabora- hipótese, senão esta, que é a única que os explica, teremos que
ção de elementos heterogêneos, visando a outros fins e, entre- aceitá-la, a não ser que renunciemos à compreensão. Pode ser
tanto, mantidos, sem que o saibam, no trabalho conjunto para que outros consigam descobri-la, mas nós não conseguimos
um mesmo fim, não deles, e liquidados uma vez terminado o encontrar outra hipótese aceitável. Que tão diversos elementos,
trabalho. As forças do Alto haviam demorado para descer, tanto naturalmente tendentes a elidirem-se, antes que a colaborar,
que tudo parecia perdido, mas agora trabalhavam poderosamen- por serem eles rivais, levados pela própria natureza do seu pla-
te e com sabedoria segura. Tudo corria tão bem, que o nosso no biológico, antes de tudo, a lutar para vencer um ao outro;
indivíduo acreditou ter encontrado um novo mundo de bondade que esses elementos antagônicos hajam funcionado organica-
e verdadeira amizade. Mas tratava-se de uma descida no mundo mente, conforme um único plano por eles ignorado, tudo isto
e, como pode uma coisa terrena ser outra coisa que não uma não pode ser explicado senão com a presença de uma força di-
ilusão? Porém, se a aparência era ilusória, atrás dela havia a retora que se lhes sobrepôs para coordenar seus movimentos.
ajuda de Deus, e esta não era ilusão. A vestimenta exterior era E, não sendo encontrável esta força na Terra, havemos de pro-
falsa, porquanto aparente, mas o corpo que nela estava era bem curá-la em outros ambientes, como vimos.
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 39
Há, entretanto, um outro fato de que é preciso tomar em na luta da defesa, deixar um pouco a porta aberta, e o próximo
conta. Tratando-se de descida na Terra de forças espirituais de entra e, não encontrando as comuns barreiras defensivas, pensa
mundos superiores, havia de verificar-se inevitavelmente o imediatamente em tornar efetiva a espoliação. Desse modo, pa-
choque entre formas mentais e métodos de vida diversos, como ra alcançar a pobreza evangélica, não há necessidade da clássi-
estudamos anteriormente. O que confirma a hipótese acima é o ca doação, do grande gesto visível, circuito de méritos glorio-
fato de que este choque se verificou efetivamente. As forças es- sos, com os quais o sacrifício é pago em grande parte. Maiores
pirituais dirigiam do Alto, mas sua atuação dava-se no terreno espoliações podem dar-se na sombra, na luta universal para tu-
do mundo. O fenômeno desenvolvia-se entre dois planos de vi- do agarrar, sem glórias nem merecimentos, antes e melhor,
da que se elidiam um ao outro. O nosso protagonista achava-se com a condenação de incapacidade.
no meio, devia suportar o choque. Avizinhando-se dos próprios Esta é a história do nosso homem. Não havia tido necessi-
semelhantes, de braços abertos, com o método evangélico, de- dade de cumprir qualquer gesto de doação para achar-se evan-
via encontrar-se com o método do mundo, egocêntrico, separa- gelicamente pobre. Para isto, o seu próximo, que devia amar
tista, de inimizades e lutas. como a si mesmo, havia provido e o havia empobrecido. Fora
Para ele, a grande modificação se havia dado em idade rico, mas havia sido subjugado no trabalho conceptual, ineren-
avançada, não podendo chegar senão como conclusão de uma te à sua missão, que lhe tomava a maior parte do seu tempo e
longa experimentação evangélica. O seu passado havia sido de suas energias. Não lhe sobrava, o que mais é necessário,
longo e doloroso. Sofrer e resistir é trabalho pesado e o estava nem tempo nem força para levar a efeito o primeiro trabalho
cansando; acreditava, pois, que a sua fadiga estivesse ultima- deste mundo, que é o de lutar e defender-se. E parece que na
da. De certo, o Alto havia-se movido! Mas que longa e pro- Terra (pelo menos assim foi no seu caso) não é possível con-
funda maceração! Ele tinha querido, verdadeiramente, com fa- fiá-lo a alguém senão a si próprio, sem, com isto, acabar per-
tos, e não com palavras, viver o Evangelho. Ele tinha ido, ar- dendo tudo. Assim, por não se ter podido defender, ele tudo
mado apenas de bondade, ao encontro do próximo, contra o havia perdido, sem a glória do mundo, que observa, e sem a
qual se presume que se tivesse armado para o ataque e a defe- gratidão dos beneficiados, que recebem. Cristo, no Evangelho,
sa. Presunção tácita, escondida, mas sempre presente em disse a um rico: se quiser ser perfeito, vai e vende tudo. Mas,
qualquer povo, religião, regime político, classe social, como em nosso mundo, não há necessidade de vender e doar. Nunca
substancia da realidade da vida. Dado isto, no terreno huma- falta quem, quando sejam abandonadas as defesas, pense logo
no, ele não podia ser senão derrotado. Em nossa sociedade, em tornar-nos pobres, perfeitos como quer o Evangelho, sem
não é licita a antropofagia. Mas, se isto fosse possível e se o necessidades de nos despirmos de nada.
achasse comestível e saboroso, ela devoraria o homem evan- Que coisa estranha um homem evangélico em nosso mun-
gélico. Entretanto o faz de outra maneira: tira-lhe tudo o que do! Como? Tratar-se-á de um doente mental? Assim era jul-
pode ser de alguma utilidade, deixando-o com a pecha de gado o nosso personagem e, no melhor caso, com um sentido
inepto pobre e nu, despido de tudo. Neste mundo, este é o fi- de compaixão. Mas um tolo que nem sabe defender-se, mere-
nal lógico do homem evangélico. ce, conforme a lei do plano biológico humano, antes que
Nesse mundo, fala-se de caridade e de beneficência. Mas, compaixão, condenação e castigo. Esta é a justiça da Terra:
em tal ambiente, qual significação real poderão assumir em que o débil seja eliminado por se ter deixado vencer. Esta a
muitos casos estas palavras? Beneficência! Grande virtude e, triste história que aqui estamos narrando. Tinha sido longa e
como todas as virtudes, nobre sacrifício que, por isto, é me- penosa e, com a atual modificação, o seu protagonista, cansa-
lhor reservar aos outros, para que eles deem a nós e, assim, do demais de tudo, acreditava que ela tivesse terminado. Dis-
possamos cumprir o santo trabalho de empurrar os outros, pa- tanciando-se do seu velho mundo, para ingressar no novo,
ra seu bem, ao sacrifício deles em lugar do nosso. Nasce desse acreditara que tudo mudaria, que encontraria sinceridade e
modo a nobre porfia de exigir tão gloriosa virtude antes do homens diversos dos que encontrara até então. Viu, entretan-
próximo do que de si mesmos. E, quando se pratica a benefi- to, que tudo queria continuar na mesma. O nosso sujeito saíra
cência, toma-se uma boa parte da respectiva glória na Terra e sangrando de uma espoliação feroz e já havia sido esfolado
um bom merecimento no céu. E os beneficiados? Bem, no bastante para poder suportar ainda igual sofrimento. Desta
fim, hão de existir também os beneficiados, uma vez que é em vez, se o jogo continuasse, o homem evangélico seria aniqui-
nome deles que tudo é feito; e tudo se justifica. Se assim não lado. A experimentação havia chegado a um ponto crítico,
fora a substância das coisas, não se explicaria como, em tan- além do qual não podia prolongar-se, sem que o êxito viesse a
tos países do mundo, se tenha difundido a beneficência. Ela é ser comprometido, com as consequências de princípio de que
proclamada em altos brados, pedindo a generosidade dos ou- já falamos. Não era mais possível esperar. As forças superio-
tros, que são compensados com a glória de havê-la praticado. res não podiam mais retardar sua intervenção; uma ulterior di-
O esforço da colheita é sempre feito com o máximo desinte- latação significaria sua derrota e a vitória do mundo. Havia
resse, sacrificando-se para o ideal. Organização científica da chegado, mais uma vez, a hora em que o Alto devia manifes-
caridade, que, desse modo, pode também chegar ao seu desti- tar-se em forma concreta de ação no plano da matéria, porque
no e ajudar os pobres. Mas, de fato, na lógica do mundo, o ficaria vencido e o Evangelho cairia em erro, se o Alto, com a
que representam eles, senão os vencidos da vida? E o que po- sua intervenção, não tivesse salvado o indefeso dos lobos fe-
dem eles exigir de um mundo onde impera a lei da luta e a vi- rozes. Se aquele homem tivesse morrido, por haver querido
da pertence somente ao mais forte? Numa sociedade onde viver o Evangelho, este ter-se-ia demonstrado um engano,
domina a forma mental do egocentrismo, como se poderá pre- porque demonstrar-se-iam inverídicas suas palavras: “Procu-
tender que aquela lei se transforme sempre naquela do altru- rai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o
ísmo, que é lei de outros planos de vida? mais ser-vos-á acrescentado”.
Quando num ambiente dessa natureza aparece o homem Assim, os novos lobos, desconhecedores dos resultados a
evangélico que aspire a destacar-se das riquezas, ele, para al- que conduziam suas ações, foram, sem querê-lo, também ins-
cançar o seu ideal, não precisa realizar nenhum ato heroico. trumentos de milagrosa revolução do experimento em sentido
Não há nenhuma necessidade de atos clamorosos aptos à ence- positivo, em favor do Evangelho, já que o seu ataque foi o que
nação da grande virtude da pobreza. Para o homem evangélico, obrigou as forças do Alto a descerem e agir, porque eles o havi-
não é necessário que se espolie. Basta distrair-se um momento am, agora, tornado indispensável.
40 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
VII. DUAS PSICOLOGIAS E MÉTODOS DE AÇÃO revelam com sua intervenção, necessária para realizar a salva-
ção. Como teriam agido para vencer, neste caso, a grande bata-
Continuemos a observar, cada vez mais de perto, o fenôme- lha? Deviam empenhar-se a fundo, porque aqui estava em jogo
no que estamos estudando, para compreendê-lo melhor e dele o valor do Evangelho e a palavra de Cristo. Mas, se esse ho-
extrair úteis ensinamentos. Interessa a todos conhecer a técnica mem tivesse vencido em condições tão contrárias, essa vitória
da descida das forças do Alto à Terra, as armas de que elas dis- teria constituído uma prova tanto mais evidente quanto mais di-
põem e a estratégia que usam para vencer. Pode ser instrutivo fícil fosse o caso superado.
observar como, neste caso, ocorreu o choque entre duas psicolo- Todas as probabilidades pareciam em favor do mundo. Sua
gias e métodos de ação: os do Evangelho e os do mundo. Pode derrota teria sido tanto mais clamorosa e milagrosa quanto
ser útil, depois de haver visto qual dos dois é verdadeiramente o mais contradizia a regra normal. E existiriam meios supranor-
mais poderoso, aprender sistemas mais evoluídos de vencer. Já mais capazes de dobrá-la até o ponto de fazer triunfar um inde-
agora, nesta história, os princípios tomam corpo em pessoas feso num mundo de armados? Mas, então, os meios espirituais
concretas, que agem no plano material de nosso mundo. Expu- são mais poderosos que os materiais, tendo na batalha um peso
semos no início deste volume as teorias que explicam isto. Ago- tão decisivo? Nesse caso, não só não é verdade que o Evange-
ra os observaremos em sua aplicação prática, estudando as qua- lho seja inaplicável na Terra, como, ao contrário, ele represen-
lidades e posições dos dois antagonistas em que se personificam ta a arma mais poderosa para vencer. Conclusões importantes,
os dois princípios opostos. Cada um usa sua forma mental e seus de interesse geral.
meios, de acordo com o diverso comportamento de sua natureza. Daí resulta, para o homem que fez essa experiência, o dever
O mundo humano é um cenário complicado de aparências, de comunicar seus resultados, tanto quanto os cientistas comu-
entre as quais o homem evangélico deve mover-se com simples nicam os de suas descobertas científicas, embora, neste caso, a
sinceridade. Aparentemente, tudo é bondade, estima, desinte- experiência tenha sido realizada no terreno espiritual e moral.
resse, nobre sacrifício pelo ideal, magnânima generosidade. De Um fato que realmente se verificou tem sua importância no ter-
todos os lados, esse exemplo nobre, estimulando à imitação. reno das pesquisas positivas, porque se tem o direito de presu-
Nosso personagem encontrara esse ambiente e ficara encantado. mir que a experiência deva reproduzir-se com o mesmo êxito,
Mas, infelizmente, havia por baixo uma realidade diferente, ha- todas as vezes que for repetida nas mesmas condições. Cada ca-
via a natureza humana, que funcionava segundo as leis de seu so vitorioso constitui uma prova de uma nova verdade que va-
plano biológico. A realidade era a luta feroz pela vida, conluios mos descobrindo, e abre-nos uma porta para que, repetindo-o,
bem organizados de interesses, o velamento dos próprios obje- se chegue ao conhecimento completo dessa verdade e depois à
tivos para vencer melhor, dissimulando a verdadeira estratégia sua aplicação para nossa vantagem.
usada na batalha. Jogo sutil, recoberto de ideais desfraldados, Tudo isso, ao ser observado, pode parecer puramente pesso-
para escondê-lo melhor. Sempre, no mundo, o mesmo tipo, os al e, como tal, não deveria ser narrado. Mas todos os casos par-
mesmos métodos estandardizados. Esse o antagonismo que ticulares entram na lei geral de que fazem parte; assim, este po-
nosso personagem devia vencer: homens unidos em alianças, de ser compreendido como um episódio que pode repetir-se
para se tornarem mais fortes, senhores do campo, porque aí ti- com todos, da grande batalha entre Cristo e o mundo, e que po-
nham nascido e vivido, conhecedores do terreno da batalha e de assumir o valor de experiência evangélica com consequên-
armados de todos os meios, quer do poder econômico, quer do cias de caráter universal. Por que se negar a dar uma prova da
social, quer da astúcia; em outros termos – ao menos na opinião verdade do Evangelho, útil para que dele fiquemos cada vez
do mundo – os mais fortes indiscutivelmente e, portanto, se- mais convictos? Isto é tanto mais necessário num mundo em
gundo sua lógica, destinados ao triunfo, considerando-se eles que, na prática, parece que bem poucos já agora creiam. É ver-
mesmos, antecipadamente, certos da vitória. dade que o Evangelho não precisa de nossas provas. Mas pare-
Do outro lado, a simples realidade descoberta: um homem ce que ele precise ser continuamente explicado. E nada o expli-
pacífico, sozinho, sem planos manifestos nem ocultos, incapaz de ca melhor do que dar provas de sua verdade, ainda mais quando
enganar a quem quer que seja; um homem sozinho, desconhece- essas provas não são dadas na forma tradicionalmente repetida,
dor do terreno da batalha, completamente novo e desconhecido mas de forma racional e positiva, mais adaptada à psicologia
para ele; um homem pobre, evangelicamente indefeso, sem mei- moderna; provas estas aptas a demonstrar a verdade do Evange-
os de qualquer espécie, desprovido de tudo e a mercê de todos. lho não só no sentido fideístico e religioso, mas também como
Indiscutivelmente – ao menos na opinião do mundo – ele era o fenômeno biológico universal, em sentido positivo, no terreno
mais fraco e, portanto, segundo a lógica dominante, destinado à da observação e da experiência, que é o terreno científico. Jus-
derrota, considerado vencido, antecipadamente, por todos. tamente nesse terreno do positivismo materialista é que quise-
Tínhamos de considerar as qualidades opostas dos dois con- mos, ao referir este caso e fazer-lhe a análise, levar o Evange-
tendores, para compreender a natureza milagrosa da salvação lho, certos de que, também nesse campo, em que geralmente ele
do indefeso e, portanto, o valor do exemplo, que só pode ser não é levado, continua perfeitamente verdadeiro.
explicado com a intervenção de forças superiores. Isto nos mos- Continua a estranha batalha. De um lado, o mundo aguerri-
trará o poder do fenômeno a que estamos assistindo, ou seja, do, do outro, um homem indefeso, sozinho. Mas, atrás dele, es-
não apenas a técnica da descida das forças do Alto, mas tam- tão as forças espirituais que o sustentam. É nesse milagre que
bém o valor e o alcance dessa descida neste caso. se manifesta o poder delas. Parece rever a cena de Davi que en-
A escravidão do mundo foi abolida apenas formalmente, frenta o gigante Golias. O gigante é o mundo que esmaga com
nas leis, mas continuou no instinto humano, em relação a qual- seu poder no plano da matéria. Davi representa o mundo pode-
quer indivíduo, desde que pareça mais fraco: escravidão moral, roso no imponderável e dominador no plano do espírito. Mas
econômica, política etc., de forma civilizada, com cadeias invi- este se achava na Terra dos gigantes, onde imperava a lei deles.
síveis, mas nem por isso menos fortes. No plano biológico, em Segundo esta lei, nosso personagem nada valia e era considera-
que reina a lei do mais forte, constitui justiça apoderar-se do do um falido. Entretanto escapavam à psicologia do mundo e
mais fraco para sujeitá-lo. A lógica do fenômeno – dados seus aos cálculos de sua estratégia – porque não eram computados –
elementos componentes – não podia deixar de desenrolar-se até outros elementos que também estavam em jogo na batalha.
o fim. O mundo, por sua forma mental e pelos meios à sua dis- Aquele homem não era um falido. Tornara-se pobre, não por ter
posição, não podia trabalhar de outra forma e continuava a fun- sido um dissipador, nem por inércia, mas por fidelidade a um
cionar destemido com seus métodos. O espetáculo a que esta- princípio, por não se haver defendido, por bondade para com o
mos assistindo é o que nos oferecem as forças do Alto, que se próximo, para entregar-se de todo ao cumprimento de sua mis-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 41
são. Como rico ou como pobre, mantivera-se igualmente parco dizendo que elas não existem, o que não as impede de continuar
e honesto, inocente das riquezas que para si jamais aceitara pes- a funcionar. Escapa-lhe assim completamente a estratégia do
soalmente, como era inocente de sua dispersão, ocorrida acima inimigo, e ele comporta-se como um cego que avança sem sa-
de sua vontade. Ora, se nos planos inferiores o que vale é o po- ber onde caminha. Acontece, então, que o mundo se arma de
der material, nos superiores, domina, ao invés, a lei de justiça. modo errado, que só vale para a luta em seu plano, e nada vale
Então o que na Terra pode parecer fraqueza, pode ter valor de na luta contra outros planos de vida. Acontece também que o
força, e esses elementos – a inocência, a não-culpabilidade, a mundo usa uma estratégia de guerra adequada apenas ao seu
fidelidade a um princípio, bem pouco computados no mundo ambiente, e que nada vale diante da mais sutil e poderosa estra-
porque desaparecem no imponderável – podem adquirir peso tégia do imponderável. Ora, só se pode enfrentar um inimigo
decisivo, poder de verdadeiras forças protetoras. cuja natureza, psicologia e métodos de ação não se conhecem,
Havia ainda outro fato. O que constituía a fraqueza daquele em posição de grande desvantagem.
homem, no terreno humano, constituía sua força num plano Se tudo isto é penoso e perigoso, não deixa de ser lógico.
mais alto. Se, na Terra, era desprezível por haver perdido tudo, Uma das primeiras qualidades do involuído é sua cegueira, que
essa perda era compensada pelo fato de que, em seu destino, o faz crer apenas no poder das forças materiais de seu mundo,
amadurecera uma missão, fato que, num plano diferente de vi- não o deixando ver e computar o que esta além dele. A ignorân-
da, o revalorizava, apesar de sua desvalorização no plano co- cia cresce com a involução, quanto mais baixo se desce, paralela
mum de vida. A vida, que é honesta e utilitária, utiliza essas à força bruta, à ferocidade. Acredita-se poder suprir vantajosa-
justas compensações. O mundo concebe a vida num sentido mente a falta de luz, com a falta de escrúpulos; a falta de justiça,
restrito, limitado ao seu plano atual. Mas a vida é um fenômeno com a prepotência; a desordem, impondo o próprio eu. Chega-se
cósmico, em que entram também as forças crísticas, que guiam assim, sem dúvida, à potência da explosão das forças elementa-
nossa evolução para um futuro melhor. Resulta que a ligação res, fenômeno grandioso, mas primitivo e caótico. Embora reco-
com essas forças, para colaborar aos objetivos delas, pode valer nhecendo que esta é a única manifestação da vida nesse nível,
muito mais que possuir riquezas, glória, poderes humanos, va- por que ela aí nada sabe fazer melhor, alcança, entretanto, mani-
lores efêmeros diante dos eternos. Se olharmos bem, nosso ho- festações de muito maior potência e valor com o aperfeiçoamen-
mem era, pois, um fraco apenas para os olhos míopes do mundo to realizado pela evolução, ao fazê-la subir a planos superiores.
e vencido apenas no plano deste, por sua estreita psicologia. O homem evangélico, embora possa parecer inepto sonha-
O que dava poder à posição dele era o fato de que, se ele de- dor aos olhos do mundo, a única coisa que faz, na realidade, é
saparecesse no mundo como um vencido, reaparecia na roupa- lançar fora as armas primitivas e pouco poderosas, para apanhar
gem totalmente diversa de instrumento. Então não era mais ele mais aperfeiçoadas e de maior potência. De que serve a força
que vivia, mas outras forças viviam nele, e por seu intermédio bruta do involuído, se fica paralisada com a ignorância? De que
queriam realizar os próprios objetivos na Terra. Ser instrumento serve tão grande desencadeamento de energia, se não se sabe
significa não estar mais sozinho, como está o homem que se ar- dirigi-la e se erram todos os golpes? Se a força bruta, acompa-
ma, apoiando-se apenas em suas forças. Para isto, há grande ne- nhada da obtusidade e ignorância, para chegar à ilusão é patri-
cessidade de armar-se, porque não existe outra defesa. Quem se mônio do involuído, o patrimônio do evoluído é o poder do es-
tornou instrumento, de nada disso precisa, porque a isso provi- pírito, acompanhado da inteligência e do conhecimento, que
denciam as forças do imponderável, de que ele se tornou meio dão segurança e levam ao bom êxito.
de realização e que devem mantê-lo em vida se quiserem que ele Sem dúvida, o homem do mundo está bem proporcionado
trabalhe para essa atuação de seus planos. Ser instrumento signi- ao seu ambiente, satisfeito e até apegado a ele. Mas o que é pe-
fica ter de obedecer ao próprio patrão, mas significa também co- na, é que essa forma de existência representa para ele toda a vi-
laborar, fazendo parte de sua organização e, portanto, também da, o único tipo de vida que pode conceber. Por isso, lhe atribui
significa ser defendido por ele. Pôr-se em estado de aceitação importância capital, já que não sabe viver de outro modo, e esta
diante de um chefe inteligente e justo não equivale à posição em é sua maior condenação. O homem evangélico vive na Terra,
que se acha o fraco na Terra, condenado à condição de servo, ao imerso no mesmo pântano, mas com os olhos voltados para o
qual só resta ser pisado e explorado. Ao subir, tudo se inverte. céu, sem prender-se a tal ambiente. Em sua insatisfação, faz es-
Mais no alto, obedecer não é perda, mas vantagem. Num mundo forços desesperados para sair dele, enquanto o outro está con-
de bondade e de justiça, submeter-se não é perder, mas vencer. tente aí e, portanto, aí condenado a permanecer. Desespero sa-
Ele se torna, então, parte de um plano, o que pode dar poder ao lutar, porque incentivo ao esforço necessário à superação.
homem mais miserável e, sempre que isto seja requerido pelas Permanecem continuamente a encontrar-se e chocar-se os
necessidades daquele plano, ele pode ser arrastado, além de sua dois biótipos no curso desta história, cada um trabalhando
própria compreensão e vontade, à vitória. O instrumento é como com a própria psicologia e estratégia, e usando o próprio tipo
uma apara de palha que sobrenada no oceano e, assim, toma os de armas. Um dia, sentados lado a lado no mesmo automóvel,
movimentos dele. Mas, por trás do homem comum, só está ele um esplêndido exemplar do biótipo dominante na Terra disse
mesmo, com suas limitadas forças humanas. Por trás de um ins- ao nosso personagem: “coitado, o senhor não sabe nada da vi-
trumento, há uma poderosa organização de forças espirituais. da pratica... faz-me pena!”. Depois, voltando-se para um ami-
Enquanto este último parece só e abandonado na Terra, é justa- go do mesmo tipo, sentado do outro lado, acrescentou: “nós é
mente o primeiro que está sozinho, e ninguém se acha tão rico que sabemos viver e vencer. Ele, coitado, é um pobre desgra-
de amigos e auxílios quanto o segundo. çado na vida”. Nosso personagem ouviu e sorriu. Ele não ne-
◘ ◘ ◘ cessitava mostrar-se forte com afirmativas verbais, para ter
Eis que vemos entrar em cena na batalha um fator novo: o certeza de vencer num mar de incertezas tortuosas. Sorriu
imponderável. Esta é a nova arma que defende o indefeso. Tra- com amargura, não por si, pois via claro seus problemas, mas
ta-se de forças sutis e profundas, lentas a movimentar-se, mas pelo vizinho, ao vê-lo tão imerso na escuridão em relação ao
poderosas e irresistíveis. O mundo continua a armar-se com que depois lhe aconteceria, conforme acabava de provar, com
seus meios e a lutar com sua psicologia, escapando-lhe estas suas palavras, nada ter entendido.
outras armas que fazem parte da estratégia do invisível. Elas Continuemos a observar como funcionam os dois princípios
são constituídas de equilíbrios complexos entre ações e reações opostos e como se desenvolvem suas estratégias opostas, para
em organismos cósmicos de forças, que o mundo não vê. Não aprender, sobretudo, a do evangélico, descobrindo onde esta
as vendo, nega-as, o que as torna, por isso, muito mais perigo- sua força e superioridade, e para ver, do lado oposto, os erros
sas, porque ele não as leva em conta. O mundo se desobriga, de método que constituem a fraqueza e inferioridade da estraté-
42 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
gia do mundo. Veremos, assim, como esta, acreditando tirar para perda, com prejuízo próprio e em vantagem das forças do
vantagem para si, acaba buscando seu prejuízo, ou seja, como o bem, a serviço destas e para seu triunfo.
sistema da astúcia é quase sempre contraproducente. Confrontemos as duas estratégias: a da astúcia e a da since-
De um lado, seres fortes, mas elementares, só movidos pela ridade. A primeira vista, parece que a primeira dê frutos maio-
inteligência curta dos instintos, engodados pela perspectiva do res. Eles são mais visíveis porque imediatos e, para quem igno-
lucro imediato, isolados no próprio egocentrismo, sem sentido ra o futuro, o imediato tem grande valor como prova de êxito.
orgânico da vida, tendentes, para tornar-se mais fortes, a orga- Mas trata-se de frutos aleatórios. A sinceridade, ao contrário, se
nizar-se em grupos e prontos a desfazê-los, porque baseados constrói mais lento, constrói mais sólido, aí mesmo onde o en-
no egoísmo que é separatista e desagregante. Seres que se gano constrói rápido, mas sobre areia. Parece um atalho e, no
acreditam fortes porque armados de meios humanos e de gran- entanto, é uma estrada mais longa. Por isso, muitos são a ela
de fé em sua astúcia. Pequena estratégia elementar, miúda, pa- atraídos, mas depois ficam desiludidos. As aparências enga-
ra alcançar objetivos concretos e próximos, ignorante das pro- nam. A estratégia da sinceridade, justamente porque mais sim-
fundas maturações de longo alcance e da organicidade a longo ples e retilínea, é mais própria a vencer; a da astúcia facilmente
prazo das grandes batalhas. se perde pelas estradas tortas da mentira. Para manter a primei-
Do outro lado, o tipo biológico despersonalizado do próprio ra mentira, é preciso logo escorá-la com uma segunda, depois a
egocentrismo, organicamente fundido com as forças de seu pla- segunda com uma terceira, e assim por diante. No fim, não se
no, forte por essa organicidade, impossível de desfazer-se por- constrói um edifício, mas apenas uma desordenada floresta de
que baseada no altruísmo, que irmana unificando. Uma vida escoras e, se falta uma delas, tudo rui. Se um resultado imediato
que transcende do particular, assumindo profundos significados é obtido com o primeiro engano, logo é preciso justificá-lo com
universais. Um mundo ignorado pelos atores da parte oposta e, outro, depois este com outro, até que se fica preso em sua rede.
no entanto, vivo, presente, que opera também no mundo deles. Constrói-se assim um sistema todo errado, dentro do qual se fi-
Que peso podiam ter, no choque, com impulsos desse gênero, ca preso. A mentira é a areia mole do pensamento, na qual nem
os pequenos estratagemas humanos, para conseguir fins pesso- mesmo quem a diz, sabe onde apoia o pé e, por isso mesmo,
ais terrenos? Quem os utilizava não compreendia que estas acaba afundando. Quando se pretende construir nesse terreno,
eram ótimas redes para pegar os peixinhos comuns, mais que quanto mais alguém se move para sair, mais nele afunda. Acon-
inadequadas para peixes de outras formas e dimensões, que, ao tece como no tempo de guerra, em que todos semeiam minas,
invés de serem presos, as rasgariam. que depois explodem para todos, aonde quer que se vá. A vida
Assim, essa batalha oferece-nos um espetáculo estranho. As do astuto enganador acaba então se transformando num campo
aparências estão todas a favor do primeiro tipo de homens. E minado, no qual ele mesmo, em primeiro lugar terá de cami-
eles creem cegamente nessas aparências, tanto que nelas basei- nhar, com o perigo de que uma das minas que ele mesmo colo-
am sua estratégia. E, por isso, eram enganados completamente cou, possa explodir a cada momento.
pela própria psicologia. A substância era completamente dife- Então, entre as duas estratégias, a do mundo e a do homem
rente. Enquanto eles se acreditavam fortes, porque armados, evangélico, demonstra-se a primeira, na prova dos fatos, deci-
hábeis e senhores do terreno, de fato eram fracos. Embora acre- didamente inferior. O primeiro método é confuso, complica-
ditassem o contrário, se achavam diante de um inimigo do qual do, tolhido em seus movimentos pela própria multiplicidade
não viam as armas, a estratégia, nem a verdadeira natureza; um de suas faces, que podem esconder, mas também podem trair.
inimigo imponderável, de quem nem conheciam o rosto. E Quem o utiliza, sente intimamente que não está certo; sente
acreditavam conhecê-lo. Combatiam, pois, um inimigo comple- que está, por trás de todas as aparências, intimamente estraga-
tamente diferente do que criam que fosse. do e não sustentado por nenhuma força interior. Tudo isto o
Nascia desta forma, da parte deles, uma estratégia toda er- torna ansioso, desconfiado, necessitado de assegurar-se, agar-
rada, dirigida a golpear certos pontos que lhes pareciam vitais, rando-se ao que lhe parece concreto em seu mundo, onde tudo
mas que não o eram. Seria como querer matar um espírito com lhe escapa no engano. Tomado pelo afã de uma preocupação
tiros. Aconteceu, portanto, que seus golpes caíram no vazio e, contínua, ele então se agita e corre, sem jamais chegar a tem-
atingindo um alvo diferente, não chegaram a produzir o efeito po. Assim, a astúcia do mundo constrói um grande castelo
querido. Ao contrario, esta foi para eles uma atividade total- que, como vimos na prática, acaba muitas vezes caindo-lhe
mente contraproducente, porque, além de representar inútil nas costas e sepultando-o nos escombros.
desperdício de energia, se voltou depois contra eles mesmos. Diferente é o método do homem evangélico. Simplicidade e
Cada golpe deles não atingia o alvo, mas ricocheteava nele. Era sinceridade representam material de primeira qualidade, bem
como se atirassem contra si mesmos. Explica-se isto com o fato sólido para construir. Não há mistérios a esconder, mentiras a
de que, tratando-se de golpes lançados contra a ação de planos recobrir, mascaras para arrastar atrás de si, não se fica sobrecar-
superiores, entra logo em cena e manifesta-se sua lei de justiça, regado pelo trabalho de ter que parecer sem ser, pelo esforço de
pela qual quem faz o bem ou quem faz o mal, o faz a si mesmo. ter que representar a comédia do fingimento. Quantos cálculos
Assim, cada golpe dado contra o inimigo volta a quem o deu. a menos a fazer, quanto menos erros possíveis para corrigir de-
Por isso, quem acredita vencer com a astúcia e o engano, fica pois, quanto trabalho a menos para realizar! O homem evangé-
vencido pelo seu próprio engano. Então, cada movimento para lico tem uma só face e sempre a mesma. Ele sabe o que está
a conquista acabará minando as próprias posições. Isto pela lei certo, conhece o seu direito, e faz o que deve. Esta sua posição
geral, porque, no fim, o mal só pode trabalhar contra si mesmo. retilínea constitui seu maior poder de penetração e resistência.
A consequência de tudo isso foi que a estratégia dos homens Não tem pressa de chegar porque sabe que, se Deus não paga
do mundo resultou invertida, de modo que tudo o que procura- no sábado, certamente pagará, e na melhor época. Ele conhece
ram fazer para lucro próprio e em prejuízo do instrumento da a Lei e confia nela. E isto lhe dá calma, pelo que, sem a ânsia
missão, resolveu-se, na prática, em prejuízo deles e em lucro de correr, chega a tempo. A calma e a segurança são as quali-
deste. Quanto mais procuravam torcer a missão aos próprios dades que fazem reconhecer as coisas do bem e de Deus. A
fins, mais esta lhes escapava das mãos, e, certamente, não por pressa ansiosa e a incerteza são as qualidades que fazem reco-
vontade do instrumento, mas como que espontaneamente. Para nhecer as coisas do mal. O evoluído sabe que constrói estavel-
eles, cada assalto se voltava contra eles mesmos, cada ato se mente na rocha um edifício feito para ficar em pé.
tornava contraproducente, cada movimento prejudicial. Quem Na natureza oposta dos dois sistemas reside sua fraqueza ou
pôde observar de perto o fenômeno, conseguiu com isso uma sua força, a razão de sua queda ou de seu êxito. O método do
prova experimental de que as forças do mal trabalham sempre involuído, sendo de natureza separatista, é destrutivo, pois é fi-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 43
lho do poder negativo do Anti-Sistema, e só pode levar a resul- mal, uma complicada máquina por meio da qual funciona a vida.
tados da mesma natureza, ou seja, negativos. O método do evo- Mas esse organismo vive junto a muitos outros semelhantes na
luído, sendo de natureza unitária, é construtivo, pois, como fi- coletividade social. Daí, uma complexa rede de relações, de di-
lho do poder positivo do Sistema, só pode levar a resultados da reitos e deveres, de leis e normas que disciplinam a atividade
mesma natureza, isto é, positivos. Eis por que, colocados os daquele ser, tentando enquadrá-lo no mais vasto funcionamento
dois biótipos, um diante do outro, a vitória cabe ao evoluído. de um organismo maior, ainda em formação, o da humanidade.
Nenhuma força ou astúcia humana poderá mudar esta lei, Esse ser está submetido a outras leis, das quais não pode esca-
que disciplina e dirige a luta entre as duas maiores forças do par. Sua existência está ligada a um sistema atávico, pelo qual
universo, o bem e o mal. Quem usa as forças negativas não po- ela não pode desenvolver-se senão através de uma trilha já tra-
de deixar de ficar, no fim, demolido. É sua própria negatividade çada: concepção, nascimento, desenvolvimento físico da infân-
que as torna destrutivas, porque tendem ao desmoronamento, cia, geração dos descendentes, madureza, velhice e morte. Nin-
revoltando-se em primeiro lugar contra quem as usou. guém jamais o poderá tirar deste esquema preestabelecido. Cada
Baseiam-se as duas estratégias em princípios completamente qual poderá introduzir aí pequenas variantes, nada mais.
diversos, e é deles que depende a força ou a fraqueza de cada Assim caminha a maré da vida, fechada nesse esquema. É
uma das partes da luta. Trata-se de duas psicologias opostas, sempre o mesmo, e a humanidade tem que caminhar por aí.
mas de amplitude diversa, pela qual a superior compreende a in- Não foi ela que fez essa lei. Só lhe cabe aceitar, sem possibi-
ferior, mas esta não compreende a superior, que não agride, não lidade de escapar. Mas essa lei não é estática. Mediante lentís-
guerreia e, perdoando, não retribui os golpes que recebe. Deixa simos deslocamentos ao longo de seu ilimitado repetir-se, ela,
apenas que os golpes que lhe são dados recaiam automaticamen- a pouco e pouco, se vai transformando, por aquele fenômeno
te sobre quem os desferiu, que assim trabalha para a própria que se chama evolução. Evolução quer dizer subida, e subida
perda, indo contra si mesmo. Enquanto o evoluído é naturalmen- implica a ideia de níveis e alturas diversas, que se atingem
te transportado pelos mesmos impulsos da Lei, dentro da qual se nesse processo de ascensão. Então, a concepção de planos de
colocou, o involuído, tendo-se colocado como rebelde, fora da vida diferentes e sobrepostos não é arbitraria, mas a conse-
Lei, e tendo-se isolado em seu egocentrismo individual, só pode quência direta do conceito de evolução. Não existimos nós
contar com sua limitada reserva de seus recursos pessoais. num plano de vida superior ao das plantas e animais, que nos
Esgota-se também na complicação de seu jogo. Não só, precederam nesta subida da vida? E ninguém nos proíbe – ao
como dissemos, cada mentira requer outra para justificar-se, e contrário, está na lógica de todo sistema da evolução – que os
esta, outra, e assim por diante, mas cada vitória injustamente degraus desta escada continuem a subir, sobrepondo-se, tal
arrancada ao vizinho aumenta o próprio débito para o equilí- como os vemos escalonados no passado.
brio natural da Lei, e o crédito do ofendido em relação ao É lícito então se perguntar: que se tornará o homem no futu-
ofensor aumenta o peso específico deste e, portanto, a dificul- ro? Como as leis da vida se transformaram passando do plano do
dade para ele de realizar o esforço necessário para manter-se à mineral ao do vegetal, e do plano deste ao do animal e, depois, ao
tona. Acumulam-se desta forma, cada vez mais, os débitos que humano, é bem presumível que elas continuem a mudar-se, ao
o vencedor tem que pagar ao vencido. A grande ilusão de chegarem a um plano mais alto, superior ao nosso humano atual.
quem vive no plano da força, é que não exista justiça e que es- Mas qual a direção que desejarão tomar, então, essas leis da vi-
ta pode ser subjugada, porque tudo é questão de força. Mergu- da? É lógico que na mesma direção seguida até hoje. E qual é es-
lha ele assim num sistema em que, quanto mais se vence, mais sa direção? Quais são as qualidades que o ser vai conquistando e
se precisa da imposição da força para defender a própria vitó- que se acentuam com a evolução? A observação do passado nos
ria. Isto porque esta se baseia na extorsão, pela qual a balança diz que ela tende a uma libertação cada vez mais acentuada da
pende de um lado pela imposição da força de uma das partes, e estaticidade da matéria, assenhoreando-se do movimento, que se
o equilíbrio vem a faltar logo que esta se retira. Num estado de torna sempre mais um automovimento, não obrigado, mas de im-
justiça, ao contrario, por causa do equilíbrio espontâneo entre pulso próprio. Isto significa conquista de independência na ação,
os dois impulsos opostos das duas partes, ambas permanecem assumindo as diretivas, sempre mais mandando e sempre menos
naturalmente satisfeitas, num estado de paz. O primeiro é o obedecendo1. Mas assumir diretivas implica o desenvolvimento
método do Anti-Sistema, feito de caos, em que emerge, na de- da inteligência, donde apenas podem provir. E a mais alta produ-
sordem, só o “eu” separado. O segundo é o método do Siste- ção da evolução é representada pelas células do sistema nervoso
ma, feito de equilíbrios, em que emerge, na ordem, a fusão or- e cerebral. Então, a evolução caminha para a cerebração da vida,
gânica de todos os “eus”, reunidos num bloco. para uma sua sensibilização nervosa ou aperfeiçoamento concei-
Nosso mundo comete e continuamente paga o erro de não tual. E que significa isto, senão subir os primeiros degraus da es-
viver esses princípios de equilíbrio, que nenhuma imposição de piritualização? E eis que até o biólogo, mesmo continuando a ra-
força conseguirá impedir que funcione. A isto alude o Evange- ciocinar com seu cérebro positivista, tem pleno direito de intro-
lho quando diz: os primeiros serão os últimos, e quem se humi- duzir nas equações este novo fator, repudiado pelo materialismo
lha será exaltado, ou ai dos que gozam e felizes os que choram e que se chama espiritualização.
etc. O mundo não compreende que, acreditando poder impor-se O ser que evolui não é um ponto em movi mento, mas apa-
com a força ou a astúcia a essas leis, ele cava a própria ruína; rece-nos como uma fita que avança, tendo varias zonas em sua
não vence, mas perde. A vitória pode ser alcançada por cami- extensão. Na parte mais adiantada, existe como que uma cabe-
nhos totalmente diferentes dos comumente usados, que são jul- ça que dirige a marcha, procurando progredir para o futuro,
gados os melhores. É, pois, evidente que o mundo nada compre- que quer conquistar. Esta é a zona do superconsciente que está
endeu a esse respeito. Prova-o o fato de estar continuamente pa- em formação e cujo trabalho é o de antecipar os futuros desen-
gando. É absurdo crer que tanta dor caia do céu injustificada- volvimentos. Segue-se no centro a parte que representa o pre-
mente, sem uma causa. E, na lógica do mecanismo universal, é sente, o que o ser está vivendo, e em que se consolidam e fi-
precisamente a inconsciência humana e a conduta louca que daí xam as conquistas e as posições avançadas, apanhadas pela
deriva, a única explicação dos efeitos que temos sob os olhos.
◘ ◘ ◘ 1
No íntimo do átomo, como nos espaços estelares, tudo é movimento.
Que é o homem atual? Ele nos aparece, antes de tudo, em Mas, aí, os elementos o suportam cegamente, não o dominam à vontade,
sua roupa exterior, coberto com o trajo imposto pela moda dos como acontece nos planos mais elevados de evolução. Com esta, o ser
civilizados. Dentro dessa roupa, existe aquilo que a medicina deve recuperar a perdida liberdade de ação, reconquistando o movimento
considera, com os critérios com que estuda todo organismo ani- autônomo e libertando-se do determinismo da matéria. (N. do A.)
44 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
parte superior. Esta é a zona do consciente, em que o eu está que vimos observando nestas páginas, da descida das forças do
mais desperto, a zona das experiências e da formação, pelas Alto para defender o instrumento que lhe é obediente. Eis a jus-
inúmeras repetições, daqueles impulsos automáticos que se tificação racional e científica, segundo a lógica de seu desen-
chamam os instintos. É, sobretudo, nesta zona que o ser se sen- volvimento, da verificação desse fenômeno.
te viver, porque ela representa a zona central de seu trabalho Como a vida defende o evoluído? Defende-o mesmo quan-
de construção evolutiva. Na cauda, segue a parte que represen- do, por missão, se acha nos planos inferiores de vida, fazendo
ta o passado, o que o ser viveu quando ainda estacionava nos funcionar para ele a lei do plano superior, que, sendo mais adi-
planos de vida inferiores aos do presente. Essa é a zona do antada, é mais poderosa e representa, então, uma estratégia de
subconsciente, a zona dos instintos atávicos formados no pas- batalha mais apta a superar obstáculos e conseguir a vitória. Eis
sado e pertencentes, sobretudo, à animalidade. É nessa parte do o choque das duas estratégias de que falamos, e o porquê da su-
ser que afloram as tendências inferiores, situadas nos antípodas perioridade e capacidade de vencer da segunda. Eis por que o
daquelas que são próprias ao superconsciente. evoluído, no fim, resulta ser o mais forte e triunfa, apesar de
Ora, com a evolução, o ser vai morrendo continuamente na usar apenas o método evangélico da não resistência. Eis a justi-
cauda, que abandona atrás de si nos planos inferiores de vida, ficação lógica das afirmações e métodos do Evangelho, que pa-
que vai superando, e continuamente vai nascendo na cabeça, recem tão estranhas na prática.
que desenvolve e cresce. Desta forma, todo o ser se vai lenta- O evoluído representa um dos mais altos valores biológicos e
mente transformando. O que representa para o homem atual o a vida, ecônoma e utilitária sempre, protege-o para que ele cum-
subconsciente, podia representar na era paleontológica o super- pra sua função. Proteção que não significa eximi-lo do esforço e
consciente, assim como para o super-homem evoluído dos futu- dos perigos. Ao contrário, para ter certeza do seu verdadeiro va-
ros milênios, o homem atual poderá representar o que para nós, lor e do bom cumprimento de sua função, a vida não poupa, ab-
hoje, é o estado dos primeiros monstros paleontológicos. A solutamente: retempera-o batendo numa bigorna de ferro de se-
conclusão desta pequena dissertação, introduzida no meio de vera verificação. Isto porque deve ser expulso desse delicadíssi-
nossa narração, é trazer provas racionais e científicas para mos- mo terreno das futuras construções o inepto aventureiro do ideal,
trar que ela tem um sentido profundo, que não é o do caso par- a fim de permanecer em seu lugar apenas o biótipo que consegue
ticular narrado, mas um sentido evolucionista universal. A cau- resistir, já que, pela resistência, instintos e psicologia, tem meios
da que o ser perde ao subir é representada pela animalidade, e a de provar que é diferente dos outros. O evoluído representa a an-
cabeça que o ser se vai formando é a espiritualidade. Esta é a tecipação da evolução, a tentativa de superação das velhas for-
justificação racional e científica de nossa tão grande insistência mas de vida e o primeiro esboço de novas, tentativa que poderá
nesta e no Evangelho vivido como regra de conduta de um ho- estabilizar-se, fixando-se definitivamente na raça, como qualida-
mem mais civilizado, que já tenha compreendido que não lhe des adquiridas, se superar as condições do ambiente.
convém mais cometer erros, que, hoje, por não ter suficiente É natural que a vida possua os meios de autodefesa, especi-
desenvolvimento de inteligência, ainda comete com grave pre- almente para os pontos mais nevrálgicos de seu mecanismo e
juízo para si próprio. Explicando a estratégia de batalha do evo- para os elementos que nele trabalham, como antecipadores da
luído, queremos explicar um método de vida mais adiantado e, evolução. Que assim ocorra, prova-o o fato de que a vida chegou
por isso, mais vantajoso. Procuramos assim responder à per- até ao estado de evolução atual, certamente pelo esforço daque-
gunta que fizemos desde o princípio: que acontecerá com a les elementos encarregados desse trabalho. Se, mesmo na for-
evolução e o que a vida fará do ser humano? mação dos primeiros organismos inferiores, eles não tivessem
Este é o tema mais vasto que estamos desenvolvendo sob assumido essa iniciativa e risco, os peixes não teriam saído da
as aparências desta narrativa Para responder, nós a enquadra- água para transformar-se em répteis, os pássaros não teriam
mos na concepção cósmica desenvolvida em outros volumes, aprendido a voar, o homem a caminhar ereto e a usar as mãos
tendo suas raízes no absoluto, e que vai do Sistema ao Anti- para o trabalho, nem se teriam formado e desenvolvido os ór-
Sistema. Já acenamos, e desenvolveremos aqui, melhor, a se- gãos sensórios, e assim por diante. Na formação de um novo ór-
guir, o tema do telefinalismo da vida. Ora, se evolução signifi- gão, qualidade ou tipo biológico, há sempre um pioneiro que vai
ca direção e, portanto, vontade de segui-la para chegar a de- à frente dos outros e enfrenta sozinho o problema, para resolvê-
terminado ponto, se tudo está inserido nos impulsos que mo- lo. Os outros, depois, se enfileiram atrás do primeiro experimen-
vem a vida, e se esta direção é a espiritualização do ser, é lógi- tador, cujas conquistas se tornam assim domínio de todos.
co presumir que a vida não apenas o estimule a realizar esta No laboratório da evolução, o evoluído representa como que
vontade sua, mas também o projete neste trabalho, já que, para um primeiro exemplar fora de série, e, se foi bem conseguida a
seus fins, ele é dos mais importantes. construção do mesmo, a vida inicia sua grande produção em sé-
Que representa o evoluído diante da vida? Representa jus- rie, seguindo o primeiro modelo. A natureza usa tal método
tamente o indivíduo especializado na mais árdua das tarefas: o como se faz em nossos laboratórios industriais. Esgotada a fase
de ser instrumento do progresso. Enquanto a média normal da experimental, se o primeiro exemplar teve bom êxito, a vida
maioria funciona sobretudo na zona central do ser, constituída começa a produzir biótipos estandardizados, aceitos por terem
pela consciência, o evoluído funciona sobretudo na zona mais superado todas as provas da experiência. Depois, com a adapta-
adiantada, a zona das novas conquistas. Enquanto o homem, ti- ção, se vão ajustando os pormenores, como se pratica com os
po corrente, tem que resolver os problemas do ventre e do sexo, aperfeiçoamentos que continuamente se acrescentam às novas
fundamentais para ele, porque lhe cabe o trabalho da conserva- invenções. Eis o sentido com que aparecem, entre a normalida-
ção do indivíduo e da raça, o evoluído tem que resolver os pro- de da maioria construída em série, esses isolados, fora de série,
blemas de longo alcance do pensamento, para arrastar a massa que, portanto, parecem foras da lei, seres estranhos, em que se
inerte para aquela espiritualização em que reside o futuro. Es- veem vacilar as leis da vida, só porque eles estão explorando
forço tremendo, aventura de que apenas ele assume os riscos e outras mais adiantadas. Todos os condenam e exploram, como
a responsabilidade. Não se trata de seguir os velhos caminhos exceção, mas eles representam o futuro da vida.
tradicionais já explorados e conhecidos, mas de descobrir no- Não faltam exemplos de autodefesa por parte da vida, nos
vos, iniciando novas estradas. Ora, é lógico que, nestes casos, pontos nevrálgicos de seu mecanismo, defesa biológica, mesmo
as forças da vida intervenham para secundar esse esforço, que fora do caso da formação de novos biótipos. Temos um exem-
corresponde à realização de seus planos, e não deixem sozinho plo disso, a propósito da mulher, a quem, por representar uma
quem se dedica ao sacrifício para esse trabalho, que atinge a al- função vital fundamental, a vida fornece uma defesa sua, com o
tura de missão. Eis que vemos verificar-se aquele fenômeno poder de seu fascínio, que pode dobrar a força do macho prepo-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 45
tente. Isto impede que ele a destrua na luta pela vida, em que VIII. A CAMINHO DA ORGANICIDADE
ela é a parte mais fraca. Assim, enquanto, entre os machos, vi-
gora a lei da força para selecionar o vencedor, a vida faz cola- Continuemos a narrar as peripécias de nossa história. Nossa
borarem os sexos opostos para a continuação da raça. Pela finalidade ao fazer isto não é apenas contar uma história, de
mesma razão, existe o instinto protecionista da maternidade. muito pouca importância em si mesma, mas esclarecer os fatos,
Então a natureza, que, em geral, é utilitária e desapiedada – tan- para evitar contínuos erros e, assim, salvar das dolorosas reações
to que gera com a máxima prodigalidade só para depois aban- com que, mais tarde, eles serão corrigidos pela Lei. Procuramos
donar à morte os fracos sem defendê-los e só deixa viver os for- fazer compreender a causa do prejuízo, que depois é preciso pa-
tes – essa mesma natureza torna-se então piedosa, porque isto gar, e explicar que realidade diferente existe por trás das aparên-
corresponde a seus objetivos. É lógico, pois, que a vida organi- cias, para que o mundo não continue a cair vítima dessas ilusões
ze suas defesas também em favor do evoluído, pois este realiza psicológicas, que dão a impressão de vencer enquanto se perde,
uma função que muito lhe interessa. de conquistar uma vantagem enquanto se atrai um prejuízo. De
E eis que nos aproximamos do caso particular de nossa nar- quantos erros, como aquele de que o Sol girava em redor da Ter-
ração, após a digressão que o justifica diante das leis da vida. O ra e de que esta era o centro do universo, e assim por diante, o
universal e o particular se entrosam. Sendo biologicamente homem se foi libertando com o progresso! Nosso relativo está
mais adiantado, o evoluído é de natureza mais complexa; mais cheio de enganosas aparências, mas, com as conquistas da ciên-
delicado e vulnerável por sua sensibilidade. O desencadeamen- cia, da inteligência e do coração, vamos cada vez mais superan-
to das forças primordiais do plano do involuído o ataca como do as grandes ilusões do mundo. Restam ainda, porém, grandes
um ciclone. Ele não é feito para enfrentar a vida nesta forma de zonas inexploradas, especialmente no campo psicológico e mo-
luta egoísta e brutal. Então, para que pudesse trabalhar na Ter- ral, os mais resistentes à luz da compreensão, porque estão radi-
ra, no caso que estamos narrando, a vida mobilizou outros cadas no subconsciente por muito longo atavismo.
exemplares do biótipo corrente que, continuando a funcionar Destruindo essas ilusões, compreende-se como o que se crê
como tais – isto é, com plena competência nos sistemas terres- astuto é, ao contrário, ignorante de algumas das mais sutis leis
tres e com seus métodos – assumissem a tarefa de proteger o da vida, que lhe escapam completamente; compreende-se que
indefeso, cercando-o em redor como uma barreira defensiva. Is- existe outra astúcia mais profunda, que consiste no agir retilíneo,
to era indispensável para que ele pudesse cumprir sua função sem qualquer artimanha. Mas, diante do uso desse método, o ti-
ou missão, para a qual vivia. Duríssima prova para experimen- po corrente rebela-se, temendo que lhe sejam tiradas as armas,
tar sua resistência, primeiro; mas, uma vez cumprida, chegam sem as quais – parecendo-lhe ficar indefeso – se sente perdido.
os auxílios necessários para que todo o trabalho seja realizado, A vida funciona segundo princípios utilitários e de modo justo.
sem que se perdesse no esforço da luta comum de querer um Em sua ação, o homem obedece àqueles princípios e procura os
sobrepujar o outro, o que para ele não tem sentido. É justo que
atalhos para chegar ao máximo resultado com o mínimo esforço.
quem trabalha para realizar um plano mais alto em outro mais
É uma lei da vida que esta se torna cada vez mais avarenta,
baixo, seja participe das leis do plano mais alto, já que essas
quanto mais pobre se torna, mergulhando nos planos inferiores.
justamente têm que ser trazidas à Terra, aqui neste terreno dis-
Mas, para não sofrer prejuízos, é preciso dirigir com inteligência
tante delas, para iniciar seu funcionamento.
essa psicologia utilitária, a fim de não cair vitima de ilusões e
Assim, os acontecimentos nos mostram que a vida fez nas-
miragens, como frequentemente ocorre. O mundo, ao contrário,
cer, no instinto de vários biótipos entre os mais adiantados do
tem muita fé em suas astúcias, tanto que chega a julgá-las uma
nível normal, o impulso de ajudar e defender o indefeso. Em al-
força sua, enquanto elas representam sua própria ignorância.
guns momentos e em relação a alguns indivíduos, a vida dá ao
A vida quer e, como é justo, deve vencer. Mas é preciso
indefeso um fascínio para sua defesa. O mundo está cheio de lu-
saber vencer. É mister compreender que o agir retilíneo, ho-
tadores, aspirantes ao domínio, ansiosos de vitória. A bondade,
que, ao invés, se aproxima para amar, aparece muito mais atra- nesto, representa uma superioridade de técnica de trabalho e
ente que esse triste espetáculo, de que o mundo está saciado. En- estratégia de luta, o que significa alcançar mais facilmente a
tão, os que mais se afastaram desse instinto, destacam-se do vitória duradoura. Com os métodos do involuído, arranca-se
grupo e vão colocar-se, embora continuando lutadores, a serviço desesperadamente apenas a vitória de um momento. Mas ela é
do ideal, levando a ele sua contribuição de lutadores, ajudando instável e é a única que pode existir no caos. Não é a estável e
assim o indefeso naquelas qualidades que ele não possui. duradoura que existe na ordem. As vitórias humanas não têm
Vimos outra fileira de chamados para executar funções co- sido sempre do primeiro tipo? Houve jamais alguma vitória es-
laterais da missão, mas chamados como comparsas ignaros do tável na Terra? Cada triunfo não foi, por sua própria natureza,
trabalho que realizam, induzidos a isso só por suas miragens e, minado antes ou depois, até a destruição? A vitória, nesse pla-
depois, logo liquidados, quando cumpriram sua tarefa. A fileira no e com tais métodos, é apenas uma miragem para induzir o
desses de que agora falávamos realiza, ao invés, sua função li- homem a evoluir, sendo a finalidade da vida ensinar-lhe, por
vre e conscientemente, induzidos pelo sincero desejo do bem e, meio do erro e da dor, a compreender, para que, com uma con-
por isso, não são liquidados como um embaraço, mas permane- duta mais inteligente, melhore suas condições. O tipo do mais
cem dentro da missão em que, embora em posição subordinada, forte que a vida quiser produzir no futuro será não mais aquele
realizaram seu trabalho honesto. Eles são assim iniciados para que crê valer mais porque vence seu semelhante, mas aquele
dar os primeiros passos para o novo tipo de vida, próprio dos que tiver compreendido as mais evoluídas leis da vida, e o pre-
planos superiores. Permanecem com o instinto da luta, mas lhes juízo de comportar-se daquele modo.
é impressa nova direção, não mais horizontal, para agredir e O mundo atual apresenta-se-nos assim como um emaranha-
vencer o próximo, mas vertical, para elevar-se aos mais altos do de caminhos tortuosos, em que o mais sábio é aquele que
planos da vida. A luta começa a nobilitar-se, realizando-se para consegue mentir melhor e enganar, e o mais tolo é o homem
fins superiores e permitindo, ao mesmo tempo, que, no hostil honesto e verdadeiro. Difícil, cheio de perigos e armadilhas es-
ambiente terreno, seja oferecido auxílio a quem deve cumprir a tendidas a cada passo, é avançar nesse mundo. A vida perma-
difícil tarefa de aí realizar uma missão. Nem sempre para essa nece, assim, sufocada por infinitos atritos, que ameaçam parali-
realização é necessária a crucificação, que, embora criando o sar cada movimento seu, com prejuízo de todos.
mártir, paralisa seu trabalho. Às vezes, é seu esforço produtivo Continuemos a observar as duas psicologias opostas. O evo-
que mais interessa. Então a vida reúne os operários adequados, luído fala simples e retilíneo, dizendo a verdade nua e crua. Es-
para que da colaboração de todos nasça a obra consumada. te é seu método, e ele o segue, sentindo nele sua força. O invo-
46 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
luído o ouve, mas sua psicologia de astuto faz-lhe pensar que ta pela vida. O mundo é induzido à sua técnica contraproducen-
tudo o que o outro diz seja mentira. Sente-se, pois, no dever, te por sua ilusão psicológica. Achando-se diante da Lei, que lhe
seguindo seu método, de não abandonar sua sabedoria, que impõe disciplina, dado o próprio egocentrismo individualista, o
consiste em ver por toda a parte mentiras para descobrir. Então, mundo sente nela as peias que embaraçam seus movimentos, e
bem armado com a desconfiança, começa, como grande astuto, então procura libertar-se delas como de um estorvo que se opõe
a procurar qual seja a verdade que, segundo seus cálculos, deve à vitória. Para se tornarem mais ágeis no combate, para chega-
estar escondida por trás do que lhe é dito, que deve ser apenas rem antes, através de todos os atalhos, para não terem em cima
uma máscara de mentira para encobrir a verdade. pesos e amarras e também para estarem mais seguros de vencer,
É natural que, como cada um vê segundo a percepção de pelo medo de ficarem desarmados por uma lei de bondade e
seus próprios olhos, assim julgue os outros conforme pensa amor, acontece então que abandonam a mais alta e poderosa es-
com sua própria psicologia. Para o ladrão, todos são ladrões; tratégia do Evangelho, por recaírem no seio de uma mais ele-
para o bom, todos são bons; para o mentiroso, todos são menti- mentar, menos inteligente e orgânica, e, portanto, uma estraté-
rosos. Miragens. Pode assim imaginar-se como bate longe do gia menos poderosa. Jogar fora todo escrúpulo, julgando tudo
alvo quem procura descobrir mentiras onde estas não existem, e lícito, com qualquer meio, pode parecer uma vantagem segundo
que só existem na mente de quem indaga e julga. Para o evoluí- a psicologia do primitivo, que vive na desordem, mas se resolve
do, o ponto de partida e de referencia é a verdade, para o invo- em perda no regime da ordem com que é dirigido o universo,
luído é o fingimento e a mentira. Para este, então, a verdade é ainda que o primitivo não tenha compreendido. O homem atual,
concebida não como afirmação positiva, em si mesma, mas em só por ter começado a civilizar-se um pouco com as últimas
função da mentira, e só descobrindo-a poderá aparecer a verda- descobertas prodigiosas da ciência, já com a nova técnica bélica
de. Pretende-se assim chegar à posição positiva da verdade não imposta por ela, começa a constatar que, apenas com a prepo-
diretamente, mas por inversão de sua posição negativa, que é a tência e ferocidade – qualidades do involuído – se vence menos
mentira. Isto equivale a não querer olhar uma imagem direta- que com a organicidade e a inteligência – qualidades do evoluí-
mente no positivo, mas presumir que só se pode vê-la no posi- do. Quanto mais o homem se torna poderoso com as descober-
tivo pela sua inversão do negativo. Método complicado, que tas da inteligência, tanto mais precisa aprender a usar com inte-
pesa sobre todos e que a sociedade tem de suportar com infini- ligência esse poder, se, por não ter ainda aprendido a usá-lo
tas formas de controle e de sanções, que entravam cada movi- bem, não quiser que ele se torne prejudicial. É o caso atual da
mento. Numa atmosfera de engano e desconfiança, a vida se energia atômica, que, colocada nas mãos do homem feroz da
torna mais cansativa para todos. Idade Média, ameaça hoje se tornar um meio de destruir a hu-
Estas considerações explicam-nos o que ocorreu no caso manidade. O próprio progresso da técnica científica obrigará o
que estamos narrando, em que o mundo dos astutos ficou enga- homem a transformar sua psicologia involuída, feita de egoís-
nado pela simplicidade do homem evangélico. Como podiam mo separatista, numa evoluída, de compreensão e fraternidade.
acreditar que suas palavras fossem a simples verdade? Seu mé- Dissemos que o involuído, para que pudesse viver melhor,
todo lhes impunha julgar o contrário. Assim, àquelas palavras precisaria refazer toda a sua forma mental. Ele, então, se torna-
foi dada uma interpretação totalmente errada, invertida, porque ria evoluído e, com isto, não se sentiria mais apto a viver neste
se presumia que, por trás delas, houvesse outra verdade. Mas mundo. Tornar-se-ia um defasado, em contínua luta com um
elas eram simplesmente verdadeiras e, coisa incrível, nada es- ambiente que lhe não corresponde. Hoje, seu egoísmo, agressi-
condiam, e nada havia para descobrir. Os astutos foram levados vidade e estratégia de astúcias, representam a resposta exata às
então a cometer o maior erro, por causa de sua própria astúcia, condições do ambiente onde ele se acha e com o qual está, co-
que foi justamente o que não lhes fez compreender nada da es- mo lhe é necessário, perfeitamente proporcionado e sintoniza-
tratégia do inimigo. Ora, não compreender significa interpretar do. Se ele quer ser forte para a guerra, é porque o seu ambiente
seus planos de maneira errada, só saber então pôr em pratica se baseia na luta e premia o vencedor mais forte. Se vê inimigos
uma estratégia catastrófica, feita de golpes errados, o que faz a combater com a força ou com a astúcia, é porque o ambiente
perder as batalhas. Essa técnica do fenômeno e a natureza dos está realmente cheio deles. Se ele não os visse, seria realmente
elementos acima expostos que dela participavam, faz-nos com- sobrepujado e eliminado. No mundo das feras, pode realmente
preender cada vez melhor as razões daquele fato que podia pa- constituir uma virtude ser feroz. De que serve ser evoluído en-
recer estranho, ou seja, a vitória do inerme evangélico, contra tre involuídos, senão para fazer da vida um martírio? A vanta-
opositores poderosos e armadíssimos. gem pessoal e imediata é a de tornar-se ainda mais prepotente
Aconteceu então que, com seu sistema astuto, eles só con- que os outros, esmagá-los e dominá-los. Sem dúvida, é uma
seguiram enganar a si mesmos. E, continuando com sua forma vantagem. Mas não é vantagem maior ser evoluído, uma vez
mental, em que permaneciam irremediavelmente fechados, sem que isto significa pertencer a um plano de vida mais alto, onde
saber sair dela, imaginaram, para explicar-se de qualquer forma maior é o poder e menor a dor, embora isto represente um mar-
o fenômeno, que a parte oposta tivesse imaginado planos diabó- tírio nesta vida terrena? Certamente que na Terra se fica sozi-
licos, astúcias inéditas, fora do repertório deles, mais astutas e nho, e isto é duro. Mas onde existe um homem que, para não se
mais poderosas que as suas, porque eles as viram vencer. E, na sentir só na floresta, entre as feras, desejaria tornar-se fera, da
sua ignorância, não compreendiam que a maior astúcia é a de mesma raça que elas, para viver em sua companhia? Ou então
dizer simplesmente a verdade. Desejariam aprender estas astú- aquele que, conseguindo compreender que um continente está
cias mais poderosas, que faziam vencer. Mas a isto se opunha cheio de ouro, renuncia ao esforço de explorá-lo?
sua própria estrutura psicológica, que os punha completamente O involuído é justificado pela natureza do ambiente que o
fora da rota. Para conseguir seu intento, teria sido necessário re- cerca. Se a desconfiança é tão difundida, é porque a mentira es-
fazer toda a sua forma mental. Sem uma renovação completa, tá espalhada, e a primeira coisa que se encontra é o engano. Se
como pode mudar-se o homem que está convencido de que a na Terra foi instaurado esse regime de luta, pelo qual tudo, se
maior e mais útil sabedoria consista justamente em ser astuto? quiser sobreviver, tem que primeiramente ser defendido, isto
◘ ◘ ◘ ocorre porque essa necessidade é imposta pelo ambiente como
Mas observemos cada vez mais de perto as razões do poder condição fundamental da existência. Se, instintivamente, se en-
do homem evangélico, porque nelas estão as causas de sua vitó- xergam inimigos e perigos por toda a parte, é porque as experi-
ria. Estudando-as, pode chegar-se a conhecer o valor do Evan- ências de um longo passado formaram tal instinto, que, infeliz-
gelho e de seu método, mesmo como sistema para vencer na lu- mente, continua ainda a corresponder em grande parte à reali-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 47
dade. De certo, nesse ambiente, o evoluído é que está errado e dade para o conjunto, mas é um usurpador que a tira dos outros
bem o demonstra o fato de que, a cada momento, se tenta agre- em seu benefício apenas. Como se vê, mesmo quando o involu-
di-lo, dizendo-lhe que, diante dessa realidade, ele é um iludido. ído atinge seu maior grau de elevação, o problema não está re-
Para que o evoluído pudesse trabalhar à vontade, seria necessá- solvido e o paraíso oferecido por Nietzsche não oferece ne-
ria uma transformação do ambiente da forma involuída. Ele nhuma evasão às duras leis daquele plano de evolução.
trabalha justamente para alcançar essa renovação, ponto de Existe, então, outro caminho de evasão para atingir um real
chegada a que ele quer levar todos. e duradouro progresso que não seja ilusão? Jamais se poderá
Estamos observando o problema de todos os lados, em to- obter a liberação enquanto se permanece involuído, mesmo que
dos os seus aspectos, sem preconceitos nem partido preconce- vencedor, porque se permanece sempre no plano da animalida-
bido para defender um tipo biológico de preferência a outro. de, ligado às suas leis inferiores, com todas as consequências.
Tudo, assim, se explica e encontra razão de existir. Olhamos Evasão e libertação só pode atingi-las o evoluído, que emerge
imparcialmente as posições tão diversas dos dois biótipos, pe- daquele plano de vida, colocando-se em outro mais alto, em
sando os prós e os contras, tendo em conta também as desvan- que vigoram outras leis, com todas as consequências. Mas,
tagens no reverso da medalha. aqui, começam as dificuldades. Essa evasão não é coisa sim-
Certo é que, se estamos involuídos, então nos achamos ples. Antes de tudo, não se muda o biótipo com facilidade e
construídos com os instintos adequados a viver neste mundo, num átimo. Trata-se de transformar a própria natureza, através
em que achamos nossas satisfações, representando ele nosso de uma profunda elaboração, que não se improvisa. Passar de
ambiente natural. Podemos sentir-nos satisfeitos com ele, por- um plano de vida inferior a um superior, significa realizar uma
que não conhecemos outra coisa; podemos crer em suas ilusões revolução biológica. Além disso, mesmo se conseguindo essa
e, tolos de tudo, aceitar suas dores como inevitável fatalidade. passagem, nem mesmo a posição de evoluído está isenta de al-
Com bastante ignorância, inconsciência e insensibilidade, esse gumas desvantagens. Quais são elas?
mundo pode ser suportável e até desejável para quem ainda está Observando os prós e os contras de ambas as posições,
imerso na animalidade. olhemos o reverso da medalha, mesmo para o caso do evoluído.
O biótipo campeão deste mundo foi exaltado e até glorifica- Vimos que o involuído tem ao menos a vantagem de achar-se
do como o tipo ideal e modelo superior por Nietzsche, em seu num ambiente adequado e proporcionado a ele, onde encontra
“super-homem”. Representa a animalidade do involuído em seu prontas as satisfações animais que correspondem a seus instin-
pleno triunfo. Trata-se do ser que, movido pelos instintos ele- tos. A fera da floresta, o verme dos lamaçais e o peixe cego dos
mentares, chega a ser tão feliz no jogo da vida que até mesmo abismos sem luz do oceano podem sentir-se à vontade em sua
vence e pode abandonar-se à euforia do triunfo. Só é preciso casa nesses horríveis ambientes, satisfeitos com o que sua natu-
acreditar também nesta, entre tantas ilusões da vida. Isto porque reza pede. A grande vantagem de que goza o involuído é de
nem sempre as coisas correm tão bem. Ao contrário, quem te- achar-se proporcionado ao ambiente e vice-versa, sendo-lhe fá-
nha compreendido o jogo sabe muito bem que as probabilida- cil encontrar o equilíbrio. O nível de vida é baixo, mas tudo aí
des de alcançar aquele estado de vitória são bem poucas e que se acha na mesma, e a adaptação é fácil.
aquele triunfo não pertence absolutamente à maioria, a quem Ao contrario, o evoluído acha-se defasado totalmente, nu-
espera não a posição de mando, mas a de obediência; não a sa- ma condição de absoluta insociabilidade com esse ambiente,
tisfação dos desejos, mas o sacrifício; nem sempre a vitória do que, para ele, representa não o seu plano de vida, mas um infe-
forte, mas muitas vezes a dura derrota do fraco. A grande pro- rior, em que se acha exilado e estrangeiro. Se, para o involuí-
babilidade, para a maioria, é que, ao invés da gloriosa parte do do, nascer aí pode representar ir ao encontro da alegria de vi-
super-homem, lhe caiba viver a mísera e obscura parte do ho- ver, porque nesse ambiente encontra a realização de si mesmo,
mem qualquer. A maior probabilidade para a grande maioria para o evoluído, nascer e viver aí pode representar a mais dolo-
não é poder elevar-se no grande pedestal do super-homem, mas rosa das condenações. A irreconcialiabilidade com o mundo
servir de base sobre a qual ele se ergue. tornar-se-á para ele tanto mais viva e oprimente quanto mais
Se olharmos todo o fenômeno, não só do lado da luz, mas ele readquirir consciência de sua própria natureza verdadeira,
também do da sombra, encontraremos um panorama bem dife- isto porque ao seu maior instinto e desejo – de evangelicamen-
rente. Muitas vezes, na Terra, quem tem o poder utiliza-o, antes te amar e abraçar o próximo – ele só achará a resposta dilace-
de tudo, para si, enquanto o povo ingênuo é enganado, senão rante do egoísmo agressivo e da luta feroz. Nesse mundo caó-
explorado, feito muitas vezes de instrumento do egoísmo dos tico, carregado de atritos dolorosos e dissonâncias estridentes,
chefes, num triste jogo em que, pelas leis desse plano biológico, em que a desordem reina soberana, o evoluído – que, por sua
cabe ao mais forte o direito de oprimir os mais fracos. O super- natureza, é um sensível – se acha a cada momento à mercê de
homem nietzscheano é de fato grande, sobretudo por saber pen- golpes violentos, aos quais, naquele ambiente, a insensibilida-
sar na própria vitória, demonstrando-se, com isto, o elemento de do involuído está ao invés perfeitamente proporcionada.
mais antiorgânico e antissocial; trabalha antes para si que para a Tudo isto é tanto mais dolorosamente percebido pelo evoluído,
coletividade. A miragem de tornar-se super-homem pode enga- porque ele, orgânico por excelência, é naturalmente levado à
belar e entusiasmar, como a de vencer no jogo para enriquecer fraternidade e é condenado pelo individualismo separatista
sem esforço. Mas, depois, a realidade é que não se vence nesse dominante no ambiente ao isolamento, sendo insuportável para
jogo. Ninguém enriquece grátis. Fica apenas a ilusão diante de ele o sistema de egoísmos e rivalidades, de atritos e luta em
uma meta inatingível. E que interessam à sociedade, constituída que se baseiam, nesse ambiente, as relações sociais.
pelos que devem ganhar a vida com trabalho, sem golpes de O mundo em que o involuído se acha tão bem à vontade, é
fortuna, esses super-homens que só se ocupam de vencer para instintivamente considerado inaceitável para o evoluído. Em
si? Que interessa e de que serve para a maioria, que é dos me- seu caso, indivíduo e sociedade não se entrosam absolutamente,
díocres, seu triunfo? Para servir, seria necessário que o poder tal como ocorre de modo tão natural e espontâneo para o outro
fosse compreendido como função social para o bem de todos. biótipo. A maioria repousa em dado nível de evolução e, pro-
Mas este é um conceito que não pode nascer no plano biológico porcionalmente a este, se formam sua moral, seus usos e cos-
do involuído, mesmo que ele se torne super-homem. Nesse pla- tumes, suas leis, ou seja, sua particular forma mental da qual
no, domina o individualismo separatista e ainda não apareceu o tudo o mais deriva. Mas, acima como abaixo desse nível médio,
senso orgânico, que é próprio do plano do evoluído. Nesse ní- estão as exceções, julgadas como anormalidade, que a maioria
vel, esse super-homem não é aceitável, porque não traz felici- tende a expelir e isolar fora de si. São elas – como já acenamos
48 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
– em baixo, os involuidíssimos, ou seja, os criminosos que ain- tamos como nosso modelo, representem as leis de toda a vida,
da permanecem de todo na animalidade, e, no alto, os mais evo- e que não possam existir outras? Que o que chamamos nature-
luídos, que estão completamente fora da animalidade. Assim za seja verdadeiramente toda a natureza, esgotando, na forma
todos eles são igualmente expulsos do nível médio, os primei- limitada que temos sob os olhos em nosso planeta, todas as su-
ros por deficiência, os segundos por excesso; os primeiros por- as infinitas possibilidades? Como podemos afirmar, com segu-
que muito atrasados para serem capazes de adaptar-se, mesmo rança, que o método de vida seguido atualmente pelo homem
ao rudimentar grau de civilização atingido pela média; os se- seja o mais vantajoso, e que outros mais rendosos não possam
gundos porque adiantados demais para poder retroceder a um existir, e que a evolução não procure exatamente chegar a
nível de vida que, para eles, é animal demais. eles? Estamos certos, de fato, de que o sistema que hoje preva-
Assim o muito evoluído se acha em posição mais incômoda lece, de procurar a vantagem própria e exclusiva, muitas vezes
do que a do biótipo que o é menos. Isto porque este tem tudo com prejuízo do próximo, seja verdadeiramente o melhor sis-
para aprender e ganhar, entrando em contato com gente mais tema, e que o método mais vantajoso, até para o indivíduo, não
evoluída que ele; ao passo que quem é por natureza mais adian- seja, ao contrário, o do “ama teu próximo”, como diz o Evan-
tado, se quiser viver na sociedade, tem de retroceder para a gelho? É bem lógico que, no futuro estado de organicidade a
animalidade, coisa que absolutamente não pode aceitar, porque que tende a vida, e com ela a humanidade, que a encabeça, re-
isto representaria a destruição de seus mais preciosos valores. sulte extremamente contraproducente o atual separatismo, em
Sem dúvida que é vantagem sua ter chegado, fora da animali- que não se leva em conta o prejuízo alheio. E, no estado orgâ-
dade, acima desse plano de vida, mas também são suas todas as nico, o isolacionismo egoísta do qual o homem hoje acredita ti-
desvantagens de ter que viver num ambiente no qual, adaptar- rar vantagens é uma ilusão, porque, desde agora mesmo, na de-
se, significaria sua maior mutilação. Paralelamente, para o in- sordem atual, tudo é coletivo na vida, tudo ecoa, se repete e re-
voluído, há todas as vantagens em poder viver num ambiente percute, e acaba voltando à origem, ou seja, àquele que, crendo
adequado e proporcionado, mas é desvantagem ficar ainda só haver prejudicado os outros, terminou prejudicando a si
imerso na animalidade, ou seja, num plano inferior de vida. mesmo. Chega-se a compreender assim a mecânica desses mo-
Para o evoluído, sua superioridade não serve absolutamente vimentos, pelos quais se justifica o imperativo ético que impõe
para despertar-lhe orgulho, sentimento que está completamente não fazer mal ao próximo, mas amá-lo como a si mesmo.
fora da psicologia própria ao seu plano; mas, ao contrário, é cer- Vários fatos e leis que observamos dizem-nos que a huma-
to que, individualmente, para ele, ser evoluído serve para tornar nidade evolui para a organicidade, em que se realizará o estado
sua vida um martírio, holocausto de sacrifício para o bem dos coletivo de unificação, que, da fusão orgânica dos indivíduos
outros, dor de que ele não usufrui, mas sim o seu próximo. humanos, hoje mais ou menos separados, formará um corpo
Quando chega a morte, aí onde o involuído só encontra saudade imenso, como da fusão orgânica das células antes autônomas se
e um verdadeiro senso de fim, morte em que vê naufragar todas formou um ser só, representado pelo corpo humano. Podemos
as alegrias da vida, que desfaz tudo numa grande ilusão, o evo- representar o evoluído na posição em que se acha a célula espe-
luído vê chegar a libertação do exílio, pela qual lhe é permitido cializada que funciona organicamente no seio da unidade cole-
finalmente regressar à pátria, ao seu povo, em seu verdadeiro tiva que é o corpo humano. Podemos representar o involuído
plano de vida. Para o primeiro, apegado à Terra, a morte é o fim como uma célula isolada, ou unida a outras em forma elemen-
da vida, que ele só sabe conceber no ambiente material terrestre. tar, como nos micro-organismos e protozoários, egoisticamente
Para o segundo, bastante estrangeiro na Terra, a morte é o início isolada e ignara da vida das outras, assim como de qualquer
da vida, que ele concebe principalmente nos planos mais altos. complexo funcionamento orgânico coletivo. De fato, também
Esta, objetivamente, é a posição que os vários seres podem os involuídos obedecem por instinto ao princípio da unificação,
ocupar na Terra, segundo uma biologia mais vasta do que a co- mas ainda estão nos primeiros degraus dela. A lei das unidades
mumente aceita pela ciência, uma biologia que abarca vários coletivas é universal, e ninguém pode escapar a ela. Mas com-
planos de existência. Nenhum pode deixar de aceitar as vanta- pete ao ser, pelo esforço da ascese evolutiva, construir-se essa
gens e desvantagens da própria posição. Mas, para o homem organicidade, cujas vantagens serão suas. E, para construí-la, é
atual, o problema é compreender qual das diversas formas de vi- preciso abrir a inteligência e o coração, superando o separatis-
da é mais vantajosa para ele, e, compreendido isto, procurar rea- mo egoísta, deixando-o atrás, no fundo do Anti-Sistema, e su-
lizá-la para sua vantagem. Desejaríamos, com este volume, fazer bindo para as alturas do Sistema.
compreender uma coisa certa: trabalhando com mais inteligência O involuído é habitante da desordem individualista. O evo-
e menos instinto; superando muitas ilusões psicológicas que nos luído representa o elemento do estado orgânico. O coletivismo
oferecem a miragem de uma utilidade imediata, onde, ao invés, moderno representa a primeira tentativa em larga escala, embo-
encontramos um prejuízo; tornando-nos astutos no bom sentido; ra pelo desencadeamento de forças elementares, de encaminhar-
deixando-nos enganar cada vez menos pelas aparências em que se para um estado orgânico unitário da humanidade. Mas,
nossa ignorância nos leva a crer, e descobrindo cada vez mais a mesmo em ponto pequeno, os indivíduos procuraram e procu-
verdade profunda que esta além da superfície, desejaríamos fa- ram sempre avizinhar-se da unidade, elevando construções or-
zer compreender que o homem conseguiria estabelecer, no pla- gânicas. Trata-se, porém, de esboços instáveis ou de grupos re-
neta de que é dono, um ambiente de vida muito melhor. Procu- gidos, sobretudo, pela prepotência de um chefe e internamente
ramos fazer-lhe compreender que este poder está em suas mãos minados pela revolta latente em seus dependentes, ansiosos de
e que pode usá-lo com grande vantagem quando queira e desde substituí-lo para formar, cada um, outra unidade, em que cada
que queira; e que os resultados que se podem obter, compensam um quer ser o único chefe. Da pequena associação de aldeia até
largamente o esforço necessário para alcançá-los. à unificação dos impérios, o princípio é o mesmo. A unidade é
◘ ◘ ◘ regida, sobretudo, pela força de um chefe que se impõe e pelo
É lícito perguntar: este nosso mundo prático, que estamos interesse (enquanto dura) que têm seus partidários de segui-lo e
acostumados a considerar real, esgota verdadeiramente toda a obedecer-lhe. Assim que se enfraqueça essa força dominadora e
realidade? Ou ainda existe muita coisa além dele, em que resi- os dependentes não mais achem vantagem de ficar na disciplina
de aquela realidade que, em nossa ignorância, chamamos de que os organiza, essa unidade se esfacela.
imponderável? E não é lícita a dúvida de que, nesse imponde- Na hora da desgraça, todos se afastam dos grandes. Depois
rável, existam outras leis, que regulam nossa vida para sua de- de Fontainebleau, Napoleão foi abandonado até por seu criado
fesa e êxito? Será possível que as leis da animalidade, que ado- de quarto, e seus ajudantes de campo fizeram uma verdadeira
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 49
corrida para serem os primeiros a render homenagem ao novo tomaticamente se encarrega de defender a todos que ela pode re-
rei, Luiz XVIII, chamado a Paris enquanto Napoleão se enca- colher em seu seio, porque estão harmonizados.
minhava para o exílio da ilha de Elba. E, assim, em tantos ou- Daí se vê que o novo estado pelo qual o evoluído se distin-
tros casos. Trata-se de uma união que a custo mantém uma coa- gue do involuído é a organicidade. O evoluído faz parte dela e
lizão de egoísmos, que constituem a matéria prima da constru- aproveita suas vantagens, das quais está excluído o involuído. O
ção e estão sempre prontos a rebelar-se. O impulso fundamental evoluído acha defesa na Lei, movendo-se harmonizado num
é separatista, desagregante, tendente a dividir, e não a unir; a ambiente de ordem, no qual ficam suprimidos o esforço da luta e
destruir, e não a construir. Por isso, mais cedo ou mais tarde, a possibilidade de tantos erros, causa de tantas dores. O involuí-
essas construções ruem, porque sua estrutura interior é de natu- do, devido ao seu individualismo antiorgânico e demolidor, tem
reza separatista, e a união só e imposta e mantida de fora, por que se defender somente com as suas próprias e limitadas forças,
outra força que se sobrepõe, enquanto, no verdadeiro estado or- isoladamente, não podendo usufruir do poder inerente à organi-
gânico do evoluído, a estrutura interior é de natureza orgânica, cidade, que não conhece. Seus agrupamentos são apenas peque-
e a união não é exterior nem imposta, mas íntima e espontânea; nas tentativas de unificação, tendentes mais ao separatismo do
portanto se rege e mantém por si, por sua própria natureza. Da- que à fusão. O grupo de que faz parte o evoluído abarca todo o
do então que aqueles agrupamentos são dirigidos não por forças universo, e seu chefe não é um vencedor de fracos, mas um
espontâneas, positivas, unificadoras, mas por impulsos de coa- Deus bom, sábio e poderoso, que organiza abraçando com amor,
ção, negativos, desagregantes, eles não podem deixar de obede- e não esmagando com a força. Neste grupo, seus componentes
cer à sua tendência dominante, pela qual, mais cedo ou mais não são elementos estranhos, mantidos juntos só por interesses
tarde, acabam por despedaçar-se. É o espírito de individualismo particulares e momentâneos, mas sim células de um mesmo or-
em que se baseiam aquelas associações que acaba tomando a ganismo. A vida de cada um é dada pela vida do todo, sem a
supremacia por ser mais forte, já que aí não existe verdadeiro qual o indivíduo está perdido. Portanto nada há de rivalidade e
senso orgânico unitário. Em razão da natureza dessas coalizões, atritos, que são contraproducentes. A natureza íntima dessa uni-
não pode ocorrer de outra forma, pois falta o verdadeiro espírito ficação não é o egoísmo, que tende à separação, mas sim a com-
coletivo. Explica-se assim como as alianças humanas sejam preensão recíproca, que tende à unificação. Assim, enquanto nos
apenas tentativas de unificação, nada estáveis e com resultados agrupamentos do involuído acaba prevalecendo a separação, nos
provisórios, sempre prontas a desagregar-se. Em vista do grau grupos do evoluído prevalece a unidade. Isto porque o estado
de evolução atingido, este é o maior grau de fusão orgânica espontâneo do primeiro é o individualismo isolacionista, e o es-
possível de se realizar no atual nível, que está mais próximo do tado espontâneo do segundo é a organicidade unificadora.
Anti-Sistema do que do Sistema, ou seja, mais perto do polo No caso do involuído, o instinto de apanhar e desfrutar tudo
negativo do ser do que do positivo. para si não pode deixar de separar e destruir. No caso do evolu-
Ocorre exatamente o contrário no terreno do evoluído, onde ído, o desejo de fazer prevalecer a vantagem coletiva sobre a
vigora um diverso modo de conceber e de viver. Suas unifica- individual não pode deixar de unir e construir. As conclusões
ções não resultam do egoísmo de um chefe buscando impor-se são implicitamente dadas pela natureza de cada um e automati-
ao egoísmo de seus súditos, que estão sempre prontos a rebelar- camente necessárias. Cada um, segundo sua natureza, fica in-
se para realizar, cada um contra todos, o mesmo trabalho de im- cluso num mundo diverso e deve aceitar-lhe a lei até às últimas
posição, método este só aceitável num estado de ignorância das consequências. Assim cada um se constitui árbitro do próprio
leis da vida. Ao contrário, o evoluído compreendeu o funciona- destino. Tudo depende de nós e da posição que ocupamos ao
mento do universo e a parte que lhe cabe nesse funcionamento. longo da escala da evolução. Mas a conclusão à qual queremos
Por isso, ao invés de atritar-se com as outras partes da máquina, chegar e à qual nos leva o Evangelho é que, em última análise,
o que seria para ele uma tolice, funciona em harmonia com elas, a posição do evoluído ‒ com tudo calculado, como vimos nos
como é de sua vantagem. O evoluído compreendeu a lógica e a prós e contras ‒ oferece imensas vantagens sobre a do involuí-
utilidade disso, aceitando a sua função espontaneamente, sem do e, portanto, faz valer a pena enfrentar quaisquer esforços e
que apareçam antagonismos nem luta de egoísmos, causa de tan- suportar todas as dores, contanto que se consiga passar da cate-
tas dores. Não há quem não veja quão melhor e com quanto me- goria de involuído à de evoluído, procurando sair do plano do
nos esforço pode funcionar uma máquina da qual sejam elimi- primeiro, para entrar no do segundo.
nados os atritos decorrentes da discordância entre as partes. Uma das maiores vantagens do estado de organicidade, para
Nas unificações do evoluído, a disciplina é livremente aceita, quem o atingiu, é possuir maior poder diante do estado sem or-
e não fruto de imposição forçada. Sem rivalidades ‒ cujo resul- ganicidade. Incontestavelmente a posição de unificação, que é de
tado é dar direito à vida só ao mais forte, ao vencedor ‒ o evolu- colaboração, é mais poderosa que a de separação, que é de luta e
ído sabe qual é o seu lugar e se coloca nele, porque sabe que é antagonismos rivais. Como se diz, a união faz a força. Os atritos
melhor para ele. Põe-se assim a funcionar como uma das engre- interiores enfraquecem. O mundo de hoje é composto dos mes-
nagens da grande máquina, em harmonia com todos os outros, mos povos de um século atrás. Se os Estados Unidos e a Rússia
todos operários da grande Obra, altamente valorizados pelo fato são hoje as maiores potências, devem-no ao fato de ter atingido
de não serem mais egocentrismos isolados e perdidos no caos, um grau de unificação que seus elementos constituintes não ha-
mas sim instrumentos inteligentes que funcionam voltados à fi- viam alcançado antes. Ora, dado que a vida procura e quer con-
nalidade da Lei, trabalhando para a realização não de um pobre quistar potência, enquanto esta significa defesa e garantia de so-
pensamento próprio, mas do sapientíssimo e poderosíssimo pen- brevivência, não se pode impedir que a evolução leve essa vida
samento de Deus. Como fruto desta posição completamente di- ao estado orgânico, que representa justamente uma posição de
ferente que assume no organismo do todo, o evoluído toma parte maior potência, mais segura e mais apta a subir ainda mais.
‒ coisa que não ocorre ao involuído ‒ na sabedoria e poder que Dir-se-á, porém, que, na Terra, esse poder é alcançado, co-
Deus manifesta naquele organismo e em seu funcionamento. mo vimos, pela imposição forçada. Respondemos então que, no
Como instrumento, o operário que se torna colaborador consci- trabalho de conquista do futuro, não se pode impedir a sobrevi-
ente é investido por aquela sabedoria e poder, podendo, assim, vência dos elementos constituintes do passado; que, no trabalho
aproveitá-los. É por isso que ele ‒ diferentemente do indivíduo de conquista das posições de luz do Sistema, não se pode impe-
isolado, abandonado a si mesmo, qual o involuído ‒ não mais dir o aparecimento, como instrumento desse trabalho ainda em
necessita esbanjar todas as suas energias por causa de um estú- ato, os elementos constituintes das sombras do Anti-Sistema.
pido jogo de rivalidades, pois sabe da existência da Lei, que au- Para que se formassem os artelhos, capazes de se moverem na
50 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Terra, os primeiros animais aquáticos tiveram de transformar IX. A GRANDE BATALHA
suas extremidades, aptas somente a fazê-los movimentarem-se
na água. Para chegar a voar, os animais terrestres tiveram de Estendemos, no capítulo precedente, nosso conto bem além
transformar seus artelhos em asas. Só se pode subir a escada da dos limites de simples história, procurando penetrar o porquê da
evolução um degrau depois do outro, apoiando-se no preceden- conduta humana em geral, que vimos reaparecer no caso narra-
te, mais baixo, para pôr o pé no seguinte, mais alto. do. Assim, o choque entre alguns homens de natureza diferente
Assim, podemos explicar-nos a aparente contradição conti- recebeu uma perspectiva ampliada, passando a nos representar o
da hoje no comunismo, que tende a instaurar na Terra os prin- choque muito mais vasto entre os dois diferentes biótipos da ra-
cípios evangélicos avançados da justiça social, utilizando os ça humana: o evoluído e o involuído, para ampliar-se ainda mais
meios mais antievangélicos e involuídos, como a violência, a ti- depois, como o choque entre os dois tipos da sociedade humana:
rania e o terrorismo. Conseguiu-se alguma vez, até hoje, em es- o atual, de desordem, e o futuro, em que o estado orgânico foi
cala apreciável e só com os meios da persuasão, induzir um rico alcançado. Vamos assim alcançando, cada vez mais, o fim pre-
a dar o supérfluo aos pobres, como manda o Evangelho? É cer- fixado, ou seja, demonstrar que ser evoluído e viver o Evange-
to que, neste terreno, em dois mil anos, o Evangelho não foi lho é uma questão utilitária, não só como vantagem pessoal, mas
ouvido. Neste caso, então, é evidente que, sem violência, o também como grande progresso social, fazendo ver assim, fi-
Evangelho não pode ser aplicado. Mas, se, para evoluir, é ne- nalmente, que tudo isto significa seguir o caminho que o telefi-
cessário que ele seja aplicado, como chegar a isso? nalismo da vida nos põe e impõe na evolução.
Eis então como se explica o fato de, no mesmo fenômeno Terminada esta digressão, que aprofunda e universaliza o
do comunismo, encontrarmos presentes dois termos opostos problema, pois, se não fosse isso, não superaria o mísero senti-
em contradição. Naturalmente, os antagonistas o acusam, ba- do de uma crônica, retomemos nossa narração, para chegar, fi-
tendo em sua parte errada, ou seja, a violência etc. Mas, infe- nalmente, a desenvolvê-la até sua conclusão.
lizmente, esta é uma qualidade própria do gênero humano, e No Capítulo XLII de A Grande Síntese foi escrito: “(...) só
não apenas característica de alguns homens. Por isso é própria existe uma defesa extrema: o abandono de todas as armas. Ve-
também dos acusadores, que até ontem a usaram nas guerras. E remos mais tarde como”. E no caso que narramos, podemos ver
todos continuam prontos a usá-la hoje, na Terra, como o prova como. Podemos ver ali, nos fatos, como é possível tal absurdo.
a corrida armamentista. Como impedir que o homem continue Isto porque aquelas palavras significam o abandono das armas
a ser o salteador que foi o seu ancestral, transformando-o as- humanas, para substituí-las com outras, espirituais e mais pode-
sim de um só golpe em outro tipo biológico? Para evoluir são rosas, o que não significa, absolutamente, ficar indefeso.
necessários milênios, mas, somente evoluindo, o homem pode- No presente volume, recordamos atrás as palavras do Evan-
rá libertar-se das garras do animal de rapina, para conquistar a gelho: “Procurai primeiro o reino de Deus e Sua justiça, e todo
inteligência do ser consciente. Não se pode, portanto, impedir o resto vos será dado por acréscimo”. Outro absurdo para a psi-
que o passado sobreviva em parte, perpetuando-se no presente, cologia do mundo, contra a qual se ergue esta frase revolucio-
onde se realiza o novo trabalho de conquista. nária. Então, para não faltar o necessário à nossa vida, existe
E, assim como no comunismo, também tiveram de coexis- outro método, que não é o da luta desesperada em que o homem
tir no catolicismo dois termos opostos em contradição: de um está mergulhado na Terra, mas um método diferente, segundo o
lado o Evangelho, do outro, até ontem, o poder temporal e, qual o necessário, em vez de ter de ser extorquido do ambiente
hoje, o poder político e a riqueza. Estes últimos, no entanto, hostil pela força, pode ser obtido gratuitamente de Deus. Eis a
podem ser explicados como resíduos desse plano inferior de Divina Providência. Estudamos esse fenômeno no volume A
evolução, em que a maior parte da humanidade ainda vive, re- Nova Civilização do Terceiro Milênio, Capítulo XI. Enumera-
síduos ainda não eliminados, mas que o serão gradualmente. mos lá as condições necessárias para que o fenômeno se verifi-
Se isto foi um mal, a sabedoria da vida o permitiu porque, que e o auxílio desça efetivamente do Alto. Assim, foi possível
sem tais concessões, nesta natureza humana inferior, ainda aqui observar como essas condições foram postas e como o fe-
imatura para saber viver o Evangelho, este não acharia nin- nômeno se verificou de fato, dando prova da verdade daquelas
guém na Terra que o pudesse personificar, para fazê-lo chegar teorias, que acharam plena confirmação, quando, depois de te-
até nós. Trata-se, pois, de uma condição transitória, que foi rem sido enunciadas, foram vividas num segundo tempo. No fa-
feita para ser superada e que a evolução não pode deixar de to que expomos, a máquina funcionou verdadeiramente.
anular. Assim, não obstante a necessidade desse procedimen- O mundo apoia-se nas próprias forças, porque pouco confia
to, o Evangelho terá de realizar-se. Ele representa um ponto em Deus e em Sua Providência. Não crendo absolutamente que
de chegada, mas isto não pode impedir que um estado involu- a máquina possa funcionar, o mundo evita fazer essas experiên-
ído de animalidade constitua hoje seu ponto de partida. cias. No entanto a conquista de novos continentes foi devida aos
O certo é que, na luta entre o impulso unificador, que tende que tiveram a coragem de enfrentar todos os perigos das grandes
à ordem orgânica, e o separatista, que tende à desordem na re- navegações, assim como a conquista do ar deveu-se àqueles que,
volta, deverá vencer, por lei de evolução, o primeiro. O estado com risco da própria vida, ousaram deixar a segurança da terra
de organicidade atingido pelas células de nosso corpo nos prova firme para arrostar os perigos do vazio. Da mesma forma, a con-
a verdade desta afirmação. Essas células se conhecem e se aju- quista das forças do imponderável só pode ser feita por aqueles
dam mutuamente, superando todo egocentrismo separatista, pa- que, com consciência e conhecimento, lancem-se nos braços de
ra colaborar na realização dos objetivos do todo, de que fazem Deus, ousando experimentar novos métodos de vida, com a
parte. Ao contrário, os indivíduos humanos ainda não se conhe- aplicação de leis próprias de planos biológicos mais adiantados.
cem nem se ajudam mutuamente e, obedecendo à lei da luta pa- Em todo caso, é necessária grande coragem, porque se trata de
ra seleção do mais forte, chocam-se entre si, em vez de colabo- enfrentar o inexplorado; grande fé, porque é necessário conquis-
rar e subordinar as próprias atividades aos fins superiores do tar o desconhecido; muita inteligência, para não agir loucamente
organismo formado pela humanidade toda. No sentido da orga- e saber vencer todos os obstáculos e perigos.
nicidade, as células do corpo se acham, então, num estado mais Como se vê, as vicissitudes que estamos narrando e a inter-
adiantado em relação ao próprio homem como componente de pretação de seu significado têm bases sólidas, as primeiras em
uma coletividade constituída pela sociedade humana, que ainda episódios realmente ocorridos, a segunda nas teorias expostas
se acha, portanto, imersa no estado caótico, bem longe de ter e provadas na série dos volumes que precederam este. Até ago-
alcançado o futuro estado de superior unidade orgânica. ra, aquelas teorias só eram sustentadas pela lógica, pela verda-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 51
de de outras teorias aceitas pela ciência e por vários aspectos se fundamenta na coletividade organizada, em que a ordem ex-
da realidade que as confirmavam. Mas, agora, chegou esta clui absolutamente qualquer barulho de injustiças e lutas.
confirmação que estamos narrando e que assume valor muito Vamos dar um exemplo. No plano do involuído, o traba-
maior, porque se trata de um caso pessoalmente vivido. Por is- lhador é um derivado do escravo, para quem o trabalho é uma
so esta história deve ser contada aqui não só como exemplo, a condenação que o vencedor tem pleno direito de impor, tal
fim de encorajar os hesitantes a lançar-se no caminho do como se faz naquele plano a todos os fracos vencidos. Isto é
Evangelho, vivendo-o na prática, para tirar-lhe proveito, mas tanto mais verdadeiro, quanto mais, recuando na civilização,
também como uma demonstração prática da verdade das teori- nos avizinhamos do homem primitivo (o involuído), e tanto
as expostas naqueles nossos volumes, levadas assim à realida- menos, quanto mais, progredindo na civilização, aproximamo-
de cotidiana da vida, com sua aplicação concreta. nos do homem civilizado (o evoluído). Nos planos inferiores, é
Continuamente, todos os dias, ocorrem em nosso mundo essa a justiça, que sempre se faz de modo adequado ao nível
histórias de todo o gênero, igualmente vividas, que passam que se tenha atingido. Aquilo que constitui perfeita justiça num
inadvertidas, porque ninguém pensa em observar-lhes o senti- ponto da escala evolutiva, pode revelar-se integral injustiça
do. No entanto cada uma delas exprime um modo de conceber a num ponto mais avançado dela. De sua parte, o trabalhador,
vida e de aplicar as leis vigentes no plano biológico em que se que é do mesmo tipo biológico, corresponde, tornando-se ser-
move o homem. Nossa narração assume valor porque ao caso vo traidor. Este, pelo fato de ser um fraco, vencido, nem por
narrado é dado um sentido universal, já que nele vemos espe- isso renuncia à defesa de sua vida e a defende pelos caminhos
lhados muitos outros casos semelhantes, dos quais ele é apre- transversos da mentira, já que não o consegue abertamente pe-
sentado como um exemplo que sintetiza um modo de conceber los caminhos da força. Assim, patrões e empregados, dominan-
a vida e um modo de vivê-la. tes e dominados, movimentam-se todos no mesmo plano, se-
Por que o involuído e o evoluído, de que sempre falamos, gundo os mesmos princípios, e equilibram-se uns com os ou-
chocam-se aqui, ao invés de concordar? Isto é devido às suas tros, utilizando os mesmos métodos.
maneiras opostas de conceber a vida. O involuído, segundo a Ao contrário, no plano do evoluído, o estado de organici-
lei de seu plano, logo que entra em contato com o próximo, dade, desconhecido no precedente estado inferior, jamais faz
procura imediatamente mandar e submeter, impondo-se a to- do trabalhador um servo, mas sim um colaborador, um compa-
dos. Forma-se assim, então, a hierarquia do mais forte e do nheiro inteligente e de boa-vontade para seus superiores, todos
mais fraco, que representa o princípio que rege nosso mundo. igualmente cointeressados no bom êxito da mesma obra. Nada
Ao contrário, o evoluído, segundo a lei de seu plano, logo que de rivalidades nem lutas, com prejuízo de todos, mas distribui-
entra em contato com o próximo, procura compreendê-lo para ção inteligente de trabalho e coordenação de funções, com
colaborar com ele. Forma-se assim, espontaneamente, o siste- proveito de todos. No plano de organicidade, desaparece com-
ma orgânico. Involuído e evoluído são dois biótipos absoluta- pletamente a ideia de patrão e empregado, de dominador que
mente diversos, portanto é natural que o resultado de suas ati- manda e de fraco vencido que tem de obedecer. Desaparece,
vidades dê lugar a resultados totalmente diferentes, proporcio- assim, a ideia de opressão e exploração de um lado e ódio e re-
nados ao nível de evolução representado pelo plano de vida de volta do outro. O ódio tradicional entre empregado e patrão,
cada um deles. Tudo depende da natureza do biótipo, e cada organizado hoje como ódio de classe, demonstra quanto a hu-
um deles só pode produzir de acordo com o que é. Dos princí- manidade ainda está atrasada.
pios que regem a vida do involuído e da relativa forma mental Tudo isto terá que desaparecer com a evolução. Empregado
que o guia só pode nascer prepotência, luta, desordem, dor. e patrão estão hoje igualmente atrasados e precisam ambos ser
Não é esse o nosso mundo atual? Dos princípios que regem a civilizados. Somente quando o operário for tratado com mais
vida do evoluído e da forma mental que o guia só pode nascer justiça e inteligência, será possível obter-se que ele, ao invés de
harmonia, fraternidade, ordem, alegria. se revoltar e procurar trabalhar mal e o menos possível, esforce-
Com estas observações, procuramos compreender as pro- se para produzir melhor e o mais possível. Com a força e a im-
fundas transformações que a evolução trará à própria vida do posição, jamais poderá obter-se o que se obtém com a inteli-
homem. Por esse caminho, passa-se do estado horrível de nosso gência e a compreensão. Comparado aos resultados que se po-
passado, cuja memória amedrontadora ainda sobrevive quase dem conseguir com o trabalho do cointeressado colaborador, o
indelével na ideia do inferno, mais ou menos difundida em to- trabalho escravo produz frutos piores. Mas o atual estado, que
das as religiões, a um estado belo, cuja presença no futuro o envolve empregado e patrão na mesma forma mental, só poderá
homem intuiu instintivamente com a ideia de paraíso, que as re- transformar-se gradualmente, pelo lento trabalho da evolução,
ligiões nos prometem amanhã, se soubermos ser bons, ou seja, no estado diferente do evoluído, em que os mesmos patrões e
se nos tornarmos evoluídos. Trata-se efetivamente de passar do empregados conviverão diversamente, de acordo com outra
estado de involuído pelo qual se vive num mundo caótico, forma mental. Então o patrão não será o dominador que procura
onde, porque tudo é inimigo, então se mata e se destrói, pois egoisticamente desfrutar, mas o diretor inteligente que faz a
morte e destruição do que é inimigo significa a própria vida e parte mais difícil do trabalho, que o operário não sabe fazer e
vantagem fase evolutiva superior, do estado de evoluído, reconhece o valor. Assim, todos se tornarão as diferentes en-
pelo qual se vive num mundo harmonizado, onde, porque tudo grenagens de uma máquina, ligados pela mesma organicidade
é amigo, então não se mata nem se destrói, pois morte e des- do todo, cointeressadas em colaborar sem lutas nem atritos.
truição do que é amigo significa a própria morte e prejuízo. Ora, obstruindo-se o bom funcionamento dessa máquina, have-
Passar do plano animal da luta pela vida ao plano orgânico rá grave prejuízo para todos, isso, portanto, deve merecer todo
da colaboração inteligente significa mudar completamente as o cuidado de todos, para ser evitado.
condições de vida. Passar do mundo do involuído ao do evoluí- Assim, uma das grandes consequências é aprender a sair do
do significa sair da desordem para entrar na organicidade, ou estado atual de animalidade, próprio do involuído, onde tudo é
seja, num estado resultante de um novo modo de conceber a vi- dominado pela luta. Esta é a qualidade essencial do Anti-
da, pelo qual as posiç es de relação social antes feitas em Sistema, enquanto a harmonia é a qualidade oposta, própria do
grande parte de prepotência e injustiça, que só produzem divi- Sistema. Quanto mais se elimina a luta, mais se sobe para o Sis-
são no tormentoso barulho de rivalidade e lutas assumem na tema. O grau de evolução atingido é medido pelo grau com que
nova organicidade a função coesiva, sobretudo de unificação. foi eliminado o separatismo e alcançada a unificação. A potên-
Se a vida antes se baseava só no indivíduo, nesta nova fase ela cia em que vive a luta em nosso mundo é índice claro de quanto
52 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
ele ainda está atrasado. Aqui, tudo se faz em função da luta, que Difícil e muito lento, porém, é abolir o instinto escravagista, que
reaparece a cada momento, em todas manifestações da vida. pode subsistir por séculos, mesmo depois de terem sido abolidas
Em todos os campos, é mister levar em conta sempre este prin- aquelas leis. No primeiro caso, trata-se de um fato jurídico-
cípio do mais forte que quer vencer a todos. Conquista-se o po- social, apenas uma mudança de posições diante das leis huma-
der, a riqueza, os altos graus sociais, sempre para dominar a lu- nas. No segundo caso, trata-se de um fenômeno biológico, de
ta como vitoriosos. Política, comércio, religião, sob todas as maturação evolutiva, que tem de chegar a transformar os instin-
aparências, são substancialmente utilizados como meios para tos, processo esse lento, de elaboração profunda e difícil de con-
vencer na luta pela vida. E, em todos os tempos, lugares e posi- seguir, só alcançável pela educação através dos séculos.
ções sociais, é obedecida esta lei, que é a lei do plano biológico Dizemos isto apenas para explicar como, em certo momen-
em que a humanidade está situada. to, começou o esmagamento de nosso sujeito por parte dos que,
Mas a evolução não é uma palavra vã, e sim a grande lei da ao contrário, deveriam ajudá-lo, para alcançar um objetivo co-
vida. E é tão poderosa, que terá força para destruir tudo isto, mum. Esmagamento providencial afinal, porque fez manifesta-
transformando a humanidade. O caminho fatalmente se dirige rem-se as forças do Alto, cuja intervenção tornou-se um fato
do Anti-Sistema para o Sistema, ou seja, da fase de involuído à indispensável para salvar seu instrumento. Este oferecera o fru-
de evoluído. O fato de que, no passado, a vida percorreu seu to de seu trabalho no sentido de colaboração, segundo a psico-
caminho nesta direção, autoriza-nos a admitir que continuará logia orgânica do seu próprio plano de vida. Responderam-lhe
ainda a percorrê-lo na mesma direção. Podemos dizer que o com a psicologia egocêntrica, separatista, antiorgânica e antico-
mineral está para a planta assim como a planta está para o ani- laboracionista, própria de outro plano de vida. Daí as raízes
mal, o animal para o animal-humano (o involuído) e este para o bem profundas do choque que temos estudado, pois seu signifi-
super-homem do futuro (o evoluído). cado vai além desse caso particular e adquire valor universal,
Andando do Anti-Sistema ao Sistema, a vida caminha para dizendo respeito a todo o fenômeno da vida.
Deus. Por isso, quanto mais a vida progride com a evolução, Avizinhamo-nos sempre mais do momento resolutivo do
tanto mais se racionaliza, transformando-se de confusão desor- fenômeno. De um lado, as forças humanas, que têm pressa de
denada num processo lógico, em que se revela cada vez mais concluir, buscando submeter para dominar, segundo a psicolo-
claramente a inteligência de Deus, que permaneceu latente em gia de seu plano. Do outro lado, as forças do Alto, constrangi-
tudo, escondido na mais íntima profundidade, donde dirige e das se não quiserem ficar vencidas na Terra a entrar em
rege seu progresso. A passagem que hoje se verifica, do caos à ação e descer em nosso plano humano, para se manifestar nele,
ordem não consiste apenas uma arrumação das formas, mas exteriormente visíveis, saindo do mistério, em cuja profundida-
também dos princípios que as regem; não é só uma reorganiza- de geralmente se escondem. É justamente esse fato que torna o
ção da desordem do caos, uma reunificação do separatismo que fenômeno interessante. Trabalhando no terreno das causas, as
pulverizou tudo, mas também uma racionalização da existência forças do Alto são mais ativas no centro do que na periferia,
em todas as suas formas e funções. Indubitavelmente, a vida porque, sendo mais evoluídas, estão mais próximas de Deus.
evolui, desenvolvendo no homem o sistema nervoso e cerebral. Em nosso mundo, portanto, dificilmente se revelam de modo
Dizem os biólogos que, em relação ao selvagem, a matéria cin- claro, no terreno dos efeitos, que parecem emergir de uma ati-
zenta do cérebro do homem civilizado é maior e de diferente vidade escondida nos interiores subterrâneos da vida. Segue-se
estrutura. A evolução complexifica e aperfeiçoa a estrutura ce- daí que vivemos num mundo de efeitos, na superfície dos fe-
rebral. É nessa elaboração do órgão do pensamento que se ma- nômenos, sem saber ver na profundidade suas causas determi-
nifesta, no plano físico, a correspondente elaboração da forma nantes, desconhecendo o porquê de seu aparecimento no plano
mental do ser, levando a um paralelo complexificar-se e aper- em que vivemos. Para chegar a tanto, é mister possuir bem de-
feiçoar-se do pensamento que a vida dirige. Assim, esta se tor- senvolvido o olho interior da vista introspectiva, e isto presume
na tanto mais racional e lógica quanto mais evolui. Qualquer um grau de madureza evolutiva que raramente é alcançado.
homem inteligente compreende quanto seja estúpido e contra- Ora, no caso que estamos narrando, suas condições especiais
producente o sistema de rivalidade e luta contínuas. A evolução tornaram necessária na Terra uma tão ativa e manifesta inter-
desenvolve qualidades novas, unidas, que brotam juntas: ao in- venção das forças do Alto, que nos permitiu, mesmo olhando
vés da desordem, a organicidade; ao invés do separatismo, a apenas com os olhos comuns da psicologia humana, assistir ao
unificação; ao invés da luta, a colaboração; ao invés da estupi- fenômeno, geralmente escondido, da descida daquelas forças
dez do ignorante que caminha por tentativas, a inteligência de numa batalha aberta e evidente, a ponto de nos revelar toda a
quem conhece e sabe atingir seus fins. A organicidade para a sua estratégia. Caso raro, de que nos aproveitamos para pene-
qual a evolução leva o mundo implica, por sua natureza, em se- trar cada vez mais nos mistérios desses fenômenos e na técnica
res racionais e presume a inteligência. Essa forma de vida não desconhecida de seu funcionamento.
poderá deixar de ser alcançada pelo homem coletivo do futuro, Três são os elementos que, neste momento, encontram-se
que chamamos de evoluído. em campo: 1) as forças humanas lançadas ao ataque, para sub-
◘ ◘ ◘ meter o instrumento aos próprios fins; 2) as forças do Alto, que
Estendemo-nos um pouco nestes comentários, para compre- intervêm na luta, impondo-se a todos os impulsos contrários,
ender melhor o caso que estamos narrando. Nosso homem fora para que se chegue ao completo cumprimento dos próprios fins;
chamado para trabalhar num ambiente composto em grande par- 3) o instrumento humano, agredido pelas forças humanas e de-
te por elementos de outro plano biológico, que possuíam, por- fendido pelas do Alto, desarmado e triturado entre os dois po-
tanto, a forma mental relativa a este nível, bem diferente da sua. derosos antagonistas, donos do campo de batalha. Observemos
Achou-se, pois, diante não daquela que era a sua natural psico- os momentos de cada um.
logia, de colaboração inteligente para vantagem comum, mas Diante do poder dos dois antagonistas um, coalizão de
sim de uma psicologia de luta, na qual só ao mais forte, melhor meios e astúcias humanas; outro, sábio dominador das leis da
colocado, cabe o direito de mandar, enquanto a ele cabia o dever vida o instrumento humano quase desaparece em sua insigni-
de obedecer. Por essa psicologia, quem oferece o próprio traba- ficante pequenez. Que pode ele sozinho, tão pequeno entre gi-
lho coloca a si mesmo na posição de servo, e quem aceita a ofer- gantes, nessa luta de dois planos de vida, nesse choque cósmi-
ta alheia arroga para si próprio o pleno direito de mando. Infe- co pela vitória das forças do bem contra as do mal? Que defesa
lizmente, a abolição da escravatura é um fato recente na história. própria pode possuir ele, se evangelicamente desarmou-se,
É relativamente fácil e rápido abolir as leis sobre a escravidão. abandonando todas as armas? O mundo poderá facilmente
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 53
vencê-lo e submetê-lo. E, de fato, o mundo crê em suas armas, O desenvolvimento de uma missão não pode ocorrer isolado,
tendo plena confiança em seu poder, e, armadíssimo com elas, confiado apenas a forças humanas, e muito menos depender so-
está seguro de vencer. Mas aqui se revela sua ignorância e co- mente do instrumento, que, apesar de representá-las, é apenas
meça seu erro. Então o jogo se torna sutil, tanto que o mundo instrumento. Para a missão alcançar seu total cumprimento, na
não o compreende e cai vítima dele. Fechado na psicologia de longa estrada que deve percorrer, ela é preparada, acompanhada
seu plano de vida, preso às miragens que os instintos inferiores e dirigida por uma inteligência superior, que, por meio dela,
lhe fazem parecer verdadeiras, o mundo não compreende que o quer atingir seus objetivos, conhecidos somente por esta inteli-
desarmado homem evangélico esteja assim só aparentemente, gência, em função de planos que o homem ignora. Ainda que os
ou seja, só para quem não possui sentidos sutis para ver; não outros ao redor não vejam, porque não podem perceber, o ins-
compreende que, ao contrário, aquele homem está armadíssi- trumento sente a presença dessa inteligência, que o guia e, a ca-
mo, mas com armas diferentes, que não se conhecem, porque da passo, apresentando e movimentando as pessoas adequadas
estão situadas no imponderável. para realizar cada uma, mesmo sem o saber, a parte que deve,
É lógico que o instrumento, tendo-se posto a funcionar num provê o necessário e amadurece os acontecimentos no sentido
plano de vida mais alto, usufrua as leis deste e ache à sua dis- preciso, segundo os planos preestabelecidos. O instrumento sabe
posição defesas e poderes que não chegam aos habitantes dos que, embora não o conhecendo todo, existe um plano que fatal-
planos inferiores. E, então, quem se colocou verdadeiramente a mente deve realizar-se até o fim, pois apesar de todos os obstá-
serviço das forças do Alto é protegido por elas como coisa que culos, ninguém poderá jamais vencer as forças do Alto, que di-
lhes pertence, necessária à obtenção de seus objetivos. Verifica- rigem aquele plano. Porquanto o fenômeno se desenvolve tam-
se assim o incrível fato de que o homem evangélico parece en- bém dentro dele, o instrumento, que vive com os olhos abertos,
contrar-se indefeso aos olhos cegos do mundo, enquanto está de tem meios para observar mais de perto como trabalha essa inte-
fato muito bem armado. Como consequência disso, o mundo ligência, inspirando-o, avisando-o com antecedência, impelindo-
comete o grave erro de acreditar que combate um desarmado e, o por certos caminhos e, depois, chegando com a ação no mo-
desconhecendo o inimigo, acaba por subestimá-lo. Assim, diri- mento preciso, na forma adequada e na medida exata para o fim.
ge os golpes com uma estratégia completamente errônea, sem Por mais que o motor íntimo procure ficar escondido, essa pre-
atingir o alvo, o que o leva não à vitória, mas à derrota. vidência e proporção nos fatos derivados dele resulta por demais
Cegueira e ignorância, falta de inteligência e de sensibiliza- evidente para não impressionar o observador atento.
ção de longo alcance, são as qualidades precípuas do involuído. O acaso é desordenado, não opera com exatidão e sincro-
As forças do ser, quanto mais ele sobe com a evolução, mais se nismo, nem se dirige constantemente na mesma direção. No ca-
sutilizam e se aguçam, tornando-se mais penetrantes e sábias, ao so em estudo, trata-se de fatos positivos, e é necessário encon-
passo que, quanto mais ele desce, involuindo, tanto mais consti- trar uma explicação para eles, que, sendo de natureza inteligen-
tuem elas um desordenado desencadear-se de impulsos primor- te, não podem ser entendidos senão pela presença de uma inteli-
diais, cega explosão, que não é dirigida por nenhuma inteligên- gência da qual derivem. Quem vive verdadeiramente uma mis-
cia, incapaz, portanto, de atingir qualquer meta. Eis os dois tipos são, como no caso já mencionado, não pode deixar de perceber a
de forças que podemos observar aqui, colocadas uma diante da coordenação de movimentos, que certamente não dependem do
outra. Historicamente, no desenvolvimento das missões, o mun- instrumento, porque estão além de suas forças e conhecimento.
do deu, muitas vezes, prova da mais completa incompreensão, Sobre esses movimentos, ele não quer absolutamente influir,
aceitando-as somente por imposição das forças do Alto e apenas sem jamais prepará-los com planos e vontade próprias. Trata-se
depois de havê-las primeiramente negado e condenado. de movimentos amplos, longos e complexos, que revelam pres-
Foi assim, por cegueira, que, no caso narrado, os práticos da ciência e poder, porque não cometem erros e vencem todos os
vida, os positivos do mundo, não viram que existia no instru- obstáculos. Assim, o cumprimento de uma missão torna-se um
mento uma missão verdadeira e, muito menos, que ela pudesse grande milagre, constituído de muitos milagres menores encade-
significar uma real intervenção das forças do Alto. De tantos ados, compostos por inúmeros fatos humanamente inexplicá-
crentes, em tantas religiões, quem crê realmente que isto possa veis, que geralmente não ocorrem e têm algo de prodigioso. Tu-
acontecer? O mundo só crê seriamente em seus meios e bem do isto surpreende pela forma orgânica com que se apresenta,
pouco nestas forças distantes, que, para ele, são hipotéticas. pela logicidade do seu desenvolvimento e pela precisão de seus
Quem sente realmente o poder das coisas espirituais Quando movimentos. Estes são fatos positivos, que não se podem negar
se fala de missão, acredita-se que se possa dobrá-la a serviço e que seria loucura atribuir ao acaso. E então?
dos pequenos objetivos particulares, apoderando-se coisa fa- Como pode vencer em nosso mundo feroz um ser desarma-
cílima de um instrumento desarmado. Sua docilidade e sim- do, que só quer abrir seus braços a todos? E, se não está nele,
plicidade os levou ao erro, pois acreditaram que isto fosse tudo onde se encontra o poder que o faz vencer? Quem faz convergir
e nada houvesse por trás delas. Atraídos instintivamente pela tudo, até os ataques e as resistências, para o cumprimento da
miragem da facilidade da presa, os homens do mundo comete- missão? Se não podemos explicar os fatos senão admitindo a
ram o erro de crer que podiam a seu bel-prazer deter esse mo- presença de uma inteligência superior, eles constituem uma
vimento, paralisar uma missão desejada pelo Alto, sem nem se- prova da presença do Alto naquela missão, que então só pode
quer imaginar contra que forças combatiam, ignorando que não ser verdadeira. E o Alto, com sua assistência, confirma, subs-
tinham nenhuma possibilidade de triunfar. creve e avaliza toda a Obra, que se cumpre através daquela mis-
Na estratégia do lado humano acumularam-se erros sobre são. Então, se tudo isto vem da parte de Deus, que podem as as-
erros. É perigoso, ao tratar das coisas do espírito, acreditar que túcias e poderes humanos contra ela? Só assim podemos expli-
se possa utilizá-las para fins humanos, com intenção de domí- car os fatos que narramos.
nio, empregando os métodos comuns, sem saber quais reações ◘ ◘ ◘
podem nascer delas. Quando os homens do mundo, acreditando O mais difícil de se fazer compreender é a realidade dessa
que já havia chegado a hora da colheita e sentindo-se seguros presença das forças do Alto, bem como mostrar que não estamos
da vitória, forçaram os acontecimentos para alcançar seus obje- repetindo aqui o costumeiro sermão moralizante, mas que fala-
tivos, chegando assim a ponto de ameaçar a missão, paralisan- mos seriamente de fatos reais, impossíveis de se explicar senão
do-lhe o cumprimento, eles mesmos tornaram necessária a in- por aquela presença. Ter de render-se à evidência dos fatos, re-
tervenção das forças do Alto. Nesse momento, apareceu a mão conhecendo que Deus está perto e trabalha ao nosso lado é uma
de Deus, que milagrosamente inverteu a situação. das mais emocionantes e irresistíveis experiências da vida. Es-
54 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
tamos por demais habituados em nosso mundo à repetição des- tando enganar a Deus e vencer o próximo, mesmo se pensarmos
ses belos conceitos muitas vezes, sem absolutamente acreditar que estamos agindo impunemente, em proveito próprio, isto não
neles a ponto de, quando percebemos que eles são mesmo ver- nos libertará absolutamente das consequências, que teremos de
dadeiros, achar que nos encontramos diante do incrível. Sentir pagar fatalmente. A quem faz o mal não adianta paralisar o
que Deus existe de fato coisa em que pouquíssimo se pensa e ofendido, porque isto não paralisa a lei de justiça de Deus. E o
perceber Sua presença ativa em nossa vida, quando se sabe o perdão adianta apenas para quem recebeu o prejuízo, mas não
poder de que Ele dispõe, deixa-nos amedrontados e nos aniqui- pode deter aquela justiça nem a necessidade do pagamento.
laria, não fora a confiança que, ao mesmo tempo, Sua bondade Acreditar que se possa, com a astúcia, escapar às sanções
nos inspira. É uma sensação que não pode ser transmitida, uma da justiça de Deus é erro grave, que se paga caro. Julgar como
experiência que só quem experimentou sabe o que significa. um pobre imbecil que não conhece a vida o homem simples e
Em nosso mundo, é possível ser obrigado a viver entre gen- honesto que segue o Evangelho, não é sabedoria, mas ignorân-
te que, apesar de julgar mentirosas nossas palavras, quer apa- cia. Julgar que a verdade seja uma mentira e que constitui uma
rentar que acredita nelas, enaltecendo-as como verdadeiras, as- astúcia não acreditar nela, deixando isso só para aqueles julga-
sim como entre gente que diz mentiras, mas exige que nelas se dos ingênuos, e defender virtudes e ideais para que sejam vivi-
creia como verdade. Mas que fazer diante do primitivo, se es- dos somente pelos outros significa ser o mais ingênuo de to-
tas ideias superiores lhe escapam no inconcebível e essas reali- dos, porque, querendo enganar aos outros, está enganando a si
zações complexas de longo prazo lhe parecem absurdas, en- mesmo. Neste mundo de mentiras, é fácil imitar o estilo do
quanto lhe atrai, como certo e positivo, a vantagem imediata, verdadeiro instrumento e realizar os próprios negócios em no-
além do que seus olhos nada veem? Escapa ao involuído a or- me de Deus. E é fácil cair nesse jogo, porque é o que requer
ganicidade de operação a longo prazo, que presume a previ- menos esforço e é mais rendoso. Muitos, porém, nem suspei-
dência de longo alcance e só pode ser própria de uma forma tam que ele também seja perigoso. Esse não é um problema
mental evoluída, complexa e profunda. O primitivo, filho de desta ou daquela religião, porque pode ser feito em todas as re-
um ambiente de caos, onde não é possível prever nem organi- ligiões, mas é um problema do homem, que se encontra em to-
zar, apega-se ao que pode segurar com as mãos no instante que das as religiões e, em qualquer de suas formas, pode igualmen-
foge, ficando todo o resto imerso no mistério. A ignorância te procurar zombar de Deus.
desse tipo biológico justifica sua conduta, e sua conduta prova Nada disso significa que as forças do bem não são senhoras
sua ignorância. Se ele só acredita na força, em sua força, e não de tudo a qualquer momento, tanto que até essas resistências e
é capaz de compreender mais, como impedir que se apegue só atritos são utilizados por elas em proveito próprio. Assim, no
a ela, sem sequer suspeitar o quão próximo esteja do infinito desenvolvimento de uma missão, vemos serem chamados para
poder de Deus, que só poderia alcançar se soubesse disso? Se- dar algum tributo útil também os elementos negativos. Os ho-
ria como querer, a um caminhante fatigado, que sobe uma mens são diferentes, e a técnica divina é sábia. Ela sabe, pois,
montanha, explicar que nos espaços o movimento é gratuito e tirar partido das diversas qualidades de cada um, para fazê-los
se realiza continuamente sem esforço. Como fazê-lo compre- realizar os trabalhos mais diversos, mesmo permanecendo justa
ender que tanta luta para vencer, demonstrando ser o mais for- para com todos. Por isso, para os que se movem apenas pelas
te, é puerilidade inútil diante do grande poder de Deus e de atrações materiais, Deus usa a técnica da miragem, como já vi-
Sua lei, contra a qual não há força humana que possa vencer? mos. Que outra forma haveria para induzi-los a cooperar, senão
E o homem continua assim encadeado à sua fadiga, imerso no tocando as únicas teclas às quais responde o indivíduo, senão
infinito poder divino, sem sequer suspeitar de sua existência. apoiando-se nos instintos que ele está pronto a seguir, senão
Mas, nem mesmo por isso, pode-se impedir que ele continue a oferecendo as ideias que sua forma mental pode compreender?
sofrer, até que a dor lhe aguce a mente e ele possa aprender. Assim ele se põe a correr atrás da miragem e faz um trabalho
É inútil explicar para fazer compreender. Quem está habitu- que, de outra forma, jamais faria.
ado à mentira, porque a considera uma arma necessária para vi- Poder-se-ia pensar que, então, Deus estaria enganando es-
ver, só se sente seguro repetindo-a, escondendo o próprio pen- ses homens? Mas quem os obriga a cair na ilusão? Não está o
samento verdadeiro e acreditando que sejam mentiras as belas mundo cheio de sermões que os avisam para confiar e preferir
palavras de quem lhe quer ensinar a verdade. Pode ser útil dar a as coisas eternas do espírito? Por que então eles só querem
impressão de que acredita nelas, mas ele está convencido de crer nas coisas da Terra? São eles que escolhem crer nas ilu-
que seria loucura acreditar mesmo e agir de acordo. Então, apa- sões como coisa real, e na realidade como ilusão. Eles querem
rentar que acredita pode trazer proveito material, porque aque- isto com tenacidade, resistindo a todas as exortações e expli-
las mentes veem razões para poder utilizar tudo, até Deus, em cações. Até mesmo acreditam-se sábios, quando se rebelam
proveito próprio. Com efeito, esta é a única coisa positiva que contra elas, imaginando com isto não cair numa armadilha que
existe na Terra. O resto é mistério, objeto de fé para quem lhes é estendida para enganá-los. Como raciocinar com eles,
acreditar, coisa nebulosa e distante, da qual nada se sabe como como esclarecê-los acerca do verdadeiro estado das coisas, se
certo a respeito. Com efeito, em todas as religiões, se, em vez eles partem do princípio de que não é verdade o que se lhes
do que professam os homens, olharmos seu modo de agir, não diz e que seu proveito está em não se deixar enganar pela ver-
dá o mundo provas de verdadeiro ateísmo? E quem sabe se, por dade, que eles julgam mentira?
vezes, em substância, não pertencem a esse materialismo reli- Se caem na miragem, não é porque Deus os engane, mas
gioso até mesmo os mais ortodoxos, formalmente perfeitos? porque eles mesmos querem enganar a si próprios. Enquanto, à
Mas há um fato que torna inútil e até perigoso todo este jogo, força de sofrer, não tiverem aprendido a compreender que se
que se reduz a uma astúcia pueril, filha da ignorância. Deus e trata de ilusão, eles não poderão sair da própria ignorância. O
Sua lei de justiça existem realmente, mesmo se neles não se crê. problema está dentro deles, e só eles podem resolvê-lo, porque
Existem independentemente de nossa fé, como a luz existe inde- tudo é devido a seu estado de involução, do qual não poderão
pendentemente de nossos olhos. Se não vemos, pior para nós. sair senão por meio de seu esforço e sacrifício, para evoluir. A
Não podemos destruir a luz, recusando-nos a querer ver. Tudo miragem não é criada por Deus, mas pela ignorância deles, e só
fica no momento. O que de fato ocorre é que, se não vemos, ba- poderá desfazer-se quando essa ignorância for eliminada. Tudo
temos com a cabeça na parede, e, então, o prejuízo será nosso. depende de sua posição ao longo da escala evolutiva, que os le-
Quem faz o mal, em última análise, o faz a si mesmo. Enquanto va a obedecer cegamente aos instintos de egoísmo e cupidez,
não compreendermos isso e continuarmos a fazer o mal, acredi- próprios de seu plano de vida. E, para sair dos próprios instintos
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 55
e de todas as consequências a que levam, é necessária profunda teligência, mas também com profunda sabedoria e justiça. Na
renovação do ser. Mas é justamente contra isso que muitos se ação, há tempestividade, previdência, exatidão, ordem e pro-
rebelam, tão mergulhados estão na ilusão de crer que sua maior porção; os auxílios descem adequados às pessoas, demonstran-
sabedoria e vantagem consistem justamente em realizar essa do perfeito conhecimento do ambiente terrestre, da alma huma-
rebelião. E, assim, cada vez mais mergulham na ilusão. Não é na e do rendimento útil que cada um pode dar. Muitos são
Deus que lhes diz para aceitarem a miragem, a fim de recebe- chamados a trabalhar na missão, e cada um só faz a parte que
rem uma recompensa. São eles que aplicam a tudo sua psico- sabe fazer, segundo seus recursos. Se este se comporta bem, é
logia e, por força disso, lançam-se na ilusão. São eles que cada vez mais incorporado ao trabalho. Mas se quiser torcê-lo
sempre agiram assim e querem continuar a agir assim. E en- para outros fins seus, revelando-se elemento negativo e con-
contrarão o único pão de que necessitam: a desilusão, único traproducente, então, conforme a justiça, é pago o que lhe cabe
meio para fazê-los compreender que escolheram um caminho pelo trabalho feito e lançado fora da obra, que não tem o direi-
errado e que precisam escolher outro melhor. Deixados livres to de prejudicar. Não se nega a ele o pagamento justo, tão jus-
para se submeterem, à vontade, àquelas experiências que lhes to, que resulta da própria natureza do trabalho prestado, como
agradam, encontram, no fim de cada uma, a lição salutar corre- o indivíduo livremente quis executá-lo. Se o fez sem nada ha-
tiva que os instrui com a experiência e os impele a um cami- ver compreendido, essa ignorância não é casual, mas devida ao
nho melhor, onde poderão encontrar a ansiada felicidade. O seu próprio baixo grau de evolução, fato também merecido se-
pão verdadeiro que pode saciar sua fome está pronto, mas eles gundo a justiça. As vantagens da compreensão que nos vêm da
não o veem. Assim, o fato de serem utilizados como instru- inteligência devem ser conquistadas por nós mesmos, com
mentos ignaros na realização de uma missão os coloca diante nosso esforço e fadiga para evoluir.
desse pão, para que ao menos olhem para ele, oferecendo-lhes Outra maravilha dessa estratégia é que consegue utilizar
uma oportunidade que podem aproveitar para melhorar a si a favor de seus fins também as forças contrárias, fazendo
mesmos. Nova e preciosa experiência. Mas se quiserem recu- trabalhar para o próprio triunfo também o inimigo. E esta é
sá-la, para tornar a mergulhar em seu mundo, então é bem jus- mais uma prova de que se trata da descida de forças do Alto,
tificada sua expulsão do terreno da missão, aonde puderam en- porque só as forças do bem são senhoras das forças do mal,
trar, mas ao qual não lhes é permitido trazer destruição. e não ao contrário; só Deus é senhor do mundo, e não o
Poderia ainda ser objetado que, se eles fazem um trabalho, mundo senhor de Deus.
então a justiça de Deus deve pagar-lhes. Certíssimo. E, por justi- Eis o que nos mostra e ensina esse choque que estamos ob-
ça, são pagos com a qualidade e quantidade de moeda que cor- servando e seu resultado final. Poderão ser chamados, assim,
respondem ao trabalho realizado. Assim, recebem sua compen- também indivíduos capazes de fazer o mal. Mas, se o quiserem
sação terrena na forma de vantagens materiais, como procura- fazer, esse mal recairá sobre eles mesmos, que deverão pagá-lo
vam, já que outra coisa não buscaram, e estas, na quantidade à divina justiça, enquanto, para a obra, ele se transformará em
merecida. Com isto, são pagos e, uma vez pagos, estão fora do trabalho útil e servirá para a vitória do bem. Surpreendente téc-
trabalho e não mais pertencem a ele. Está assim perfeitamente nica de inversão de valores, que constitui verdadeira maravilha
justificada a expulsão desses elementos, que só tomaram parte da estratégia das forças do Alto, consistindo em saber fazer luz
nele para outros fins, elementos negativos em relação à missão e com as trevas. E, no fim, cada um é pago conforme trabalhou.
que, se aí permanecessem, a prejudicariam. Se algo fizerem pelo De forma positiva, trabalhou-se de modo positivo em favor da
ideal, foi sem querer e sem saber, portanto não podem atribuir obra, e de forma negativa, trabalhou-se de modo negativo con-
mérito algum para si. Acreditavam fazer coisa totalmente dife- tra sua realização. Assim, com Sua lei, Deus é sempre Senhor
rente do que, pela vontade de Deus, fizeram. Assim, no caso de- de tudo. Só assim podemos explicar aquela obra de infinita sa-
les, estabelece-se perfeitamente a lei de justiça, pois, acreditan- bedoria, representada pelo fato de, através do erro, caminhar-se
do-se astutos e tendo buscado enganar, para utilizar tudo para si, para chegar à verdade e, por meio da atividade das forças nega-
acabam afinal enganados, sendo utilizados para outros fins, para tivas da destruição, alcançar-se uma produção útil, que é dada
os quais, se os tivessem conhecido, não teriam movido um dedo. pelo trabalho próprio das forças positivas da construção.
Eis como foram servidos os práticos da vida, os positivos do
mundo, que, acreditando estar bem firmados no real, julgam so- X. A VITÓRIA DO AMOR
nhos os ideais e iludidos os que trabalham por eles. Estamos
sempre observando a técnica funcional do fenômeno da descida Em nossa história, chegamos ao momento decisivo, em
das forças do Alto, para tornar possível na Terra a realização de que as forças opostas lançam o ataque, para impor ao fenôme-
uma missão. Que prova maior da efetiva presença dessas forças, no diretivas próprias. Então, surgindo o perigo de ser a missão
do que uma ação conduzida com tão perfeita estratégia, tão desviada do plano preestabelecido, o Alto tem necessariamen-
cheia de sabedoria e justiça? Vemos aqui como realmente traba- te de intervir, mostrando-se exteriormente, de modo claro, na
lham as forças do Alto e como de fato opera a Divina Providên- ação, fato que tornou possível a observação de sua atuação e
cia. Quisemos colhê-las neste momento especial, em que, para depois a presente descrição.
atingir seus objetivos, elas foram constrangidas a sair do segredo Os dois exércitos se defrontam, prontos a empenhar-se na
em que se escondem geralmente, tendo de nos revelar, assim, última e decisiva batalha. De um lado, o exército humano, tan-
não apenas sua presença, mas também a maravilhosa técnica de gível, armado de todos os meios, organizado e poderoso na Ter-
sua estratégia e método de ação. Desse modo, com a atenta e ín- ra, pela riqueza de recursos, pelo conhecimento do ambiente,
tima observação, conseguimos ver muitas coisas que nos mos- pela coalizão de forças e pela finura de astúcias. Do outro lado,
tram como Deus trabalha entre nós. E os frutos desta observação aparentemente, nada mais que um desarmado, evangelicamente
estamos comunicando ao leitor, para que também ele veja a ma- simples, sozinho, fraco, pobre, sem conhecimento do ambiente,
ravilha da presença de Deus em meio às coisas humanas. um desgraçado que parece quase se oferecer como um convite
No caso que estudamos, verificamos a inegável existência para que o outro o vença. Por trás daquele desgraçado, porém,
de um plano preestabelecido, que se vai realizando, protegido estava o exército invisível das forças espirituais, armado de ou-
por uma força que dá prova de ser poderosa e inteligente, tanto tros meios, organizado e poderoso no céu, com recursos e co-
que sabe vencer todos os obstáculos. Tem seus fins precisos a nhecimento bem diferentes.
atingir e dá prova de sabê-los alcançar a qualquer custo. Esse As forças humanas se aliaram e, com seus métodos, puse-
trabalho é realizado não só com poderosos meios e superior in- ram-se em ordem de batalha. Seu plano estava bem estudado.
56 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Prepararam para o desarmado caminhos sem saída, de modo dado, com prejuízo todo seu. O fato de haverem preparado pa-
que ficasse preso neles, e também caminhos com uma única ra o desarmado estradas sem outra saída que não a derrota
saída, que o levariam à derrota. A conclusão era sempre a independente do que ele fizesse fechou aqueles homens em
mesma: ou agir de uma forma e ficar irremediavelmente perdi- estradas sem outra saída senão a derrota. Esta é a lógica impos-
do, ou fazer de outra modo e ficar igualmente perdido. Em ta pela justiça, tão logo se sobe a um nível evolutivo mais alto.
qualquer caso, deixá-lo vencido para poder dominá-lo. Tudo No mundo da justiça, a inversão produz inversão. As forças
estava organizado e previsto para constrangê-lo à submissão. É negativas só podem trabalhar em sentido negativo, ou seja,
a caça que encurrala a vítima para a armadilha em que ela “de- contra si mesmas e em favor das forças positivas. Se essas for-
ve” cair de qualquer forma. O desarmado estava, pois, vencido ças negativas pudessem trabalhar construtivamente em favor
de saída, e a parte oposta podia contar com a certeza da vitória. próprio, elas já não seriam negativas, mas positivas, e a técnica
Não havia, portanto, necessidade de salvar as aparências, uma de sua ação, então, seria a oposta.
vez que seus autores se acreditavam invencíveis e avançavam Verificou-se desta maneira um fato estranho. Na Terra, a
seguros do triunfo, a ponto de permitirem a possibilidade da verdadeira batalha foi feita por uma só das partes, ou seja, pelas
descoberta de seus próprios planos. forças negativas contra si mesmas, para se autodestruírem. As-
Mas foi justamente essa afoiteza deles, decidida a arrasar sim, enquanto cada movimento daquele lado se resolvia com a
qualquer obstáculo, que obrigou o Alto a intervir de forma evi- produção de dano para quem o realizava, o desarmado não
dente. Entrou em jogo então, no sistema de forças do fenôme- combatia e, utilizando o sistema evangélico da não-reação, li-
no, um elemento completamente não previsto pela parte contrá- mitava-se a observar como as forças negativas ficavam presas
ria, que deslocou toda a situação. Deixando-se dirigir pela psi- na própria rede e trabalhavam intensamente para a própria eli-
cologia humana e pelos únicos elementos à disposição desta minação. No entanto, para os homens, os planos estavam bem
forma mental, calcularam que o fenômeno só poderia desenvol- arquitetados, as astúcias se tornavam sutis, os movimentos se
ver-se segundo certos caminhos, sem suspeitar que se poderiam faziam hábeis e os poderes terrenos eram fortes. Não obstante,
abrir-se outros, não vistos, situados no imponderável, que re- tudo acabava produzindo o efeito contrário.
solveriam tudo de modo diverso. No Alto vigora o método da não-resistência, que atinge os
Foi assim que, nesse momento, entrou em ação e começou a melhores resultados sem nenhuma necessidade de agressão ou
se manifestar com inexorável tenacidade a pressão das forças luta para a defesa. Deus trava a batalha pacificamente, deixando
do Alto. Essa pressão se exprimia com uma constante tendência que a vontade de negação dos rebeldes atue em relação a eles
à inversão dos impulsos provenientes do campo dos homens do mesmos, fazendo-se inativo para eles, retirando-se deles e aban-
mundo, de forma que, antes de atingirem o alvo contra o qual donando-os a si mesmos. Então, nada mais resta às forças nega-
eram lançados, estes impulsos sofriam um automático processo tivas, senão sua negatividade, sua tendência ao não-ser, isto é, à
de inversão, tornando-se assim contraproducentes para quem os autodestruição. Quando Deus, que é vida, retira-se deles, só lhes
lançava e terminando por ajudar aquele que devia suportar-lhes resta a morte. Nós é que temos necessidade de Deus, e não Deus
o choque. Assim, toda atividade, expedientes e astúcias movi- de nós. Por uma lei biológica, independente de qualquer filoso-
mentadas pela parte humana, além de não produzirem nenhum fia ou religião, esta é a sorte de tudo que é negativo, egoísta, se-
dos efeitos desejados, terminaram retornando como prejuízo paratista e, por isso, antivital. Cada centro só pode irradiar os
para quem as movimentara e em proveito de quem deveria ter impulsos da própria natureza. Assim todo centro negativo seme-
ficado prejudicado. Desse modo, quem queria levar às estradas ará, em toda parte, destruição em redor de si, dando prejuízo a
sem saída, ficou fechado, quem queria enganar ficou iludido, quem entrar em sua esfera de ação. Por isso as forças do mal são
quem queria forçar para vencer foi constrangido a perder. Isto perigosas. Mas, quanto mais negativo for o centro dentro de si
confirma ainda mais nossa constante afirmação: tudo que se faz mesmo, tanto mais poderosamente se realizará nele a destruição,
ao próximo se faz a si mesmo, o tratamento que damos aos ou- já que a sua irradiação é mais ativa e poderosa. Se, na periferia,
tros acaba sendo o tratamento que damos a nós mesmos. as forças do mal possuem tanto poder destrutivo, quanto mais
As forças do Alto deixaram que os atacantes ficassem enga- então serão elas corroídas dentro do próprio sistema de forças!
nados por sua própria forma mental. A aparente fraqueza do ata- Do lado oposto, pela mesma lei de justiça, ocorria exata-
cado indefeso os induzia ao erro. De fato, eles nada haviam mente o contrário, e tudo se resolvia em proveito. A simplici-
compreendido do ser que estavam combatendo, mas acredita- dade chegava mais longe do que a refinadíssima astúcia, a falta
vam ter compreendido tudo. Daí sua estratégia completamente de meios dava resultados melhores que a riqueza, o abandono
deslocada. Estavam seguros, por longa experiência, do funcio- das armas transformava-se em força. Os próprios adversários se
namento de seus métodos, já que, no passado, tinham dado pro- surpreendiam com esses resultados e, de acordo com sua psico-
vas de eficácia. Confiaram, então, plenamente neles. Mas, ante- logia, só podiam atribuí-los a uma astúcia ainda maior, acredi-
riormente, tratava-se de ocorrências comuns, de coisas humanas, tando que os efeitos se deviam a uma técnica de sutileza inédi-
em que o Alto não tomava parte. No caso em questão, o lado ta, a qual desejavam aprender, para aproveitá-la. Mas estava
imponderável do fenômeno escapou completamente àqueles completamente fora de sua capacidade chegar a compreender
homens, porque não contaram com ele. E foram, assim, dispa- que a razão dessa força e êxito consistia apenas no método uti-
rando seus golpes, considerando-os de infalível efeito, mas sem lizado, que era o da simples verdade. Estavam aprisionados em
jamais atingir o resultado desejado. Como só possuíam a forma sua forma mental, dada pelo seu sistema, e não sabiam sair de-
mental própria de seu plano, eles não conheciam nem podiam la. Para eles, era inconcebível que se pudesse vencer com estra-
usar outra estratégia, e não era possível improvisar uma diferen- tégia e meios tão diversos. Eram vencidos, assim, sobretudo por
te. Enquanto não fizer o esforço necessário para subir a planos sua congênita incapacidade de compreender o inimigo, cuja na-
evolutivos mais altos, cada um fica inexoravelmente preso à tureza era completamente diferente daquela em que eles acredi-
forma mental e métodos de vida do plano que lhe e próprio. tavam, ou seja, espiritual, e não material. Continuavam, por is-
Achavam-se situados no mundo em que a força decide, so, a engolfar-se pelas estradas de seu sistema, que vimos ser
mas, neste caso, a descida das forças do Alto impunham uma contraproducente, trabalhando só em prejuízo próprio e para
lei diferente: a justiça. Assim, os movimentos seguiram uma vantagem da parte contrária. Não sabiam que o homem se move
direção diferente, não mais determinada pela força, mas sim dentro de leis inevitáveis, segundo as quais, fatalmente, as for-
pela justiça. Os golpes, sendo apenas produto da força, e não ças negativas só podem trabalhar para sua própria destruição.
da justiça, mudavam a trajetória, recaindo sobre quem os havia Não conheciam nem acreditavam no imponderável e, para es-
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 57
capar às tenazes do invisível, apegavam-se cada vez mais às a vida não se baseia no egoísmo, que separa, mas no altruísmo,
forças materiais, que justamente os afundavam ainda mais, re- que une, irmana e, por fim, constrói.
forçando continuamente o principal defeito de sua estratégia, Para o involuído, não existe piedade, mas apenas a lei do
dado pelo fato de ser movida por impulsos negativos, que a tor- mais forte. No entanto, quanto não gostaria ele, especialmente
navam estratégia de autodestruição. Colocados nesse caminho na hora da desventura, de achar no próximo bondade e altruís-
errado, concentravam-se em construir, apenas com material mo, atributos considerados por ele como fraquezas que devem
humano, um castelo cada vez mais alto e instável, pronto a cair- ser evitadas! Mas como achá-los, se o próximo, quando é bom,
lhes em cima; buscavam acumular cada vez mais astúcias, representa, segundo a lei de seu plano, justamente o elemento
construindo em torno de si uma rede cada vez mais intrincada e que precisa ser eliminado? Não é a bondade considerada pelo
densa, na qual ficavam sempre mais enredados. mundo como fraqueza, da qual se tem direito de aproveitar? Tão
Não estamos desaprovando, condenando ou mesmo julgan- logo aparece no mundo um homem bom, generoso e altruísta,
do, porque sabemos que nossa aprovação ou desaprovação não não é ele logo posto fora de combate? Em nosso mundo, todos
tem peso nenhum. Apenas observamos a maravilhosa técnica se ajoelham diante do mais forte que venceu, a quem cabe o di-
do fenômeno da descida das forças do Alto para defender a rea- reito de impor sua verdade, embora seja eticamente o pior e evo-
lização de uma missão, procurando penetrar o segredo da força lutivamente o mais atrasado. E o que podemos esperar dele?
dessa estratégia, para compreender a razão de sua vitória. Forma-se, assim, uma vida sem bondade nem confiança,
Para os homens do mundo, dado o sistema por eles seguido, uma vida de luta cada vez mais árdua. Então o amigo, logo que
as dificuldades se tornavam cada vez maiores. O sistema da in- lhe convenha, torna-se inimigo; cada ato pode ser invertido;
sinceridade abria sempre novas brechas no edifício deles, fa- cada palavra pode ser um engano; cada passo pode ser um al-
zendo-se necessário escondê-las e calafetá-las com sempre no- çapão armado. Sabem-no os involuídos e, com isso, sofrem e
vas e maiores astúcias. Por fora, nada devia aparecer. O edifício tremem. No entanto não têm outros aliados para escolher, pois
devia mostrar-se perfeito. Era preciso conservar a qualquer cus- os honestos, porque não se combinam com eles, poderão ser
to a veste cândida do irrepreensível. Mas isto se tornava cada suas vítimas, mas nunca seus companheiros. O involuído, ad-
vez mais difícil, e, com as dificuldades, cresciam suas preocu- mirador da força, beija os pés do próprio superior, pronto a
pações. Em razão disso, a estratégia se tornava nervosa, intem- traí-lo logo que lhe convenha e o consiga, desprezando e es-
pestiva, sempre mais contraproducente. Certamente eles conhe- magando os menos fortes, seus próprios inferiores. Num mun-
ciam as escapatórias humanas, mas elas só servem para parecer, do em que se aprecia a força, o involuído se mostra afoito con-
e não para ser. O simples fato de parecer forte por fora sem sê- tra o inimigo, porque se sente forte enquanto é ajudado pelos
lo de fato por dentro, constitui a maior fraqueza de qualquer próprios companheiros. Então os amigos procuram empurrá-lo
construção, que dessa forma não se mantém por força própria, para frente, para deixá-lo depois sozinho em caso de perigo.
mas só mercê de estacas, dependendo delas, enquanto é conti- Então, se as coisas vão mal e algo transpira, surgindo a neces-
nuamente minada internamente por sua íntima vacuidade. sidade de um culpado que sirva de bode expiatório e justifique
Apesar de tanta sagacidade, o revestimento, sendo apenas tudo diante da opinião pública, o mais fraco do grupo, embora
uma aparência, é mais fraco que a substância robusta e se rasga menos culpado, é sacrificado à deusa justiça e, com zelo
de todos os lados, deixando transparecer a verdade. Cada vez exemplar, oferecido em pasto ao inimigo. Aplacam-se as exi-
menos se conseguia esconder tudo. Algo transparecia, e o mun- gências da lei civil e moral, a ordem é salva e a comédia ter-
do, impiedoso e ávido de colher o próximo em erro, preparava- mina, porque os outros, mais armados de força e astúcia, acha-
se curioso para o banquete, que faz gozar no plano humano, ram a escapatória e já estão a salvo, com segurança.
quando se pode agredir alguém. Banquete muito mais agradá- ◘ ◘ ◘
vel, porque se podia tomar parte nele como puros censores, em Tudo isto é consequência lógica da lei que vigora no plano
nome da retidão. Os espectadores, filhos do mesmo plano de animal humano, a lei da luta pela vida para seleção do mais for-
vida que os antagonistas, assistiam ao duelo como a uma festa, te. As leis civis e religiosas são apenas um verniz por cima des-
com o intuito de ver qual dos dois combatentes era o mais fra- ta que, infelizmente, é a dura realidade da vida. Regime de pre-
co, para poder condená-lo por fim, como se costuma fazer potência, de todos contra todos, esta é a atmosfera do ambiente
pomposamente com os vencidos no plano humano. terrestre. Mas não poderá sê-lo sempre. O progresso é um fe-
Os antagonistas bem conheciam essa lei de seu plano. Por nômeno irresistível a que ninguém pode escapar. Diz o Apoca-
isso tinham necessidade absoluta de parecer fortes a todo custo, lipse que chegará o momento resolutivo, em que os maus se
pois sabiam que, ao primeiro sinal de fraqueza, seus próprios tornarão piores e os bons melhores, para que finalmente ocorra,
companheiros, do seu próprio grupo, seriam os primeiros a segundo a justiça, a separação e cada um ocupe o lugar que me-
condená-los. No momento, mantinha-os unidos o vínculo do in- rece, chegando assim ao fim essa mistura que permite aos mais
teresse comum, que freava o natural instinto egocêntrico de prepotentes esmagarem os melhores. O mundo será então puri-
eliminar um ao outro. Mas todos sabiam que só podiam esperar ficado dos involuídos, lançados em ambientes inferiores, pro-
respeito se fossem os mais fortes. Todos tinham de obedecer a porcionados a eles, e será possível na Terra viver o Evangelho,
lei do seu plano de vida. Em nenhum pensamento ou ato podi- dedicando-se a trabalhos mais civilizados e proveitosos, em vez
am sair de sua natureza e qualidade. Até mesmo o que lança- de devorar-se reciprocamente. No entanto cada um vive como
vam contra o desarmado só podia ser igual ao alimento de que quer, mas, para o bem ou para o mal, em qualquer nível, cada
se nutriam e à carne de que eram feitos. Assim, a sua estratégia um é prisioneiro do próprio método, pelo qual é arrastado até às
só podia ser dirigida por sua forma mental. Sabiam bem que, se últimas consequências. Por isso, apesar de sua força e astúcia, o
perdessem, demonstrando-se fracos e, portanto, dignos de des- involuído é um condenado. Assim, o próprio fato de querer ba-
prezo, nada podiam esperar dos amigos, que só respeitavam a sear-se no sistema da força, e não da justiça, faz dele, em última
vitória. No plano humano, só se considera de fato uma virtude análise, um fraco destinado a ser vencido no final.
digna de respeito a força, com a qual se pode vencer. Apesar de todas as aparências em contrário, a posição subs-
O evoluído pertence a outro plano de vida. Nele, as ligações tancial dos dois, involuído e evoluído, é completamente dife-
que unem os seres são de natureza diversa, sinceras e tenazes; o rente do que parece. A segurança do involuído é fictícia e se
vínculo é constituído de amor e bondade, e não de cálculo utili- mantém apenas enquanto dura a força individual para resistir a
tário; o instinto não é condenar e esmagar, mas ajudar o fraco todos os assaltos, dado o ambiente de agressividade geral. A
vencido; a amizade não cessa, mas se reforça com a desventura; segurança do evoluído, ao invés, é real, porque se baseia na jus-
58 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
tiça, tornando automática a proteção do honesto num ambiente paz é duradoura, porque não é armada nem fruto de imposi-
de concórdia geral. Então, apesar de parecer que o involuído, ções. Se a paz do mundo é imposta à mão armada, o que pode
porque armado, seja mais forte e o evoluído, porque desarma- ela gerar senão a máxima reação possível por parte do venci-
do, seja mais fraco, o que conta de fato não é estar sobrecarre- do? Acontece então que, quanto mais se consegue vencer,
gado por um monte de armas para viver num mundo de guerras, mais surgem inimigos contra o vencedor, os quais não apare-
mas sim viver num ambiente de ordem e paz, mesmo sem pos- cem contra quem não vence. Tudo tende a equilibrar-se. As-
suir uma única arma. Ao evoluir, o ser entra nesse ambiente, sim que surge um dominador poderoso, logo lhe salta frente
onde sua vida é protegida pela justiça e por viver segundo a o antagonista proporcionado. Compreende-se assim como, no
Lei, e não pela força, que, sendo injustiça, vai contra a vida. fim, esse jogo de luta contínua de todos contra todos sejam
A solução do problema não está, portanto, no sentido em indivíduos ou naç es seja fruto apenas de uma ilusão psico-
que o mundo a entende, de vencer a todos, submetendo o pró- lógica, cuja finalidade não é fazer vencer, mas sim impelir o
ximo, mas sim em transformar-se com a própria evolução, de homem a evoluir. Isto porque a luta, por causa do perigo de
modo a se tornar digno de viver em planos mais altos de exis- perder a vida ou a liberdade, obriga o homem a aprender a de-
tência. Então, o forte da Terra, que vê seu valor na vitória sobre fender-se. O medo do prejuízo e os golpes recebidos represen-
os semelhantes, é, ao invés, um fraco, preso à baixeza de seu tam uma escola que ensina, com um método que, embora fe-
plano de vida, de onde não sabe sair, é um vencido, condenado roz, é proporcional à sensibilidade dos seres desse plano. As-
a permanecer no meio de todas as dores próprias desse plano. sim, a inteligência desperta por meio da dor, a grande mestra
Com seu sistema de revolta, o involuído está imerso num regi- da mais profunda sabedoria. Por trás dos triunfos e derrotas
me de extorsões, que ele pode praticar contra os outros, mas deste jogo de ilusões, ao qual o ser é atraído pelos instintos
que os outros também podem sempre empregar contra ele. que o manobram, o verdadeiro trabalho útil que se realiza em
Acha-se então em contínua posição de desequilíbrio, fora e substância é a evolução, supremo objetivo da vida.
contra a lei de justiça, que, mesmo estando o ser situado nos O evoluído está fora desse triste jogo de lutas, ilusões e do-
planos inferiores da vida, não deixa de existir e de exigir os de- res. Mesmo que o mundo o despoje de tudo, nada se pode tirar
vidos ressarcimentos. Esse constante endividamento, devido à dele, porque seu tesouro está em outra parte. Mesmo se o ma-
violação contínua pela estratégia de prepotência, deixa sempre tassem, a morte o libertaria da pena de ter que viver neste infer-
abertas as portas a todas as reações merecidas, que estão sus- no. Para ele, morte é libertação na ressurreição e dor é instru-
pensas, como uma espada de Dámocles, sobre a cabeça de mento de evolução. Quem não pertence ao mundo e vive com-
quem as provocou. Ao primeiro sinal de fraqueza, elas se de- pletamente destacado, nada mais pode perder. Se, para o invo-
sencadeiam sobre o desgraçado, que assim, endividado, terá de luído, só há uma utilidade: progredir, evoluindo para planos su-
pagar seu débito. “Quem usa a espada, perecerá pela espada”. periores, para o evoluído só é possível um dano: regredir, invo-
Uma vez tomadas as armas, entra-se num sistema do qual é di- luindo para planos inferiores. Para o evoluído, descer é o pior
fícil sair, já que isto não é possível enquanto não estiverem en- dos males; para o involuído, subir é o maior dos bens.
golidas todas as ofensas perpetradas no passado. Explica-se as- ◘ ◘ ◘
sim como a arma pode tornar-se uma necessidade vital nos am- Continuava assim desenrolando-se o caso que narramos. Os
bientes inferiores e até mesmo ter seu uso justificado com o que diversos elementos conduziam a luta, cada um segundo a pró-
se chama de legítima defesa. Uma vez começado o sistema das pria estratégia. Continuemos a observar. O instrumento se
armas, não se pode mais deixá-lo, porque fica-se preso no en- achava no centro da batalha, entre dois fogos: de um lado, o as-
cadeamento sem fim da ação e reação, do ataque e da defesa, salto das forças do mundo, do outro, a descida das forças do Al-
pelo qual da guerra sempre nasceu guerra, e o processo jamais to. Ele vivia intensamente, observando e recordando o episódio
se resolve. Resta apenas o que a história nos mostra: uma vida em que se achava mergulhado, onde se dava a grande luta entre
de luta contínua, de guerra perpétua, que pode ser considerado as potências do bem e as do mal, que disputavam o homem. O
o estado normal, intercalado por períodos de paz armada, ne- instrumento estava esmagado. É verdade que as forças espiritu-
cessários para preparar a guerra. ais o sustentavam, mas os golpes materiais eram dirigidos con-
Ao contrário, o evoluído, embora desarmado e aparente- tra a sua pessoa, já que os adversários não viam outro alvo. E
mente fraco, acha-se numa condição natural de força, porque ele não era lutador no terreno e na forma humana. Num campo
está situado dentro da lei de justiça, em posição de obediência e que não era o seu, a vitória desse ser, feito para outro trabalho,
harmonia, e não de revolta e débito. Realiza suas funções no constituía uma prova da presença do Alto, pois, de outra manei-
âmbito da Lei, em perfeito equilíbrio, que tende assim a se ra, não se poderia explicar esse triunfo.
manter estável, pois não é fruto de usurpações. Vivendo organi- Embora substancialmente defendido, viver no meio de uma
zado na ordem, sem complicações de astúcias e fingimentos, batalha não é uma posição cômoda de repouso. Quem tem de
opera de modo simples e retilíneo, por um caminho que é o realizar uma missão deve dar sua contribuição de sofrimento
mais rápido e seguro para chegar à meta, já que está salvaguar- pessoal, em que a parte humana toda triunfante em redor é
dado do perigo de permanecer emaranhado nas próprias redes. como que triturada nele em sua fraqueza. Por vezes, as forças
Se o involuído é forte no plano humano porque está armado, é do mal martirizam o instrumento e parecem vitoriosas. Então,
fraco diante da justiça de Deus, a quem tem de prestar conta. Já torna-se dele o tormento da luta, as ânsias do perigo, a paixão
o evoluído, pelo contrário, mesmo sendo fraco no plano huma- pelo bom êxito. Por momentos, tudo aparenta ruir, a obra pare-
no porque está desarmado, é forte diante daquela justiça, por- ce destruída e o sacrifício de toda uma vida se mostra inútil. Por
que não tem débitos a pagar, abandonou os métodos do mundo instantes, parece faltar o apoio do céu. É como se o Evangelho
e adotou os do Evangelho, entrando com isto no âmbito de ou- não tivesse dito a verdade, tendo sido apenas um erro confiar
tra lei, cabendo agora a ela o cuidado de defender sua vida. Se nele. Parece que o mundo tinha razão e tudo era mesmo utopia.
ele se enfraqueceu no plano humano, onde qualquer um pode Parece que a frase: “buscai primeiramente as coisas do espírito,
vencê-lo, tornou-se forte num plano mais alto, em que os fortes e o resto vos será dado por acréscimo” está invertida e que a
e vencedores do mundo tornam-se fracos e vencidos. verdade é o contrário: “não percais tempo com as coisas do es-
O evoluído vive num regime em que a paz é o estado natu- pírito, mas cuidai de vos defender, senão sereis esmagados”.
ral de equilíbrio normal, e não uma fase excepcional de re- Prever e prover é considerado sabedoria humana. Porém,
pouso no inesgotável encadear-se de ataques e defesas, inter- certas vezes, parecia que as forças do Alto se ausentavam indi-
caladas por paradas apenas para preparar novas guerras. Sua ferentes, desinteressando-se pela luta e por seu êxito, enquanto
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 59
a maré avançava ameaçadora. O evangelho parecia não funcio- Isto perguntava a si mesmo o instrumento, descendo cada
nar mais. A prova era dura para quem confiara totalmente nele vez mais dentro de si, numa introspecção profunda, procurando
e não tinha outra defesa. Sem dúvida, o auxílio sempre chega- ouvir a voz de Deus, que fala em cada consciência. Sua pessoa
va, mas nada aparecia até o último momento decisivo. Parecia desaparecia na vastidão da experiência. Estava envolvido numa
que a salvação demoraria muito para ser oportuna. Era o fim. potência de forças, para ele, incontroláveis. Só lhe restava per-
Ela não chegava, nenhum sinal a anunciava, não se sabia como manecer na mais profunda obediência. Mas seria possível que
pudesse chegar, tanto que até parecia impossível. Via-se o bar- Cristo e o Evangelho falissem? Ele os sustentara como verda-
co afundar, e Cristo parecia dormir. des, empenhando-se nisso até o fim, recorrendo à demonstração
Quantos exames de consciência se fazem nessas horas es- racional e assumindo plena responsabilidade disso. Seria preci-
curas, quando parece que Deus nos abandonou, para saber se so agora refazer tudo de novo, para encontrar outra verdade
merecemos isto e para tornar a ter contato com o Alto! Esse mais verdadeira, que pudesse resistir à prova dos fatos? Aquela,
parece escapar-nos. Procura-se então cavar cada vez mais fun- que constituía a sua fé, ter-se-ia resolvido, para o instrumento,
do dentro de nós mesmos, para achá-lo. Esta é a contribuição no que a ciência chama de hipótese não provada, destituída do
de dolorosa maceração que o instrumento tem de dar, sem o valor demonstrativo, que só os fatos podem dar, e, portanto,
que não pode continuar a ser instrumento. Essa é sua pequena não aceitável como teoria objetivamente segura?
contribuição, o oferecimento do sacrifício da própria natureza Como que experimentando num laboratório espiritual, nos-
inferior às potências do espírito, para seu triunfo. Sacrifício so personagem observava o êxito da operação evangélica, que
que representa profundo trabalho de maturação e, com isto, a alcançava agora o seu momento crítico resolutivo. Como termi-
maior conquista como ascensão evolutiva. Justamente essa pu- naria a experiência? E se falhasse? Havia nele a ânsia do cien-
rificação no sacrifício é que atrai as forças do Alto e as faz cor- tista que espera nos fatos a confirmação positiva dos resultados
rer em auxílio; esta é a condição para que o Evangelho se de- teóricos dos estudos e trabalhos de uma vida inteira. Se a expe-
monstre verdadeiro. Batismo de dor, que constitui a primeira riência falhasse, tudo estaria acabado para ele. Sua vida teria si-
investidura para o cumprimento de uma missão. Então a dor do desperdiçada em busca de quimeras, e o mundo teria razão
não é, como acredita o mundo, uma derrota, mas se torna um em tratá-lo de imbecil, por ter feito tantos sacrifícios para nada.
poder positivo construtivo, uma atividade criadora, uma condi- Mas, se a experiência tivesse êxito, ele poderia gritar: “eu-
ção de vitória. Mesmo na hora triste em que o mundo parece reca, a descoberta está feita”. Era como se um inventor, tendo
triunfar e o esforço dos operários do bem parece vão, as forças idealizado e construído um novo tipo de reator supersônico, o
do Alto estão continuamente construindo, pois, até quando pa- experimentasse, lançando-se com ele. Tudo estava em jogo. A
rece falir, o bem é sempre construtivo, e o próprio mal é cons- prova também se faz com a própria vida. Mas talvez o Alto só
trangido a transformar-se em seu colaborador. responda a apelos assim desesperados, só rasgando-se sob o
De sua parte, o instrumento tem de ser colocado, a cada abalo de tão extremos atos de fé. Um tão grande esforço para
momento, sob duras provas, para garantir que ele sabe realizar a subir, talvez seja uma das condições necessárias para que se ve-
função confiada a ele. Essas provas se fazem principalmente nas rifique o fenômeno prodigioso da descida das forças do céu, re-
horas escuras, quando tudo parece ruir. É preciso, então, provar presentando o impulso necessário para demovê-las e impeli-las
que se sabe conservar a própria fé, demonstrando que se possui a vir ao encontro de quem tão energicamente as chama. Trata-
força e coragem para avançar em voo cego, mesmo quando isto va-se de algo como o lançamento de um projétil interplanetário.
pareça loucura, porque não aparece caminho de saída. Essa fé Que ocorreria? Quantas incógnitas para quem se arrisca a fun-
confere uma conduta que os calculadores com a forma mental cionar em outros planos de vida, segundo as leis próprias deles,
humana não são capazes de compreender, pois partem de pontos quase desconhecidas, pode dizer-se, em sentido positivo expe-
de referência diferentes, fato que os leva a erro. Trata-se de duas rimental, no plano humano de vida!
psicologias completamente diferentes. O instrumento, com sua Narramos tudo isto, para fazer compreender como acontece
fé, dispõe de uma força e coragem que não é admissível para o fenômeno nada gratuito, da descida do Alto. Não é dormin-
quem vive de cálculo e interesse. Incapazes de compreender, os do ou esperando que Deus nos sirva que isto pode ocorrer. Tra-
homens do mundo não podem deixar de ficar desorientados. ta-se de conquistar o desconhecido, tornando-nos pioneiros do
Como o alvo não é o que eles pensam, seus golpes, portanto, não futuro da evolução; trata-se de atravessar em frágeis embarca-
atingem o objetivo. As respostas que recebem são imprevistas e ções o oceano do conhecimento, porque o Alto, Cristo e o
os colhem desprevenidos. Para eles, representa uma posição de Evangelho não são apenas problema religioso de fé, mas tam-
inferioridade o fato de não conhecerem a estratégia de luta do bém problema de razão e ciência, que implica e presume a so-
evoluído, enquanto, para este, o conhecimento da estratégia de- lução de infinitos outros problemas.
les representa uma posição de superioridade. Havia um fato, porém, que tornava quase necessário o bom
Nestas horas de luta, aquele instrumento sentia o alcance êxito da experiência, dado pela necessidade de aparecer no
universal que aquela experiência tinha para ele. Nela, não esta- terreno não fideístico das religiões, mas objetivo dos fatos, que
vam somente em jogo a sua vida, que pouco lhe importava, nem todos veem e compreendem um exemplo que demonstrasse,
apenas a missão a realizar, mas toda uma experiência evangéli- de forma racional e positiva, a verdade do Evangelho como
ca. Se falhasse, os fatos teriam dado razão ao mundo, com a der- norma útil à vida. Tratava-se de uma prova necessária para
rota do Evangelho. Então ele teria de chegar à tremenda conclu- demonstrar a verdade de uma missão e sua realização. Na luta
são de que estava errado e que Cristo, mesmo não tendo enga- empreendida publicamente, se essa prova não viesse em seu
nado aos outros, pelo menos estaria enganado. Muito mais que favor, tudo concluiria necessariamente em uma prova contra
uma vida e uma missão, ruiria tudo. O caso particular do instru- Cristo e o Evangelho, o que daria plena razão ao mundo. En-
mento desaparecia, absorvido nesse problema universal, que se tão, os antagonistas não teriam vencido um homem e paralisa-
propunha realizar um exemplo vivido, para dar a demonstração do uma missão, mas provariam o erro de Cristo e do Evange-
experimental da verdade do Evangelho. Nessa demonstração, as lho, erro provado pela vitória deles, da qual poderiam vanglo-
forças do Alto estavam diretamente empenhadas. Em caso de fa- riar-se, rindo-se das forças do Alto. Seria a vitória do baixo
lência, não caía um homem ou uma missão, mas também o contra o Alto. Era um absurdo. Resultaria na falência do prin-
Evangelho, pois seria obtida uma prova experimental de que cípio da evolução, revelando um erro descoberto na lei de
existia um caso em que o sistema de Cristo errara, demonstran- Deus, com a inversão dos impulsos prepostos ao caminho as-
do-se incapaz de vencer. Mas seria isto possível? censional da vida. Todas as teorias sustentadas na obra, justa-
60 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
mente no momento em que deviam receber a maior confirma- Era a própria natureza das forças de tipo negativo que au-
ção dos fatos, teriam recebido um desmentido claro. mentava tudo no negativo, em sentido destrucionista, enquanto,
Em tudo isto, nosso personagem pensava, enquanto os do lado oposto, era a própria natureza das forças de tipo positi-
golpes lhe caíam em cima. Que significado diferente essa ba- vo que aumentava tudo no positivo, em sentido construtivo. As-
talha tinha para ele! Que finalidades diversas se propunham as sim, de um lado, tudo tendia a descer e, do outro, a subir. Eram
partes contendentes! Todo o complexo fenômeno se ia desen- dois impulsos opostos, tendendo para dois fins situados nos an-
volvendo sem que os homens do mundo, que nele tomavam típodas. Isto significa que a avalanche de impulsos negativos
parte, compreendessem coisa alguma! Continuavam movidos rolava sempre mais para a destruição, primeiramente de si
por instintos, interesses e miragens, reduzidos a instrumentos mesma, enquanto a outra, feita de impulsos positivos, avançava
cegos que, sem saber, mesmo agindo em sentido negativo, sempre mais para a construção, primeiramente de si mesma.
acabavam fazendo o contrário do que acreditavam, trabalhan- Uma vez iniciados, os dois processos, agora, desenvolviam-se
do para a vitória da missão, a fim de fazer aparecer manifesto automaticamente, como uma desintegração atômica em cadeia.
um exemplo que devia demonstrar que o mundo estava errado Assim, uma parte não podia deixar de avançar sempre mais pa-
e o Evangelho tinha razão. ra a derrota, e a outra, para o triunfo.
◘ ◘ ◘ No princípio, tudo seria facilmente sanável, se os antagonis-
Continuemos a acompanhar as vicissitudes da batalha, estu- tas tivessem tido um pouco de compreensão. Se tivessem dei-
dando as estratégias diferentes. Da parte dos opositores, conti- xado ao instrumento aquele mínimo de vida terrena necessária
nuava a funcionar o princípio da inversão. Acontecia, então, para realizar uma missão, se não tivessem se deixado levar em
que seus assaltos e astúcias se resolviam automaticamente em cheio pela lei de seu plano, a lei do triunfo só para o vencedor,
perda para eles. Era maravilhoso observar como a gaiola que o eles não teriam imposto à parte oposta a liquidação deles como
mal construía para aprisionar o bem se transformava, por fim, única e indispensável condição para que aquela parte pudesse
numa gaiola em que ficava preso o mal. O inimigo, tornando-se sobreviver. O erro deles foi dado pelo seu próprio plano bioló-
ousado, porque certo de vencer pela superioridade de suas for- gico, que, constituído de egoísmo, só deixa lugar vital para si
ças, fazia investidas arriscadas, aventurando-se muito à frente, mesmos. Provocaram, desta forma, uma reação de desespero,
sem deixar aberta uma porta para uma retirada honrosa. Depois, que rompe tudo. Desespero humano, em auxílio do qual se mo-
percebendo o perigo, queria voltar, mas não podia, pois ficava vimentaram as forças do Alto, para que a justiça fosse feita. Foi
preso nos movimentos já feitos. Achava-se assim preso no erro acreditar que a força humana podia dobrar tudo e que o
mesmo laço que preparara para o inimigo. Essa é a lei que imponderável podia ser desprezado. Mas era erro inevitável pa-
amarra o mal: ficar prisioneiro nas ciladas que prepara para o ra o grau de conhecimento atingível naquele plano evolutivo.
bem. Suas arquiteturas são obras maravilhosas de astúcia, mas Era preciso conhecer também o outro lado do problema.
complicadas, emaranhadas e tortas, o que constitui sua fraque- Era preciso não constranger a parte oposta à necessidade de
za, porque, no fim, sempre falta algo imprevisto, e esse é o pon- defesa, nem o céu à necessidade de intervir. Mas, por obra da
to fraco que faz tudo ruir. Falta-lhes a força que só a simplici- própria parte contrária, tanto o instrumento como as forças do
dade retilínea pode dar. Por isso esta inferioridade congênita Alto, uma vez colocados na necessidade de escolher entre ven-
das forças do mal. E assim deve ser. Se fossem iguais às do cer ou ser vencidos, foram constrangidos a impor-se para ven-
bem, Deus não seria o Senhor, a quem cabe a vitória. cer. A batalha, que nem o Alto nem o instrumento desejavam,
Os jogos das duas partes eram totalmente diferentes. De um foi imposta e, com isto, só havia um caminho possível para eles:
lado, a luta por um ideal, em que a elevação e a bondade do fim a vitória. As potências do Alto foram constrangidas pelo próprio
davam fé e coragem para enfrentar qualquer fadiga e perigo. Do inimigo a intervir e, sendo elas as mais fortes e tendo de vencer
outro lado, cálculos utilitários para conseguir a vantagem má- por finalidade superior, como podiam deixar de vencer Foi a
xima com o mínimo esforço, poupando, assim, fadigas e peri- própria intransigência do inimigo, que impunha dobrar tudo
gos. De um lado, um caminho sincero e coerente, direito e sua vontade, foi a sua recusa de entrar em entendimentos por-
constante; do outro, desconfiança e incoerência, coalizões ins- que, como mais forte, se julgava com a certeza de vencer que
táveis de interesses, diretivas incertas e oscilantes, caminhos impôs a qualquer custo seu afastamento definitivo. Foram assim
oblíquos e escorregadios. De um lado, tudo honesto e claro à lançados fora da obra e da missão, para a qual tinham trabalha-
luz do sol. Do outro, tortuosidades escondidas por trás das in- do, mas levados por outra finalidade e, portanto, sem mereci-
dispensáveis aparências. E tudo, até a substância por trás das mento. Ficou mais uma vez confirmada a teoria de que tudo, até
cenas, era escrito no livro da vida, onde nada se pode apagar, as forças contrárias, sempre concorre para a vitória do bem.
enquanto o Alto olhava, registrava e esperava. Então, um pequeno caso, a que ninguém ligaria, dilatou-se
O instrumento oferecia a Deus a própria dor, transforman- num problema imenso, tornando-se um choque entre princípios
do-se assim em força positiva de construção. Os pensamentos e e forças biológicas, embate entre os valores cósmicos do bem e
atos que nasciam dos dois diferentes métodos se iam somando e do mal, prova experimental para a vitória do Evangelho. O pe-
acumulando para cada uma das partes, em sentidos opostos, na queno incidente tornou-se assim uma batalha de sistemas, en-
direção que cada um queria. Tratava-se, no princípio, só de uma tre Cristo e o mundo, entre um modo de viver próprio da ani-
pedrinha, que poderia ser facilmente detida. Mas ela rolava ca- malidade e já destinado a ser superado, e um modo de viver
da vez mais. No princípio, parecia um nada. Mas, a cada volta, próprio da nova e mais civilizada humanidade do futuro. Em
algo do terreno lhe aderia. Assim, a pedrinha cresceu, dando vista disso, a prova experimental a que era submetido o Evan-
lugar a uma avalanche de cada lado. E agora, no fim, duas ava- gelho tinha de vencer logicamente, demonstrando que era ver-
lanches diferentes se estavam precipitando uma contra a outra, dadeira. E, ao mesmo tempo, os resultados dessa experiência,
crescendo sempre mais. Aumentava assim o volume de cada para produzir fruto para o bem, tinham de ser vistos por todos,
uma, sendo cada uma delas feita do material atraído pelo pró- porque só assim se podia alcançar um dos objetivos principais,
prio sistema. Quanto mais rodavam no tempo, não só mais em virtude dos quais desceram as forças do Alto, ou seja, fazer
cresciam de tamanho, como acentuavam suas qualidades. Novo o êxito dessa experiência constituir um exemplo que provasse,
mal se apegava ao mal, e novo bem se apegava ao bem. Outros por fatos, a verdade do Evangelho. Para que não só ela, mas
elementos eram atraídos e aderiam de uma parte ou de outra, também a obra e a missão fossem confirmadas, era preciso
segundo sua natureza. Elas aumentavam cada vez mais de vo- uma vitória evidente das forças do bem. Conforme a lógica
lume e velocidade, sendo cada vez mais difícil pararem. impunha, os fatos tinham de confirmar que: Cristo não podia
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 61
estar errado, Deus não podia falhar e Sua lei funcionava em suas capacidades. Todos juntos, cercaram o instrumento desar-
cheio, portanto o triunfo chegaria fatalmente. mado, para defendê-lo e ajudá-lo. Garantiram-lhe a paz e a in-
E os fatos vieram trazer essa confirmação; os fatos, que não dependência necessárias para realizar seu trabalho espiritual,
são teorias; os fatos, que dão prova; os fatos, que são vistos e encorajaram-no e sustentaram-no depois de tantas lutas, que o
compreendidos por todos. Mas por que aconteceu isto? Numa haviam enfraquecido. Esses novos elementos foram a expressão
hora apocalíptica para o mundo, diante de uma missão ligada a material dos poderes espirituais e de sua atual intervenção para
este momento, num caso em que as forças do bem se haviam realizar a salvação. Esse novo peso, colocado por Deus na ba-
empenhado, era preciso que elas dessem, com um exemplo, a lança, constituiu o prodígio que ninguém esperava. Foi a desci-
prova de serem mais fortes. As pessoas que tomaram parte pas- da das forças do Alto, que inverteu a situação. Colocado no pra-
sam e não interessam. O exemplo, embora despersonalizado, fi- to da balança o peso do imponderável, esta inclinou-se para es-
ca. Mas era preciso vencer, dando prova de superioridade, por- se lado. Foi a mão de Deus!
que não há outro modo para estas forças serem consideradas ◘ ◘ ◘
respeitáveis em nosso mundo. Aqui, Deus é respeitado porque é Foi um milagre. Salvações dessa espécie não são vistas todos
poderoso. Mas, neste caso, tratava-se de ir contra a psicologia os dias, sendo verdadeiramente excepcionais. Na economia da
humana, salvando um desarmado, desprezado porque fraco. vida, não se trata neste caso de um fenômeno de administração
Salvá-lo para demonstrar que se pode ser forte de outro modo, ordinária. Mas o milagre não acontece ao acaso, por um capri-
numa forma que o mundo não conhece, mas que seria útil co- cho da Divindade. Até o milagre tem sua lógica no organismo
nhecer. E, para chegar a isso, as forças do Alto tinham de des- do todo, segundo a ordem da Lei. O milagre é o resultado de um
cer e trabalhar no nível dos assaltos concretos que eram lança- movimento coordenado de forças, que não nascem nem se de-
dos contra o desarmado e desbaratá-los. Era mister aparecer no senvolvem ao acaso. Ele tem de ser provocado por uma necessi-
terreno humano uma intervenção que constituísse exceção às dade absoluta de auxílio, que tenha sido merecido com todos os
leis daquele plano, vindo de fora dele, para demonstrar a exis- esforços e invocado com todas as forças. Na harmonia da Lei,
tência de forças mais poderosas, em outros planos de vida. nada pode existir de gratuito, como fruto de injusto favoritismo,
Porém as forças espirituais, como tais, não são percebidas ou devido ao acaso ou a um desejo caprichoso. Deus não pode
em nosso plano sensório e não podem agir na matéria. Preci- sair de Sua ordem, por Ele mesmo desejada. Assim o milagre
sam então, para agir, revestir-se de forma material, operando, não pode ser obra supérflua, prêmio e escola de preguiça.
como já vimos, por meio de pessoas intermediárias, que funci- Se não abrirmos as portas, movendo com o nosso esforço a
onem como instrumentos físicos. Na Terra, jamais faltam seres alavanca de comando que o aciona, o milagre não ocorre. Te-
desejosos de medir-se na luta. Mas é possível encontrar tam- mos de provocar, preparar e atrair para a Terra as forças do Al-
bém os lutadores para o bem. Estes possuem e sabem usar as to, com um chamamento fortemente desejado, livre, ardente de
armas humanas comuns, só que as usam para o bem, e não pa- fé, concreto de ação, nutrido de sacrifício. Deus não serve aos
ra o mal. As forças espirituais movimentaram justamente al- poltrões. Só quando se fez e se deu tudo, caindo-se quebrado na
guns exemplares deste tipo, que correram ao redor do desar- dura estrada, adquire-se direito a um auxilio, para que o Alto se
mado, não para se aproveitar dele, esmagando-o, mas sim para ache, pela justiça da Lei, no dever de movimentar-se. O auxílio
ajudá-lo, defendendo-o. Trata-se de seres que ainda pertencem não pode ser pedido para nos poupar o esforço da subida, que
ao mundo e sabem usar seus sistemas, mas que já levantam a deve ser todo nosso. Mas, quando tudo foi feito e as dificulda-
cabeça para o Alto e utilizam tais sistemas e armas a serviço des fechariam o caminho da subida, então Deus aparece, pois,
do bem. Eles são os defensores dos fracos, cavaleiros da justi- se assim não fosse, Ele estaria contra Sua própria lei de evolu-
ça, que, mesmo com as forças da Terra, rebelam-se contra o ção. Então o Evangelho, ainda que pareça absurdo e irrealizá-
mal, para esmagá-lo. Através deles, pôde tomar forma concreta vel, demonstra-se verdadeiro, mesmo à custa de prodígios.
a intervenção das forças do Alto. Assim, contra a fileira dos lu- As estradas do céu são árduas e espinhosas, mas levam a um
tadores pelo interesse, formou-se a fileira dos lutadores pelo fruto honesto e garantido. As estradas do mundo são fáceis e
ideal. Isto também por uma lei de equilíbrio, de que já falamos, floridas, mas desembocam na traição e na dor. Por isso, o Alto
segundo a qual, logo que se manifesta na Terra uma força em pede primeiro nosso esforço, nossa fé e a prova de nossa boa-
dada direção, nasce-lhe logo outra oposta, que luta com ela, vontade, para só depois nos dar a merecida recompensa, a fim
corrigindo-lhe o impulso unilateral. de que o fruto seja dado com justiça, segundo o merecimento.
Dessa forma, desceram as forças do Alto, trazendo defesa O mundo, ao invés, oferece-nos tudo, mas apenas como crédito,
para proteger, auxílios materiais para sustentar onde havia ne- de forma que, depois, ficamos escravos dele, pois é preciso pa-
cessidade e circunstâncias favoráveis para facilitar o trabalho. gar. O céu nos dá primeiro o esforço e, depois, o gozo. O mun-
Nada disso foi pedido; simplesmente, como se diz, caiu do céu. do nos dá primeiro o gozo e, depois, a pena, onde tende a nos
Fatos prodigiosos, que as causas comumente em ação na Terra engolfar cada vez mais. Tudo é lógico. Trata-se de dois méto-
não podem absolutamente explicar. É preciso então buscar alhu- dos opostos, sendo um a inversão do outro, dirigidos cada um
res suas causas. Certamente não podemos ver as mãos de Deus para dois polos opostos: o Sistema e o Anti-Sistema.
quando Ele trabalha. Mas não podemos deixar de atribuir-Lhe a A força de qualquer um que siga o Evangelho é estar ligado
primeira origem de tudo isto, já que não a achamos na Terra. às forças do Alto. Assim, quando todas as condições necessá-
Trata-se de acontecimentos de todo gênero, coordenados para o rias foram satisfeitas e está cheia a medida das provas, então o
mesmo fim, que não podem ser explicados senão com a presen- fenômeno está maduro e ocorre a precipitação, que o resolve no
ça de uma inteligência diretora, como não existe no mundo. sentido que vimos. Essa precipitação é o que chamamos inter-
Foi assim que os elementos negativos, que representavam venção milagrosa. É nesse momento crítico que se resolve o fe-
um obstáculo para o cumprimento da missão, foram afastados e nômeno. Quantas batalhas teriam sido vencidas, se apenas ti-
substituídos por elementos positivos, que representavam uma véssemos sabido resistir um momento mais! Saber ficar no
ajuda para a missão. Houve só o afastamento, ou seja, o míni- combate mesmo quando tudo parece perdido e o horizonte está
mo indispensável para a defesa da obra. Esses elementos, que- fechado, sem esperança de salvação, quando se atingiu o limite
rendo torcê-la para seus fins, foram substituídos por outros da resistência física e se espera o fim, enquanto se vê o inimigo,
elementos, obedientes à vontade do Alto. Chegaram desta ma- contra toda lógica e justiça, triunfar. Saber resistir mesmo nes-
neira os mastins para defender, bem como os anjos para ajudar. sas condições, eis o segredo da vitória. Porque nessas condições
Formou-se uma nova fileira, para colaborar cada um segundo é que ocorre o milagre da descida do auxílio.
62 A GRANDE BATALHA Pietro Ubaldi
Esta é a hora da prova mais dura, a hora em que as forças mercadores do templo, a missão pôde florescer e se desenvol-
das trevas, que estão para ser vencidas, lançam o último e mais ver com a chegada de elementos melhores, chamados novos.
desesperado ataque. Então, a alma oprimida pergunta: Que faz Mais do que salva, porém, a missão foi confirmada por tudo
o Cristo? Então não é verdade que está presente? É possível Ele isso. Com o salvamento milagroso, ela recebeu o selo do Alto,
deixar que os fatos demonstrem que o Evangelho erra na práti- que, assim, subscreveu a obra, garantindo sua origem, natureza
ca? É possível que o mal seja mais forte e que Cristo seja ven- e finalidade. Os fatos tinham dado a prova experimental de que
cido por Satanás? É possível que tanta fé seja utopia, que tanto as teorias sustentadas correspondiam à verdade. A necessária
esforço se resolva numa desilusão e que Cristo nos tenha enga- descida das forças do Alto revelara a técnica secreta de seu fun-
nado? Os assaltos na Terra são concretos e tangíveis. O perigo cionamento e do fenômeno de sua intervenção. E tudo isto no
está vizinho e iminente, e o céu permanece fechado e impassí- plano de vida material, aquele considerado real pelo homem. A
vel. Nesse momento é que, em geral, vem a faltar a última fé, grande moral de tudo isto é que nada tem a temer das forças do
aquela que opera o milagre. É a sabedoria do último esforço mal quem faz o bem, pois elas, contra sua própria vontade, ope-
que faz vencer a batalha. Nesse trágico momento, algo ferve no ram às avessas, ou seja, em favor daquele que as combatem.
fundo, que faz arrebentar a avassaladora reação da Lei. Pensando nisto, nosso protagonista sentia-se comovido e cheio
O inimigo já apertava a vítima em seus punhos, certo da vi- de gratidão para com todos que haviam obstaculizado ao seu
tória. Tomara cada vez mais velocidade ao longo do caminho e, trabalho, porque justamente esse fato fora sua força e uma das
agora, era como um projétil lançado a toda força contra o obje- primeiras condições de seu triunfo.
tivo. Cada erro é agigantado por essa velocidade. Por isso, jus- Ele permanecia encantado e cheio de admiração por ter vis-
tamente agora, que está para vencer, é que comete os maiores to tão de perto esse fenômeno da descida das forças do Alto, e
erros. Não tem ele tudo em mãos para vencer? Não é mais hora sua vida foi como que trespassada por elas, ficando marcada
de cálculos nem de prudência. Crê lutar contra um pobre ho- com um sinal indelével. Ele tudo observara e, agora, admirava
mem, mas está provocando as forças do Alto. E, assim, a suces- o caso vivido em sua substância educadora, despersonalizado
são cada vez mais forte dos assaltos dos homens do mundo, dos elementos humanos que aí haviam aparecido e destacado
produz a realização do milagre, obrigando a lei a reagir e o Alto dos incidentes materiais ocorridos; admirava como o artista
a se manifestar. Ainda uma vez, vemos o mal trabalhar a servi- admira com satisfação a beleza de uma obra de arte, na harmo-
ço de Deus, para a vitória do bem. O céu não pode ficar fecha- nia e proporção das partes, em sua técnica, objetivo e signifi-
do e indiferente. Nesse momento ele se rasga, e dele desce a cado. Assim, aquele caso vivido desmaterializava-se de todos
prova decisiva e exemplar de que o Evangelho é verdadeiro, de os elementos terrenos, que haviam funcionado como atores, e
que Cristo está presente e sabe vencer. aparecia espiritualizado em seus eternos valores morais, como
Tudo converge para o mesmo ponto, que é a descida do au- uma obra-prima de técnica construtiva, em que, através de
xílio, com a realização do prodígio. De um lado, a fé e o sacri- movimentos adequados e inteligentemente calculados, fora ob-
fício do instrumento; de outro, as forças desencadeadas pelo tido, com o mínimo trabalho, o máximo resultado. Tudo trazia
mundo, decididas a desmentir, com seu triunfo, Cristo e o uma marca inconfundível, que indicava tratar-se de um produ-
Evangelho. O assalto chegou ao coração da Lei, que, tocada no to derivado não da desordem do acaso, mas de algo completa-
âmago, é constrangida a reagir. E o milagre acontece, com a mente diferente, emanando de um mundo sabiamente organi-
vitória de Cristo. zado, que gera frutos orgânicos, feitos de ordem e harmonia.
Vê-se então que todo o trabalho realizado pelo mal foi só Esse era o sinal do Alto, que inconfundivelmente os caracteri-
para chegar à autodestruição. Resplende a Lei em seu triunfo. zava e fazia reconhecer neles a providência. Agora que a nar-
Foi o próprio mal a causa primeira de seu mal. Foi justamente ração do caso chegava à sua conclusão, era possível ver que se
a desmedida convicção de vencer que o traiu. Mas fazer a tratava da execução de um plano preestabelecido, conduzido
oferta para enganar não é o sistema do mundo? O exemplo é com método, segundo um desenvolvimento lógico, com sin-
rico de ensinamentos e, justamente por isso, o trouxemos cronismo preciso de todos seus movimentos, formando um de-
aqui. Demonstra-nos que, diante do Evangelho, o mundo, ao senvolvimento de forças que representava um prodígio orgâni-
zombar dele, julgando-o utopia, está errado. Ensina-nos que, co, onde tudo tenazmente convergia e infalivelmente levava às
quando a luta se faz necessária, o bem é mais forte que o mal conclusões desejadas, ou seja, a derrota dos vencedores e a vi-
e, portanto, vence; Cristo é mais poderoso que o mundo e, tória do vencido. Vitória do espírito sobre a matéria, do Evan-
portanto, triunfa. Revela-nos o poder da fé e do sacrifício, a gelho sobre o mundo. Cristo vencera!
justiça da Lei e a real presença de Deus, que opera entre nós. A conclusão luminosa com a qual se concluía a experiência
Mostra-nos as grandes vantagens que derivam de viver na or- era de que o Evangelho é mesmo verdadeiro, tanto que, para
dem, funcionando em harmonia com o grande organismo do permanecer verdadeiro, ele realizara um prodígio. Verdadeiro
universo, e os prejuízos que resultam de agir em contrário. não significa apenas uma verdade teoricamente reconhecida e
Ensina-nos que, se soubermos colocar suas causas, os mila- proclamada, mas uma verdade que, levada à vida vivida, resiste
gres podem acontecer também a nós e que os imponderáveis à prova concreta da experiência e é comprovada pelos fatos. A
do espírito – aparentemente tão pouco importantes – podem, grande moral da fábula é que o Evangelho é verdadeiro também
ao invés, pesar muito em nossa vida. Comprova-nos que, nos fatos, e não apenas nas palavras. Tal como se costuma dizer
quando somos honestos e vivemos segundo a justiça, a Provi- no fim da demonstração de um teorema, nós poderíamos con-
dência de Deus jamais nos abandona. cluir com a expressão: “cqd” (como se queria demonstrar).
Assim, no caso que narramos, tudo foi salvo com precisão Cristo vencera. Esta vitória tinha uma beleza toda sua, que
cirúrgica e habilidade de mestre, resultando na maior vantagem a distinguia e a tornava maior e mais bela do que todas as vitó-
e no menor dano possíveis. Nisto revelou-se a inegável presen- rias humanas. Não se vencera esmagando e explorando para o
ça de uma mente superior muito sábia. Os elementos negativos egoísmo próprio, mas perdoando e amando, para alcançar uma
foram simplesmente afastados, para que não causassem prejuí- finalidade de bem. No término do longo esforço, uma alegria
zo, mas sem dano para eles. O instrumento humano teria sido o pura compensava largamente todas as dores e lutas passadas,
primeiro a defendê-los de qualquer represália, uma vez que já uma alegria que só o Alto, e jamais o mundo, pode dar-nos, a
lhes tinha perdoado. Nem podia fazer de outra forma, porque alegria de ter trabalhado e sofrido só para um objetivo de bem.
era nesse método que residia sua força. Por outro lado, a missão Essa não era uma vitória da Terra, obtida com a força e para
foi toda salva. Depois de purificado o ambiente e afastados os dominar – o que excita a revolta dos vencidos, levados, pela lei
Pietro Ubaldi A GRANDE BATALHA 63
de equilíbrio, à reação – mas sim uma vitória boa e justa, com o bem. A vitória real e definitiva não é a que provoca ou-
abençoada por Deus; uma vitória que, dando em vez de usur- tro mal, mas a que o transforma em bem. É a que vence com a
par, é obtida para ajudar e abraçar os vencidos, anulando assim bondade a maldade, com o altruísmo o egoísmo, com o perdão
a reação e destruindo o mal. a ofensa. É a que muda a discórdia em união, a guerra em paz,
Só assim pode ser quebrada a cadeia de ataque e defesa que o ódio em amor. É a vitória não do mais forte, para subjugar
nos prende à luta pela vida. Só esse tipo de vitória nos faz as- inimigos, mas do melhor, para educar os irmãos. A vitória mai-
cender para a libertação, enquanto o outro tipo, usado na Terra, or não é a que se conquista sozinho e para si, destruindo, mas
sempre mais nos submerge neste plano biológico, onde só as aquela conquistada ao lado de Cristo, construindo, para o bem
leis da animalidade imperam. do próximo; não é a vitória da força, mas a do amor.
Vencer para se aproximar de Deus. Vencer não para si
mesmos, mas para o bem de todos; não por haver debelado um
inimigo, sobrepondo mal a mal, mas por ter superado o mal
FIM
O MISSIONÁRIO
Vida e Obra de Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-
ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São

Pietro Ubaldi Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-
tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de
Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-
(Sinopse) gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua
missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a
mesma linguagem e conteúdo divino.
O HOMEM No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-
nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-
18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do
onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi- mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros
ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-
as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais 01) Grandes Mensagens
e os prazeres deste mundo. 02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci- 04) Ascese Mística
onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei- 05) História de Um Homem
ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As- 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão
sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana. 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen- 08) Problemas do Futuro
te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual. 09) Ascensões Humanas
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien- 10) Deus e Universo
tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além
praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no
de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-
interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à
se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra
família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas
ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos
lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade
na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e
O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-
aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-
ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-
ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-
dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um
ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a
ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-
leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-
são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-
carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-
pletar sua tarefa missionária.
piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-
Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de
nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.
conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-
guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-
mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se
posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um
poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-
convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno
tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e
lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para
religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX.
com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-
Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-
sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.
mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A
Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-
Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-
cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em
ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano
São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.
Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como
Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-
prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-
22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-
colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina
tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada
educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para
brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:
o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-
11) Profecias
fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-
va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino. 12) Comentários
Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos. 13) Problemas Atuais
Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: 14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo
Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em 15) A Grande Batalha
1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975). 16) Evolução e Evangelho
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con- 17) A Lei de Deus
ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma- 18) A Técnica Funcional da Lei de Deus
trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de
19) Queda e Salvação
pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a 20) Princípios de Uma Nova Ética
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi 21) A Descida dos Ideais
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran- 22) Um Destino Seguindo Cristo
ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava 23) Pensamentos
todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente. 24) Cristo
Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-
Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa
– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande
transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-
Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
– Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha. José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne- do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos  formação; 25 aos 45 anos  maturação in- poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos  Obra Italiana (produção concep- A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma
tual); dos 65 aos 85 anos  Obra Brasileira (realização concreta da missão). nova concepção de vida.

You might also like