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v. : il.
ISSN:0034/9240
Editada pelo DASP em nov. de 1937 e p ublicada no Rio de Janeiro até 1959.
A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimos
anos teve predominância trimestral (1998/2004).
Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/1993.
impõe um grande desafio. Dirigentes públicos não recebem formação para exercer
Regra dos 4C. É preciso também, ressalta Foucher, ousar, ir além das normas,
e gestão de recursos humanos para os qua- tal, se aprende na prática. Não se aprende
dros dirigentes do serviço público francês na escola, em um curso ou em um
e de diversos outros países, bem como seminário. Tudo isso é importante, mas não
para os de empresas privadas. substitui a prática. Portanto, voltando à ques-
tão “como se aprende a ser um gerente
Da Redação – Como gerenciar bem competente?”, é colocando os gerentes em
equipes, tornar-se um gerente competente? posição de gerenciar em diferentes situações.
Dominique Foucher – É preciso, Não pense que eles serão grandes chefes de
sobretudo, pensar o exercício do geren- imediato, pelo contrário. Há os que apenas
ciamento não simplesmente como respeito se comportam como chefes, acabaram de sair
à hierarquia. É necessário liberdade de da escola e são colocados em postos de
expressão em relação ao superior hierár- chefia, porque são inteligentes. Mas esses se
quico. Assim, creio que o primeiro critério encontram em situação de chefia, não de
para ser um gerente competente, que não gerenciamento. Eles dão ordens e acreditam
é freqüentemente colocado, é ser leal ao que isso basta. Portanto, é preciso, o mais
chefe, mas nunca ser-lhe submisso ou servil. rápido possível, colocá-los em diferentes
Creio que essa seja uma dificuldade para postos de gerenciamento, para que apren-
alguns gerentes. Esse critério me parece dam na prática. A gestão de recursos
mais relevante do que aqueles mais humanos, nesse sentido, é essencial para fazê-
comumente levantados, como a capaci- los mudar de área, organizar a mobilidade
dade de fixar objetivos, de mobilizar em função do interesse da administração
equipes, de atuar como líder, de saber pública e não simplesmente em função da
avaliar os resultados. Aquele primeiro necessidade profissional do indivíduo. É
critério pode não ser o mais importante, preciso também que haja alternância entre
mas, sem ele, as demais capacidades se formação e ação. A ENA (École Nationale
inviabilizam. O que, por exemplo, se d’Administration)3 oferece uma formação
aprende nos livros é que o gerenciamento excelente em nosso país. O que acontece,
por objetivos2 requer capacidade de discutir porém, é que, mesmo com essa formação
e eventualmente negociar com o superior fantástica, temos um setor público que tem
hierárquico não sobre os objetivos – perdido, pouco a pouco, sua qualidade.
porque esses são estabelecidos pelo Éramos o primeiro do mundo e hoje não
superior –, mas sobre a forma de realizá- passamos do segundo ou terceiro. É preciso
los, sobre os prazos e os insumos necessá- prática. Na França, deixamos os gerentes,
rios. Ou seja, a lógica aqui é a da respon- um ano ou um ano e meio, em um mesmo
sabilização e não a da execução. Mas, ora, posto – dizem que permanecer mais tempo
para que eu seja de fato responsável pelo os “emburrece”, mas o fato é que eles não
que me foi confiado, é preciso que eu tenha conseguem fazer nada nem aprender nada
liberdade de expressão com relação a nesse curto período.
meus superiores e espírito crítico.
Da Redação – Trata-se, então, de tenta-
Da Redação – E como se aprende a ser tiva e erro?
um gerente competente? Serge Alecian – Certamente. Apren-
Serge Alecian – Gerenciar é uma prá- demos com os erros, com as situações,
tica, uma atividade, uma profissão e, como compreendendo a estrutura da organização.
Na França, e creio que seja um pouco assim Da Redação – Mas como evitar o risco de
também no Brasil, os servidores formam- práticas desastrosas?
se em grandes escolas e já começam por Serge Alecian – A possibilidade de
cima, ocupando altos cargos. Eles não sabem desastre está em todo lugar. Pensa-se que,
como funciona a estrutura da organização no setor privado, existe o direito de errar.
e tomam decisões que não levam em conta Não parece tão grave errar no setor
a realidade dela. Trabalhamos, por exemplo, público, porque o erro nunca, ou quase
com os formandos da ENA, uma escola nunca, é punido. Quando eu erro, por um
de elite, de ponta. O problema é que geren- dia, a entrega da minha declaração de
ciamento não diz respeito apenas a uma imposto, tenho de pagar 10% de multa.
questão de inteligência. Para torná-los Mas, quando um servidor público não me
gerentes competentes, é melhor lançá-los à responde ou comete um erro, nada ocorre.
prática, mas não fazendo-os começar de Então, não faz sentido temer desastres.
cima. Antes, um servidor iniciava sua carreira Além disso, colocando-os em postos de
em um posto operacional. O mesmo
ocorria nas empresas privadas: um diretor
de banco começava seu aprendizado no “Se queremos
guichê. Hoje, eles se tornam, de imediato, criatividade, devemos, em
diretores ou vice-diretores, o que gera um primeiro lugar, aceitar
problema sério. Há ênfase sobre a inteligência
e não sobre outras qualidades do gerente, que as pessoas assumam
como a coragem, que se aprende na práti- riscos. Em segundo lugar,
ca. Não quero dizer com isso que a for- saber lidar com o direito
mação não é importante, mas é necessário ao erro. Por fim, avaliar
refletir sobre ela tendo em mente as neces-
como são tratados os que
sidade dos diferentes órgãos da adminis-
tração pública, em articulação com a gestão nada fazem e, assim,
de RH, e ter como meta, também, a mobi- nunca erram.”
lidade. O sistema, na França, funciona
de maneira tal que os servidores são
promovidos de imediato, sem experiência. primeiro nível, eles estarão sob a direção
São eles, sem dúvida, a nata dos gradua- de alguém mais experiente, que vai impedir
dos, saem das melhores escolas francesas. os erros. É por isso que eles deveriam
Quando lhes ministramos cursos sobre começar em departamentos pequenos, por
gerenciamento, eles compreendem o assunto baixo. Mas não é o que ocorre na França,
perfeitamente, porque não se trata de algo eles são logo enviados para postos de
difícil de se compreender, trata-se de bom direção. Lá, eles podem cometer erros,
senso. Eles logo se desinteressam. Entretan- embora se trate de pessoas sérias, que
to, quando retornam ao curso, um ano trabalham 70 horas por semana para evitá-
depois, já atuantes, os mesmos alunos los. É um sistema elitista, porque pressu-
trazem cem dúvidas para resolver em sala põe que apenas aqueles “de cima” podem
de aula. Ou seja, não é uma questão de errar, o que é mais grave. Entrega-se um
compreender, é uma questão de agir, posto a um jovem de 27 anos, que irá
pôr em prática. trabalhar com pessoas de 50 anos, e são
função pública – na verdade, não somente como o direito ao erro é tratado. É neces-
nela –, nós formatamos as mentes de sário tratar de forma positiva a tentativa
maneira que todos pensem de forma igual. mal-sucedida que tenha sido de boa-fé.
Isso me dá medo, porque assim desapa- Nesse ponto, vejam os norte-americanos:
recem os cérebros. As pessoas passam a mesmo que a pessoa tenha falhado, se não
não se comportar por elas mesmas, é o o fez desonestamente, considera-se que ela
melhor dos mundos de Aldous Huxley. tenha aprendido algo. Em nosso país e
Tornamo-nos todos parecidos, clones. possivelmente no Brasil, reprovamos a
iniciativa, porque ela foi falha na primeira
Da Redação – A estrutura da adminis- tentativa. Mas só aprendemos fazendo
tração pública não estimula a inovação. No entanto, erros... Em terceiro lugar, avaliar como
vemos a inovação ocorrer, vemos que há inovadores. tratamos aqueles que não fazem nada e,
Como dar maior espaço para que ela ocorra? assim, não erram. Infelizmente, em geral,
Serge Alecian – É novamente a arte são esses que fazem carreira. Não erram
de o gerente conseguir um equilíbrio entre nunca, ou seja, são os “não-criativos”, mas
a capacidade de fazer, de agir, de um lado, os únicos promovidos. Se esses três
e a de ir além das regras, de outro. Também aspectos forem observados, teremos,
aqui há uma formação a ser dada para ex- então, criatividade.
plicar-lhes que as regras são necessárias, os
procedimentos são necessários, mas Da Redação – Se sou um colaborador e
também é preciso saber contorná-los, por tenho um chefe que não observa a regra dos 4C,
vezes, ou seja, é preciso também ensiná-los como devo comportar-me, como deve ser meu
a transgredir, ao mesmo tempo que lhes relacionamento com o chefe? Mudar de posto seria
incutimos valores para evitar “derrapagens”. o ideal?
Dominique Foucher – Não. Seria
Da Redação – É preciso coragem. preciso, primeiro, que houvesse a possi-
Serge Alecian – Sim, voltamos à bilidade de mudança de posto, já que, com
coragem. Por outro lado, há, de fato, ela, a “relação de força” se modifica e se
criatividade no serviço público. Por quê? torna possível conversar com o chefe. Mas
Porque há muitas pessoas que ingressam no isso é raro. Convém, assim, distinguir o
serviço público por convicção, porque ideal do real. O ideal é intervir junto ao
querem servir à coletividade, porque consi- superior hierárquico e dizer-lhe que as
deram a função pública nobre. Repito: é coisas não estão bem. A experiência mostra
preciso aprender a transgredir. O sistema que, de dez superiores hierárquicos, ao
público é reducionista, ele “corta cabeças”, menos seis irão aceitar as críticas dos
corta a coragem. Se queremos criatividade, colaboradores, sob a condição de que eles
devemos, em primeiro lugar, aceitar que as saibam fazê-lo (mostrando-se leais,
pessoas assumam riscos, saiam dos proce- respeitando a linha hierárquica, evitando
dimentos. Em geral, é o contrário: lembra- ataques pessoais, etc.). É mais difícil com
mo-lhes incessantemente que há procedi- os outros quatro, aqueles que não querem
mentos a serem seguidos. Em segundo ouvir nada, que consideram toda crítica um
lugar, se há pessoas que transgridem e “crime de lesa-hierarquia”. Com esses, o
assumem riscos, há também pessoas que colaborador não tem exatamente opções,
erram. Nesse sentido, a questão é saber é melhor preparar sua partida.
pessoas que não sejam de seu serviço e não Dominique Foucher – À condição
se conheçam. Isso facilita o questionamento, que tais instrumentos sejam de fato
tendo em vista que, com pessoas que colocados à disposição para esse fim. Do
conhecemos, ativamos a nossa lógica de contrário, as novas tecnologias permitem
autoproteção. também conceber a DRH não mais como
área estratégica, mas como área meio, que
Da Redação – Para que esse tipo de ava- se coloca à disposição dos gerentes para que
liação seja sistemática, é essencial o papel da DRH. eles possam recrutar e gerenciar os
Quais os desafios das DRHs no setor público? colaboradores de acordo com regras
Serge Alecian – Tornar a gestão de definidas e exigir de cada um deles que se
recursos humanos uma função comparti- gerenciem. É o que chamamos na França
lhada entre a DRH e os gerentes. A gestão de “empregabilidade”. Não sei se é um
de RH deveria ser feita com a participação desafio, mas, em todo caso, é uma evolução.
deles. É o que vemos hoje nas empresas. O Em algumas atividades, notadamente no
desafio maior, portanto, é tentar reformar- setor privado, há a idéia de que a cada um
se. As DRHs dirão que a mudança não cabe gerenciar a sua própria carreira. A
depende delas, mas de estatuto, do sindi- empresa não está lá para gerir as carreiras
cato, do Ministério da Fazenda, etc. e todos das pessoas, mas para facilitar e a ajudá-las
passam a bola para o outro. Mas o desafio nessa tarefa. É uma abordagem possível,
está lá. Para conseguirmos alocar as compe- na qual as novas tecnologia são bastante
tências para o lugar certo e no momento utilizadas. Há outras abordagens que
certo, deve-se, fundamentalmente, envolver “tomam conta” sistematicamente dos
mais o gerenciamento na gestão de RH, profissionais. Nessa lógica, as pessoas
talvez não desde o início, no momento do evoluem progressivamente e há acumulação
recrutamento, já que há concursos, mas na e capitalização de experiência. Sem dúvida,
escolha de pessoas com base na lista de no serviço público francês, essa função terá
aptidões, na gestão da mobidade, da de ser compartilhada e não centralizada, de
remuneração, da formação, dos treina- maneira que a trajetória profissional seja
mentos e na atuação dos servidores. Os repensada por todos e não simplesmente
verdadeiros desafios estão aí. O Grupo por alguns. Ressalto que estatutos não são
Accor faz isso na Espanha e em outros um problema em si. Os relatórios Valmont,
países. São os funcionários de cada hotel de 1998, e de Pochard, de 2003, dois traba-
que gerenciam e fazem a gestão de RH. lhos importantes para se compreender a
evolução da função pública na França,
Da Redação – Nos hospitais também, a mostram bem esse aspecto. Valmont diz que
enfermeira exerce um papel muito forte de gestão estatutos são positivos, porque criam uma
de recursos humanos. identidade cultural. O que é problemático é
Serge Alecian – Mas não é a tradição o uso que fazemos deles.
no serviço público, e esse é o grande
desafio. Da Redação – Há alguma particulari-
dade brasileira no gerenciamento, comparando-o
Da Redação – As novas tecnologias de com o modo francês?
informação podem ajudar nesse processo, elas abrem Serge Alecian – Parece-me, baseado
possibilidades maiores. nas leituras que fiz sobre o Brasil, que aqui
Notas
combinações. Existe o manipulador, que esconde o jogo; o honesto, que coloca todas
as cartas na mesa; o lúcido, que vê claramente o jogo do outro e leva isso em conside-
ração; e o ingênuo, que não se preocupa com o jogo do outro e se deixa enganar. A
combinação entre o lúcido e o manipulador resulta em um negociador “maquiavélico”,
para quem só os resultados importam. Do manipulador e do ingênuo, surge um
“jogador”, que considera que os outros são fáceis de ganhar. O ingênuo e o honesto
formam uma “criança no coral”, ou seja, um negociador que vê todos como pessoas
honestas como ele. A combinação entre o honesto e o lúcido forma o “realista”, aquele
que busca tornar possível o que é necessário.